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UFPR - SACOD - DeArtes


Disciplina OA851
História da Música Brasileira I 2023 I
Professor José Estevam Gava

Atividade: fichamento nº 9

VITÓRIA CAROLINA CUNHA

Endereço eletrônico: vitoria.cunha98@gmail.com

Identificação do artigo aqui resumido: O modernismo musical brasileiro

A Semana de Arte Moderna: uma inauguração simbólica


A Semana de 22 foi uma manifestação artístico-cultural que ocorreu no Teatro
Municipal de São Paulo entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922. Entre as formas de arte
presentes no evento, estavam a música, a literatura, as artes plásticas, a arquitetura e a dança.
Além das exposições e recitais, ocorreram também palestras e debates com o objetivo de mostrar
ao público as novidades artísticas que circulavam pela Europa na época e demonstrar como o
Brasil estava atrasado em comparação ao velho continente. Os intelectuais que participaram desse
movimento buscavam, portanto, uma atualização estética – definindo quem era moderno, ou não
– e combatiam o “passadismo”, representado, na música, pelo romantismo e pelo parnasianismo,
na poesia. Existia, ainda, um projeto de transfigurar a identidade e o centro ideológico e cultural
do Brasil, tendo São Paulo como o grande eixo, uma espécie de berço da libertação intelectual.
Entretanto, a Semana de Arte Moderna acabou servindo apenas como inauguração
simbólica, longe, portanto, de poder ser classificada como revolucionária. Primeiramente, o
evento se deu de forma bastante restrita – participaram, quase que exclusivamente, indivíduos já
inseridos nesse contexto da modernidade. Além disso, diversos jornais da época julgaram tais
movimentações como absurdas, classificando a música apresentada nos concertos como sons
musicais sem nexo – isso porque a sociedade brasileira estava acostumada a ouvir quase que
puramente ópera e bel canto, portanto, existia uma resistência muito grande a novidades no
âmbito musical. Assim, entende-se que a Semana de 22 representou somente um prenúncio a uma
revolução, a qual foi concretizada, de fato, apenas nos anos 1950, com a estruturação do
concretismo na poesia, o surgimento da bossa nova na música etc.

O pensamento seletivo e excludente dos novos modernistas


Musicalmente, essa recusa ao passado e, consequentemente, ao romantismo, fez com
que os modernistas fizessem juízo de valor ao trabalho dos compositores atuantes durante a
Primeira República (1889-1930). Assim, em um tom de demérito, autores como Leopoldo
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Miguez, Henrique Oswald e Glauco Velásquez foram considerados tradicionalmente românticos.


Outros, como Alberto Nepomuceno, Brasílio Itiberê da Cunha, Alexandre Levy e Ernesto
Nazareth ainda foram vistos como precursores do nacionalismo musical. No entanto, no que diz
respeito à Semana de 22, todos esses artistas citados foram ignorados, pela suposta falta de
ligação que tinham suas obras com os ideais modernistas. Dizia-se que tais compositores eram
passaditas, copiadores da Europa e representantes de uma estética que não mais representava a
sociedade da época. Assim, Villa-Lobos foi o único brasileiro a ser convidado para o evento, por
ser, em comparação aos outros, o mais arrojado musicalmente.
Entretanto, por mais significativos e escandalosos que tenham sido os resultados obtidos
no evento paulista, os concertos apresentados contaram com peças não tão inovadoras assim. O
autor José Miguel Wisnik coloca que existiu um certo desalinhamento entre as ideias alardeadas e
as obras apresentadas. A própria formação musical desses modernistas estava vinculada ao velho
continente e ao passado que tanto criticavam. Assim, foram tocadas, durante a Semana de 22,
obras de Satie e Debussy, além de Villa-Lobos e de outros compositores europeus. Satie ainda foi
mais radical em sua trajetória musical, mas Debussy, apesar de modernista no sentido de busca
por sonoridades diferentes, de escalas antigas e exóticas, era, também, impressionista e
neoclássico. Ou seja, suas obras ainda estavam bastante ligadas à tradição. Ele ainda trabalhava
com centros tonais, ainda que diversos e independentes em uma mesma peça; também utilizava
uma estética bastante elegante, ainda que tenha posto leveza e luz ao aspecto sombrio do
romantismo. Mesmo Villa-Lobos, apesar de sua pesquisa por timbres e seu uso de escalas
exóticas, cromatismos e sonoridades africanas, baseou-se muito no trabalho impressionista de
Debussy. Além disso, compôs diversas peças fortemente ligadas à tradição, como poemas
sinfônicos – algo comum entre os modernistas, os quais transitavam por diferentes estéticas, do
novo ao velho. Também pelo que foi posto anteriormente: a sociedade ainda era bastante fechada
à música de concerto, com exceção das óperas, portanto, ainda mais fechada a inovações e
vanguardas nesse campo.

Os ignorados na Semana de 22: as contribuições cariocas ao modernismo


Outro ponto importante a ser destacado é que os resultados da Semana de 22 não
aconteceram de maneira espontânea, arquitetada e pensada somente pelos organizadores do
evento. O que culminou nessa manifestação já vinha sendo gestado e amadurecido por
compositores como Itiberê da Cunha, Alexandre Levy, Alberto Nepomuceno, Francisco Braga,
Glauco Velásquez, entre outros. Assim, é possível dizer que esses autores abriram caminho para
os artistas da Semana. O principal exemplo disso é a transformação no gosto musical da
sociedade brasileira causada por tais compositores. Como já mencionado, até a década de 1880, a
ópera e o bel canto eram sinônimos de música no Brasil, ou seja, não se tinha o costume de ouvir
algo além disso. Foi apenas a partir desse momento que a música sinfônica e camerística
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começou a ser introduzida em eventos musicais brasileiros, tendo Miguez, Oswald e


Nepomuceno como grandes divulgadores. Seu objetivo enquanto irradiadores desse estilo era
aproximar a música brasileira da escola alemã, considerada moderna e, consequentemente,
afastar-se do lirismo excessivo da escola italiana. Porém, é importante lembrar que eles não
visavam a mera substituição da ópera pela música sinfônica ou de câmera – os programas
musicais permaneceram ecléticos.
Nepomuceno, especificamente, foi patrocinador de diversos eventos nesse sentido, por
exemplo a série de 26 concertos realizados durante a Exposição Nacional de 1908,
comemorativos ao centenário da abertura dos portos às nações amigas. O autor Luiz Heitor
Correa de Azevedo comenta que essa foi a nossa entrada oficial no século XX. O repertório
apresentado abrangia, além de compositores franceses, também russos, alemães e, até mesmo,
brasileiros. Conclui-se, portanto, que a intolerância estética não tinha espaço, incluindo nomes
vinculados à escola operística italiana – como Carlos Gomes – ao lado de republicanos
românticos e modernos, adeptos das escolas germânica e francesa. Outros eventos, como a série
de Concertos Populares, que aconteceram nos anos de 1896 e 1897 e foram regidos por
Nepomuceno, contaram com preços bastante acessíveis, além de diversas bolsas distribuídas etc.
Disso, nota-se, também, o seu interesse na formação de um público de concerto no Brasil e sua
vontade de espalhar ao máximo o gosto pela música. Em relação à atualização estética, ainda,
existem alguns exemplos na música do compositor que apresentam claramente uma tendência
modernizadora. É o caso da obra Variações sobre um tema original op. 29, para piano – nela, ele
faz uso de politonalismo, além das escalas hexatônicas e pentatônicas.
Dito isso, é possível fazer um questionamento aos juízos de valor feitos pelos “novos
modernos” e sua pretensão atualizadora, visto que a geração de compositores da Primeira
República já tomava iniciativas para manter-se atualizada. Um fator que colaborou para isso
foram as frequentes trocas que eles tinham com a Europa, além de muitos terem dado andamento
à sua formação musical em países europeus – muitas vezes, seguindo escolas progressistas.
Miguez estudou em Portugal e na Bélgica; Henrique Oswald, na Itália; Alexandre Levy esteve na
Itália e na França; enquanto Alberto Nepomuceno teve a sua formação na Itália, na Alemanha e
na França.
Tais trocas com o velho continente também contribuíram muito com a estruturação do
nacionalismo musical brasileiro. Nepomuceno, por exemplo, quando em contato com a Europa,
passou a reorganizar seu pensamento nesse sentido, sendo o primeiro a fazer uso de texto em
português em suas composições – algo nem ao menos concretizado ainda em Portugal. Vale
lembrar que, nessa época, a visão europeia sobre o Brasil era a de que não era possível um país
miscigenado e atrasado como este tornar-se uma nação civilizada. Portanto, é natural que os
compositores nacionais se preocupassem, a primeiro momento, em imitar os europeus a fim de se
afirmarem como capazes e, dessa forma, civilizados. Aos poucos, com o passar do tempo, foi-se
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utilizando de outros elementos na construção desse nacionalismo: fizeram uso de temas nativos
com roupagem europeia, depois, a inspiração passou a vir da música popular urbana e,
eventualmente, da rural ou folclórica – representada pela Série brasileira, de Nepomuceno e
pelos tangos, polcas e valsas de Nazareth. Por fim, a música brasileira passou a vestir-se de
acordo com sua sonoridade nativa, independentemente da citação folclórica – Villa-Lobos foi um
dos que seguiu por esse caminho em obras como Choros para orquestra, Uirapuru e Amazonas.
Estas são apenas visões distintas de nacionalismo, as quais se impactam e se
transfiguram de acordo com o período histórico e com as dinâmicas sociais. Não se pode,
portanto, julgar o trabalho composicional dos autores acima citados por uma falta de intimidade
com a música brasileira – cada um deles teve sua contribuição, à sua maneira e moldados pelo
contexto ao qual estavam inseridos. Mesmo assim, foram responsáveis por estabelecer as bases
para muito do que foi pensado e defendido por modernistas a partir da Semana de 22.

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