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UFPR - SACOD - DeArtes


Disciplina OA851
História da Música Brasileira I 2023 I
Professor José Estevam Gava

Atividade: fichamento nº 2

VITÓRIA CAROLINA CUNHA

Endereço eletrônico: vitoria.cunha98@gmail.com

Identificação do artigo aqui resumido: José Maurício Nunes Garcia e a Real Capela de D. João
VI no Rio de Janeiro

A importância do compositor e os principais difusores de sua obra


José Maurício Nunes Garcia é considerado um dos mais relevantes compositores da
América que atuaram durante o período colonial, por conta da grande quantidade e qualidade de
obras produzidas, bem como por ter criado uma estética e uma linguagem musical muito
particulares. Dessa forma, ele se destaca de outros compositores brasileiros e hispano-
americanos, os quais mantinham uma certa unidade em termos de estilo composicional. Além
disso, José Maurício contou com diversos estudiosos interessados em difundir a sua biografia e
obra, o que contribuiu enormemente para que sua figura não fosse apagada da história da música
brasileira.
Alguns desses defensores de sua memória foram seus contemporâneos, como Manuel de
Araújo Porto Alegre e Bento de Mercês, esse último, um colecionador e conservador de suas
principais obras. Visconde de Taunay também se dedicou ao estudo da genialidade de José
Maurício, tendo influenciado o próprio governo brasileiro a adquirir e editar as obras
colecionadas por Mercês no Réquiem de 1816, uma redução de suas peças para voz e piano ou
órgão. Depois dele, seu próprio filho, Affonso de E. Taunay, montou, em 1930, o livro Dous
artistas máximos: José Maurício e Carlos Gomes I, no qual reuniu diversos escritos do pai a
respeito desses dois compositores. Esse livro, por sua vez, foi bastante significativo na formação
da imagem de José Maurício no século XX, quando se almejava construir uma identidade
nacional por meio de “heróis brasileiros”.
Além desses nomes, outras figuras da própria área musical também contribuíram no
sentido de manter viva a memória de Nunes Garcia. Os compositores Leopoldo Miguez e Alberto
Nepomuceno, por exemplo, tomaram diversas iniciativas a fim de restaurar e dar continuidade às
execuções de suas obras. No entanto, foi a regente e musicóloga Cleofe Person de Mattos a
grande estudiosa e difusora da biografia e do acervo composicional de José Maurício. A partir da
década de 1940, ela passou a transcrever e editar suas obras, tendo produzido o Catálogo
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temático das obras do padre José Maurício Nunes Garcia – trabalho essencial para o
aprofundamento a respeito de sua produção musical –, além de uma biografia do compositor.

Como a vinda da Corte portuguesa para o Brasil influenciou a obra de José Maurício
Filho de Apolinário Nunes Garcia, de raça branca, segundo os registros, e de Victória
Maria da Cruz, descendente de escravizados, José Maurício nasceu em 22 de setembro de 1767,
no Rio de Janeiro. Ele teve em Salvador José de Almeida e Faria – mineiro natural de Vila Rica –
a base de sua formação musical, no entanto, também foi, em muitos aspectos, um autodidata. Aos
12 anos, já lecionava música e, aos 16, compôs sua primeira peça: Tota pulchra es Maria. Em
1792, tornou-se padre e, em 1798, assumiu a posição de mestre-de-capela da Sé do Rio de
Janeiro, ficando responsável, portanto, por preparar o repertório musical das cerimônias
religiosas.
Em 1808, com o deslocamento da família real para o Rio de Janeiro, a cidade sofreu uma
drástica urbanização. D. João, nesse processo, tomou diversas medidas para que a capital se
assemelhasse ao máximo aos padrões europeus. A vinda da imprensa, a abertura dos portos ao
livre comércio e a criação da Biblioteca Real foram peças-chave dessa transformação. Porém, tal
modernização também se deu no âmbito da vida musical, com a construção de um Teatro de
Ópera e, principalmente, de uma Real Capela de Música, profundamente inspirada na Real
Capela Portuguesa – a qual, desde o seu início, manteve-se muito ligada à prática musical e
religiosa italiana.
Inserido nesse contexto, Nunes Garcia foi, também, influenciado por essas mudanças,
mas, de maneira ainda mais profunda, tendo em vista o contato próximo que passou a ter com o
príncipe regente a partir do dia de seu desembarque com a Corte em terras brasileiras. Para
recepcionar os portugueses nessa vinda, diversas festividades foram preparadas na cidade, mas D.
João manifestou um desejo de que se celebrasse um Te Deum na Sé, cujo grupo musical tinha
José Maurício como diretor. Nesse encontro, o príncipe tomou conhecimento das habilidades
composicionais do padre e, no mesmo ano, designou-o para administrar e dirigir as atividades da
Real Capela, na qual atuavam tanto músicos locais, quanto alguns que vieram juntamente à
família real. Além disso, como prova de consideração e admiração ao padre, D. João também lhe
concedeu o Hábito da Ordem de Cristo, em 1809.
Depois da chegada da Corte, a partir de 1809, diversos cantores e instrumentistas
provenientes da Capela Real de Lisboa começaram a se dirigir ao Rio de Janeiro, visando às
novas possibilidades de trabalho. Também passaram a circular na colônia inúmeras novas obras
trazidas de Portugal por D. João, o que expandiu o contato da população com uma gama de outras
referências sonoras e criou um meio musical bastante intenso na cidade. Todas essas
transformações na vida social da população carioca, bem como na vida profissional do próprio
José Maurício, foram responsáveis por reconfigurar sua linguagem musical como compositor.
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José Maurício e a Real Capela: o seu período de transição estilística


O tempo em que Garcia Nunes atuou como diretor da Real Capela é considerado um
período de transição estilística entre seus dois momentos composicionais distintos: antes e depois
da vinda da família real. Nesse período, ele apresentou uma mistura de estilos em suas obras, com
características tanto de sua primeira fase quanto de sua segunda, mais moderna e mais madura
fase. Isso se deve, além das diversas novidades musicais que borbulhavam na vida do padre, a
uma postura de maior autocobrança que ele adquiriu, visto que produzir obras mais refinadas e
sofisticadas significaria assemelhar-se mais ao ideal virtuosístico da Capela Real. Ele também se
encontrava, naquele momento, em meio a músicos mais experientes e capacitados do que estava
habituado anteriormente, portanto, justifica-se sua tentativa de lapidar seu processo de criação.
Esse período, que compreende os anos de 1808 a 1811, foi bastante produtivo para José
Maurício: compôs em torno de 70 peças destinadas às inúmeras celebrações e solenidades. Dentre
essas obras, seu melhor trabalho foi a Missa de Nossa Senhora da Conceição para 8 de dezembro
de 1810, sua mais complexa e grandiosa peça até então e uma das mais sofisticadas de sua
carreira – juntamente com: Ofício e Missa de Réquiem (1816), Missa de Nossa Senhora do
Carmo (1818) e Missa de Santa Cecília (1826). Além disso, pode-se dizer que esse foi um
momento de sua vida repleto de alegrias – por conta das novas oportunidades de mostrar seus
talentos como músico e artista – ao mesmo tempo em que sofreu uma série de preconceitos por
sua origem racial e pelo traço autodidata em sua formação musical.

A chegada de Marcos Portugal e o período após a direção da Real Capela


Em 1811, Marcos Portugal – o mais reconhecido compositor português da época –
chegou ao Rio de Janeiro e tomou o lugar de Nunes Garcia como diretor do Teatro de Ópera e da
Real Capela. Portugal era um sujeito bastante orgulhoso e arrogante, enquanto o padre era um
homem pacífico e mais reservado, por isso, Marcos não precisou enfrentar resistência alguma
nesse processo. D. João, por sua vez, acabou cedendo a posição a Portugal, devido ao seu renome
internacional e pela grande admiração que nutria pelo compositor. O príncipe regente ainda
tentou compensar José Maurício de alguma forma por sua perda, pedindo que compusesse para a
instituição eventualmente, no entanto, não sobrou ao padre algo além de um papel secundário.
Apesar desse acontecimento, esse não foi o fim da carreira de Nunes Garcia. Por ser
bastante amigo do compositor austríaco Sigismund Neukomm – um seguidor dos ensinamentos
de Joseph Haydn – teve a oportunidade de realizar a estreia de obras como o Réquiem de Mozart,
em 1819 e o oratório A Criação de Haydn, em 1821. Também nesse ano, José Maurício compôs
dois salmos com forte inspiração na obra de Haydn: Laudate Dominum e Laudate Perum. Ele
ainda transmitiu essa referência a obras posteriores, como o Qui Tollis da Missa Abreviada, de
1923.
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Em 1826, Nunes Garcia compôs seu último e grandioso trabalho, a Missa de Santa
Cecília, a qual foi encomendada pela ordem de mesmo nome. Essa peça é considerada sua obra
prima e pode ser equiparada a diversas outras grandes obras desse período na história da música
ocidental. Apesar de tamanha genialidade, no entanto, o padre faleceu em 1830, em uma situação
de extrema pobreza e miséria, fruto da falta de reconhecimento na época. Ao menos, sua vida e
obra tem despertado cada vez mais o interesse de pesquisadores e músicos, tanto em território
nacional como ao redor do mundo.

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