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GT09 – SOCIOLOGIA DA ARTE

DO FUTURISMO ITALIANO À COMPOSIÇÃO OPERÍSTICA NO SÉCULO XXI:


DAS HIBRIDIZAÇÕES ENTRE ARTE, POLÍTICA E IDEOLOGIA, E DE SUAS
REVERBERAÇÕES

Wallace Rocha Armani

IUPERJ-UCAM

wallacearmani@yahoo.com.br
RESUMO

O presente ensaio tem como premissa apresentar as relações de proximidade entre os


movimentos futurista e fascista, na primeira metade do século XX, na Itália. Mostrando
como uma miríade de intelectuais italianos contribuíram para a gestação do fascismo e de
como a arte pode ser representada em regimes totalitários, principalmente no que tange às
imbricações entre arte e política. Acompanha-se a trajetória do movimento futurista, desde
a criação do Manifesto Futurista, de Filippo Marinetti, passando pelo Partido Futurista, a
Marcha Sobre Roma e o Manifesto dos Intelectuais Fascistas. Nessa esteira, dá-se destaque
a Giovanni Papini e a sua obra Il Diavolo Tentato, a qual transformei em ópera, no ano de
2004. Apresenta-se um breve relato sobre o processo de criação desse espetáculo e de sua
execução em 2005, na Sala Juvenal dias, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Observa-
se a relação de Giovanni Papini com o futurismo, com o fascismo e com a religião. Sobre o
futurismo, o texto mostra como essa corrente estética de vanguarda e movimento político
se propagou pela Itália e como influenciou intelectuais e artistas de outros países, como
União Soviética, Portugal e Brasil. Por fim, salienta-se o fato de que o conceito de fascismo
tem se tornado cada dia mais difundido por meio da imprensa tradicional, das redes sociais
e dos debates informais sobre o atual cenário político em que vivemos, não somente no
Brasil como em âmbito internacional. Observando-se o surgimento de partidos políticos e
de representantes da extrema direita, assim como dos movimentos antifascistas.

Palavras-chave: Fascismo; Futurismo; Ópera.

1. INTRODUÇÃO

O presente ensaio perpassa as relações de proximidade entre uma corrente estética


que surgiu na Itália no início do século XX, conhecida como “futurismo” e como essa
corrente se associou ao fascismo italiano, mostrando que arte e política podem ter
independência uma da outra, mas que nesse caso, tiveram uma certa hibridização. Além
disso, muito do debate que se apresenta nas redes sociais e que é amplamente difundido pelo
senso comum é de que arte, quando de certo engajamento, é “coisa de esquerda”.

Dentro dessa perspectiva, ressalta-se o fato de que mesmo em regimes totalitários,


expressões artísticas e manifestações culturais são encorajadas e que tanto artistas quanto
intelectuais podem compactuar com esses regimes, contrariando a tese de que somente em
democracias consolidadadas a arte e os artistas podem se manifestar. Para além de uma
vinculação ideológica com o fascismo, o futurismo ultrapassou fronteiras e influenciou
inclusive, pensadores e artistas brasileiros e soviéticos, como veremos no decorrer do texto.
Devo mencionar que finalizo esse texto no dia 25 de julho de 2021, data carregada de
elementos simbólicos, pois marca o dia em que foi decretada a prisão de Benito Mussolini
e pôs um fim ao regime fascista na Itália, em 1943.

Trago para essa discussão, o autor italiano Giovanni Papini, que dialogou tanto com
o futurismo quanto com o fascismo. Autor esse que escreve o texto Il Diavolo Tentato, o
qual transformei em ópera no ano de 2004. Papini aqui, por meio de seu “diabo tentado”, se
torna o personagem central de meu trabalho enquanto compositor. Poder escrever sobre Il
Diavolo Tentato após dezessete anos de sua composição e dos quase dezesseis anos de sua
estréia mundial, além de contextualizar tanto a minha criação musical quanto a obra original,
em seu tempo, me fez revisitar estudos e leituras que se iniciaram há mais de vinte anos.
Isso sem levar em consideração, a relevância de se abordar temas como “fascismo”, “arte”,
“política”, “ideologia”, “direita”, “esquerda”, “modernidade”, “religião”,
“conservadorismo”, “revolução” e “vanguardas”.

2. FUTURISMO ITALIANO
O futurismo permeia uma das inúmeras vertentes vanguardistas da primeira metade
do século XX. Tendo a Itália como o seu berço, no ano de 1909, por meio do lançamento
do Manifesto Futurista, escrito pelo poeta Filippo Marinetti, e publicado na revista
francesa Le Figaro. Esse movimento não ficou restrito apenas à Itália, mas influenciou
artistas franceses, portugueses, russos e brasileiros.

O culto à velocidade era o seu motivo condutor (leitmotiv) e isso se representara


através dos automóveis, das máquinas, nas indústrias, na eletricidade, nas metrópoles
vindouras, nas engrenagens, nos avanços tecnológicos, na destruição das formas antigas,
na guerra e no movimento. Movimento esse que se reverberava em toda a sua forma,
esplendor e expressão plástica.

O movimento e a velocidade se transformariam, para os futuristas, em uma ode ao


ocaso do passado e às boas-vindas ao milagre proporcionado pela maquinaria e pelo
desenvolvimento tecnológico radical. Nesse sentido, a orquestra seria representada por
turbinas, fuzis, metralhadoras, automóveis e bombas incendiárias. A sinfonia seria
produzida pelo barulho colossal e amedrontador desses aparatos de destruição e dos ruídos
alarmantes das grandes cidades.
Dentre os artistas que se autodeclaram adeptos do futurismo ou que foram influenciados
pelo movimento, destaco: Fillipo Marinetti (1876-1944), Giacomo Balla (1871-1958), Carlo
Carrà (1881-1966), Luigi Russolo (1885-1947), Umberto Boccioni (1882-1916), Ardengo Soffici
(1879-1964), Gino Severini (1883-1966), Fortunato Depero (1892-1960), Tullio Crali (1910-
2000), Enrico Prampolini (1894-1956), Giovanni Papini (1881-1956), Vladimir Maiakóviski
(1893-1930), Nikolay Diulgheroff (1901-1982), Fernando Pessoa (1888-1935), Almada
Negreiros (1893-1970), Oswald de Andrade (1890-1954) e Mário de Andrade (1893-1945).

3. FASCISMO

Para falarmos sobre o fascismo se fáz necessário trazer à luz os autores Ernest Mandel e
Leandro Konder que identificam elementos-chave para entendermos em que condições esse
movimento pode ocorrer. Em seu livro Sobre o Fascismo, Ernest Mandel, ao apresentar a teoria
do fascismo de Trotsky, nos diz que
...uma unidade de seis elementos; no interior desta unidade cada elemento possui uma
certa autonomia e uma evolução determinada em virtude das suas contradições internas:
mas a unidade só pode ser compreendida como uma totalidade fechada e dinâmica na
qual esses elementos, não isoladamente mas na sua intrínseca conexão recíproca, podem
explicar o ascenso, a vitória e a queda da ditadura fascista. (MANDEL, 1976, 28-29)

Vejamos quais são esses elementos:

a) A função histórica da tomada do poder pelo fascismo é a alteração pela força da violência,
a favor dos grupos decisivos do capital monopolista, das condições de reprodução do capital.
(Ibidem, p. 29)

b) Do pondo de vista histórico, o fascismo é portanto ao mesmo tempo a realização e a negação


das tendências inerentes ao capital monopolista (...) para “organizar” de um modo
“totalitário”, no seu interesse, todo o conjunto da vida social. (Ibidem, p. 30-31)

c) Com o uso de métodos adequados, adaptados às exigências da psicologia das massas, um tal
movimento de massas pode não obter um controle permanente sobre os assalariados
politicamente conscientes, (...) como pode mesmo influenciar ideologicamente os
trabalhadores menos conscientes, particularmente os empregados, e reintegrá-los
parcialmente numa colaboração de classes efectiva. (Ibidem, p. 32-33)

d) O fascismo nasce no momento em que este movimetno começa a atacar fisicamente os


operários, as suas organizações e as suas manifestações. O movimento tem primeiro um
período de desenvolvimento autónomo, necessário para conseguir uma influência de massas;
em seguida, para chegar à tomada do poder, torna-se indispensável o apoio financeiro e
político de importantes sectores do capital monopolista. (Ibidem, p. 34)
e) Para que a ditadura fascista possa cumprir a sua função histórica, o movimento operário tem
de ser previamente derrotado e esmagado; mas isto só é possível se antes da tomada do
poder, o equilíbrio se deslocar a favor dos bandos fascistas e em detrimento da classe
operária. O ascenso do movimento fascista é de certa maneira uma institucionalização da
guerra civil, na qual, no entanto, cada uma das partes tem objetivamente possibilidade de
vencer (esta é, entre outras, a razão pela qual, só em circunstâncias muito especiais,
“anormais”, a grande burguesia apoia e financia semelhantes experiências; ela corre desde o
início um risco bem determinado nesta política do tudo ou nada. (Ibidem, p. 34-35)

f) Se o fascismo conseguir "esmagar o movimento operário sob as suas investidas”, terá


cumprido o seu dever do ponto de vista do capitalismo monopolista; o seu movimento de
massas acaba por burocratizar-se e é em grande parte absorvido pelo aparelho de Estado
burguês; (...) A ditadura fascista tem tendência para reduzir e esmagar a sua própria base de
massas; os esquadrões fascistas tornam-se apêndices de polícia. (Ibidem, p. 36-37)

Destaco o fato de que esses elementos apresentados pelo autor se comportam de forma
interdependente e interrelacionada, ou seja, para que o fascismo se configure e se apresente como
tal, se torna necessário que todos esses elementos estejam diretamente conectados entre si e que
um dependa do outro para que ele, o fascismo, seja posto. Para Konder (2009),
...o fascismo é uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo, que procure
se fortalecer nas condições de implantação do capitalismo monopolista de Estado,
exprimindo-se através de uma política favorável à crescente concentração do capital; é
um movimento político de conteúdo social conservador, que se disfarça sob uma
máscara “modernizadora”, guiado pela ideologia de um pragmatismo radical, servindo-
se de mitos irracionalistas e conciliando-os com procedimentos racionalistas-formais de
tipo manipulatório. O fascismo é um movimento chauvinista, antiliberal,
antidemocrático, antissocialista, antioperário. Seu crescimento num país pressupõe
condições históricas especiais, pressupõe uma preparação reacionária que tenha sido
capaz de minar as bases as forças potencialmente antifascistas (enfraquecendo-lhes a
influência junto às massas); e pressupõe também as condições da chamada sociedade de
massas de consumo dirigido, bem como a existência nele de um certo nível de fusão do
capital bancário com o capital industrial, isto é, a existência do capital financeiro.
(Konder, 2009, p. 53)

4. SOBRE FUTURISMO E FASCISMO


Em momentos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, os futuristas já se
posicionavam politicamente e fizeram mobilizações em três momentos distintos, que são: as
eleições gerais de 1909, apoiando a guerra da Líbia em 1911 e finalmente, em 1917. Após a
Grande Guerra, já se configurara um partido político com certo grau de organização, tendo Marinetti
como líder e como codiretor do jornal Roma Futurista, que fortalecia os ideais tanto dos futuristas
quanto do partido. Esse apoio era explicitado pela própria capa do jornal com os dizeres Roma
Futurista: Giornale del Partito Politico Futurista (Roma Futurista: Jornal do Partido Futurista,
em tradução livre).

Em dezembro de 1914, foi fundado o Fascio d’azione rivoluzionaria, com pensamento


intervencionista e de inspiração sindicalista revolucionária. Após a entrada da Itália na guerra,
foi dissolvido e muitos de seus correligionários adentraram o Partido Futurista. Em 23 de março
de 1919, representantes da Fasci politici futuristi foram convidados por Benito Mussolini para
participar da reunião da Piazza San Sepolcro, em Milão. Naquele ano, eles têm uma derrota nas
urnas e Marinetti se distancia da política, passando a utilizar o Roma Futurista para debater
questões relativas à cultura. Com o sucesso da Marcha sobre Roma, Marinetti volta a se articular
politicamente.
O Partido Futurista tinha como diretrizes os seguintes pontos, que eram: a educação
patriótica do proletariado; o combate ao analfabetismo; o ensino da luta clássica; uma educação
esportiva; ensino técnico em oficinas; a liberdade de greve, de reunião e de organização; a abolição
da “polícia política”; a justiça livre; a transformação da caridade em assistência e segurança social.

Com uma ideologia agressiva, o futurismo era favorável à guerra e ao fascismo na Itália.
Parte da ideologia fascista teve suas origens em certas particularidades do futurismo, tais como:
uma representação revolucionária como meio de reestruturar a sociedade; o culto à guerra; a
máquina como elemento de adoração e exaltação. Tendo esses pontos em comum, aspectos
futuristas poderiam ser utilizados dentro de uma retórica fascista. Por outro lado, a Grande Guerra
se mostrou errática e catastrófica mesmo para os adeptos do futurismo. Uma cultura da máquina
passou a ser encarada com certo ceticismo e reações contra o futurismo foram sendo estabelecidas
por correntes filosóficas e estéticas. Em 1931, os fascistas deixam de lado a estética futurista em
detrimento de um estilo clássico simplificado, que era mais facilmetne reproduzível.

5. GIOVANNI PAPINI
Giovanni Papini, nasce em Florença, em 9 de janeiro de 1881 e falece, em 8 de julho de
1956, na mesma cidade. Foi um poeta, ensaísta, escritor e jornalista autodidata que se dedicou
aos estudos da literatura, da filosofia e da religião. Fundou inúmeras revistas e grupos de
vanguarda, dando destaque para Leornardo, L’Anima, La Voce e Lacerba. Papini foi responsável
por uma produção vigorosa, com destaques para: O Trágico Quotidiano e O Crepúsculo dos
Filósofos (1906), Um Homem Liquidado (1912), História de Cristo (1921), Pão e Vinho (1926),
Gog (1931), Dante Vivo (1935), História da Literatura Italiana (1937), O Passado Remoto
(1948), Vida de Michelangelo (1950) e O Diabo (1953).
Em sua juventude, se declarava ateu e muitas de suas produções daquele período refletiam
o seu posicionamento diante da fé e da religião. Anos mais tarde, se converte ao catolicismo, se
torna um combativo defensor dos valores cristãos e se vincula aos franciscanos. Em seu livro, O
Passado Remoto, que o próprio autor identifica como sendo uma coletânea de memórias, dedica
um de seus capítulos a relatar o encontro que teve pessoalmente com Marinetti, em 1913. Ressalto
esse elemento pois Papini foi um dos entusiastas tanto do futurismo como do fascismo em anos
posteriores. Aqui, não me coloco no papel de juiz no que concerne a ele ter sido apoiador do
fascismo italiano, apenas me coloco na posição de mencionar como as coisas se apresentaram e
foram apresentadas.

Nesse sentido, apresento parte da vida e da obra de Papini dentro de seuscontextos histórico,
político, social, cultural, econômico, religioso e artístico. Menciono ainda que não somente ele,
mas uma plêiade de artistas e intelectuais de sua época aderiram e foram entusiastas do fascismo,
como Gabriele D’Annunzio, Giuseppe Ungaretti e Luigi Pirandello. Isso sem contar os mais de
duzentos intelectuais italianos que juntos com os três citados anteriormente, assinaram o
Manifesto dos Intelectuais Fascistas, em 1925, que contara com a participação e articulação de
Filippo Marinetti.

6. Il DIAVOLO TENTATO – A ÓPERA


Em 2004, decidi participar de uma competição de composição operística em um
campeonato para jovens compositores na Itália. Para isso, utilizei o texto Il Diavolo Tentato, de
Giovanni Papini, como libreto e em língua italiana. Meu primeiro contato com esse texto foi em
2000, por meio de uma tradução para o português. No texto, temos quatro personagens e uma
multidão de fiéis que inicialmente se encontram dentro da catedral e que depois saem às ruas. O
título do texto no original é Il Diavolo Tentato – Radiodramma in tre tempi (O Diabo Tentado –
Radiodrama em três tempos, em tradução livre) e foi publicado em 1953 como apêndice do livro
Il Diavolo (O Diabo).

A história se passa no dia 29 de setembro, Dia de São Miguel Arcanjo, em que Satã se vê
diante de uma catedral, onde fiéis participam de uma celebração em homenagem ao Arcanjo
Miguel. Do lado de fora, enquanto ele ouve atentamente os cânticos de louvor a seu inimigo, um
diabrete, de nome Uriel, se aproxima e começa a encorajá-lo para que ambos retornem para o
local onde habitam, o qual Satã é o governante. Após um longo diálogo entre eles, surge a figura
do Arcanjo Rafael. Nesse momento, Uriel se afugenta e Rafael tenta convencer Satã de que ele
deve voltar a ser quem era no início dos tempos, um Anjo de Luz.

Momentos depois, a porta da catedral de abre e a multidão de fiéis toma as ruas. Satã
avista uma transeunte e logo se aproxima dela, enquanto Rafael desaparece. Essa mulher se
chama Virgia e Satã tenta seduzi-la. Durante a conversa que se estabelece entre eles, Satã revela
ser uma criatura ancestral e ao mesmo tempo detentora de poderes sobrenaturais. Virgia, por sua
vez, não se deixa impressionar. Possuindo uma fé avassaladora, tenta mostrar a Satã que ele possui
uma essência boa e que pode se arrepender.

Para a composição da partitura, defini que Satã seria interpretado por umcantor no registro
de baixo, Uriel como tenor, Rafael barítono e Virgia soprano. O coro composto por sopranos,
contraltos, tenores e baixos, interpreta o louvor em latim do início do texto, contendo os seguintes
ditames:

Contra ducem superbiae

Sequamur hunc nos principem

ut detur ex Agni throno

nobis corona gloriae

Além disso, uma orquestra de câmara executa toda a parte instrumental da peça. O processo de
criação levou um total de seis meses, trabalhando diariamente na escrita da ópera. Após o término,
fiz a redução da orquestra para piano. Isso foi necessário pois precisaria da partitura para os
ensaios com o pianista e cantores.

Esteticamente, me apoderei de elementos musicais expressionistas, utilizando de


cromatismo extremo, múltiplas tonalidades, minimalismo, paisagens sonoras, motivos condutores
(leimotivs) e paródias. Apesar da grandevariedade de tonalidades tanto maiores quanto menores
presentes na partitura,as modulações em muitos momentos são feitas bruscamente e nos dá a
sensação de perda de referência – como se nota em uma peça atonal –, contendo tonalidades que
se sobrepõem e que se intercalam a todo momento.

Quase a totalidade da obra é feita em compasso quaternário, mas em vários momentos


nós perdemos a noção temporal e a referência de compasso é deslocada, causando a sensação de
que não tenhamos uma unidade de medida padrão. A parte instrumental é sempre executada não
como um acompanhamento dos cantores, com excessão de determinados momentos, mas com
independencia entre eles.

Nesse sentido, os trechos interpretados pelos cantores se direcionam para um ponto e a


orquestra para outro. Desenhos melódicos são realizados pelos cantores, enquanto a
instrumentação cria acordes dissonantes e clusters. Para finalizar, ressalto que em minha
concepção, Il Diavolo Tentato, a minha primeira ópera, está situada esteticamente em um lugar
fronteiriço dentre todas as composições musicais que escrevi. Antes dela, ainda escrevia obras
tonais e após, passei a adotar o serialismo como método composicional e a realizar
experimentações sonoras em minhas composições.

Em relação ao concurso na Itália, eu fiquei entre os cinquenta e seis compositores de todo


o mundo, sendo o único brasileiro dentro desse carde. Infelizmente, não venci a competição. Em
dezembro de 2005, fiz a estreia mundial da peça, na Sala Juvenal Dias, do Palácio das Artes, em
Belo Horizonte, em uma versão de concerto com a presença dos cantores e de um pianista. Desse
concerto, uma gravação ao vivo foi feita e pode ser encontrada no SoundCloud. A duração da
peça é de uma hora e quarenta minutos.

Em 2006, minha segunda ópera foi publicada parcialmente na edição de junho do


Suplemento Literário de Minas Gerais, com o título A Farsa dos Tempos, escrita em português e
com libreto também de minha autoria. Em 2008, a pesquisadora Ana Amélia Almada Arantes,
escreveu uma monografia de pós-graduação pela PUC Minas, sob orientação do saudoso maestro
Luiz Aguiar, cujo título A História da Produção de Ópera em Belo Horizonte, cita o meu nome
como o primeiro compositor de óperas natural de Belo Horizonte em atividade naquele momento.
Ainda sobre Il Diavolo Tentato, proferi algumas palestras entre os anos de 2009 e 2011 sobre o
processo de criação dessa obra para público constituído por músicos profissionais, músicos
amadores e estudantes de música.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espero que esse texto tenha servido para aguçar a curiosidade dos leitores em relação aos
temas principais aqui apresentados, que são: FUTURISMO, FASCISMO e ÓPERA. Coloco esses
três em caixa alta para potencializar o aprofundamento em cada um deles e para brincar com tais
palavras, que em nosso tempo e como divulgado por meio das redes sociais, caixa alta dá a ideia
ou indicação de que quem escreve dessa forma quer se expressar através do grito. Além disso,
esse recurso estilístico, o da caixa alta, era também utilizado na poesia futurista e pode ser
encontrada entre as obras dos modernistas brasileiros.

Sobre o FUTURISMO, ressalto a importância que esse movimento teve nas artes da
primeira metade do século XX, por meio de suas representações na pintura, na arquitetura, na
música, na literatura, na poesia, na escultura, na fotografia e no cinema. Já sobre o FASCISMO,
se torna necessário aprofundarmos a discussão acerca desse tema principalmente para não cairmos
em uma armadilha conceitual. Digo, esvaziarmos o conceito de “fascismo” e tentarmos aplicá-lo
a toda e qualquer pessoa ou governo que diverge de nossos entendimentos político e de sociedade.

Sabemos que o fascismo tratado aqui, é aquele que foi gestado e desenvolvido na Itália de
Mussolini. Ao reinterpretarmos e relermos esse conceito, não podemos fazer isso de forma
gratuita e pueril. O fascismo é algo sério e merece um olhar atento por parte de quem se pretende
fazer um estudo minimamente detalhado e o mais distanciado possível de nosso objeto de análise.
Isso posto, chamo a atenção para uma “neutralidade política” em relação a uma “neutralidade
axiológica”. Esclareço. Independentemente de nosso posicionamento político, ao fazermos e
produzirmos ciência, devemos nosdistanciar ao máximo daquilo que nós pesquisamos.

Pode parecer aqui que estou reafirmando o óbvio e que estou redescobrindo a roda e por
conseguinte, a escrita e a imprensa, mas enfatizo que por mais apaixonados que sejamos, ao
pesquisarmos e analisarmos algo academicamente, precisamos nos ater aos conceitos, às lentes e
às categorias analíticas realmente concernentes ao tema de nossa investigação. Se estivermos
fazendo militância, tudo isso que eu disse não precisa de fato ser considerado. Porém, acredito
que esse texto possa servir tanto ao acadêmico, como o militante quanto o militante-acadêmico
ou ao acadêmico-militante.

Finalmente, sobre o tema ÓPERA, essa que já existe e sobrevive há mais de quatro séculos e
que cumpriu no passado o papel que hoje pertence ao cinema, aos musicais e aos programas de
televisão e que assim como o FUTURISMO e o FASCISMO, nasceu na Itália. Esse gênero que
reúne os mais diferentes matizes e aspectos estéticos da arte, tais como: música, literatura,
pintura, arquitetura, dança, iluminação, cenografia, escultura, poesia e teatro. Que nasce como a
tentativa de se resgatar elementos primordiais do teatro grego antigo e que hoje é reproduzido por
telas de computador.

Como reflexão, faço as seguintes perguntas: Ao se alinhar ao pensamento fascista,


poderíamos pensar que a obra de Giovanni Papini é fascista? Caso a obra dele seja fascista, ao
compor uma ópera com o texto Il Diavolo Tentato de Giovanni Papini, eu seria um compositor
fascista? Nos tornamos fascistas ao estudarmos o fascismo? Por fim, seria possível o Tentador
ser realmente TENTADO?

8. REFERÊNCIAS
ARANTES, Ana Amélia Almada. A história da produção de ópera em Belo Horizonte.
Monografia de Pós-Graduação em Produção e Crítica Cultural da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, p. 68. 2008.
ARMANI, W. R. Il Diavolo Tentato – first part. Disponível em:
<https://soundcloud.com/wallace-armani-608767412/il-diavolo-tentato-first-part>. Acesso em:
25 jul. 2021.
ARMANI, W. R. Il Diavolo Tentato – second part. Disponível em:
<https://soundcloud.com/wallace-armani-608767412/il-diavolo-tentato-second-part>. Acesso
em: 25 jul. 2021.
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Brasília – Distrito Federal: Editora UNB, 2016.
BRANDINO, Luiza. “Futurismo”. Brasil Escola. Disponível em: <
https://brasilescola.uol.com.br/artes/futurismo.htm>. Acesso em: 25 jul. 2021.
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<https://arteref.com/movimentos/como-os-futuristas- usaram-a-arte-para-alimentar-o-
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Equipe Editorial. Top 10 artistas futuristas que você precisa conhecer! Disponível em:
<https://arteref.com/arte/top-10-artistas-futuristas-que-voce- precisa-conhecer/>. Acesso em: 25
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marinetti-entre-o-futurismo-e-o-fascismo/>. Acesso em: 25 jul. 2021.

ABSTRACT

This essay's premise is to present the close relations between the futurist and fascist movements,
in the first half of the 20th century, in Italy. Showing how a myriad of Italian intellectuals
contributed to the gestation of fascism and how art can be represented in totalitarian regimes,
especially regarding the imbrications between art and politics. The trajectory of the futurist
movement is followed, from the creation of the Manifesto of the Futurism, by Filippo Marinetti,
through the Futurist Political Party, the March on Rome, and the Manifesto of Fascist
Intellectuals. On this path, Giovanni Papini and his work Il Diavolo Tentato, which I turned into
an opera, in the year 2004, is highlighted. A brief report on the creation process of this show and
its performance in 2005, at Sala Juvenal Dias, at Palácio das Artes, in Belo Horizonte, is
presented. Giovanni Papini's relationship with futurism, fascism, and religion is observed. About
futurism, the text shows how this avant-garde aesthetic trend and political movement spread
throughout Italy, and how it influenced intellectuals and artists from other countries, such as the
Soviet Union, Portugal, and Brazil. Finally, it is highlighted the fact that the concept of fascism
has become increasingly widespread through the traditional press, social networks, and informal
debates about the current political scenario in which we live, not only in Brazil but also in the
international level. Observing the emergence of political parties and representatives of the far
right, as well as anti-fascist movements.
Keywords: Fascism; Futurism; Opera.

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