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Entendendo a música como linguagem, dissipam-se as antigas questões entre forma e

conteúdo, música nacional e cosmopolita, tão apreciadas no Brasil. Observamos que ela é uma só
em toda a arte do Ocidente, desde a Grécia antiga até os dias atuais, seguindo uma evolução que
parte do sistema modal, baseado no estudo do fenômeno acústico, até alcançar o microtonalismo
concreto-eletrônico. Inicialmente na Europa, expandiu-se para as Américas em seus estágios finais,
influenciada por gregos, franceses, italianos, alemães ou flamengos, e atualmente também pelos
americanos.

As estruturas fundamentais da música ocidental, como os melismas do cantochão, quintas


e oitavas paralelas da Ars Antiqua, o grau sensível da Ars Nova, a mobilidade modal da
Renascença, o relacionamento tonal do Barroco, as dissonâncias não resolvidas do Romantismo e o
ruído elevado à categoria de som musical na música moderna, são as mesmas em qualquer país
ocidental. A música brasileira é uma manifestação dessa linguagem, ramificando-se para as
Américas durante o período Barroco, inicialmente evidenciada principalmente em Minas Gerais.

Primariamente, a música brasileira é barroca; posteriormente, podemos denominá-la como


brasileira. Da mesma forma, ao ouvirmos Vivaldi, referimo-nos à música barroca, não à música
italiana. Isso não nega o fato de que a música de Vivaldi é barroca italiana, assim como a nossa é
barroca brasileira, pois ambos os casos utilizam um mesmo conjunto de estruturas significativas,
enriquecendo-as com contribuições pessoais dos compositores.

Para diferenciar entre música nacional e universal, sugiro que a música mais inventiva,
sem ligações rígidas com tradições específicas, é considerada mais nacional. Isso contrasta com a
abordagem dos defensores da arte nacionalista, que medem a nacionalidade de uma obra musical
pelo grau de sua ligação com as fontes percebidas da nacionalidade, esquecendo que essas fontes
são reflexos distantes da mesma linguagem musical ocidental.

Para posicionar a música brasileira no contexto do Modernismo ou em qualquer outro


momento da história da música ocidental, é crucial analisar como seus compositores utilizaram os
sinais sonoros significativos de cada época. A classificação proposta por Pound não deve ser
aplicada de maneira esquemática para avaliações, requerendo uma análise mais aprofundada,
considerando as condições sociais e econômicas do autor.

Além disso, é necessário verificar em que medida a música brasileira acompanhou a


evolução das outras ramificações da linguagem musical ocidental, seja formando um tronco-mestre
com elas ou seguindo essa evolução. No período barroco, por exemplo, a música brasileira era
barroca, com algum atraso devido às dificuldades de comunicação da época, mas ainda assim
utilizando as estruturas significativas da música daquele período.

Quase todos os compositores barrocos brasileiros eram mulatos, destacando-se pela


extraordinária musicalidade herdada dos negros. Mesmo limitados pelas condições da época,
conseguiram criar obras notáveis, influenciando as gerações seguintes de compositores eruditos
brasileiros. A falta de dados precisos torna difícil julgar completamente esses compositores, mas é
possível suspeitar que alcançaram um respeitável domínio técnico dadas as condições em que
compuseram.

À medida que entramos no século XIX, ainda com um inevitável atraso, a música
brasileira mantém-se alinhada com as correntes europeias. Encontramos um compositor que quase
atinge o status de mestre: o Padre José Maurício Nunes Garcia, destacado representante da música
rococó. Sua notável musicalidade impressionou vivamente Sigismund Neukomm, um discípulo de
Haydn, que visitou o Brasil. José Maurício, também mulato, manipulou com destreza os padrões
musicais da época, incorporando elementos brasileiros, como passagens cromáticas e
melodramáticas, destacando-se por querer imprimir um caráter genuinamente brasileiro à sua
música.

Na segunda metade do século XIX, a música brasileira começa a refletir a multiplicidade


de caminhos abertos pelo Romantismo. Brasílio Itiberê introduz temas populares dentro do esquema
formal clássico-romântico, seguindo o exemplo das escolas nacionalistas russas e do Centro e Norte
da Europa. Carlos Gomes adere aos padrões da ópera italiana, enquanto Ernesto Nazareth,
influenciado por Alexandre Levy, isola elementos afro-espanhóis e sintetiza a célula rítmica do
maxixe, proporcionando uma primeira incursão na invenção da música popular, repetida por
diversos artistas contemporâneos.

Até o início do século XX, a música brasileira se desenvolveu de maneira satisfatória,


considerando as condições em que se manifestou, equiparando-se às produções musicais de outros
países das Américas, incluindo os Estados Unidos. No entanto, seria nas três primeiras décadas
desse século que a música brasileira explodiria como uma expressão única do continente americano,
ao lado de países como Estados Unidos, México, Argentina e Cuba. Nesse período, surgem não
apenas inventores, mas uma inovação marcante: a música popular urbana, que engloba o jazz, o
tango, a rumba e o samba, representando as primeiras manifestações da música de massa.
O fenômeno da cultura musical de massa, que se torna possível com o advento dos meios
de comunicação de massa, é particularmente destacado nas Américas. Segundo o poeta Augusto de
Campos, há uma capacidade distintiva entre os músicos americanos de romper com os cânones
tradicionais, caracterizada por uma propensão ao inesperado e à experimentação, algo que
diferencia os compositores americanos dos europeus e asiáticos, mais apegados à tradição.

Esse pragmatismo antropofágico dos artistas nativos, que não apenas absorvem, mas
também impõem sua visão, é crucial para a compreensão da música americana. Essa capacidade de
ruptura e experimentação é algo que, segundo o texto, não encontramos na Europa, com exceção
talvez da Inglaterra, que, devido a uma relativa independência das tradições continentais,
desenvolveu uma música única, mesmo que importada dos Estados Unidos.

No contexto da linguagem musical moderna, a música popular urbana e a música erudita


manipulam as mesmas estruturas formais características do século XX. Isso contrasta com a música
folclórica, que fornece temas e motivações, mas não atua sobre a linguagem musical moderna da
mesma forma que a música popular urbana, que traz contribuições significativas para o
desenvolvimento dessa linguagem.

Na primeira metade do século XX, enquanto a Europa se inclina para um rigor serialista, as
Américas quebram o cenário com seu informalismo caótico e cheio de vida. Dois gigantes desse
período são Charles Ives, dos Estados Unidos, e Heitor Villa-Lobos, do Brasil, ambos inventores de
primeira linha e representantes de suas culturas nacionais. Ambos compartilham a busca pelo
transcendental e cósmico, refletida não apenas em suas composições, mas também nos títulos que
escolheram para suas músicas.

Por fim, a música urbana desempenha um papel fundamental nessa exploração sonora. Por
meio da síntese da célula rítmica do maxixe, da batida da bossa nova e dos sons das bandas de New
Orleans, surgem inovações formais, destacando-se a formação de pequenos conjuntos instrumentais
e a busca deliberada por um som sujo. Essas experimentações, levadas às últimas consequências,
antecipam o som concreto da música contemporânea, marcando uma etapa significativa no
desenvolvimento musical de massa.

Outro ponto relevante em comum entre Villa-Lobos e outros músicos, como Stravinsky,
reside na utilização precoce de procedimentos composicionais politonais e polirrítmicos, muito
antes de entrarem em contato com a música europeia. Movidos por uma intuição inventiva
independente e desprovida de preconceitos, ambos alcançaram resultados semelhantes,
sistematizando técnicas utilizadas posteriormente por compositores europeus, sem sofrerem
influência direta. Villa-Lobos, em particular, compôs de maneira livre, sem a intenção de criar uma
escola ou seguidores, explorando livremente tudo o que lhe interessava, assim como Stravinsky,
destacando-se pela marca sonora que conseguiu criar.

O renomado compositor francês Olivier Messiaen, em entrevista a Antoine Goléa,


confessou que uma das maiores influências em sua instrumentação foi Villa-Lobos, considerando-o
um dos principais criadores da primeira metade do século. O impacto do brasileiro é evidente na
obra de Messiaen, especialmente ao estudar os "Choros" para orquestra.

Em obras como "Uirapuru" (1917), Villa-Lobos demonstra sua preocupação com o som da
floresta, utilizando percussões populares como cocu, reco-reco, tamborim e até um violinofoze.
Essa abordagem é comparada à utilização de apitos e assovios por Mesias Maiguashca em 1968,
evidenciando uma continuidade na busca sonora na música contemporânea.

A peça "Amazonas" (1917) destaca-se pela necessidade de quatro pautas para transcrever o
som desejado para o piano, um recurso gráfico que encontra paralelos na música atual. Em "Choro
n.º 8", Villa-Lobos introduz papel de seda entre as cordas do piano, uma prática que, na
contemporaneidade, pode ser relacionada à música pré-concreta.

A obra "Rudepoema" (1921), uma extraordinária peça para piano, já explora efeitos
semelhantes aos utilizados posteriormente na nouvelle musique darmstadtiana, como pressionar
notas do piano sem tocá-las e fazê-las soar através do ataque de outras notas. O texto menciona a
complexidade rítmica presente nessa composição, sugerindo a possibilidade de uma análise
comparativa com a "Sagração da Primavera" de Stravinsky.

A música de Villa-Lobos, junto com a de outros compositores como Ives, Cowell e


Antheil, é caracterizada por um impressionismo e politonalismo que, embora possam ser
considerados baratos frente à técnica dos contemporâneos europeus, carregam uma autenticidade e
independência tipicamente americanas. Esses músicos, apesar de suas inovações, não escapam do
mau gosto e altos e baixos presentes na música dos grandes inventores americanos.

Finalmente, o texto aborda a Semana de Arte Moderna de 1922 e argumenta que


Villa-Lobos já havia realizado plenamente sua expressão artística antes desse evento. Apesar da
importância da Semana, o autor sugere que, a partir desse período, a música brasileira começou a se
atrasar em relação ao desenvolvimento global da música contemporânea ocidental. Camargo
Guarnieri e Francisco Mignone, representantes da música pós-Semana de Arte Moderna, embora
admiradores de Villa-Lobos, criticaram-no por não ser suficientemente brasileiro em algumas
composições.

A análise conclui destacando que a música de Villa-Lobos, juntamente com a de outros


grandes compositores, apontou para o futuro da música na segunda metade do século XX. Sua
grandeza reside na contribuição para elevar o ruído à categoria de som musical, antecipando o que
viria a ocorrer com a música eletroacústica. Apesar da influência marcante na música brasileira, o
texto sugere que nossos compositores nacionalistas não conseguiram encontrar uma solução para a
problemática de Villa-Lobos, que, assim como Debussy e Stravinsky, transcendeu os esquemas
formais clássico-românticos e representou uma contribuição valiosa para o desenvolvimento da
linguagem musical do Ocidente.

Um exemplo representativo dessa dissociação entre a música brasileira e os avanços da


linguagem musical do Ocidente é a peça "Canção Sertaneja" de Camargo Guarnieri, datada de
1928. Apesar de sua beleza e emotividade dentro de seu gênero, a estrutura e forma da composição
poderiam facilmente remontar ao final do século anterior, apresentando uma construção semelhante
à encontrada em Grieg e Fauré. Nota-se uma ausência de elementos brasileiros na matéria estrutural
e na forma, visto que a harmonia é essencialmente francesa e a estrutura reflete a forma
clássico-romântica da canção.

Em contraste, Villa-Lobos, em 1918, na peça para piano "Polichinello", já introduzia um


bitonalismo notável (dó-mi-sol em trêmulo contra mi bemol, si bemol e ré bemol), comparável ao
presente em "Petrushka" de Stravinsky. Em 1928, enquanto peças como "Canção Sertaneja" eram
criadas no Brasil, na Europa, Schoenberg apresentava suas "Variações para Orquestra op. 31",
baseadas na técnica dodecafônica que ele sistematizara. Esse contraste evidencia um retrocesso e
desconexão significativos da música brasileira em relação à corrente principal da linguagem
musical ocidental, então em dissolução de suas formas tonais.

Títulos e indicações expressivas à moda brasileira, que eram inovações em Villa-Lobos,


adquiriram, nos trabalhos de seus pretensos continuadores, uma conotação acadêmica e regionalista.
As características sincopadas brasileiras tornaram-se banais, centralizando o interesse sem
apresentar informação nova, ao contrário de quando utilizadas em contextos populares onde foram
originadas.

A análise da estrutura rítmica de "Rudepoema" destaca a presença da famosa sincopa, mas


sua inserção na trama sonora a faz desaparecer como um elemento folclórico óbvio, integrando-se
como um dado entre muitos na construção de um todo que representa uma informação nova. Isso
contrasta com a abordagem mais simplista de muitos compositores posteriores, que enfocaram o
desenvolvimento de elementos folclóricos sem buscar inovações significativas na composição.

A discussão destaca a importância de como se utiliza o material nativo na música, citando


o exemplo de Kandinsky, que, a partir do estudo do folclore russo, desenvolveu o Abstracionismo.
O texto argumenta que a chave para aproveitar elementos nacionais na arte está na invenção e na
pesquisa, não apenas na reprodução ou desenvolvimento de características melódicas e rítmicas
constantes.

O autor critica a abordagem reativa das gerações seguintes, que desenvolveram elementos
melódicos e rítmicos sem compreender a pesquisa e inovação subjacentes na obra de Villa-Lobos e
outros. A comparação é feita com Debussy, cujas correntes nacionalistas desenvolveram apenas a
perfumaria harmônica, sem compreender o impacto mais amplo na destruição do sistema tonal e na
emergência de uma música baseada em ruído, som eletroacústico e momentos.

O texto menciona uma tentativa de renovação da música brasileira após a Segunda Guerra
Mundial, liderada por Cláudio Santoro, Guerra Peixe e Eunice Catunda, sob a orientação do Prof.
Koellreutter. No entanto, essa tentativa foi sufocada pela repercussão do manifesto Jdanov e pela
carta aberta de Camargo Guarnieri contra o dodecafonismo. Esses eventos fortaleceram a corrente
nacionalista no Brasil, enquanto países como a Argentina seguiram caminhos mais progressistas na
música contemporânea.

O autor destaca o papel desafiador dos novos músicos brasileiros que surgiram em um
ambiente retrógrado. Eles encontraram apoio e orientação estética junto a poetas renovadores da
língua portuguesa, como os poetas concretos paulistas. Esta abordagem mais aberta e conectada à
Europa contribuiu para a colocação de problemas da música nova, envolvendo músicos como
Rogério Duprat, Damiano Cozzella, Willy Corrêa de Oliveira e Luís Carlos Vinholes.

O texto conclui ressaltando que, apesar da oposição e influência negativa de correntes


nacionalistas, a inventividade das novas gerações não foi contida. Músicos como Luís Cosme,
Bruno Kiefer e outros continuaram a explorar novas abordagens, mesmo que individualmente e à
margem das discussões dominantes.

O primeiro compositor a efetivamente promover uma retomada na linha evolutiva da


linguagem da música ocidental foi Rogério Duprat, por meio de sua obra serial "Concertino para
trompa, oboé e cordas" em 1958. Esta peça foi executada pela primeira vez pela Orquestra de
Câmara de São Paulo, sob a regência de G. Olivier Toni. A presença desta orquestra e seu regente
marcam uma nova fase na música brasileira, que, em 1960, apresentou "Ricercare para 2 trompetes
e cordas", também serial, de minha autoria.

Em 1961, durante um concerto patrocinado pela VI Bienal de São Paulo, novamente pela
Orquestra de Câmara de São Paulo, os compositores desse grupo paulista tomaram consciência de
seu papel. Foram apresentadas obras como "Música para Marta" de Willy C. Oliveira, "Homenagem
a Webern" de Cozzela, "Música para 12 instrumentos" de minha autoria e "Organismo" de Duprat.
Esta última foi a primeira experiência musical sobre um texto de poesia concreta, de Décio
Pignatari. Todas essas composições eram seriais e dodecafônicas.

Após várias viagens à Europa e interações com as correntes musicais contemporâneas


(Boulez, Nono, Stockhausen), esses compositores lançaram um manifesto em 1963, intitulado "Por
uma Nova Música Brasileira", na revista Invenção, dos poetas concretos. Alguns pontos desse
manifesto permanecem relevantes até hoje, incluindo o compromisso total com o mundo
contemporâneo, a reavaliação dos meios de informação, a importância da cibernética e a elaboração
de uma "teoria dos afetos" (semântica musical).

Esses esforços culminaram em obras que buscavam superar o serialismo dodecafônico,


alinhando-se com a linguagem musical contemporânea baseada em estudos de teoria da informação,
semiótica e métodos estatísticos. Essa linguagem buscou integrar todos os materiais e meios de
expressão disponíveis pela tecnologia, refletindo a natureza moderna, industrial, publicitária e
urbana do cotidiano, mesmo que para contestá-la.

O autor destaca obras significativas dessa época, como "Antinomies I" de Rogério Duprat,
"Descontínuo" para piano e cordas de Damiano Cozzella, "Nascemorre" de sua autoria, "Um
movimento" de Willy Corrêa de Oliveira, e o primeiro happening musical brasileiro, "Dez
minutos", realizado por uma equipe de alunos de Damiano Cozzella.

O texto também menciona um concerto em 1965, organizado por Diogo Pacheco para a
VIII Bienal de São Paulo, onde obras como "Ouviver à música" de Willy Corrêa de Oliveira e
"Blirium c-9" de sua autoria foram ouvidas em meio a reações controversas do público.
Além disso, são citadas outras composições que exploram o aspecto visual da música,
incorporando elementos de poesia concreta, histórias em quadrinhos e até mesmo uma paródia
publicitária, como em "Divertimento" de Willy Corrêa de Oliveira e "Kitsch" para piano.

Em resumo, o texto destaca a evolução da música brasileira durante esse período,


caracterizada por uma busca pela inovação, a incorporação de novas linguagens e a reflexão sobre a
contemporaneidade.

Necessidades profissionais levam todos nós a trabalhar para teatro, cinema, jingles
publicitários e, de maneira geral, na criação de músicas comerciais. Uma consequência extrema
dessa circunstância, ao meu ver, foi a total absorção pela música comercial dos compositores
Duprat e Cozzella, que, no momento, estão inteiramente dedicados a arranjos de música popular e
composições para rádio e TV. Isso chegou ao ponto de abandonarem as pesquisas anteriores que
realizavam, defendendo agora essa nova posição com convicção, como evidenciado em suas
declarações à imprensa: "A partir do momento em que nos voltamos para uma atividade mais
especificamente voltada para o consumo de massa e seus canais de comunicação, na nova
linguagem desses meios, parece evidente que deixamos de levar em conta as experimentações de
Boulez, Xenakis, Pousseur, etc.; os significados se manifestam no nível do consumo e isso é
suficiente" (Rogério Duprat). "O que nos parece fundamental é que o artístico está acabado"
(Cozzella).

Essas declarações contêm, evidentemente, uma certa dose de paradoxo voluntário. Uma
consequência positiva dessa postura, na prática, foi a colaboração significativa de Duprat na
renovação da música popular brasileira, por meio de seus arranjos para Caetano Veloso e Gilberto
Gil. Isso permitiu que esses dois excelentes compositores contribuíssem para o desenvolvimento da
moderna linguagem musical brasileira com obras valiosas como "Objeto sim, objeto não",
"Batmacumba" e o "som universal" em geral.

Não há dúvida de que o nome de Rogério Duprat será lembrado como um dos mais
importantes da música brasileira da segunda metade do século, devido à admirável coerência de sua
atitude e à coragem de não fazer música, seguindo uma linha singular que lembra a posição de um
Erik Satie na música francesa, de um George Antheil na música norte-americana e de um Hans
Eisler na Escola de Viena.

Em uma posição oposta à de Duprat e Cozzella, encontra-se o compositor e ex-publicitário


Willy Corrêa de Oliveira, para quem o objetivo da arte de consumo é o lucro, simplesmente. Em
suas palavras, "seu produtor não está na mesma posição do consumidor, uma vez que, partindo de
razões que não são originadas em um verdadeiro projeto cultural, cria mitos e condições para a
aceitação de seu produto." Ele critica os programadores dos meios de comunicação de massa por
transformarem a vanguarda em kitsch, explorando apenas seus aspectos superficiais e de efeito.

Aqui está toda a problemática enfrentada pela moderna música brasileira, tratando-se dos
desafios de uma música verdadeiramente nova, o que já é bastante significativo. Ainda há quem
relute em abandonar definitivamente o dodecafonismo, como Edino Krieger, ou mesmo o
nacionalismo musical, como Oswaldo Lacerda e Sérgio de Vasconcellos Corrêa. No entanto, a
geração mais jovem, que se destacou nos Festivais de Música Erudita do Rio de Janeiro, parece não
sentir mais a obrigação de se apegar ao folclore, embora busque uma solução intermediária que
aproveite seu tema por meio dos métodos da vanguarda. Essa abordagem sincretista apresenta riscos
se o compositor não souber se posicionar corretamente, como exemplificado pela chamada Escola
Baiana, cujos destaques incluem Lindembergue Cardoso, Jamary Oliveira, Fernando Cerqueira e
Ernst Widmer.

De qualquer forma, é sintomático que todos esses compositores se apresentem como


defensores da vanguarda. Sua preocupação não está mais no folclore, mas na elaboração de
estruturas novas, mesmo que ainda se valham do folclore. Alguns, como Jorge Antunes, Jacguay
Lins e Reginaldo de Carvalho, exploram completamente a música eletroacústica em suas obras.

Uma geração ainda mais jovem, em São Paulo, com cerca de vinte anos, surge com um
grande senso de responsabilidade e muita perplexidade (considerando sua idade) diante dos rumos
da música contemporânea. Estão dispostos a seguir os passos de Rogério Duprat, se necessário.
Esses jovens compositores recentemente apresentaram suas últimas obras em um concerto realizado
pelo "Studio Música Nova", um grupo de instrumentistas do Centro Experimental de Música da
Juventude "Musical de São Paulo". O programa incluiu obras como "Algum tempo antes da morte"
de Jamil Maluf, "Sinfonia para fita magnética n.º 1" de Delamar Alvarenga e "Diagramas" de
Rodolfo Coelho de Souza.

Jamil Maluf e Delamar Alvarenga, em trabalhos anteriores como "Sequência Estéril" e


"Poético n.º 1", já haviam revelado talento para o teatro musical. Rodolfo Coelho de Souza, com
sua última obra "Cantus n.º 0", apresenta estudos existenciais baseados na obra "Da Experiência do
Pensar" de Heidegger. Esta música, sem notação musical, segue a linha místico-intuitiva de
Stockhausen.
Em Santos, dois jovens integrantes do Madrigal Ars Viva, com base apenas na experiência
de cantar música de vanguarda, surpreendem ao mostrar como é possível manipular a linguagem
musical contemporânea sem a necessidade de uma formação musical tradicional. Eles compõem
suas primeiras obras diretamente através da linguagem mais atual, que assimilaram na prática,
aprendendo a falar sem passar por qualquer estudo clássico. Obras como "Gravitando" e "Dois
Poemas de E. E. Cummings" de Gil Nuno Vaz, e "Rosa Tumultuada", "Alfa Mysticum Omega" de
Roberto Martins foram bem recebidas em diversos concertos.

Ao regente Klaus-Dieter Wolff, especializado em música nova e antiga, devemos as


primeiras audições no Brasil da obra coral experimental composta por Willy Corrêa de Oliveira,
além de obras antigas de Marlos Nobre e Almeida Prado. O regente está atualmente ensaiando para
estrear no Brasil "Cromofonética" de Jorge Antunes e "Missa Cordis" de Almeida Prado, enviadas
da Europa pelos próprios autores.

Uma das mais recentes experiências musicais de Willy Corrêa de Oliveira foi realizada
para orquestra sinfônica, utilizando três fitas magnéticas gravadas com transmissão de jogos de
futebol e a participação direta do público ouvinte. Na obra intitulada "Santos Football Music", que
se configura como um "divertimento" à Mozart, o público participa como uma torcida esportiva,
seguindo instruções fornecidas por cartazes explicativos. Antes da execução da obra, há um
pequeno ensaio da participação do público. O contexto orquestral é formado por blocos de sons em
permanente transformação, sobre os quais flutuam polifonicamente três fitas de transmissão de
jogos de futebol, como cantos gregorianos cantados simultaneamente, mas com a rapidez
característica dos locutores esportivos. A obra se encerra com um happening, onde o regente
assume o papel de juiz de futebol, distribuindo cartões amarelos e vermelhos, expulsando jogadores
(ou seja, músicos) e apitando um pênalti, quando uma rede é abaixada e alguns músicos jogam bola
entre eles e o público.

Dentre as obras mais recentes de Willy Corrêa de Oliveira, destaca-se o madrigal "LIFE",
baseado em um poema concreto de Décio Pignatari. Trata-se de uma verdadeira reflexão
metalinguística sobre a composição de música madrigalesca, remontando a Gesualdo. "Impromptu
para Marta" (piano), "Phantasiestück I" (viola, trompa e trombone - uma reflexão sobre Brahms),
"Phantasiestück II" (sexteto de sopros - uma reflexão sobre Mahler) e "Phantasiestück III" (violino,
viola, violoncelo, piano, trompa e trombone - uma reflexão sobre Schumann) são obras que
retomam a estética do Romantismo, buscando uma ligação entre a sintaxe e o repertório existencial.
Essa reaproximação entre a vida e a arte é, sem dúvida, um retorno decidido ao humanismo, uma
volta necessária e indispensável. Isso destaca a qualidade excepcional da obra de Willy Corrêa de
Oliveira, única no panorama musical contemporâneo, não apenas pelo rigor formal de sua pesquisa,
mas também pela verdadeira novidade "vanguardista" que ela traz. Sua abordagem, que aprende e
apreende do passado para fazer a música do futuro, encontra paralelos apenas na coerência e na
consciência artística de figuras como Boulez, Luigi Nono e Lutoslawski.

Em sua obra "Adágio" para grande orquestra, Willy continua envolvido na problemática
Schumann-Mahler, refletindo sobre o tempo interior na obra musical e apresentando uma proposta
microscópica cubista em sua estrutura geral. Assim, a música brasileira segue seu curso, rompendo
com os cânones tradicionais, ganhando ou recuperando tempo e desfrutando da vantagem, apontada
por John Cage, de viver longe dos centros da tradição representados pela velha Europa, mesmo
sendo parte integrante dela.

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