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BRASILEIRA
AULA 3
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cada vez mais volumosas. A música de concerto iria perder seu poder de
comunicação imediata entre indivíduos de uma dada sociedade e se converteria
em ferramenta diretamente vinculada ao prazer de uma elite requintada. É nesse
sentido que podemos verificar a atuação dos clubes musicais, voltados para a
associação de membros, quase sempre provenientes dos estratos sociais
privilegiados, ambicionando a música enquanto elemento de civilidade.
As instituições privadas de promoção de música desempenharam papel
significativo no processo de ampliação do gosto musical então vigente, ao
ambicionar obras instrumentais de câmara e sinfônicas, desse modo
amenizando a primazia estabelecida da ópera. Tem-se as bases para uma
mudança significativa que resultou em movimento artístico amplificado nos
primórdios da República, que tomou como base o repertório instrumental ao lado
da tradição do canto lírico (Sampaio, 2012, p. 87).
A efervescência sociocultural impulsionada nos principais polos
brasileiros durante a Belle Époque, sobretudo no Rio de Janeiro, mobilizou,
dentre outros, o cenário da produção musical. Caracterizou-se pelo discurso das
camadas burguesas na busca por sua afirmação no interior dos quadros
hegemônicos, a partir do ideário de civilização, progresso e modernidade como
as molas propulsoras do desenvolvimento da República. Para manter e
promover os interesses e a visão da própria elite, os paradigmas culturais
derivados da aristocracia europeia foram adaptados ao meio carioca, capital da
então República, com essa finalidade (Needell, 1993, p. 11).
No campo da formação profissional musical, o regime republicano iniciou
nova fase para os músicos do Rio de Janeiro, que, sem a tutela imperial,
ambicionavam outro patamar de realização aos moldes do “progresso”. As
instituições de ensino buscavam suplantar as carências experienciadas pelo
então Conservatório de Música do Rio de Janeiro, que às vésperas da república
se encontrava “desprovido dos elementos indispensáveis ao bom desempenho
dos deveres que lhe ficavam pautados”, em condição de “penúria”, tanto o
conservatório, quanto seus professores (Pereira, 2007, p. 65).
O Conservatório de Música do Rio de Janeiro seria transformado, em
1890, no Instituto Nacional de Música, iniciando nova fase da instituição frente
ao projeto de modernidade ambicionada pela recém instaurada República. A
direção do Instituto foi destinada a Leopoldo Miguez (1850-1902) até o ano de
falecimento desse, e a partir daí, ficaria a cargo de Alberto Nepomuceno
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(1864-1920), dois compositores de prestígio internacional, representantes da
música de concerto brasileira inseridos nesse projeto de alinhamento
progressista do Brasil frente aos polos europeus.
Ao analisarmos que, durante as práticas musicais da monarquia a
estilística italiana de ópera era entendida como a corrente majoritária, na
República esse ideal era entendido como um modelo “conservador”. Partindo
dessa premissa, o Instituto e toda sua orientação estética se voltava para uma
tendência “progressista”, identificada nas escolas alemã e francesa, e ao se
posicionar nessa direção, criava vínculo entre essas e a República que se
instaurava no país, identificada igualmente como sinal do que havia de mais
civilizado e progressista (Pereira, 2007, p. 74).
Aliado a esse cenário de mudanças, as instituições privadas dirigidas por
compositores passaram a organizar concertos em torno dessas novas
possibilidades estéticas. Em 1912, foi criada a Sociedade de Concertos
Sinfônicos, pelo professor Francisco Nunes (1875-1934) e pelo compositor
Francisco Braga (1868-1945), seu diretor artístico e regente por 22 anos. A
entidade tinha como princípio a divulgação do repertório instrumental, em
especial das correntes estéticas alinhadas aos preceitos republicanos, da
tradição germânica e francesa. O próprio alinhamento estético de Francisco
Braga confirma essa realidade, selecionando a França como local de estudos
após receber bolsa do governo brasileiro (Fukuda, 2009, p. 25)
Em São Paulo o cenário seria semelhante, a partir da formação de
instituições de promoção de concertos e eventos musicais, tais como a
Sociedade de Cultura Artística, em 1922. Entretanto, enquanto instituição
privada mantida sob mensalidade de seus associados, característica comum a
esse tipo de instituição, as dificuldades na contratação de organismos musicais
maiores, como uma orquestra, eram evidentes. O próprio Mário de Andrade se
envolveria no cenário das preocupações sobre as instituições de promoção de
música de concerto, criticando certas preferências e apelo de fácil assimilação
por parte das obras executadas (Toni, 1995).
Nota-se a importância das instituições recém-criadas durante o
estabelecimento da República, relevantes locais de construção do conhecimento
sobre música e sobre fruição de repertórios musicais, cada vez mais alinhados
a novos modelos estéticos. Passaram a reconhecer na música instrumental o
repertório que lograria êxito frente às novas demandas sociais emancipadas no
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período posterior à proclamação da República, demandas estas que
externalizavam o discurso engajado que identificava na música um elemento
caro à modernização e civilização dos estratos sociais brasileiros.
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O sucesso popular das cançonetas saídas dos palcos dos cafés
cantantes, dos cafés concerto, e posteriormente das casas de chope e dos
circos, contribuiria para o aparecimento de dezenas de cançonetistas
especializados nesse tipo de repertório. Sua representatividade nesse processo
reside em traduzir-se como um gênero que oportunizou certa democratização
enquanto manifestação artística, aos estratos sociais menos favorecidos, um
estágio a meio caminho entre a cultura popular das classes pobres daquela outra
importada do exterior para consumo dos imitadores da burguesia europeia
(Tinhorão, 1998, p. 218).
A música popular destinada à apreciação do público consumidor de
produções destinadas ao lazer urbano, passível de se transformar em objeto de
comércio por meio da venda de partituras para piano e, posteriormente, na forma
de discos, surgiu de fato com o teatro de variedades a partir de fins do
século XIX. Era um tipo de espetáculo popularizado desde a segunda metade do
século XIX, que dependia quase que completamente de números musicais.
Constituía-se enquanto diversão pública de palco que possibilitava a frequência
da heterogênea classe média brasileira, de gosto ainda vinculado à origem
humilde da qual provinham (Lopes, 2000).
De maneira semelhante, é possível indicar que o teatro de revista se
converteria na confirmação da cultura de rua e de seus respectivos personagens,
contribuindo para a consolidação da autoimagem do carioca. Essa autoimagem
se dava na representação de si, a partir de figuras tais como a do malandro, do
Zé povinho, da mulata, bem como na percepção do outro, identificadas na
caracterização do português, o interiorano, a francesa (Lopes, 2000, p. 24).
Configurado na interação entre música, teatro e dança, o teatro de revista
se desenvolvia a partir de quadros, conectados por um fio condutor, geralmente
representado pelas personagens do compadre e comadre. A ideia era “passar
em revista” fatos contemporâneos da realidade da cidade, de maneira cômica ou
caricata (Mengarelli, 1999).
Esse tipo de produção artística das camadas mais populares demandou
intensa produção de música para sua concretização. Dos inúmeros musicistas
de prestígio inseridos nesse campo de atuação, podemos destacar a figura da
pianista e compositora Chiquinha Gonzaga (1847-1935). Enfrentando um
cenário dominado pela presença masculina, a musicista conseguiu estabelecer,
não sem preconceito, seu lugar nesse campo de atuação, logrando êxito ao
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longo do desenvolvimento desse mercado de trabalho, já que “sua assinatura
num libreto se tornava garantia de casa cheia” (Diniz, 2009, p. 139).
Várias de suas obras mais conhecidas constituem fragmentos do conjunto
musical de uma obra para teatro de revista, como o conhecido tango O Gaúcho
(corta-jaca), para a revista Zizinha Maxixe. A compositora transitava pelos
diversos gêneros populares da época, produzindo obras ao gosto do público da
época, cada vez mais afeiçoado pelo maxixe, que costumava ser inserido no
final da apresentação (Verzoni, 2011, p. 163-164).
Nesse contexto, portanto, de urbanização da vida nos grandes centros,
novos espaços de lazer e fruição das artes seriam impulsionados. Cada vez mais
a música popular seria utilizada como produto artístico a ser consumido pelas
classes sociais médias, ampliando as oportunidades dos compositores e
musicistas vinculados a esse tipo de prática.
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3.1 Novas propostas e mecanismos do fazer musical
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formação para um grupo de oito músicos visando apresentações no Cine Palais,
um cinema de prestígio na cidade do Rio de Janeiro. Importante destacar que
esse espaço, a sala de espera, eram um local de prática musical para os
espectadores que aguardavam as sessões de cinema, tendo a música um papel
importante nesse processo. Nesse sentido, natural verificar a concorrência entre
os cinemas para atrair maior público, inclusive a partir dos conjuntos musicais
que se apresentavam.
Não sem críticas da elite local frequentadora do Palais, questionando as
vestimentas regionalizadas dos integrantes e a presença de quatro negros no
conjunto, as noites de apresentações no Cine Palais eram amplamente
frequentadas pela população local, destacando assim o conjunto, que ficou
conhecido como Os 8 Batutas. Dado o sucesso, foram empresariados e iniciaram
uma turnê que percorreu inúmeras cidades brasileiras, de 1919 até praticamente
1922, com curtos intervalos, incluindo uma rápida turnê pela França (Cabral,
2007).
O exemplo dessa empreitada de músicos de prestígio tais como
Pixinguinha e Os 8 Batutas demonstra a intersecção dos espaços públicos, como
os coretos, e as salas privadas dos cinemas luxuosos cariocas no Brasil
republicano. Mais além, demonstra a tênue linha que demarcava esses espaços
e a integração e interação, não sem críticas, de estratos de diferentes classes
sociais nos divertimentos musicais do início do século XX.
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repertórios disseminados nos discos, oportunizando novos mecanismos de
fruição musical e criando um imaginário sonoro no Brasil do início do século XX.
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especializadas sobre novos lançamentos, um novo setor da crítica musical
especializada em assuntos relacionados à música gravada (Cascaes, 2016,
p. 68).
É importante mencionar que enquanto esse equipamento não foi tido
como ultrapassado, e do mesmo modo enquanto os próprios concorrentes
estrangeiros competiram no mercado brasileiro com discos fabricados segundo
processos igualmente rudimentares, a Casa Edison manteve-se dominante no
mercado, com amparo na excelente rede de distribuição que havia montado em
diversos polos brasileiros. A partir de 1924, entretanto, os engenheiros
norte-americanos da Victor Talking Machine partiram para nova etapa no campo
das gravações e reprodução de sons, criando em primeiro lugar as vitrolas
ortofônicas e mais tarde as chamadas eletrolas, “acionadas eletricamente”. A
iniciativa brasileira perdeu impulso, e o próprio Frederico Figner iria se ver
reduzido em pouco tempo à condição de mero comerciante de discos, máquinas
de escritório e artigos musicais (Tinhorão, 1978, p. 29).
Após a transição do método de gravação do sistema mecânico para o
sistema elétrico em fins da década de 1920, a atividade musical ganha mais um
campo de atuação, músicos são requeridos para trabalhar nos estúdios
fornecendo material para consumo da população. Com o advento do rádio, na
década de 1930, esse processo é acentuado, criando um mercado de trabalho
ainda mais consistente e que abrigaria instrumentistas, maestros, compositores,
copistas, arranjadores, cantores, mobilizando o cenário profissional como
poucos momentos da história da música popular brasileira.
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5.1 Do início da trajetória à consagração como compositor
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recolhidos durante a expedição Rondon, em 1908. A estética francesa, influência
à época do compositor Villa-Lobos em formação, foi abandonada, e a nova
abordagem das sonoridades orquestrais encontrou inspiração no então
compositor russo Igor Stravinsky (1882-1971) (Guérios, 2009).
Seria apenas em Paris, local no qual permaneceu efetivamente, e não ao
longo da Semana de Arte Moderna, portanto, que Villa-Lobos descobriu-se
compositor nacional, momento no qual passou a se construir como artista
brasileiro. Desde então, criaria obras essencialmente nacionais e daria início a
essa aura mítica em torno de si próprio, ao construir falas emocionadas sobre
sua nação e seu pertencimento ao imaginário nacional (Moreira, 2011, p. 84).
Para que essa verdadeira conversão ocorresse, foi necessário o contato com as
impressões europeias a respeito da nacionalidade e da própria nação brasileira.
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NA PRÁTICA
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FINALIZANDO
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REFERÊNCIAS
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SAMPAIO, S. B. Música: velhos temas, novas leituras. Rio de Janeiro: Mauad,
2012.
TONI, F. C. Uma orquestra sinfônica para São Paulo. Revista Música, São
Paulo, v.6, n.12, 1995, p. 122-149.
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