Você está na página 1de 100

HENRI

MICHEL

OS FASCISMOS

Traduzido do francês por Álvaro de Figueiredo

PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE


LISBOA
1 9 7 7

FICHA:

1977, Presses Universitaires de France, Paris.

Título original: Les Fascismes.

Editor original: Presses Universitaires de France.

Tradutor: Álvaro de Figueiredo

Capa e orientação gráfica: Fernando Felgueiras.

Edição: 5 Q 536

Todos os direitos para Portugal reservados por Publicações Dom Quixote,


Rua Luciano Cordeiro, 119 - Lisboa
Composto e impresso em Editorial Império Lda., - Outubro de 1977
ALGUNS DADOS SOBRE HENRI MICHEL:

Presidente do Comité Internacional de História da Segunda Guerra Mundial


e diretor da Revue d'histoire de la deuxième guerre mondiale, é autor de vasta
bibliografia da história do nosso tempo, de que destacamos: Les idées politiques
et sociales de la Résistance française (de colaboração com B. Mirkine-
Guetzévitch), P. U. F., Paris, 1954; Tragédie de la Déportation (de colaboração
com Olga Wormser), Hachette, 1954; Les courants de pensée de la Résistance,
P. U. F., Paris, 1963; Bibliographie critique de la Résistance, SEVPEN, 1964;
Vichy, année 40, Robert Laffont, Paris, 1966; Jean Moulin Funificateur,
Hachette, Paris, 1970; La guerre de L'hombre, Grasset, Paris, 1970; Histoire de
Ia France libre, P. U. F., Paris, 1972; La drôle de guerre, Hachette, Paris, 1972;
Pétain, Laval, Darlan, trois politiques?, Flammarion, 1972; Les mouvements
clandestins en Europe, P. U. F., Paris, 1974; Histoire de Ia Résistance en France,
P. U. F., Paris, 1975; La seconde guerre mondiale, P, U. F., Paris, 1975; Pétain et
le régime de Vichy, P. U. F., Paris, 1977; Les Fascismes, P. U. F., Paris,. 1977,
de que o presente livro constitui a tradução portuguesa.
PREFÁCIO

Quando Valéry Giscard d'Estaing foi à Argélia, uma juvenil «cooperante»


disse na televisão francesa que «não iria ouvir esse fascista».Falando a uma
Assembleia parlamentar, Poniatowski disse que os comunistas eram
«fascizantes». Os comunistas, por sua vez, dizem que certos esquerdistas são
fascistas; ao mesmo tempo que os Chineses, alvo da mesma injúria por parte dos
Soviéticos, lhes devolvem imediatamente o epíteto. Na Enciclopédia Soviética, o
general De Gaulle foi durante muito tempo considerado «general fascista.».
Atingiu-se o cume da confusão na Primavera de 1968, com o estribilho CRS =
SS, que irritava e ofendia tanto os polícias franceses como os homens que
tinham estado na Resisttência. Hoje em dia, boa parte da juventude considera
fascista qualquer manifestação de autoridade, venha ela do pai, do professor ou
do patrão. Pode avaliar-se assim a profundidade e a amplitude do sulco que o
fascismo gravou na consciência colectiva; nos nossos dias e numa palavra, cada
um é o fascista de outro. É verdade que os crimes abomináveis dos nazis
explicam esta condenação geral.
Mas o fascismo abrange mais de vinte anos da história da Europa. Foi o
terceiro grande acontecimento de entre as duas guerras, juntamente com o
declínio da democracia liberal e a revolução bolchevique. Em 1942, poderia
crer-se que a Europa, conquistada pelo fascismo, lhe serviria de trampolim para
conquistar o mundo; este encontrava-se então dividido entre fascistas e
antifascistas, como está hoje entre comunistas e anticomunistas. A derrota das
potências do Eixo foi fatal para o fascismo; o opróbrio que o atinge provém, em
grande parte, do receio de que venha um dia, a renascer; é que o fascismo, de
1945 para cá, tem tido de facto saudosistas e imitadores.
Nas poucas páginas que se seguem, não temos a pretensão de escrever a
história do fascismo. O nosso objectivo é apenas tentar uma clarificação.
Procuraremos deduzir os caracteres comuns principais do fenômeno, tanto na
sua ideologia como na sua prática. Tentaremos descobrir as suas causas, as suas
ligações com o passado e a sua novidade na História. Claro que não poderemos
relatar a atividade de todos os movimentos que se disseram ou dizem fascistas,
ontem e hoje; mas tentaremos deduzir a especificidade dos mais importantes e
avaliar o seu efeito de choque na sociedade dos seus países respectivos. O nosso
estudo procurará responder a um conjunto de perguntas: -o fascismo é único ou
múltiplo, é uma reação ou uma revolução, ou ambas as coisas sucessiva ou
parcialmente? Em que condições o fascismo venceu, ou falhou, e que forças
político-econômicas o sustentaram? Por outras palavras, quais foram as suas
relações com os partidos tradicionais, o capitalismo, a classe operária? O
fascismo evoluiu, em que sentido e por que razões? O fascismo não atingiu os
seus objetivos, ou alcançou-os em parte, e em que parte? Numa palavra,
procuraremos descobrir, caracterizar, e, se for possível, explicar a complexidade
do fenômeno em todas as suas facetas, com as suas contradições.
I. QUE É O FASCISMO?

Não existe uma Bíblia do fascismo - o Mein Kampf é apenas o Antigo


Testamento do nazismo. O fenômeno histórico fascista não foi precedido e
preparado por uma geração de teóricos - como a Revolução Francesa o foi pelos
«filósofos»; contam-se pelos dedos os «pensadores». fascistas. A bem dizer, a
própria palavra fascismo {1} indica bem a natureza do fenômeno histórico: uma
reunião de forças diversas, cuja unidade, se não a própria ideia, resultam do facto
consumado. Os ditadores fascistas foram empíricos; o «chefe» elevou-se acima
da massa, o seu ato fez-se verbo e a sua palavra revelou, a verdade. Mas o certo
é que os fascistas em toda a parte se afirmaram censurando e combatendo
adversários, reais ou míticos, que indicaram pelo nome; a sua luta começou por
ser uma rejeição. Ao mesmo tempo, prosseguiram certos objetivos, definiram
um programa, elaboraram um pensamento mais ou menos coerente. Existe,
portanto, um fundo fascista comum, uma mistura de rejeições e proposições,
uma espécie de «limiar mínimo» de um conjunto complexo, no qual se
enxertam variantes.

As rejeições do fascismo
O que o fascismo rejeita a priori totalmente é a sociedade liberal do século
XIX, inspirada pela «filosofia das luzes», transposta politicamente na Revolução
Francesa. O fascismo não crê que os homens sejam iguais, nem que o homem
seja naturalmente bom. Põe de, lado Descartes, Kant, Rousseau, e, com estes, o
positivismo, gerador do cientismo e da esperança num progresso contínuo. Esta
condenação global dá origem a algumas rejeições:

Rejeição da democracia, considerada «podre» porque, sendo um regime de


fraqueza dominado pelos grupos de pressão, é incapaz de salvaguardar o
interesse nacional; o sistema parlamentar não passa de um jogo estéril de um
verbalismo alheio às realidades da nação; o pluralismo dos partidos apenas gera
divisões e discussões inúteis; a escolha dos dirigentes políticos pelo povo é uma
nociva quimera:
Rejeição por conseguinte do individualismo, dos direitos do homem, da
«dignidade da pessoa humana»; porque o indivíduo não tem nenhum direito;
apenas existe pela comunidade na qual se integra; precisa de ser enquadrado e
comandado;
Rejeição da sociedade liberal, porque a liberdade degenera em licença, e a
licença em enfraquecimento da coesão do grupo; o grupo tem o direito de punir
aqueles que recusam agregar-se-lhe; a justiça não tem como objecto defender o
indivíduo, mas sim velar pela integridade do grupo, aplicando sanções àqueles
que a prejudicam;
Rejeição dum comportamento comandado pela razão, que abafa o impulso
vital; o fascismo é uma reação anti-intelectualista, uma desforra do instinto;
prega o culto da ação, proclama a virtude da violência.

Ao mesmo tempo, o fascismo combate o «socialismo marxista», Porque este


é fundado na luta de classes e conduz à divisão e enfraquecimento do grupo
social; não crê no esquema marxista do carácter irreversível da História. Censura
também a liberdade econômica, o «laissez faire», que permite aos fortes esmagar
os fracos, em detrimento da colectividade, e muitas vezes esconde o domínio de
um povo pobre por outro mais rico. Às internacionais comunista e capitalista, o
fascismo procura contrapor o seu «socialismo nacional».

As afirmações do fascismo
Estas críticas não constituem novidade; o fascismo não fez mais do que
popularizá-las; completa-as, em antítese, com afirmações e proposições, que só
assumem alguma originalidade pela sua conjunção; foi assim que se elaborou a
pouco e pouco, ao correr da ação, uma doutrina quase coerente.
O fascismo é em primeiro lugar um nacionalismo exacerbado. A nação,
sagrada é o bem supremo. O seu interesse exige uma tripla coesão interna,
política, social e étnica, e exige também a supressão dos antagonismos que a
dividem e enfraquecem. O fascismo repudia a época que o precedeu - proclama-
se revolucionário - e procura os seus modelos num passado da nação mais ou
menos mítico - a germanidade, a latinidade, a hispanidade, o helenismo, a
francidade, etc. Nesta idade de ouro, a nação era pura de qualquer elemento
alheio; para a purificar de novo, o fascismo é xenófobo, racista, e, ao fim e ao
cabo, anti-semita. Povo, Nação, Raça exprimem então a mesma realidade
histórica.
O nacionalismo fascista é altivo e ambicioso; não há fronteira que não
pretenda violar; há sempre um tratado qualquer que quer rever e algum território
que pretende recuperar; no passado, encontra com facilidade um período de
grandeza que pretende igualar. Apoiado pelo exército, escorado nos antigos
combatentes, procurando a cooperação dos compatriotas exilados, o fascismo vai
acabar naturalmente no imperialismo. Ridiculariza o «pacifismo dos balidos», a
começar pela Sociedade das Nações; exalta a aventura, o soldado, a luta; às
soluções negociadas, prefere o «diktat» da vitória. Contém em si a guerra, como
a nuvem negra contém o raio.
Para que a nação tenha a certeza de poder viver e prosperar, o Estado deve
ser forte e autoritário. A centralização suprimirá os particularismos locais; o
Estado fará prevalecer o interesse colectivo sobre os dos indivíduos, dos grupos
profissionais ou das classes, sociais. A ditadura que vai ser instituída confundirá
os aparelhos do Estado e da ideologia partidária, à custa duma legalidade que
suplantará, a noção de Salvação Pública.
O Estado será policial e a Justiça estará às suas ordens; as funções de
advogados, acusadores, juízes, serão amalgamadas, porque o acusado será
julgado pelas suas intenções e «moralidade, política», mais do que pelos seus
atos; como outrora a Inquisição para os heréticos, o tribunal fascista esconjurará
as impurezas nacionais. Este Estado forte incarna-se num chefe, providencial,
guia e salvador da nação, erguido da massa pelo impulso da sua personalidade; a
sua palavra é lei e é também a verdade. As paredes de Roma proclamavam que
«Mussolini tinha sempre razão», e as multidões nazis gritavam o seu êxtase
perante o «gênio do Führer». Não há grupo fascista que não faça sacrifício ao
culto do chefe; aliás, o führerprinzip deve afirmar-se em todos os escalões da
sociedade, tanto na economia como na administração.
Entre o chefe e o povo, o intermediário, a correia de transmissão é o partido
único; este deve reunir um escol e, por meio de um movimento juvenil único,
deve também promover a sua renovação. A sociedade urdida pelo fascismo é
hierarquizada; uns comandam, os outros creem e obedecem mas o poder vem
sempre de cima; os fascistas travam a sua primeira batalha na rua, contra os seus
adversários; passado isto, «reina a ordem» e a população é enquadrada,
territorial e profissionalmente, em organismos destinados a modificar o Estado.
Assim irá surgindo, a pouco e pouco, uma nova classe dirigente.
Esta sujeição da população é justificada pelo fascismo como a defesa
nacional e com a vontade de instituir uma sociedade mais justa; é isto o
socialismo nacional, considerado a melhor arma contra o comunismo. É
necessário ultrapassar a luta de classes e substituí-la pela sua cooperação. Não se
trata de coletivização, nem de supressão do proletariado, e ainda menos de
autogestão. Mas o Estado, por um lado, submeterá os interesses dos poderosos à
lei comum, e, por outro, promulgará leis sociais destinadas a melhorar a
condição operária. Regra geral, estas disposições serão um tanto esquecidas
pelos partidos fascistas uma vez alcançado o poder; mas contribuirão para os
tornar ditaduras populares.
Para promover o «socialismo nacional», as forças de produção são
associadas numa economia corporativa. O fascismo pretende ultrapassar as
tensões da sociedade industrial; daqui resultam organismos de cooperação em
todas as profissões, as corporações, onde os patrões, operários e representantes
do Estado têm assento, teoricamente, em pé de igualdade. Por um lado, a
organização permite que o Estado tome até certo ponto à sua conta a economia
nacional; facilita a direção planificada da produção e permite a realização da
autarcia; por outro lado, o Estado desempenha o papel de medianeiro nos
conflitos de trabalho; de facto, com a supressão dos sindicatos e a proibição das
greves, o sistema consolida o desequilíbrio social em proveito dos possidentes.
Para o fascismo, este conjunto de medidas deve permitir a formação e
desenvolvimento de um tipo de homem novo. Este homem novo deve ser viril -
o fascismo menospreza a mulher -, apto para o comando, duro para si próprio e
para os outros. As suas qualidades dominantes serão a coragem, o espírito de
disciplina, o sentido da solidariedade. Mais do que as qualidades intelectuais, os
fascistas pretendem desenvolver as «qualidades animais» do homem;
desconfiam do espírito crítico, que consideram dissolvente; o fascista contenta-
se com «crer, obedecer, combater». O ideal seria que o homem se tornasse um
autômato perfeito, totalmente destituído de sensibilidade, despojado de qualquer
sentido humanitário, capaz apenas de executar, sem discussão, todas as ordens
que recebe. Este tipo de homem novo foi quase realizado na SS hitleriana.
Os educadores e os artistas devem dedicar-se a formar este novo tipo de
homem. A cultura fascista recusa o universalismo do humanismo; substitui-o
pela pertença à nação,a solidariedade gregária, a ligação ao solo, à língua e ao
torrão natal (ao sangue, dirão os nazis), numa palavra, uma maneira de sentir e
de pensamento comandada pela ação, na qual o irracional domina, com um
dogmatismo exaltado, uma esquematização dos problemas, uma falta completa
do sentido do humor e da compreensão dos matizes, um abuso dos estribilhos
repisados pela propaganda.
Estas características do fascismo são comuns a todos os grupos que se dizem
fascistas, com variantes na intensidade ou no tempo. Para as exprimir, todos os
fascistas utilizam o mesmo ritual - que impressionou muito os seus
contemporâneos. O culto do chefe traduz-se pela difusão ilimitada da sua
imagem nas paredes ou no cinema, nas montras, nos lugares públicos e nas
casas, umas vezes sorridente, amistoso e protetor, outras com ar duro e tenso, o
mais das vezes fardado. É saudado levantando o braço, aclamado freneticamente
antes de ser escutado religiosamente. O partido é uma «ordem », com as suas
vestes, a sua hierarquia, os seus regulamentos, os seus pendões, as suas insígnias
e paradas. A população é reunida em manifestações enormes, em que o espírito
colectivo se exprime pelo canto, em desfiles infindáveis em que cada um está
envolvido e protegido pela massa. A propaganda repete infatigavelmente os
mesmos temas por meio do cartaz, o jornal, a rádio, o filme. Sobre todos os
opositores, e até sobre os “tíbios”, paira a ameaça das agressões, da prisão, da
destituição, do internamento ou da expropriação; o fascismo domina por meio de
generalização do terror - neste ponto faz inovação.
Assim, rejeitando o capitalismo e o bolchevismo, recusando a democracia
liberal, o fascismo propõe uma terceira solução de cooperação, uma nação
dirigida pelo chefe, uniformizada pela arregimentação e propaganda, preparada
para guerras em que se farão valer os seus direitos e se afirmará a sua força.
Durante cerca vinte anos, teve um êxito incontestavelmente enorme, é um
fenômeno mundial.

Antecedentes e gênese do fascismo


De onde vem o fascismo? No fim do século XIX, o capitalismo liberal evolui
para a formação de trustes e cartéis, nos quais se realizava a fusão entre o capital
industrial e o capital bancário.Foi esta uma das causas do grande aumento da
produção de bens de todas as espécies. Mas a concentração das empresas em
organizações enormes teve também a consequência de aprofundar as diferenças
entre as imensas riquezas de uns e a miséria da maioria; o desenraizamento das
populações rurais atraídas pela cidade, o seu amontoamento em bairros que não
tinham condições para os receber, as próprias condições do emprego, pela
generalização do taylorismo, contribuíram para desumanizar as relações do
homem com o seu trabalho, e abalaram profundamente as relações tradicionais
entre as classes.
Em particular, as classes médias nem sempre tiravam proveito da mutação
econômica. O desenvolvimento da grande indústria e do grande comércio, a
produção em série de mercadorias mais baratas ameaçavam a expropriação e
proletarização muitos artífices, pequenos comerciantes, pequenos proprietários.
Estas classes médias recusavam, em geral, juntar-se ao proletariado na luta deste
contra o capital, porque teriam o sentimento de uma degradação; o seu
anticapitalismo era reacionário; tinham saudades de uma economia pouco
dinâmica, rotineira, se não mesmo entorpecida; não imaginavam outra forma de
propriedade que não a privada e recusavam qualquer coletivização que lhes
tiraria a personalidade; condenando a luta de classes, da qual temiam ser as
vítimas, sonhavam com um Estado acima das classes: os poucos bens que
possuíam e não queriam perder levaram-nos a recear qualquer perigo que
ameaçasse a pátria, com a qual se identificavam. Se houver uma crise grave e
duradoura, esta massa amorfa pode levedar com o apelo de um agitador que
saiba insuflar-lhe o fermento que lhe convém.
A aceleração dos progressos científicos, por outro lado, embora fizesse
nascer grandes esperanças, embora melhorasse as condições de vida, provocou
também uma grande perturbação perante a descoberta de um mundo ilimitado e
temível, um medo cada vez mais intenso perante uma mudança de ritmo da vida
e da instabilidade crescente da produção e da sociedade. As descobertas
científicas de Einstein, de L. de Broglie, que abalaram as concepções do tempo,
do espaço e da matéria, aumentaram a inquietação metafísica; Freud e a
psicanalise descobriram profundezas psicológicas insuspeitadas. A filosofia pôs
de novo em questão a fé na ciência; Bergson reabilitou o instinto; observou-se
um recrudescimento religioso, ou, mais amplamente, místico. Esta reação do
irracional teve a sua expressão mais forte em Nietzsche; para este, o pensamento
raciocinante é um empobrecimento; à moral resignada do rebanho opôs a do
“Super-homem” criador; exaltou a vontade de poder, a vida perigosa, o heroísmo
que vai até o sacrifício.
É verdade que as classes médias não foram arregimentadas unanimemente
sob o pendão de um chefe infalível; o seu comportamento foi diversificado. Os
filósofos e os sábios que abalaram as noções adquiridas não eram de maneira
nenhuma pré-fascistas, muitos deles até eram o contrário,e, aliás, os chefes do
fascismo não os leram {2}. O fascismo não estava necessariamente inscrito na
mutação por que passaram a economia, a sociedade e o pensamento; aliás, o
fascismo não triunfou em toda a parte ao mesmo tempo; mas as mutações em
curso criaram um contexto geral que o favoreceu e permite aperceber as causas
do seu triunfo.
De facto, observa-se que o fascismo toma o impulso inicial num ambiente de
crise - o fascismo italiano nasceu da crise provocada pela primeira guerra
mundial; o nacional-socialismo alemão desenvolveu-se, a partir da crise mundial
dos «anos Trinta». O fascismo alimenta-se com a irritação provocada pelo mau
funcionamento do sistema parlamentar e com a revelação, dos «escândalos» -
como o «caso Stavisky» que deu origem ao golpe de 6 de Fevereiro de 1934.
Aumenta de intensidade quando há uma humilhação nacional, quer seja uma
derrota militar (Alemanha), quer o sentimento de frustração resultante duma
vitória incompleta (Itália e Japão). Nasce do sentimento de opressão duma
minoria - Eslovacos em relação aos Checos, Croatas perante os Sérvios,
Flamengos contra os Valões, etc. Mas convém notar que são numerosas as
excepções a estas causas gerais: a crise econômica não se sentiu em parte
nenhuma mais intensamente que nos Estados Unidos, e, no entanto, nenhuma
semente fascista aí germinou; o fascismo nasceu na Polônia e na Romênia,
apesar duma vitória incontestável; não venceu em França, apesar de todas as
dificuldades da III República; o sentido de opressão de uma minoria pode
conduzi-la para a extrema-esquerda, como o regionalismo catalão, etc.
Portanto o fascismo, em regra geral, nasce num clima de tensão social e
política violente. Ora a primeira guerra mundial foi duma brutalidade sangrenta
sem precedentes; mostrou que a ciência e a técnica podiam ser mais mortíferas
que benéficas; reabilitou a violência, e isso com o empenhamento de milhões de
homens. Na verdade, nunca os exércitos em luta tinham sido tão numerosos - a
nação em armas. Ora, no combate, as categorias sociais tinham-se misturado,
surgiram élites novas; constituiu-se uma espécie de massa humana,
homogeneizada e maleável. Depois da guerra, nos países beligerantes não
conseguiram voltar a inserir-se na sociedade muitos antigos combatentes, mesmo
dos mais valentes; muitos deles sentiam a impressão de terem baixado de
categoria social, e em muitos casos pertenciam às classes médias, ameaçadas
pela mutação econômica e social. Verificavam que na retaguarda, livres do
perigo, outros tinham enriquecido. Acumulava-se neles uma onda de cólera
contra as oligarquias, os políticos com a saudade da fraternidade da frente de
combate e a convicção de que lhes cabia uma missão purificadora {3}.
No Leste da Europa, na Rússia, a revolução bolchevique fez surgir um
grande clarão; este ameaçava abrasar o Ocidente, onde os partidários do
bolchevismo aumentavam; ora a revolução bolchevique surgia como uma
revolução integral, uma transformação completa da sociedade e da economia,
um perigo mortal para todo um sistema de valores; as classes dirigentes e as
classes médias sentiam o perigo de maneira igual, procurando uma política, de
combate que as democracias em declínio não proporcionavam.
À superfície, a crise demorada e grave dos «anos Trinta,» provocou inflação,
desemprego e miséria; os operários foram sem dúvida os mais atingidos; mas as
classes, médias também sofriam as consequências do desastre geral. Como não
se havia de procurar responsáveis no regime político existente, no estrangeiro
inimigo, ou descobrir elementos patogênicos do corpo nacional? Que remédios
se havia de ministrar, que não fossem um reforço dos laços nacionais e a
promoção duma autoridade protetora, paternal, a autoridade dum chefe? O
fascismo utilizou estes rancores e estes receios.

Fascismo e reação
Não há nenhum elemento da «doutrina» fascista que o fascismo, não tenha
ido buscar a um pensador da direita dos séculos XIX e XX; a análise dos
diversos fascismos nacionais mostrará isto melhor, no seguimento deste
trabalho. Por isso houve fundamento, para dizer que o fascismo, de facto, era
uma «reação disfarçada».
De facto, verifica-se que o fascismo, e havemos de voltar a este ponto,
chegou ao poder, na Itália e na Alemanha, com a ajuda dos meios dirigentes e do
Estado que os representava. Verifica-se também que em Espanha, em Portugal e
na Grécia, a direita tradicional se entendeu bem, com o fascismo, no equilíbrio
de forças instituído pela ditadura. Finalmente, é claro que as duas tendências
combateram os mesmos inimigos - comunistas, democratas, estrangeiro inimigo;
comungavam num nacionalismo idêntico. Durante a guerra, quando teria podido
impor regimes inspirados no nacional-socialismo, em toda a Europa conquistada,
Hitler preferiu frequentemente apoiar-se em elementos conservadores - durante
muito tempo preferiu Antonesco em vez de Horia Sima, Horthy em vez de
Szalassy, Pétain em vez de Doriot {4}.
E no entanto, apesar desta cumplicidade evidente e desta comunidade de
interesses, há grandes diferenças entre a «reação» e o fascismo. Em primeiro
lugar a reação, como o próprio nome indica, coloca o seu ideal num passado
mais ou menos mítico, uma «idade de ouro» á qual aspira regressar - a
monarquia absoluta para Maurras. O fascismo, pelo contrário, embora louve este
ou aquele período da história da nação, volta-se para o futuro; proclama-se
revolucionário. Aos dirigentes tradicionais, aliás, o fascismo afigura-se
revolucionário na medida em que se diz socialista, ou, pelo menos verbalmente,
pretende modificar as estruturas sociais. Aliás, não será fascismo uma
metamorfose da execrável democracia, quando se afirma detentor da soberania
nacional e pretende exercer o poder em nome de uma massa plebeia por ele
fanatizada {5}?
O contraste é sobretudo grande na composição dos círculos dirigentes. A
extrema-direita coloca à sua frente aristocratas e grandes burgueses; as élite do
fascismo (com excepção de José António Primo de Rivera) não são as do
nascimento, da fortuna, da promoção por concurso; formaram-se na guerra
mundial, na luta de ruas, na atividade do partido, na dedicação ao chefe - alguns
vêm da «esquerda». Por isso mesmo é raro surgirem simpatias pessoais entre
homens com características, tão diferentes; a aristocracia italiana - escarnecia de
Mussolini, e os generais da Wehrmacht troçavam dos seus inferiores que
preenchiam as fileiras das secções de assalto. No limite, este contraste vai até ao
conflito; os nazis austríacos assassinaram Dollfuss, e uma conspiração de
elementos das classes superiores quiserem assassinar Hitler.
No entanto, temos de verificar que só uma pequena arte das forças
conservadoras se opôs ao fascismo, e sempre tarde demais, quando outras forças
já o tinham enfraquecido muito ou até abatido - como o rei de Itália, que mandou
prender Mussolini quando este já tinha sido destituído pelo Grande Conselho
fascista; aliás, um aristocrata como o príncipe Borghese foi fiel a Mussolini até
ao fim {6}. Os dirigentes tradicionais, conforme veremos melhor mais adiante,
elevaram o fascismo até ao poder para que este aplicasse os planos que eles não
podiam pôr em execução, com a esperança de o domar e dominar - como Thiers
quando disse que seria capaz de levar Napoleão III pelo beiço. Na realidade, os
dirigentes tradicionais foram arrastados para uma aventura que nem sempre
tinham desejado - generais e diplomatas fizeram algumas tímidas observações a
Hitler - mas que aceitaram e das quais aproveitaram abundantemente. Pode
dizer-se que, ao fim e ao cabo, o fascismo assimilou a maior parte dos dirigentes
tradicionais. Hoje em dia, em França, grupos como Aspects de la France e
Nouvelle Action Française rejeitam, não há dúvida, qualquer rótulo fascista; mas
se é verdade que a Action Française de antes de 1939 morreu de vez, ninguém
afirmaria que o fascismo não renascerá. Identificar completamente extrema-
direita e fascismo é fazer propaganda eleitoral; mas a História mostra que as
duas se foram associando progressivamente, e até se integram, entre 1920 e
1945.

Fascismo e bolchevismo
O bolchevismo e o fascismo nasceram ambos da crise da Europa, que
provocou a primeira guerra mundial mas não se resolveu com esta - sendo o
fascismo uma reação contra o bolchevismo. Por isso, alguns sociólogos
consideram-nos irmãos gémeos. Por exemplo Hannah Arendt {7}, que os
considera as duas faces dum fenômeno único, o totalitarismo. Este é o resultado
da formação das “massas”, consequência da atomização da sociedade - na
Alemanha em virtude da derrota e da crise econômica, na Rússia em virtude do
desastre czarista e da revolução. As “massas” são constituídas por indivíduos
sem laços que os unam; sentem-se inorgânicas, frustradas, humilhadas. Os
totalitários propõem-lhes uma ideologia, um grande apelo à imaginação que as
desvia das realidades; descontentes com o presente sem terem verdadeiramente
um passado, receosas do futuro, as “massas”, uma vez dentro do mundo da
ficção totalitário, aderem a este e estão dispostas a todos os sacrifícios exigidos
pelos chefes omniscientes perante os quais ajoelham em adoração.
É certo que comunistas e fascistas, uma vez ou outra, chegaram a um acordo
e até às vezes se tornaram “aliados objetivos” contra um inimigo comum - a
democracia liberal; os irmãos Strasser preconizavam um entendimento
duradouro entre a Alemanha hitleriana e a U.R.S.S. bolchevique, entendimento
que Hitler e Estaline, por táctica, fizeram vigorar durante algum tempo com o
pacto de não agressão de Agosto de 1939 {8}. Hitler, que algumas vezes elogiou
Estaline, foi até mais longe quando propôs à U.R.S.S. tomar parte numa partilha
do mundo com as potências do Eixo {9}. É também incontestável que as
semelhanças entre fascismo e estalinismo são impressionantes, quando vistas do
exterior: incompreensão desdenhosa e altaneira para com os outros;
omnipotência do Estado, com idêntica confusão dos poderes em proveito do
partido único; liquidação dos opositores pelo terror - os campos de concentração
da Alemanha têm equivalente no “Gulag soviético”; polícia toda-poderosa;
idêntico nacionalismo, sustentado por um exército muito forte; o mesmo culto do
chefe, etc {10}. Até se escreveu que Estaline era mais totalitário que Hitler - no
nazismo não há nada que se possa equiparar à “liquidação” dos kulaks e seus
milhões de mortos, e deixou continuar a viver a aristocracia, a Igreja e as
estruturas industriais.
Na realidade, as diferenças entre o nazismo e o paroxismo do bolchevismo
que foi o estalinismo são fundamentais. A União Soviética procedeu a uma
transformação total da sociedade e da economia, transformação que o nazismo
apenas preconizou. O fascismo rejeita a “ditadura” do proletariado; pretende
eliminar a luta de classes, fazendo com que estas colaborem; sendo certo que
provém das massas, procura dominá-las, e não quer que se desencadeiem; as
condições em que o bolchevismo triunfou na Rússia, com uma situação de
desordem e anarquia em que teoricamente se exprimia a “vontade das massas”,
são condenadas pelo fascismo; para os fascistas, o bolchevismo, que atribui à
base uma infalibilidade eu esta não tem, embora, uma vez triunfante, não lhe
permite que continue a exprimir-se, é a conclusão lógica da democracia. Por isso
mesmo, uma das ideias fixas de Hitler - com o racismo - era que o comunismo
provinha de uma Ásia bárbara e era preciso repeli-lo para a Ásia. Nazismo e
bolchevismo, ambos com tendência para a universalidade, excluíam-se de facto
um ao outro, e estes irmãos desavindos lutaram selvaticamente um contra o
outro para se exterminarem.

A evolução do fascismo
Portanto, o fascismo, visto em conjunto, é um fenômeno original. Enquanto
não está no poder, limita-se à luta contra os seus inimigos internos, e como que
se mantém imobilizado nessa luta. Quando chega ao poder, é apanhado pela
engrenagem dos negócios públicos; representa a partir daí o Estado e a Nação, e
opera num contexto internacional; tem então de ter em conta a conjuntura, e, por
vezes, tem de inflectir o seu programa inicial. No seu excelente livro La liberté
en question, le fascisme au XX siècle {11}, P. Milza e M. Benteli, procurando
«recolocar o fascismo no seu tempo», distinguiram três fases na sua evolução:

O primeiro fascismo «desenvolve-se, num contexto de crise de movimentos


extremistas oriundos da classe média, que lutam ao mesmo tempo contra as
forças revolucionárias e contra o capital». É uma «reação irracional» das classes
médias contra uma proletarização que as «radicaliza num sentido reacionário»,
com o apoio do «escol de substituição» constituído pelos antigos combatentes;
chegou a falar-se de «socialismo de desclassificados».
O segundo fascismo define-se pela «aliança do primeiro com o grande
capital industrial e agrário». Para chegar até ao poder, o fascismo precisa de
facto da ajuda - dinheiro, cumplicidades - das classes dirigentes e do aparelho do
Estado. Esta ajuda é dada se as classes dirigentes têm consciência de que existe
uma crise muito grave e uma ameaça revolucionária - geralmente depois de uma
primeira tentativa revolucionária ter sido dominada, e para evitar que essa
tentativa se repita. É assim que se forma o «bloco do poder», com duas alas que
só se associam contra um inimigo comum; pode dizer-se que uma das alas é
conservadora e a outra revolucionária.
A terceira fase é a do fascismo no poder. As classes dirigentes têm de fazer
um entendimento com ele; são obrigadas a aceitar algumas restrições; mas, no
conjunto, mantêm a sua hegemonia e consolidam as estruturas existentes em seu
favor, e acumulam honras e proveitos. A pequena burguesia é assim sacrificada
aos «grandes interesses». A conciliação nacional faz-se numa política de
grandeza e prestígio, acompanhada por uma promoção social destinada a
«integrar as massas» com um conjunto de medidas sociais.

De facto, assim que a guerra começa, ideologia, política e economia são


submetidas às exigências da luta e da eficiência. Pode assim distinguir-se,
acrescentamos nós, uma quarta fase em que, com Speer na Alemanha, por
exemplo, se abrandam as restrições do partido e o poder econômico é devolvido
aos industriais, mesmo nas empresas do Estado. Com a queda de Mussolini
(Setembro de 1943) e o atentado contra Hitler (Julho de 1944), fascismo e
nazismo regressam à dureza dos primeiros dias, ao seu “socialismo” primitivo,
contra os meios conservadores; este é um quinto período.
Esta análise parece-nos exata com duas correções: o nacionalismo afigura-
se-nos completamente afirmado logo no primeiro fascismo, e o apoio de meios
populares foi-lhe concedido logo de início, em virtude da crise dos anos Trinta.
Por outro lado, a análise só é válida para a Itália fascista e a Alemanha nazi. Para
além destes dois países, são muitos os exemplos de excepções: não há
«fascismo» de esquerda no Japão, nem na Grécia de Metaxas; na Noruega,
Quisling foi rejeitado pelos notáveis; Os fascistas «colaboradores» franceses
manifestavam um nacionalismo singular, porque preconizavam uma aliança com
o vencedor; no «peronismo» e no «nasserismo» a base foi sempre mais ampla
que a pequena burguesia, etc.

Os fascismos
Na verdade, embora o fascismo tenha sido um fenômeno internacional, que
lutou para alcançar o domínio do mundo, embora houvesse um «fundo comum»
para todos os grupos ou regimes que se dizem fascistas, a ponto de ser lícito
perguntar, e havemos de voltar a este ponto, se o fascismo não constituiu uma
nova «internacional», quando pretendia combater todas as internacionais, o facto
é que a doutrina se desenvolveu e a prática se integrou em meios diferentes -
nacionais, sociais, étnicos.
Portanto, há ao mesmo tempo um fascismo e vários fascismos. O
nacionalismo que os inspira a todos também os pode opor uns aos outros - sem a
autoridade de Hitler, os nazis húngaros e romenos teriam lutado por causa da
Transilvânia; a Itália fascista e a Alemanha nazi foram hostis durante anos, rivais
na Áustria, e na bacia do Danúbio; no fascismo francês, as diversas tendências
nunca se uniram; Mussolini atacou na Grécia um regime fascista, etc. .
O fascismo não chegou ao poder da mesma maneira, embora quase sempre
tenha tido os mesmos apoios; os traços comuns que o caracterizam não têm a
mesma importância em todos - o anti-semitismo italiano foi tardio, e como que
importado da Alemanha, para ficarmos agora por um só exemplo. É esta
variedade de fascismos que vamos procurar examinar {12}.
II. O FASCISMO ITALIANO

O fascismo nasceu na Itália; o fáscio, com o significado da reunião em feixe


de vontades convergentes, foi emblema de camponeses revoltados da Itália do
Sul, no fim do século XIX; o termo foi aproveitado pela propaganda
governamental quando da entrada da Itália na guerra, e, na altura do desastre de
Caporetto, no sentido ampliado de uma união estreita de todas as energias da
nação italiana. Portanto, Mussolini não o inventou quando reuniu em Milão, em
1919, alguns antigos combatentes, e, em 23 de Março, iniciou o movimento dos
«feixes italianos de combate». Na altura, ninguém suspeitava a importância que
iria tomar este agrupamento, que teve um nascimento difícil e uma ascensão
longe de irresistível.
Na verdade, o fascismo italiano veio a revelar-se um iniciador, e, embora a
força e os crimes da Alemanha nazi o tenham relegado mais tarde para segundo
plano, embora a identificação dos dois movimentos não seja completa, foi o
fascismo italiano, com a autoridade que lhe dava a posse do poder, o primeiro
que repudiou de maneira espetacular o humanismo liberal, com os seus
corolários, democracia política, regime parlamentar, pluralidade dos partidos
políticos, repúdio que até então só tinha partido de intelectuais sem grande
audiência. «O fascismo», disse Mussolini, «nega que a maioria, pelo simples
facto de ser maioria, seja capaz de dirigir a sociedade humana. Afirma que a
desigualdade da humanidade é imutável, benéfica e fecunda.»
Sem modificar a Constituição, por simples delegação do rei, instituiu-se uma
ditadura ilimitada tanto nos seus poderes como na sua duração, a favor do chefe
do Governo. Assim, personificado, o poder apoiou-se num partido único. O
estribilho passou a ser: «Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o
Estado.» Assim se retirava à política todo o sentido moral, assim o interesse do
Estado nacional passava a ser a justificação da ação.
Criou-se então um ambiente de violência generalizada; umas vezes, os
opositores eram molestados por grupos de desordeiros, «os esquadristas», outras
vezes presos sem julgamento ou apresentados a um tribunal especial que tinha
como lema: «As leis devem ser interpretadas segundo o espírito do regime.» Em
consequência disto, suprimiram-se as liberdades fundamentais de imprensa,
reunião, expressão do pensamento, associação, e criou-se uma polícia secreta, a
OVRA, encarregada de acossar os opositores por meio de uma técnica de
delação generalizada.
Rejeitando «o mito da felicidade e do progresso indefinido», propondo como
ideal dos italianos o combate pela realização das suas «aspirações nacionais»,
ridicularizou as instituições internacionais que tinham nascido do horror da
guerra; educou a juventude em espírito militar,duplicou o exército regular com
uma «milícia» partidária, amplificou os armamentos, deu ânimo às
reivindicações dos países que se consideravam lesados pelos tratados, e facilitou
o desenvolvimento de movimentos fascistas nas democracias ocidentais.
A ideologia do fascismo italiano foi uma «ideologia da negação»: rejeição do
liberalismo, da democracia e do marxismo. Na medida em que conseguiu
elaborar uma doutrina, esta foi a princípio essencialmente de inspiração rural,
com os mitos do soldado camponês, da batalha do trigo, da beneficiação das
terras {13}. A vontade de ser forte levou-o a um grande esforço de
industrialização e à procura duma autarcia, numa economia organizada de
maneira corporativa. São estas as características principais do fascismo italiano.
Como é que este conseguiu alcançar o poder?

Antecedentes e advento
Cinquenta anos depois da sua unidade, a nação italiana ainda não era um
facto consumado. De facto, havia divergências graves nos planos geográfico,
social, cultural e econômico. Ao Norte urbano e industrializado, opunha-se o
Sul, atrasado, camponês, com um cristianismo pagão, destinado à emigração
para o Norte, para a França, para a América {14}. Uma classe dirigente cultivada
e poderosa, constituída por grandes proprietários latifundiários e industriais,
governava uma massa de operários e camponeses pobres e analfabetos. Destes
desequilíbrios resultava uma democratização insuficiente; só em Junho de 1912
foi concedido o direito de voto a todos os italianos maiores de 21 anos, para os
que sabiam ler, e aos analfabetos maiores de 30 anos; o método de governação,
herdado de Cavour, era moldado num autoritarismo maleável, no qual o
Parlamento tinha audiência e responsabilidade restritas.
Para remediar esta crise permanente, Crispi sugeriu uma política de expansão
colonial, seguindo-se, em 1915, um nacionalismo antiaustríaco que conduziu à
inversão das alianças e à entrada na guerra ao lado dos Aliados. A guerra
provocou um grande entusiasmo nacional e deu ensejo a um grande
desenvolvimento industrial, principalmente na indústria siderúrgica. Mas,
quando a luta terminou, as desilusões acumularam-se.
A pequena burguesia tinha sido muito atingida pela depreciação monetária;
os camponeses, de onde tinham saído a maior parte dos combatentes, e a quem
tinham prometido a distribuição das terras, depois do desastre de Caporetto,
voltaram de facto a uma situação ainda mais miserável. Muitíssimos antigos
combatentes dificilmente encontravam trabalho, sentiam-se indignados com o
dinheiro ganho pelos que se aproveitaram do conflito, consideravam-se muitas
vezes despromovidos em relação ao lugar que tinham tido no exército. Uma
inflação desordenada produzia maléficos efeitos nos preços e salários. Além
disso, no plano nacional, havia uma grande irritação contra os Aliados, que
recusaram entregar à Itália todas as terras «irredentas» que lhes tinham
prometido em segredo, quando os italianos se lhes tinham juntado na guerra.
Daqui resultou uma explosão de violência. Ao mesmo tempo que os
socialistas julgavam ter chegado o momento para proceder a transformações «de
fundo», as massas operárias e camponesas, entusiasmadas com a revolução
bolchevique, passaram à ação direta e deixaram de acatar a autoridade dos
dirigentes políticos e sindicais. Grupos de camponeses apoderaram-se dos
latifúndios, cujos proprietários viviam nas cidades, e organizaram cooperativas
de exploração e consumo; grupos de operários ocuparam as fábricas e tentaram
dirigi-las. O que impressionou os contemporâneos foi o carácter desordenado e
selvático deste movimento; além de que as desordens eram frequentemente
sangrentas, a Itália ia caindo a pouco e pouco num estado de desordem
generalizada, em virtude de greves infindáveis, absentismo e desorganização do
sistema de produção. Como se haveria de resolver a crise?
Giolitti tentou contemporizar. Na esperança de que os operários, desiludidos
com as suas experiências de ação direta, aceitassem um compromisso, propôs
desenvolver as cooperativas, instituir um controle operário na administração das
fábricas, tornar os títulos nominativos para poder tributar de melhor maneira os
rendimentos e tributar a herança. Mas deparou-se-lhe a oposição dos círculos
dirigentes, que tinham criado grupos de autodefesa, e que, uma vez passada a
parte mais perigosa do temporal, pretendiam primeiro que tudo impedir que o
vendaval regressasse com a mesma violência.
D'Annunzio apontou outro caminho, a ultrapassagem do conflito pelo
nacionalismo. Este poeta tinha sempre preconizado o gesto perigoso, tinha
sempre sentido desprezo pela vida fácil. Colocando-se à frente de um corpo de
voluntários, ocupou Fiume, que os Aliados não queriam ceder à Itália; renovou
desta maneira a odisseia garibaldina e fez nascer um movimento de unânime
entusiasmo, obtendo o apoio dos conservadores e dos sindicalistas
revolucionários; e durante algum tempo, quis instaurar em Trieste uma república
comunista.
Foi neste contexto que nasceu o fascismo de Mussolini {15}. A princípio, os
seus objetivos não eram claros. É certo que pretendia que a Itália obtivesse
Fiume e a Dalmácia, como todos os italianos; mas o fascismo dizia também ser
«aristocrata e democrata, conservador e progressista, reacionário e
revolucionário, conforme as circunstâncias de tempo, meio e lugar». Em seguida
apresentou-se como defensor da ordem e dos mais altos valores da Pátria.
Despertou então o interesse dos industriais e agrários, que começaram a
subsidiá-lo. Os fascistas organizaram expedições punitivas contra bolsas de
trabalho,e fizeram cercos a sindicatos e câmaras municipais
esquerdistas;atacavam os adversários à mocada ou obrigavam-nos a beber óleo
de rícino. Mas os começos do fascismo foram difíceis; foram esmagados nas
eleições de 1920 e só conseguiram ter 31 deputados em 1921, entre eles
Mussolini. O movimento transformou-se então em partido político; organizou os
seus próprios sindicatos e juntou 300 000 membros no fim de 1922; nesse
mesmo ano, anulou uma greve por meios violentos e expulsou os conselhos
municipais socialistas em Ancona, Génova, Livorno e Milão. Esta vivacidade,
esta combatividade contrastam com a apatia do Parlamento, onde um demorado
interregno privou o país de Governo durante muito tempo, e só terminou com
um compromisso que não satisfez ninguém.
Em 27 de Outubro de 1922, Mussolini decidiu fazer a «marcha para Roma»,
com 40 000 «camisas negras» decididos,esfaimados, que o exército teria podido
dispersar sem dificuldade - o próprio Mussolini chegou de comboio. A
expedição nada teve de gloriosa, tão fraca foi a oposição e tantas foram as
cooperações para colocar Mussolini no poder. O presidente do Conselho, Facta,
e o velho Giolitti tinham a esperança de poderem servir-se de Mussolini. O rei
Vítor Manuel III, reservado e sem envergadura, convocou Mussolini para o
encarregar de formar Governo; os liberais aliaram-se com Salandra, que aceitou
representar o fascismo na Sociedade das Nações; o exército tinha fornecido à
milícia os seus primeiros oficiais, e alguns generais, como o ilustre Cadona,
eram mais ou menos declaradamente simpatizantes do fascismo; o partido
democrata-cristão aceitou colaborar e tomou quatro pastas no novo Governo;
muitos franco-mações aderiram ao partido {16}; intelectuais célebres, como
Benedetto Croce, aderiram também; só os socialistas se mostraram contrários,
mas cometeram muitos erros de táctica, primeiro quando recusaram assumir o
poder, depois quando impediram Giolitti de voltar atrás, contribuindo assim para
criar uma situação sem saída. A vitória do fascismo não resultou
necessariamente da crise italiana, mas sim dum conjunto favorável de
cooperações valiosas - as classes dirigentes e o Estado - e dos erros e divisões
dos seus adversários.

Benito Mussolini
O fascismo ficou a dever muito, sem dúvida, ao seu chefe. Nascido na
Romanha, robusto, com 39 anos em 1922, Mussolini foi desertor, agitador,
socialista revolucionário, um passado turbulento que o levou à prisão e ao exílio,
e lhe valeu também, segundo parece, a simpatia de Lenine. Professor primário,
jornalista, foi um socialista intransigente, contrário a qualquer colaboração com
a burguesia. Depois, em 1915, deu a primeira reviravolta política, ao preconizar
a intervenção na guerra contra as potências centrais; tornou-se nacionalista,
talvez apenas para que falassem dele.
Mussolini teve uma personalidade complexa, foi um extrovertido com gosto
pelo exibicionismo, e um cabotino com habilidade para causar ilusão sobre a sua
realidade profunda. Ambicioso, desmedido, alguns admiraram-no pelo seu gosto
pela ação e a sua predileção pela violência, a outros afigurou-se indeciso e até
pusilânime. De facto, com pouca cultura, polêmico, era bom orador mas não um
pensador; com pouca instrução, autodidata, admira-se a si próprio ao subir no
poder, aprecia o convívio com os grandes do mundo e coloca sobre a face
plebeia a máscara do chefe forjado na firmeza inabalável das suas convicções,
seguro de si próprio e do seu futuro.
Despreza o homem, esse «esterco da história», e mostra desprezo pelo povo
italiano, «povo, de carneiros, raça medíocre». Procura no passado de Roma a
grandeza que a época em que vive não tem. E diz: «Gosto de César», e, em
1920, exclama: «Roma, verbo mágico que preencheu toda a história durante
vinte séculos»; endureceu o perfil, imitando o de um busto antigo e regalou-se
com o retrato em que o pintor polaco J. Stycka o representou vestido de
imperador romano, coroado de louros {17}. Pensou em mandar construir um
colosso no gênero do de Rodes, com as suas feições.
Em que medida a sua formação de homem da esquerda perdurou em
Mussolini? E. Nolte {18} pensa que no seu declínio, em Saló, Mussolini voltou
a sentir uma inspiração socialista que nunca o tinha abandonado. Na verdade,
afigura-se que Mussolini, por oportunismo ou convicção, deu a sua reviravolta
política em 1922. Passou para a direita porque, segundo disse, «o mundo deseja
ordem, disciplina, trabalho». Pensou então que «a guerra liquidou o século da
democracia; o igualitarismo democrático está a ponto de morrer, nascem
aristocracias novas e a revolução está nesta reação ... O socialismo acumula
ruínas sobre ruínas; o capitalismo vai mostrar-se mais dinâmico e mais
histórico» {19}.
Tal como era, pretensioso e ridículo, megalômano e cheio de arrogância, este
individualista descomedido captou a simpatia e admiração do povo italiano. Foi
tal o seu ascendente que, na sua ausência, os seus ministros não se atreviam a
tomar qualquer decisão, os casos mais simples ficavam em suspenso. Quando
chegou aos cinquenta anos, estava barrigudo, com a saúde abalada, a inteligência
diminuída, a energia enfraquecida. Sem dúvida que a sua personalidade marcou
o fascismo; a decadência do regime coincidiu com a sua.

A evolução do fascismo {20}


O fascismo não saiu todo feito da cabeça de Mussolini, da mesma maneira
que não resultou inteiramente de contexto em que se gerou. Evoluiu, não
segundo uma linha fixa prevista pelo seu fundador, mas sacudido pelos
acontecimentos, colocado muitas vezes na defensiva, quando não em situação
aflitiva.
A primeira fase do fascismo (1922-1925) foi assinalada pela prudência e
incerteza. Mussolini formou um governo com militares conhecidos,
conservadores, democratas-cristãos, e apenas quatro fascistas (segundo Togliatti,
só a pressão do Vaticano o teria impedido de a ampliar até aos socialistas) {21};
o programa do Governo assemelhava-se ao de Nitti em 1919. O fascismo ainda
não tinha então saído por completo da via democrática, embora a tivesse viciado
- a lei eleitoral de Giacono Acerbo foi aprovada pela Câmara dos Deputados por
178 votos contra 158; deu dois terços dos deputados à lista que tivesse 25 % dos
votos. Mas a campanha eleitoral de 6 de Abril de 1924 foi falseada com
violências e tácticas de intimidação aplicadas pelos fascistas; e por isso
obtiveram 356 lugares. No entanto, na Ligúria, no Piemonte, na Lombardia, na
Venécia, as listas fascistas só tiveram 1 194 000 votos contra 1 317 000 para os
antifascistas. Estes, portanto, não perderam a partida, sobretudo depois do
assassínio do deputado socialista Matteoti, em Junho de 1924, executado por 4
«esquadristas» zelosos demais, o que provocou uma verdadeira crise de regime.
Muitos simpatizantes - Benedetto Croce, a ala esquerda da democracia-cristã -
romperam com Mussolini. Mas os 127 deputados da oposição, em vez de
amplificarem a sua luta, retiraram para o Aventino, numa inatividade que
permitiu a Mussolini reparar os estragos.
Mussolini consolidou a pouco e pouco o seu poder, depois desta crise.
Suprimiu a liberdade de Imprensa procedeu à depuração do funcionalismo
público e fez desaparecer assim todo o obstáculo à propaganda governamental.
Algum êxito econômico, traduzido em recuperação da produção e diminuição do
desemprego, permitiu a Mussolini dar início a grandes obras públicas - as
primeiras auto-estradas da Europa, a eletrificação dos caminhos de ferro, a
«bonificação» das terras - , que lhe deram um grande prestígio na Itália e fora
desta. Foi neste momento que houve uma primeira emigração de opositores; é
certo que nunca estes opositores deixaram de lutar, mas, partindo do estrangeiro,
a sua atuação sobre a opinião pública italiana tornou-se menos forte. Mussolini
aproveitou-se disto para aumentar os seus poderes: todas as leis tinham de ser-
lhe submetidas antes de serem apresentadas, e passou a poder atuar por meio de
decretos-leis; diminuiu as liberdades municipais, aumentando as dos
governadores civis; leis de excepção permitiram privar de emprego qualquer
elemento suspeito. A lei eleitoral de 1928 criou «listas de confiança» para a
Câmara dos Deputados; a «lista nacional», elaborada pelo Grande Conselho
Fascista, foi submetida ao corpo eleitoral num plebiscito em que só se podia
votar sim ou não - as eleições passaram a ser meras formalidades. Foi esta a
segunda fase da implantação progressiva do fascismo.
Paradoxalmente, Mussolini saboreou o seu triunfo com a crise mundial dos
anos Trinta. Esta atingiu duramente a Itália, cuja produção industrial diminuiu
um terço, e o número de desempregados passou de 1200 000. Foi então que
Mussolini, para debelar a crise num impulso de nacionalismo, revelou as suas
ambições expansionistas; lançou o estribilho das nações proletárias a quem as
nações ricas tiram o pão da boca, e exigiu uma repartição das riquezas do mundo
mais equitativa. Da criação de um império colonial, espera obter matérias-primas
que a Itália é obrigada a importar, e uma válvula de escape para o excedente
populacional. As democracias ocidentais e a Alemanha nazi pretendem que
Mussolini seja seu aliado; o dirigente italiano desempenha papel de primeiro
plano na Conferência de Stresa, e, quando enviou tropas para Brenner, deu a
impressão de deter o avanço nazi na Áustria. Na conquista da Etiópia, Mussolini
teve uma vitória completa; a hostilidade que lhe foi declarada na Sociedade das
Nações reuniu o povo italiano em volta de Mussolini, com a Igreja à frente, a
partir do momento em que passou a haver harmonia com o Vaticano, mediante a
assinatura de uma Concordata. Nessa altura, o culto do chefe atingiu o
paroxismo - a imagem marcial do Duce, de capacete, afirma nas paredes de
Roma que Mussolini tem sempre razão. No interior, Mussolini procura obter a
unanimidade - o plebiscito de 1934 mostrou 0,15% de opositores apurados. O
Partido fascista passou de 1 milhão para 2 milhões de aderentes; com a admissão
dos desempregados na Milícia, esta ampliou a sua base popular. O partido
deixou de ser um movimento burguês; tornou-se incontestavelmente um
movimento de massa. Foi esta a fase totalitária.
Na verdade, a guerra - foi este o quarto período - pôs impiedosamente a nu o
carácter fictício, quase verbal, de um êxito aparente que ocultava a grande
fraqueza da Itália fascista. Mussolini tentou fazer no Mediterrâneo a sua «guerra
paralela»; mas as derrotas militares - na Africa e na Grécia - depressa o
colocaram a reboque de Hitler. A adoção do passo de ganso, a proclamação de
um racismo italiano até ali inexistente foram, no interior do país, os indícios
desta imitação. Os reveses, as tensões provocadas pelo conflito, fizeram surgir
uma crise que veio a ser mortal para o fascismo. De facto, o esforço de guerra foi
financiado pela inflação; a situação dos trabalhadores piorou em salários reais,
devido ao aumento do custo da vida - 300 % de 1943 a 1944; as compras de
alimentos, que absorviam 25 % de um salário em 1933, exigiam 75 % do
mesmo salário em 1943. Por falta de mão-de-obra, a produção de trigo diminuiu;
os rendimentos fixos depreciaram-se e o mercado negro espalhou-se como
praga. A partir daí, sofreu grande abalo a unanimidade entusiástica que envolvia
o Duce. As pequenas e médias empresas, seu apoio fundamental, eram as que
sofriam maiores dificuldades; os operários da Itália do Norte entraram em
amplas greves em Março de 1943; de nada serviu processar 1800 pessoas em
Maio-Junho de 1943; as classes possidentes, a aristocracia, o grande capital
perderam toda a coragem. Este «bloco do poder» pediu proteção aos anglo-
americanos contra o bolchevismo. Mussolini caiu, renegado pelo Grande
Conselho Fascista, preso pelo mesmo rei que, na véspera lhe tinha garantido a
amizade; ninguém tentou defendê-lo, nem sequer a divisão blindada da Milícia.
Assim se revelou a fragilidade do castelo de cartas erguido pelo fascismo. De
novo em liberdade, refugiado em Salo, Mussolini afirma que regressa ao
socialismo da sua juventude; já não passa de um satélite da Alemanha, e poucos
o acompanham. Voltou a ser preso, abandonado por todos, mataram-no, e o seu
cadáver, pendurado pelos pés, foi exposto às vaias da mesma multidão que o
tinha incensado {22}.

O fascismo e a sociedade italiana {23}


O fascismo penetrou todas as classes da sociedade italiana; tal como o
antifascismo, foi um fenômeno interclasses; mas os elementos componentes dos
dois complexos estavam em proporção contrária. O quadro em que o fascismo
queria inserir a Sociedade italiana era o nacionalismo. O fascismo praticou uma
política de expansão no Mediterrâneo - retomando assim uma tradição italiana
que vinha da Idade Média foi prosseguida pelos impérios de Génova e Veneza.
Em 1932, Mussolini incluiu explicitamente a guerra na «doutrina do fascismo»,
a guerra que «leva até ao máximo de tensão as energias humanas e dá um cunho
de nobreza aos povos que têm a coragem de lhe fazer frente». O Duce, depois de
ter dito que «o fascismo não é artigo de exportação», tentou impô-lo aos
italianos emigrados e em seguida aos territórios conquistados durante a segunda
guerra mundial {24}. Desta maneira, reagrupou toda a nação com a conquista da
Etiópia; mas a entrada no segundo conflito mundial não teve apoio popular, e a
sujeição aos «tedescos» foi frontalmente impopular.
Os seus melhores apoios teve-os o fascismo nas classes médias e nos
camponeses - que constituíam a maior parte dos antigos combatentes. F.
Catalano mostrou que sempre que os laços entre o regime e a pequena burguesia
se tornaram tensos, o regime esteve perante dificuldades: em 1924 e 1926, com a
inflação monetária, em 1932-34 com a crise econômica e o rearmamento.
Quanto aos rurais, a proteção aduaneira aos cereais, a «bonificação completa»
das terras por drenagem, irrigação e repovoamento florestal (pântanos pontinos,
campina romana), a propaganda para a batalha do trigo, os gestos espetaculares
de Mussolini ao trabalhar pessoalmente na ceifa, tudo isto foram atenções que os
camponeses nunca tinham tido. E. Nolte tem razão em dizer que o entusiasmo
não era fictício quando Mussolini proclamava: «Numa Itália toda aproveitada,
quer dizer, fascista, ainda há lugar e pão para mais 10 milhões de habitantes.»
A aprovação da Igreja, aliás, assegurava a adesão do Sul. Pio XI
desautorizou Dom Sturno, chefe da democracia-cristã, adversário do fascismo
depois do assassínio de Matteoti; em 1924, a revista dos Jesuítas colocou-se
contra a liberdade de Imprensa e elogiou o fascismo. Na Concordata, a Igreja
obteve que o Estado aceitasse os princípios católicos quanto ao casamento e ao
ensino religioso; o ateu Mussolini torna-se «homem da Providência». Para o
clero italiano, a guerra da Etiópia foi uma cruzada. Pio XI manifestou o desejo
de que «as esperanças, as exigências, as necessidades de um povo bom e grande
sejam satisfeitas, que os seus direitos sejam garantidos». Em 1937, ao inaugurar
as lições de «mística fascista», o cardeal Schuster comparou Augusto e
Mussolini, «salvadores do Estado, fundadores do Império». Aliás, uma parte dos
democratas-cristãos tinham aderido ao fascismo. O apoio da Igreja nunca faltou
ao fascismo, e, neste ponto, Mussolini foi especialmente tradicionalista {25}.
Mas sem os subsídios dos industriais e dos agrários, o fascismo, conforme
vimos, não teria vingado. Os seus protetores não desperdiçaram os seus
benefícios com um ingrato. Passou-se uma esponja por sobre os lucros ilícitos da
primeira guerra mundial, o imposto sucessório, teve reduções e suprimiu-se o
controlo dos preços e aluguéis. Os seguros, ao contrário do que se tinha
projetado, não foram nacionalizados, e a indústria dos fósforos e a rede de
energia eléctrica foram devolvidas ao sector privado. Mais tarde, quando da
crise, o Estado deu ajuda aos bancos que tinham dificuldades; facilitou os
agrupamentos e fusões, comprando as ações que os bancos tinham em seu poder.
É certo que o Estado fascista, desejoso de estabelecer a autarcia econômica,
intervinha na economia e assumiu cada vez mais intensamente a sua orientação;
reforçou o seu controlo do aparelho de produção companhias de navegação,
construções navais, siderurgia, etc. Mas não modificou as suas estruturas;
manteve a propriedade privada e a economia de mercado; privatizou os lucros e
socializou os prejuízos.
Por conseguinte, o fascismo, embora sustentado pela pequena burguesia, não
foi o regime desta; não só não proporcionou à classe da pequena burguesia o
papel de classe dirigente, como promoveu concentrações de empresas que
prejudicaram a pequena burguesia. Deste ponto de vista, o fascismo prosseguiu a
política da Itália liberal; aumentou até a ajuda ao capitalismo, reprimindo os
sindicatos e proibindo a greve.
Quer isto dizer que o «socialismo fascista», como afirma Guido Quazza, é
apenas um «revolucionarismo verbal»? É verdade que o Estado Corporativo,
instituído em 1927 pela Carta do Trabalho, criou um sindicalismo, oficial e dócil
{26}; em princípio, subordinou os interesses privados ao interesse nacional; de
facto, decretando uma igualdade teórica entre os «parceiros sociais», confirmou
a desigualdade a favor do patronato. O fascismo, portanto, só foi «socialismo,»,
que no fim de contas não passou do papel, na República de Salo em 1944-1945,
quando o programa de Verona previu nacionalizações, e até expropriações, na
altura impossíveis. Mas não teria tido adesão, entre os operários se não tivesse
sido, no início, um «regime social» - ao passo que o Risorgimento, burguês e
liberal, deixou a Itália destituída de leis sociais. Embora o «dopolavoro»,
instituição de recreio e aculturação para os operários fora das horas de trabalho,
se destinasse sobretudo à propaganda, as caixas mútuas de seguros foram
reagrupadas por sectores e federadas num Instituto Nacional do Seguro contra a
Doença; criaram-se outros organismos para os subsídios muito pequenos {27}.
Neste aspecto o fascismo, capitalista e social, assemelhou-se ao Segundo
Império.
Consciente das dificuldades que se lhe deparavam para ser aceite pelos
adultos, o fascismo pôs muitas esperanças nos jovens, por ele formados para
«colocar a vida nacional - como dizia Mussolini, com alguma futilidade - ao
nível do Império». O poeta futurista Marinetti louvava, censurando «a vida em
pantufas», o «homem novo» de que Mussolini era o protótipo, e preconizava a
ética espartana da dedicação, disciplina e sacrifício, o «homem integral, o
fascista», acrescentava o ministro Bottai. Adotou-se um livro único para a
instrução primária - os professores primários, a partir de 1931, passaram a ser
obrigados a dar as aulas com o uniforme fascista; as crianças dos 8 aos 18 anos
estavam alistados nos «Balilas» {28} , e os estudantes universitários eram
militantes de «grupos universitários fascistas». A ginástica, o desporto, a
preparação militar constituíam o essencial da instrução pública. Todos os anos,
para comemorar a «marcha para Roma», se organizava uma grande marcha que
terminava com um desfile de dezenas de milhares de jovens, para mostrar o
«orgulho guerreiro». A «cultura fascista» foi definida por um discípulo de
Benedetto, Croce, Gentile, como «a moral e estilo que permitem ao indivíduo
realizar-se por meio de uma adesão sem reservas à colectividade»; e o
historiador Volpe demonstrou que o fascismo correspondia ao gênio e
perpetuava o passado da Itália. O facto é que Gentile, com um ensino humanista,
baseado na filosofia e na história, consolidava os «valores» elitistas da
burguesia. Nas universidades manteve-se alguma latitude de expressão, tanto
mais que os antifascistas desorganizavam os grupos fascistas pelo processo da
«infiltração». De modo geral, a partir de 1925, os intelectuais italianos
contrariaram o fascismo, embora a maior parte deles, como os universitários, não
o tivessem combatido; e no entanto, foi no campo da cultura que o fascismo
sofreu uma quase-derrota {29}. Mas este semi-revés, não oculta a adesão quase
geral ao fascismo, pelo menos até aos primeiros reveses militares na Grécia, em
Outubro de 1940. O que mostra a força e a coesão do fascismo, é a fraqueza da
oposição; os exilados quase não tiveram influência na opinião pública; no
interior, a resistência foi quase inexistente até 1943; o fascismo não foi
derrubado pela oposição.
Em vinte e cinco anos, o fascismo nasceu, cresceu e morreu; desta maneira,
toda uma geração de italianos sofreu a sua influência. A evolução do fascismo
foi hesitante, desordenada e mais oportunista do que verdadeiramente dirigida; a
sua «doutrina» foi elaborada empiricamente. A sua originalidade não é
contestável, mas, no seu momento de maior força, consolidou mais do que
dominou as classes dirigentes - principalmente depois de o parido ter deixado de
desempenhar papel autônomo para se adaptar ao Estado tradicional. O fascismo,
portanto, foi um movimento de tendência conservadora, mas não reacionário;
diferentemente dos grupos de extrema-direita, nos quais às vezes se inspirava,
conseguiu, pelo menos durante um tempo, identificar-se com a nação e obter a
adesão do povo.
O período fascista coincidiu com a transição da Itália de uma economia
agrária para uma economia industrializada. Em virtude da sua grande duração,
não podia deixar de ter consequências que R. Tannenbaum enumera da maneira
seguinte {30}: Os «acordos de Latrão», os códigos de leis criminais e civis, a
ideia do aval do Governo ao desenvolvimento econômico, a política de grandes
obras públicas. Não foi completamente totalitário, porque deixou subsistir as
antigas oligarquias, o rei, a corte, a aristocracia, porque não exterminou os seus
adversários, e porque a sua propaganda foi verdadeiramente benigna, quando
comparada com a de um Dr. Goebbels.
Mas o crescimento econômico foi mais lento que o da polícia; as diferenças
de níveis de vida entre o Sul e o Norte da Itália não evoluíram; as relações de
classe não se modificaram; o sistema econômico continuou a ser o mesmo. Mas
foi sobretudo ao tratar o povo italiano como de menor idade, ao condenar esse
povo à inércia, que o fascismo travou o seu desenvolvimento cívico e cultural
{31}.
III. O NACIONAL-SOCIALISMO

Embora o fascismo tivesse sido anterior ao nacional-socialismo, e este tenha


imitado alguns ritos daquele, e se bem que Hitler tenha sempre admirado
Mussolini, a verdade é que o nacional-socialismo, salvo o exemplo, pouca coisa
ficou a dever ao fascismo italiano; este só se tornou anti-semita muito
tardiamente; criou campos de internamento, mas não de concentração; não criou
nada que se parecesse com a SS e não tentou submeter a Igreja. Aliás, os dois
Estados totalitários, embora unidos na mesma hostilidade à democracia e ao
marxismo, e se bem que lutassem ambos por uma revisão do Tratado de
Versalhes, foram hostis durante muito tempo em particular quanto à Áustria -
antes de se tornarem aliados; a sua aliança foi frequentemente agitada, e ao fim e
ao cabo, o nazismo alemão acabou por colocar inteiramente ao seu serviço a
República de Saló, sequela, do fascismo, que o mesmo nazismo alemão auxiliou
e depois votou ao desprezo.
A razão disto está no facto de o nacional-socialismo ter sido um movimento
profundamente alemão. Sem recuar até aos Germanos, indissoluvelmente ligados
aos seus chefes, nem à Sociedade de Tule que pretendeu criar uma «Ordem dos
Germanos» antes da primeira guerra mundial {32}, é forçoso notar que
pensadores completamente diferentes uns dos outros, como Fichte, Hegel e o
socialista Lassalle ensinaram os Alemães a venerar o Estado. Max Weber
proclamou a necessidade da dedicação total ao chefe, ao herói; Fichte queria um
ditador, e os românticos sonhavam com o Santo Império Germânico, ao mesmo
tempo que pretendiam um Direito Inspirado no «espírito alemão». Os
precursores imediatos foram Dietrich Eckart, que desejava encontrar um chefe
nascido do povo que soubesse falar ao povo, e Moeller Van den Bruck, autor do
famoso livro O III Reich e grande depreciador da Revolução Francesa; Stefan
George sonhava com uma «guerra, santa» que «salvasse a civilização», e
clamava pelo «único», pelo «salvador»; Spengler proclamou que «o homem é
um animal de presa» e que «os Estados se fizeram para a guerra»; o próprio
Thomas Mann opôs a cultura germânica ao Ocidente {33}.
Havia nisto tudo os elementos dispersos de uma doutrina e um
comportamento. Por isso o historiador Meinecke, põe em destaque, no espírito
alemão, uma tendência irresistível para passar das realidades para um mundo
metafísico, no qual espera uma espécie de redenção. Com o nazismo, este
absoluto é colocado na própria realidade terrestre e física. O Estado confunde-se
com a força; pensa-se em coesão pela coesão, no Reich pelo Reich {34}. Passou-
se do universalismo idealista de Goethe para um nacionalismo limitado, em
nome do realismo.
No plano das instituições, o exército prussiano, foi instruído tendo em vista o
rendimento máximo com um verdadeiro adestramento - descrito por E. von
Salomon em Les Cadetts -, obediência rigorosa, pedantismo na execução; tinha-
se esquecido que o exército e a guerra não são fins em si mesmos. A Liga Pan-
Germânica, portadora do pensamento oficial a partir de Guilherme II, usava a
palavra povo para designar o conjunto dos homens da mesma origem. A partir de
1912, esta Liga chamou por um Führer; apontou a guerra como um
acontecimento providencial; atacou os perigos do sufrágio universal e ensinou
que a força do Estado provém dum campesinato saudável e fecundo. Para
resolver os problemas sociais, devia ampliar-se o espaço vital alemão - a Liga
enumerava as anexações de território com prejuízo para a França. Deveria
instituir-se uma ordem nova, para dar pureza à raça alemã e força ao Estado
{35}.
Todos estes precursores e antecedentes não significavam que a Alemanha
estava necessariamente destinada a ser nacional-socialista; ao fim e ao cabo, o
pensamento contra-revolucionário francês não impediu a França de ser uma
República centenária - com excepção dos quatro anos de «Vichy». Mas os
fermentos eram muitos à disposição de agitadores hábeis, fermentos que
circunstâncias favoráveis podiam fazer germinar.

O advento do nazismo
Os acontecimentos favoráveis foram a derrota de 1918 e a «grande crise dos
anos Trinta»; o agitador hábil foi Adolfo Hitler. A bem dizer, já existiam causas
anteriores. A unidade do povo alemão tardia, mas rápida e violenta, a sua
industrialização recente, mas a ritmo rápido, desenvolveram no povo alemão,
com o culto da eficiência e do rendimento, a saudade do passado, a necessidade
duma comunidade nacional muito fortemente estruturada; um espírito de
conquista e poder desenvolveu-se assim num fundo de misticismo. A derrota de
1918, atribuída à traição dos socialistas e dos judeus, a humilhação nacional
provocada pela perda de territórios, suscitaram uma vaga de nacionalismo -
«corpos francos» de voluntários procuraram atrasar a aplicação dos tratados,
especialmente na Alta Silésia - e deram origem a um desejo de desforra contra os
traidores e os vencedores. A crise econômica originada pela derrota, com a
inflação galopante que a acompanhou, voltou a corroer a economia nacional com
a crise mundial dos anos Trinta; a Alemanha tinha 1500 000 desempregados em
1929, cerca de 6 000 000 em 1932; a produção desceu para 50 %, e depois para
30% da de 1929; a ruína das classes médias, a miséria do proletariado,
«atomizavam» a sociedade alemã.
O Partido Operário Nacional-Socialista nasceu em 1921, surgindo como um
entre muitos grupos nacionalistas que não aceitavam a democracia nem a
derrota. Em 1922 organizou o seu primeiro congresso e começou a publicar o
seu jornal, o , Hitler assumiu a direção do partido, depois de ter eliminado o seu
fundador, Drexler; em 1923, o partido tentou um golpe em Munique, mas a
tentativa falhou e o partido teve 16 Mortos; Hitler foi então preso; em 1924, o
partido apenas teve 6,6% dos votos nas eleições; em 1928, esta percentagem de
votantes desceu para 3,5 %. O partido continuou a ser fraco, mas bem
estruturado, com secções de assalto (as SA), os chefes regionais (os gauleiters),
as secções de segurança (as SS), as filiais de juventude, estudantes. A crise
econômica proporcionou-lhe os seus eleitores - a partir de 1929 o número de
desempregados aumentou proporcionalmente ao número de votos que o partido
teve: em Setembro de 1930, 18 % dos votantes e com isto 107 deputados.
Os conservadores, os industriais, o exército começaram a sentir então um
forte interesse por este grupo. O presidente Hindenburgo recebeu Hitler; o
chanceler Bruning propôs-lhe a entrada para o Governo; houve subsídios de
magnatas da indústria. Embora Hitler tivesse sido batido por Hindenburgo na
eleição presidencial de 13 de Março de 1932, poucos meses depois 37 % dos
eleitores votaram nos candidatos do partido. Quando Bruning, vou Papen, von
Schleicher governaram por decretos-leis contra o Parlamento, convidar Hitler
para formar o Governo pode afigurar-se democrático; concedendo apenas quatro
pastas ao partido, os conservadores esperavam confiná-lo numa posição
subalterna. Mas Hitler dissolveu o Reichstag, e, em eleições em que as
irregularidades foram muitas e as pressões foram muito fortes, o partido passou
para 44 % dos votos; em 5 de Março de 1933, Hitler assinou uma Concordata
com a Igreja Católica e saiu da Sociedade das Nações - os seus dois primeiros
êxitos no exterior. Dissolveu o partido comunista depois do incêndio do
Reichstag, organizado por Goering, proclamou o partido nacional-socialista
como partido único, e, em 23 de Março de 1933, com a maioria constitucional de
dois terços, obteve para si plenos poderes - o executivo e o legislativo ficaram
daí em diante nas suas mãos.
Em poucas semanas, o hitlerismo colocou a Alemanha sob o seu domínio,
mantendo aparências de legalidade. Na verdade, tinha começado por fazer reinar
o terror nas ruas - por meio de desordens e expedições punitivas. Os plenos
poderes só foram concedidos com a exclusão de 80 deputados comunistas e com
as SA e as SS a ocupar a sala das sessões. Em 1933 o partido manifestou fadiga,
causada por lutas internas e dificuldades financeiras; perdeu dois milhões de
votos em relação às eleições de 1932, foi então reanimado pela grande indústria,
Thyssen, Krupp, I. G. Farben, magnates da Imprensa (Hugenberg), financeiros
(Schroeder e Schacht), e foi apoiado pela generalidade dos conservadores,
receosos da revolução social depois de uma greve dos transportes em Berlim e
quando se afigurava que ia começar a recuperação econômica. Por outro lado, os
socialistas e os comunistas não se uniram para combater o hitlerismo; em nada
ajudaram Bruning e o Centro Democrático. Desta maneira, Hitler não chegou ao
poder desacompanhado; os conservadores facilitaram-lhe a subida, e a divisão
dos seus adversários também facilitou esta ascensão. Conforme disse Brecht, a
elevação de Hitler ao Poder era perfeitamente «resistível» {36}.

Adolfo Hitler
A personalidade de Hitler fascinou o povo alemão, antes de intrigar muitos
historiadores {37}. Os crimes horríveis que ordenou ou permitiu que se
cometessem fizeram com que fosse apodado de louco sanguinário. A autópsia do
seu cadáver revelou que tinha uma deformação sexual congênita, geradora de
apatia e aspiração à grandeza; era um psiconevrótico, na fronteira da
esquizofrenia; mas, embora a nevrose se tivesse agravado com as derrotas, era
perfeitamente capaz de lógica e eficiência. Mantém-se na sombra todo o período
da sua formação, embora tivesse escrito muitos pormenores a seu respeito no
Mein Kampf; nunca escreveu cartas nem elaborou qualquer diário; tem de
recorrer-se aos seus discursos, diretrizes, «conversas à mesa», relações humanas
para se ter uma ideia desta personalidade. É provável que tivesse tido uma
infância ao mesmo tempo fácil e difícil, entre um pai autoritário e uma mãe
excessivamente protetora. Artista falhado, boêmio, adquiriu no exército alemão -
tomou parte na guerra de 1914-18, embora fosse austríaco - o sentido da
hierarquia e da disciplina.
Gabou-se sempre da enorme quantidade das suas leituras - Nietzsche,
Schopenhauer, Mommsen..., «às centenas de quilos» - mas a sua biblioteca
apenas tinha 1500 volumes, e nem um só destes era realmente clássico ou
científico. No entanto, com memória excelente, surpreendia às vezes os
convidados com uma erudição súbita no meio da salsada monótona dos seus
intermináveis monólogos. Mostrou ter uma inteligência doutrinária e
simplificadora. Manhoso, hábil, muito forte na arte da mentira e da
dissimulação, era às vezes lento na tomada de decisões, depois de intermináveis
consultas com os seus íntimos; mas também era capaz de decisões súbitas,
devidas a uma espécie de alucinação - mostrou ser um completo oportunista ao
aproveitar as ocasiões, que se lhe deparavam. Manifestou a mais completa
indiferença para com os sofrimentos que infligia aos seus semelhantes, mas
preocupava-se muito com a sua segurança pessoal e as suas próprias ninharias, e
mostrava-se muito bondoso para o cão. Este cinismo misantrópico destruiu nele
todo o calor humano; Speer observou que Hitler, fascinado pela eternidade de
monumentos colossais, não manifestava o mínimo interesse pelas zonas de
urbanização. Mas o facto é que um magnetismo surpreendente e uma aparente
confiança completa na sua missão, tornavam histéricas as multidões às quais
pregava. «No começo do III Reich não era o Verbo», escreveu Herbert Luthy,
«mas sim um grito saído do mundo zoológico». Todavia, Hitler tinha qualidades
de chefia incontestáveis; sabia impor a sua autoridade aos recalcitrantes,
desorganizar e oposição, intimidar e neutralizar os adversários. Por isso mesmo
cada vez mais se foi convencendo, da própria infalibilidade.
Hitler, primeiro que tudo, foi um patriota alemão; a sua ambição, significava
a inteira dedicação à pátria; quem atacasse a Alemanha injuriava-o
pessoalmente. Considerava-se um ideólogo, que ao mesmo tempo era profeta.
Na verdade, a sua «doutrina» constituía uma manta de trapos feita de bocados
apanhados aqui e acolá, sem originalidade nem coerência. Manta que servia para
cobrir um oportunismo natural levado até ao niilismo, até ao jogo do «tudo ou
nada». Mas depressa formulou objetivos políticos precisos, que não sofreram
nenhuma variação e cujos três temas principais eram os seguintes: anti-
semitismo, antibolchevismo, expansionismo. Jaeckel fala «de um espírito
consequente orientado para a autodestruição. O que tornou Hitler uma
personagem histórica com dimensão excepcional foi o facto de a sua «doutrina»
e o seu comportamento se terem entranhado num terreno bem preparado,
psicológica e socialmente. Hitler orquestrou para as massas certos temas dos
quais não era o autor, mas formavam o fundo do nacionalismo alemão, e aos
quais as circunstâncias davam uma força persuasiva singular, que na excitação
oratória entrava em transes de epiléptico, foi também um estadista, um «gênio
sombrio» corno lhe chamou De Gaulle. Colocado no poder por uma minoria
forte, os seu êxitos identificaram-no com a nação alemã {38}; sem Hitler, o
nacional-socialismo não teria sido aquilo que foi.

O partido nacional-socialista
De 1929 até 1933, o número de filiados no partido nacional-socialista passou
de 400 000 para 1300 000; o partido não parou de crescer depois de 1933, em
virtude das pressões exercidas sobre os funcionários e da obrigação de ser
membro do partido para ter acesso a lugares de chefia nas organizações
profissionais. A maior parte dos membros do partido pertenciam às classes
médias; mas os operários constituíam um terço do total; a implantação era mais
forte nas cidades que nos campos, e os camponeses, principalmente nas regiões
católicas, eram os menos representados {39}. Sigmann distinguiu três espécies
de filiados: os alte Kampfer (os pioneiros de antes de 1933), as grandes
formações dos anos 35, 37 e 40, onde eram numerosos os oportunistas que
entraram para o partido em vagas sucessivas, e as inscrições feitas nos intervalos
entre estas datas, para as quais se exigiram garantias de ortodoxia política
{40}. Geograficamente, as zonas favoráveis ao nazismo foram as de
predominância luterana, se bem que também tenha sido nestas zonas que os
marxistas tiveram mais votos nas eleições {41}. O número de quadros
dirigentes de todas as espécies era notável, cerca de 500 000. Os postos
inferiores não eram retribuídos, mas os «kreisleiters» e os «gauleiters» tinham
retribuição e eram todos nazis fanáticos. Pôs-se frequentemente em destaque o
baixo nível intelectual destes dirigentes; no entanto, uma grande parte das elites
aderiu, visto que, das 4000 personalidades do regime, 670 pertenciam à
aristocracia, 1050 tinham títulos de doutor e 330 eram professores universitários.
Por conseguinte, o partido representava quase toda a sociedade alemã.
O partido estava hierarquizado numa divisão territorial, cabendo-lhe o papel
de enquadrar toda a população; o bairro, a cidade e o distrito tinham chefes
responsáveis, as organizações profissionais também. As mulheres voluntárias
entravam para a NS Frauenschaft. Foram dissolvidos todos os movimentos
juvenis, sendo os jovens agrupados em organizações do partido, conforme a
idade; a adesão, de começo deixada em princípio à decisão dos país, passou a ser
obrigatória em 1936; em 1939, os contraventores foram considerados traidores:
«Toda a juventude - decretou Hitler - receberá, fora do lar e da escola, uma
educação moral para servir a comunidade segundo o espírito nacional-
socialista.» No entanto, o partido não tinha a dirigi-lo uma organização com
poderes efetivos, e o Parteileitung não passava de uma constelação de chefes.
Isso resultou de Hitler não ter sido capaz de escolher entre duas concepções;
Robert Ley, com a sua Frente do Trabalho, que reunia todos os trabalhadores,
pretendia um partido de massas e dava relevo à grandes manifestações de
propaganda e à ação social, numa palavra, identificava o partido com a nação;
outros, como Rudolf Hess e Martin Bormann, pelo contrário, pretendiam um
corpo de dirigentes escolhidos, encarregado de missões de fiscalização e direção
{42}.
Desta maneira, não se suprimiu a dualidade, partido-administração, corrente;
no conselho, no distrito, esta dualidade manifestava-se em conflitos entre dois
homens, embora os funcionários, de modo geral, tenham sido fiéis. No escalão
regional, os 31 gauleiters do partido dirigiam circunscrições diferentes dos 17
Estados do Reich, e as suas atribuições estavam mal definidas: tinham uma
burocracia, uma imprensa, dinheiro, e no momento do perigo, foram
encarregados dos problemas da defesa; mas consideravam-se dependentes
diretamente de Hitler e tiveram conflitos com o ministro do Interior, Frick, e em
seguida com, Himmler, este último inimigo pessoal de Rudolf Hess, que
representava Hitler no partido. Embora, em princípio, tudo fosse hierarquizado
pela generalização do Führer-prinzip, a organização manteve-se de facto caótica,
incompleta, com multas baronias autônoma; a incompetência, a avidez, as
ambições, o número de dignitários do partido davam mais uma nota suplementar
de anarquia {43}. É possível que Hitler, ao fim e ao cabo, tenha sido enleado
pelo partido quando se tornou senhor do Estado. Mas todos se lhe declaram fiéis,
e, entre os dirigentes nazis, os que tiveram os papéis mais importantes foram os
que com Hitler privaram mais de perto e com maior regularidade.
O próprio Hitler tomava em geral as decisões; entre os seus colaboradores
diretos, apenas cinco exerceram influência pessoal. Goering, oficial aviador,
combatente brilhante em 1914-18, acumulava títulos, honras e proveitos:
fundador da Gestapo e dos campos de concentração, criador da Luftwaffe,
ditador da economia, era também colecionador, mecenas e larápio; era um
vaidoso, uma mistura de bonomia e crueldade, encanto e ferocidade, chefe e
salteador, e também um toxicômano {44}. O Dr. Goebbels, fraco, orador
disposto a defender todas as causas, comediante consumado, organizou a
propaganda do regime, utilizando da melhor maneira, pela primeira vez na
História, a rádio e o cinema. Foi ele quem lançou a «marca Hitler», dando de um
agitadorzito de cervejaria a imagem de um profeta, salvador do povo; endeusou
o Führer, lançou o «Heil Hitler», convencendo a pouco e pouco os Alemães da
essência sobrenatural de Hitler, mas renovando também periodicamente o
ciclotímico entusiasmo do próprio Hitler {45}. Rosenberg, oriundo do Báltico,
era o ideólogo do regime, com um livro muito vendido mas confuso, O Mito do
Século XX. Foi ele quem lançou o mito da superioridade da raça nórdica - no
qual Hitler não tinha fé nenhuma - e, proclamou o direito dos senhores ao espaço
vital e ao domínio sobre as raças inferiores; demonstrou que o cristianismo é
alheio à germanidade; diretor da Hohe Schule, centro de estudos ideológicos e
pedagógicos nacional-socialistas, foi nomeado por Hitler para o cargo de
«comissário para a conservação da concepção do mundo nacional-socialista». O
mais influente dos colaboradores íntimos, no entanto, foi Martin Bormann,
porque, privando muito com o Führer - era ele quem geria, os bens de Hitler -
tinha com o chefe os contatos mais numerosos, visto ser chanceler do partido;
nazi fanático, anti-semita feroz, tinha na mão os gauleiters e afirmava
constantemente a sua fé no Reich eterno, encarnado pelo Führer, «o maior
homem da humanidade» {46}. Mas o mais temível era o aparentemente
insignificante H. Himmler, engenheiro agrônomo; este não pretendia as
satisfações do poder, nem os êxitos pessoais, fossem de que espécie
fossem. Levava uma vida muito simples, tinha desprezo pelo dinheiro, era
desumano por fanatismo e dedicou a vida à formação do escol nazi, a SS {47}.

As SS
Para sua proteção pessoal, Hitler constituiu uma guarda que foi denominada,
em 1925, Schutz-Staffel - secção de proteção. Mas a milícia do partido,
comparável com a milícia fascista italiana, era constituída pelas Secções de
Assalto (SA), comandadas por R. Röhm, antigo oficial. Quando Himmler
assumiu o comando das SS, em 1930, aumentou as atividades destas: proteção
das personalidades principais do partido, serviço de espionagem e contra-
espionagem, que se transformou no SD (Sicherheitdienst), entregue a Reinhard
Heydrich; ao mesmo tempo, criaram-se «comandos de intervenção» em muitas
cidades - em 1933, as SS já tinham 50000 homens. Passaram então a ser rivais
das SA, que frequentemente manifestaram insubordinação e pretendiam formar
um novo exército «popular», ideia que causava preocupação à Wehrmacht.
Convencido, por meio de documentos falsos preparados por Heydrich, de que
Röhm conspirava contra ele, Hitler livra-se deste e de numerosos adversários,
reais ou imaginários, na noite de 30 de Junho de 1934, «a noite dos facões».
Himmler passou a ter daí por diante funções novas, cada vez mais importantes.
Em 1936, por Heydrich, passou a ser o chefe de todas as polícias do Reich,
apesar da oposição de Goering; mais tarde deitou a mão aos serviços especiais
do exército, a Abwehr.
Segundo Himmler, e Hitler - que lhes entregou a «Blutfahne», a bandeira
impregnada do sangue dos «mártires» do golpe de 1923 - as SS deviam
constituir uma ordem ao serviço do partido e do Estado. Himmler disse a este
respeito: «Só sangue nórdico deve ser tido em consideração. . . o nosso sangue
confere-nos um gênio inventivo muito superior ao das outras nações... As
décadas futuras verão o extermínio dos seres inferiores que lutam contra a
Alemanha, berço da raça nórdica, porta-voz da civilização.» Para manter a
pureza racial do escol, todos os meios eram bons: bigamia, procriação fora do
casamento, roubos de crianças. O recruta SS era ensinado a obedecer, sem fazer
perguntas, fosse a que ordem fosse, por mais dura que pudesse ser; o extermínio
dos inimigos do Reich era a sua razão de ser; a decisão fanática e a falta de
piedade eram as condições do êxito; a camaradagem, os laços pessoais dos
homens com os seu chefes instituíam uma espécie de devoção religiosa {48}.
Em 1936, criaram-se unidades SS «caveira», encarregadas da vigilância e
depois da direção dos campos de concentração, até essa altura entregues às SA;
nestes campos, os nazis metiam os adversários - primeiro alemães contrários ao
regime, misturados com criminosos e associais, depois os «resistentes» dos
países ocupados, por fim, e sobretudo, judeus, condenados ao extermínio. Uma
massa humana, destituída de qualquer proteção jurídica, enfraquecida pelas suas,
divisões internas - estiveram ali representadas mais de vinte nações -
indefinidamente renovável, ficou assim entregue ao arbítrio de um exército de
carrascos, cujo comportamento ia do sadismo puro e simples até experiências
médicas em cobaias humanas. Mas esta massa humana também proporcionava à
SS uma multidão de trabalhadores que podiam ser explorados até ao último
limite das suas forças. A SS tornou-se assim um grande industrial que explorava
fábricas de tijolos, pedreiras, indústrias de madeira, têxteis, couro, borracha
sintética e armas secretas. As suas empresas tinham uma estrutura paradoxal;
eram sociedades privadas - de responsabilidade limitada, mas dirigidas
inteiramente pela administração central da SS. Durante a guerra, o principal
proveito era o aprovisionamento da própria SS em objetos de equipamento.
Himmler encontrou a oposição de Speer quando pretendeu, sem êxito, deslocar
as fábricas de armamento para os campos de concentração. Mas a conquista da
Europa abriu à SS perspectivas grandiosas: foi encarregada de colonizar o
espaço conquistado e criar raízes nestes territórios. A sua primeira missão de
defender o regime juntou-se assim a tarefa de preparar a economia da Europa
nazificada {49}.
A SS juntou a isto a constituição de um exército livre de qualquer sequela da
época imperial. A partir de 1940, unidades de Waffen SS tomaram parte na
campanha da França. Essas unidades multiplicaram-se e fizeram recrutamentos
em toda a Europa, com a guerra contra a U. R. S. S.; a sua importância foi
aumentando sempre, porque Hitler tinha pouca confiança nos seus generais e
para explorar o capital de entusiasmo e fanatismo da juventude. Himmler,
quando não o fazia o próprio, Hitler, ocupava-se pessoalmente dos
fornecimentos de material, escolha de chefes, lugares de recrutamento {50}. Os
homens eram treinados numa disciplina draconiana, havia exercícios de combate
constantemente e as sessões de doutrinação política eram intermináveis; os
chefes eram muitas vezes cadastrados, falhados ou semiloucos (Eicke,
comandante da divisão Totenkopf, foi recrutado por Himmler num asilo
psiquiátrico). As Waffen SS comportaram-se de maneira criminosa nos
territórios conquistados, incendiando aldeias (uma delas Oradour, em França),
assassinando prisioneiros ou resistentes detidos, exterminando colectividades
judaicas, matando os feridos - e cometeram também pilhagens individuais,
violações, que eram proibidas em princípio mas raramente davam lugar a
penalidades. As Waffen SS foram a princípio desprezadas, pelo exército, que
procurava distinguir-se delas; em seguida, o exército sentiu ciúmes das Waffen
SS, em virtude da retumbância que a propaganda dava aos feitos destas; por fim,
o exército utilizou as Waffen SS, com prioridade, nos combates difíceis e
admirados (a divisão SS Hitlerjugend teve 20 % de mortos e 40 % de feridos e
desaparecidos na Normandia, de 16 de Junho a 11 de Julho de 1944).
Para o fim, a SS tornou-se um Estado dentro do Estado; em 1944, Himmler
acumulou a direção das SS com a da Polícia, o Ministério do Interior, a politica
racial, o comando de 34 divisões SS e dos exércitos do centro. Nesta posição,
julgou que poderia adotar uma política pessoal, estabelecendo contatos com a
Suécia para desempenhar um papel diplomático, entabulando negociações na
Itália com os Aliados para circunscrever o conflito à guerra contra a U.R.S.S.,
tentando trocar o destino dos concentracionários por uma proteção anglo-
americana para ele e os seus homens, tendo até alguns contatos indiretos com o
grupo dos conspiradores contra Hitler, e aspirando a tomar o lugar deste em
1945 - mas acabou por se envenenar quando os Americanos o capturaram e
identificaram.

O Estado nacional-socialista
Hitler nunca aboliu a constituição de Weimar; não elaborou uma
Constituição nova, e não parece que se tenha preocupado com o assunto. O
regime nacional-socialista foi sempre, portanto, um regime de excepção, de
facto, desejoso de não ter embaraços com qualquer restrição de ordem jurídica,
um regime no qual a administração e a polícia estavam acima do Direito. Era um
Führerstaat, isto é, um Estado a mercê do seu chefe, cuja palavra cria a lei, cuja
vontade não está sujeita a nenhuma restrição e cujo comportamento não admite
nenhuma crítica. Mas, de facto, é difícil determinar o papel de Hitler fora dos
seus dois domínios reservados, a diplomacia e a guerra, suas principais
preocupações, mas a sua autoridade era completa. Quanto ao mais, há poucas
decisões claras escritas pelo seu punho, ao passo que se vê constantemente a
assinatura de Lammers, que lia e separava a correspondência, anotava os
documentos submetidos ao Führer. Houve quem dissesse que Hitler, no
exercício rotineiro do poder, era «o homem que não decidia»{51}; mas é
provável que os seus colaboradores diretos nunca tivessem tentado iludi-lo ou
atuar contra a maneira de pensar do chefe, pelo menos enquanto este teve êxitos.
Hitler criou instituições especializadas, que se desenvolveram paralelamente
à administração normal - os gauleiters, a Frente do Trabalho, a Organização Todt
das obras públicas, o plano de quatro anos, o gabinete de estudos de Ribbentrop
(que durante algum tempo duplicou a Wilhelmstrasse), a missão de Rosenberg,
sem esquecer, claro, as SS. Pôde assim tomar as decisões fundamentais - a
eutanásia, o genocídio dos Judeus - sem ter em conta a autoridade competente.
M. Broszat chama a este regime «policracia», um regime com instituições rivais
que se interpenetram, instituições com competências estatais, semi-estatais e
partidárias - sendo difusas as fronteiras entre o Estado, a Sociedade e o
Partido{52}. Daqui resultou, com o condicionalismo uniformizador, uma
permanência de comportamentos diversos nas grandes cidades, nas cidades
pequenas e nos campos.
Psicologicamente, o regime apoiou-se na propaganda e na angústia colectiva,
que Hitler denominava o «terror do espírito»; a miséria e o medo privam o
indivíduo de qualquer pensamento pessoal; exercem-se pressões nas famílias; as
torturas, a execução ou a morte lenta nos campos de concentração eram o destino
dos opositores. Havia uma completa indiferença para com o ser humano e as
suas possibilidades intelectuais; a educação dos homens passou a ser uma
espécie de criação de gado, e o fanatismo tornou-se a principal inspiração do
nazi na ação {53}. É certo que o código das leis não foi transformado nos seus
princípios essenciais, mas o Estado de facto instituído dá a justiça um papel
meramente secundário; os julgamentos eram raros; o que predominava era a
prática da detenção e internamento, sem julgamento; em 1942, o ministro da
Justiça, Thierack, «legalizou» este comportamento, proclamando que o juiz não
é guardião da lei, mas sim auxiliar do governo.
Conforme mostrou J. Billig {54}, o que Hitler admirava acima de tudo era o
engenheiro-empresário, cujo saber e vontade edificam a força e o poderio. Quis
fundar um império «milenário», racialmente puro, que ampliasse o seu «espaço
vital» com conquistas em prejuízo das raças inferiores, destinadas à escravatura
ou ao extermínio. Esta obra exigia a perenidade da dura exploração do homem
pelo homem; pressupunha a submissão de todos, voluntariamente ou à força, aos
objetivos da comunidade. Instituía de modo permanente um tipo de sociedade
militar; imitando Clausewitz, E. Nolte escreveu que o nacional-socialismo
seguiu «uma política que continuava a guerra com os mesmos meios». É
evidente que um regime como este foi muito mais totalitário que o fascismo
italiano. Mas foi, no entanto, este regime o «totalitarismo»? Um autor como
Heinz Höhne {55} põe isso em dúvida, porque, segundo escreveu, Hitler
permitiu que se mantivessem certas instituições tradicionais muito veneráveis e
poderosas como o exército, a Igreja, a administração, o corpo diplomático, as
estruturas industriais. Temos de tentar avaliar o domínio do hitlerismo na
sociedade alemã.

O nacional-socialismo e a sociedade alemã


O programa do partido, elaborado por Feder antes do acesso ao poder,
pretendia libertar a Alemanha da «tirania do juro»; propunha a nacionalização
dos trustes, a expropriação das grandes propriedades agrícolas sem
indemnização, a participação dos operários nos lucros das empresas. O teórico
«esquerdista» do partido, G. Strasser, proclamou que «o capital não cria o
trabalho, mas sim é o trabalho que cria o capital», e atacou «o domínio exercido
pelos bancos». Mas Gregor Strasser também atacou o marxismo e o pacifismo.
Para ele, o socialismo alemão realizava-se «nas antigas cidades do Império, com
as suas corporações, as suas fortes muralhas, a imponente câmara municipal, os
hospícios e os hospitais, o socialismo da prática..., o prussianismo realizado nos
factos». Em 1928, Hitler já tinha reduzido um tanto o alcance dos postulados de
Feder, limitando, as nacionalizações às «sociedades sem personalidade», o que
não tinha significado nenhum, e restringindo as expropriações «às sociedades
judaicas de especulação fundiária» - era mais necessário abater o judeu do que o
capitalismo. No fim de contas, embora o nacional-socialismo, tivesse sido
acompanhado por transformações sociais, não foi verdadeiramente um
socialismo; é verdade que homens de modesta condição, chegaram aos lugares
superiores do partido e do Estado, e que se esboçou uma classe política nova;
também é verdade que os nazis desprezavam a aristocracia e a burguesia, e que
muitos deles aspiravam a um socialismo mal definido. Mas as propriedades
continuaram nas mãos dos proprietários; a sociedade continuou a ser
hierarquizada, como antes, a única modificação fez-se no partido e a única
novidade em matéria social foi a escravatura dos operários estrangeiros e dos
presos em campos de concentração.
Nestas condições, a palavra trabalhador não tinha para os nazis qualquer
conteúdo revolucionário; o operário era primeiro que tudo um membro da
comunidade nacional {56}. Os sindicatos operários aderiram em parte ao novo
regime nos primeiros meses a seguir ao acesso ao poder - havia uma corrente
«nacional»; nem por isso deixaram de ser suprimidos e os trabalhadores foram
reagrupados na Frente do Trabalho, que dirigia os seguros sociais, as
cooperativas, os bancos de crédito operário. O pessoal delegava «homens de
confiança» para junto da direção, indivíduos que não participavam na direção
mas fiscalizavam as medidas sociais. Desta maneira se esbateu a luta de classes,
com os operários e os patrões associados numa obra comum, e com a «honra do
trabalho» a proibir que os operários fizessem greve. No entanto, as leis sociais
foram numerosas e reais; férias baratas, cruzeiros no estrangeiro - com uma
publicidade desproporcionada em relação à importância real da operação -
habitação decente para os operários; os serviços de assistência, entre estes o
Socorro de Inverno, eram financiados por colectas praticamente obrigatórias;
acima de tudo, o rearmamento e o alistamento dos desempregados na enorme
administração do partido, acabaram com o desemprego; 5,6 milhões de
desempregados em 1932, apenas 38 000 em 1939; o recomeço da atividade
econômica e o racionamento proporcionaram o mínimo a cada um {57}.
Esta tranquilidade nas relações sociais beneficiava, como é evidente, os
industriais e os banqueiros, de quem Hitler era devedor em dois sentidos. É certo
que a economia foi planificada e os produtores tinham de submeter-se a um
dirigismo que diminuía a sua liberdade de ação. Aconteceu até as suas relações
com o partido azedarem - um decreto de Março de 1942, assinado por Hitler,
ameaçava com a pena de morte os industriais que armazenassem estoques
excessivos ou exigissem mão-de-obra em excesso; este decreto não foi aplicado.
Também é certo que a economia de Estado da SS prejudicava as empresas
privadas; mas mantinha-se marginal, e os bancos, a indústria pesada, a indústria
química, etc., continuaram nas mãos dos proprietários; os salários horários
aumentaram menos que os preços por grosso; os industriais continuaram a ter o
controle da mão-de-obra; melhor ainda, com Speer no Ministério dos
Armamentos, foram integrados nas fábricas do Estado; este sustentou bancos em
situação difícil, e entregou-lhes a seguir as suas participações; além disso, as
receitas brutas das grandes sociedades aumentaram muito, o Estado tomou a seu
cargo as empresas pouco seguras - por exemplo no ramo do tratamento de
minérios pobres - e «privatizou» as empresas prósperas {58}. Só quando chegou
o desastre militar os industriais pensaram em romper com Hitler - como com
Mussolini na Itália.
O nazismo quis deter o êxodo rural para a cidade, fixar os camponeses na
terra, garantir o abastecimento do pais. Para o teórico nazi Walter Darré, os
camponeses eram o escol duma nação; os camponeses constituíam «uma
comunidade sem classes de camaradas de trabalho»; Os grandes proprietários
constituíam a «nova, nobreza do sangue e da terra»; aos pequenos proprietários
fazia-se entrever a miragem da colonização no Leste e a remissão das dividas.
Elaboraram-se leis que instituíram o «domínio hereditário», declarando
indivisíveis as propriedades com menos de 125 hectares, devendo cada
propriedade ser transmitida a um só dos filhos, a escolher pelo pai. O
«Reichnährstand» reuniu obrigatoriamente todos os produtores agrícolas e
florestais, com as empresas de tratamento dos produtos agrícolas; esta
«corporação alimentar» estabelecia os preços dos produtos, fixava contingentes
de produção, exercia o monopólio dos mercados interno e externo. Praticamente,
os dirigentes desta organização foram os grandes proprietários; estavam
autorizados a aplicar multas ao pessoal, e até castigos corporais no caso de os
operários serem polacos.
O general von Seeckt, o verdadeiro criador da Reichswehr, manteve-a
alheada da política, quer dizer, à margem da República. Salvo poucas excepções
- como o general Groener - o corpo de oficiais generais era a favor de Hitler,
embora nenhum papel tenha desempenhado no acesso de Hitler ao poder. Mais
tarde, o rearmamento, a luta contra o Tratado de Versalhes, a destruição da SA
encheram os oficiais de satisfação. Hitler aproveitou-se disso, depois da morte
de Hindenburgo, para impor ao exército um juramento de obediência à sua
pessoa {59}, exigência que não provocou nenhum protesto; Hitler disse então
que, «sem o apoio do exército, não estaria no poder». Mais tarde, salvo alguns
protestos tímidos, o exército apoiou o Führer em todas as suas iniciativas; foram
raros os generais que protestaram contra os crimes das SS; foram muitos os
generais que colaboraram nestes crimes, como o general que mandou afogar em
Rodes os judeus que não pôde retirar da ilha. Os desastres militares foram a
causa da oposição do grupo de oficiais que tentaram assassinar Hitler em 20 de
Julho de 1944; estavam isolados - Guderian disse na altura que «qualquer oficial
de estado-maior devia ser um bom nacional-socialista». Hitler aproveitou o caso
para se livrar tanto quanto possível de uma casta que detestava; houve muitas
prisões e demissões; entregaram-se comandos importantes a elementos da SS;
nomearam-se comissários políticos para fazer a educação dos oficiais {60}.
A. Rosenberg, nas suas Teses Filosóficas, pôs em destaque as origens
orientais do cristianismo, as analogias do culto cristão com as práticas africanas;
o nacional-socialismo tinha a missão de substituir o cristianismo. Os nazis não
atacaram diretamente a Igreja Católica, mas sim os movimentos juvenis e as
ordens religiosas; tiveram adeptos no alto clero, como o bispo Hudal, que tentou
provar que o catolicismo tinha influenciado o nacional-socialismo. Outros
protestaram contra o neo-paganismo - como o cardeal Faulhaber e monsenhor
Galen; mas respeitavam a legitimidade do regime, negavam que «fizessem
política», e concluíam as suas homílias orando «pela pátria e pelo Führer». A
penetração nazi foi mais profunda entre os protestantes, que desde Lutero
estavam habituados, a obedecer rigorosamente à autoridade civil. Por isso
mesmo, «os cristãos alemães» afirmavam que «Cristo veio até nós por Adolfo
Hitler». Uma associação privada, que se denominava «a Igreja confessante»,
lutava contra esta tendência, mas aceitava o controlo do poder sobre a Igreja;
foram poucos os teólogos que, como Karl Barth, condenaram o nazismo; entre
17 000 pastores, apenas algumas centenas foram processados - 42 foram
mandados para campos de concentração. As maiores perseguições foram as
movidas contra as seitas religiosas - «Testemunhas de Jeová», «Quakers»,
«Menonitas» - em virtude das suas ligações com o estrangeiro; de 6000
«testemunhas de Jeová», 5900 foram presas e 2000 morreram de morte violenta
{61}.
Hitler não introduziu o socialismo na Alemanha; mas empreendeu uma
profunda transformação da sociedade, sem que tivesse tido tempo para a
concluir; fez essa transformação num ambiente de adesão quase geral, pelo
menos até aos desastres militares de 1943-1944.

A «cultura» nacional-socialista
A cultura individual, a procura do belo pelo belo, a predileção pelo
conhecimento desinteressado, foram noções alheias ao nazismo.
«A massa», disse Hitler a Rauschning, «é como um animal que obedece aos
seus instintos ... Fanatizei as massas para fazer delas o instrumento da política ...
Desperto nelas sentimentos que lhes convêm, obedecem imediatamente às
diretrizes que lhes dou. Numa assembleia de massa, deixa de haver lugar para o
pensamento.» Passando à aplicação, Goebbels acrescentava: «Precisamos de
satisfazer os instintos primários das massas.» O nacional-socialismo deveu uma
boa parte dos seus êxitos à propaganda; foi o primeiro regime que criou um
Ministério da Propaganda. Goebbels, em princípio, era senhor da Imprensa,
cinema, rádio, música e literatura. Mas, também neste campo, proliferavam a
anarquia e as rivalidades; a Wilhelmstrasse tinha a seu cargo a propaganda no
estrangeiro, o Dr. Dietrich dirigia a Imprensa, sendo Max Amman o responsável
pelos jornais do partido! Mas Goebbels acabou por ser o verdadeiro responsável
pela manutenção do moral do povo alemão. Nos seus discursos, usou linguagem
popular; conhecia a virtude dos estribilhos e o efeito da sua repetição nas
multidões {62}.
Goebbels, não sem cinismo, afirmava que «a Imprensa não deve apenas
informar, mas também instruir ... É um teclado em que o Governo pode tocar ...
Os jornalistas têm uma função, não têm opinião». Goebbels dava instruções
precisas em conferências diárias que duravam meia hora. Para se ser jornalista
era preciso ser-se licenciado; não havia qualquer censura prévia, mas tinha de
haver autocensura, e as extravagâncias eram julgadas num tribunal corporativo e
estavam sujeitas a sanções policiais. De 4073 diários e semanários existentes em
1932 passou-se para 2208 em 1937 e para 500 em 1944. Os nazis foram
eliminando a pouco e pouco os jornais dos seus adversários e aliados destes,
pagando-lhes indenizações (Hugenberg foi pago com instalações de siderurgia e
laminagem!). Depois disto, os nazis formaram um autêntico truste, o Eher
Verlag, que agrupava 150 empresas e empregava 35 000 pessoas {63}. Goebbels
conseguiu ter a direção da rádio, em compita com Goering; imediatamente
tomou a significativa decisão de substituir nas emissões literárias a palavra
Kritik por Betrachtung (consideração). As emissões radiofônicas, as
retransmissões de discursos em comícios multiplicaram-se, quando se observou
que a propaganda nazi se difundia melhor pela via oral que pela escrita. Em
particular, criaram-se muitas emissões para o estrangeiro - onze horas por dia
para os Estados Unidos, oito horas para a Africa. O cinema, dirigido por uma
câmara corporativa, subvencionado por um banco especial, difundiu filmes anti-
semitas (O Judeu Suss), enalteceu a beleza do esforço físico (Jogos Olímpicos),
recordou as glórias do passado (Kolberg) {64}.
Para os nazis, a literatura era uma fonte de «energia nacional »; numerosas
comissões passavam a pente fino todos os escritores, distribuíam incitamentos,
ameaças e castigos. Para publicar, era preciso ser-se membro da «câmara dos
escritores», que apontava as obras suspeitas; as bibliotecas foram expurgadas, e
as obras «malfazejas» deram ocasião para cerimônias histéricas de autos-de-fé.
Os temas recomendados eram: «o sangue e o solo», o passado nacional, as
virtudes da raça nórdica; criaram-se inúmeras bibliotecas, compostas por livros
«sãos», para serem utilizadas por jovens, operários e soldados. O teatro foi
ligado à velha instituição germânica do Thing, assembleia de homens livres;
perante auditórios enormes, ao ar livre, representaram-se peças adaptadas para a
propaganda - por exemplo, «a paixão alemã de 1933» foi concebida para
substituir, mas não teve êxito, a célebre paixão de Oberammergau. Exilaram-se
cerca de 300 escritores, os mais conhecidos; alguns escritores ilustres, como G.
Hauptmann, M. Heidegger, H. Carossa, serviram o regime; a maior parte deles
submeteram-se, depois de às vezes terem protestado contra as imposições das
instituições culturais de Goebbels e Rosenberg, aliás rivais. Muitos refugiaram-
se na literatura de evasão, no lirismo, nas histórias de aventuras {65}.
Baldur von Schirach disse a certa altura que «o critério estético só
acessoriamente interessava os nazis». De facto, as preocupações artísticas dos
nazis resultavam das suas concepções racistas e ideológicas. Hitler entendia que
os Judeus e os Negros eram responsáveis pela degenerescência da arte.
Rosenberg criou a «união de combate a favor da cultura alemã», que atacava
pintores como Klee e Kadinsky, músicos como Hindemith e Stravinsky; retirou-
se dos museus muitos quadros - o que não impediu que Goebbels e Goering
viessem a arrebanhar quadros semelhantes na Europa Ocupada. Hitler, arquitecto
falhado - também o eram, convém notá-lo, vários dirigentes nazis - pretendia
deixar testemunhos arquitecturais da sua glória. Sonhava com um
neoclassicismo que «ultrapassasse o quotidiano e as suas exigências», capaz de
«estabelecer a ordem nova». Procedendo desta maneira, inspirava-se mais na
arte antiga do que na «arte nórdica», embora também admirasse as categorias
góticas e o barroco vienense; é certo que a mitologia nazi via Arianos nos
Gregos. Monumentos colossais deveriam assinalar as vitórias: Somme, Volga,
Termópilas, etc. {66}.
Num sistema como este, embora a propaganda celebre as virtudes familiares,
e existam obras como «a mãe e o filho», está tudo previsto para fazer passar a
juventude pelo molde do partido. Os livros escolares foram revistos, os
estudantes foram agrupados na Studenschaft, os professores foram colocados sob
a vigilância dos seus organismos corporativos. Enquanto as «Adolf Hitler
Schulen» forneciam ao partido os seus militantes de escol, os futuros quadros
dirigentes da nação eram formados nas napola {67}. Nestes institutos, em que
todos os alunos tinham de ser racialmente puros e ter qualidades físicas e
intelectuais superiores à média, e para onde entravam sobretudo os filhos de
membros do partido, manteve-se o ensino tradicional mas baniu-se por completo
o espírito crítico e ensinou-se a submissão à comunidade, com o estribilho «Tu
não és nada, o teu povo é tudo», e a aceitação do sacrifício. Quando se fazia a
entrega solene das baionetas, uma espécie de distribuição de prêmios, a fórmula
era: «A espada é o direito e a verdade. »
Hitler disse um dia a Rauschning: «Quero uma juventude brutal, imperiosa,
impávida e cruel.» O fascismo considera a juventude como uma entidade, com
as suas características, os seus direitos, as suas aspirações próprias. Instituí-se
uma demagogia: «O diabo leve os velhos, só o jovem eterno deve ter a sua pátria
na Alemanha.» Von Schirach avisou os pais de «que tinham entregue as suas
prerrogativas ao partido». Os jovens eram educados segundo o mito do chefe,
que era também, dizia von Schirach, «o professor e o sacerdote». Punha-se em
destaque a ideia darwiniana da «luta pela vida que nos é imposta pela Natureza»
{68}. A «alegria da luta» era considerada um enriquecimento; a libertação, dos
instintos, a importância da Natureza, eram exaltadas numa espécie de
romantismo irracional, no qual desempenhavam os seus papéis as forças
primitivas do fogo, da noite e da montanha; daqui resultaram as cerimônias do
solstício, os acampamentos em tendas, os cantos colectivos e brutais e a
preponderância dos cursos de educação política, onde constantemente se
celebravam a vida, a personalidade e a obra do Führer. Os cursos de história
baseavam-se nos exemplo, dos heróis germânicos, Arminius, Widukind,
Frederico o Grande, Frederico Barba-Roxa, Andreas Hofer. Ao mesmo tempo
ensinava-se o ódio aos destruidores do Reich, o judeu, o comunista, o inimigo
estrangeiro. Os nazis souberam explorar a fundo as qualidades da juventude, a
generosidade e a dedicação, com a ideia de «Quem tem a juventude tem o
futuro». A educação da juventude devia prepará-la para a guerra «pelo Reich
milenário». Os resultados são convincentes: na segunda guerra mundial, todos os
quadros dirigentes da Hitlerjugend se tornaram oficiais do exército ou da SS. Se
a derrota não lhe tivesse tirado o tempo necessário, é provável que tivesse sido
este o domínio em que Hitler viria a ter os maiores êxitos e dessa realidade ao
sonho de todos os condutores de povos que pretendem ser revolucionários:
moldar um homem novo.

O racismo hitleriano
O racismo era o fundamento do nazismo. Para proteger a «raça alemã»,
tomaram-se diversas medidas. W. Darré pretendia classificar as raparigas: umas
poderiam casar e ter filhos; as outras, indignas de tal honra, ficariam proibidas
de uma coisa e outra. Himmler decretou em 1931 que qualquer membro da SS
que quisesse casar teria de pedir uma licença, «que seria concedida ou recusada
de acordo com os princípios da saúde racial e hereditária». Em contrapartida, as
raparigas não teriam o direito de se recusar aos SS, que eram autênticos
garanhões para a criação de «uma ordem sagrada, herdeira dos Vikings e dos
cavaleiros teutônicos». Himmler, aprovado por Rosenberg, fundou a organização
Lebensborn (fonte da vida), na qual seriam educadas as crianças com vestígios
de «sangue nórdico», mesmo que tivessem nascido fora da Alemanha.
Não é absolutamente seguro que todos os dirigentes nazis tenham aprovado
toda esta salsada - Goebbels achava isto ridículo. Mas todos entendiam que era
necessário purificar a Alemanha de qualquer influência judaica. A mensagem de
Gobineau, que define uma hierarquia entre as raças e condena a mestiçagem, foi
vulgarizada pelo «mestre de coro da raça ariana», Chamberlain, genro de
Wagner. No fim do século XIX, já havia 16 deputados anti-semitas no
Reichstag. O estereótipo judeu corrupto e corruptor era frequente na literatura
popular. Quando rapaz, Hitler leu em Viena o falso Protocolo dos Sábios de
Sião, que atribuía aos Judeus a ambição de dominar o mundo; sem dúvida que
era profundamente anti-semita, embora tenha dito a Rauschning que «se o Judeu
não existisse, teria sido preciso inventá-lo». Dizia Hitler que «só um anti-semita
pode ser um verdadeiro anticomunista». Para ele, o judeu era inassimilável; a sua
presença impedia o regresso aos valores salvadores da germanidade; o seu
internacionalismo - pela sua dispersão, mas também porque era a base das
internacionais capitalista e comunista - era um suicídio para os povos entre os
quais vivia; era a «anti-raça» {69}.
Nestas condições, os Judeus foram postos de parte, eliminados da
administração pública, do foro, da banca, da edição; em 1935, as leis de
Nuremberga retiraram-lhes os direitos cívicos - passaram a ser estrangeiros no
seu país; os lugares públicos passaram a ser proibidos aos judeus, e proibida
ficou qualquer relação sexual com os «Arianos». A princípio foi-lhes permitido
emigrar, a troco de perderem parte das suas fortunas; em seguida, Hitler pensou
em exportá-los em massa para Madagáscar. A guerra deu ensejo para aplicar a
solução final do problema judaico», isto é, o extermínio dos Judeus, decidido em
Wansee em 1942, arrebanhados em toda a Europa, amontoados em bairros
fechados, às vezes chacinados ali mesmo ou reduzidos à indigência, acabaram
por serem mortos em câmaras de gás e incinerados em campos de concentração,
com Birkenau a ocupar o primeiro lugar. Crime abominável, que causou a morte
de seis milhões de pessoas infelizes, sem que o seu desaparecimento tivesse tido
qualquer relação com o conflito ou tivesse tido neste uma influência qualquer;
foi o mais monstruoso dos crimes gratuitos {70}.
No entanto, os nazis tiveram de acomodar este fanatismo racista com as
exigências da sua política externa, em particular na altura da sua aliança com os
Japoneses ou no seu apoio aos Árabes. Hitler deitou água na fervura e disse que
«o Japão também era ameaçado pelo Judeu, que não se lhe podia adaptar». Indo
mais longe, Rosenberg admitiu que os Japoneses, visto não estarem classificados
entre os não Arianos, poderiam, casar com alemãs sem «poluir o sangue nazi».
Finalmente, o professor de antropologia Hans Gunther explicou que «os
Nórdicos figuravam entre os antepassados dos Japoneses» {71}. O anti-
semitismo nazi, sem fundamento científico, sem nenhuma necessidade - apenas
0,75% dos Alemães eram judeus e todos queriam assimilar-se - transformou-se
assim numa farsa e veio a acabar numa tragédia.

O espaço vital
Hitler censurava a República de Weimar pela «sua fascinação por litígios
fronteiriços de pouca importância». O programa do partido, redigido por Feder,
previa a supressão dos tratados, o regresso às fronteiras anteriores, a constituição
de um grande Reich que agrupasse todos os Alemães. No Mein Kampf e no seu
«segundo livro», Hitler acrescentou a isto a noção de «espaço vital», tirada da
geopolítica de Haushofer, segundo a qual a extensão territorial de um país é
determinada por caracteres geográficos, históricos e econômicos idênticos, de
maneira a estabelecer «um equilíbrio entre a importância numérica do povo e a
qualidade e extensão do território que ocupa» {72}. Hitler nunca pensou numa
solução por meio da extensão da ciência e da técnica, e ainda menos por meio do
maltusianismo - pelo contrário, alegrava-se com o impulso demográfico do
Reich. Adotou a ideia de Mussolini a respeito das nações pobres, condenadas a
conquistar às nações ricas os seus meios de existência.
Os objetivos da política hitleriana foram definidos no Mein Kampf. Nesse
livro, Hitler previu um acordo a longo prazo com a Inglaterra, sem que o Reich
renunciasse completamente à sua vocação marítima e colonial, a exclusão da
França da sua posição de grande potência, e em seguida «a conquista da gleba»,
a Leste, contra a U. R. S. S. É verdade que nas suas variações tácticas, a política
de Hitler esteve cheia de contradições - designadamente com a assinatura do
pacto germano-soviético e a guerra contra a Inglaterra; isto resultou de que
Hitler era ao mesmo tempo um ideólogo fanático e um aventureiro oportunista,
para quem o que primeiro contava era a ocasião e o êxito imediato; mas embora
parecesse indeciso na prática, os seus objetivos foram sempre os mesmos e
chamavam-se U. R. S. S. Na U. R. S. S. e na Polônia, Hitler reencontrava a via
dos cavaleiros teutônicos, descobria o espaço enorme para colonizar, e tinha lá o
foco do comunismo que era preciso destruir, e ainda grandes massas de judeus
para exterminar. Pensava que a U. R. S. S. era o «flagelo da humanidade», por
causa dos Judeus, para quem a U. R. S. S. «era o paraíso». Em Julho de, 1941,
Hitler colocou na U. R. S. S. o centro da experiência político-racial que deveria
dar à Alemanha a supremacia na Europa; na mesma altura foi prevista a
expulsão da população russa, com o esboço de um «plano oriental de conjunto»
que Hitler considerava que viria a ser «a maior das suas realizações históricas».
No seu testamento de 1945, antes de se suicidar, Hitler ainda convidou a nação a
«opor-se impiedosamente, primeiro que tudo, aos envenenadores da
humanidade, a judiaria internacional». Judeu, comunista e russo eram sinônimos
{73}.
Uma vez alcançado esse grande desígnio, se fosse possível com o acordo da
Inglaterra, mas contra esta se fosse necessário, adquirir-se-ia territórios coloniais
em África e criar-se-ia o poderio naval suficiente para combater contra os
Estados Unidos, à frente da Europa, na luta final para o domínio do mundo.
Hitler deixava esta última fase aos seus sucessores. Assim, no Mein Kampf, já o
imperialismo alemão estava enleado nesta alternativa: tudo ou nada, vitória ou
desastre completo; ou o povo alemão realizaria o seu destino, impondo ao
mundo uma imutável uniformidade racial que afirmaria a sua superioridade, ou
desapareceria. Havia alguma coerência nesta loucura, de ambição desmedida,
cujo primeiro resultado seria o desencadear da segunda guerra mundial, a morte
de dezenas de milhões de homens, e, para o povo alemão, enormíssimas
destruições materiais e morais.
Os êxitos que teve, a hegemonia momentânea que exerceu, as dedicações
fanáticas que suscitou, fazem com que o nazismo ainda hoje tenha quem lhe teça
louvores {74}. Quem assim faz tem em pouca conta o poderio alemão e dá valor
excessivo aos regimes e dirigentes de um país. As vitórias militares da
Alemanha nazi foram ganhas pelo exército alemão tradicional - os generais SS
só tiveram derrotas; a eficiência econômica duradoura, foram obra dos
engenheiros e industriais alemães - Speer teve de usar os serviços destes em
1944, contra os nazis. A contribuição dada pelo nazismo foi o desprezo da
pessoa humana, o endeusamento do chefe, o terror generalizado, a vontade
ilimitada de conquista, os campos de concentração, o genocídio, dos Judeus, etc.
Numa palavra, o nazismo transformou o crime em instituição.
IV. OS FASCISMOS FRANCESES

Os historiadores não contestam, claro, que os fascistas francese tenham sido


numerosos e precoces; mas não concordam uns com os outros quanto à
existência de um autêntico fascismo. Para René Rémond, «a França apenas teve
as aparências de fascismo»; mas, para C. Willard, pelo contrário, houve um
fascismo francês específico, e, se não alcançou o poder, isso sucedeu porque os
antifascistas o impediram de se apoderar dele {75}. Talvez que o desacordo não
seja tão profundo como parece, se se tiverem em conta as diversas fases do
fenômeno, nacionais e internacionais, ou ainda a sua diversidade; assim, para E.
Nolte, a Action Française foi o primeiro agrupamento fascista da história - muito
anterior à primeira guerra mundial, portanto; D. Wolf, pela sua parte, distingue
em França: um «espírito fascista» literário, um fascismo forjado pela esquerda
para a sua propaganda, e um fascismo «normal», agrupado politicamente.
No entanto, toda a gente reconhece que os precursores do fascismo em
França, foram numerosos e antigos, a começar pelo bonapartismo - no qual
sociólogos americanos veem o antepassado, do fascismo. Também é geralmente
observado que o fascismo, além de não ter chegado ao poder em França, não
conseguiu unificar-se. Pela nossa parte, distinguiremos três partes. Antes da
segunda guerra mundial, a oposição à III República - com excepção do partido
comunista e de uma parte do partido socialista - exprimia-se de maneira
filosófico-agressiva na Action Française, e, de maneira mais militarizada, nas
«Ligas»: foi o período da tentação fascista. Durante os primeiros meses da
segunda guerra mundial, esta oposição acalmou na aparência, mas a derrota de
1940 deu-lhe ensejo para se expandir nos agrupamentos de colaboração da zona
ocupada: foi a fase da fascinação do nazismo. Finalmente, na zona
provisoriamente não ocupada, instalou-se o regime de Vichy, que pode ser
considerado a expressão da reação triunfante e fascizante.

Os antecedentes
Napoleão I e Napoleão III abriram caminho ao fascismo, com a ditadura, o
culto de grande homem, a busca do apoio popular pelo plebiscito, a restruturação
do corpo social - com uma nova nobreza ou a promoção duma classe de
negociantes. Na verdade, o bonapartismo exprimia tanto a revolução francesa
como o nacionalismo de inspiração jacobina. No século XX, tinha perdido toda a
implantação autêntica, salvo na Córsega, onde se mantinha de maneira mais
folclórica que política; a sua última encarnação foi o «boulangismo», que
nenhum fascista francês jamais invocou; se houve antepassado, estava esquecido
por completo.
O bonapartismo, aliás, era recusado pela Action Française, que o considerava
republicano. E. Nolte pôs em destaque os caráteres fascistas desta tendência
política {76}: favorável à autoridade, à hierarquia, à disciplina; contrário ao
individualismo, à democracia e à República parlamentar. Para a AF, como lhe
chamavam, o princípio supremo era a Pátria, encarnada no Estado, em nome do
«nacionalismo integral»; a AF exaltava a violência, a subversão; tinha os seus
grupos de choque - Os «bufarinheiros do rei » - que castigavam os mal pensantes
e eram numerosos entre os estudantes; insultava e emporcalhava os seus
adversários, de maneira nojenta {77}; era responsável pelo assassínio de Jaurès.
Afastava-se bastante do monarquismo tradicional de um Bonald ou de um
Maistre, e eram muitos os fascistas comprovados que tinham sido seus adeptos.
No entanto, a Action Française, embora admirasse Mussolini, não o imitava. No
seu entender, a ditadura devia ser muito provisória, para permitir o
restabelecimento da monarquia hereditária; pretendia que era necessário
regressar ao estado de coisas anterior a 1789, e desta maneira se afirmava
profundamente reacionária. Preconizava a ordem, a razão contra o instinto, o
classicismo contra o romantismo. O Estado não devia ser centralizador, mas sim
regionalista; devia apoiar-se nas elites tradicionais: a Igreja, o Exército, a antiga
aristocracia, os proprietários fundiários, numa palavra, os notáveis. Aliás, Léon
Daudet rejeitava qualquer analogia com o fascismo italiano. Assustada com «as
massas», que não podiam ser senão o povo de Paris de 1793 ou da Comuna,
desprezando-as, a Action Française era talvez um degrau para o fascismo, mas
não era o fascismo {78}.
Aconteceu ainda que a guerra, em França como na Itália, trouxe de novo ao
primeiro plano as ideias de eficiência, hierarquia e sentimento nacional; os
antigos combatentes lamentavam as querelas e inoperância dos partidos políticos
que tinham «desonrado» a vitória. Havia muitos grupos com fins eleitorais, que
pretendiam «agrupar os amigos da ordem» contra a subversão social; alguns
destes grupos, como as «Juventudes Patrióticas», tinham uniforme e
preconizavam um reforço da autoridade, com uma carta social. O feixe de G.
Valois inspirava-se diretamente em Mussolini. Operário da indústria do livro, de
inspiração proudhoniana e anarco-sindicalista, Valois foi seduzido pelo primeiro
fascismo italiano {79}. Quis reunir «socialismo e nacionalismo, o estado dos
combatentes e o dos produtores». Preconizou um socialismo hierarquizado à
maneira de Saint-Simon; pretendeu uma ditadura nacional, uma assembleia de
ofícios e outra de chefes de família, um sistema corporativo.
Embora Valois não tivesse êxito popular - os efetivos do seu movimento
político foram sempre esqueléticos - foi uma das expressões da intensa
fermentação que agitou os intelectuais franceses por alturas dos anos trinta.
Multiplicaram-se então os semanários e os inquéritos, em busca de uma terceira
via entre socialismo e capitalismo {80}, mais ou menos diretamente subsidiados
por negociantes - Lemaigre-Dubreuil, Coty - ou pelo consulado italiano em
Paris. O mais virulento destes grupos foi o do jornal Je suis partout (Gaxotte,
Brasillach, Bardèche), anti-bolchevique e anti-semita, que preconizava a
violência {81}. Os intelectuais, principalmente os novos, entram portanto no
combate político contra a República; mantêm-se frequentemente influenciados
pelo antigermanismo da Action Française e simpatizam mais com o fascismo
italiano - uma petição contra as sanções que a SDN aplicou à Itália teve centenas
de assinaturas de jornalistas, escritores, artistas ...{82}.
Esta fermentação atingiu aliás a esquerda socialista, sindicalista ou radical.
Em Front Commun e em La Flèche, Bergery e G. Izard diziam ser adversários
do sistema parlamentar, adeptos de uma ampla união dos trabalhadores
organizados em sindicatos e cooperativas; opunham-se simultaneamente aos
trustes e à ditadura de classe. A renovação italiana, o poderio recuperado na
Alemanha, atraíam estes intelectuais, perturbados pelo nacionalismo afirmado
pelos comunistas a partir de 1935 e assustados com a ideia de uma segunda
guerra mundial; a decadência da democracia afigurava-se-lhe irremediável. Esta
oposição de ideias contribuiu para desacreditar os partidos políticos tradicionais;
tendeu para esbater as fronteiras entre a direita e a esquerda; não foi ter por
completo ao fascismo, mas facilitou a sua eclosão, designadamente e em
primeiro lugar nas «Ligas».

As ligas e a tentação do fascismo


A crise econômica atingiu a França mais tarde e de maneira menos profunda
que as outras democracias liberais, as suas consequência is sociais foram menos
acentuadas, e, por conseguinte, a inclinação para a solução fascista foi menos
escorregadia. Mas a instabilidade política, os escândalos financeiros, suscitaram
uma crítica violenta contra o regime republicano, provocaram uma
bipolarização, com uma união dos partidos da esquerda na Frente Popular e uma
radicalização da extrema-direita nas «ligas facciosas», apodadas de fascistas
pelos seus adversários.
A mais forte das ligas foi a das Cruzes de Fogo. Este agrupamento de antigos
combatentes da guerra exaltava a fraternidade das trincheiras, a reconciliação
nacional, a primazia do espírito e dos valores morais. Tinha um ar fascizante,
porque seguia o chefe - o coronel La Rocque - , promovia reuniões motorizadas
e tinha um serviço de ordem. Pronunciava-se contra o capitalismo anonimo, o
marxismo, o jogo estéril dos partidos; preconizava a associação de «operários de
confiança» ao destino da empresa, a dispersão das empresas pelo país para
promover o «regresso à terra», o «culto da pátria», e o «amor pela ordem
francês». No imediato, recomendava que se reforçasse o Estado, se ampliassem
os poderes do presidente da República, se garantisse nas fronteiras a segurança
do país. Este movimento de massas chegou a ter 400 000 filiados. A sua força
causou preocupações aos poderes públicos. Dissolvido, o agrupamento
transformou-se em partido político - o Partido Social Francês - sem alterar a sua
doutrina mas dando maior acentuação ao antibolchevismo. A sua estruturação
dava ao partido a esperança de conseguir cem deputados no caso de eleições
legislativas; de facto, o partido jogava o jogo republicano; queria reformar, mas
não destruir; rejeitava o fascismo, por patriotismo, porque o fascismo se
identificava com os dois inimigos potenciais da França - a Itália e a Alemanha.
Este movimento, o mais temido pelos «republicanos», era na realidade um dos
menos temíveis. Aliás, o seu chefe previa que uma vez terminada a sua tarefa, o
partido se dissolveria automaticamente, incorporando-se na França {83}.
Foi muito diferente o fascismo verde de Henri d'Halluin, por alcunha
Dorgères, grande admirador de Mussolini e Hitler. Este agitador organizou uma
autêntica insurreição anti-republicana. Pedia apenas a adesão dos camponeses e
preconizava a ditadura, porque «a ditadura, em toda a parte onde se instalou,
colocou o camponês no primeiro plano». Não tinha fraseologia revolucionária;
fez campanha contra a lei das quarenta horas de trabalho por semana na
agricultura, contra o Estado burocrático, contra o professorado primário que
ensinava subversão, contra a instrução obrigatória até aos 14 anos . É certo que
Dorgères se inspirava também na doutrina social católica de La Tour du Pin e de
Le Play; pregava o regresso à terra, o voto familiar, preconizava um Estado
corporativo. Mas também organizou expedições punitivas contra camponeses
grevistas, era anti-semita; este autêntico fascista só não teve mais êxito - mesmo
assim, chegou aos 200 000 filiados em 1938 - porque a base social do seu
movimento, os pequenos e médios proprietários rurais, era muito restrita.
O Partido Popular Francês, fundado em 1936, procurava a adesão de uma
clientela completamente diferente. Depois de ter preconizado um «comunismo
nacional» e ter sido renegado por Thorez, J. Doriot saiu do do comunista;
arrastou com ele alguns militantes, e passou daí por diante a desabafar o seu
antibolchevismo virulento, o que lhe deu o apoio financeiro de banqueiros e
industriais importantes. O seu agrupamento político foi o único que recrutou
operários - 65 % dos seus filiados, segundo o jornal L’Emancipation Nationale,
num total de cerca de 300 000. Doriot rejeitava o liberalismo econômico,
propunha a supressão progressiva do proletariado pela participação nos lucros e
o acesso à propriedade. Ao mesmo tempo, pretendia «manter a existência das
classes médias, da pequena e média produção, do artesanato, do comércio, das
profissões liberais». Era evidente, e o futuro veio a confirmar isso mesmo, que
Doriot era um fascista puro e o mais perigoso de todos, porque foi capaz de
constituir um autêntico partido, recrutar e formar militantes e grande número e
influenciar as massas. No entanto, entre as duas guerras, Doriot não disse que era
fascista; falava de reformas, não falava em revolução. Embora se pronunciasse
contra o Tratado de Versalhes, «condenado pelos factos», embora verberasse a
excitação antialemã «que vem de Moscovo» e era difundida pelo partido
comunista francês, Doriot não mostrou ser um admirador de Hitler e Mussolini,
de quem se manteve alheio até certa altura {84}.
Não sucedeu assim com Bucard, que tinha sido um combatente muito
brilhante, fundador do Francismo, subsidiado pelo consulado italiano em Paris, e
definiu o seu movimento dizendo que «estava para a França como o fascismo
estava para a Itália». A sua «doutrina» era uma repetição,da ideologia
transalpina, mas nem assim captou grande número de aderentes. Também, não
sucedeu assim com o movimento da Cogula, que preparou uma conspiração
militar para colocar no poder um chefe prestigioso, Pétain ou Franchet
d'Esperey, e para fazer abortar a revolução «social-comunista», mas restringiu o
recrutamento dos seus membros a círculos restritos, para manter mais seguro o
segredo da conspiração.
Desta maneira os agrupamentos fascizantes e os declaradamente fascistas,
antes da guerra, foram muitos e diversificados em França; também foram rivais
uns dos outros. No entanto, há desertores que vão de um grupo para outro, os
inimigos a abater são os mesmos para todos e as suas «doutrinas» têm muitos
pontos comuns. Cada um procurava chegar a uma clientela determinada, para
acabar por atingir toda a sociedade: antigos combatentes com os «Cruzes de
Fogo» e o «Fascismo», camponeses com Dorgères, operários e quadros com
Doriot, exército com a «Cogula», como se um chefe de orquestra tivesse
organizado os naipes; é lastimável que as fontes financeiras destes grupos, talvez
comuns, não fossem mais conhecidas; a derrota e a ocupação iriam esclarecer
muitos pontos.

A colaboração ou a fascinação do nazismo


De facto, na metade ocupada da França, os grupos políticos tolerados pelo
ocupante, ou por este criados, uns e outros pagos pelos seus serviços, foram
simultaneamente colaboradores e fascistas - quer dizer que aprovavam
inteiramente a doutrina nacional-socialista {85} e desejariam que esta fosse
aplicada em toda a França.
Foi isso que os opôs ao regime de Vichy, com o qual acabaram por se unir ao
fim de diversas jigajogas {86}. As rivalidades entre os seus chefes, as clientelas
diferentes que procuravam, impediram estes agrupamentos de se reunirem; aliás,
o ocupante também não os incitou a isso, convencido de que o fascismo fortifica
as nações e os vencidos devem manter-se fracos.
Na verdade, os diversos grupos tinham efetivos muito escassos; os mesmos
fanáticos aderiam a diversos agrupamentos, e viam-se sempre as mesmas caras
nas manifestações, exposições, paradas e colóquios. Na Côte d’Or, quatro grupos
tinham menos de 800 aderentes, sendo 80 % na cidade de Dijon, o que
representava 0,33 % da população {87}, e mesmo assim, uma boa terça parte
aderiu por terem sido constrangidos a isso. A colaboração continuou a ser um
fenômeno urbano e marginal. Pode distinguir-se na colaboração três correntes
principais: os antigos extremistas da direita (Je suis partout, Deloncle); Doriot e
o «Partido Popular Francês»; antigos esquerdistas (o socialista Spinasse, o
radical Chateau, e, principalmente, o neo-socialista Déat) . Estes homens
censuravam uns aos outros as respectivas origens, e nem sempre estavam de
acordo. Mas estiveram todos de acordo para aprovar a capitulação de Munique,
condenar a declaração de guerra e repudiar os partidos políticos.
Dos seus temas comuns a todos, pode citar-se os três principais: a
colaboração, o anti-semitismo, o «socialismo» - tiveram uma audiência ampliada
porque a maior parte das suas ideias eram difundidas pela Imprensa denominada
de «informação».
Para estes agrupamentos políticos, o nacional-socialismo realizou uma
síntese harmoniosa entre as forças do passado e as exigências do futuro;
conseguiu conciliar as tradições e a revolução. Representa o espírito da
juventude, da renovação; é a virilidade afirmada; gera «o homem novo, o
homem do século XX»; é uma maneira heroica de conceber a vida, dura e pura,
sempre em busca da grandeza; além disso, é eficiente. Um homem encarna este
conjunto de valores, Hitler, «Prometeu dos tempos modernos»; de origem
popular, Hitler é o próprio símbolo da autoridade; conforme escreveu Marcel
Déat, Hitler soube «manter a própria essência do germanismo e projetar no
futuro a velha Alemanha».
Acima de tudo, Hitler protegeu o Ocidente contra o judeu-bolchevismo. Para
os colaboradores, o judeu era o mal encarnado. Le Pilori via no judeu «a vilania,
a duplicidade, a manha, a usura, a demagogia, tudo quanto é falso, feio, sujo,
repugnante, negroide» Esta condenação era racial e histórica. O judeu, diziam os
colaboradores, não tem país nem pátria; por conseguinte, só pensa no dinheiro,
vive apenas para ganhar dinheiro; o seu intelectualismo é dissolvente para uma
nação, tanto mais quanto ele consegue sempre deitar mão à imprensa, às
editoras, ao cinema, à rádio. Sendo assim, é preciso eliminar completamente o
judeu da vida francesa, e obrigá-lo a trabalhar para a colectividade nacional; não
se falava em campos de concentração ou genocídio, embora não faltasse quem
pedisse o assassínio.
Tivessem vindo da esquerda ou da direita, fossem antigos comunistas,
socialistas ou corporativistas, os colaboradores diziam todos que eram socialistas
nacionais. Este socialismo era primeiro que tudo francês; rejeitava Marx,
aceitava Proudhon, «o teórico do grupo social», admirava Fourier, «o grande
visionário», e, sobretudo, prestava homenagem a Saint-Simon, que previu «a
integração do trabalho na nação em base hierárquica». Este «socialismo é
vontade de concórdia nacional; implica o desaparecimento da luta de classes e
há-de realizar-se pelo corporativismo, reunindo o trabalho francês - patrões,
artífices, técnicos, operários». Este «socialismo», finalmente, sob o báculo da
Alemanha, conduzirá a uma Europa pacificada, a uma colaboração dos povos, e
não dos trustes {88}.
Os dois grupos de colaboração mais importantes, o Partido Popular Francês
de Jacques Doriot, e a União Nacional Popular, de Marcel Déat, exprimiam estas
ideias comuns, com pequenas variantes, tendo em vista clientelas diferentes.
Doriot, ainda antialemão, pelo menos em palavras, em 1939, e «marechalista»
em 1940, foi arrastado pelo seu antibolchevismo depois de Junho de 1941;
elevou à categoria de doutrina as suas rixas pessoais com o partido comunista.
Na verdade, houve dois PPF. O de Doriot tem amor aos comícios - Doriot é um
orador enérgico -, gosta da ação e da luta (Doriot foi um dos promotores da
«Legião dos Voluntários Franceses contra o Comunismo», foi para a U. R. S. S.
combater e morreu na Alemanha, atingido pelo fogo de um avião britânico).
Sobre esta matéria bruta, os intelectuais do P. P. F. - Drieu La Rochelle, A.
Bonnard, Ramon Fernandez - lançam um manto de ideias que surpreenderam o
«chefe» primeiro que ninguém. Os intelectuais diziam pretender um «Estado,
novo, moderno, autoritário, popular e corporativo; um Estado totalitário, uma
força independente que domine todas as outras». Neste nacional-socialismo
francês, Drieu La Rochelle prega uma bordadura de esteta. Celebra «o soldado
da velha guarda nazi, que regenera o homem»; admira «o homem hitleriano»,
que é uma combinação dos gangsters americanos, da legião estrangeira, da
aviação, um homem que só acredita nos atos».
Antes da guerra, o PPF tinha tentado aliciar as massas rivalizando com os
comunistas em demagogia. Depois de 1940, tentou atrair a clientela dos
pequenos burgueses, acompanhando-os nas suas queixas contra as grandes
empresas; procurou também captar a herança de Dorgères, atacando a vida
corrompida das cidades - nas quais Doriot, grande folgazão, se diverte à larga - e
defendendo a pequena propriedade camponesa. Mas o PPF, de facto, não
propunha nada que fosse positivo. A «revolução corporal» de Drieu La Rochelle
- generalização dos desportos, naturalismo, férias - podia ser combinada com
uma doutrina da produção e da sociedade; não fazia, no entanto, as suas vezes.
Talvez isto explique a diminuição do número dos seus aderentes, apesar de ter
mais recursos que anteriormente; este grupo não chegou provavelmente a ter 100
000 filiados. Em 1942, tinha 50 a 60 grandes secções e 150 a 200 grupos locais;
em Novembro do mesmo o seu «Congresso do Poder» reuniu 7200 delegados;
mas em 1943 houve um enfraquecimento considerável; só no fim de 1944, em
Sigmaringen, Doriot, o fascista francês preferido por Hitler, depois de ter sido o
comunista francês preferido por Estaline, teve acesso ao poder num
pseudogoverno de emigrados {89}.
O facto de Marcel Déat, rival de Doriot, ter passado a fascista depois de ter
pertencido à Frente Popular, só a primeira vista pode causar surpresa. Na
verdade, esta transferência foi a conclusão de um contínuo deslizar. A partir de
1930, Déat convenceu-se da incapacidade do socialismo parlamentar para
vingar; a partir daí, passou bater a tecla da organização da economia. Como o
socialista belga Henri de Man, Marcel Déat considerava necessárias uma direção
e uma planificação da economia que só poderiam ser conduzidas, não por
parlamentares incompetentes, mas sim por «grupos de técnicos» - ainda não se
usava o termo tecnocrata. Este filósofo foi influenciado pelas ciências sociais,
que então começavam a formar-se; apercebeu-se das características do
neocapitalismo, de cartéis, ao qual deveria corresponder um «neo-socialismo,».
Foi influenciado pela reação geral contra o intelectualismo e o cientismo, dos
quais o marxismo era a ponta de lança política; a organização autoritária dos
fascistas fascinou-o; em 1939, foi eleito deputado numa lista anticomunista
{90}.
Marcel Déat acreditava na necessidade de um partido que atacasse o Estado
por dentro, preparando élites novas e elaborando uma moral nova; desta maneira
foi conduzido à ideia de um Estado-partido nacional que se dirigia aos instintos
das massas. Uma República autoritária e um partido único - eram os dois pilares
de uma França integrada na Europa. Mas Déat, continuava a ter um «sotaque da
esquerda» que lhe tinha ficado do passado; não censurava a Revolução de 1789;
pretendia que se distinguisse entre os franco-mações «defensores da guerra» e os
que eram «pacifistas»; dizia que a supressão do proletariado não poderia deixar
de ser acompanhada pela do capitalismo, e é pouco provável que tenha recebido,
antes da guerra, os mesmos subsídios que Doriot. O que não se explica é que
este homem culto, que não era nada racista antes da guerra, se tornasse anti-
semita depois da derrota, afirmando que «a raça exalta a tomada de consciência
das diferenças». A União Nacional Popular procurava adeptos nos círculos
pacifistas, entre o professorado primário, no centro-esquerda. Mas debalde
multiplicou as suas filiais, com a ideia de estender a sua rede a toda a sociedade
francesa (juventude, docentes, famílias de prisioneiros de guerra, trabalhadores
velhos, camponeses, etc); nunca juntou multidões, e com certeza que o número
dos seus aderentes nunca excedeu 50 000 {91}.
Enquanto a Legião dos Voluntários Franceses contra o Comunismo (LVF)
foi a ponta de lança dos colaboradores no exterior contra o inimigo comum - a
União Soviética -, guarda avançada que não congregou mais de alguns milhares
de voluntários, quando se esperava que fossem 100 000 {92} - a Milícia foi o
exército de todos contra o inimigo do interior, a Resistência; esta Milícia, criada
na zona Sul por Laval, autorizada a fazer recrutamento e lutar na zona Norte, em
Junho de 1943, veio a acabar por aceitar Hitler como chefe, com o seu
comandante Darnand transformado em Waffen SS. A organização teve origem
no «Serviço de Ordem da Legião dos Combatentes», mas a clivagem entre os
agrupamentos de colaboradores e o regime de Vichy pode ser observada no facto
de pouco mais de metade dos membros do SOL se terem inscrito na Milícia,
apesar de o chefe dos dois agrupamentos ser o mesmo homem.
Os chefes da Milícia provinham da «Cogula»; os quadros pertenciam à
extrema-direita; muitos deles eram titulares e condecorados; eram notabilidades
- médicos, advogados, proprietários agrícolas, pequenos industriais. As praças
eram recrutadas entre operários, empregados, pequenos funcionários, e também
no subproletariado, quando não entre cadastrados e também entre a juventude -,
alguns alistaram-se para se furtarem ao Serviço de Trabalho obrigatório. A
Milícia nunca teve mais de 15 000 homens, e, em 1944, perdeu metade dos seus
elementos; em cada departamento, juntamente com os simpatizantes, apenas
juntava escassas centenas de aderentes. O seu elemento combativo era a «Franc-
Garde» e o seu serviço de informações trabalha em ligação estreita com as
polícias alemãs {93}.
Foram estes os «grandes» agrupamentos de colaboração. Outros ainda
tiveram menos êxito, embora vivessem com os mesmos subsídios e tivessem os
mesmos objetivos. Esses grupos foram os seguintes: «Partido Francês Nacional
Colectivista», de Pierre Clementi; a «Frente Franca», de Jean Boissel, ao qual só
se podia aderir provando ter ascendência rigorosamente «ariana» até aos avós
inclusive; a «Liga Francesa», criada por um antigo aviador, Constantini, que foi
declarado irresponsável após a Libertação; o «Movimento Social
Revolucionário», de Deloncle, um dos chefes da «Cogula»; um pouco mais
importante foi o «Francismo», de Bucard, o qual, no entanto, nunca foi além de
30000 aderentes nas duas zonas {94}.

Vichy ou a reação triunfante e fascizante {95}


A existência do Governo de Vichy na metade da França não ocupada, depois
do desastre da França, foi uma decisão tomada pelo vencedor para não ferir de
maneira violenta os sentimentos dos Franceses; mas o vencedor ficou na posse
de meios de pressão irresistíveis para assegurar a servidão do pseudogoverno
livre instalado provisoriamente {96} (subsídio de ocupação, linha de
demarcação, prisioneiros de guerra). Em vez de se limitar a administrar a França,
o marechal Pétain, novo chefe de Estado, pretendeu aproveitar a derrota para
regenerar a França através de uma Revolução Nacional.
O marechal proclamou que não imitava ninguém, e que o seu projeto
assentava na tradição nacional. De facto, um dos seus primeiros atos foi não
consentir que instituísse um partido único e, mais tarde, um movimento de
juventude único. A Revolução Nacional, que se inspirava na doutrina social da
Igreja, no socialismo de Proudhon, e, sobretudo, nas ideias da - os adeptos desta
desempenhavam papel importante entre os que privavam com o marechal - tinha
o objectivo de reconduzir a França à era pré-industrial duma economia rural e
artesanal {97}. Pretendia consolidar, ou restabelecer, os quadros tradicionais da
sociedade: a família, a profissão, a região. A sua divisa era «Trabalho, Família,
Pátria». Hostil em princípio ao capitalismo, mas ainda mais hostil ao socialismo
marxista, o regime de Vichy queria descentralizar a administração, dar ao Estado
o papel de árbitro e agente de polícia, conciliar operários e patrões por meio de
uma «Carta do Trabalho», numa organização corporativa, substituir o
individualismo pela solidariedade de grupo.
Nos seus fundamentos, portanto, este regime não era de modo nenhum
revolucionário, mas sim profundamente reacionário - «o outro nome da contra-
revolução», escreveu René Rémond. Mas era também uma ditadura que suprimia
partidos políticos e sindicatos, restringia as liberdades individuais, fazia prisões
arbitrárias, criava categorias de párias que eram excluídos em princípio e em
bloco da comunidade nacional - comunistas, judeus, franco-mações - utilizava
uma polícia política paralela (grupos de autodefesa, serviço de ordem da legião,
milícia), instituía uma censura rigorosa e a prática da delação.
Embora o fascismo fosse oficialmente rejeitado, a sua atração era muito
forte. O culto do marechal Pétain, pela amplitude, como pelo infantilismo, em
nada ficava atrás do de Mussolini; constituiu-se um sucedâneo de partido único
com a «Legião Francesa dos Combatentes ». Em Vichy voltam a aparecer, como
em qualquer fascismo: o nacionalismo integral, a organização hierárquica do
corpo social, a liberdade definida pelas obrigações para com o Estado, uma
intervenção da autoridade politica em todas as atividades da nação, a eliminação
dos «parasitas sociais», a fraseologia revolucionária, a afirmação da existência
de uma terceira via entre capitalismo e comunismo, uma radicalização da
sociedade francesa {98}.
Esta fascização latente tornou-se efetiva depois da ocupação da zona Sul, em
Novembro de 1942. Colaboradores notórios da zona Norte (Déat, A. Bonnard)
entraram para o Governo; e sobretudo, a criação da Milícia, comandada por
Darnand, promovido ao cargo de responsável pela ordem no Governo,
avermelhou o regime de Vichy com uma mancha de sangue, as violências de
toda a espécie, a tortura, os fuzilamentos; é verdade que o marechal Pétain
censurou estes excessos, mas tarde demais e sem nunca os reprimir; começou
por aceitar que fossem praticados em seu nome. Esta era uma consequência
inelutável da decisão de colocar a França, pela colaboração com o seu vencedor,
na Europa que este pretendia.
V. A EUROPA FASCISTA

Cada um dos dois grandes países fascistas - a Itália e a Alemanha - teve os


seus adeptos fora das suas fronteiras. O exemplo inicialmente seguido foi o da
Itália, pioneira do fascismo; mas, a partir de Setembro de 1939, a Alemanha nazi
arrastou todos os fascistas europeus. Com as suas vitórias militares, o fascismo
dominou em países que se tornaram satélites da Alemanha. Acrescentando a isto
que a Alemanha e a Itália se uniram, para o melhor e para o pior, no eixo
«Roma-Berlim», e com o Japão no «pacto tripartido», tem-se a impressão que se
constitui uma autêntica internacional fascista, com tendência para o
universalismo. Na verdade, todos os fascistas estavam unidos na mesma luta
contra os mesmos inimigos: o comunismo (apesar do pacto germano-soviético),
a democracia, os regimes liberais, os «metecos», e mais especialmente os
Judeus. No entanto, cada fascista na sua área geográfica exprime-se numa ração
num momento dado a sua história, com o seu passado, os seus problemas
internos e externos, os seus interesses e objetivos. significa isto que os fascistas,
embora todos se inspirem nos mesmos modelos e procurem a inspiração, e
frequentemente os subsídios de que vivem, em Roma ou Berlim, não são todos
vazados no mesmo molde. Cada um conserva um mínimo de caracteres
específicos. Além disto há querelas velhas, o mais das vezes questões de
fronteiras, que opõem uns aos outros os Estados fascistas - a Romênia e a
Hungria por causa da Transilvânia, regime de Vichy e República de Salo -, o que
leva a concluir que não houve verdadeiramente uma internacional, com as suas
instituições, uma direção aceite por todos, uma união real num só combate;
foram numerosos os atritos, e por vezes bastante ásperos, mesmo entre a Itália de
Mussolini e a Alemanha de Hitler {99}.

Os fascismos clericais
Parece-nos que se podem classificar assim os regimes que se instituíram, na
Áustria de Dollfuss, antes de se inserir no Reich alemão, e, mais
duradouramente, em Portugal com Salazar, mais tarde na Croácia e na
Eslováquia depois de 1940. O que diferencia estes regimes do da Alemanha nazi
é o papel primordial que neles desempenhou a Igreja Católica e os valores que
esta defende.
Na Áustria, que, depois da guerra de 1914-18, ficou como que uma cabeça
sem corpo, arruinada pela inflação e até ameaçada pela fome, monsenhor Seipel
instituiu um regime, sem dúvida parlamentar, mas muito conservador e baseado
num corporativismo inspirada na encíclica Quadragesimo Anno e na
colaboração de classes. Em seguida, o chanceler Dollfuss avançou ainda mais no
mesmo caminho; destitui o Parlamento, amordaçou a imprensa, esmagou uma
revolta de operários em 1934, proibiu as greves e apoiou-se num só partido - o
partido cristão-social. Foi uma ditadura branda, na qual os opositores
conhecidos, internados mas depois postos em liberdade, circulavam à vontade,
sem que nada de mau lhes acontecesse, em que a imprensa socialista, em
princípio clandestina, era distribuída quase às claras. A esta ditadura deparou-se
dois adversários - a Heimwehr e os nazis.
A Heimwehr do príncipe Stahrenberg tinha como adeptos os pequenos
proprietários, os antigos oficiais e funcionários da Áustria-Hungria desaparecida.
Este movimento, apoiado por Mussolini, era de carácter rural, provincial e
católico, opunha-se à «Viena Vermelha» e tinha como ideal uma sociedade pré-
industrial; os industriais subsidiaram este Movimento, por ser anti-socialista, o
exército deu-lhes armas e o clero tomou parte em missas ao ar livre por ele
organizadas, nas quais se juntavam grandes multidões. Dollfuss e o seu sucessor,
Schuschnigg, umas vezes combatem a Heimwehr - que Schuschnigg dissolveu
em 1936 - outras vezes servem-se dela, como milícia, quer contra os socialistas
quer contra os nacionais-socialistas austríacos que, dirigidos e sustentados por
Berlim, obtiveram grande adesão à ideia da ligação da Áustria ao Reich alemão.
Os nacionais-socialistas austríacos assassinaram Dollfuss; contra eles,
Schuschnigg tentou em vão formar uma união nacional, integrando os operários
em sindicatos oficiais, proclamando uma anistia geral; a sua base social
manteve-se sempre muito restrita; foi vítima, sobretudo, do abandono da Áustria
por Mussolini, depois da guerra da Etiópia e das sanções contra a Itália. Desta
maneira, o fascismo clerical austríaco foi vítima da vontade de expansão
hitleriana, que pouca oposição teve na Áustria - o episcopado e até o socialista
Karl Renner, chanceler em 1919, aprovaram o Anschluss de 1938.
O fascismo português, que beneficiou de circunstâncias mais favoráveis,
manteve-se durante cerca de cinquenta anos {100}. Quando o Prof. Salazar
entrou para o Governo, em 1928, foi a isso chamado como financista de renome,
com a missão de tratar um país muito doente por causa do abuso das revoluções
e da crise econômica e financeira. Os êxitos que Salazar obteve, nestas funções,
transformaram-no a pouco e pouco num «homem providencial» e os seus
poderes foram aumentando constantemente, sem golpes de Estado embora não
sem violência. O regime instituído por Salazar foi fascista porque apresentava as
seguintes características: rejeição do parlamentarismo, adoção dum sistema
corporativo, proibição da greve, enquadramento dos indivíduos, internamentos
de carácter administrativo; glorificava o chefe, o Salvador, difundia os mitos
nacionalistas, proclamava a vocação colonizadora de Portugal - o Ato Colonial
de 1933 fundou a unidade de Portugal e suas possessões ultramarinas. O regime
rejeitava a luta de classes e procurava a união da nação num corpo social
hierarquizado; aliás, o regime sucedeu a uma ditadura militar.
Mas Salazar rejeitava o totalitarismo, «que subordinaria tudo à nação e à
raça»; os Portugueses fazem mestiçagem com facilidade. Salazar manteve o
Estado clássico; sonhava um Portugal voltado para o passado, imóvel, agrícola,
pouco instruído, dirigido pelos notáveis, guiado pelos padres na via dos valores
familiares e morais cristãos. Assustavam-no as perspectivas proporcionadas pela
sociedade industrial, para a qual se orientavam os fascistas italianos e os nazis
alemães; apoiava-se nos grandes proprietários, mais do que na burguesia
industrial, aliás mais liberal que os agrários. Nestas condições, o regime era
tanto tradicionalista como fascista, embora, a partir de 1936, tentasse reunir as
massas, e agrupar a juventude. Apesar do seu anticomunismo, Salazar, durante a
segunda guerra mundial manteve-se neutral entre os dois campos, até que a
vitória dos Aliados fez com que se inclinasse a favor destes.

Falangismo e caudilhismo espanhóis


Para Maurice Bardèche, saudosista do fascismo, o fundador da Falange
espanhola, José António Primo de Rivera, é «um anjo que exprimiu o sonho do
fascismo», de certa maneira o fascista puro{101}. No entender de Primo de
Rivera, o Estado democrático não orienta o destino da nação; assiste aos
conflitos sociais e aceita o esmagamento dos fracos; além disso, o capitalismo
liberal conduz forçosamente ao comunismo; passa-se então para uma nova forma
de escravatura, «no triunfo do sentido materialista da vida e da história». Ora,
cada nação tem uma missão histórica a cumprir, e o papel do Estado é realizar
este destino nacional; cada homem , realiza o seu próprio destino participando
no da nação, ao serviço da qual deve colocar-se, e a isto chamava José António
«o sentido ascético e militar da vida».
Na realidade, a Falange foi uma reação contra o movimento operário
espanhol, em 1934; tomou parte na repressão da insurreição operária das
Astúrias. Havia nela duas tendências; uma, com primo de Rivera, admirador de
Mussolini, defendia um programa bastante moderado de reforma agrária,
intervenção do Estado na vida econômica, nacionalização do crédito; a outra
inspirava-se no anarco-sindicalismo espanhol e preconizava a supressão da
propriedade privada. Esta dualidade, análoga à que opôs os irmãos Strasser a
Hitler, teve o mesmo final na Alemanha: a ala esquerda foi eliminada. A Falange
tomou a sua parte na luta contra os republicanos; de todas as forças que se
colocaram junto do general Franco, a Falange era a única que tinha uma
doutrina. Mas não teve de a aplicar. Primo de Rivera morreu na guerra civil;
segundo, diz M. Bardèche, «valeu mais ele não ter entrado na terra prometida,
onde começam as partilhas, os arranjos, as arbitragens e os descontentamentos».
Isto porque o general Franco, uma vez ganha a guerra, soube utilizar-se da
Falange mas manteve-a afastada do poder. Na guerra civil, Franco foi apoiado
por uma coligação de proprietários agrários, militares do Antigo Regime,
negociantes e monárquicos tradicionalistas, com a benção da Igreja. Tornou-se
depois da vitória o chefe, o Salvador, o condutor (o Caudilho), na linhagem dos
ditadores que se sucederam uns aos outros no poder na Península Ibérica e na
América Latina. Manteve o partido único, mas assumiu pessoalmente a direção
deste, e evitou que o partido se instalasse em todos os postos do poder.
O regime instituído por Franco baseava-se na aliança dos militares com as
classes dirigentes, e, mais tarde, com os tecnocratas. É verdade que a atividade
era vigiada em todos os escalões e em todos os momentos, quer se tratasse da
educação familiar, dos costumes e das profissões. Mas não houve um partido
fanatizado por uma mística; foi uma ditadura profundamente reacionária; Franco
pretendeu imobilizar a sociedade espanhola, tal como Salazar em relação à
sociedade portuguesa; a Espanha voltou-se sobre si própria, buscando a via do
seu futuro nas lições do passado. O regime, a principio muito desconfiado em
relação à sociedade industrial, que edifica cidades desumanas e faz germinar a
revolta nas massas operárias, foi saindo a pouco e pouco, obrigado pela
necessidade, do maltusianismo econômico empobrecedor em que se tinha
confinado, e entrou no caminho de um crescimento progressivo e equilibrado.
Mas esta evolução, que favoreceu o capitalismo liberal, não foi acompanha por
uma liberalização política; os partidos e os sindicatos continuaram proibidos, os
movimentos autonomistas continuaram a ser reprimidos, as greves continuaram
a ser punidas. No exterior, o anticomunismo de Franco induziu-o a enviar uma
divisão para combater na U. R. S. S., mas o nacionalismo espanhol e a evidência
da debilidade do país, no fim da guerra civil, levaram-no a manter uma grande
prudência entre os dois campos em luta na segunda guerra mundial, o que lhe
evitou cair juntamente com o fascismo e o nazismo em 1945. O franquismo foi
um regime autoritário com um chefe que administrou, da maneira mais favorável
para os interesses dos vencedores, os êxitos da contra-revolução.

As ditaduras militares fascizantes


Nos Estados que surgiram depois da primeira guerra mundial, ou abalados
por este conflito, o exército desempenhou papel importante para garantir ou
manter a unidade nacional; instituiu-se frequentemente ditaduras militares depois
de experiências parlamentares desagradáveis, às vezes de acordo com as classes
dirigentes, mas, outras vezes, em conflito com estas e sem deixarem de sofrer a
influência da corrente fascista, então em pleno crescimento.
Na Turquia, Mustafá Kemal pretendeu a princípio instituir no seu país uma
democracia de estilo europeu; mudou de orientação ao verificar até que ponto a
falta de educação política das massas camponesas analfabetas dificultava a
aplicação dos seus planos de reforma. Na verdade, a sua intenção era romper
completamente com o passado, retirar todo o poder temporal ao «Comendador
dos Crentes» (o Sultão), laicizar o Estado e modernizá-lo - um tanto ou quanto
de acordo com as ideias dos «Jovens Turcos». Exerceu então a ditadura, apoiado
pelo partido único que se denominou «partido do povo»; os seus adversários
foram declarados traidores da nação; o Parlamento foi dissolvido e uma
assembleia nova, mais dócil, elegeu-o por unanimidade para o cargo de
presidente da República. O instrumento do poder era o exército, que servia de
elo de ligação entre as massas populares, de onde saíam os seus soldados, e a
burguesia, que lhe proporcionava os oficiais. Pode falar-se neste caso de
«fascismo de esquerda», na medida em que se fizeram distribuições de terras e
se promulgaram leis de nacionalização; mas o socialismo foi proibido e os
comunistas foram perseguidos. No fim de contas, o regime favoreceu o
capitalismo que começava a surgir no país, embora tivesse uma ampla base
popular.
Na Polônia, país essencialmente rural, onde a Igreja e a aristocracia
desempenhavam o principal papel, ameaçada no interior por uma tendência
crônica para a indisciplina e pelo grande número de habitantes de origem
estranha, e ameaçada do exterior por uma U. R. S. S. comunista e pelas
reivindicações de uma Alemanha ainda não nazificada, o general Pilsudski
tornou-se um herói nacional, e, como antigo socialista, paladino da revolução.
Efetivamente, quando o general Pilsudski marchou para Varsóvia, em Maio de
1926, repetindo a marcha de Mussolini para Roma, mas agora à custa de
combates sangrentos, foi apoiado pelos socialistas e por greves operárias.
Tornou-se então um autêntico ditador, embora fosse apenas o «primeiro
marechal da Polônia» e inspetor-geral do exército. Mas o seu carisma foi
suficientemente forte para poder fazer e desfazer os ministérios, até morrer em
1935. No entanto, manteve-se em teoria um pluripartidarismo, os jornais da
oposição eram tolerados, e o Estado não dominava completamente a vida
econômica; a polícia atuava, sem no entanto haver terror psicológico. Mas as
eleições eram falseadas, o Parlamento reunia raramente, os opositores eram
metidos na cadeia. Pouco a pouco, as classes dirigentes foram reassumindo o
poder; também no caso polaco, não se realizou o fascismo «de esquerda».
Na Grécia, foi com a aprovação do rei Jorge e depois de um período de
greves, que o general Metaxas suprimiu o Parlamento em Agosto de 1936.
Censurava a democracia, por causa da importância que esta dá ao racionalismo e
ao individualismo; suprimiu as instâncias jurídicas normais, e substituiu-as por
uma «Comissão da Salvação Pública» subdividida em comissões regionais,
constituídas por funcionários investidos de autoridade, juízes e polícias, que
tomavam decisões sem testemunhas nem advogados e das quais não havia
recurso. Os lugares públicos só eram concedidos a pessoas possuidoras de um
certificado do secretário de Estado da Salvação Pública. A juventude foi
agrupada no plano nacional, para dar ao partido os seus quadros e à nação as
suas élites. Mas enquanto Metaxas pretendia que se lhe prestasse culto, o rei não
queria que ele se tornasse um chefe. Mais ainda que Mussolini, o ditador grego
estava sob o domínio dos conservadores monárquicos; oficialmente, o rei
continuava a ser o chefe do exército. Metaxas teve de pôr de parte o seu projeto
de sistema corporativo; contentou-se com medidas sociais parciais - seguros
sociais, subsídios de maternidade ... Grande admirador do fascismo italiano,
transformou-se no entanto, em outubro de 1940, numa espécie de herói nacional
quando disse não às reivindicações de Mussolini e repeliu as tropas italianas
invasoras {102}.

Hitler e o fascismo europeu


Na Europa conquistada pelo exército alemão, entre 1939 e 1944, instituíram-
se por toda a parte regimes autoritários e de reação social. Os grupúsculos
fascistas pulularam então, dependentes de Berlim, que os subsidiava, alimentava
a sua propaganda, envolvia em operações policiais repressivas - contra judeus,
contra resistentes - acabando por amalgamá-los nas Waffen SS do exército
alemão. No entanto, para não entrar em choque com as populações, o ocupante
intervinha o menos possível nos negócios internos de cada Estado. Em geral, não
colocava automaticamente no poder os grupos fascistas que lhe eram dedicados;
preferia apoiar-se em personalidades com envergadura capazes de tranquilizar os
ocupados; foi assim que preferiu Pétain a Laval e Laval a Doriot; teria preferido
o rei Haakon em vez de Quisling, o rei Leopoldo em vez de Degrelle, etc. Os
grupos fascistas eram mantidos em reserva, como força de pressão sobre os
círculos dirigentes tradicionais.
O que interessava à Alemanha era a exploração máxima dos recursos de cada
país na sua contribuição para a vitória do Reich. Os métodos eram os mesmos
em toda a parte - subsídios de ocupação, clearing de sentido único, participação
nas empresas, exigências de mão-de-obra, etc. - e daí resultou uma certa
uniformização. Mas a propriedade privada não foi posta em questão; desejava-
se, solicitava-se até a «colaboração» das classes dirigentes. Nesta ordem de
ideias, observou-se em cada país uma adaptação à situação política e ao passado
histórico. Embora houvesse integração de facto no Grande Reich, e a repressão
policial estivesse generalizada, não é lícito falar da existência de uma autêntica
internacional - por exemplo, não existiu nada que se comparasse com o
Komintern. A fascização incontestável da Europa conquistada foi apenas a
transcrição ideológica da ocupação alemã e das suas necessidades.

A fascização da Europa ocidental


A primeira experiência foi tentada na Noruega, com Quisling. Este antigo
ministro da Guerra deixou-se seduzir pelas teorias de A. Rosenberg, numa
singular mistura d espírito autoritário, e romantismo; acreditava na superioridade
da raça ariana e via no judeu o vírus do comunismo.
A sua sociedade ideal era a sociedade de camponeses a trabalhar juntos para
o bem da comunidade; mas, como ministro, mandou tropas reprimir uma greve;
o seu nacionalismo norueguês levou-o a reivindicar a Islândia e a Groelândia.
Em 1933, fundou o partido «Nasjonal Samling», do qual se proclamou «Forer»
(Führer); formou uma guarda pessoal, imitação das SS. Introduzido por
Rosenberg junto de Hitler, sentiu-se fascinado por este. Colocado no poder pelos
Alemães, contra a quase unanimidade dos seus concidadãos - um erro que veio a
custar caro - Quisling quis integrar a Noruega «no quadro da grande união
germânica». Tentou colocar membros do seu partido nos lugares de presidentes
dos municípios e de conselheiros gerais, e também nos cargos superiores da
administração - e publicou um decreto que dava ao Governo poderes para
substituir os funcionários que não fossem dedicados ao partido. Criou um
«Tribunal do Povo» que julgava em última instância e sem recurso os delitos
políticos. Os professores foram escolhidos fora das autoridades acadêmicas, e as
bibliotecas foram depuradas. Criou-se uma nova organização sindical, a
«Federação do Trabalho», dirigida por uma comissão do partido; os próprios
desportos passaram para a direção do partido.
Portanto, Quisling pretendeu instituir um autêntico totalitarismo, mas não
conseguiu criar um Estado corporativo - porque a base operária se esquivou.
Organizou uma legião antibolchevique e um batalhão de SS que, no interior,
colaborou com a polícia alemã. Mas apesar do grande número de oportunistas
que o acompanharam, Quisling não conseguiu fazer-se aceitar pela opinião
pública norueguesa; a primeira consequência da sua instalação no poder foi a
partida do rei Haakon para Londres; os Noruegueses entendiam que a
legitimidade estava em Londres; Quisling não conseguiu fazer mais, ao fim e ao
cabo, do que transformar os seus concidadãos em inimigos da Alemanha {103}.
Na Holanda de antes da guerra havia uma crise permanente das instituições
parlamentares - nas eleições de 1932 houve 52 partidos concorrentes. O fascismo
nasceu com a crise econômica. Mussert, engenheiro civil de renome, fundou o
«Movimento Nacional-Socialista» em 1931; apenas com 1000 aderentes em
1933, este movimento atingiu os 50 000 em 1935 e teve 300 000 votos nas
eleições; desceu depois. A sua doutrina não era completamente nacional-
socialista, professava o antiparlamentarismo, a independência nacional, a luta
contra o abrandamento do sentimento nacional {104}; o anti-semitismo viria
mais tarde.
Mas, em 1940, Mussert estava disposto, como Quisling, a combater ao lado
dos Alemães. Foi mal recompensado por isso; escaldado com a experiência
norueguesa, Hitler entendeu que a base social do movimento holandês era muito
restrita. Como o que mais lhe interessava era que os Holandeses estivessem
quietos, e como a partida da rainha Guilhermina o privou de um interlocutor
legal, favoreceu a criação de um agrupamento mais amplo, a «União
Holandesa», capaz de captar maior número de aderentes. O comissário do Reich,
Seyss-Inquart, suscitou também a divisão no movimento de Mussert, em
proveito da fracção que pretendia a união da Holanda ao Grande Reich,
enquanto Mussert esperava que a Holanda, ampliada com a Bélgica e a Flandres
francesa, viesse a constituir uma zona avançada do Reich a ocidente. À falta de
melhor, Hitler manteve Mussert na direção do partido mas não lhe confiou
nenhum cargo importante, dando-lhe apenas o título, vazio de sentido, de Guia
do povo holandês; tudo o que Hitler pretendia dos 100 000 membros do partido
era uma colaboração policial e militar - 20 000 serviram na Wehrmacht. Ainda
antes de setembro de 1944, o partido de Mussert desfez-se; os seus aderentes
passaram a servir nas SS e a combater contra os Aliados a título individual.
Também na Holanda foi flagrante o insucesso do fascismo.
Na Bélgica, embora o rei Leopoldo se tenha mostrado algumas vezes
favorável à extrema-direita, a sua presença prejudicava alguns aprendizes de
chefes de pacotilha. Também neste caso, o ocupante não facilitou nada as coisas
aos seus amigos. O nacionalismo flamengo era o principal reservatório do
fascismo; adorando o folclore, cheio de misticismo romântico, afirmando que «a
língua é o povo», a maioria dos seus elementos pertencia à classe média,
entravada na sua subida na escala social por causa da predominância da língua
francesa. Os nacionalistas flamengos, visto serem francófobos, eram
germanófilos. A partir de 1933, o «Vlaams National Verbond», cujo chefe era
Staf de Clercq, adotou um estilo nazi para enquadrar a população, preconizou o
corporativismo, recrutou os seus grupos de juventude e a sua milícia. Mas o
ocupante não se interessou pelo futuro da Flandres; integrou pura e
simplesmente a legião flamenga nas SS; quando o sucessor de Clercq protestou
contra as tendências de anexação alemãs, a SS aborreceu-se favoreceu outra
tendência, a «De Vlag», que se pronunciou pela anexação da Flandres ao Reich
{105}.
A história do «rexismo» na zona dos Valões é ainda mais insignificante.
Degrelle era católico integralista, seguidor de Maurras, atacava o regime
parlamentar, e, subsidiado por Mussolini, obteve 11% dos votos nas eleições de
1936; nessa altura, não era realmente fascista; preconizava uma «revolução das
almas», a qual, sem recurso à violência, devia combater o comunismo e
favorecer a união de todos os Belgas. Mas, quando regressou de França, onde foi
internado em 1940, Degrelle recebeu subsídios alemães - como os Flamengos;
recrutou aderentes para a Wehrmacht. Como não era visto com bons olhos pela
SS, foi até ao ponto de proclamar a «germanidade» da Bélgica, incluindo a
Valónia, «pelo sangue e pela terra». Formou uma milícia que se colocou às
ordens do ocupante. Em conjunto, os fascistas belgas enviaram para a U. R. S. S.
duas «legiões», comandadas por oficiais alemães. Como os seus homólogos
franceses, o ocupante pagava-lhes, mantinha-os divididos e não lhes dava acesso
ao poder; esqueceram o seu nacionalismo para não serem mais do que criaturas
servis da SS.

Os fascismos da Europa central


Na Europa central, os Alemães serviram-se por vezes de grupos fascistas
como a «Guarda de Ferro» da Romênia ou os «Cruzes Frechadas» da Hungria,
outras vezes de minorias étnicas, na Eslováquia ou na Croácia - para falarmos
apenas destes quatro exemplos.
Na Hungria, as classes dirigentes, os grandes proprietários e a burguesia
negociante procuravam o apoio da Alemanha para a revisão dos tratados de
1918, revisão que desejavam, mas temiam o lado plebeu do nazismo {106}. Este
tinha mais audiência entre pequenos proprietários, oficiais subalternos,
funcionários de média categoria. O movimento dos «Cruzes Frechadas» foi
lançado por Perene Szalassi em 1935; dizendo-se anticapitalista, suscitou a
resistência da aristocracia e dos dirigentes húngaros; em contrapartida,
ultrapassou a pequena burguesia e infiltrou-se entre os operários escassamente
sindicalizados - mineiros, trabalhadores agrícolas, trabalhadores não
qualificados. Em 1939, tinha 250 000 aderentes e obteve 25% dos votos nas
eleições. Declarou-se então anti-semita e antimarxista. Mas Hitler preferiu que o
almirante Horthy continuasse no poder; só lá colocou Szalassi em 1944, quando
Horthy tentou em vão negociar com os Aliados. Na Hungria não se fez
amálgama de conservadores e fascistas.
Na Eslováquia, separada da Boêmia depois de Munique, desenvolveu-se uma
espécie de fascismo clerical; todo o ensino estava subordinado à Igreja; um
projeto de Constituição considerou o Estado eslovaco uma «comunidade cristã e
social»; o chefe do Estado era um padre, monsenhor Tiso. Foram suprimidos
todos os partidos políticos, com excepção do «Partido Populista»; um serviço
oficial da propaganda tinha o monopólio da Imprensa, os oposicionistas foram
internados sem julgamento e as empresas judaicas foram submetidas a um
processo de «arianização» {107}. Mas o facto mais notável foi que a Eslováquia
se tornou um satélite do Reich; foram concedidos privilégios excessivos à
minoria alemã, e a polícia de Bratislava era comandada pôr um alemão. Os
Alemães tinham de reserva um pequeno partido nacional-socialista dirigido por
Tuka.
Na Romênia, a «Guarda de Ferro», que, fundada pelo capitão Codreanu,
passou a ser dirigida, depois da morto deste, pelo estudante universitário Horia
Sima, combinava uma doutrina idealista com um comportamento sanguinário. A
doutrina era duma dureza espartana: «Vamos viver em pobreza», escreveu Horia
Sima, «acabar com qualquer possibilidade de exploração do homem pelo
homem, vamos sacrificar-nos pela Pátria e manter a nossa alta concepção moral.
» Na verdade, a Guarda constituía uma milícia, e, quando participou no poder,
procedeu a buscas, prisões, apreensões de bens a preços vis, e executou os seus
adversários: detidos políticos nas prisões, personalidades raptadas de suas casas,
como o historiador Jorga; o bairro judaico de Bucareste foi saqueado.
Na Romênia, como noutros lugares, Hitler não quis que houvesse desordem.
Apoiou o general Antonesco quando este se opôs à «Guarda de Ferro» numa
guerra de ruas. Antonesco tranquilizou a classe dirigente romena, mas o regime
que instituiu em numerosos aspectos era fascista: tendo adotado o título de
conducator, o general referia-se a si próprio na terceira pessoa; aplicou as leis
anti-semitas propostas pelo embaixador alemão (os Judeus foram expulsos do
exército, requisitados para trabalhos pesados, sujeitos a tributos enormes,
expropriados, e, por fim, deportados para uma província conquistada durante
algum tempo à U. R. S. S. e denominada Transínistria) ; no entanto, os
morticínios de Jassy (8000 a 10 000 pessoas em Junho de 1941) foram
cometidos pelos Alemães. Principalmente, a ditadura militar de Antonesco - o
seu Governo era constituído por generais - colocou a Romênia ao serviço dos
Alemães, embora o país não estivesse verdadeiramente ocupado; o único partido
político tolerado era o do grupo étnico alemão, que se transformou num Estado
dentro do Estado; «técnicos» alemães da Embaixada alemã fiscalizavam a
imprensa, a exploração do petróleo, o comércio externo; a partir de agosto de
1941, enviou-se operários para a Alemanha e um exército para a U. R. S. S. -
ficando Horia Sima mantido de reserva, na Alemanha.
Na Croácia, os «Ustachis» de Pavelic, em muitos aspectos pareciam-se com
a «Guarda de Ferro» romena. Pavelic, nacionalista croata que passou muito
tempo a conspirar no estrangeiro, foi colocado no poder com a proteção da Itália,
e depois da Alemanha; constituiu um partido único, apenas reuniu o Parlamento
uma vez, e, em teoria, coletivizou toda a economia - «os bens materiais e
espirituais, são propriedade do povo». Na verdade, o poder era essencialmente
terrorista. A raça croata foi proclamada «raça superior»; os Sérvios, tinham de
escolher entre converter-se ao catolicismo, emigrar ou ser exterminados. O
ministro dos Cultos proclamou: «Enforquem os Sérvios nos salgueiros»; foram
mortos entre 400 000 e 700 000 sérvios e cerca de 40 000 judeus. Nestes crimes
participaram franciscanos; o papa Pio XII concedeu audiência a Pavelic e até a
uma delegação da polícia «ustacha», contra o parecer de parte da Curia,
designadamente o cardeal Tisserand; parecia que aprovava estes crimes
horrorosos. No entanto, o «nacionalista» Pavelic aceitou a intrusão italiana e
alemã no seu país; assinou um tratado pelo qual cedeu à Itália a Eslovênia e a
costa dálmata; os Italianos e os Alemães fiscalizavam os meios de transporte e as
vias de comunicação, os correios e as minas; o exército croata foi enviado contra
os guerrilheiros de Tito. Os militares alemães assustam-se com abusos que os
prejudicam junto da opinião pública - a burguesia autonomista, dirigida por
Macek, separou-se do regime; mas Hitler manteve até ao fim a confiança que
tinha depositado no «Poglavnik » {108}.

Não se sabe se Hitler, se tivesse saído vitorioso da guerra, teria imposto a


todos os países vencidos um regime fascista «para durar mil anos»; é bastante
provável que o Führer pensasse, que o nacional-socialismo, que torna fortes as
nações, seria perigoso quando instituído nas nações hostis à Alemanha. Mas,
durante toda a guerra, embora os agrupamentos fascistas proliferassem, embora
por toda a parte a influência alemã substituísse a italiana, o certo é que Hitler
preferiu manter os seus adeptos fanáticos de reserva, entregando as rédeas do
poder a personalidades conservadoras mais conhecidas, cuja presença tornava as
populações mais dóceis.
VI. O FASCISMO FORA DA
EUROPA

A primeira guerra mundial travou-se essencialmente na Europa; os abalos


sociais, econômicos e nacionais que dela resultaram fizeram surgir movimentos
autoritários antiliberais e anticomunistas; fora da Europa, só o Japão, que entrou
na era industrial no fim do século XIX, sofreu tensões análogas às dos países
europeus. A segunda guerra mundial atingiu todo o globo, terrestre; separados da
Europa, alguns países sul-americanos começaram a industrializar-se, como a
Argentina e o Brasil. Outros Estados surgiram depois da guerra, na África e na
Ásia; para consolidarem unidades frágeis, adotaram o sistema do partido único
ou da ditadura militar. Quando os colonos brancos se sentiram ameaçados pelo
avanço da descolonização, criaram-se mentalidades de fundamento, racial na
África do Sul e na Argélia.

O fascismo japonês
No Japão não se formou um partido fascista poderoso; as facções que se
diziam fascistas até se combatiam umas às outras {109}, e o fascismo era até um
tanto rejeitado como produto vindo da Europa. No entanto, havia na sociedade
japonesa um mal-estar autêntico; especulação e escândalos, grande riqueza de
uns e miséria de outros, capitalismo avassalador com laivos de feudalismo, um
imperador teoricamente todo-poderoso mas de facto sem qualquer poder, sistema
parlamentar perturbado pela fraqueza dos partidos políticos e pelas eleições
falseadas, etc. A classe dirigente, divergindo das suas homólogas europeias - os
grandes proprietários e industriais japoneses -, nunca teve apreço pelas ideias
liberais; os trustes mantinham as estruturas fechadas das antigas famílias
associadas. A inflação prejudicou a pequena burguesia das cidades e os
camponeses; é verdade que o imobilismo da sociedade japonesa, o sentimento da
hierarquia social e a disciplina do povo japonês impediram as revoltas. Mas o
serviço militar obrigatório criou um corpo de oficiais vindos do povo, que
conheciam por experiência a miséria deste e não morriam de amores pelos
novos-ricos; por outro lado, a classe dos guerreiros, a pequena nobreza (os
Samurai), tendo baixado de categoria, tornou-se anticapitalista reacionária. O
fascismo foi recrutar os seus adeptos nestas duas categorias.
Mas o fascismo nunca foi um movimento de massas violento, «a explosão
vulcânica das paixões humanas» de que falava Hitler. Em vez de procurarem
promover transformações sociais, os fascistas japoneses faziam o possível por
atrair os círculos dirigentes, a começar pelo imperador; queriam monopolizar o
poder, apoiando-se na organização social existente. Unia-os a convicção da
superioridade da civilização japonesa. «A missão divina do nosso grande Japão»,
escrevia Ishihara Kanji, «é trazer a paz ao mundo, realizando uma síntese de
todas as civilizações.» Estavam todos convencidos ;de que a crise interna só
poderia ser debelada com a expansão externa; o Japão não só tinha o direito de
se defender - por exemplo da hostilidade dos ocidentais que o privavam de
matérias-primas - mas, dizia Kita Ikki, fundador do fascismo japonês, tinha
também «o direito de defender as outras nações contra as potências que se
apoderaram de grandes territórios sem terem em conta os direitos naturais dos
povos» - neste ponto o fascismo japonês aderia aos seus homólogos italiano e
alemão e adotava a teoria nazi do espaço vital.
Posto isto, surgiram entre os fascistas japoneses duas tendências. Alguns,
como Kita Ikki, confiavam em «Sua Majestade, o deus vivo,», para realizar um
golpe de Estado que associasse o imperador e o povo contra as classes
privilegiadas. Mas a maior parte, dando prioridade à crise externa, punha as suas
esperanças nas forças armadas; estas foram desempenhando um papel cada vez
mais importante, a partir das primeiras operações de guerra com a China;
apoiada por sociedades secretas, nas quais havia muitos oficiais novos -
assassinavam os políticos que não lhes convinham - e pelos antigos combatentes
organizados militar e espiritualmente, a atuação dos militares foi eliminando os
partidos políticos, a influência, dos intelectuais corrompidos pelo Ocidente e os
venenos do liberalismo e do marxismo (com o desemprego e a subida dos
preços, foram-se formando sindicatos e nasceram agrupamentos socialistas e
comunistas).
Pode falar-se em ditadura na medida em que toda a oposição foi aniquilada,
mas foi a ditadura de um grupo social, não a de um homem. Embora se fosse
implantando a pouco e pouco, a partir de 1940, um totalitarismo que instituiu um
sindicato único e um partido único, a integração da economia no esforço de
guerra, a supressão completa das liberdades, o certo é que a «revolução fascista»
não foi efetuada por um partido político novo, mas sim por um escol tradicional.
As massas foram afastadas do liberalismo e da democracia, para serem
submetidas a uma burocracia uniformizante e agitadas pela mobilização. O
fascismo japonês entrou em acordo, desta maneira, com as forças sociais
existentes; e submeteu-as ao seu domínio - até ao movimento do Mikado em
agosto de 1945. Mas não conseguiu organizar uma direção política unificada
para travar e ganhar a guerra de conquista - e muitos insucessos foram devidos a
rivalidades e má coordenação entre exército e marinha.

O fascismo sul-americano
A existência de minorias italianas e alemãs deu origem ao aparecimento de
algum grupúsculos fascistas ligados à mãe-pátria. Em especial na América do
Sul e Central, existia uma tradição de «caudilhismo» e pronunciamentos - quer
dizer, ditaduras de chefes militares, mais ou menos efémeras, instituídas a partir
de golpes de Estado. Do ponto de vista econômico, as riquezas nacionais
consistem na produção e exportação de matérias-primas e produtos primários,
umas e outros sujeitos às variações dos preços do mercado mundial e às
correspondentes crises de sobreprodução; mas, em virtude do corte com a
Europa depois de 1939, nasceu uma tendência para a industrialização que foi
alimentada com capitais norte-americanos e ficou quase sempre na dependência
deste. Socialmente, a casta dirigente tinha todo o poder político, às vezes com
uma aparência de jogo democrático; mas, como no Japão, os oficiais subalternos
do exército, vindos da pequena burguesia, irritam-se frequentemente com a
miséria do povo, a exploração das riquezas por uma oligarquia, a presença
dominante dos norte-americanos; desta maneira, o exército desempenha o papel
de parlamento; é no exército que os grupos de famílias se encontram frente a
frente. Mas a grande maioria da população, em especial os índios e em menor
grau os negros, mantêm-se passivos e indiferentes às lutas que os brancos travam
entre si - salvo no México, a partir de Juarez, e, mais recententemente, na
Bolívia e no Peru.
No Brasil, em 1932, Salgado lançou a «ação integralista brasileira», que se
inspirava no fascismo italiano e buscava os seus aderentes entre os pequenos
comerciantes, os funcionários de média categoria, os oficiais subalternos; era um
partido de juventude, que combatia ao mesmo tempo o comunismo, o
capitalismo yankee, o «pretenso» liberalismo e os Judeus. Com a milícia, o culto
do chefe, a organização hierarquizada, o movimento fascista brasileiro
reproduzia o fascismo europeu; mas, ao mesmo tempo, talvez em virtude da
influência de Salazar, Salgado rejeitava o totalitarismo; é certo que pretendia
anular os regionalismos e as classes sociais, libertar o Brasil da ingerência dos
yankees e tornar o seu país um campeão de uma nova ordem sul-americana. Mas
era também profundamente religioso, e afirmava, não sem se contradizer, que
era necessário respeitar a pessoa humana. Salgado não chegou ao poder, mas foi
nele que se inspirou o presidente Vargas, eleito em 1930, embora o combatesse;
assim, o presidente Vargas suprimiu os partidos políticos, proibiu as eleições,
conferiu à polícia poderes excessivos e procurou industrializar o Brasil enquanto
afirmava a sua independência nacional. Ao mesmo tempo, para combater mais
eficientemente o comunismo, que começava a surgir, o presidente Vargas
instituiu o seguro social, o dia de trabalho de oito horas, o contrato de trabalho;
criou assim uma clientela fiel na população pobre dos arrabaldes das grandes
cidades, mas causou com isto uma grande inquietação nas classes dirigentes
tradicionais; nasceu assim o «getulismo», bastante parecido com o bonapartismo
do Segundo Império. Em política externa, Vargas começou por ser a favor das
potências do Eixo, antes de colocar o Brasil ao lado dos Aliados - como Salazar.
Os oficiais superiores derrubaram-no em 1945, exprimindo a hostilidade da
oligarquia brasileira.
Na Argentina, o «peronismo» ou «justicialismo» pareceu-se com o
«getulianismo» brasileiro. O coronel Perón pretendeu fazer o desenvolvimento
industrial sob a direção do Governo e quis dar uma grande amplitude ao
movimento sindical, mas também sob a direção do Estado. Colocado no poder
por eleições, nas quais teve 56 % dos votos, nacionalizou os caminhos-de-ferro e
a fabricação de armas; elaborou uma legislação operária. Ajudado pela mulher,
Eva, que se dedicou a obras de assistência aos humildes, Perón, transformou-se
no homem providencial, não da classe média, como Hitler na Alemanha, mas
sim dos operários e camponeses pobres (os descamisados), enquadrados numa
forte e dócil Confederação Geral do Trabalho. Fundiu os partidos políticos e
exerceu um poder pessoal, policial, caracterizado por demagogia verbal mas
populista. Teve contra ele os intelectuais, que consideravam insuficientes as
liberdades, a burguesia dos grandes proprietários e o corpo de oficiais superiores
do exército, que se opunham às reformas sociais; uma vez unidas, estas forças
hostis derrubaram Perón. O justicialismo pode ser considerado fascismo
demagógico de esquerda {110}.
África: nasserismo e «apartheid»
Pode usar-se a mesma expressão quando se fala do nasserismo no Egito. O
coronel Nasser, oriundo da pequena burguesia, reuniu à sua volta camaradas que,
como ele, se sentiam feridos no seu orgulho nacional e no seu sentimento de
justiça, para derrubar, em 1952, o regime corrupto do rei Faruk. No sistema
autoritário que instituiu, o chefe de Estado tem todos os poderes: os partidos e as
assembleias, legislativas foram suprimidas, as empresas jornalísticas foram
nacionalizadas e colocadas sob direção governamental, criou-se um partido
único, a «União Nacional». Ao mesmo tempo, promoveram-se reformas
econômicas e sociais importantes, como a divisão dos latifúndios, grandes obras
públicas (barragem do Nilo), a planificação da economia. Em muitos aspectos,
esta ditadura lembra a da Mustafá Kemal; também se inspira no nazismo por
anti-semitismo, que aqui se tornou anti-sionismo (Nasser fazia parte do grupo de
egípcios que tiveram contacto com Rommel quando este se aproximou de
Alexandria, e muitos nazis refugiaram-se no Egito depois da guerra) {111}. Mas
difere muito do paganismo nazi e do laicismo de Kemal, pela sua defesa
intransigente dos valores do islão; a mística que anima a ditadura de Nasser é
nacional e racial, não há dúvida, mas ainda é mais religiosa do que outra coisa
qualquer. Desta maneira, o juramento que Nasser pede à multidão que preste:
«Oh Deus, tu amas os fortes, tu detestas os fracos», está de harmonia com o
estilo guerreiro do Corão. É verdade que Nasser combate o movimento
extremista religioso dos Irmãos Muçulmanos, tal como combate os comunistas e
os agentes americanos. A sua doutrina não é exportável para fora do mundo
árabe, mas ultrapasse o Egito e dirige-se a todos os países árabes - o nasserismo
(como os regimes de predominância «baasista» do Iraque e da Síria, ou a
ditadura de Khadafi na Líbia), conduz naturalmente a um pan-arabismo
agressivo, multinacional.
No outro extremo, desenvolveu-se um racismo com fundamento religioso na
África do Sul, entre os Africânderes. Fundou-se a partir a partir de 1912 muitas
seitas político-religiosas, inspiradas na Bíblia, as quais proclamavam que o povo
africânder, resultante da emigração de protestantes holandeses e franceses, era
um povo eleito e predestinado para dominar as raças inferiores {112}. Estas
seitas infiltraram-se profundamente no poder político, e alguns dirigentes
políticos foram seus membros; o seu ponto comum principal é a vontade de
manter o poder dos brancos numa região onde estão em minoria junto de uma
grande massa de negros, vontade que se exprime na prática rigorosa duma
segregação denominada «apartheid»; os negros são confinados a trabalhos
servis, regressam aos seus bairros depois de trabalharem nas casas dos brancos,
são privados de direitos cívicos, não podem ter propriedade privada e só
aproveitam alguns restos da prosperidade econômica do país.
Este racismo declara-se nacional, pela vontade de acabar com o estatuto de
Domínio na Comunidade Britânica {113} e pela afirmação de uma língua «que
não é europeia nem africana», o africânder. Mas nestes movimentos não há chefe
miraculoso nem partido único; não há demagogia socializante que se exalte, nem
anticapitalismo preconizado por princípio. No entanto, a existência de uma forte
minoria alemã facilitou os laços com o nacional-socialismo hitleriano e o
aparecimento de anti-semitismo, que se tornou especialmente virulento quando
no país procuraram refúgio alguns judeus fugidos da Alemanha. A crise
econômica dos anos trinta não teve reflexos no país e as classes médias de modo
nenhum se sentiam em situação perigosa, as tensões produzidas pela
industrialização não surgiam entre classes, mas sim entre raças, pois quase todos
os operários eram negros. O fascismo africânder, como o nasserismo, associou-
se intimamente com uma situação dada num certo país; mas tinha vocação para
também ultrapassar este enquadramento restrito e se afirmar num pan-
europeismo inimigo dos nacionalismos negros; pelo menos podia ser um bastião
da raça branca, como colonizadora.

Os Estados Unidos e o fascismo


Já dissemos e repetimos que as democracias anglo-saxônicas opuseram um
dique muito forte à vaga fascista. No entanto, a própria Grã-Bretanha teve de
dissolver, mas só em fins de 1940, o minúsculo partido fascista de Mosley. Nos
Estados Unidos, onde as seitas religiosas proliferam, onde as minorias étnicas se
mantêm agrupadas, mesmo quando estão assimiladas, nasceram mas não
conseguiram prosperar muitos movimentos mais ou menos aparentados com os
fascismos europeus; em 1923, desfilaram «camisas negras» em Nova York; em
1933 fundou-se a associação «Amigos da Nova Alemanha», e ainda hoje existe
o «Partido Nazi Americano» de G. L. RockwelI, que, com alguns milhares de
aderentes, proclama a necessidade de pôr a funcionar câmaras de gás para judeus
e comunistas, e às vezes organiza expedições punitivas contra pacifistas ou
judeus. Mas, nas eleições presidenciais e legislativas, estes grupos extremistas
nunca tiveram mais de um milhão de votos; por conseguinte, este fenômeno
continua a ser marginal.
Em todo o caso, há motivo para perguntar se não existe nos Estados Unidos,
de maneira permanente, uma espécie de terreno onde o fascismo poderia
germinar. O primeiro facto é o racismo, antinegro, que conduz a uma vontade de
segregação e às linchagens do «Ku-Klux-Klan» - que ainda tinha alguns milhões
de membros em 1923. O segundo elemento é um anticomunismo primário, que
engloba, no vocábulo bolchevismo, o socialismo, o sindicalismo operário e o
liberalismo intelectual; este anticomunismo deu alento à histeria da caça às
bruxas do macartismo; proporcionou milhões de aderentes a clubes, e por vezes
um candidato à presidência, como Wallace ou Goldwater. A transcrição
americana destes fermentos de fascismo consiste no seguinte: isolacionismo,
alimentado pelos rancores dos americanos do Middle-West; hostilidade dos
rurais para com as cidades e o grande capital; xenofobia para com tudo quanto se
assimila mal no cadinho americano (eslavos, latinos, mexicanos, judeus, porto-
riquenhos); crenças na existência de uma América antiga ideal, anglo-saxônica e
puritana, a cujos valores é preciso regressar para salvar o país. Estas tendências,
durante a guerra, exprimiram-se no movimento «Primeiro a América», e dá-lhes
alento qualquer insucesso, americano no exterior, qualquer crise no interior; no
entanto, tais tendências estão longe do fascismo, e ainda mais longe do nazismo.
Contra o seu alastramento contribuem: as mudanças constantes de populações, a
força da minoria judaica, a estabilidade da vida política, o profundo liberalismo
da população - um caso como o de Watergate, em que uma campanha de
imprensa provocou a abdicação de um presidente da República, é impensável
fora dos Estados Unidos. Só se pode falar em fascismo americano se se fizer
confusão entre capitalismo e fascismo - uma explicação que é mais partidária
que histórica.
VII. TENTATIVA DE
EXPLICAÇÃO

Parece-nos que mostramos que o fascismo é simultaneamente uno e


múltiplo; em cada país, encontra no passado nacional alguns dos seus elementos,
mas também utiliza o seu fundo comum para modelar o presente e preparar o
futuro. Este fenômeno histórico, cuja originalidade não se pode negar,
manifesta-se em toda a parte quase ao mesmo tempo. Como se explica isto?
Sociólogos, politólogos e até psicanalistas têm estudado apaixonadamente este
problema; não vamos referir-nos às suas análises, não por não terem interesse,
pois, pelo contrário, são esclarecedoras em mais de um aspecto, mas sim porque
essas análises são de natureza muitíssimo geral e tendem para ver mais a
unicidade do fascismo que as suas metamorfoses no tempo e no espaço {114}.
Os historiadores, e a estes nos limitaremos, dedicaram-se em grande número a
este problema e a verdade é que não estão de acordo. O historiador italiano
Renzo de Felice distinguiu três tendências principais, a saber {115} :
A primeira tendência, que se desenvolveu logo nos começos do fascismo
italiano e foi expressa em particular por Piero Gobetti, Benedetto Croce,
Meinecke (seguindo Jacob Burkhard), Ritter, vê no fascismo «uma doença moral
da Europa». O fascismo não faz parte do curso da História, é um desvio, um
cancro da democracia liberal; circunstâncias fortuitas facilitaram a sua formação,
mas não pode deixar de desaparecer quando essas circunstâncias desaparecem.
Esta ideia de «parêntesis de História» foi expressa pelo procurador-geral Mornet,
quando deu o seguinte título a um livro de recordações e reflexões sobre o
regime de Vichy: «quatro anos a riscar da nossa História» {116}. Meinecke, por
exemplo, pensa que quando um mau uso da liberdade conduz a uma anarquia
cada vez maior, as «massas» renunciam aos seus privilégios elementares e
submetem-se à ditadura. Mas nos séculos anteriores já houve alguns incidentes
deste gênero; no entanto a história da humanidade decorre no sentido de um
progresso geral, material e moral, que uma regressão passageira como a do
fascismo não pode interromper, embora o entrave - chegará o momento em que
as águas voltarão ao talweg já traçado de uma vez por todas. Esta interpretação,
que poderia ser denominada moral ou otimista, foi a de contemporâneos que se
sentiram profundamente chocados com os métodos e depois com os crimes do
fascismo; ignora que o verme já estava metido no fruto muito antes de ter
aparecido. Vimos que o fascismo não resulta de geração espontânea; tem
antecedentes e sequelas. E na História, as mesmas causas produzem os mesmos
efeitos. Muito pragmaticamente, a rainha Hortense ensinou ao filho, o futuro
Napoleão III, que os povos se deixam apanhar duas vezes na mesma armadilha.
A segunda tendência, que poderia denominar-se nacional, ou pessimista,
expressa designadamente por Nino Valeri e Denis Mac Smith em relação à
Itália, e por E. Vermeil relativamente à Alemanha, entende, pelo contrário, que o
fascismo é o produto lógico, se não mesmo necessários, do desenvolvimento
histórico de alguns países - assim, em 1923, Paul Hazard acusava o
temperamento italiano e a sua pouca consciência política para justificar a
aceitação do «poder forte»; da mesma maneira, E. Vermeil, para compreender o
nazismo, regressa até Lutero. Portanto, o fascismo estaria sempre latente,
nalguns povos de certa maneira predestinados, e surge com força explosiva
quando a conjuntura o favorece. Esta explicação tem a vantagem de pôr em
destaque este aspecto primordial, até mesmo motor, do fascismo: o
nacionalismo; sugere a vigilância para impedir qualquer possível retorno. No
nosso entender esta explicação, no entanto, não tem em conta, de maneira
suficiente, as circunstâncias excepcionais - guerra e crise mundial, a respeito das
quais voltaremos - devido às quais o fascismo se afirmou e que ligam o fascismo
mais o seu tempo que com o passado. Também não se tem em conta, nesta
explicação, que o fascismo, nos países onde triunfou, só chegou ao poder com
dificuldades e passando muitas vezes à beira da derrota; o fascismo não era
«necessário».
A última tendência, e não a menos importante, tem inspiração marxista; é a
tendência mais difundida, mais geralmente aceite. Em termos gerais, esta
tendência assimila fascismo e capitalismo.

Fascismo e capitalismo
A assimilação das duas forças não foi sempre completa. Os socialistas, Blum
em primeiro lugar, raciocinando com base no fascismo italiano, entendiam que o
fascismo só podia prosperar em países atrasados, de economia rural, e estava
condenado de antemão nas nações industrializadas onde a classe operária se
encontrava bem organizada, política e sindicalmente. Daí resultaram os erros de
previsão quanto às probabilidades de êxito de Hitler, e a profecia da queda dos
efetivos nazis depois da semiderrota, eleitoral de 1933.
Os comunistas - Os comunistas alemães em primeiro lugar - viram no
fascismo uma forma radicalizada do domínio burguês; as suas raízes
mergulhavam na democracia liberal, condenada em bloco; os sociais-
democratas, que preconizavam uma transformação progressiva da sociedade
burguesa, eram pura e simplesmente sociais-fascistas traidores - outro erro de
visão, na prática mais grave que o precedente, porque tornou impossível a
formação de um bloco social-comunista, a única possibilidade, como vimos, de
impedir o acesso dos nazis ao poder; em França, o acordo concretizou-se na
Frente Popular, e a tentativa de golpe de 6 de Fevereiro de 1934 gorou-se à
nascença.
Hoje, há uma enorme literatura histórica, em geral de origem comunista ou
comunizante, que vê no fascismo uma forma de determinismo econômico, um
aspecto necessário do imperialismo econômico. Na origem desta ideia está uma
afirmação de Estaline, em 1935, ao dizer que «o fascismo era a ditadura
terrorista declarada do capital financeiro». Radek acrescentava que «a ditadura
fascista era o aro de ferro com o qual a burguesia procura consolidar o barril
desconjuntado do capitalismo». Uma definição mais completa foi dada por
Dimitrov no VII Congresso da Internacional Comunista, ainda em 1935: «O
fascismo é uma ditadura terrorista declarada (as mesmas palavras de Estaline)
dos elementos mais reacionários, mais calvinistas, mais imperialistas do capital
financeiro» - definição que põe em destaque não só a economia como também o
nacionalismo agressivo do fascismo; quando a U. R. S. S., nessa altura, se sentiu
diretamente ameaçada, o partido comunista Soviético começou a fazer
ressuscitar o patriotismo russo e a preparar alianças no exterior, com grupos
políticos ou Estados impressionados com o perigo nazi. Mais tarde,
concretizaram-se melhor as ligações entre capitalismo e fascismo. O primeiro
engendra o segundo quando atinge «a fase da concentração monopolista e do
imperialismo», isto é, quando o capital industrial e o capital financeiro se
fundem e se formaram os grandes trustes que se lançaram à conquista dos
mercados internacionais.
O escritor Daniel Guérin levou mais adiante a análise da pressão capitalista
sobre o fascismo {117}. Põe em causa a indústria pesada, que em grande parte
vive de encomendas de armamentos e se pronuncia, portanto, a favor de uma
política de prestígio, força militar e imperialismo. A vontade de poder explica-se
pela dimensão das empresas. Por outro lado, o volume enorme dos investimentos
obriga os grandes industriais a mostrarem-se muito rigorosos em matéria de
salários, e a serem autoritários e duros para com os seus operários. Pelo
contrário, a indústria ligeira, interessada na exportação, prefere a paz social e
uma política, de contratação, em vez da maneira, forte; mas nada faz para
impedir que o fascismo vença {118}.
Esta tendência aceita, portanto, a inevitabilidade do advento do fascismo na
perspectiva histórica da evolução do capitalismo {119}; também ignora todos os
acidentes de percurso nos quais o fascismo poderia ter tropeçado, e até se ter
desmembrado; dá uma importância mínima à ação dos homens - como Mussolini
e Hitler - cujo papel pessoal se afigura, no entanto, fundamental. Em certa
medida, esta tendência contribuiu para que se cometessem erros de táctica entre
os antifascistas, designadamente na Alemanha, porque os comunistas, ao
considerarem o fascismo como uma última reação de um nacionalismo com a
corda na garganta, podiam inferir daí que o fascismo, pela sua própria existência,
podia contribuir para a inevitável decrepitude do capitalismo {120}; ao fim e ao
cabo, o fascismo era menos perigoso que as democracias liberais, onde o
capitalismo existia e atuava à vontade; a tempestade era preferível às águas
mansas. Foi talvez este o cálculo feito por Estaline quando assinou o pacto de
não agressão com Hitler.
A assimilação entre o fascismo e o capitalismo tem o mérito de pôr em
destaque uma constante: os grupos fascistas não podem atingir o poder sem o
auxílio multiforme das classes dirigentes, e mais particularmente dos industriais;
depois disso, ficam na classe de devedores destes e acabam por colocar-se às
suas ordens - embora esta afirmação não seja válida quanto ao «nasserismo» e ao
«prónismo». Tem também a vantagem, para aqueles que a aceitam, de eliminar
qualquer assimilação e até qualquer comparação entre fascismo e bolchevismo;
finalmente, é tão boa para a luta que os comunistas travam, que não pode passar
sem um acrescento de propaganda. Mas, na realidade, as objecções que se lhe
podem fazer não são de somenos.
Em primeiro lugar, falar de «capitalismo monopolista» é talvez lançar um
bom estribilho de propaganda, mas com certeza que é ser inexato. Nenhuma
economia de nenhum pais «capitalista» está submetida a um monopólio
absoluto. A burguesia capitalista não é homogênea; afora circunstâncias
excepcionais, em que pode formar bloco, está dividida em grupos rivais cujos
interesses nem sempre se conciliam, e até por vezes se opõem {121}. Por outro
lado, se o fascismo é uma manifestação necessária do capitalismo, como se
explica que nunca se tenha desenvolvido - ainda que aí tenha lançado à terra
algumas sementes - nas cidadelas do capitalismo que são a Inglaterra, e, ainda
mais do que esta, os Estados Unidos? Como se explica que a crise mundial dos
anos trinta tenha dado origem ao fascismo na Europa, e não na América, onde a
crise começou e teve a amplitude máxima? {122}. A contrário, apareceram
variantes do fascismo, talvez semifascismos mas com origens no tronco comum
e alimentados com a mesma seiva, em países que ainda se encontravam
subdesenvolvidos, onde a classe dirigente era constituída por proprietários
fundiários, e não por capitalistas industriais e financeiros - Hungria, Romênia,
Argentina, Espanha, etc. Na Itália e mais ainda na Alemanha, onde a classe
dirigente era com certeza muito diferente, o fascismo surgiu quando esta classe,
longe de triunfar, estava na defensiva. Mantém-se, portanto, uma dúvida: quando
soa a hora do fascismo? Quando o capitalismo pede socorro, ou quando triunfa
num «monopólio imperialista»?

Algumas observações
Parece-nos, portanto, que o fascismo é um complexo histórico diversificado
e variável demais para poder ser reduzido a um fenômeno moral, um
nacionalismo total e pervertido ou a conclusão, preferimos limitar-nos a alguma
observações a respeito do advento do fascismo, seu conteúdo humano, objetivos
e métodos.
A primeira observação é que o fascismo nasceu no contexto duma crise
europeia de gravidade excepcional e sem precedente: uma guerra mundial que
alterou o equilíbrio de forças, com graves consequências demográficas e
econômicas, que provocou azedumes e rancores, mobilizou uma massa de
manobra - os antigos combatentes - à disposição dos agitadores; uma crise
política e moral, que prejudicou o funcionamento das instituições democráticas e
as desacreditou; finalmente, uma crise econômica e mundial que proletarizou
uns, roubou trabalho e esperança a outros e pôs em perigo o poder dos dirigentes
políticos e econômicos. Uma conjunção como esta, como é evidente, tem poucas
probabilidades de se reproduzir. Mas a evolução geral da sociedade capitalista dá
origem, com a sociedade de massas, a uma inquietação que podem provocar
tanto a desordem como o recurso a uma autoridade tranquilizadora.
Segunda observação: o fascismo é um fenômeno interclasses. É verdade que
exprime principalmente as apreensões das classes médias; mas, conforme vimos,
só chegou ao poder com o apoio das classes dirigentes e só se manteve no poder
com uma aprovação popular bastante ampla - quer esta tenha sido espontânea ou
forçada. Conviria acrescentar a isto mais uma dimensão: a adesão de alguns
intelectuais {123} (Heidegger, Yeats, T. S. Eliott, Ezra Pound, Pirandello,
Richard Strauss, Konrad Lorenz, Celine, Drieu La Rochelle, etc.). O fascismo
exprime, portanto, uma certa globalidade nacional, e a necessidade de a ele
recorrer poderia sentir-se de novo se as circunstâncias a isso fossem
propícias. Bardèche vai ao ponto de afirmar: «Todo o homem sinceramente
patriota tem dentro de si a semente do fascismo.» {124}
O fascismo é o irmão inimigo do bolchevismo; os elementos que o fascismo
toma do bolchevismo, utiliza-os para o combater; Hitler, no Judeu, quis rachar
de meio a meio o criador do bolchevismo. O objectivo primordial do fascismo,
ainda que não seja o primeiro no tempo, é destruir o comunismo. Lenine
predisse: o fascismo é a última forma que tomarão, para sobreviver, as
sociedades que não capitularem sem luta perante a ditadura comunista. O recurso
à ditadura fascista pode ser, portanto, a última defesa duma sociedade que não
acredita ter outra alternativa para a ditadura do proletariado.
Finalmente, os métodos do fascismo criaram escola; reabilitaram a violência,
e nunca o extermínio dos adversários - reais ou supostos - assumiu tão grandes
proporções como no último conflito mundial. É verdade que a violência é de
todos os tempos; é verdade que, teoricamente, não há razão para que a violência
seja apanágio privilegiado do fascismo. Mas é um facto que o nazismo, com os
internamentos arbitrários, as rusgas, as torturas, os campos de concentração, o
genocídio dos Judeus e dos Ciganos, deu à violência a sua maior dimensão e de
uma maneira muitas vezes gratuita. Ora, para melhor o combater, os seus
adversários tiveram de adotar os métodos do próprio fascismo - o
bombardeamento de Dresde em abril de 1945, a bomba atômica de Hiroshima
também são genocídios. O mundo entrou na era da violência, que se tomou o
modo de expressão até daqueles que se proclamam antifascistas - e é talvez por
isso que daqui por diante cada um será sempre o fascista de outro.
Convém acrescentar que o fascismo perverteu alguns valores morais
tradicionais - ordem, patriotismo, disciplina, solidariedade de grupo, autoridade.
Não é estranho à rejeição destes valores por grande parte da juventude do
mundo. Mas, por outro lado, uma frouxidão excessiva, uma sociedade
demasiado permissiva, multiplicando as desordens, desenvolvendo um
sentimento de insegurança, criando a convicção duma decadência, poderiam
fazer nascer uma certa saudade duma autoridade perdida - sobretudo se um mal-
estar econômico (inflação, desemprego) aumentasse as dificuldades de vida do
dia-a-dia, suscitando preocupação quanto ao futuro. O fascismo poderia
reaparecer então como remédio para uma doença crônica das democracias; o
recurso à autoridade seria a resposta ao excesso de liberdade, e os chefes
poderiam voltar a recrutar os seus soldados entre aqueles que perdem com a
civilização tecnológica - viu-se isso em França com o fogo passageiro do
pujadismo. {125}
Em resumo, parece-nos que o fascismo é uma força política em grande, parte
original e nova, que voltou a pôr em questão o conceito do homem e da
sociedade do século XIX, sem abalar as estruturas desta. Desenvolveu-se em
virtude de circunstâncias excepcionais entre as duas guerras; mas a sua derrota
não o fez desaparecer por completo, e, talvez mudando de pele, esta fênix falsa
pode muito bem renascer das cinzas {126}.
NOTAS DE RODAPÉ

I. QUE É O FASCISMO?
{1} Vem de «feixe»: reunião das espingardas no repouso, ou: atributo do
lictor na Roma antiga.
{2} Com excepção talvez de Nietzsche, cuja obra Hitler se gabava de ter
devorado, mas a propósito da qual o ditador alemão acumulava manifestações de
ignorância nas conversas que tinha com os seus íntimos; quando o Führer quis
oferecer um presente bonito ao seu amigo Mussolini, mandou-lhe as obras
completas de Nietzsche.
{3} Mas o fascismo também se desenvolveu em países que não tinham
tomado parte na guerra, que não tinham antigos combatentes (na América do
Sul, por exemplo).
{4} Cf. a nossa Seconde guerre mondiale, t. I, p. 275 e sgs.
{5} É isto que diferencia o fascismo das ditaduras militares, que exercem o
poder com o apoio dos quadros dirigentes e são impopulares.
{6} Para não falar dos aristocratas alemães que entraram para a SS, como o
príncipe de Hohenlohe, agente de Himmler na Suíça.
{7} Elemente und Ursprünge totalitarer Herrschft, Frankfurt, 1965.
{8} Segundo Ribbentrop, os nazis antigos sentiam grande surpresa quando
descobriam que tinham semelhanças com os antigos bolcheviques.
{9} Cf. a nossa Seconde guerre mondiale, t. I, p. 228-230.
{10} Alguns dos atributos de Estaline: guia imortal da Humanidade, pai dos
povos, a nossa luz, o gigante do pensamento e da ação, o maior titã de todos os
tempos, a águia da montanha e da revolução, etc.
{11} Edições Richelieu, 1973, pp. 87-109.
{12} Falta-nos espaço para apurar porquê o fascismo não triunfou em toda a
parte; falhou em especial nos países anglo-saxões; mais exatamente, nesses
países apenas se manifestou em grupúsculos insignificantes; sucedeu a mesma
coisa em França. As causas deste insucesso, são várias: antiguidade, solidez e
bom funcionamento das instituições democráticas (Estados Unidos, Inglaterra e
Domínios), ou oposição eficaz dos partidos políticos proletários (Frente Popular
em França, mas a explicação perde validade após a derrota de 1940). Também se
pode observar que as nações protestantes foram terreno mais estéril que as
católicas (pode até falar-se num fascismo clerical na Áustria, Croácia, Espanha,
Portugal).

II. O FASCISMO ITALIANO


{13} Cf. Léo Valiani, La resistenza italiana, Storia e politica, Janeiro-Junho
1975.
{14} P. Guichonnet, Mussolini et le fascisme, PUF, 1966.
{15} Nino Valeri, Da Giolitti a Mussolini, Florença, 1956; Salvatorelli e Mira,
Storia d’Italia nel período fascista, Einaudi, 1961; F. Catalano, L’Italia dalla
dittatura alla democrazia, Milão, Lericr, 1962.
{16} Antes de a franco-maçonaria ser dissolvida, Mussolini recebeu da loja
de Palermo as insígnias do 33.º grau, conferidas como homenagem natural.
{17} O que levou Paul-Boncour a chamar-lhe «César carnavalesco».
{18} E. Nolte, op. cit., t. II: Le fascisme italien.
{19} G. Vaccarino, «Mussolini devant ses biographies». Revue d’histoire de
la deuxième guerre mondiale, Abril de 1957.
{20} Max Gallo, L'Italie de Mussolini, Perrin, 1964.
{21} Curso sobre o fascismo dado em Moscovo em 1935, in Recherches
internationales à la recherche du marxisme, 3.º trim., 1971.
{22} Cf. Gallerano, A Frente Interna, número especial da Revue d’histoire
de la deuxième guerre mondiale, acerca da Itália, Outubro de 1973.
{23} Guido Quazza e outros, Fascismo e societá italiana, Turim, Einaudi,
1973.
{24} Y. Vujosevic, «A ocupação italiana» (na Jugoslávia), Revue d’histoire
de la deuxième guerre mondiale, Julho de 1972.
{25} F. Magri, La democrazia cristiana in Italia, t. I, Milão 1954.
{26} O debate do regime corporativo foi uma das poucas discussões livres
do fascismo; uma ala esquerda, com Ugo Spirito, queria que as corporações
substituíssem os proprietários.
{27} Capoferri, Venti anni con fascismo et con i sindicati, Milão, Gastaldi,
1957.
{28} Em memória do apelido da criança que teria dado o sinal de uma
revolta antíaustriaca em Génova, em 1746.
{29} M. Ostenc, «A Juventude Italiana e o Pascismo», Revue d’histoire de
la deuxième guerre mondiale, Abril de 1974.
{30} E. R. Tannenbaum, The fascist experience, Italian Society and culture,
New York, 1972.
{31} O Movimento Socialista Italiano (MSI), criado em Dezembro de 1946,
agrupou a princípio antigos fascistas com fins de auxílio mútuo; em 1948,
apenas teve 520 000 votos, ou seja, 2 % dos sufrágios; em 1953 teve 1582 000,
ou seja 5 %; a partir daí, tem mantido as suas posições. O seu programa,
inspirado no da República de Salo, diz ser «social e revolucionário». Está
dividido em «tendências», uma que defende o racismo e anti-semitismo nazis -
tardios e fracos no fascismo de Mussolini; mas também voltou aos métodos
ativistas dos «esquadristas» o desordens de rua.

III. O NACIONAL-SOCIALISMO
{32} Claude David, Hitler et le nazisme,PUF, 1969; René Alleau, Hitler et
les sociétés sécrètes, Grasset, 1969.
{33} Mosse, The crisis of German ideology, Intellectual origins of the third
Reich, New York, 1964.
{34} E. Vermeil, «As Ideias de Meinecke sobre as Origens da Catástrofe»,
Revue d’histoire de la deuxième guerre mondiale, Outubro de 1951.
{35} A. Kruck, Geschichte des Alldeutschen Verbandes, Wiesbaden, 1954.
{36} G. Castellan, «Forças de Oposição ao Advento do II Reich», Revue
d’histoire de la deuxième guerre mondiale, Outubro de 1959; Bracher ete., Die
nazionalsozialistische Machtergreifung, Colonia, 1960.
{37} W. Gorlitz, H. Quint, Adolf Hitler, eine biographie, Stuttgart, 1952;
Max Dornarus, Hitler, reden und proklamationen, Warzburgo, 1962; W. C.
Langer, The mind of Adolf Hitler, New York, 1972; E. Jaeckel, Hitler
idéologue, Calmann-Lévy, 1973.
{38} Baldur von Schirach, nas Suas Memórias, escreveu que «só pode haver
Hitler num povo que deseja e quer ter um Hitler».
{39} W. Schaefer, NSDAP, Frankfurt, 1958.
{40} J. Sigmann, Qu’est-ce-qu’un nazi?, Friburgo, 1948.
{41} G. Castellan, op. cit.
{42} D. Orlow, The history of the nazi party, Pittsburg, 1973.
{43} D. Orlow escreve: «A história do partido nazi constitui a lenda de
revolucionários destruídos pela lógica incoerente dos seus próprios valores.»
{44} R. ManwelI, EI. Fraenkel, Hermann Goering, Londres, Heinemann,
1962.
{45} Id., Goebbels, ibid, 1960.
{46} H. R. Trevor-Ropper, The Borman letters, Londres, 1954; J. Wulf,
Martin Bormann, Hifiers-Schatten, Güterhsloh, 1962.
{47} E. Vermeil, «Himmler», Revue d’histoire de la deuxième guerre
mondiale, Janeiro de 1955; é mais difícil de avaliar a influência, que de facto
existiu, de Otto Meissner, na Chancelaria presidencial, que Hitler manteve, e de
Lammers, na Chancelaria do Reich, que pretendeu ser um superministro.
{48} Dr. E. Neusüss-Hunkel, Die SS, Hannover e Frankfurt, 1956; G.
Reitlinger, The SS, alibi of a nation, Londres, 1956.
{49} J. Billig, L’hitlérisme et te système concentrationnaire, Paris, PUP,
1967.
{50} C. W. Sydnor, «A Divisão SS Totenkopf», in Revue d`histoire de la
deuxième guerre mondiale, Abril de 1975.
{51} E.N. Peterson, The limits of Hitler power, Princeton, 1969.
{52} M. Brozsat, Der Staat Hitlers, Munique, 1969
{53} De 31 gauleiters, 8 não quiseram sobreviver a Hitler.
{54} Op. cit.
{55} L’ordre noir, histoire de la SS, Castermann, 1968.
{56} David Schoenbaum, Hitler’s social class and status in nazi Germany,
New York, 1967.
{57} H. J. Winkler,. Legenden um Hitler, Berlim, 1961.
{58} H. E. Kannapin, Wirtschaft unter Zwang, Colonia, 1966; G. Badia,
Histoire de l'Allemagne contemporaine, Edições Sociais, t. II, 1962.
{59} Até então a fórmula do juramento era: «Servir o povo e a pátria»;
passou a ser: «Jurar obediência absoluta a Adolfo Hitler.»
{60} G. Buchheit, Soldatentum und rebellion, Rastatt-Baden, 1961; T.
Taylor, Sword and Swastika, Nova Iorque, 1952.
{61} G. Zahn, German catholics and Hitler’s war, Londres, 1963; Th.
Wurm, Erinnerungen aus meinen Leben, Estugarda, 1953.
{62} E. K. Bramstead, Goebbels and national-socialist propaganda,
Imprensa da Universidade do Estado de Michigan, 1965.
{63} Oron. J. Hale, The captive press in the third Reich, Princeton, 1964; Z.
A. B. Zennan, Nazi propaganda, Londres, 1965.
{64} R. E. Herzstein, «Hitler e o Mito Histórico pelo Filme», in Revue
d’histoire de la deuxième guerre mondiale, Janeiro de 1976.
{65} D. Strothman, Nationalsozialistisch Literatur, Bonn, 1968.
{66} H. Brenner, Die Kuntspolitik des National Sozialismus, Hamburgo,
1963.
{67} Nationalpolitische Erziehungsanstalten.
{68} W. Klose, Generation im Gleichschritt, Hamburgo, 1964. Na verdade,
a crença nazi no imobilismo das raças contraria a teoria darwiniana da evolução.
{69} D. Bracher, Die Deutsche díktatur-Entstechung Struktur, Folgen des
nationalsozialismus, Colonia, 1972.
{70} O. Wormser, Le système concentrationnaire nazi, PUF 1968.
{71} E. Presseisen, «O Racismo e os Japoneses», Revue d’histoire de la
deuxième guerre mondiale, Julho de 1963.
{72} K. Jonca, «Nas Origens Jurídicas da Grande Alemanha», Revue
d’histoire de la deuxième guerre mondiale, Outubro de 1974.
{73} K. Hildebrandt, O Programa de Hitler, ibid., Outubro de 1971; Norman
Rich, Hitler’s war aims: ideology, the nazi state and the cause of expansion,
Nova Iorque, Norton, 1973.
{74} Cf. Bardèche, op. cit., pp. 52-53. «O fanatismo tornado princípio de
salvação», dizia Thomas Mann, «com o entusiasmo a degenerar em êxtase
epiléptico, a política transformada em estupefaciente para as massas.»

IV. OS FASCISMOS FRANCESES


{75} René Rémond, «Ya-t-il un fascisme français?», Terre humain, Julho de
1952; J. Plumyene e R. Lasierra, Les fascismes français, 1923-1963, Le Seuil,
1963; C. Willard, Le Front populaire, la France, 1934-1939, Editions Sociales,
1973.
{76} L’Action Française, Julliard, 1970.
{77} Maurras chamava constantemente a Léon Blum «triplo cão, chacal,
camelo» e Daudet ameaçava-o com «a faca da cozinha»
{78} Cf. E. Weber, L’Action Française, Stock, 1953, pp. 156-158
{79} Cf. P. Milza, M. Benteli, op. cit., pp. 173-174
{80} Cf. o excelente livro de Ph. Machefer, Ligues et Fascisme en France,
1918-1939, PUF, 1974.
{81} Relatando uma «História da França», na qual Albert Bayer punha em
relevo o papel desempenhado pelo povo, Brasillach ofereceu-se como voluntário
para manter o autor num campo de concentração!
{82} A maior parte dos signatários apareceram em Vichy.
{83} Depois da derrota, o partido não colaborou; embora fosse afastado do
poder em Vichy, não se identificou com o regime; mas muitos dos seus membros
desligaram-se dele e aderiram à Resistência. Cf. Ph. Machefer, Os aspectos da
ação do coronel de La Rocque, Revue d’histoire de la deuxième guerre
mondiale, Abril de 1965.
{84} Cf. D. Wolf, Doriot, du communisme à la collaboration, A. Fayard,
1969.
{85} Salvo Je suis partout, que continuou a admirar Mussolini.
{86} Por exemplo, Doriot foi marechalista até 1942, e Déat andou muito
ligado com P. Laval até se incompatibilizar com este.
{87} Cf. Gounand «Les groupements de collaboration dans une ville
occupé», Revue d’histoire de la deuxième guerre mondiale, Julho de 1973.
{88} Cf. Michèle Cotta, La collaboration, Armand Colin, 1964.
{89} Cf. D. Wolf, op. cit; G, Soucy, «Le fascisme de Drieu La Rochelle»,
Revue d’histoire de la deuxième guerre Mondiale, Abril de 1967.
{90} Y. Durand, Bohbot, «La Collaboration politique dans les pays de la
Loire moyenne», Ibid., n.º 91, Julho de 1973.
{91} A surpreendente evolução dos espíritos pode ser observado no caso de
M. Déat: expulso do partido socialista por ter votado a favor das verbas
militares, veio a ser derrotista; em contrapartida, entraram para a Resistência
muitos socialistas que tinham votado contra as verbas militares.
{92} C. J. Delarue, Trafics et crimes sous l’occupation, Fayard, 1968.
{93} J. Delperrie de Bayac, Histoire de la Milice, Fayard, 1969; M. Luirard,
«La Milice française dans la Loire», in Revue d’histoire de la deuxième guerre
Mondiale, Julho de 1973.
{94} Cf. ibid., número especial, «Visages de fascistes français», Janeiro de
1975.
{95} Esta designação parece-nos preferível ao horroroso «fascistóide»,
geralmente adotado.
{96} Cf. o nosso Vichy, année 40, Robert Laffont, 1966.
{97} O «melhor operário da França», galardoado em Vichy em 1942,
recebeu o prêmio por ter construído por si só uma locomotiva.
{98} Cf. R. Bouderon, «Le régime de Vichy était-il fasciste?», Revue d’histoire
de la deuxième guerre mondiale, n.º 91, Julho de 1973.
V. A EUROPA FASCISTA
{99} Não falando do racismo hitleriano em relação aos Japoneses.
{100} Cf. Christian Rudel, Salazar, Mercure de France, 1969, 276 pp.
{101} M. Bardèche, Qu'est-ce que le fascisme? «Les Sept Couleurs», 1970,
pp 62-70
{102} Harry Cliadakis, «Metaxas et la deuxième guerre mondiale,» in
Revue d’histoire de la deuxième guerre mondiale, Julho de 1977.
{103} Paul Hayes, «Quisling's political ideas», in Journal of contemporary
history, N.º 1, 1966.
{104} Paape, «Le mouvement nacional socialiste en Hollande», Revue
d’histoire de la deuxième guerre mondiale, Abril de 1967.
{105} J. Willequet, «Les fascismes belges», Revue d’histoire de la
deuxième guerre mondiale, Abril de 1967; Els de Bens, «La presse de
l'occupation», ibid., Outubro de 1970.
{106} M. Lacko, «Les Croix fléchées», ibid., Abril de 1966.
{107} M. Vietor, «L'évolution, de l'Etat slovaque», ibid., Outubro de 1963.
{108} A palavra «chefe» em croata; cf. Dincic, «L'Etat oustacha», ibid.,
Abril de 1973.

VI. O FASCISMO FORA DA EUROPA


{109} T. Furuya, «Sur le fascisme japonais», Revue d’histoire de la
deuxième guerre mondiale, Abril de 1972.
{110} M. Badèche (op. cit., pp. 133-145) gostaria de colocar Fidel Castro
entre os fascistas, em virtude da mística de libertação nacional que inspirou o
chefe revolucionário cubano. Mas não o faz porque Fidel Castro consentiu numa
«revolução abalada por bandos armados, arrastada pela populaça», quando «o
fascismo não consente a desordem e a anarquia; é um meio de salvação que se
impõe ao povo, nunca permite ao povo excedê-lo e conduzi-lo». Esta reserva
parece-nos ainda mais apropriada em relação a Perón.
{111} Os nazis, durante a guerra, criaram ligações com os nacionalistas
iraquianos, indianos, argelinos, tunisianos...
{112} O «Osserva Bandwag» (que chegou a ter 400 000 aderentes), os
«Camisas Cinzentas», a «Ordem Nova», o «Movimento Nacional-Socialista
Gentílico Sul-Africano», a «União Alemã do Sudoeste Africano».
{113} Na segunda guerra mundial, a África do Sul hesitou em juntar-se à
Inglaterra e só combateu em África, não tendo enviado quaisquer contingentes
para fora do continente africano.

VII. TENTATIVA DE EXPLICAÇÃO


{114} Encontrar-se-á um bom exame crítico a este respeito em P. Miza, M.
Benteli, op.cit., pp. 87-109
{115} Gli interpretazioni del fascismo, Bari, 1973.
{116} Ou pelo general De Gaulle, quando, na Câmara Municipal de Paris,
em 24 de Agosto de 1944, recusou proclamar a República porque esta nunca
tinha deixado de existir.
{117} Fascisme et grand capital, reedição, Maspero, 1965.
{118} A análise é subtil, mas escapa-lhe a teimosia de muitos factos: o
fascismo desenvolveu-se em muitos países sem indústria pesada, como a
Espanha, Grécia, Hungria, Portugal... Em França, entre os principais
comanditários das «ligas» encontram-se o perfumista Coty e o magnate da
eletricidade, Mercier...
{119} Clara Zetkin dizia que «o fascismo era o castigo do proletariado por
não ter sabido continuar a revolução russa».
{120} A partir de 1926, na Itália, Gramsci e depois dele Togliatti notaram
no fascismo, pelo contrário uma força política que reforçava e rejuvenescia o
capitalismo, mas também capaz de lhe impor algumas restrições, as quais,
todavia, poderiam não ser entraves.
{121} O historiador israelita Charles Bloch, num artigo excelente que
publicou na revista Relations Internationales, N.º2, 1974, intitulado «Le fascisme
et les relations internationales», sugere os termos oligopólios e oligopolistas.
{122} A hostilidade frontal, a impermeabilidade dos Americanos ao
nazismo eram de tal ordem que o embaixador alemão em Washington
recomendava com firmeza aos serviços de propaganda de Berlim que nunca
expusessem ideologia nos Estados Unidos, mas sim reivindicações.
{123} Cf. Alastair Hamilton, L’illusion fasciste, les intelectuels et le
fascisme, Gallimard, 1973
{124} Op. cit., p. 110. Assimilação tão ampla como falsa: a Resistência era
simultaneamente patriota e antifascista.
{125} Fest (Les maîtres du III Reich, Grasset, 1963), pôs em destaque o
ambiente psicológico do fascismo. Cf. também Wolfgand Sauer «National
socialism , totalitarianism or fascism», in American Historical Review,
Dezembro de 1967.
{126} M..Bardèche (op. cit, P. 103) calcula que existem cinquenta grupos
fascistas na Alemanha, vinte na Itália e em França; mas refere-se também a
outros na Suécia, Bélgica, Suíça, Holanda, Brasil, Irlanda, Estados Unidos, Grã-
Bretanha, etc.
BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA

I - ESTUDOS GERAIS
Hannah Arendt, Elemente und Ursprünge totalitarer Herrachaft, Frankfurt,
1955.
S. Y. Woolf, The nature of fascism, Nova Iorque, 1969.
W. Larquer, G. Mosse, International fascism, 1925-1945, Nova lorque,
1966.
D. Guérin, Sur le fascisme, 2 t., Maspero, 1975.
P. Milza, M. Benteli, La liberté en question, le fascisme au XX siècle, Ed.
Richelieu, 1973

II - O FASCISMO ITALIANO
L. Salvatorelli, G. Mira, Storia del Fascismo, Roma, 1956.
F. Catalano, L’Italia della dittatura ala democrazia, Milão, 1962.
P. Guichonnet, Mussolini et le fascisme, PUF, 1966.
F. R. Tannenbaum, The fascist experience, Italian society and culture, Nova
Iorque, 1972.
E Nolte, Le fascisme dans son époque, t. II: Le fascisme italien, Julliard,
1975.
Q. Quazza e outros, Fascismo e societá italiana, Turim, 1973.

III - NACIONAL-SOCIALISMO
CI. David, Hitler et le nazisme, PUF, 1967
H. Mau, H. Krausnick, Le national-socialisme, Castermann, 1962.
H. Mau, H. Krausnick, Le national-socialisme, Castermann, 1962.
E. Nolte, Le national-socialisme, Julliard, 1970.
M. Steinert, L'Allemagne national-socialista., Ed. Richellieu, 1972.
M. Broszat, Der Staat Hitlers, Munique, 1969.
D. Bracher, Die Deutsche Diktatur-Entstechung Struktur, Folgen des
nationalsozialismus, Colonia, 1972.

IV - OS FASCISMOS FRANCESES
J. Plumyene, R. Lasierra, Les fascismes français, Le Seuil, 1963.
E. Weber, L'Action française, Stock, 1964.
D. Wolf, Doriot; du communisme à la collaboration, Fayard, 1967.
Ph Machefer, Ligues et fascismes en France, PUF, 1974.

V - A EUROPA FASCISTA
Revue d’histoire de la deuxième guerre mondiale, N., 66, Abril de 1967,
«Aspects du fascisme européen».
S. Woolf, European fascism, Londres, 1968.
Ch. Delzell, Mediterranean fascism, Nova Iorque, 1970.
M. Gallo, Histoire de l'Espagne franquiste, R. Laffont, 1969.

VI - O FASCISMO FORA DA EUROPA


D. M. Brown, Nationalism in Japan, Berkeley, 1955.
L. W. Bell, In Hitler’s shadow; the anatomy of American fascism, Londres,
1973.

Você também pode gostar