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UFPR - SACOD - DeArtes


Disciplina OA851
História da Música Brasileira I 2023 I
Professor José Estevam Gava

Atividade: fichamento nº 6

VITÓRIA CAROLINA CUNHA

Endereço eletrônico: vitoria.cunha98@gmail.com

Identificação do artigo aqui resumido: Henrique Oswald e os românticos brasileiros

A historiografia musical brasileira e o preconceito com os compositores românticos


No fim da década de 1940, no estado de Minas Gerais, deu-se início às pesquisas
musicológicas que trouxeram à tona muito da importante cultura musical produzida nessa região
no século XVIII. Foram necessárias muita paciência, sorte e persistência nesse processo, visto
que havia muito material importante esquecido e abandonado. A partir desse novo debruçamento
por parte dos musicólogos, antigos mestres da música colonial mineira foram redescobertos e
passaram a ser amplamente valorizados na construção da uma cultura musical brasileira.
Em meio aos autores mineiros e aos feitos merecidamente louvados de Villa-Lobos,
encontra-se toda uma geração de compositores, os quais foram responsáveis pelo
desenvolvimento do romantismo brasileiro. No entanto, ao contrário dos mestres de música
colonial, a produção dos românticos, apesar de nunca ter sido esquecida de fato, não foi alvo do
mesmo empenho no sentido de evidenciá-la e valorizá-la novamente. Dessa forma, as obras de
compositores como Carlos Gomes, Leopoldo Miguez, Henrique Oswald, Alberto
Nepomuceno e Francisco Braga – os mais relevantes desse período – jamais tiveram sua
magnitude devidamente reconhecida.
Essa falta de interesse por parte dos musicólogos não se deve a uma falta de qualidade
musical, visto que, quando se estuda o conjunto de peças desses compositores, nota-se,
facilmente, uma excelência técnica, bem como uma profunda inspiração. Na realidade, existe um
preconceito na historiografia musical brasileira, ainda bastante ligada à tradição de Renato de
Almeida e Mario de Andrade. Em grande parte da literatura sobre o assunto, há uma tendência a
classificar os autores românticos com base em seu envolvimento com raízes nacionalistas – uma
maneira, portanto, bastante simplista de se analisar sua produção.
Por conta do distanciamento temporal, os compositores mineiros ficaram livres desse
tipo de julgamento, porém, os românticos carregam até hoje o injusto fardo de serem
influenciados demais pela cultura europeia, sem trazer em suas obras a essência brasileira.
Alberto Nepomuceno e Carlos Gomes ainda foram mais poupados de um olhar tão negativo.
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Nepomuceno é frequentemente colocado como o “pai” do nacionalismo, por conta da


importância que deu ao canto em língua portuguesa – ainda que, musicalmente, ele estivesse mais
próximo da estética europeia que de Villa-Lobos. Já Carlos Gomes foi “perdoado” em razão da
temática indianista da ópera Il Guarany, apesar de ser cantada em italiano e ter sua estreia feita
em solo europeu.
Leopoldo Miguez e Henrique Oswald, em contrapartida, foram os compositores mais
massacrados nesse sentido. Nos livros de história da música brasileira, comumente sofrem uma
grande censura, sem que sua relevância seja explorada de maneira fiel com a realidade. Isso se
dá por conta da ausência de características nativas em suas obras – enquanto Miguez é acusado
de ser wagneriano, Oswald é visto como “afrancesado” demais. Duas considerações devem ser
feitas, porém, a respeito dessa desconexão com preocupações nacionalistas: em primeiro lugar, o
nacionalismo musical apenas se organizou de fato no Brasil no fim da década de 1920,
quando esses autores já haviam morrido ou composto boa parte de sua obra; em segundo lugar,
na virada do século XIX para o XX, a Europa exercia uma forte influência cultural na
sociedade brasileira, portanto, não é surpreendente que a produção musical desses artistas reflita
tal contexto.

A vida de Henrique Oswald


Tratando especificamente de Henrique Oswald, sua identificação com a Europa é um
fator inerente à sua própria história de vida. Seus pais, europeus, vieram para o Brasil no ano de
1850, em meio ao grande fluxo migratório que se deu nesse sentido no século XIX, mas sem a
intenção de trabalhar na lavoura, como era mais comum por parte dos imigrantes. Seu pai, Jean-
Jacques, era um suíço-alemão que prosperou com seu negócio de pianos na São Paulo dos anos
1850 e 1860. Sua mãe, Carlotta Cantagalli, italiana e com uma boa formação intelectual, também
foi uma mulher trabalhadora que assumiu as despesas da casa nos momentos necessários dando
aulas de piano, italiano e francês.
Oswald nasceu no Rio de Janeiro no ano de 1852 e, visando o seu aprimoramento
musical, mudou-se com a família para Florença, na Itália, em 1868. Lá, ele estudou com
professores reconhecidos do Regio Istituto Musicale di Firenze, como Giuseppe Buonamici e
Reginaldo Grazzini. Ainda na Europa, casou-se, teve quatro filhos e permaneceu por 35 anos,
lecionando e atuando como professor e compositor de prestígio – era, portanto, cidadão europeu.
Porém, seus laços com o Brasil ainda permaneceram, tendo ele viajado quatro vezes ao país entre
1896 e 1900 para realizar recitais de piano. Além disso, em 1879, ele passou a ser bolsista do
Imperador D. Pedro II, que havia o visto tocar no ano de 1871. Por 15 anos, então, Oswald
recebeu uma pensão oficial por parte do Estado brasileiro. Ele também ocupou o cargo de
Chanceler no Consulado Brasileiro no Havre entre 1900 e 1901.
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No ano de 1902, já com seus 50 anos, houve uma grande reviravolta em sua vida:
venceu um concurso de composição na França cujo júri era composto por renomados
compositores, como Camille Saint-Saëns. Isso elevou sua figura no meio musical parisiense,
permitindo sua inserção no mesmo, além de tal notoriedade ter se refletido também em terras
brasileiras. Em consequência, no ano seguinte, Henrique Oswald foi convidado a se tornar diretor
do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, a instituição musical de maior prestígio da
República. Ele aceitou o convite e retornou ao Brasil, sendo, porém, hostilizado por essa decisão,
pois era praticamente um estrangeiro a ocupar um cargo público. Sua demissão foi finalmente
aceita em 1906, após três longos e sofridos anos.
Entre 1906 e 1911, o compositor passou por um período de grande incerteza – tinha
dúvidas entre retornar à Europa e recomeçar sua vida ou permanecer no Brasil, onde muito havia
a ser feito ainda. Por fim, acabou sendo nomeado para a cátedra de piano no instituto e, além
disso, toda a sua família veio para o Brasil em 1911, o que deu a ele a certeza de ficar. Seus 20
últimos anos no Rio de Janeiro, antes de sua morte, aos 79 anos, foram de grande prestígio como
compositor e professor de piano. Sua morte se deu com diversas homenagens sendo realizadas,
bem como o pleno reconhecimento de ter sido um dos maiores compositores brasileiros da
história.

A produção musical do compositor: as influências e o seu legado


Tal aclamação é totalmente justificável quando se estuda o seu conjunto de obras, as
quais são carregadas de uma escrita altamente refinada e repleta de múltiplas inspirações. Essa
variedade de influências veio, principalmente, de quatro países: Itália, Brasil, França e
Alemanha. Os dois primeiros, onde viveu durante sua vida, tinham em comum um meio musical
que privilegiava a ópera. A música instrumental – solo, de câmara e sinfônica – ainda era
incipiente nesses países, tendo sua tradição mais estruturada na Alemanha e, posteriormente, na
França. Apesar de Oswald ter escrito três óperas durante sua trajetória, ele foi essencialmente um
compositor de música instrumental. Verifica-se, portanto, a influência que teve desses quatro
países.
Tamanha complexidade e multiplicidade inspiracional deveriam, logicamente, ser
enxergadas como algo rico e valorizado em sua obra, ao invés de sofrer discriminações por um
afastamento do nacionalismo. Há aspectos muito mais relevantes que a questão do sentimento
nativista a serem abordados em sua obra, como a grande contribuição no estilo sinfônico e
camerístico à música brasileira. Oswald não foi o primeiro brasileiro a compor nesse gênero, no
entanto, sua relevância e importância são evidentes – algo facilmente verificado na qualidade e
no volume de sua produção. Sua herança musical é extremamente vasta, em número e em gênero:
escreveu inúmeras peças para piano, prelúdios, fugas para órgão, sonatas, quartetos de cordas,
duas sinfonias, várias transcrições de obras pianísticas para orquestra, concertos para instrumento
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solista e orquestra, obras para canto e piano, canto e orquestra, coro – incluindo duas missas –,
além de três óperas.
Ele é autor de belíssimas peças, como o Trio op. 9 – obra-prima de sua primeira fase que
evidencia a influência do romantismo alemão – e a Sonata para violino e piano op. 36 – que o
aproxima da escola francesa. Tais obras, porém, são, infelizmente, menosprezadas pela maior
parte dos músicos e musicólogos brasileiros. Embora se possa observar um crescente número de
pesquisadores nas universidades brasileiras que vêm se preocupando em estudar o seu legado,
Oswald ainda está longe de ocupar o lugar que lhe cabe como um dos maiores compositores
brasileiros de todos os tempos. Em conclusão, deixar esses preconceitos para com o compositor
de lado e passar a executar suas obras com mais frequência nas salas de concerto ao redor do país
traria, certamente, um benefício para toda a cultura nacional.

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