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conteúdo, música nacional e cosmopolita, tão apreciadas no Brasil. Observamos que ela é uma só
em toda a arte do Ocidente, desde a Grécia antiga até os dias atuais, seguindo uma evolução que
parte do sistema modal, baseado no estudo do fenômeno acústico, até alcançar o microtonalismo
concreto-eletrônico. Inicialmente na Europa, expandiu-se para as Américas em seus estágios finais,
influenciada por gregos, franceses, italianos, alemães ou flamengos, e atualmente também pelos
americanos.
Para diferenciar entre música nacional e universal, sugiro que a música mais inventiva,
sem ligações rígidas com tradições específicas, é considerada mais nacional. Isso contrasta com a
abordagem dos defensores da arte nacionalista, que medem a nacionalidade de uma obra musical
pelo grau de sua ligação com as fontes percebidas da nacionalidade, esquecendo que essas fontes
são reflexos distantes da mesma linguagem musical ocidental.
À medida que entramos no século XIX, ainda com um inevitável atraso, a música
brasileira mantém-se alinhada com as correntes europeias. Encontramos um compositor que quase
atinge o status de mestre: o Padre José Maurício Nunes Garcia, destacado representante da música
rococó. Sua notável musicalidade impressionou vivamente Sigismund Neukomm, um discípulo de
Haydn, que visitou o Brasil. José Maurício, também mulato, manipulou com destreza os padrões
musicais da época, incorporando elementos brasileiros, como passagens cromáticas e
melodramáticas, destacando-se por querer imprimir um caráter genuinamente brasileiro à sua
música.
Esse pragmatismo antropofágico dos artistas nativos, que não apenas absorvem, mas
também impõem sua visão, é crucial para a compreensão da música americana. Essa capacidade de
ruptura e experimentação é algo que, segundo o texto, não encontramos na Europa, com exceção
talvez da Inglaterra, que, devido a uma relativa independência das tradições continentais,
desenvolveu uma música única, mesmo que importada dos Estados Unidos.
Na primeira metade do século XX, enquanto a Europa se inclina para um rigor serialista, as
Américas quebram o cenário com seu informalismo caótico e cheio de vida. Dois gigantes desse
período são Charles Ives, dos Estados Unidos, e Heitor Villa-Lobos, do Brasil, ambos inventores de
primeira linha e representantes de suas culturas nacionais. Ambos compartilham a busca pelo
transcendental e cósmico, refletida não apenas em suas composições, mas também nos títulos que
escolheram para suas músicas.
Por fim, a música urbana desempenha um papel fundamental nessa exploração sonora. Por
meio da síntese da célula rítmica do maxixe, da batida da bossa nova e dos sons das bandas de New
Orleans, surgem inovações formais, destacando-se a formação de pequenos conjuntos instrumentais
e a busca deliberada por um som sujo. Essas experimentações, levadas às últimas consequências,
antecipam o som concreto da música contemporânea, marcando uma etapa significativa no
desenvolvimento musical de massa.
Outro ponto relevante em comum entre Villa-Lobos e outros músicos, como Stravinsky,
reside na utilização precoce de procedimentos composicionais politonais e polirrítmicos, muito
antes de entrarem em contato com a música europeia. Movidos por uma intuição inventiva
independente e desprovida de preconceitos, ambos alcançaram resultados semelhantes,
sistematizando técnicas utilizadas posteriormente por compositores europeus, sem sofrerem
influência direta. Villa-Lobos, em particular, compôs de maneira livre, sem a intenção de criar uma
escola ou seguidores, explorando livremente tudo o que lhe interessava, assim como Stravinsky,
destacando-se pela marca sonora que conseguiu criar.
Em obras como "Uirapuru" (1917), Villa-Lobos demonstra sua preocupação com o som da
floresta, utilizando percussões populares como cocu, reco-reco, tamborim e até um violinofoze.
Essa abordagem é comparada à utilização de apitos e assovios por Mesias Maiguashca em 1968,
evidenciando uma continuidade na busca sonora na música contemporânea.
A peça "Amazonas" (1917) destaca-se pela necessidade de quatro pautas para transcrever o
som desejado para o piano, um recurso gráfico que encontra paralelos na música atual. Em "Choro
n.º 8", Villa-Lobos introduz papel de seda entre as cordas do piano, uma prática que, na
contemporaneidade, pode ser relacionada à música pré-concreta.
A obra "Rudepoema" (1921), uma extraordinária peça para piano, já explora efeitos
semelhantes aos utilizados posteriormente na nouvelle musique darmstadtiana, como pressionar
notas do piano sem tocá-las e fazê-las soar através do ataque de outras notas. O texto menciona a
complexidade rítmica presente nessa composição, sugerindo a possibilidade de uma análise
comparativa com a "Sagração da Primavera" de Stravinsky.
O autor critica a abordagem reativa das gerações seguintes, que desenvolveram elementos
melódicos e rítmicos sem compreender a pesquisa e inovação subjacentes na obra de Villa-Lobos e
outros. A comparação é feita com Debussy, cujas correntes nacionalistas desenvolveram apenas a
perfumaria harmônica, sem compreender o impacto mais amplo na destruição do sistema tonal e na
emergência de uma música baseada em ruído, som eletroacústico e momentos.
O texto menciona uma tentativa de renovação da música brasileira após a Segunda Guerra
Mundial, liderada por Cláudio Santoro, Guerra Peixe e Eunice Catunda, sob a orientação do Prof.
Koellreutter. No entanto, essa tentativa foi sufocada pela repercussão do manifesto Jdanov e pela
carta aberta de Camargo Guarnieri contra o dodecafonismo. Esses eventos fortaleceram a corrente
nacionalista no Brasil, enquanto países como a Argentina seguiram caminhos mais progressistas na
música contemporânea.
O autor destaca o papel desafiador dos novos músicos brasileiros que surgiram em um
ambiente retrógrado. Eles encontraram apoio e orientação estética junto a poetas renovadores da
língua portuguesa, como os poetas concretos paulistas. Esta abordagem mais aberta e conectada à
Europa contribuiu para a colocação de problemas da música nova, envolvendo músicos como
Rogério Duprat, Damiano Cozzella, Willy Corrêa de Oliveira e Luís Carlos Vinholes.
Em 1961, durante um concerto patrocinado pela VI Bienal de São Paulo, novamente pela
Orquestra de Câmara de São Paulo, os compositores desse grupo paulista tomaram consciência de
seu papel. Foram apresentadas obras como "Música para Marta" de Willy C. Oliveira, "Homenagem
a Webern" de Cozzela, "Música para 12 instrumentos" de minha autoria e "Organismo" de Duprat.
Esta última foi a primeira experiência musical sobre um texto de poesia concreta, de Décio
Pignatari. Todas essas composições eram seriais e dodecafônicas.
O autor destaca obras significativas dessa época, como "Antinomies I" de Rogério Duprat,
"Descontínuo" para piano e cordas de Damiano Cozzella, "Nascemorre" de sua autoria, "Um
movimento" de Willy Corrêa de Oliveira, e o primeiro happening musical brasileiro, "Dez
minutos", realizado por uma equipe de alunos de Damiano Cozzella.
O texto também menciona um concerto em 1965, organizado por Diogo Pacheco para a
VIII Bienal de São Paulo, onde obras como "Ouviver à música" de Willy Corrêa de Oliveira e
"Blirium c-9" de sua autoria foram ouvidas em meio a reações controversas do público.
Além disso, são citadas outras composições que exploram o aspecto visual da música,
incorporando elementos de poesia concreta, histórias em quadrinhos e até mesmo uma paródia
publicitária, como em "Divertimento" de Willy Corrêa de Oliveira e "Kitsch" para piano.
Necessidades profissionais levam todos nós a trabalhar para teatro, cinema, jingles
publicitários e, de maneira geral, na criação de músicas comerciais. Uma consequência extrema
dessa circunstância, ao meu ver, foi a total absorção pela música comercial dos compositores
Duprat e Cozzella, que, no momento, estão inteiramente dedicados a arranjos de música popular e
composições para rádio e TV. Isso chegou ao ponto de abandonarem as pesquisas anteriores que
realizavam, defendendo agora essa nova posição com convicção, como evidenciado em suas
declarações à imprensa: "A partir do momento em que nos voltamos para uma atividade mais
especificamente voltada para o consumo de massa e seus canais de comunicação, na nova
linguagem desses meios, parece evidente que deixamos de levar em conta as experimentações de
Boulez, Xenakis, Pousseur, etc.; os significados se manifestam no nível do consumo e isso é
suficiente" (Rogério Duprat). "O que nos parece fundamental é que o artístico está acabado"
(Cozzella).
Essas declarações contêm, evidentemente, uma certa dose de paradoxo voluntário. Uma
consequência positiva dessa postura, na prática, foi a colaboração significativa de Duprat na
renovação da música popular brasileira, por meio de seus arranjos para Caetano Veloso e Gilberto
Gil. Isso permitiu que esses dois excelentes compositores contribuíssem para o desenvolvimento da
moderna linguagem musical brasileira com obras valiosas como "Objeto sim, objeto não",
"Batmacumba" e o "som universal" em geral.
Não há dúvida de que o nome de Rogério Duprat será lembrado como um dos mais
importantes da música brasileira da segunda metade do século, devido à admirável coerência de sua
atitude e à coragem de não fazer música, seguindo uma linha singular que lembra a posição de um
Erik Satie na música francesa, de um George Antheil na música norte-americana e de um Hans
Eisler na Escola de Viena.
Aqui está toda a problemática enfrentada pela moderna música brasileira, tratando-se dos
desafios de uma música verdadeiramente nova, o que já é bastante significativo. Ainda há quem
relute em abandonar definitivamente o dodecafonismo, como Edino Krieger, ou mesmo o
nacionalismo musical, como Oswaldo Lacerda e Sérgio de Vasconcellos Corrêa. No entanto, a
geração mais jovem, que se destacou nos Festivais de Música Erudita do Rio de Janeiro, parece não
sentir mais a obrigação de se apegar ao folclore, embora busque uma solução intermediária que
aproveite seu tema por meio dos métodos da vanguarda. Essa abordagem sincretista apresenta riscos
se o compositor não souber se posicionar corretamente, como exemplificado pela chamada Escola
Baiana, cujos destaques incluem Lindembergue Cardoso, Jamary Oliveira, Fernando Cerqueira e
Ernst Widmer.
Uma geração ainda mais jovem, em São Paulo, com cerca de vinte anos, surge com um
grande senso de responsabilidade e muita perplexidade (considerando sua idade) diante dos rumos
da música contemporânea. Estão dispostos a seguir os passos de Rogério Duprat, se necessário.
Esses jovens compositores recentemente apresentaram suas últimas obras em um concerto realizado
pelo "Studio Música Nova", um grupo de instrumentistas do Centro Experimental de Música da
Juventude "Musical de São Paulo". O programa incluiu obras como "Algum tempo antes da morte"
de Jamil Maluf, "Sinfonia para fita magnética n.º 1" de Delamar Alvarenga e "Diagramas" de
Rodolfo Coelho de Souza.
Uma das mais recentes experiências musicais de Willy Corrêa de Oliveira foi realizada
para orquestra sinfônica, utilizando três fitas magnéticas gravadas com transmissão de jogos de
futebol e a participação direta do público ouvinte. Na obra intitulada "Santos Football Music", que
se configura como um "divertimento" à Mozart, o público participa como uma torcida esportiva,
seguindo instruções fornecidas por cartazes explicativos. Antes da execução da obra, há um
pequeno ensaio da participação do público. O contexto orquestral é formado por blocos de sons em
permanente transformação, sobre os quais flutuam polifonicamente três fitas de transmissão de
jogos de futebol, como cantos gregorianos cantados simultaneamente, mas com a rapidez
característica dos locutores esportivos. A obra se encerra com um happening, onde o regente
assume o papel de juiz de futebol, distribuindo cartões amarelos e vermelhos, expulsando jogadores
(ou seja, músicos) e apitando um pênalti, quando uma rede é abaixada e alguns músicos jogam bola
entre eles e o público.
Dentre as obras mais recentes de Willy Corrêa de Oliveira, destaca-se o madrigal "LIFE",
baseado em um poema concreto de Décio Pignatari. Trata-se de uma verdadeira reflexão
metalinguística sobre a composição de música madrigalesca, remontando a Gesualdo. "Impromptu
para Marta" (piano), "Phantasiestück I" (viola, trompa e trombone - uma reflexão sobre Brahms),
"Phantasiestück II" (sexteto de sopros - uma reflexão sobre Mahler) e "Phantasiestück III" (violino,
viola, violoncelo, piano, trompa e trombone - uma reflexão sobre Schumann) são obras que
retomam a estética do Romantismo, buscando uma ligação entre a sintaxe e o repertório existencial.
Essa reaproximação entre a vida e a arte é, sem dúvida, um retorno decidido ao humanismo, uma
volta necessária e indispensável. Isso destaca a qualidade excepcional da obra de Willy Corrêa de
Oliveira, única no panorama musical contemporâneo, não apenas pelo rigor formal de sua pesquisa,
mas também pela verdadeira novidade "vanguardista" que ela traz. Sua abordagem, que aprende e
apreende do passado para fazer a música do futuro, encontra paralelos apenas na coerência e na
consciência artística de figuras como Boulez, Luigi Nono e Lutoslawski.
Em sua obra "Adágio" para grande orquestra, Willy continua envolvido na problemática
Schumann-Mahler, refletindo sobre o tempo interior na obra musical e apresentando uma proposta
microscópica cubista em sua estrutura geral. Assim, a música brasileira segue seu curso, rompendo
com os cânones tradicionais, ganhando ou recuperando tempo e desfrutando da vantagem, apontada
por John Cage, de viver longe dos centros da tradição representados pela velha Europa, mesmo
sendo parte integrante dela.