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Perrin, Chris
Introdução à educação cristã clássica / Chris Perrin; Tradução de Elmer
Pires. -- São Paulo: Editora Trinitas, 2018.

Ebook Mobi 7 mb.

Tradução de: Classical Education vs. Modern Education: A Vision from C.S. Lewis.

ISBN 978-85-85034-02-3

1. Educação Cristã I. Título.


CDD: 268

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) - (Flávia de Melo - Bibliotecária 0 CRB 8


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Copyright © 2004 by Classical Academic Press


Publicado originalmente em inglês sob o título:
An Introduction to Classical Education: A Guide for Parents

1a edição 2018
ISBN: 978-85-85034-02-3

Tradução: Elmer Pires


Revisão: Cesare Turazzi, Ulisses Teles
Capa e Diagramação: Haas Comunicação
Versão Ebook: Livro em Pixel

Todos os direitos reservados à:


Editora Trinitas LTDA
São Paulo, SP
www.editoratrinitas.com.br
Sendo o diretor de uma escola de educação clássica, eu costumo conversar
com pais que estão considerando nossa instituição, e muitos deles estão tão
interessados quanto confusos acerca da educação clássica. “Como a
abordagem clássica difere da oferecida nas escolas públicas?”, “Há outras
escolas fazendo o que vocês fazem?”, “Como seus alunos se saem nas provas
de admissão?”. Depois de sete anos, as perguntas já são previsíveis, mas
totalmente justificáveis. Quanto a mim, infelizmente até minhas respostas
tornaram-se previsíveis, e essa é a razão pela qual estou escrevendo a você.
Se tiver lido este livro antes de conversar comigo (ou com outro diretor da
mesma área), você evitará de receber minhas respostas padrão. Além disso,
quando preciso pôr no papel aquilo que vou responder, sou obrigado a dizer
algo novo.
Caso você seja como a maioria das pessoas, provavelmente já tenha
ouvido algo sobre a educação clássica, talvez por meio de algum amigo que
ou tem algum filho matriculado em uma escola clássica ou que pratica a
educação domiciliar pelo método clássico. Você está fazendo suas pesquisas
sobre o tema e está suficientemente interessado a ponto de ler sobre a
educação clássica. Talvez você já tenha visitado uma escola clássica ou um
centro de educação domiciliar e assistido a algumas aulas que tenham lhe
causado algum estranhamento, certo interesse e uma série de dúvidas. De
qualquer forma, você tem suas dúvidas — e muitos de vocês chegaram a
inclusive pô-las por escrito.
Quero elogiá-lo por suas perguntas, por seu raciocínio. Criar perguntas
bem elaboradas é algo, como você verá, bastante clássico. A educação
clássica é uma longa tradição de fazer perguntas e desenterrar respostas,
consultar os outros e, por conseguinte, perguntar, procurar e encontrar mais
uma vez. Como disse certo escritor, é o juntar-se à “Grande Conversa”.
Isso significa ler os grandes livros (os clássicos), estudá-los, examiná-los,
perscrutá-los, conversar com outras pessoas acerca das ideias influentes neles
contidas. Seja como for, a educação clássica é um fluxo contínuo de
perguntas e respostas. E assim você pode ver o porquê de eu ficar feliz
quando os pais vêm até mim perguntando todo o tipo de coisas e não só a
respeito do valor da mensalidade.

Confusão Moderna, Claridade Antiga


Esta é uma época tumultuosa para viver. Instituições, informações, costumes,
maneiras e padrões estão mudando rapidamente. Escolhas e preferências
multiplicaram-se; nossa cultura está se tornando cada vez mais
caleidoscópica. Tais mudanças, rápidas e multicores, têm seu elemento
dramático, e muitos acham tudo isso cômico. No entanto, mesmo as
mudanças e novidades constantes podem se tornar obsoletas, transformando-
se no que Thomas Oden chama de “a promessa barata da novidade radical”,
que é “a mais chata e repetitiva de todas as ideias modernas”.1 Muitos de nós
estão prontos para deixar a festa, ir para casa, sentar numa poltrona e tomar
uma xícara de chá sossegadamente. Contemplando a criação e a educação de
nossos filhos, muitos de nós têm sido forçados a se perguntar o que
desejamos lhes transmitir. Como podemos educá-los no meio de toda
confusão, dúvida e de todo conflito deste mundo moderno? Existe algum
lugar de descanso e refúgio — algum lugar de tranquilidade e vigor?
Educação é aquele grandioso empenho de transmitir a sabedoria e o
conhecimento de uma geração para outra. Envolve descoberta, mas também
instrução; é uma transmissão cultural. Com a cultura atual passando
continuamente por tantas mudanças, o fato de a nossa educação também estar
em um estado de desordem não é surpresa. Para os pais que estão à procura
de uma escola que os auxilie nesta tarefa de transmissão cultural, esse fato faz
da busca muitas vezes uma tarefa desconcertante.
Alguns de nós da educação clássica estão em busca de suas fontes num
período anterior ao início desta confusão. Todas as nossas experiências são
semelhantes: não encontramos o alimento saudável de que precisamos no
presente; temos sido entretidos, mas não alimentados; divertidos e distraídos,
mas não instruídos.
Partimos, portanto, para outro lugar, não muito distante, mas ainda
esquecido pela maioria. Retornamos ao caminho trilhado em excelência
daquilo que já foi provado e comprovado — o método clássico de educação.
Ele nunca desapareceu efetivamente, mas acabou se tornando completamente
fragmentado e disperso, estando suas partes como que ruínas espalhadas
pelas escolas e universidades modernas.
Ele foi eclipsado enquanto modelo dominante há cerca de apenas um
século, depois de ter reinado por mais de mil anos. É provável que seus avós
tenham recebido uma porção da educação clássica.
G. K. Chesterton disse que toda revolução é uma restauração — a
recuperação e reintrodução de algo que uma vez guiou e inspirou pessoas no
passado. A palavra revolução vem do latim re-volvere — re-volver ou re-
tornar. Revolução é aquilo que chega e passa, que vem e vai — novamente.
Na mesma linha de pensamento, C. S. Lewis diz que, quando perdemos o
rumo, o jeito mais rápido de nos reencontrarmos é voltando para casa.
Também nós. Estamos retornando, estamos revolvendo. Utilizando uma
palavra mais dura, estamos nos revoltando, e é na ocasião de estarmos indo
para casa é que nos revoltamos.

Uma Breve História da Educação Clássica


Esboço e Visão Geral
Espero que você ache revigorante descobrir que o método clássico de
educação é simples e ao mesmo tempo profundo, como tantas ótimas idéias
por aí, da roda ao guarda-chuva. Sua filosofia básica é ensinar as crianças
pelo caminho que elas naturalmente querem ser ensinadas, apesar de nem
sempre saberem disso. Dito de outra forma, os educadores clássicos ensinam
a crianças o que elas querem saber e quando elas querem saber. Quando
maravilhadas com a linguagem humana, nós lhes ensinamos idioma e
gramática. Quando as crianças estão prontas para desafiar cada hipótese,
ensinamos lógica. Quando os alunos desejam se expressar com paixão,
ensinamos retórica. Certamente, as crianças não descobriram essa forma de
educação por conta própria; pelo contrário, parece que foram os pais quem o
descobriram e as crianças apenas o ratificaram.
O termo “clássica” ou “educação clássica” requer alguma definição. Na
história, o período clássico refere-se à civilização dos gregos e à dos romanos
(c. 600 a.C. a 476 d.C.), que nos legaram arte, arquitetura e os mitos
clássicos, além das línguas clássicas, o grego e o latim. Certamente, a
educação praticada pelos gregos e romanos pode ser chamada de educação
clássica. A educação clássica, portanto, pode significar os métodos
educacionais dos gregos e dos romanos. No entanto, a palavra clássica não
pode ficar restrita ao período clássico per si. Também usamos o termo para
descrever coisas que são de autoridade e confiança, tradicionais e duradouras.
A literatura clássica, por exemplo, pode ser qualquer obra (não apenas a
literatura grega ou romana) de excelência estável e duradoura. Portanto,
podemos usar o termo educação clássica para nos referirmos não somente às
práticas educacionais dos gregos e romanos, mas também à educação
autoritativa, tradicional, duradoura e excelente. Valho-me do termo com
ambas as conotações em mente: a educação clássica é a forma de educação
autoritativa, tradicional e duradoura, iniciada pelos gregos e romanos,
desenvolvida ao longo da história e agora sendo renovada e recuperada no
século vinte e um. Com esta definição mais geral em mente, podemos, agora,
esboçar e delinear a história da educação clássica. Após este breve esboço
inicial, recapitularemos e pincelaremos nele mais alguns detalhes.
A educação clássica é antiga, razão pela qual, hoje, parece ser tão nova.
Ela era nova com os gregos e romanos há mais de dois mil anos; tais são
creditados à elaboração dos rudimentos da abordagem da educação clássica.
Estaríamos enganados se pensássemos que tanto gregos quanto romanos
educavam por vias simples e consistentes, pois havia uma grande variedade
de currículos e abordagens na metodologia de ambos, gregos e romanos.
Afinal de contas, essas duas civilizações abrangem um período de quase mil
anos! Ainda assim, existem temas comuns que abrangem as práticas
educacionais de ambos os grupos, incluindo uma ênfase geralmente
sustentada no estudo da gramática, literatura, lógica e retórica. Foi mais tarde,
durante a Idade Média (c. 500–1460 d.C.), que a grande variedade de
matérias e abordagens presente nos gregos e romanos foi analisada e
colocada em uma forma e em um currículo mais sistemático e consistente.
O currículo do trivium (que significa “três caminhos”, “três vias”), com
as matérias de gramática, lógica e retórica, foi formalmente estabelecido
durante este período, bem como sua contraparte, o quadrivium (“os quatro
caminhos”, “quatro vias”), contendo as matérias de astronomia, aritmética,
música e geometria. As palavras trivium e quadrivium foram cunhadas na
Idade Média, não durante o período dos gregos e romanos. Considero útil
referir-se a uma forma de educação clássica como uma educação baseada no
trivium, e é este o tipo de educação clássica que tem sido recuperado em
muitas escolas e no ensino domiciliar na América do Norte.
É importante enfatizar que a educação clássica evoluiu. Ela evoluiu
mantendo alguns temas e padrões, mas não sem variações significativas. A
Idade Média não pode ser reduzida a um simples clichê educacional — ela
também foi variada, apesar de sua inclinação à categorização e ordem. No
fim da Idade Média, a educação começou a decair (a tão famosa Idade das
Trevas), o que exigiu a necessidade do Renascimento (c. 1350–1600 d.C),
que foi, entre outras coisas, um chamado a retornar à aprendizagem e
sabedoria do passado — ad fontes, de volta à fonte, aos fundamentos. A
Reforma (c. 1517–1700) foi um movimento complexo de avivamento
espiritual, mas também continha esse elemento de retorno às fontes antigas
de sabedoria, com especial ênfase no retorno à autoridade e ao ensino das
Escrituras. Os reformadores mantiveram o interesse em estudar as línguas
clássicas e suas literaturas despertado pelo Renascimento; os grandes
reformadores eram eles mesmos homens versados, instruídos na educação
clássica.
O próximo grande movimento foi o Iluminismo (c. 1700–1789), marco
de uma renúncia da autoridade das Escrituras e da igreja para uma fidelidade
ao poder do intelecto inato do homem. A ciência com seus assuntos variados
conquistou seu espaço, mas, embora a maioria dos cientistas fosse também
cristã ou deísta, havia uma tendência crescente para o estudo e a compreensão
do mundo sem referenciais ao ensino ou à autoridade da bíblia. Ainda assim,
no entanto, a maioria das formas educacionais manteve os rudimentos do
trivium e quadrivium.2 Os pais fundadores dos EUA, por exemplo, foram
todos criados e educados no período do Iluminismo, mas levaram as marcas
da instrução clássica na literatura, nas línguas clássicas (especialmente no
latim), na história e na retórica.
Não é antes do período moderno, o qual teve seu começo no início do
século 19, que começamos a ver os primeiros sinais de erosão da educação
clássica; podemos, porém, observar que tal erosão tratava-se de um processo
lento e gradativo, e que, ao longo do século 19, a educação clássica ainda era
a abordagem dominante nos Estados Unidos e na Europa. No entanto, no
início do século 20, essa erosão vinha dando passos largos e, assim, por volta
da década de 1950, o panorama educacional dos Estados Unidos havia
claramente mudado de um modelo clássico para um modelo “progressista”. É
essa forma progressista de educação que todos nós recebemos, limitando
nosso conhecimento e nossa consciência da educação clássica. É nossa
própria educação progressista que nos faz pensar na abordagem clássica
como uma novidade e algo exótico — apesar de o modelo clássico ter reinado
durante séculos e o modelo progressista ser a verdadeira inovação.
Houve, portanto, variação e mudança e no século 19, uma atrofia
significativa. As disciplinas de gramática, lógica e retórica permaneceram por
toda a história da educação clássica, ainda que com altos e baixos e foram
ensinadas de diferentes maneiras e sequências. Os métodos clássicos de
educação também permaneceram, o que veremos mais adiante neste livro.
Mesmo após a ascensão da educação progressista, os fragmentos da educação
clássica persistem, inclusive nas escolas progressistas. As pedras dispersas da
educação clássica estão presentes nas escolas contemporâneas e ainda podem
ser vistas por olhos treinados. Recuperar a educação clássica é uma questão
de coletar essas pedras e reparar as ruínas.

Algumas Pinceladas Finais


Agora que traçamos o esboço da educação clássica, reforcemos seus
traços e pintemos alguns detalhes importantes. Começando pelos gregos.
Precisamente por terem sido os primeiros, os gregos foram imortalizados
como fundadores essenciais da cultura e civilização ocidentais. A forma
como eles emergiram enquanto potência cultural e civilizacional é em si uma
história misteriosa e fascinante, história esta que não podemos explorar aqui.
Os gregos nos deram as primeiras formas duradouras de democracia
(incorporadas na cidade-estado ou polis gregas) e grandes tesouros da arte e
da literatura. Seu sistema educacional de fato evoluiu e mudou ao longo do
tempo, mas enfatizando consistentemente a importância da arête, ou
excelência e realização individuais. A excelência e destreza físicas eram tão
importantes (isso se não mais) quanto a excelência intelectual. Crianças
gregas de 7 a 14 anos frequentavam a palaestra, onde aprendiam a lutar, e
uma “escola de música”, onde aprendiam leitura, recitação, escrita,
aritmética e, também, a tocar a lira e a cantar (o termo “música”, para os
gregos, possuía um significado muito mais amplo do que o termo, “música”,
e seu modo de uso hoje). Dos 10 aos 14 anos, os alunos continuavam com seu
treinamento físico em um gymnasium, onde aprendiam luta, boxe, corrida,
salto à distância e lançamento de disco e de dardo. Essas habilidades tinham
uma conexão óbvia com o treinamento militar e com as forças armadas. Dos
15 aos 18 anos, alguns alunos (do sexo masculino) privilegiados
continuariam seus estudos através da observação e participação da vida cívica
e cultural grega, treinados e orientados por cidadãos gregos de idade adulta.
Finalmente, alguns jovens homens, dos 18 aos 20 anos, passariam por dois
anos de treinamento militar, o que os prepararia para servirem como soldados
e militares capazes.
Esta sequência geral e este currículo bem básico eram aprimorados e
alterados conforme a civilização grega se desenvolvia. Surgiram importantes
educadores gregos (sofistas e filósofos) que argumentavam pelas várias
maneiras de educar a juventude grega. Alguns defendiam o treinamento para
o sucesso político e viam o homem como medida ou padrão de todas as
coisas (Protágoras); alguns defendiam o estudo dedicado da retórica, o que
permitiria o sucesso político prático, e não apenas por ambição pessoal, mas
também para o bem da cidade-estado grega (Isócrates). Outros, como Platão
(seguindo seu mentor Sócrates), argumentavam pelo aplicar-se ao estudo da
filosofia (em vez da retórica), pois acreditavam que isto levaria os homens a
descobrirem a verdade, a bondade e a justiça. A maioria desses educadores
prezava o estudo da dialética (ou lógica), o que permitia aos alunos
aprenderem a raciocinar corretamente e detectar e refutar raciocínios falsos.
Aristóteles (que sucedeu a Platão) defendeu o estudo da dialética e da
retórica. Em última análise, os gregos legaram seu conceito de paideia, sua
visão de que o homem deve ser trabalhado como uma obra de arte sob
padrões de excelência (arête). Em si, a educação é o formar de um homem,
não o treinamento de um homem para fazer coisas (treinamento vocacional).
Tal concepção persiste hoje em nossa idéia de “homem completo e educado
nas artes liberais”.
Os romanos conquistaram os gregos (em 143 a.C.), mas se viram
culturalmente conquistados por seus cativos gregos. Os romanos muito
admiravam e imitavam a arte, a arquitetura, a literatura e a educação gregas.
Embora os romanos tivessem algumas ênfases educacionais próprias (como
um compromisso com o treinamento agrícola e militar), eles importaram as
disciplinas, os tópicos, os objetivos e os métodos educacionais dos gregos.
Assim, ainda que as matérias de gramática, lógica e retórica tenham
começado com os gregos, elas continuaram a prosperar sob os romanos.
Como os gregos, os romanos davam início à educação formal aos 7 anos. Os
alunos começavam seus estudos com um litterator, quem lhes ensinava as
“letras” ou a como ler. Depois de aprenderem a ler (em grego, em latim ou
em ambas as línguas), os alunos passavam para um grammaticus, que em um
ambiente escolar lhes ensinava não apenas a gramática (a estrutura, forma e
sintaxe) da língua, mas também sua literatura, particularmente a poesia. Por
meio do estudo da literatura, os alunos também aprendiam história, ética e
política; eles também faziam uma série de exercícios de escrita, estudo que os
preparava para a retórica. Alunos gregos estudavam Homero (Ilíada e
Odisséia), modelo de excelência para a língua, virtude e sabedoria. Por sua
vez, os romanos estudavam o escritor Virgílio (Eneida), equivalente latino de
Homero. Algumas vezes os alunos não estudavam com um professor de
dialética per se, e alguns estudantes nem sequer chegavam a estudar dialética
(ou lógica). Era comum que o grammaticus ensinasse um pouco de retórica
aos alunos estando próximos de concluir o segundo grau, o que normalmente
marcava o término do período formal de estudos. Foi com os gregos que a
dialética (lógica) surgiu como campo de estudo, que acreditavam ser ela um
complemento às habilidades retóricas dos alunos. Se um aluno desejasse
seguir carreira política ou jurídica, ele certamente estudaria retórica, visto que
a retórica visava treinar os alunos a falar de forma eloquente e persuasiva —
habilidades necessárias tanto na assembleia quanto nos tribunais.
A gramática, a lógica e a retórica, na qualidade de disciplinas do trivium,
persistiram ao longo dos períodos grego e romano, mas em sequências e
padrões variados. Eram três matérias muito úteis ao crescimento da
capacidade linguística, e por essa razão são frequentemente chamadas de
artes verbais. Com o advento da Idade Média, quatro artes quantitativas
foram ratificadas e adicionadas ao currículo: a geometria, a astronomia, a
música e a aritmética. A geometria abrange certos rudimentos da geografia, a
astronomia continha determinada porção de física, a gramática incluía a
literatura, e a retórica continha história. Essas quatro artes quantitativas eram
conhecidas como o quadrivium (os quatro caminhos, as quatro vias), e essas
sete artes juntas ficaram conhecidas como artes liberales, ou as sete artes
liberais. Pode-se supor que uma universidade formada por “artes liberais” dê
ênfase a essas sete disciplinas (mas não tenha tanta certeza disso). Essas artes
liberais foram forjadas para serem as artes (ou habilidades) do homem livre
ou as artes que providenciariam a “liberdade” àqueles que as estudassem.
Após a formalização dessas sete artes liberais na Idade Média, uma nova
sequência (passível de certa variação!) de estudos se desenvolveu. As três
primeiras artes (o trivium) eram estudadas primeiro (embora a retórica fosse
normalmente estudada por último e por mais tempo) e, na maioria das vezes,
seguidas do quadrivium. Espero que o diagrama abaixo sirva de ajuda:
Os elementos da educação grega e da romana, portanto, foram
compilados, categorizados e formalizados durante a Idade Média. Dito de
outra forma, o modelo educacional clássico herdado dos gregos e dos
romanos foi modificado e renovado. Foi durante este tempo que a
terminologia do trivium e quadrivium foi cunhada, e também a das artes
liberales. Os cristãos adotaram de forma praticamente universal o modelo
clássico e o cobriram de premissas e diretrizes teológicas a fim de que
servisse a igreja. O estudo da teologia foi adicionado às sete artes liberais
como a coroa das disciplinas, ou “rainha das ciências”. Os cristãos, inclusive,
continuaram a estudar os autores clássicos não cristãos do passado com
reverência e respeito, mesmo usando autores como Aristóteles para auxiliar
na criação de sistemas da teologia cristã (por exemplo, Tomás de Aquino).
Foi também durante a Idade Média que uma sequência mais direta e distinta
de disciplinas se desenvolveu. Assim, é do trivium medieval (herdado dos
romanos e modificado) que derivamos muito da nossa estrutura, inspiração e
orientação em nossos esforços atuais para o recuperar da educação clássica (e
razão pela qual eu gosto da expressão educação baseada no trivium). Foi
durante a Idade Média que testemunhamos o surgimento da universidade,
onde as matérias do quadrivium realmente se tornaram independentes em um
ambiente institucional, e onde o direito e a medicina finalmente tornaram-se
disciplinas acadêmicas. As disciplinas do trivium, especialmente a gramática,
continuaram sendo ministradas por professores particulares (tutores), nas
escolas catedralícias e nos mosteiros. A lógica e a retórica eram
frequentemente ensinadas no nível universitário juntamente com as
disciplinas do quadrivium. As escolas catedralícias eram escolas paroquiais
ligadas às catedrais para onde os alunos normalmente eram enviados a fim de
que recebessem educação, geralmente sob a cobrança de uma taxa periódica.
As escolas monásticas ofereciam educação a garotos comprometidos a
tornarem-se monges, mas também aos pobres da comunidade, de acordo com
as condições do mosteiro. Muitas das grandes mentes da Idade Média eram
monges educados em mosteiros (S. Domingos, Alberto Magno, Tomás de
Aquino).
Como vimos em nosso esboço inicial, a educação clássica continuou se
desenvolvendo ao longo do Renascimento e da Reforma. Ambos os
movimentos representaram um retorno ao aprendizado do passado,
particularmente o estudo de autores gregos e romanos em suas línguas
originais, grega e latina. Durante esses períodos, eruditos procuraram e
encontraram muitos manuscritos antigos de autores gregos e romanos. O
estudo do grego foi revivido (muito pertinente ao estudo do Novo
Testamento) depois de ter passado por uma queda durante a Idade Média. O
estudo do latim, que nunca havia cessado, intensificou-se. Não surpreende
que, no entusiasmo por esses antigos autores, muitos escritores tenham
começado a imitar os mestres que haviam redescoberto.
Reformadores como Martinho Lutero e João Calvino iniciaram escolas
que enfatizavam disciplinas e estudo clássicos. Lutero, por exemplo,
duvidava do valor de certos autores pagãos, como Aristóteles (especialmente
quanto a suas obras sobre ética), mas ainda assim exortava seus alunos a que
estudassem os livros de Aristóteles sobre retórica e poética.
Afirmando predileção pelo currículo escolar formal, Lutero afirmou o
seguinte quanto ao estudo das línguas clássicas, em 1520: “Ademais ... há,
naturalmente, as línguas latina, grega e hebraica, bem como as disciplinas de
matemática e história”.3
Lutero pressupunha naturalmente que os alunos estudariam não só o
latim e o grego, mas também o hebraico (a língua original do Antigo
Testamento). Os reformadores enfatizaram a importância de criar uma igreja
alfabetizada e educada, uma igreja que então poderia ler e estudar as
Escrituras — nas línguas originais. Como herdeiros da tradição clássica de
educação, eles deram por certo que os alunos deveriam estudar uma ampla
quantidade de história e literatura — mesmo de autores pagãos. Vemos
também o compromisso com as artes quantitativas (Lutero mencionou a
matemática) que compõem o homem ou a mulher de formação liberal.
À medida que tratamos mais uma vez do período do Iluminismo, será
importante notar que, embora o motivo religioso e a orientação da educação
tenham começado a mudar para um ponto de vista naturalista, ainda é
verdade que 1) uma orientação e motivação cristãs persistiram e, inclusive,
em alguns lugares se intensificaram; 2) a metodologia e as disciplinas
clássicas continuaram e foram adotadas por teóricos e educadores não
cristãos.
Durante o Iluminismo, por exemplo, as universidades tornaram-se
independentes e começaram a crescer e se multiplicar em toda a Europa e
depois na América do Norte. O currículo dessas universidades era claramente
“clássico” e ligado à tradição clássica que fora herdada. De fato, iniciaram-se
experimentos, mudanças e modificações da tradição clássica nesse período
(especialmente com o advento da experimentação científica), mas esta
herança não foi de modo algum abandonada.
Até o início do século 20, várias formas de educação clássica eram a
norma nos Estados Unidos e na Europa. O currículo em Harvard, por
exemplo, não possuía disciplinas eletivas (não existiam divisões por curso),
havia, pelo contrário, um conjunto de matérias exigido de todos os alunos, até
1884. Um registro do currículo de Harvard, feito em 1830, revela que este se
tratava de um currículo clássico com evidente ligação ao trivium e
quadrivium.4
Mentes brilhantes e grandes escritores até aquele momento haviam sido
educados sob o método clássico: pessoas como Abraham Lincoln, Oliver
Wendell Holmes, e mesmo escritores do início do século 20 como William
Jennings Bryant e G. K. Chesterton foram educados sob o método clássico.
Entre os britânicos, as pessoas da geração de C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien
foram algumas das últimas a serem educadas pelo método clássico.
Certamente as primeiras gerações dos Pais Fundadores dos EUA foram
educados de maneira clássica: seus conhecimentos da língua, literatura e
história clássicas são amplamente reconhecidos pelos historiadores e
desempenharam um papel fundamental na formação da Constituição
Americana e da filosofia política. Uma leitura superficial dos artigos
federalistas [The Federalist (Papers)] prova esse ponto; escritores como
James Madison, John Jay, Alexander Hamilton e Thomas Jefferson citam
frases em latim, referem-se a precedentes políticos e lições da história gregos,
romanos e europeus e escrevem com uma elegância e estilo que nos
surpreendem ainda hoje.
Como, portanto, uma tradição da educação tão longa parece ser tão nova
hoje, no início do século 21? Bem, só leva uma geração para que a
transmissão do passado seja interrompida. E educação é precisamente uma
questão de transmitir o que nos foi dado, ou, como disse Chesterton, “a
educação é simplesmente a alma de uma sociedade no momento em que é
passada de uma geração para outra”.5
O afastar-se da educação clássica começou em meados do século 19 com
o pensamento de homens como Horace Mann (1796–1859), um educador de
Massachusetts que trabalhou incansavelmente pela modernização da
educação pública e foi consolidado por pensadores posteriores como John
Dewey (1859–1952), que defendeu um tipo de educação “progressista” que
enfatizava o “aprender fazendo” e rejeitava muitos métodos tradicionais,
memorização e o estudo das línguas clássicas são exemplos. Dewey e os
educadores progressistas enfatizaram a necessidade de capacitar os cidadãos
para a crescente e industrializada democracia americana. Ao longo dos anos
entre 1920 e 1930, várias formas de educação progressista começaram a
tomar forma e substituíram gradualmente o modelo clássico. É verdade que o
modelo clássico nunca desapareceu por completo e que seus vestígios
permaneceram em muitos lugares (como exemplo, as escolas que mantiveram
o título “Gramática”), mas, na década de 1950, essas formas progressistas de
educação tornaram-se dominantes. A maioria de nós, portanto, cresceu sob o
ensino de educadores progressistas que acreditavam estar iniciando um
método superior de ensino e preparando os alunos para a vida em um mundo
moderno do pós-guerra e de rápidas transformações. Alguns exemplos da
abordagem progressista devem soar familiares: as línguas clássicas foram
completamente abandonadas e relegadas aos departamentos de línguas
clássicas das universidades; a alfabetização baseada no método fônico e na
decodificação foi substituída por uma abordagem “holística” ou globalista de
ler instruções; o treinamento em lógica e dialética foi substituído por uma
autoexpressão sem crítica.
O ensino da escrita guiada pela imitação dos mestres e da prática
frequente foi substituído por abordagens mais individualistas, criativas e com
pouca prática; o ensino de matemática, antes marcado pela constante
repetição de exercícios e prática, foi substituído por um currículo contendo
pouca prática, poucos exercícios e mais atividades e histórias relacionadas à
matéria; o ensino de história, que celebrava e era fundamentado na tradição
ocidental da qual os EUA emergiram, foi substituído gradativamente por uma
abordagem multicultural de diminuir a importância da história europeia e
americana apresentando em seu lugar um apanhado raso da história do
mundo (suas antigas aulas de estudos sociais). Além disso, os educadores
progressistas normalmente enxergavam o modelo clássico como árido, frio e
desagradável aos alunos. Por conseguinte os educadores progressistas
esforçaram-se por serem divertidos e engraçados, e começaram a exigir cada
vez menos dos alunos em termos de trabalho e conquistas acadêmicas. O
padrão de comportamento dos alunos também começou a mudar, e as escolas
tornaram-se mais permissivas e menos inclinadas a disciplinar um aluno por
mau comportamento. A classificação por notas também tornou-se mais
leniente num esforço por aumentar a autoestima dos alunos. Nos últimos 20
anos, este movimento progressista 6 continuou a se desenrolar, com algumas
novas desenvolturas. O relativismo filosófico (a destituição de verdades
universais ou padrões morais) reina agora sem rival na cultura popular e na
educação.
Seu primo de primeiro grau, o ceticismo filosófico (nada pode ser
conhecido com certeza), também mantém sua presença firme. Por resultado,
temos visto um crescente antagonismo contra qualquer ponto de vista que,
ousando declarar ser verdadeiros ou normativos os fatos e a ética, desafie
essa ortodoxia moderna. Programas vistos no início do movimento, tal como
“Clarificação de Valores”, persistiram e multiplicaram-se, programas estes
que pressupõem e ensinam o relativismo moral. O único pecado real em
muitas escolas modernas é discordar da noção de que todos determinam sua
própria “verdade” e sua própria moralidade.7 Como você pode imaginar e
provavelmente sabe, os cristãos e seus pontos de vista (criação, queda,
redenção) não costumam ser apreciados (a não ser, é claro, que eles fiquem
em silêncio e sigam o fluxo). O relativismo deu origem ao igualitarismo —
essa doutrina de que ninguém pode realmente ser superior a qualquer outra
pessoa (o que faz sentido quando não há padrões universais). O igualitarismo,
por sua vez, resultou em inflação das notas dadas aos alunos, na redução dos
padrões acadêmicos (para que todos possam tirar nota 10) e numa hesitação
para reconhecer conquistas excepcionais. A autoridade dos pais também
diminuiu consideravelmente. Em muitas escolas públicas, os pais não são
bem-vindos para observar as aulas sob nenhuma circunstância.
Os efeitos da educação moderna variam um pouco de região para região e
de escola para escola. No entanto, ainda é possível generalizar sobre os
efeitos observados em todo o país. Também é verdade que os métodos e a
pesquisa educacional moderna às vezes fazem descobertas e contribuições
úteis. É verdade também que alguns educadores estão retornando aos
métodos tradicionais após uma frustração contínua com a inovação
educacional. [O método de] Instrução Direta, currículo-base de E. D. Hirsch
(autor do livro Cultural Literacy); o modelo tradicional e virtual de escola
independente de William Bennett; o Projeto Paideia de Mortimer Adler,
vários centros independentes de educação e o surgimento de programas
fonéticos independentes e até um interesse renovado pelo estudo de latim são
evidências de um retorno aos modelos tradicionais. Alguns educadores
modernos, portanto, estão surpreendentemente abertos à educação clássica, e
alguns estão tropeçando nele sem nem mesmo conhecê-lo, trazendo à
memória os versos de T. S. Eliot:
Não cessaremos de examinar
E o fim de todo o nosso investigar
Será para chegar aonde começamos
Como que não o conhecêssemos.8
O experimento moderno na educação, portanto, tem cerca de cem anos e
está murchando. Já o experimento clássico tem cerca de mil anos e está
renascendo.

Educação Clássica . . . Outra Vez


Em vez de simplesmente citar o ilustre registro da educação clássica, gostaria
de citar mais evidências modernas. Gostaria de citar os alunos em escolas
clássicas e em ensino domiciliar. O deleite e alegria nos estudos são,
geralmente, os primeiros fatores observados pelos pais buscando uma escola
para seus filhos. Os alunos de uma escola de gramática recitam, cantam e
aplaudem em versos e cânticos os cronogramas de história, fatos científicos,
vocabulário de latim, versículos bíblicos e regras de gramática. Eles fazem
isso durante o dia todo, geralmente com grande entusiasmo e alegria. Eles se
lembram deste conhecimento cantado com precisão e permanência
impressionantes.Os alunos da fase de dialética (ou lógica) — você
testemunhará — passam a maior parte do dia discutindo com seus professores
e colegas. Para a possível surpresa de alguns, eles são encorajados a fazer
isso por seus professores, que são encarregados da formidável tarefa de
ensiná-los não apenas a argumentar, mas a argumentar bem. A maioria
observará que esses adolescentes parecem apreciar o processo. Os pais muitas
vezes com certa frustração descobrem que tais estudantes ficam cada vez
melhores em apontar as falácias cometidas durante conversas ao jantar por
todos que estão presentes, inclusive o vovô. Alunos da fase de retórica
(alunos do ensino médio) já estudaram uma boa porção de gramática e lógica;
o que eles desejam fazer agora é tecer essas disciplinas em um discurso tanto
oral quanto escrito de forma atraente. Tendo aprendido a ganhar argumentos,
eles agora aprendem a ganhar pessoas — pois a retórica é a arte do discurso e
da escrita persuasivos. Você encontrará esses alunos mais velhos escrevendo
um bom número de trabalhos em gêneros diversos; você os encontrará
falando perante seus colegas regularmente, seja fazendo um discurso político
ou forense, seja apresentando um relatório de laboratório.
Gramática, lógica e retórica são disciplinas centrais nas escolas clássicas.
E você deve ter percebido que essas disciplinas também recebem ênfase em
vários estágios ou períodos da escola. A gramática é enfatizada durante os
anos do primeiro ciclo do ensino fundamental (nossa escola de gramática), a
lógica durante o segundo ciclo do ensino fundamental e a retórica durante os
anos do ensino médio (ver diagrama abaixo). Portanto, a gramática de certo
modo será ensinada em todos os anos (pré-escola ao terceiro ano do ensino
médio), mas recebe ênfase e atenção especiais nas séries da pré-escola ao
quinto ano. O mesmo se aplica à lógica e à retórica. O pressuposto aqui é o
de que, embora sejam matérias sempre operantes de alguma forma, são
conteúdos para serem adequada e explicitamente ensinados em determinados
estágios do desenvolvimento da criança. Sendo assim, cada matéria do
trivium é vista como um “paradigma” ou matéria dominante, o que dá cor e
guia a maneira como as outras disciplinas no currículo são ensinadas. Por
exemplo, praticamente todas as matérias na escola dialética serão ensinadas
“dialeticamente” — os alunos argumentarão, debaterão e discutirão em aulas
de matemática, ciências, história e teologia. Na escola de retórica (o ensino
médio), os alunos escreverão ensaios persuasivos e farão discursos durante
várias aulas, mesmo fora da aula de retórica propriamente dita. Dorothy
Sayers argumenta que as matérias do trivium não são realmente matérias, mas
um meio ou método de lidar e aprender assuntos — um tipo de arte maior
(uma ferramenta) que capacita o indivíduo a estudar qualquer assunto. Ela
compara cada arte do trivium com uma ferramenta, como uma talhadeira ou
cunha, que, uma vez dominada, pode ser aplicada para moldar todas as
variedades de madeira (matérias). Embora estejamos acostumados a pensar
em “gramática” como sendo uma matéria (e que foi reduzida a um mero
assunto autônomo em escolas modernas), ela tradicionalmente era vista como
uma disciplina ou “arte” abrangente. O mesmo se faz verdadeiro em relação à
lógica e retórica.
Este ponto não pode ser suficientemente enfatizado. Os professores desta
nossa última geração dividiram o conhecimento em “matérias” relativamente
isoladas, sem enfatizar a correlação de todos os conhecimentos. Nós
aprendemos “matérias” sem realmente aprendermos a lidar com essas
matérias — nós não aprendemos a aprender. Podemos dizer que fomos
preparados para trabalhar martelando, esmagando, planejando e esculpindo
sem sequer termos sido ensinados a como usar tais ferramentas. Vamos
aprendendo o que podemos ao longo do caminho, de forma incidental. Os
educadores clássicos começaram do outro lado e enfatizaram a importância e
o uso dessas ferramentas principais, as quais poderiam ser aplicadas com
abrangência. Claro que, para aprender o uso dessas ferramentas principais
(gramática, lógica e retórica), é necessário aplicá-las em algum pedaço de
madeira, em algum assunto — e, portanto, assuntos reais devem ser
estudados (sua língua nativa, latim, história, etc.). Mas note que o objetivo
principal era dominar as ferramentas — pois tendo dominado as ferramentas,
o assunto (qualquer assunto) logo seria dominado também. Encontramos um
paradoxo: os educadores clássicos favorecem a ferramenta sobre o conteúdo
e, portanto, ajudam os alunos a dominarem mais conteúdo do que nunca. Eles
ensinaram aos alunos a como aprender.

Ênfase das artes do Trivium: abordagem


paradigmática ou da “ferramenta”

As células ampliadas e sombreadas referentes à Gramática, Lógica e Retórica


indicam a disciplina dominante e central (assuntos paradigmáticos) durante a
devida e determinada fase em que é ministrada.

Matérias Curriculares Ensinadas a partir de uma


Perspectiva Gramatical, Lógica ou Retórica

Ao longo de cada etapa, os mesmos assuntos são ensinados, mas informados


pelas perspectivas únicas da gramática, lógica ou retórica.
Sayers também reconheceu que os educadores clássicos tendiam a
ensinar essas ferramentas aos alunos em determinadas fases do
desenvolvimento. À medida que os alunos envelhecem e amadurecem, os
professores ajustam a maneira e os meios pelos quais ensinam. A informação
factual, a gramática, o vocabulário e a sintaxe são enfatizados nos anos
escolares da gramática (pré-escola ao 5o ano), frequentemente por meio do
canto e da recitação bem como pela instrução direta, leitura e discussão. Os
princípios e as relações são enfatizados em todas as matérias durante os anos
do segundo ciclo do ensino fundamental (nossa escola dialética, 6o ao 9o
ano) por meio de raciocínio, debate e discussão, impulsionados pelo estudo
dedicado da lógica. O discurso e a escrita efetivos e persuasivos são
enfatizados durante o ensino médio (1o ao 3o ano) mediante a preparação
com teoria, imitação dos melhores autores e oradores, e prática frequente.
Sayers caracterizou a fase da “gramática” como o estágio “papagaio”, quando
os alunos adoram memorizar, cantar e repetir o que estiver no caminho. Ela
caracterizou a fase “dialética” como o estágio “atrevido”, quando os alunos
desafiam a autoridade, perguntam “como” e “por que” e gostam de discutir e
debater. Ela caracterizou a fase “retórica” como o estágio “poético”, quando
os alunos estão mais interessados no pensamento criativo e na expressão
inventiva.
As Artes do Trivium Como Fases do Desenvolvimento
da Criança

Para ficar claro, as palavras gramática, lógica e retórica possuem uma gama
de significados. São termos que podem fazer referência a matérias
independentes, mas também a uma arte ou método (“ferramentas”) mediante
os quais todas as disciplinas serão aprendidas. Por fim, são termos que podem
ser utilizados para descrever as três fases do desenvolvimento pelas quais as
crianças avançam.

Latim e Grego
As escolas clássicas também são conhecidas pelo ensino de línguas clássicas,
geralmente o latim, mas às vezes o latim e o grego. O latim tem sido ensinado
em escolas clássicas há séculos, mesmo após ter deixado de ser uma língua
falada pelo povo. Há uma boa razão para aprendê-lo, pois o estudo do latim
nos recompensa ricamente de várias maneiras.
O latim é matéria fundamental nas escolas clássicas e no ensino
domiciliar. É uma das “disciplinas paradigmáticas” da Escola de Gramática,
por meio da qual os alunos aprendem os rudimentos e a estrutura da
linguagem — a língua latina, a língua portuguesa9 e, por meio delas, a
estrutura de toda a linguagem. O latim é a língua materna para mais de 50%
de todas as palavras em português, de modo que o estudo do latim melhora o
vocabulário da língua portuguesa. Muitas vezes, apenas uma palavra em
latim é responsável por várias palavras em português. Há inúmeros exemplos
de palavras e radicais em latim dos quais se derivam muitas outras palavras
em português e em inglês. Há casos em que uma palavra em latim ajuda a
formar dez palavras em português ou inglês — um investimento bastante
recompensador.
O latim também ajuda os alunos a entenderem a gramática. Conforme
aprendem a gramática do latim, eles também estão aprendendo ou reforçando
seu conhecimento da gramática do português. Nossa própria maneira de
rotular e analisar a gramática portuguesa evoluiu a partir do estudo da
gramática latina — todas aquelas palavras “gramaticais” como verbo,
substantivo, adjetivo, advérbio, são todas palavras latinas desenvolvidas a
fim de se entender a gramática latina! A gramática da língua latina é lógica,
direta e altamente regular [uniforme], tornando-a uma língua cuja gramática é
ideal de aprender, gramática esta que pode ser aplicada em muitas outras
línguas, inclusive, claro, no português.
Demonstrou-se repetidamente que o estudo do latim acelera e habilita o
domínio do português. A pontuação na prova do SAT10 e GRE (Graduate
Record Exam) aumenta. Na verdade, os alunos que atingem as pontuações
mais altas na seção verbal do GRE não são estudantes formais do inglês, mas
discípulos das línguas clássicas. Qualquer um que queira ver os dados
estatísticos que demonstram o valor do estudo do latim é encorajado a visitar
o site do Comitê Nacional pelo Estudo do Latim e do Grego
(www.promotelatin.org).
Estudar uma língua estrangeira desde cedo (damos início ao curso formal
no 3º ano) sempre foi a maneira clássica, e tem se mostrado pela experiência
como algo sábio a se fazer, pois os alunos adquirem o idioma rapidamente
enquanto mais novos. Nossos alunos aprendem dez novas palavras em latim
por semana — com uma facilidade muito maior que a de seus pais. Os alunos
dessa idade estão ansiosos por aprender idiomas, e muitos deles declaram ser
o latim sua matéria favorita.
Finalmente, devemos mencionar que o latim também é a língua-mãe das
chamadas “línguas românicas”: do espanhol, português, francês, italiano e
romeno. Elas são chamadas de “línguas românicas” porque descendem
diretamente da língua dos romanos — que era o latim. Se 50% das palavras
em inglês vêm do latim, até 90% das palavras nestas línguas descendem da
língua latina. Porta em latim é igual à palavra porta em português; em
espanhol, puerta também significa porta. Amicus em latim significa amigo;
mesma é a palavra tanto em espanhol quanto em português, em italiano
amico, em francês ami, em romeno amic. Quando um aluno aprende a língua
latina, ele também está fazendo um trabalho avançado nestas línguas geradas
pelo latim.
Se o latim é responsável por 50% do vocabulário do inglês, o grego é
responsável por 30% adicionais. O grego também é a base para boa parte do
vocabulário médico e científico. O grego tem também a vantagem de ser o
idioma do Novo Testamento, tornando-o disciplina muito valiosa para
escolas cristãs. Aqueles que estudam latim e grego alcançarão a máxima
compreensão do vocabulário e da gramática do português, e também verão
que latim e grego reforçam-se mutuamente, uma vez que ambas são línguas
com inflexões (os substantivos e verbos variam em seus sufixos) e uma
estrutura muito similar.
Aqueles que estudaram vários idiomas sabem que depois de aprender um
idioma, aprender o segundo e o terceiro fica muito mais rápido e fácil.
Pilotos, por exemplo, depois de aprenderem o como certo tipo de avião voa,
estarão bem preparados para aprender a pilotar outros aviões. Músicos que
aprenderam um instrumento podem aprender um segundo ou terceiro com
uma facilidade muito maior do que aqueles que começam pela primeira vez.
Alunos, portanto, que estudam latim e/ou grego estarão aptos a aprender
línguas adicionais (especialmente línguas românicas) com esforço muito
menor.

Integração do Estudo
Mencionei que os educadores clássicos não enxergam as matérias como
autônomas e isoladas. Conhecimento é mais como uma rede do que uma
cômoda cheia de gavetas; não há matérias que não estejam relacionadas umas
às outras. Literatura, história e teologia, por exemplo, estão bem entrelaçadas.
Qualquer coisa do passado (em qualquer matéria) pode ser história; qualquer
coisa comprometida com escrita criativa ou de excelência pode ser literatura;
e qualquer matéria considerada em relação a Deus e ao ensino bíblico pode
ser teologia. Até o século 19, os educadores entenderam e ensinaram o
conhecimento enquanto rede, e não como departamentos separados. Os
educadores clássicos, portanto, enquanto ensinam aulas de “história” ou
“literatura”, mantêm os limites leves e fluidos, enfatizando a inter-relação de
todo o conhecimento.
O ensino do latim é um exemplo adequado de como os educadores
clássicos integram o conhecimento. Com efeito, o latim não é uma matéria
simples e autônoma. Pelo contrário. O latim é encontrado praticamente em
todos os lugares. Encontra-se em toda a escrita inglesa (uma vez que 50% das
palavras em inglês vêm do latim),11 portanto os professores estão
constantemente mostrando aos alunos as palavras latinas que se encontram
por todos os lados, expandindo assim a sua compreensão e vocabulário do
inglês. O latim é encontrado na ciência. Lembro-me do dia em que minha
filha chegou em casa com uma planilha científica descrevendo animais
“carnívoros”, “herbívoros” e “onívoros” e com grande deleite me mostrou
que uma palavra vinha de caro, carnis (carne), uma de herba, herbae (grama,
planta) e a última de omnis, omne (tudo). Antes que a professora lhe
dissesse, ela já sabia quais tipos de animais eram “territoriais”, “arbóreos” e
“aquáticos” (da terra, das árvores e da água). O latim encontra-se na
literatura. Boa parte da melhor literatura até 1950 (e alguma coisa depois
disso) frequentemente contém alusões ao latim ou citações em latim. O latim
certamente é encontrado na história, uma vez que o Império Romano
dominou a Europa por pelo menos mil anos. As inscrições em latim abundam
não só em Roma, mas também em Washington, D.C., e em documentos
históricos americanos. O latim se faz presente na lógica. Todas as falácias da
lógica informal têm nomes em latim, como argumentum ad hominen
(argumento ao homem — caluniando a pessoa em vez de abordar seu
argumento) e argumentum ad baculum (argumento da força — que apela a
forçar ou persuadir alguém a adotar seu argumento). Como na lógica, o latim
também se faz presente na retórica. Todas as palavras do discurso possuem
nomes latinos (e gregos), como aliteração e assonância; as regras básicas
(cânones) da retórica têm nomes latinos, bem como suas subcategorias.
Talvez você possa imaginar as oportunidades de integração para outras
disciplinas como história, bíblia, teologia, literatura e ciência. Elas são
abundantes.

Juntando-se à Grande Conversa via os Grandes Livros


Os educadores clássicos sempre enfatizaram a importância de tornar-se
mestre nos mestres, de dominá-los. Acreditando que existem padrões reais de
beleza, bondade e verdade, eles ousaram afirmar alguns livros como bons e
alguns como ruins; eles ousaram ir longe, até a ponto de (ao longo do tempo)
concluírem que alguns livros são os melhores. No sentido antigo da palavra,
eles eram discriminatórios. Livros que foram declarados serem ótimos livros
por um consenso de críticos bem informados durante longos períodos de
tempo são o que ousamos chamar de clássicos.12
Esses livros também podem ser julgados por sua influência — eles são
ótimos livros porque contêm grandes idéias que deram origem a uma grande
conversa contínua sobre o que é belo, bom e verdadeiro, além de outras 99
ótimas idéias, se levarmos Mortimer Adler ao pé da letra (ele postula a
existência de 102 grandes idéias).13
Nesta escola nós procuramos ler os grandes livros, os clássicos. Sabemos
que há uma ótima literatura contemporânea que vem sendo publicada e não
deixamos de ler uma amostragem do melhor que podemos identificar e julgar
em nossa própria cultura. No entanto, nos apoiamos fortemente naqueles
livros que provaram ser influentes em sua beleza, profundidade e formação.
Ler os clássicos também proporciona a vantagem de desafiar a nossa
perspectiva moderna, como C. S. Lewis apontou corretamente:
É uma boa regra, depois de ler um livro contemporâneo, nunca se
permitir ler um novo até que você tenha lido um antigo entre eles. Se isso
for demais para você, cabe tentar pelo menos ler um livro antigo a cada
três novos. Toda a era tem sua própria perspectiva. Tais são
especialmente boas em ver certas verdades e estão especialmente
suscetíveis a cometer certos erros. Todos, portanto, precisamos dos livros
que corrigirão os erros característicos de nossa era. E isso significa os
livros antigos.14
Começando nos anos da escola da gramática, escolhemos clássicos
literários infantis de vários períodos e gêneros. Exemplos incluem as Fábulas
de Esopo, contos de fadas e títulos como The Courage of Sarah Noble;
Boxcar Children; The Door in Wall; Rei Arthur; Robin Hood; Where the Red
Fern Grows; The Bronze Bow, As Aventuras de Pedro Coelho;
Mulherzinhas, O Vento nos Salgueiros; Filho da Liberdade; O Leão, A
Feiticeira e o Guarda-roupa; O Hobbit; As Aventuras de Tom Sawyer; e Ilha
do Tesouro, para citar apenas alguns. Conforme avançam para a escola
dialética, os alunos começam a ler livros adequados ao seu desenvolvimento
e crescente capacidade de raciocínio.

As Ferramentas para uma Vida de Estudos


Todos nós já ouvimos o provérbio: dê ao homem um peixe e ele come uma
refeição; ensine-lhe a pescar e ele comerá durante toda a vida. Creio que o
leitor já consiga adivinhar a aplicação à educação clássica. Nós ensinamos os
alunos a pescarem, só que eles estão pescando conhecimento e alimentando
suas mentes. A vara, a linha e o anzol são a gramática, a lógica e a retórica,
sempre presentes com eles em sua caixa de pescaria enquanto buscam
sabedoria e, por fim, transmitem-na por meio do ensino.
Dito de outra forma, os educadores clássicos procuram ensinar aos alunos
a aprenderem por si mesmos. Se, por exemplo, comparamos a lógica com
uma faca afiada, procuramos transmitir aos nossos alunos uma faca muito
afiada. Sempre haverá madeira suficiente para esculpir (outras matérias e
campos do conhecimento); se pudermos dar aos alunos uma lâmina afiada,
eles consequentemente poderão esculpir qualquer tipo de madeira que
encontrarem. Esta visão inspirou Dorothy Sayers a que “se referisse às
disciplinas do Trivium como “ferramentas da educação”, uma metáfora que
se tornou predominante entre educadores clássicos. Alunos que dominaram a
linguagem, ou seja, que dominaram a gramática e o vocabulário, o raciocínio
lógico e o discurso e a escrita persuasivos e eloquentes — esses alunos
possuem as ferramentas necessárias para estudar e dominar qualquer assunto
que escolherem. Podemos esperar que eles estejam prontos para a faculdade e
para o resto de suas vidas.
Podemos imaginar tal aluno na faculdade abordando uma nova matéria.
Ele aprendeu nos primeiros anos de “gramática” a se aproximar de um
assunto dividindo-o em suas partes fundamentais e dominando-as por meio
da memorização — usando rimas, músicas e outros artifícios mnemônicos.
Ele aprendeu durante seus anos de “lógica” a estudar a relação ordenada entre
essas partes e a derivar os princípios que as governam. Finalmente, ele
aprendeu durante seus anos de “retórica” a descobrir como tomar seus
conhecimentos adquiridos e comunicá-los de forma efetiva e criativa,
aplicando-os em novas e variadas necessidades e situações. Agora, digamos
que ele se depare com o estudo da anatomia pela primeira vez. Ele saberia
como começar: 1) divida o assunto em seus fundamentos (as várias partes da
anatomia humana, por exemplo) e domine-os usando músicas, rimas e assim
por diante; 2) estude as relações desses pontos fundamentais (por exemplo, a
relação entre o esqueleto e os sistemas musculares); 3) escreva e fale
claramente sobre o que foi aprendido, aplicando e integrando esse
conhecimento em novas situações. O vocabulário da anatomia, estranho a
seus colegas, seria familiar para ele, tendo todos base no latim e no grego,
línguas que ele já estudou.
Usei a anatomia como um exemplo de como uma educação clássica é
capaz de preparar os alunos para uma vida inteira de estudos e aprendizagem.
Algumas pessoas pensam que uma educação clássica pode preparar os alunos
para estudos futuros na área de línguas ou história, mas não para as ciências.
Historicamente, no entanto, este não é o caso. O Trivium leva às artes do
Quadrivium; o domínio da linguagem leva ao domínio da ciência. Os grandes
cientistas do passado foram praticamente todos educados de forma clássica.
Mortimer Adler cita a educação dos grandes cientistas alemães do século
passado:
A conexão da educação liberal com a criatividade científica não é mera
especulação. Os grandes cientistas alemães do século 19 tiveram uma
base sólida nas artes liberais, é uma questão de fato histórico. Todos
passaram por uma educação liberal que abraçava o grego, o latim, a
lógica, a filosofia e história, além de matemática, física e outras ciências.
Na verdade, essa foi a preparação educacional dos cientistas europeus até
o presente. Einstein, Bohr, Fermi e outros grandes cientistas modernos
foram desenvolvidos não pela escolaridade técnica, mas pela educação
liberal.15
Douglas Wilson cita outro famoso cientista alemão e professor de
química, Bauer, que quando questionado se preferia novos alunos
universitários educados “cientificamente” ou classicamente, respondeu que
preferia a segunda opção. Bauer disse que, depois de três meses na faculdade,
os alunos disciplinados sob a educação clássica ultrapassavam os outros que
haviam já passado por mais cadeiras de ciências. Ele acreditava que os alunos
clássicos tinham as mentes mais bem treinadas, o que os preparava de forma
especial para o estudo da ciência. “Dê-me um aluno que tenha aprendido sua
gramática em latim”, disse ele, “e eu me responsabilizarei por sua
química”.16
Ciência ou literatura, história ou filosofia, direito ou medicina;
administração ou artes, política ou ministério — o aluno formado na
educação clássica estará preparado para o estudo, domínio de conteúdos e
realização. Ele saberá pescar bem.
A educação clássica é, então, um processo que se estende a toda uma vida
aplicando as “ferramentas da educação” — ferramentas que são as
habilidades inerentes à gramática, lógica e retórica e que viajam com o aluno
ao longo de suas várias etapas de aprendizagem. Às vezes as ferramentas são
chamadas de gramática, lógica ou retórica, à semelhança dos nomes dados às
fases (chamadas por Sayers de as fases papagaio, atrevida, poética). O
diagrama a seguir mostra uma “roda de educação” que integra as ferramentas
e as fases da educação clássica.

Os alunos são classicamente educados conforme avançam e progridem pelos


três estágios de gramática, lógica e retórica e, assim, adquirem as ferramentas
da educação que cada estágio transmite.

Paz, Rigor e Deleite


G. K. Chesterton ressaltou que ensinar a uma criança envolve disrupção e
uma espécie de “violência” educacional. Os alunos são obrigados a deixar de
lado suas noções de tempo livre para brincar a fim de irem a um prédio onde
uma série de adultos insiste para que trabalhem duro e se esforcem nas
matérias lançadas sobre eles. Chesterton escreve: “A educação é violenta,
porque é criativa. É criativa porque é humana. É tão imprudente quanto tocar
violino; tão dogmática quanto desenhar uma imagem; tão brutal quanto
construir uma casa. Em suma, é o que toda a ação humana é: uma
interferência com a vida e o crescimento”.17 Isto significa dizer que os
educadores clássicos reconhecem que a educação é um trabalho árduo —
para o professor e para o aluno.
Eu digo isto depois de ter declarado anteriormente que os alunos
geralmente se deleitam com uma educação clássica, que nós lhes ensinamos
da maneira como eles querem ser ensinados. Eu ainda mantenho isso como
verdadeiro. Mas eu também acredito que o trabalho árduo e o rigor
acadêmico não excluem prazer. Os educadores clássicos defendem o
paradoxo de que a alegria e o trabalho podem viver juntos. Sim, algo está
sendo renunciado (brincadeiras, TV, videogames, etc.), mas algo maravilhoso
está sendo adquirido (outro idioma, livros novos e emocionantes, as
maravilhas da história, ciência e matemática). Neil Postman nos ajudou a ver
como a TV nos deixou a noção de que toda educação deve ser agradável ou
divertida.18 Esta maneira de pensar é persuasiva, mas errônea. As crianças
podem encontrar prazeres ainda mais profundos do que a TV, e podem
encontrá-los por meio de um trabalho rigoroso no intuito de alcançar grandes
recompensas.
Você certamente se lembra de já ter trabalhado duro por algo que você
valorizasse — talvez até mesmo por alguém que você ama. As palavras
estudante e diligência possuem essa mesma carga semântica, esse mesmo
etos. Studere significa ser ávido ou zeloso por algo. Diligere significa amar
ou deleitar-se. Pode-se ver facilmente a conexão: somos diligentes nessas
coisas que amamos, sejam pessoas, sejam conhecimentos, sejam habilidades.
O atleta diligente ama competir bem, ama vencer. O amante diligente não
pára por nada em virtude de conquistar sua amada. Músicos diligentes
praticam durante horas por amor à música e por sede de virtuosismo, e o
estudante diligente é capturado e zeloso pelo conhecimento, habilidade e
sabedoria.19
E assim os educadores clássicos incentivam seus alunos a viverem de
acordo com o significado do nome estudante. Tentamos nutrir o zelo, o
entusiasmo e a diligência; tentamos manter diante deles a beleza e o fascínio
da linguagem, história e matemática; apelamos aos seus corações, bem como
a suas mentes, e demonstramos pela experiência aos alunos uma paixão por
aprender e estudar. Podemos fazer isso melhor em um ambiente pacífico,
com regras claras de comportamento dos alunos. Pode parecer estranho, mas
nossas crianças geralmente são felizes e entusiasmadas (e elas correm e
gritam no pátio!), mas são pacíficas e seguras. O entusiasmo e a paz também
podem coexistir.

Resultados Demonstrados
Todo pai quer saber como alunos educados pelo método clássico se
classificam em exames padronizados, na faculdade e no local de trabalho. A
bem da verdade, eles se saem tão bem que devemos ter cuidado com a forma
como os enxergamos e a nós mesmos — pois somos tentados à arrogância.
Na nossa opinião, eles não vão bem porque nós ou eles são muito espertos e
inteligentes. Eles vão bem porque os métodos comprovados de educação
clássica os capacitam para tanto. Alunos de escolas clássicas pelos EUA
geralmente se classificam entre os 10% aos 15% melhores em exames
nacionais, como o Stanford Achievement Test e o Scholastic Aptitude Test
(ambos os testes são abreviados por SAT). Escolas clássicas consagradas
frequentemente ocupam uma proporção significativa de National Merit
Scholars (determinados pelas pontuações do PSAT)20 e de estudantes com
pontuações de SAT extremamente competitivas (nos 5% das maiores
notas).21 Aqueles que recém se formaram por via da educação clássica não
têm problemas em entrar nas boas faculdades e muitos deles se qualificam
para faculdades e universidades altamente seletivas, sendo que um bom
número deles recebe bolsas de mérito ou outras bolsas de estudo. Faculdades
em todo o país mostram interesse por esses alunos e já se familiarizaram com
a abordagem clássica e seu currículo, que vem sendo recuperado nos Estados
Unidos. Atualmente, graduados da educação clássica estão cursando
faculdades como Johns Hopkins University, Grove City College, Hillsdale
College, Wheaton College, William e Mary, Wake Forest, e também
inúmeras universidades estaduais, como a Universidade da Virgínia, Idaho,
etc.
As escolas clássicas estão crescendo em ritmo robusto; não é incomum
que novas escolas clássicas cresçam de 25 a 30 alunos por ano até chegarem
a um programa completo, do Jardim da Infância ao 3o ano do ensino médio,
num período de 8 a 10 anos, com aproximadamente 200 alunos. Hoje,
existem cerca de 150 escolas na Associação de Escolas Clássicas e Cristãs,
com uma taxa de 10 a 20 novas escolas por ano. A educação domiciliar
clássica está crescendo num ritmo ainda mais rápido, e há mais estudantes
recebendo educação clássica em seus lares do que nas escolas tradicionais.22

Parceria com os Pais


As escolas clássicas trabalham com e para os pais. Uma vez que acreditamos
que a responsabilidade é dos pais (não do estado) de educarem seus filhos,
isso não pode ser de outra forma. Nossa autoridade sobre as crianças nos é
delegada pelos pais, eles que nos escolheram para ajudá-los em sua tarefa
educacional. Nós nos vemos como in loco parentis — no lugar dos pais. Não
significa que os pais determinem o currículo ou a pedagogia; significa que os
professores servem aos pais, escutam atentamente seus comentários sobre a
criança e os currículos, e procuram forjar relacionamentos verdadeiros com
eles, a fim de melhor compreenderem e educarem filhos que são de seus
respectivos pais. Isso costuma significar que os pais são bem-vindos na sala
de aula; que os pais tomam suas responsabilidades a sério revendo e ajudando
com a lição de casa, encorajando a criança a ser disciplinada e diligente e
geralmente apoiando os professores e a equipe da escola.
Quando os pais abdicam da responsabilidade de educar seus filhos, é
inevitável que alguma outra instituição intervenha e assuma o controle. T. S.
Eliot advertiu que, conforme os pais se tornam passivos, as escolas passam a
substituir e cada vez mais os papéis e responsabilidades dos pais:
Em vez de felicitarmos uns aos outros por nosso progresso, sempre que a
escola toma para si mais uma responsabilidade até aqui legada aos pais,
faríamos melhor admitindo que chegamos a um cenário da civilização em
que a família é irresponsável ou incompetente ou indefesa; em que não
podemos esperar que os pais ensinem seus filhos adequadamente; na qual
muitos pais não são capazes de alimentá-los adequadamente, e não
saberiam como, mesmo que tivessem os meios; e numa que a Educação
deve intervir e fazer o melhor a partir de um trabalho ruim.23
Os pais de alunos em escolas clássicas não reconhecem ser a educação
uma responsabilidade inerente à escola. Eles compreendem que a escola está
os ajudando a cumprirem suas responsabilidades. Muitos pais escolhem
educar seus filhos pela metodologia clássica em casa mesmo; esses pais
certamente estão levando sua responsabilidade educacional a sério. No
entanto, a maioria dos pais não foi classicamente educada. Afinal, estamos
recuperando algo que foi negligenciado por no mínimo duas gerações. Logo
os pais estão aprendendo junto de seus filhos. Muitos pais em nossa escola
estão estudando latim com seu filho do terceiro ano do ensino fundamental;
muitos pais finalmente estão aprendendo a gramática do inglês ou estudando
lógica. Como você pode imaginar, esse tipo de colaboração e
comprometimento entre pais, professores e alunos envolve uma boa dose de
trabalho. Os pais em nossas escolas acreditam que esse trabalho vale a pena,
e não só para seus filhos, mas também para si mesmos. Em níveis diferentes,
todos estamos tentando obter a educação que não recebemos.
Em uma noite qualquer, os pais estão encorajando seus filhos enquanto
fazem a lição de casa. Estão verificando suas lições de casa, lendo bilhetes de
professores, escrevendo ou ligando para professores, ajudando os alunos a
permanecerem organizados e prontos para o que há de vir. Além disso, eles
estão lendo para seus filhos, orando com eles, instruindo-os em uma miríade
de maneiras no lar e à mesa de jantar, discutindo livros, excursões e a
experiência do dia, aconselhando-os e exortando-os sobre relacionamentos
com colegas, trabalho escolar, deveres de casa, tarefas domésticas e
brincadeiras. Estão sendo pais. A escola ajuda os pais, mas não se transforma
no pai ou na mãe. Os pais vêm ao colégio e assistem às aulas quando
desejam; eles ajudam nas aulas, substituem, vão às excursões, ajudam a servir
o almoço, treinam uma equipe. Muitos professores são pais com os próprios
filhos na escola; os membros do conselho são pais, os administradores são
pais. Ser pai e educador em escolas assim não é tarefa de fácil distinção.
Educação Cristã e Clássica
A escola onde eu sirvo começou com o intuito de recuperar a educação
clássica, mas o aspecto mais importante da escola é sua confessionalidade
cristã. A educação clássica foi herdada da igreja com algumas modificações e
colocada a serviço por séculos. Estamos dando continuidade a uma tradição,
portanto, que é tão clássica quanto cristã. Os cristãos primitivos enxergavam
que Jesus Cristo deve ter proeminência na academia assim como na vida
enquanto um todo. Em uma época quando tantos cristãos facilmente
negligenciam a vida da mente e adotam uma agenda e perspectiva de
instituições seculares, nós buscamos recuperar uma abordagem que honre a
Cristo como Senhor de todas as disciplinas, matérias, áreas e instituições.
Entendemos que a recuperação acadêmica e a espiritual estão interligadas, e
buscamos nos arrepender de nossa negligência em ambas as áreas. Não temos
amado a Deus de todo o nosso coração ou mente.
Muitos cristãos acham desafiador unificar as duas metades de sua cabeça,
que uma vez se dividiram em sagrada e secular, para começar a pensar de
forma cristã sobre todas as áreas da vida. Mas isto está sendo feito por
muitos. Nosso currículo não simplesmente contém um curso solitário da
bíblia de modo a tornar nossa educação cristã, mas, sim, busca integrar o
ensinamento cristão em todas as matérias, incluindo … matemática. Mesmo
equações simples como 2 + 2 = 4 possuem uma dimensão cristã.24
Até cem anos atrás, os cristãos estavam na vanguarda de todas as
instituições culturais, moldando a área da política, negócios, filosofia,
ciências, literatura, música e arte. As razões para o declínio da influência
cristã são complexas e variadas, mas a abdicação de cristãos no campo da
educação foi uma contribuição fundamental para tanto. Em 1961, Harry
Blamires escreveu: “Não mais existe a mente cristã”. Desde 1961, fico feliz
em dizer que foi possível recuperar um bom território, mas nada ainda que se
aproxime do que fomos no passado.25 Educadores clássicos buscam ajudar na
restauração da mente cristã e no preparo de líderes extraordinariamente
equipados, que possam levar “cativo todo pensamento à obediência de
Cristo” e moldar e liderar as instituições culturais de nossa sociedade.

Pastoreando Corações/Virtude Intelectual


Então você pode perceber que estamos comprometidos com a vida
intelectual. No entanto, como educadores cristãos, sabemos que um aluno não
é uma mente desencarnada, mas uma pessoa com alma e coração. Jamais
poderemos ensinar uma mente ou um coração à parte; estamos sempre
ensinando uma pessoa com ambos. Consequentemente, não podemos evitar
nossa responsabilidade de abordar e cultivar as dimensões espiritual e moral
de nossos alunos. Educadores antigos, como Platão e Quintiliano,
argumentaram que aos alunos deveria ser ensinada a virtude, a ponto de
Quintiliano dizer que só o homem bom poderia ser um bom orador. O caráter
sempre foi um dos principais objetivos da educação clássica. Os educadores
cristãos enfatizaram historicamente que a educação e o estudo são uma parte
do discipulado cristão — uma expressão de amor a Deus com todo nosso
coração, mente e forças. John Milton usou muito bem suas palavras:
O fim da educação é reparar as ruínas de nossos primeiros pais reavendo
o correto conhecimento de Deus, e a partir deste conhecimento amá-lo,
imitá-lo, ser como Ele, para que enchamos o máximo possível nossas
almas da verdadeira virtude, que, unida à graça celestial da fé, compõe a
mais alta perfeição.26
Os cristãos deveriam perceber que todo conhecimento é, em sentido
último, o conhecimento do próprio Deus, além de uma tentativa de reverter a
maldição e voltar para o Éden, onde poderíamos estar mais perto de Deus e
nos tornar mais como Ele. Os cristãos enfrentam abertamente a realidade do
pecado na educação e veem todo o conhecimento como um meio de conhecer
a Deus e, por conseguinte, alcançar a “verdadeira virtude”.
Nesta perspectiva, portanto, a educação engloba um contínuo
arrependimento e uma guerra espiritual. Desde a queda de Adão, esta tem
sido a tarefa cristã, e não é diferente na educação. Os alunos, portanto,
precisam de orientação, correção, treinamento e repreensão, assim como
precisam de encorajamento, elogios e louvor. Eles precisam de discipulado
acadêmico. Para este fim, os educadores cristãos clássicos não podem
simplesmente ensinar matérias a indivíduos, eles devem lembrar-se de que
estão ensinando a alunos feitos à imagem de Deus. Como professores, eles
também são pastores.27

Algumas Objeções
Agora, alguns que ouvem falar da educação clássica, e mesmo alguns que a
experimentam, terão objeções. Para muitos, isso soa antiquado e enfadonho, e
traz à mente imagens de diretores rabugentos dando bronca em alunos
ressentidos. Nosso discurso sobre ordem e paz às vezes é recebido como
“rigoroso, frio e tacanho”. Alguns com um balanço de cabeça e uma
piscadela sussurram palavras como “decoreba” e imaginam que colocaram
toda a pedagogia clássica em seu devido lugar. A educação clássica, para
essas pessoas, só pode ser imaginada como triste, rígida, repetitiva, seca,
antiquada e culturalmente irrelevante.
Uma vez que as escolas clássicas elevaram o padrão acadêmico e
esperam das crianças desempenho muito mais elevado do que o padrão visto
nos últimos 50 anos, alguns nos acusam de excessiva dureza e uma ênfase
indevida na parte acadêmica. Visto que os alunos clássicos geralmente
representam os melhores 15% da nação em exameses padronizados, alguns
nos acusam de elitismo e suspeitam que apenas os alunos mais talentosos se
adaptem em escolas clássicas, ou que estes sejam os únicos alunos que
realmente recebemos. Daí vem a acusação relacionada à arrogância e ao
orgulho, pois o que mais poderia nos forçar a anunciar que nossos alunos
regularmente se saem melhor que seus colegas de outras escolas?
Há objeções aos currículos clássicos em geral. Latim no 3o ano? Lógica
por três anos a partir do 7o ano? Para alguns que nunca estudaram uma única
língua estrangeira ou mal podem lembrar de uma frase após três anos de
espanhol no ensino médio (a maioria de nós), o estudo do latim no terceiro
ano parece absurdo. Por que estudar um idioma “morto”, que não é apenas
irrelevante, mas também difícil? E para muitos, a lógica é um curso de nível
universitário que parece seco e obscuro.
Por fim, as escolas clássicas muitas vezes não oferecem muito em relação
a programas atléticos e atividades extracurriculares. Isto ocorre, em parte,
porque geralmente são escolas jovens que ainda estão se desenvolvendo com
tempo e dinheiro escassos. Também é devido às prioridades que regem as
escolas clássicas, que dão primazia à parte acadêmica sobre outras áreas. O
principal compromisso com a parte acadêmica é criticado por alguns como
sendo parcial, desequilibrado e enfadonho.

Eu responderei a cada uma dessas críticas.


Não procede que uma escola ordenada e pacífica deva ser severa e fria. É
possível ter estudantes respeitosos, disciplinados e diligentes em um
ambiente caloroso e entusiasmado. É possível ser sério sobre o trabalho sem
se levar tão a sério; é possível ser trabalhador e alegre. Nós entendemos que
isto é raro, mas afirmamos que isto está sendo recuperado.
A acusação de elitismo não pode ser estabelecida simplesmente com base
no forte desempenho dos alunos. As escolas clássicas são tipicamente uma
seção transversal da comunidade com índices comuns de alunos medianos e
alunos superdotados. Na minha experiência, o porquê de os estudantes
clássicos obterem bons resultados em exames padronizados é que os métodos
clássicos de ensino realmente funcionam e permitem que os alunos realmente
adquiram habilidades e conhecimentos. Além disso, os estudantes clássicos
geralmente adquirem hábitos de estudo diligentes e disciplinados, o que pode
resultar em um desempenho superior mesmo em alunos de inteligência
normal. Sempre que um aluno (ou uma escola em geral) se destaca
academicamente, há uma tentação ao orgulho. Esta é uma fraqueza na
educação clássica, da qual devemos nos arrepender sempre que aparecer.
Gostaria, porém, de salientar que o fracasso acadêmico (ou a mediocridade)
traz suas próprias tentações — desespero e apatia, e exigem seu próprio
arrependimento.
As objeções aos currículos clássicos geralmente são o resultado de nossa
própria ignorância — uma forma de xenofobia. Podemos criticar o que nos é
estranho. Isto é agravado porque os currículos parecem ser compostos de
“coisas antigas” (como o latim) em uma época que adora a novidade sem fim.
Estudar o latim parece ir contra essa mentalidade. É claro, porém, que algo
não seria ruim apenas por ser mais antigo tanto quanto não seria bom apenas
por ser novo. O julgamento deve ocorrer em outros méritos além dos da
idade, e os méritos do latim e do estudo da lógica são numerosos.
É verdade que as escolas clássicas há pouco fundadas não têm muito a
oferecer no que diz respeito a programas atléticos e extracurriculares. É
verdade para a maioria das novas escolas de qualquer tipo. Também é
verdade que as escolas clássicas enfatizam a parte acadêmica precisamente
porque uma boa ênfase acadêmica é o que muitas vezes as escolas americanas
não têm. Não quero dizer que as escolas clássicas não valorizam as atividades
atléticas e extracurriculares — elas o fazem. No entanto, elas estão em
segundo plano, vindas depois de um forte programa acadêmico, e nossos
recursos limitados devem ser direcionados à parte acadêmica em primeiro
lugar. Nos períodos iniciais da escola, muitas vezes procuramos ajuda
voluntária para estabelecer programas esporádicos e extracurriculares.

Indo para Casa


Se nos atrevemos a chamar o movimento de educação clássica de
movimento, então ele deve estar se movendo para algum lugar. Como eu
disse, pensamos que estamos caminhando para trás e para frente ao mesmo
tempo. Nós estamos indo para casa a fim de nos mudarmos. E se tomamos
um passo mais audaz e chamamos o que estamos fazendo de uma revolução,
então é melhor que voltemos atrás ou re-tornemos aos nossos amigos do
passado que foram educados muito melhor do que nós. Devemos estar
decididos a trabalhar duro; e devemos esperar oposição, pois nem todos
entenderão e apreciarão esse esforço. A cultura popular está contra nós; nossa
própria educação precária está contra nós. E devemos ser pacientes, pois essa
tarefa levará tempo. O que foi perdido em uma geração ou duas
provavelmente levará muito tempo para se recuperar completamente.
Nós nadamos contra a correnteza, decididos a não ser carregados por
ela.28 Experimentamos algo antigo que está se tornando novo novamente;
temos uma sensação de mente e espírito profundamente melhores, uma
conversa contínua com grandes mentes, uns com os outros, e com o próprio
Deus. Os livros, e não a TV, nos encantaram mais uma vez:
Do coração deste campus escuro e solitário
Posso ouvir a biblioteca cantarolando sob o luar,
Um coro de autores murmurando em seus livros
Pelas prateleiras ordenadas e opacas,
Giovanni Pontano ao lado do Papa,
Dumas, Pai seguido de seu filho,
Cada qual pontilhado sob sua própria manta,
Juntos tecendo um acorde linguístico suave mas colossal.
Ouço a voz de minha mãe lendo para mim,
Da cadeira frente à cama, livros sobre cães e cavalos,
E naquela voz repousam outros sons, distantes,
São os pavores de um estábulo em chamas durante as trevas,
Um latido que se move e ecoa pela linguagem da fala.29
As bibliotecas nos fascinam e atraem. Ouvimos esses autores sussurrando
e ficamos irritados por estarmos fora da conversa; nós abrimos caminho,
puxamos Dumas e seu filho da prateleira, e ali os deixamos, zumbindo em
nossa maleta durante todo o caminho de volta para casa. Gastamos mais
dinheiro do que devemos nas livrarias e buscamos livros usados na internet.
Alguns de nós, como Billy Collins (o poeta citado acima), nos faz lembrar de
nossas mães lendo para nós; a maioria de nós lê livros que deveríamos ter
recebido para lermos há muito tempo. Lemos aos nossos filhos.
Pensamos em nossas mães, lemos para nossos filhos; olhando para o
passado, podemos contemplar o futuro. Educadores clássicos são
esperançosos e têm seus olhos voltados para o futuro; eles parecem pensar
que as excelências do passado são a melhor preparação para o que está por
vir. Todos concordam que, enquanto os tempos mudam, a natureza humana
permanece a mesma, fazendo com que livros e a voz de nossas mães lendo
para nós sejam algumas das coisas mais profundas que conhecemos e os
presentes mais profundos que podemos transmitir. A educação clássica se
revela, no fundo, como o amor que temos por nossos filhos, a quem damos o
melhor que recebemos.
Espero que algumas de suas perguntas tenham sido respondidas; sem
dúvida, muitas mais têm surgido. Mas eu também espero que tenha havido
algo como um toque da verdade soando através dessas páginas, ou talvez um
sentimento de partes correspondentes como que se encaixando, um enigma
sendo desvendado. Claro que há mais a aprender; com esse propósito, incluí
uma bibliografia que poderá orientá-lo em suas inquirições. Se seus olhos
ainda não viram o que afirmamos existir, visite uma escola clássica, uma
cooperativa ou escola domiciliar e programe-se para comprovar a evidência
— as crianças que encarnam o passado e o futuro. Estamos convencidos de
que elas despertarão o seu interesse e mais . . . perguntas.
1 Thomas Oden. After Modernity … What? An Agenda for Theology. Grand Rapids, Zondervan, 1990.
p. 21.
2 Foi o escritor do período inicial da Idade Média Marciano Capela quem nos legou o cânone das Sete
Artes liberais (compostas pelo trivium e pelo quadrivium) em seu livro De nuptiis Philologiae et
Mercurii. Capela viveu aproximadamente do ano de 410 ao de 449, mas seu livro chegou ao topo de
sua influência nos séculos IX e X.
3 Martinho Lutero. Three Treatises. Philadelphia, Fortress Press, 1978. p. 94.
4 O falecido latinista, atuante em Harvard, E. K. Rand, esboça o antigo currículo de Harvard para nós:
“Eu chamaria a atenção do leitor para uma página do anuário de Harvard em 1830–1831. Minha cópia
não é limitada, mas, mesmo quando resumida, esse volume de trinta e uma pequenas páginas ainda
seriam portáteis. Ele estabelece um cronograma para os alunos do período Freshmen, Sophomores,
Junior Sophisters e Senior Sophisters. O programa é baseado nas literaturas da Grécia e de Roma, e
muitos dos autores estão listados aqui. Mas há também matemática através do cálculo, história geral e
história antiga com “antiguidades gregas”, Grotius, De Veritate Religionis Christianae, gramática do
inglês, retórica e composição temáticas e forenses, e oratória, línguas modernas, lógica, filosofia e
teologia, filosofia natural, incluindo mecânica, química, eletricidade e magnetismo, com palestras
“experimentais” — tudo isso até o final do período “Junior”. A grande característica dos Seniores é que
nenhuma literatura clássica é prescrita; os autores antigos foram transcendidos para o ensino superior
— filosofia natural, incluindo a astronomia, a ótica, a mineralogia e a filosofia da história natural,
também a filosofia e a teologia intelectuais e morais naturais e reveladas. As línguas modernas ainda
são estudadas, retórica e composição temáticas e forenses ainda são exigidas. Finalmente, notamos
economia política, anatomia, além de Rawle “Sobre a Constituição dos Estados Unidos”. Rand E. K.
Founders of the Middle Age. New York, Dover Publications, 1957. p. 231.
5 G. K. Chesterton. What’s Wrong With the World. San Francisco, Ignatius Press, 1987. p. 112. Em
outro lugar, Chesterton escreve: “A educação é uma palavra como ‘transmissão’ ou ‘herança’: não é
objeto, mas método. Isso significa a emissão de certos fatos ou qualidades, até o último bebê recém-
nascido”. Ibid., p. 161.
6 C. S. Lewis questiona a honestidade da educação “progressista” e “neutra”, ressaltando que mesmo os
relativistas buscam seus próprios valores e dogmas: “O ponto crucial não é a natureza precisa de seu
fim, mas o fato de eles terem um fim em absoluto. Eles devem ter ou o seu ... livro é escrito sem
propósito. E esse fim deve ter um valor real aos seus olhos. Abster-se de chamá-lo de “bom” e de usar,
em vez disso, tais predicados como “necessário” ou “progressista” ou “eficiente” seria um subterfúgio.
Eles poderiam ser forçados por argumentos a responder às perguntas “necessárias ao quê?”,
“progredindo para o quê?”, e eficiente para o quê?”; em última instância, eles teriam de admitir que, em
algum dado momento, sua opinião era boa por si só”. C. S. Lewis. The Abolition of Man: How
Education Develops Man’s Sense of Morality. New York, Macmillan, 1947. p. 40.
7 Chesterton escreve, em contraste: “Essa é a educação eterna; ter certeza o suficiente de que algo é
verdade a ponto de ousar contar isso a uma criança”. G. K. Chesterton. What’s Wrong With the World.
San Francisco, Ignatius Press, 1987. p. 167.
8 Tradução livre. We shall not cease from exploration / And the end of all our exploring / Will be to
arrive where we started / And know the place for the first time. (N. do. T)
9 O autor utiliza a língua inglesa no original. No entanto, substituiu-se pela língua portuguesa sempre
que cabível. (N. do. T.)
10 Equivalente ao ENEM. (N. do. T.)
11 Aqui, o autor fornece um exemplo prático de como é ensinada a língua e seus rudimentos e
literaturas numa sala de aula clássica de falantes da língua inglesa. No caso, visto que o português tem
base no latim muito mais forte que o inglês, esta aplicação com a língua portuguesa é ainda mais
intensa. (N. do. T.)
12 O que faz um clássico? A palavra clássico/clássica é flexível e ambígua. Deriva da palavra latina
classis, que originalmente significava uma “frota de navios”. Ela veio a se referir a grupos de pessoas
— classes de pessoas. Em inglês [e também em português], o termo preserva esse significado como em
uma classe de alunos do 1º ano. Ela também possui um significado que conota algo da mais alta ordem
— algo elegante transmite bem o sentido, ou de primeira classe. E a palavra latina classicus referia-se à
mais alta classe de cidadãos romanos. A palavra clássico preserva esse significado de ser o melhor.
Assim, estudiosos como Mortimer Adler referem-se aos clássicos como livros de valor duradouro.
Livros que são chamados de “grandes livros” geralmente são sinônimo dos “clássicos”. No entanto, os
livros que são clássicos são obras duradouras, o que significa que elas são obras mais antigas,
comprovadas por avaliações positivas ao longo do tempo. É possível que um novo livro seja um ótimo
livro, mas só saberemos de fato depois de uma ampla e aclamada crítica e influência. No entanto, levará
tempo para que novos grandes livros se tornem clássicos, se de fato eles passarem no teste. Charles Van
Doren referiu-se a grandes livros como “os livros que nunca mais precisam ser escritos”.
13 Em dois volumes que precedem a série Grandes Livros do Mundo Ocidental (Great Books of the
Western World), Adler e William Gorman dedicam dez páginas de artigos a cada uma das 102 “grandes
ideias” que acreditavam estarem contidas e discutidas nos livros clássicos da civilização ocidental. Os
dois volumes são intitulados The Great Ideas: A Syntopicon. Encyclopedia Britannica, 31. ed. Chicago,
1989).
14 C. S. Lewis. On the Reading of Old Books. In: God in the Dock: Essays on Theology and Ethics.
Grand Rapids, Eerdmanns, 1970. p. 202.
15 Mortimer Adler. Great Ideas from The Great Books. New York, Washington Square Press, 1961. p.
106.
16 Wilson cita essa conversa entre Francis Kelsey e Bauer em seu livro: Recovering the Lost Tools of
Learning. Wheaton, Crossway, 1991. p. 89.
17 G. K. Chesterton. Ibid. p. 166.
18 O livro Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business (Neil Postman.
New York, Penguin, 1984) é, com alicerces sólidos, uma exposição de como a TV tem influenciado e
moldado a forma como nos comunicamos e pensamos. Ele dedica um capítulo às formas como a TV
moldou a educação, argumentando que “a principal contribuição da televisão para a filosofia
educacional é a idéia de que o ensino e o entretenimento são inseparáveis”. Ibid. p. 147.
19 James Sire destacou a importância destas “virtudes intelectuais” em seu livro Habits of the Mind:
Intellectual Life as a Christian Calling (Downers Grove, InterVarsity Press, 2000). O livro é leitura
valiosa para educadores clássicos.
20 Competição nacional dos EUA para receber bolsas de estudo. (N. do. T.)
21 16 Gene Veith e Andrew Kern documentaram esses resultados em seu livro, Classical Education:
Towards the Revival of American Schooling (Washington, DC, Capital Research Center: 1997), 24. A
Associação de Escolas Clássicas e Cristãs publica um diretório anual que lista os resultados das análises
padronizadas da maioria das escolas da associação, e que indicam que as escolas do ACCS estão em
média no percentil 15 superior.
22 Embora seja mais difícil medir o crescimento do ensino domiciliar, sabemos que a maioria dos
livros e materiais clássicos são comprados por essas famílias, o que indica que os alunos que recebem
educação domiciliar são mais numerosos do que os das escolas tradicionais.
23 T. S. Eliot. Christianity and Culture. Orlando, Harcourt Brace & Co., 1939. p. 181.
24 O matemático e teólogo Vern Poythress demonstrou que “2 + 2 = 4” não é religiosamente neutro
nem religiosamente incontroverso. Ele escreve: “Pode surpreender o leitor saber que nem todos
concordam que 2 + 2 = 4”. Se com Parmênides se pensa que tudo é um, se com o hinduísmo vedanta se
pensa que toda pluralidade é ilusão, ‘2 + 2 = 4’ é uma declaração ilusória. No nível mais definitivo de
ser, 1 + 1 = 1. Infere-se o que disso? Mesmo as verdades aritméticas mais simples só podem ser
sustentadas em uma visão de mundo que reconheça uma pluralidade metafísica final no mundo, seja a
pluralidade trinitária, seja politeísta, seja a forçada”. (Vern Poythress. A Biblical View of Mathematics.
In: Foundations of Christian Scholarship. Filadélfia, P & R, 1975). p. 86. Para Poythress, é a doutrina
cristã da Trindade que mantém a unidade e a pluralidade matemáticas, sustentando assim a unidade e a
pluralidade reais em equações como “2 + 2 = 4”. James Nickels lançou o livro Mathematics: Is God
Silent, no qual ele explora uma visão explicitamente cristã da matemática.
25 Trinta e três anos depois, em 1944, Mark Noll viria a declarar em seu livro The Scandal of the
Evangelical Mind (Grand Rapids, Eerdmans, 1994): “O que é escandaloso na mentalidade evangélica é
que nela não tem muita coisa de mentalidade evangélica”. Ele cita Blamires (The Christian Mind: How
Should a Christian Think?), constata existir certa restauração, mas bem parcial, e urge aos cristãos que
completem essa recuperação.
26 John Milton. On Education. In: The Harvard Classics. New York, Collier and Sons, 1910. v. 3, p.
286.
27 Ted Tripp escreveu uma obra abrangente sobre a criação de filhos, intitulada Pastoreando o
Coração da Criança, na qual ele argumenta em favor do liderar os filhos a uma mudança interior e
duradoura, apelando a seus corações e consciências através de uma aplicação do Evangelho cristão. O
livro guiou muitos educadores clássicos conforme eles formulam e implementam práticas disciplinares
em escolas e na educação domiciliar.
28 Chesterton também disse em algum lugar, “Coisas mortas seguem o fluxo da correnteza; só os seres
vivos nadam contra ela”.
29 Tradução livre. Billy Collins. Sailing Around the Room. New York, Random House, 2001.
BIBLIOGRAFIA
Obras Gerais Pertinentes à Educação Clássica

G. K. Chesterton. What’s Wrong with the World. [O que Há de Errado com


o Mundo. Editora Ecclesiae.]
T. S. Eliot. Christianity and Culture.
C. S. Lewis. God in the Dock.
Mark Noll. The Scandal of the Evangelical Mind.
Thomas Oden. After Modernity, Then What?
Neil Postman. Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of
Show Business.
E. K. Rand. Founders of the Middle Ages.
James Sire. Habits of the Mind: Intellectual Life as a Christian Calling.
Paul Tripp. Age of Opportunity. [A Idade da Oportunidade. Editora Batista
Regular.]
Ted Tripp. Shepherding a Child’s Heart. [Pastoreando o Coração da
Criança. Editora Fiel.]
Richard M. Weaver. Ideas Have Consequences.

Obras sobre Educação

William Bennett. The Educated Child.


E. D. Hirsch, Jr. The Schools We Need & Why We Don’t Have Them.
C. S. Lewis. The Abolition of Man. [A Abolição do Homem. Editora WMF
Martins Fontes.]
John Newman. The Idea of a University.
Obras sobre Educação Clássica

Mortimer Adler. Reforming Education.


Santo Agostinho. On Christian Doctrine. [A Doutrina Cristã. Editora
Paulus.]
Susan Wise Bauer. The Well-Educated Mind. [Como Educar sua Mente.
Editora É Realizações.]
Alan Bloom. The Closing of the American Mind.
Stanley Bonner. Education in Ancient Rome.
E. B. Castle. Education Ancient and Today.
H. I. Marrou. A History of Education in Antiquity. [História da Educação na
Antiguidade. Editora Kírion]
John Milton. Of Education.
Pierre Riche. Education and Culture in the Barbarian West.
Dorothy Sayers. The Lost Tools of Learning. [As Ferramentas Perdidas da
Educação.]
Gene Edward Veith, Jr. & Andrew Kern. Classical Education: Towards the
Revival of American Schooling.
Douglas Wilson. Recovering the Lost Tools of Learning.
Sites Valiosos

The American Classical League:


www.aclclassics.org
The Association of Classical and Christian Schools:
www.accsedu.org
Classical Christian Homeschooling:
www.classicalhomeschooling.org
Classical Academic Press:
www.classicalacademicpress.com
The National Committee for the Study of Latin and Greek:
www.promotelatin.org
The Well-Trained Mind:
www.welltrainedmind.com
Sobre o Autor
Dr. Christopher Perrin é o editor da Classical Academic
Press, consultor em educação cristã clássica e Diretor da Alcuin Fellowship.
Dr. Chris foi professor na universidade Messiah College e no Seminário
Chesapeake Theological Seminary, e também atuou como diretor da escola
cristã clássica Covenant Christian Academy em Harrisburg, nos EUA.
Licenciado em História pela University of South Carolina, com mestrado em
teologia pelo Westminster Theological Seminary na Califórnia e doutorado
em Apologética pelo Westminster Theological Seminary na Philadelphia.

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