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©EditoraConcreta,2017
Osdireitosdestaediçãopertencemà
E D ITO R A C O N CR E TA
RuaDr .V ale,24,conj.402–BairroFloresta–CEP:9056-1
PortoAlegre–RS–elefone:
T (51)96-87–e-mail:contato@editoraconcreta.com.br
E D ITO R :
RenanMartinsdosSantos
C O O R D E N A D O R A E D ITO R IA L :
CamilaAbadie
T R A D U TO R E S :
MárciaXavierdeBrito(coord.)
EvandroFerreiraeSilva
HugoLangone
MarcelaSaintMartin
WilliamCamposdaCruz
R E V IS Ã O :
MárcioScansani
IL U S TR A Ç Õ E S :
CarolinaPontes
C A PA ‰E D ITO R A Ç Ã O :
HugodeSantaCruz
D E S E N V O L V IM E N TO D E E BO O K :
Loope–designepublicaçõesdigitais
www .loope.com.br
Lang,Andrew,184-92
L2691oOFabulosoLivroAzul[livroeletrônico]/ediçãodeRenanSantos.–PortoAlegre,
RS:Concreta,2017.
ISBN978-5624
1.Literaturainfantil.2.Contosdefadas.3.Folclore.4.Coletânea.I.Título.
CDD-80.92
Reservadostodososdireitosdestaobra.Proibidatodaequalquer
reproduçãodestaediçãoporqualquermeioouforma,sejaelaeletrônica
oumecânica,fotocópia,gravaçãoouqualquermeio.
w w w. edit
oraconcret
a. com . br
uem acompanha os dad os referentes ao sistem a
Q
estamos
OCDE
educacional
e acentuada
napenúltima
parao ranking
brasileiro
posição
temvisto,
decadência.
entre
internacional
anoapósano, uma nítida
Pesquisas recentesindicam
os36 paísesinvestigados
deeducação. Agravando
que
pela
ainda
mais o quadronacional, metade dos nossosuniversitários são
analfabetos funcionais. As trágicasrepercussões dissofazem-se
sentirdemuitasformasemtodaasociedade.
Enquanto os governantes repetem infinitamente
as soluções de
sempreà situação, seja propondoaumento da cargahorária de
aulas,aumento do númerode anosde frequência obrigatória,
melhorremuneração aos professores, (a clássica) “mais
investimentos em educação”, ouaindauma combinação de todas as
opçõesanterio res,poucoou nadarevelando, contudo,sobre o que
defato têm em mente ao falarem educação, acredito
que grande
parte da solução do problema passaporuma distinção entre
educação e escolarização.
Em termos gerais,pode-se dizerque a primeira envolve a
totalidade
dosujeito, conduz indo-odemaneira autoconsc
iente para
alémdesimesmo em direção aosoutros, aomundoe à realidade;
jáa segunda diz respeitobasicamentea um conjuntodehabilidades
que têm porobjetivo a prep araçãoda pessoaparao mundodo
trabalho.
Assim, compreend erque educação e escolarizaçãosão
coisasdiferentes,sendoa primeira muito maisampla,profunda e
podendo ou nãoabarcar a segunda,geraentão a pergunta sobre
quem seriam os responsáve isporeste processoque extrapola em
muitooâmbitodaescola.
A resposta contempla duaspossibilidades: em se tratando de
indivíduosadultos,elespróprios são os responsáveis pela
promoção de seucrescimen to;poroutro lado,no entanto, em se
tratandodecrianças, os pai s sãoos responsáveis porconduzi-las
nestecaminho paraalémdesimesmas, ampliando seushorizontes
e possi
bilitandosuainserção nomundodemodomuito maispleno.
E é pensando nelas,nascrianças, que o seloHomebooksvem a
público.
Ao contrário
doqueafirmamosespecialistas, acreditoque ospais
têm condiçõesde educarseus filhos,adotando ou não,
paralelamente, o apoioda escola.Baseada nessaconvicção,
confirmadapelarealidade de um incontável númerode famílias
brasileiras
que praticam o homeschooling, o seloHomebooks
pretende oferecer aos lei tores conteúdos de qualidade que
contribuam para a restauração do protagonismo familiarna
educação dosfilhos.Paraiss o, estão entreosalvos contosdefadas
em suas versõesoriginais,manuais dehomeschooling, apostilasde
diferentesdisciplinasemuitomais.
Esperoqueesta iniciativa,
empreendida poruma simples donade
casae mãe homeschooler, e acolhida tão calorosamente porum
joveme entusiasmado edito r, encorajevocê, leitor
, a nãoesperar
pelas velhas “soluções”governamentais, mas a assumir o seu
quinhão de responsabilidade pelaconquista de uma formação
melhor parasuascrianças e, consequentemente, de um futuro
melhor parao nosso país. Q uiçá a longoprazoconsigamos auxiliar
nareversãodotristecenárioatual.
Comumabraço,
C AMILA A BADIE
Coordenadora do selo Homebooks
A G R AD EC IM EN TO S A O S CO L A BO R A D O R E S
Capa
FolhadeRosto
Créditos
Homebooks
Agradecimentosaoscolaboradores
Prefácioàediçãobrasileira
1.Oquepodemosaprendercomashistóriasdefadas?
2.AshistóriasdefadasnoBrasil
3.Ummundofeitodepalavras
Daprofissãodeféaotrabalhoconcreto
Prefácioàediçãooriginal
AsDozePrincesasBailarinas
APrincesaFlor-de-Maio
OCastelodeSoriaMoria
AMortedeKoschei,oImortal
OLadrãoNegroeoCavaleirodo aleVEstreito
OLadrão-Mestre
IrmãoeIrmã
PrincesaRosette
OPorcoEncantado
ONorka
ABétulaMaravilhosa
JoãoeoPédeFeijão
Omaravilhosocrescimentodopédefeijão
Agalinhadosovosdeouro
Ossacosdemoedas
Aharpafalante
Ogigantequebraopescoço
ORatinhoBom
GraciosaePercinet
AsT rêsPrincesasdaBrancolândia
AV ozdaMorte
OsSeisTolos
KariVestido-de-pau
RabodePato
OApanhadordeRatos
AverdadeirahistóriadaChapeuzinhoDourado
ORamodeOuro
OsT rêsAnões
Grimsborken,oordilho
T errível
T
OCanárioEncantado
OsDozeIrmãos
Rapunzel
AFiandeiradeUrtigas
OFazendeiroBarbatempo
SenhoraHolle
Minnikin
ANoiva-arbusto
BrancadeNeve
OGansodeOuro
OsSetePotrinhos
OMúsicoProdigioso
AHistóriadeSigurd
Prefácio à edição brasileira
“No princípio era a Palavra”.. O versículo de abertura do
Evangelho de São João já nosintroduz à verdade ancestral do
poder dalíngua e dacomunicação.Atébem poucotempo atrás,a
maioriadapopulação domundoeraanalfabeta; entretanto, issonão
impediu que a imaginação humanatransmitisse seu tesouro de
sabedoria de geração em geração.A “literatura”– tanto a prosa
quanto a poesia – eracontad
a, nãoescrita;ouvida,nãolida. Adultos
e crianças traziamasnarrati
vasnamemóriae guardavam-nas com
um carinhotodo especial,
daía expressão “saber decor ”, ou seja,
saberde coração.Ao contar taishistórias,as pessoasas
reelaboravam, acrescentavam as próprias
ideias,demodoa torná-
lasmais agradáveis e divertidas parao público ouvinte, mas,
mesmo assim,transmitiam o núcleo dessasnarrativase a liçãoque,
porvezes,traziamconsigo.
Com o advento da escritae, posteriormente,
da imprensa, tais
histórias foram preservadas e, já desacostumados com a
espontaneidade da oralidadee aficionadospela autoria individual,
muitasvezes, os homenspassaram a tomarporautores os que as
recolheram e asanotaram.Contos popularese contos defadasnão
sãoobr asdeautoria única,mas simdemilhares deanônimos que,
aol ongodosséculos,deixaram marcasdesuacriatividadee gênio
noimagináriodahumanidade.
Assim, ashistórias datradição oralsãoo elovitalquenosuneao
universo de imaginação de homense mulheres de incontáveis
geraçõesdesde a criaçãodo mundo, sãoa prova da “democracia
dosmortos”tãolouvadaporG.K.Chesterton.
1. O QUE PODEMOS APRENDER COM AS HISTÓRIAS DE FADAS?
O escritorescocêsGeorgeMacDonald(1824-905), nosensaios
“The Imagination: Its Functions and its Culture” [“A Imaginação:
Suas Funções e Sua Cultura”], de 182, e “The Fantastic
Imagination” [“A Imaginação Fantástica”], de 1893, desenvolve a
ideiade que o uso da imaginação é indispensável à nossa
humanidade, visto que a imaginação humanaé, na finitude, o
equivalente aoinfinitopoder criador deDeus. Porsera imaginação
a faculdade de todasas percepções,é possível perceber
(especialmente parao artista) as verdades que Deus colocou no
seiodomundo.
Mais tarde,já no século XX, C. S. Lewis (189-63) insiste
em
dizerque, como alimento da imaginação, a fantasia dá, tanto às
criançasquanto aosadultos, uma impressão maisverdadeira do
mundo real do que a mais “realista” das literaturas. [ 1 ]É
positivamenteescapista,umaespéciedeexercícioespiritual
experiênciasimaginativasdeviolência e dorprepara osleitorespara
enfrentaros verdadeirosperigos davida real, taiscomo a morte, a
violência,
asferidas,a covardia e o mal.Lewistambémressalta que
a fantasiaé, essencialmen te, tingidade significado moral e de
potencialparamudaravida.
Enumeraremos aquialgumascaracterísticas comunsa todas as
históriasque podem ajudar-nos a decifrar o mistério do poder
dessasnarrativasdeencantamento.
Ícones morais
Procuramos uma expansão denossoser . Queremossermaisdo
que somos. Ler histórias, afirmaC. S. Lewis, é um modo de
vivenciar o mundodeoutros pontosdevista alémdonosso próprio;
aprender a “ver com outros olhos”éumadesuasfunçõescentrais.
Neste sentido, a boaleitura podefornecer ao leitor
oport
unidades
deempatia, departicipação navida dosoutros,algoquenãoé tão
facilmente alcançado na vidadiária.Ensinaa desenvolver a
percepção (metafórica assimcomo visual) , a imaginação e as
afeições ou emoções.
Ler histórias,portanto,podepermitir queo leitorvivencieasvidas
moraisde outros por dentro – e nissose incluem os motivos,
intenções, raci
ocínios e valores que moldamum ato moral.Neste
sentido, como já dissemos, a experiêncialiterária
permite ao leitor
“ensaiar”, na imaginação,as reaçõesàs diversas situações
possíveis, desenvolver a percepção de situações de escolhase
descobrir
uma gama deexperiências
moraissem asconsequências
inevitáveisdomundoreal.
O modo como reagema tal participação
imaginativa
empática
podeou nãooferecer informações
às vidase ações dosleitores,
mas, com certeza,
lhesdaránovos
pontosdereferência,
imagense
“ícones”pelos quaispossam“interpretar
ou avaliarsua própria
experiência”.
Se issoprocede,então a literatura
tema função
valiosa
dereinterpretação
domundoe deantecipação depossíveis
experiênciasfuturas.
Nãoqueremosentediaroleitorcomumasucessãodecitaçõesq
defendem
o mesmo ponto devista.Aindaassim,dadocerto clima
deopin
ião,jul
gamos necessárioinsistir
noassunto.No esboçode
uma carta
dirigida
a W alter
Allen,J. R. R. Tolkien
falasobrea
de O Hobbit e tece
redação algumasconsideraçõesgeraissobre
literaturadirigidaacrianças.Eassimconcluiacarta:
Uma palavra
honestaé uma palavra
honesta,
e só podeserconhecida
no contexto
certo.
Um bom vocabulário
nãoseadquirecom a leitura
delivros
escritos
segundouma
noçãodevocabulár
iodedeterminada
faixaetária.
Vem daleitura
delivros
acimadela.
[
4 ]
E, demodoabsolutamente encantador, AnneShirley
, personagem
deL. M. Montgomery em Anne de Green Gables, diz: “As pessoas
riemde mim porqueutilizo palavrasgrandes.Mas se você tem
grandes ideias,deveusargrandes palavrasparaexpressá-las,
não?”[5]
Ao recontarhistórias
tradicionais,
vivemosuma espéciede
comunhão invi
sível
com os que nosprecederam,
uma espécie
de
ligação
mística
com o passado
que passaa informar
o presente
e
nosfortaleceparacompreenderosentidodavida.
Márcia Xavier de Brito e William Campos da Cruz
SãoPaulo,agostode2017
[ 1 ]C. S. Lewis, “On Three Ways to Write for Children”, in: Of This and Other Worlds,
Londres,Collins, 1982, pp. 64-5. Também disponível em: As Crônicas de Nárnia: Volume
único, trad . Paulo Mendes Campose Silêda Steuernagel, SãoPaulo,W M F Martins Fontes,
209,p.741ss.
[2] CecíliaMeireles, Problemas da literatura infantil,SãoPaulo,Global,2016,pp.18-20.
rFrankl,Sede de sentido, trad.
[ 3 ]Vikto Henrique Elfes, São Paulo,Quadrante, 203, p.
14.
[ 4 ]J. R. R. Tolkien, The Letters of J.R.R. Tolkien, Londres,Houghton Mifflin,20, pp.
298-[trad.doeditor].
[ 5 ]L. M. Montgomery , Anne of Green Gables, Boston, The ColonialPress,195, p. 23
[trad.doeditor].
[6 ]C. S. Lew is, “On Reading of oldbooks”,in: God in the dock, GrandRapids,Michigan,
WilliamB.EerdmansPublishingCompany ,2014.
[ 7 ]Russel
Kirk, “ThePerversity
of Recent in: Redeeming the Time, Wilmington,
Fiction”,
Delaware,IntercollegiateStudiesInstitute,196,pp.83-5.
Prefácio à edição original
Em um segundo respigar pelos camposda terra encantada, não
podemos esperarencontrar um segundo Perrault.
No entanto,ainda
sobraram histó
rias muito boas, e esperamos que O Fabuloso Livro
Vermelho ten ha o atra tivode sermenosfamiliar que muitos de
nossos antigosamigos. As histórias foramtraduzidas ou, no caso
daslongas histórias de Madame D’Aulnoy , adaptadas. PelaSra.
Hunt,as histórias do norue guês, pela Srta.Minnie W right,as de
Madame D’Au lnoy , pela Sra. Lang e a Srta.Bruce,as de outras
fontes francesa
s, pela Srta.May Sellar , Srta.Farquharson e a Srta.
Blackley , as do alemão,ao passoque a história de Sigurd foi
condensada peloeditor a partirda versão em prosa da Saga dos
Volsungos, do Sr. Willia m Morris.O editor temde agradecer ao
amigo, M. Charles Marelles, pelapermissão de reproduzir sua
versão dofrancês deO Apanhador de Ratos, deRabo de Pato e da
Verdadeira História de Chapeuzinho Dourado, e a M . HenryCarnoy
pelo mesmo privilégio em re lação à história Os Seis Tolos de La
Tradition.
Lady FrancesBalfour gentilmente copiouuma antiga versão de
João e o Pé de Feijão, e as Sras. Smithe Elderpermitiram a
publicaçãodeduasversões .Ralston
doSr apartirdorusso.
Andrew Lang,1890
AsDozePrincesasBailarinas
I
Á MUIT OS E MUIT OSanos,viviano vilarejo
de Montignies-
sur-Roc um jovemvaqueiro sem painem mãe. Seu
nomeverdadeiro eraMiguel,mas erasemprechamado
de Mira-Estrelas,
porquequandoguiavao gadopelos
camposembuscadepasto,sempreosacompanhavacomacabeça
levantada,olhando,pasmo,paraonada.
Como tinha a pelealva,os olhosazuis e o cabelotodo
encaracolado,asmoçasdovilarejocostumavamlheperguntar
—Bem,Mira-Estrelas,oqueestásafazer?
EMiguelrespondia:
— Oh, nada!– e prosseguia pelo caminho sem ao menosvoltar-
lhesoolhar.
Na verdade, ele as achavamuitofeias,com as nucasqueimadas
pelo sol,as m ãosgrandes e rubras,as anáguas ordináriase os
sapatosde madeira. Ouviraque em algumlugar do mundohavia
moças cujas nucaseram alvas e as mãos, pequenas,sempre
vestidasnas mais finassedase rendas e eram chamadasde
princesas. Enquanto seuscompanheiros ao redordo fogo nada
viamnas chamassenão imagenscorriqueiras,
ele
sonhav a queteria
afelicidadedesecasarcomumaprincesa.
II
Certa manhã,em meadosdeagosto, justoaomeio-dia,quando o
solesta va a pino,Miguelfez suarefeição de um pedaçode pão
secoe foidorm irdebaixodeum carvalho.Enquanto dormia, sonhou
que apareceu diantedele uma beladama, vestida em um traje de
ouro,quelhedisse:
— Vá parao castelo de Beloeil,
e lá deveráscasar-te com uma
princesa.
Naquela noite, o jovemvaqueiro,que estivera pensando muito
sobre o conselho dadamadovestido deouro,contou o sonhoàs
pessoas da fazenda.No entanto,como eranatural, elas riram do
Mira-Estrelas.
No diaseguin te,no mesmo horário,elefoi dormir novamente
debaixo damesma árvore.A damaapareceu-lhe uma segunda vez
edisse:
— Vá parao castelo de Beloeil,
e lá deveráscasar-te com uma
princesa.
À noite, Migueldisse aosamigos que sonhara o mesmo sonho
novamente, mas eles riramdelemaisdoque antes. “Deixe estar”,
pensou consig o mesmo, “sea damaaparecer pela terceira
vez, farei
oqueelamedisser”.
No diaseguint e, paragrande espanto detodo o vilarejo,
porvolta
deduashorasdatarde,ouviramumavozacantar:
—Ô,ô,vai,boizinho!
Eraojovemvaqueirolevandoogadodevoltaparaoestábulo.
O fazendeiro começoua ra lharcom ele,furioso,mas o rapaz
respondeucalmamente:
—V ouembora.
Juntou as roupas em uma trouxa,disseadeusparatodos os
amigose,segurodesi,saiuembuscadasorte.
Houvegrande alvoroçoem t
odoo vilarejoe, doalto dacolina, as
pessoasseguravamo risoenquanto assistiamao Mira-Estrelas
caminharpenosamente,
com bravura,
ao longodo vale, com a
trouxaamarradanapontadeumavara.
Por cer
to,a cenaerao bastante
parafazer qualquer
um dar
risadas.
III
Porvinte milhas aoredor, todossabiamquenocastelo deBeloeil
viviamdoze princesas deprodigiosa beleza,tãoorgulhosas quanto
belase que, alémdisso,erammuito sensíveise desanguereal tão
verdadeiroquesentiriam imediatamente a presençadeuma ervilha
nacama,mesmoqueoscolchõesaestivessemcobrindo.
Os rumoresé que levavam exatamente a vidaque as princesas
deveriam levar
, dormiam atétardepela manhã,e nuncaacordavam
antesdo meio-dia.Tinhamdoze camas, todas no mesmo quarto,
mas o fatoextraordinário
é queficavamtrancadas portrês ferrolhos
e, t
odasas manhãs, seussapatos de cetim eram encontrados
gastosecheiosdefuros.
Quandopergu ntadas a respeito do que faziam a noite toda,
semprerespondiam que dormiam;e, de fato,nuncase ouviu
nenhumbarulho no quarto. Entretanto,
os sapatos nãopoderiam
gastar-sesozinhos!
Porfim, o duque de Beloeil ordenou que tocassem a tro
mbeta e
proclamassem que se alguém descobrisse como suas filhas
gastavamossapatos,poderiaescolherumadelasemcasamento
Ao ouvira proclamação,vários príncipes
foramaté o castelotentar
a sorte
. Observaram a noite todaatrásda portaaberta do quarto
dasprincesas, mas quando a manhãchegava,todas desapareciam
enãohaviaquemdissesseoqueforafeitodelas.
IV
Quando chegou ao castelo, Migueldirigiu-se
ao jardineiro e
ofereceu seusserviços.Ora, aconteceudeo ajudantedojardim ter
acabado de serdemitido, e assim, emborao Mira-Estrelas não
parecesse muito forte,
o jardineiro
concordouem empregá-lo,pois
acreditavaque o seubelo rostoe os cachosdourados agradariam
àsprincesas.
A primeira
coisa quesoubeé quequando asprincesas acordavam
ele deveriapresenteá-las,
cadauma, com um buquê. Miguel pensou
que, se nãotivesse nadam aisdesagradável parafazer , elefaria
issomuitobem.
Destam aneira,postou-se at
rás daportadoquarto dasprincesas
com dozebuquêsem uma cesta. Deu um paracadauma dasirmãs,
que os pegaramsem nem mesmo concederem um olhar parao
rapaz,exceto a maisnova,Lina, quefixouosgrandes olhos negros
esuavescomoveludonomoçoeexclamou:
—Oh,comonossonovofloristaébelo!
As outras irromperam em risos,e a mais velha chamou-lhea
atenção dizen
do que uma princesa nuncadeveria se rebaixar a
olharparaumajudantedejardineiro.
Ora, Miguelsabiamuitobem o que acontecera a todos os
príncipes,mas aindaassim os belosolhosda princesa Lina
inspiraram-lheum desejo intenso de tentar
a sorte. Infeliz,não
ousouapresentar-com se, medo de que fizessem chacota ou
mesmo lhemandassememborado castelo por conta dessa
imprudência.
V
Entretanto,
o Mira-Estrelas
teveoutro sonho.A dama de vestido
dourado apareceu-lhemaisuma vez, segurando em uma dasmãos
duasarvorezinhas de louro,um loureiro-cerejae um loureiro-rosa.
Na outra mão, traziaum ancinho dourado, um baldinho dourado e
umatoalhadeseda.Assim,dirigiu-seaele:
— Plantaesses doisloureiros
em dois vasos grandes,afofa a terra
com o ancinho, regacom o balde e secacom a toalha. Quando
estiverem tãocrescidos como uma menina dequinzeanos,digaa
cadaum deles: “Meu belo lou
reiro,com o ancinhodourado teafofei,
com o balde dourado tereguei,com a toalha de sedatesequei”.
Depoisdisso,peçaqualquer coisa que quiseres,e os loureiroste
darão.
Miguelagradeceu à damadevestido dourado e, quando acordou,
encontrou doi
s pés de louro ao seu lado.Então, obedeceu
diligentementeàsordensdadaspelasenhora.
As árvorescresceram muitorápido,e quando estavam altas como
umameninadequinzeanos,eledisseparaoloureiro-cereja:
— Meu adorado loureiro-cereja,
com o ancinho dourado teafofei,
com o balde dourado tereguei,com a toalha de sedatesequei.
Ensina-mecomotornar-meinvisível.
Então,no mesmo instante, apareceu no loureirouma linda flor
branca,que Miguelcolheu e colocou na casado botã o de sua
roupa.
VI
Naquela noite,quando asprincesasforamserecolher noandar de
cima, eleas seguiudescalço, de modo que nãopudesse fazer
barulho,e seescondeu debaixodeuma dasdozecamas, paranão
ocuparmuitoespaço.
As princesas imediatamentecomeçaram a abriros guarda-roupas
e osbaús. Delestiraram osvestidosmaismagníficos,quetrajaram
diantedosespelhos. Quandoterminaram, viraram-se paratodos os
ladosparaadmiraraaparência.
Miguelnadapodia verdeseuesconderijo, mas podia escutartudo
e ouviuasprin cesasrindoe saltitando
com prazer. Porfim, dissea
maisvelha:
—Sejamrápidas,irmãs,nossosparceirosficarãoimpacientes!
Ao fim de uma hora, quandoo Mira-Estrelas nãoouviumais
barulho,espiou e viuas doze irmãsem trajes esplêndidos, com
sapatos de cetim nospés e, nasmãos, os buquês que elelhes
trouxera.
—Estaisprontas?–perguntouamaisvelha.
— Sim – responderam as outras
onze em coro,e tomaram seus
lugares,umaporuma,atrásdamaisvelha.
Nessaaltura, a princesamaisvelha deutrês palmas e o alçapão
se abriu.Todasas princesas desapareceram poruma escada
secretaeMiguelrapidamenteasseguiu.
Ao seguir os passosdaprin cesaLina, pordescuido elepisouno
vestido.
— Há alguématrás demim! – gritoua princesa– e estáprendendo
omeuvestido.
— Bobi nha! – dissea maisvelha.– Sempreestáscom medode
algumacoisa.Foiumpregoqueteprendeu.
VII
Descerammuitos e muitosdegraus atéque, porfim, chegarama
uma passagemcom uma porta no fundo,que só estava trancada
por um trinco. A princes
a mais velhaa abriue viram-se
imediatamenteem um bosqueadorável, ondeas folhaseram
salpicadasdegotasdeprataquecintilavamàluzbrilhanteda
A seguir
, atravessaram outro bosqueondeas folhaseram
polvilhadas
deouro,e depois desse,ainda passaram porum outro
bosque,cujasfolhasreluziamcomodiamantes.
Finalmente,o Mira-Estrelaspercebeu um grandelagoe, nas
margensdolago,dozebarqu inhoscom toldos em quesesentavam
dozepríncipesderemosempunhoaaguardarasprincesas.
Cada princesa entrou em um dos barcose Miguelentrou
furtivamente
naquele que levavaa princesamaisnova.Os barcos
deslizaram
pela água rapidamente,mas o barco deLina, porestar
maispesado,ficavasempreatrásdorestante.
— Nuncafomostão devagarantes – dissea princesa–; qualserá
omotivo?
— Não sei– respondeu o príncipe. – Asseguro-te que estou
remandoomaisqueposso.
Do outro
lado
do lago,o ajud
ante
dejardineiro
viuum belocastelo,
esplendidamente
iluminado,deondevinha
uma músicaanimada de
violinos,tímpanosetrombetas.Nomomentoquetocaramaterr
gruposaiudosbarcos,os príncipes,
após amarrarbem firmeas
embarcações,deramos braçosàs princesase levaram-nasao
castelo.
VIII
Miguelos seguiue entrou nosalão debaile junto
com o cortejo.
Haviaespelhos, luzes,flores e cortinasadamascadas
em todos os
lugares. O Mira-Estrelas estavabastante desconcerta
do com a
visãom agníficado lugar . Postou-se forada passagem, em um
canto,
admirando a graçae a belezadasprincesas.
Eram graciosas
deváriasmaneiras.Algumastinhamcabelosclaros;outras,escu
algumastinham cabelos castanhosclarosou cachosainda mais
escuros e, outras,
madeixas louras.
Nuncaforamvistastantasbelas
princesas juntas
deuma só vez, mas a queo vaqueiroachava mais
bonitaemaisfascinanteeraaprincesinhadeolhosdeveludo
Com que ânsia dançava! Apoiadanoombrodoparceiro, deslizava
como um rede moinho.Suas facescoravam,os olhos brilhavam e
estava claro que elaamavadançar maisdo que qualquer outra
coisa.
O pobre rapazinvejouos jovens e beloshomenscom quem ela
dançava tão graciosamente, mas nãosabiaporque ti nhatantos
ciúmesdeles.
Os rapazes,aomenosunscinquenta, eramrealmente
ospríncipes
quetentaram roubar o segredo dasprincesas.
As princesas
fizeram
com quebebessem algocomo uma poçãomágica quecongelava o
coraçãoenadamaisrestavasenãooamorpeladança.
IX
Dançaram atéos sapatos dasprincesas ficaremgasto s e com
buracos.Quando o galocantou pelaterceira vez, os violinos
pararam e uma ceiadeliciosa foiservidapormeninos negrosque
traziamfloresde laranjeira açucaradas,pétalas de rosa
cristalizadas,
violetas polvilhadas,biscoitoscrocantes, biscoitos
finose outrospratos que são, como todossabem, os favoritos das
princesas.
Depoisdaceia,todos osdan çarinosvoltarampara osseusbarcos
e dess a vez o Mira-Estrelas entrouno da princesa mais velha.
Cruzaramnovamente o bosquereluzentede diamantes, o bosque
polvilhadode ouroe o bosque cujas folhas eramsalpicadas de
gotas de prata e, como provado que vira,o rapazquebrouum
galhinho deuma árvore noúltimo bosque.Linavirou-se ao ouviro
barulhofeitopelogalhoquebrado.
—Oquefoiestebarulho?–perguntou.
— Não foinada– responde u a irmãmaisvelha –; foiapenas o
gritoda coruja-de-igreja
que se empoleira em uma dastorres do
castelo.
Enquantoela falava,Migueltratou depassar à frentee, correndo
escadaacima, alcançou primeiro o quarto das princesas. Abriu
rapidamente a janelae, descendopela trepadeira que subiapelas
paredes do castelo,viu-seno jardim assimque o solcomeçavaa
raiarejáerahoradeirparaotrabalho.
X
Naquele dia,quando confeccionava osbuquês, Miguel escondeu o
galho com gotinhas deprata noramalhete que iria
paraa princesa
maisjovem.
QuandoLina descobriu o galhinho, ficoumuitosurpresa. No
entanto, nadadisse às irmãs,mas encontrou o rapaz,poracidente,
enquanto caminhava soba sombradoselmos.Subitamente parou
como se fossefalar com ele;depois, mudando deideia,continuoua
caminhar .
Na mesma noi te,asdozeirm ãsforammaisuma vez par a o baile,
e o Mira -Estrelas novamente asseguiu e cruzouo lago no barcode
Lina. D essavez foio prínc ipeque reclamou de o barcoparecer
muitopesado.
— É o calor – respondeu a princesa. – Eu tambémestoumuito
acalorada.
Durante o baile,
ela procurou em todos oslugares peloajudantede
jardineiro,masnãooviumais.
Ao voltar , Miguelcolheu um galho dobosquedefolhas polvilhadas
deouro,e nes semomento,foia maisvelha dasprincesas queouviu
obarulhoqueogalhofezaoquebrar .
— Não é nada– disse Lina; – é apenas a corujaqueseempoleira
emumadastorresdocastelo.
XI
Assim que a princesaLina acordou,
encontrou o galhoem seu
buquê. Quandoas irmãs desceram,elase deixouficar um pouco
paratrásedisseaovaqueiro:
—Deondeveioestegalho?
—V ossaAltezarealsabeismuitobem–respondeuMiguel.
—Então,tunosseguiste?
—Sim,princesa.
—Comoconseguiste?Nuncatevimos.
— Escondi-me – respondeu o Mira-Estrelas de maneira
sossegada.
Aprincesaficoucaladaporummomentoedepoisdisse:
— Conheceso nosso segredo!Guarda-o. Eis a recompensapela
tuadiscrição.–Earremessouumabolsadeouroparaorapaz.
— Não vendo o meu silêncio
– respondeuMiguel,e foi-seembora
sempegarabolsa.
Portrês noites
Linanãoviuou ouviunadade extraordinário; na
quarta noite,
ouviuum farfalhar entreas folhas do bosquede
diamantesrelu
zentes.Neste dia,haviaum galho dessaárvoreno
buquêdeLina.
ChamouoMira-Estrelasàparteedisse-lheemtomsevero:
— Sabes o preçoque m eu pai prometeu pagarpor nosso
segredo?
—Sei,princesa–respondeuMiguel.
—Nãopretendescontar-lhe?
—Estanãoéminhaintenção.
—Estáscommedo?
—Não,princesa.
—Então,oquetefazsertãodiscreto?
Miguelficoucalado.
XII
As irm ãs de Lina viram-naconversando com o ajudante de
jardineiroezombaramdelaporisso.
— O que impede quete casescom ele?– perguntoua maisvelha.
– Tornar-te-ias
tambémuma jardineira,uma profissão
encantadora!
Poderias viverem um chalénofundodoparque e ajudarteumarido
a tirarágua do poço e, quandoacordássemos,poderias levar
nossosbuquês.
A princesa Lina estava furiosa,e quandoo Mira-Estrelas a
presenteoucomumbuquê,recebeu-ocomdesdém.
Miguelcomportou-se o maisrespeitosamente que pôde. Nunca
levantou o olhar
paraela,mas quaseo diatodo a princesao sentiu
aoseulado,masnemmesmovoltou-separaele.
Umdia,tomouadecisãodecontartudoparaairmãmaisvelha.
— O quê! – exclamou.– Esse maroto conhecenosso segredo e tu
nuncamedisseste!Nãodevoperdertempoparalivrar-medele.
—Mas,como?
— Ora, fazendocom queseja levadoparaa torredasmasmorras,
éclaro!
Esteerao modo como, nostempos antigos,
asbelasprincesasse
livravam daspessoas que sabiamcoisas demais.No entanto, a
partesurpreendente eraque a irmãmaisnovanãoparecia gostar
dessemétodo decalara bocadoajudantedejardineiro,
que, afinal,
nadadisseraaopaidelas.
XIII
Ficouacordadoqueaquestãodeveriasersubmetidaàsoutras
irmãs.Todasficaram do lado da maisvelha.Então,a irmãmais
novadeclarou que se elasencostassem um dedosequer norapaz
dojardim, ela mesma iriaaopaie contariao segredo dosfuros nos
sapatos.
Porfim, decidiram queMigueldeveria sertestado;elas o levariam
ao baile e, ao final da ceia, lhedariama poçãomágica para
encantá-locomoosdemaispríncipes.
Mandaramchamar o Mira -Estrelas e perguntaram-lhe como
conseguiraaprenderosegredo;aindaassim,continuoucalado
Nessaaltura, em tomde comando,a irmãmaisvelha deu-lhea
ordemqueasirmãstinhamacordado.Elerespondeuapenas:
—Obedecerei.
Na verdade, eleestiverapresente, invisível,
no conselho das
princesas e ouvira tudo;mas decidiu bebera poçãomágica e
sacrificar-sepelafelicidadedaquelaqueamava.
Não desejand o fazer má figurano baile ao ladodos outros
dançarinos,foiimediatamenteaosloureirosedisse:
— Meu adorado loureiro-a,ros
com o ancinho dourado teafofei,
com o balde dourado tereguei,com a toalha de sedatesequei.
Veste-mecomoumpríncipe.
Apareceu uma lindaflor
cor-de-rosa.Miguela colheue, nomesmo
instante,viu-sevestidoem roupas develudo negrocomo os olhos
da princesinha, com uma capa combinando, um penachode
diamanteeaflordoloureiro-rosanacasadobotãodeseutraj
Vestido dessamaneira,apresentou-naquela
se noitediante do
duquedeBeloeil e obteve permissão departire tentardescobriro
segredo de suas filhas.Tinhauma aparência tãodistinta que
dificilmentealguémsaberiadequemsetratava.
XIV
As doze princesassubiram paradormir. Miguel asseguiu e depois
esperouatrásdaportaabertaatéquedessemosinal . parapart
Dessa vez ele nãocruzouo lagonobarco deLina. Deu o braço à
irmãm aisvelha,dançoucom cadauma delas e eratão elegante
que to dos estavamencan tadoscom ele. No final,chegou o
momento dedançar com a princesinha.
Eladescobriu neleo melhor
parceiro do mundo, mas elenãoousoudirigir-lhe uma palavra
sequer.
Quandoa conduzia devolta paraseulugar , eladisse-lheem tom
zombeteiro:
—Eis-tenoaugedosteusdesejos:sertratadocomoumpríncipe!
— Não temas – respondeu gentilmente o Mira-Estrelas.
– Nunca
serásesposadeumjardineiro.
A princesa o olhoucom espanto,com uma expressão
amedrontada,eeleadeixou,semesperarporresposta.
Quandoos sapatos de cetimjá estavam gastos,os violinos
pararam e osrapazes negrospuseram a mesa. Miguelfoicolocado
aoladodairmãmaisvelhaeemfrenteàmaisjovem.
Serviram-lhe os pratosmaisrequintados paracomere os vinhos
maisdelicados parabebere, paradeixá-locompletamente tonto,
encheram-no de elogiose lisonjas
de todos os lados.No entanto,
eletom ou cuidadoparanãoembriagar-se, nem de vinhoe nem
peloselogios.
XV
Ao fina l, a maisvelha dasirmãs fez um sinale um dos pajens
negrostrouxeumagrandetaçadourada.
— O castelo encantado guarda maissegredos parati – disseao
Mira-Estrelas.–Bebamosaoteutriunfo!
Lançou um olhar prolongad o paraa princesinha e, sem hesitar
,
levantouataça.
— Não beba! – gritou, derepente, a princesinha
–; prefeririacasar
comumjardineiro.
Eirrompeuemlágrimas.
Miguel lançou o conteúdo dataça para trás,saltousobre a mesae
atirou-aosse pés deLina. O restante dospríncipes fez o mesmo e
todos caíramde joelhos diante dasprincesas,cadauma escolheu
ummaridoeergueu-o,colocando-oaolado.Ofeitiçofoiquebrado.
Os dozecasais entraram nosbarcos,quecruzaram o lago muitas
vezesparacarregar osoutros príncipes.Todosatravessar am ostrês
bosquese, quandocruzarama porta da passagemsubterrânea,
ouviram um grande barulho, comoseo castelo encantado estivesse
ruindoporterra.
Foram direto ao quarto do duquede Beloeil, que acabara de
acordar. Miguel tinhanasmãosa taça douradae revelou o segredo
dossapatosfurados.
—Escolha,então–disseoduque–,aquepreferir .
— Minha escolha já foifeita–, respondeuo ajudante dejardineiro,
e ofereceua mão à princesa maisjovem,que corou e abaixouos
olhos.
XVI
A princesa Linanãosetorno u a esposadojardineiro.
Ao contrário,
foio Mira-Estrelas
que se tornou príncipe:
mas antes
dacerimônia
do casa mento,a princesa insistiu
que o seuamadolhecontasse
comoveioadescobrirosegredo.
Assim, elemostrou-lhe os doisloureirosque o ajudaram,
e ela,
como uma moça prudente, pensando que as árvores lhedavam
muitas vantagenssobre a esposa,lhascortoupelaraize lançou
ao
fogo.Éporissoqueascamponesascantam:
Não iremos mais ao bosque,
Os loureiros estão cortados.[ 8 ]
Edançamnoverão,àluzdoluar
.
[9] NoHemisférioNorte,oaugedaprimaveraénomêsdemaio.
[10] La Princesse Printaniere,deMme.d’Aulnoy.
OCastelode
SoriaMoria
RAUMAVEZ umcasaldevidasimplesqueteveumfilhode
nome Halvor . Desde o princípio,foi eleum garotinho
indesejosode levar a cabotodo e qualquer trabalho;
tudoo que faziaerasentar-no se meiodascinzaspara
remexê-las.Seuspaisqueriam queaprendesse muitascoisas,mas
em lugarnenhumHalvor permanecia; após doisou trêsdias,
sempreescapava deseumestre, corriaparacasae sentava-se no
cantodachaminéparacavoucarascinzasnovamente.
Certa feita,
noentanto, o capitãodeum navio veioter
com elee
lheperg untouse nãogostaria deacompanhá-lo maradentro,a fim
de contemplar terras estrangeiras. E, uma vez que o menino
gostariadefazê-lo,nãotardouparaqueseaprontasse.
Por quantotemponavegaram,desconheço,mas após um
longuíssimo período,veiouma tempestade pavorosa.Quando
terminou e tudoregressou à calmaria, elesnãosabiamonde
estavam, poistinhamsidolevados a uma costa estranha,
da qual
ninguémtinhaconhecimentoalgum.
Como nãohaviavento, todos simplesmente ficaramimóveis,ao
queHalvor pediuautorização aocomandante para descer
à costa e
observar em derredor , poispreferia fazerissoa ficar ali deitado e
dormir .
— Porv entura tejulgas em condição deiraonde possamver-te? –
disse o comandante. – Não tens trajealémdestes trapos com que
andasporaí.
Halvor continuou a implorar porsua permissão, conse guindo-a
enfim; no entanto, deveria retornar tãologoo vento começasse a
soprar .
Elefoientão à costa. Tratava-deseregião encantadora; ondequer
queestivesse, encontrava planícies amplas,com campose prados,
mas nãovianinguém. O vento começoua soprar em seguida,
porémHalvor achavaque ainda nãotinha visto
o basta nte e quis
caminhar um poucomais, a fim detentar encontraralguém. Então,
após breveperíodo,deparou-se com uma grandeestrada, tão
aplanada que seria possível rolar porali um ovosem quebrá-lo.
Halvor caminh oue, quando a noite seaproximou,viuà distância um
enorme castelo em que havia luzes.Como estivera andando o dia
todoe não trouxera nada consigopara comer , sentia-se
terrivelmente faminto. Não obstante, quanto maischegavaperto do
castelo,maisseumedocrescia.
Aliesta va acesauma lareira. Halvor adentroua cozinha,que era
maissuntuosa doquequalquer outra queele jamais contemplara e
ondehaviavasilhames deouroe prata, mas nenhumserhumano.
Estando Halvor no local já há certo tempo,sem que, porém,
ninguémaparecesse, elese introduziu e abriuuma porta. Do lado
dedentro,umaprincesaestavasentadaàsuaroda . defiar
— M as quê!? – gritou ela.– Porventura um cristãozinho podevir
atéaqui?! O melhor que podesfazeré retornar; casocontrário, o
trollchegaráparadevorar-te!troll Um comtrêscabeçasmoraaqui.
— A mim, seria igualmente agradável se tivesseoutras quatro,
poisme divertiria muito ao vê-lo – declarou o jovem.– Tampouco
partirei, poismalnenhumcometi. Deves, porém, dar-mealgopara
comer ,poisestouterrivelmentefaminto.
Halvor satisfeit
o, a princesa quissaber seele poderia empunhar a
espada que pendia dapared e, mas o menino nãoconse guiu. Não
eracapazsequerdeerguê-la.
— Nesse caso, devesbeberdaquela garrafa que pendea seu
lado,poisé issoo que o troll faz sempreque saie deseja usara
espada–disseaprincesa.
Halvor deuum golee, num instante, viu-secapaz de meneara
espada com grande tranquilidade.Pensava,então, que já estava
passandodahorade troll
o darascaras,e foinesse exato momento
queeleapareceu,ofegante.
Halvorsepôsatrásdaporta.
— Hutetu! – disse o troll ao passar a cabeçapela porta. – Pelo
cheiro,osanguedeumcristãoesteveaqui!
— Você logodescobrirá que sim! – exclamouHalvor , que cortou
todasassuascabeças.
A princesa ficoutão contente aoseverliberta quesepôs a dançar
ecantar,maslogorecordou-sedesuasirmãsefalou:
—Ah,seaomenosminhasirmãstambémestivessemlivres..
—Ondeseencontramelas?–quissaberHalvor .
Então a princesalherespondeu. Uma foralevada porum troll até
seu castelo, que ficavaa seismilhas de distância; a outra fora
conduzidaaumcastelolocalizadomaisnovemilhasadiante.
— No entanto – disse ela–, devesantes me ajudar a tirareste
cadáverdaqui.
Halvorestava tãoforte que retirou tudode vista e muito
rapidamente limpou e arrumou todas as coisas.Ambos, felizes,
então comerame beberam,e namanhãpróximao jovem partiusob
a luzparda doalvorecer . Halvornãosedeudescanso, caminhando
ou correndo ao longo de todo o dia. Quandoavistou o castelo,
tornou a ficarum poucotem eroso.Era muito maisesplêndido do
queo outro, mas tambémali nãohavia serhumanoà vist a. O jovem
então adentrou a cozinha,ondemaisuma vez nãose demorou,
passandodireto.
— M as o quê! Porventuraousaviratéaquium cristão
zinho?! –
gritou a segund
a princesa.
– Já nãome recordo
o quanto
sepassou
desde queeumesma cheguei,mas durantetodoessetempo jamais
vicristão.Melhorserásepartires
o quanto
antes,
poismoraaquium
trolldeseiscabeças.
[1 1] P .C.Asbjornsen.
AMortede
Koschei,oImortal
O prínc
ipelhedeuum balde d’água. Bebeutudo
e pediumais,
dizendo:
—Umúnicobalded’águanãomataráminhasede,dá-memais!
O príncipe
lhe
deuum segun dobalde.Koscheibebeutudoe pediu
porum terceiro,
e, apósbebê-lo, recuperou
a antiga
força,sacudiu
ascorrenteserompeuasdozedeumasóvez.
— Obrigado,príncipe Ivã! – exclamouKoschei,o Imortal – agora
verásMariaMorevna como vês tuas orelhas!E vooupela janela na
formade um terrível redemoinho. Voltou com a bela princesa Maria
Morevna que seguiaseurumo, aprisionou- ea levou-aparaa sua
casa.N o entanto, o príncipe Ivãchorou doloridíssimo,arrumou-se e
partiu,dizendoasimesmo:
— O que quer que aconteça, sairei e procurarei por Maria
Morevna!
Um diasepassou,outro diat ambém. Na aurora doterceiro dia,viu
um paláciomaravilhoso. Ao lado dopalácio haviaum carvalho e, no
carvalho, pousado, estava um falcão de cores vibrantes. O falcão
desceu docarvalho, tocouo chão,transformou- num
se belo jovem e
faloualto:
—Olá,queridocunhado!ComoDeustemcuidadodevós?
A correr
, surgiua princesa M aria,quesaudou alegrement e o irmão
Ivã. Começou a perguntar- e pela
lh saúdee contar tudo a respeito
desim esma. O príncipe passou trêsdias com eles e, nessaaltura,
disse:
— Não possopermanecer convosco.Devo partir em buscade
minhamulher ,abelaprincesaMariaMorevna.
— S erá difícil
paravós enco ntrá-la,– respondeu o falcão. – Em
todo caso, deixaiconosco vossacolher de prata.Olharemos para
elaenoslembraremosdevós!
Assim, o príncipe Ivãdeixousuacolher de pratacom o falcão e
seguiuseucaminhonovamente.
Um diase passou, depois outro,e, na alvorada do terceiro dia,
avistou um palácio ainda maisgrandioso que o primeiro, e bem ao
lado do paláciohaviaum carvalho. Nele,pousada,uma águia. A
águia desceudocarvalho, pousounochão,transformou -se em um
belojovemquegritoubemalto:
—Levantai,princesaOlga!Eisaquivossoirmãoquerido!
A princ esaOlga imediatamente correu paraencontrá-lo, começou
a beijá-lo e a abraçá-lo,perguntando porsuasaúdee a contar tudo
a respeito desimesma. Com eles,o príncipe Ivãficouportrês dias
edepoisdisse:
— Não possomaisficar aqui.Vou procurar minhamulhe r, a bela
princesaMariaMorevna.
— Será difícil paravós encontrá-la, – respondeu a águia. – Deixai
conosco vossogarfodeprata. Olharemos paraelee lembraremos
devós.
Ele deixouo garfode prata e seguiuo seurumo. Viajou porum
dia,dois dias e noraiar doterceiro diaviuum palácio m uito maior
que os doisprimeiros. Pertodo palácio,haviaum carv alho e, no
carvalho, pousado,um corvo.O corvo desceu docarvalho, pousou
nochãoetransformou-seemumjovemformosoquefaloubemalto:
—PrincesaAnna,vinderápido,vossoirmãoestávindo!
A princesa Annasaiu,saud ou alegremente o irmão,começoua
beijá-lo e a abraçá-lo, pergun
tou porsuasaúdee contou tudo o que
aconteceraaela.Opríncipeficouportrêsdiasedepoisdisse:
— Adeus! Vou procurar minhamulher , a belaprincesa Maria
Morevna.
— Será difícil paravós encontrá-la, – respondeu o corvo.– De
qualquer modo, deixaiconosco a vossacaixade rapéde prata.
Olharemosparaelaelembraremosdevós.
O príncipe entregou a caixinhade prata de rapé, tomou rumoe
partiu pelocaminho.Um diase passou,outro diatambéme, no
terceiro dia, chegou ao local ondeestava MariaMorevna.Ela
avistou o amado, lançou os braçosao redor do pescoço dele,
irrompeuemlágrimaseexclamou:
— Ó, príncipe Ivã! Porquem e desobedecestes e espiastes dentro
doarmário,deixandosairKoschei, o Imortal?
— Perdoai-me,MariaMorevna!Não vosrecordeis do passado.
Muito melhor serápartircomigoenquanto nãoavistamos Koschei,o
Imortal.T alvezelenãonoscapture.
Aprontaram-ese partiram. O ra, Koscheiestava a caçar. Ao cair
da
noite,voltavaparacasaquandoseubomcorceltropeçou.
— Porquetrop eças,pobre Jade? Farejaste algummal?– o cavalo
respondeu:
—OpríncipeIvãveioecapturouMariaMorevna.
—Épossívelcapturá-los?
— É possível semearo trigo, esperar atéque cresça,colhê-lo e
debulhá-lo,moê-lo atévirar farinha e, com ela,fazercinco tortas,
comeressastortas e, então, começara busca– e mesmo assim
estaremtempo.
KoscheigalopouecapturouopríncipeIvã.
— O ra, – disse ele,– dess a vez perdoar-te- em
ei troca de tua
bondade ao dar-meágua parabeber . Uma segunda vez perdoarei,
masnaterceira,cuidado!Cortar-te-eiempedaços.
Em seguida,tomouMariaMorevnae a carregou consigo.O
príncipeIvã, todavia, sentou em uma pedra e caiuem prantos.
Choroumuito – e, depois,voltou parabuscar MariaMorevna.Ora,
Koschei,o Imortal,nãoestavaemcasa.
—Escapemos,MariaMorevna!
—Ah,príncipeIvã..elenosalcançará!
— S uponha queele nosalca nce. Em todo caso,teremos passado
umaouduashorasjuntos.
Ditoisso, aprontaram- esepartiram. Ao retornarparacasa,o bom
corceldeKoschei, o Imortal,tropeçou.
—Porquetropeças,pobreJade?Farejasalgummal?
—OpríncipeIvãveioecapturouMariaMorevna.
—Épossívelcapturá-los?
— É possível semeara cevada,esperar atéquecresça,colhê-la e
debulhá-la,fermentá-la até virarcerveja e, beberaté cair, dormir
até
cansar e, então, começara busca– e mesmo assimestar em
tempo.
KoscheigalopouecapturouopríncipeIvã.
— E u nãotedisse quenãodeverias verMariaMorevna maisque
tuasorelhas?
EtomouMariaMorevnaeacarregouconsigoparacasa.
O príncipe Ivã foideixado sozinho.Choroumuito.Em seguida,
voltoumaisuma vez atrás deMariaMorevna.Koscheiestava longe
decasanomomento.
—Escapemos,MariaMorevna!
— Ah, príncipe Ivã! Porcerto elenospegaráe cortar-vos- emá
pedaços!
—Quecorte!Nãopossoviversemvós.
Koschei, o Imortal, voltava paracasaquandoseu belocorcel
tropeçou.
—Porquetropeças,pobreJade?Farejasalgummal?
—OpríncipeIvãveioecapturouMariaMorevna.
Koscheigalopou,pegouo príncipe Ivã, cortou-em
o pedacinhos,
pôs ospedacin hosem um barril, besuntou com piche,amarrou com
argolasdeferroelançou-oaomarazul.
MariaMorevna,contudo,elealevouparacasa.
Nesse exatomomentoos objetos de prata que o príncipe Ivã
deixaracomoscunhadosenegreceram.
—Ah!–disserameles–certamenteomalsecumpriu!
A águia voouapressada parao mar azul, avistou o barrileo
arrastoupara a costa. O falcã
o voouem buscadaÁgua daVidae o
corvofoiembuscadaÁguadaMorte.
Logo após, ostrês sereuniram, abriram o barril,
tiraram
osrestos
mortaisdopríncipe Ivã, lavaramos pedacinhos e os arranjaramna
ordemcorreta . O corvoborrifou-os com a Água da M orte – os
pedaços secolaram e o corposeunificou.O falcãoborrifou
a Água
daVida–opríncipeIvãestremeceu,levantou-seedisse:
—Ah!Comodormi!
— Teríeis dormido pormuito mais temponãofossepornós –
responderamoscunhados.Agoravindenos . visitar
—Não,cunhados,devoireprocurarMariaMorevna.
E,quandoIvãaencontrou,disse-lhe:
— Descubracom Koschei, o Imortal, ondeeleconseguiu um
cavalotãobom.
Assim, MariaMorevna escolheu um momento favorávele começou
aperguntararespeitodisso.Koscheirespondeu:
— Três vezesalémde noveterras, no trigésimo reino,do outro
lado dorioflamejante, vive uma Baba-Yagá. [12 ]Elatemuma égua
e todo diavoanela aoredor domundo. Elapossui outras éguastão
esplêndidas quanto essa. Tomeiconta dastropas de cavalos dela
portrês dias sem perder uma só, e comorecompensa, a Baba-Yagá
deu-meumpotro.
—Noentanto,comocruzasteorioflamejante?
— O ra, tenho este tipo
dele nço. Quandoo sacudo três vezesna
mão dir eita,eisque surgeuma ponte muito alta,que o fogo não
alcança.
MariaMorevnaescutou tudo e repetiu parao príncipe Ivã. Ela
roubou o lenço e deu-oaopríncipe.Assim, ele conseguiu transpor o
rio flamejante e seguiupara a casadaBaba-Yagá. Seguiuum longo
caminho sem nadacomerou beber . Porfim, deparou-se com um
pássaroestranhoeseusfilhotes.PríncipeIvãdisse:
—Comereiumdestespintinhos.
— Não comais , príncipe
Ivã! – implorou o pássaro estranho – mais
cedooumaistardedar-vos-eiumaboarecompensa.
Eleseguiuadianteeviuumacolmeianafloresta.
—Pegareiumfavodemel–disseele.
— Não mexaisno meu mel , príncipe Ivã! – exclamoua abelha-
rainha–maiscedooumaistardedar-vos-eiumaboarecompensa.
Ditoisso,ele nãoa perturbou e seguiuadiante. Logo em seguida,
encontrouumaleoacomfilhotes.
— Comerei um destes filhotes de qualquer maneira –, afirmou –
estoumuitofamintoenãomesintomuitobem.
— Porfavor , deixai-nosem paz, príncipe Ivã! – pediua leoa – mais
cedooumaistardedar-vos-eiumaboarecompensa.
—Muitobem,comoodesejares–respondeu.
Faminto e quasedesmaiando, prosseguiu. Andoupormuito tempo
e, finalmente, chegouaolocal ondeficava a casadaBaba-Yagá. Ao
redor dacasahavia dozepostes arranjados em círculo,onzedeles
com um uma cabeçahumanaespetada. O décimo-segundo estava
desocupado.
—Salve,avozinha!
— S alve,príncipe Ivã! De ondevens?Vensde livre vontade ou
obrigado?
—V imparaganharumcorcelheroico.
— Assi m seja,príncipe!Não terás deservir-me porum ano, mas
apenas portrês dias.Se to marescuidado de minhaséguas com
diligência,dar-te-ei
um corcel heroico. Casonãoo faças, ora,então
nãoteaborre ças porvertu a cabeçaespetada no topo daquele
últimoposte.
O príncipe Ivãconcordou com esses termos. A Baba-Yagá deu-lhe
de comere de bebere ordenou-lhe que cumprisse sua tarefa.
Entretanto, no momento em que guiavaas éguas pelos campos,
elas ergueram as caudas,dispersaram-ese cruzaramos campos
em todas as direções.Antes que o príncipetivessetempo deolhar
ao redor , já tinhamsumidode vista. Depoisdisso elecomeçoua
chorar e a in quietar-se.Sentou-se em uma rochae foi dormir .
Quandoo sol estavaquasesepondo,o pássaroestranh o voouaté
ele,oacordouedisse:
—Acordai,príncipeIvã!Aséguasestãoemcasaagora.
O príncipe acordou e retornou.Aí, Baba-Yagá estava brigando,
furiosacomaséguasegritava:
—Porqueviestesparacasa?
— Nãopudemosdeixar devoltar– disseram –, ospássaros vieram
voando de todas as partes do mundoe só faltaram bicar nossos
olhos.
— M uito bem! Amanhãnãogalopeis peloscampos,mas dispersai-
vospelaflorestafechada.
O príncipe Ivãdormiu a noite toda.Pelamanhã, a Baba-Yagá lhe
disse:
— Ânimo, príncipe! Se nãot omares conta daséguas, seperderes
umasequer ,espetareituacabeçanoaltodaqueleposte!
Conduziu as éguaspelos campos. Imediatamente, elasergueram
ascaud ase sedispersaram pelafloresta fechada.Maisuma vez o
príncipe sentou em uma pedra,chorou,chorou e depois caiuno
sono.Osolsepôsportrásdafloresta.Ealeoaveiocorrendo.
—Acordai,príncipeIvã!Aséguasjáestãoreunidas.
PríncipeIvã levantou-ese foiparacasa. Mais do que nuncaa
Baba-Yagábrigavacomaséguaseberrava:
—Paraquevoltastesparacasa?
— Como nãovoltar? As feras vieram correndo em nossadireção
de tod as as partes do mundo e só faltaram nos fazer em
pedacinhos.
—Bem,amanhãcorreiparaomarazul.
Novamente,o príncipe Ivã dormiua noite toda.Na manhã
seguinte,aBaba- agá
Yomandoupastorearaséguas.
— Se nãotom ardes conta delasmuito bem – afirmou,– espetarei
tuacabeçabemnoaltodaqueleposte!
Ele pastoreou as éguas pel o campo. Em seguida,ergueram as
caudas e desapareceram devista e correram parao marazul. Lá
ficaram,com água atéospescoços.O príncipe Ivãsentou-se numa
pedra,chorou e caiunosono.Entretanto, quando o solse pôs por
detrásdafloresta,veioumaabelhaedisse:
— Acordai,príncipe Ivã! As éguas já foramreunidas. Quando
chegardes em casa,todavia, nãodeixeis a Baba-Yagá pôr osolhos
em vós, mas id e aoestábulo e escondei-vos atrásdasmanjedouras.
Lá encontrarei s um potrinho triste
rolando nalama.Roubai-o, e na
caladadanoitesaídacasa.
O príncipe Ivãlevantou-esgueirou-
se, se
peloestábulo e deitou-se
embaixodasmanjedouras, enquanto a Baba-Yagá brigava com as
éguaseberrava:
—Porquevoltastes?
— Como nãovoltar? Inúmeras abelhas vieram voando detodas as
partesdo mundoe começarama nospicar portodos os ladosaté
sairsangue!
A Baba-Yagá foidormir . Na calada danoite o príncipeIvãroubou o
potrotri
ste,sel ou-o, montou em seulombo e galopouem direção ao
rioflamejante.Quandochegou aorio,agitou o lençotrês vezescom
a m ão direitae, de repente, poruma graçasabe-selá de onde,
surgiuacruzarorio,no ,uma
arponteesplêndida.
Opríncipecruzouaponteeagitouolençoapenasduasvezescom
a m ão esquerda: e lá, a cruzaro rio,ficouapenasuma ponte
estreita,demasiadoestreita,comonuncasevira!
Quandoa Baba-Yagá acordou pelamanhã, nãoencontrou o
potrinhotriste!E saiuem suabusca. A toda velocidade, pilotou
o
almofariz
deferro,acelerand o-o com o pilão e apagando osrastros
com a vassour a. Foi rapidamente até o rioflamejante,deu uma boa
olhadaedisse:
—Umapontemestra!
Seguiupela ponte, mas estava a meiocaminho quando a pontese
partiu
em dois e a Baba-Yagá afundou norio.Na verdade, teveuma
mortebemcruel!
O príncipe Ivã cevouo potr o noscamposverdejantes e elese
tornouum corcel maravilhos o. Então dirigiu-separao local em que
se encontrava MariaMorevna.Ela veiocorrendo e lan çou-se ao
redordeseupescoço,clamando:
—PorquemeiosDeusvostrouxedevoltaàvida?
—Poresteeaquele–disse,–agora,vindevóscomigo!
—T enhomedo,príncipeIvã!SeKoscheinoscapturar ,vosreduzirá
apedaçosmaisumavez.
— Elenãonospegará! Tenhoagora um esplêndido corcel heroico,
voacomoumpássaro.
Assim,montaramnolombodoanimalepartiram.
Koschei,o Imortal,voltavaparacasaquandoseucavalotropeçou
—Porquetropeças,pobreJade?Farejasalgummal?
—OpríncipeIvãveioecapturouMariaMorevna.
—Podemoscapturá-lo?
— Só Deus sabe! Agorao príncipe Ivãtemum cavalo melhor do
queeu.
— Bem, possolidar com isso,– afirmouKoschei, o Imortal. –
Persegui-lo-ei.
Depoisdecerto tempo,alcançou o príncipeIvã, ergueu-odochão
e ia despedaçá-lo com sua espadaafiada.Nesse momento,
contudo, o cavalo dopríncipe deuum coice em Koschei,o
certeiro
Imortal, rachou sua cabeçae o príncipe deucabodele com um
porrete. Em seguida,o príncipe empilhou unspedaços demadeira,
acendeu a pirae queimouKoschei, o Imortal, espalhando suas
cinzasao vento. Então,MariaMorevna montou o cavalodeKoschei
e o príncipe,o seu. Foramvi sitar
primeiroo corvo,depoisa águia e,
em seguida, o falcão. Aondequerquechegassem recebiam alegres
boas-vindas.
— Ah, príncipe Ivã! Não esperavavera vós novamente. Bem, não
foià toaque tivestes tantosproblemas. Por uma beldade como
MariaM orevna, qualquer um iria
atéosconfins domundo– e nunca
encontrariaoutraigual!
E assimfizeramas visitas, festejaram,e depois partira
m parao
próprioreino.[13]
[12] Sersobrenaturaldofolcloreeslavo.
[13] Ralston.
OLadrãoNegro
eoCavaleiro
doValeEstreito
M TE MPOS DE , viviam
OU TRORA noSuldaIrlanda um reie
uma rainha que tinham três
filhos,
todos muito bonitos.
Mas a rainha, suamãe, adoeceu e morreu quando eles
eram aindamuitopequeno s, o que causougrande
tristeza
em toda a corte,e sobretudo ao rei,seuesposo,que em
nadaencontra va consolo. Quandoviuque a morte se avizinhava,
elachamouoreielhedisseasseguintespalavras:
— H eidedeixar-vosagora,e como soisjovem e estaisnaflor da
idade,é certo que voltareisa casar depoisde minhamorte. Tudo
que vospeço, então, é que construais uma torre em uma ilha no
meiodomare queali manten havossos três
filhosatéquealcancem
a maioridade e sejamcapazesde olhar porsi. Desse modo,
nenhuma outra mulherterá jurisdição
sobreeles.Não deixeis faltar-
lhesa educaç ão condizente com sua estirpe e cuideis paraque
aprendam todos os exercícios e passatempos que é m ister que
aprendam os filhosde um rei.Eis tudo que tenho a dizer. Adeus,
queridoesposo.
Ao rei,poucotempo lhesobrou paraque, vertendo lágrimasdos
olhos,garantisse à esposaque se cumpririam todos os seus
desejos,porqu e logodepois a rainha virou-senacama e, com um
sorriso
noslábios,entregou a almaa Deus. Nuncaseviumaior luto
doque aquele que se espalhoupela corte e portodo o reino,pois
nãohavia nom undomulher maisbondosa quea rainha, tanto
para
os ricos quanto paraos pobres.A monarcafoi sepultada com
grandepompa e circunstância. O rei, emborase encontrasse
inconsolável com a perdada consorte, não se esqueceuda
promessa e ordenou que se construíssea torre e que seusfilhos
fossemlevados paralá, ondeviveriam soba custódia devalorosos
guardiões.
Com o passardo tempo, os lordes e cavaleiros do reino
aconselharam o rei– que aindaerajovem – a contrairm atrimônio
novamente, abandonando a condição de solteiro. Até que o
soberano consentiu. Escolheu-se,então,paraele,a filha deum rei
vizinho,uma princesa ricae formosacujacompanhia muito lhe
agradava. Poucotempo depois,a rainhateve um filho
perfeitamente
saudável, o quefoimotivo detão grande celebração e alegria
quea
memóriadaantiga rainha,decerta forma, apagou-sedalembrança
de todo
s. Assi m sucedeu,pois,e o reie a rainha viver
am felizes
juntospormuitosanos.
Um dia,a rainha foivera mulher quecuidava dosgalinheiros,pois
tinhaassuntos a tratar com ela.Depois de muito conversarem,
quandoa monarca já se preparava parairembora,a mulher lhe
disseque, se ela a procurasse denovoalgumdia,lhequebraria o
pescoço.Arainha,enfurecidaperantetamanhoatrevimentoda
de uma súdita tãodesimportante, exigiu-lhede imediato uma
explicação,oudocontrárioordenariaqueaexecutassem.
Amulher ,então,disseoseguinte:
— Valeria a pena,minhasenhora, que me recompensasses bem,
poisarazãoporquetedissetalcoisamuitolheinteressa.
—Comquelhedevorecompensar?–perguntouarainha.
— D evesdar-meum fardo inteiro
delã.Ademais,tenho uma velha
caçarola, que tudevesencher de manteiga, bem como um barril,
quedevesdeixarcheiodetrigoparamim.
—Dequantalãestásfalando?–dissearainha.
— De sete rebanhos deovelhas – respondeu a mulher –, maiso
queproduziremporseteanos.
—Equantodemanteigaseráprecisoparaenchertuacaçarola?
— Todaa manteiga que se fabricar doleite desete rebanhosde
vacasle iteiras– respondeu a mulher –, maiso queproduzirem por
seteanos.
— E quanto trigo será necessário paraenchero barril que
possuis?–dissearainha.
—Aproduçãodesetebarrisdetrigoporseteanos.
— Estás falando dequantidades extraordinárias– dissea rainha –,
mas cre ioque o motivo tam bém devaserextraordinário, demodo
quete dareitudo o queme pedes,antes queme façafalta conhecê-
lo.
— Bem, – disse a mulher quecuidava dosgalinheiros– é queés
tão estúpidaque nãoperceb es nem descobres os fatosque tanto
perigorepresentametantodanocausariamparatieparateu
—Equefatossãoesses?–perguntouarainha.
— Ora – disse a mulher –, o rei,teu esposo,é paidet rês filhos
perfeitamente saudáveis que teve com a antiga rainha, os quais
mantémencerrados em uma torre, ondedevempermanecer até
alcançarem a maioridade,quandosepretende querepartam o reino
entre eles;com o que, então, teufilho deveráabrirmão de sua
fortuna.Portanto, se nãoencontrares um meiode destruí-los, teu
filhoe,quiçá,tumesma,terminareisnaruína.
— E o queé queme aconse lharias
fazer– arguiu a rainha. – Não
tenho a mais mínima ideia de como proceder em uma situação
comoessa.
— Deves fazersaber aorei – dissea mulher – queouviste falarde
seusfilhose quemuito teadmiras dequeele ostenha escondido de
tiporto doesse tempo.Dize-lhe quetuqueres conhecê-lo s e quejá
é tempo delibertá-los,porque desejas queele ostraga para a corte.
O rei, então, satisfaráteus desejos e se preparará um grande
banquete para celebrara chegada dosjovens, com divertimentos de
toda sorte paraentreter asgentes. No meiodetudo isso, pedeaos
filhos do rei que joguemcartas contigo, convite a que nãohaverão
denegar-se.Agora, presta atenção: deves combinar com eles que,
set u ganhares, elesfarão qualquer coisa quelhes ordenares e que,
se eles ganharem,tufarás qualquer coisa que eles temandarem
fazer . E ssetrato deveserfeito antes de vosreunirdes parajogar .
Eis aqui um baralho de cartas, que tedoue que espero que não
percas.
A rainh a pegouas cartas de imediato e, depois de agradecer à
mulher pelas instruçõesquegentilmente lhe haviadado,retornou ao
palácio,ondepermaneceu um tanto aflita,
atéque cons eguiufalar
com o rei a res peito
deseusfilhos. Porfim, revelou-lheo quetinha a
dizer, m as de um jeito polido e, ao mesmo tempo,cativante, para
que ele nãoenxergasse que tudo aquilo eraparte deum plano. O
monarca,depronto, consent iuem satisfazer osdesejos da rainha e
mandoubuscar os filhos,que vieram de bom gradoparaa corte,
muito contentes porseremlibertados deseuclaustro natorre. Eram
todos muito belos,e tambémmuito versados nasmaisvariadas
artes e atividades,demaneir a queconquistavam o amore a estima
detodosqueencontravampelafrente.
A ra inha,que agoramais do que nuncasentia ciúmesdeles,
contava os minutospara que todasaquelascelebrações
terminassem logoe ela pudesse propor-lhes o jogodecartas; após
o que, mesmo assim,suasorte dependeria, em grande medida,do
poderdo baralho que recebera da mulherque cuidavados
galinheiros. D epoisde muitotempo,finalmente, começaram as
competições e brincadeiras, dos mais variados tipos. A rainha,
então, com muita astúcia,desafiou os três príncipesa um jogode
cartas,propondo-lhesascondiçõesqueamulherlheexplicara.
Os rapazesaceitaram o desafio,e a primeira partidafoicom o
maisvelho deles,que perdeu paraa rainha. Depois, foia vez do
segundo filhodorei,quetam bém perdeu. Porfim, a rainha e o filho
maisnovojogaram a última partida,e o meninoganhou, o que
deixoua rainha em estado de enormeaflição, poiso resultado o
deixava livredasgarras dela,justoele,queeradelonge o maisbelo
eamadodostrês.
Apesardisso,todos estavam ansiosos porouvir as decisões da
rainha a respeito dosoutro s doispríncipes, sem imaginarem os
perversos desígniosque tinha em mente paraeles.N ão saberia
dizer-vos se a ideiafoidam ulher que cuidava dogalinheiro, ou se
foidaprópria rainha,mas o fato é quea monarca determinouqueos
rapazesdeveriam trazer-lhe o Guizo de Cascavel,o corcel
selvagemdo Cavaleiro do ValeEstreito. Do contrário, seriam
decapitados.
Os jovens príncipes,como nãotinham ideiadoque devi am fazer,
nãodemonstraram a mínimapreocupação. Todosnacorte, porém,
ficaram espantados com o desafio impostopela rainha,poissabiam
muito bem que eraimpossível os rapazes conseguirem capturar o
cavalo, já que todos aqueles que haviamtentado a façanhaaté
então pereceram no caminho. De todomodo, não podiam
descumprir o queforacombi nado,e agora cabia aomaisjovem dos
príncipes dizerqualeraa exigênciaque tinha paraa rainha, uma
vezquevenceraapartidacontraela.
— Meus irmãos empreend erãouma viagem– disseele– e,
conforme possover , trata-de se uma viagemperigosa, poisnão
sabem que caminhodeverão tomar nem quaisperigos poderão
enfrentar
. Por isso,estou decidido a nãopermanecer aqui, mas
acompanhá-los,aconteça o que acontecer; e em cumprimento da
aposta queganhei,exijo e ordeno quea rainha permaneça depé na
mais alta torredo palácio atéque regressemos (ou atéque se
constate queestamos mortos)sem, nadaalémdeespigas demilho
para comer e água friapara beber , aindaque seteanos
transcorram,oumais.
Estando assim dispostas todas as coisas,os trêspríncipes
partiramdacorte em buscadopalácio doCavaleiro doVale Estreito.
No caminho,encontraram um homem que mancavaum poucoe
pareciaum tanto avançadoem anos.Logo entabularam conversa, e
o m aisjovem dospríncipesperguntou-lhe qual eraseunomee por
quemotivousavaumaboinapretadeaparênciatão . singular
— S ou o Ladrão deSloan– disse ele –, mas tambémme chamam
deoLadrãoNegro,porcausadaminhaboina.
E assim, depois de contar ao príncipe quasetodas as aventuras
que vivera,o ladrãolheperguntou paraondeiam os três,ou quais
eram seus planos.O prínc ipe, desejoso de retribuiro pedido,
contou-lhetudoaquiloporquehaviampassado.
— E agora– completou o rapaz– estamos empreendendo esta
viagem,masnemsabemosseestamosnaestradacerta.
— A h, valentes companheir os, nãosabeis o perigo que estais
correndo – disseo Ladrão Negro. – Eu próprio estouatrás desse
corcel,já vãosete anos,e nuncaconsigo roubá-lo.Tudoporque,
quando eleestánoestábulo , seudonoo cobre com um manto de
sedabordado com sessenta guizos de cascavel. Sempre que
alguémseaproxima dolugar, o cavalo logoo percebe e sacode-se
todo.Com isso,o ruídodosguizosdesperta a atenção,nãoapenas
do príncipe e dos guardas,mas de todas as pessoasdas
imediações; demodoque se torna impossível capturá-lo.Ademais,
os desafortunadosque caem nas mãos do Cavaleiro do Vale
Estreitosãoqueimados vivos naschamasrubras deuma fornalha
escaldante.
— Valha-meDeus! – disse o jovem príncipe. – O quevamosfazer?
Se voltarmos à cortesem o cavalo, cortarão nossas cabeças.Em
ambososcasos,estamosperdidos.
— Bem, seeu estivesse novosso lugar – disseo Ladrão deSloan
– preferiria
morrernasmãosdocavaleiro que nasdarainha. Além
disso,eu próprio ireiconvosco e vosensinareio caminho. Desse
modo,qualquerquesejaavossasorte,serátambémaminha.
Ao ouvirem isso, os príncip
es lheagradeceram de coração a
gentileza,
e o homem, queconhecia muito
bem a estrada,
em pouco
tempoosconduziu atéum lugar deondesepodia vero paláciodo
cavaleiro.
— Agora– disseo ladrão – devemospermanecer aquiatéo
anoitecer
. Conheçobem o lugar , e o melhor
momento paratentar
alguma coisa , se é que eleexiste,é quandoto dos estão
repousando,poisnessahoraocavaloéoúnicoguardiãodolocal
Na calada da noite, então, conforme haviamcombinado, os três
filhos dorei e o Ladrão deSloanarremeteram nadireção dopalácio
paracapturar o Guizo de Cascavel.Porém, antes mesmo de
chegarem aoestábulo, o cavalo relinchoucom tanta forçae sacudiu
tanto o corpo,e os guizosdo seumanto fizeramum barulho tão
grande,que o cavaleiro e todos os guardas levantaram-se de
imediato.
O L adrão Negroe osfilhos do rei pensaram em escapar , mas logo
foramcercados e aprisionad
os pelos guardas docavaleiro, que os
conduziram atéas lúgubres dependências do palácioondeo
cavaleiro mantinha uma fornalha sempreacesa, dentro da qual
lançava todos os delinquentes que lhecruzavamo caminho,para
quefogointensoosreduzisseapóempoucosinstantes.
— Vilões audaciosos! – disseo Cavaleiro doVale Estreit o – como
ousais arriscar tão insensata façanhaquanto esta,de roubar meu
corcel? Haveisde receber agoraa recompensa porvossatolice.
Paraque vossocastigo sejaainda maior, nãovosqueimarei todos
juntos, mas um de cada vez, paraque as vítimas seguintes
testemunhem os terríveis tormentos de seus desafortunados
comparsas.
Ditoisso,ordenouaosservosqueatiçassemofogo:
— Queimaremos primeiramente, dentre essesjovens, aquele que
aparenta maisidade – disse o cavaleiro
– e assimsucessivamente,
atéo último dos delinquentes, que será essevelho paladino da
boina negra.Ao que tudo indica,é o comandante deste bando,e
aparentatersuperadoárduostrabalhosaolongodesuavida.
— J á estive tão próximodam orte, uma vez, quanto seencontra o
príncipe agora – disse o Ladrão Negro– e escapei, assimcomo ele
escapará.
— Não, jamais estiveste tão próximo da morte – re trucou o
cavaleiro –, poisapenas doisoutrês minutos separam o príncipe da
morteincontornável.
— Mas eu esti vea um passodamorte – insistiu o Ladrão Negro–
e,nãoobstante,aindaestouaqui.
— Como foiisso?– indago u o cavaleiro.– Desejoconhecer a
história,poismepareceimpossível.
— Senhorcavaleiro – disse o LadrãoNegro – se vos
convencerdes dequeo perigo em queme encontrava eramaior que
aquele queacomete estejov em agora,sereis capazdeperdoar-lhe
ocrimecometidocontravós?
—Sim–respondeuocavaleiro.–Agora,contalogotuahistória.
— Meu senhor – prosseguiu o ladrão– em minhajuventude, eu
eraum garoto muito inquie
toe me metia em muitos problemas.
Certavez, durante uma deminhas perambulações, fuisurpreendido
pelanoite e nãoencontrava ondeme hospedar . Depoisde muito
vaguear , encontreium velho fornodesecagem.Tãocansado estava
quelá entrei e me deiteisobre asgrelhas a um canto. Poucodepois,
vique entravam três bruxascom três sacosde ouro.Cadauma
delascolocou seurespectivo sacodeouro soba cabeça,a modode
travesseiro.Ou viuma delas dizerà outra que, se o LadrãoNegro
viesse enquanto estavam dormindo, nãolhes pouparia um centavo
sequer. Ouvindo elas falarem, descobrique meu nomejá caírana
bocadetoda a gente. Mesmo assim,mantive um silêncio sepulcral
durante todaa conversa. P assado algumtempo,as trêsbruxas
caíramno sonoe eu então descisorrateiramente atéondeelas
estavam.Como alidentro haviagrandequantidade de turfa,
coloquei um torrão embaixoda cabeçade cadauma delas e fugi
comossacosdeouroomaisrápidoquepude.
Não m e haviaafastado muito,ainda,quandovi que um galgo
inglês,uma lebre e um falc ão me perseguiam. Logo pensei que
deviam serasbruxas,quesetransformaram naqueles animaispara
queeu nãolhes escapasse nem porterra nem pela água. Como os
bichos escolhidos nãoerammuito ameaçadores, resolvi atacá-los,
convencido dequeosdestruiria com facilidadeusando minhalonga
espada.Refletindo melhor, no entanto, pensei que poderiam ter
tambémo poder deressuscitar dosmortos. Então,desisti deatacá-
lose, com dificuldade, subi em uma árvorelevando comigo a
espada e todo o ouro.Quandochegaramao pé daárvore,porém,
as bruxas perceberam o que eu tinha feito e, empregando seus
artifíciosinfernais,uma delas transformou-em seuma bigorna ea
outra,
em um pedaço deferro,com osquais a terceiralogo fabricou
um machado.Com a ferramenta nasmãos, a mulher começoua
golpearo tronco e, uma hora depois,
sentiquea árvore começavaa
balançar. Em poucotempo,o tronco começoua ceder e eu vique
maisum ou doisgolpes,nomáximo, bastariam parapô-lo abaixo.
Comeceia pensar , então, que minhamorte erainevitável, pois
criaturas tãopoderosas como aquelas acabariam com a minhavida
rapidamente. Contudo, noexato momento em que a bruxadavao
golpede machadoqueselaria meu destino, o galocanto u e astrês
desapareceram, depois deretomarem suaformanatural, pormedo
deseremdescobertas;eeumesafeicomossacosdeouroetudo.
Agora, meu senhor , cabea vós dizerse esta nãofoia aventura
maismagníficaquejamais ouvistes,porque estive a um único golpe
de machadodo meu fim, e o golpejá foraatéexecutado,mas
mesmoassimescapei.
—Bem,nãopossonegarqueaaventurafoi,defato,extraordinária
– respondeu o Cavaleiro doValeEstreito – e porissoperdoo este
jovempelo crimeque cometeu.Mesmo assim, atiçai o fogo, que
queimareiosegundodeles.
— N a verdade – interrompeu o LadrãoNegro–, souforçado a crer
quetampoucoesteoutromorrerádestavez.
— Como assim? – indagou o cavaleiro.– Não há escapatória
possívelparaele.
— Eu próprio escapei deuma morte muito maisinevitáv elque a
destejovem – continuou o Ladrão deSloan – ainda que estejaisa
pontode lançá -lo no forno.Porisso,espero que suasorte sejaa
mesma.
— Quê ? Poracaso,passaste poroutro perigo extremo? – disse o
cavaleiro.– Desejoouvirestahistória também, e se for tão
maravilhosa quanto a anterior, perdoarei este jovem,da mesma
formaqueperdoeioprimeiro.
— Conformejá comentei – prosseguiu o LadrãoNegro – meu
estilodevida nãoeranadalo uvável,e em determinado momento vi-
me totalmente desprovido de dinheiro, sem encontra r nenhum
empreendimento dignode serrealizado. Encontrava-me, portanto,
em sérios apuros.Um dia,porém, um bispomuito ricomorreu na
vizinhança em que então me encontrava, e ouvidizerque fora
enterradocom uma grande quantidade dejoias e ostentando trajes
ricamente confeccionados. Propus-me, então,a me apossar
prontamente detudo isso.Paratanto, naquela mesma noite, rumei
ao cemitério.Chegandoao local, descobri que o corpodo sujeito
foradepositado na extremidade mais distante de uma longae
escuracripta, que adentrei cautelosamente. Aindanão havia
avançado muito nointeriordacripta quando ouvio som depassos
apressados vindo em minhadireção, e emboraeu seja valente e
audazpornatu reza, a verdade é que, aopensar nobispo falecido e
no crime que eu estava prestes a cometer , perdi a corageme
comecei a correr nadireção daentrada dacripta. Ao regressar uns
poucospassos,vislumbrei, entre mim e a luz, a figura negra deum
homem alto, depé à entrada. Tomadodegrande temor e sem saber
comosair dali,disparei um tir
o depistola contra ele,o quepronto fê-
locairatravessado na saída. Notei,então, que eleparecia um
mortal como qualquer outro e me deiconta de que nãopoderia
tratar- do
sefantasma dobispo.Assim, recuperei a calma e alcancei
a extremidade superior dacripta, ondeencontrei uma grande trouxa
cheiade coisas.Examinand o o local com maiscuidado, constatei
que o túmulo já forapilhado e aquela figura que eu toma raporum
fantasma era, em realidade, um dosclérigos da diocese.Muito
lamenteio infortúniodetê-lo matado, mas agora já nãohavia o que
fazer
. Então,pegueia troux a contendo todos os objetos de valor
pertencentes ao bispo,determinado a abandonar aquele lúgubre
recinto.Mas, nomomento em quecheguei à entrada, viosguardas
do cemitério rumandoem minha direção e pude ouvi-los
comentando que pretendiam inspecionar a cripta, poiso Ladrão
Negro com certeza tentaria pilhar o túmulo,se estivesse nas
redondezas. Não sabia,entã o, como proceder . Se eu fossevisto,
certamente morreria, poisestava aoalcance damiradetodos elese
ninguémseria suficientemente audaza ponto deme abordar . Sabia
muito bem que, noinstante em que me vissem,disparariam contra
mim como se eu fosseum cão. Mesmo assim, como nãotinha
tempoaperder ,agarreiocorpodosacerdotequeeuhaviamatadoe
o levantei,pondo-odepé como seestivesse vivo.Agachadoentão
pordetrás dele, carreguei- naquela
o posição o melhor quepude,de
modo que os guardaslogo o pudessemver , quandose
aproximassem da cripta. Ao enxergar aquele homem vestido de
preto,um dele s gritouqueer a o Ladrão Negroe disparou suaarma.
Nisso, deixeicairo corpodo sacerdote e rastejei atéum canto
escuropróximoàentradadolocal.Quandoviramocorpodohomem
cair
, os guardastodos entraram na cripta e correram atéa
extremidade m aisdistante, portemerem,segundoconcluí,que
houvesse outras pessoas lá dentroalémdaquela que acreditavam
termatado.Enquantoestavamocupadosinspecionandoocadáv
a criptapara vero quepoderiam encontrar
, escapei dalipara nunca
maisvoltar . Jamaisconseguiram capturar o LadrãoNegrodesde
então.
— Muit o bem, meu valente amigo – disse o Cavaleiro do Vale
Estreito–, vejo que já supe rastemuitos perigos. Graçasàs tuas
histórias,conseguiste salvar estes doispríncipes. Não obstante, e
lamento dizê-lo, este jovem príncipe terádesofrer pelos outros. A
menos que me contes uma história tão maravilhosa quanto as
anteriores. Nestecaso, haveria deperdoá-lo também. Compadeço-
me perante tão tenra juvent
ude, pelo que nãodesejo entregá-lo a
morte,seopuderevitar .
— O que dissestes vem em boahora – disse o Ladrão deSloan –,
porque tambémeu o estimo bastante. Porisso,reservei para o final
amaiscuriosadasnarrativas,embenefíciodele.
—Muitobem,então,ouçamo-la.
— D urante uma de minhasviagens – disse o LadrãoNegro–,
cheguei um diaa uma floresta, que percorri pormuito tempo,sem
conseguir encontrar a saída. Finalmente, chegueia um grande
castelo e o cansaço me obrigou a bater à suaporta. Aliencontrei
uma moça que chorava,com uma criança sentada no colo.
Perguntei-lhe o que a fazia chorar e ondeestava o senhor do
castelo, muito intrigadopornãoversinal algumda presença de
servosnemdequalqueroutrapessoa . nolugar
— “O senhor deste castelo”– disse a jovem mulher – “não estáem
casanomomento,e isto sucede para vossa melhor fortuna, poisse
tratadeum gigante monstruoso, quetemapenas um olh o nafronte
e que, ademai s, se alimentadecarne humana. Eleme trouxe esta
criança, que nãoseiondea encontrou, e me ordenou que dela
fizesseumatorta.Porissonãoconsigodeixar.” dechorar
— D isse-lheentão que, se elasoubesse de algumlugar seguro
para ondeeupudesse levara criança,assimo faria,para nãodeixá-
lam orrer nasmãosde semelhante criatura. Em respos ta,elame
disseque haviauma casa, bem longedali,ondemoravauma
mulherque tomaria contade tudo. Porém, perguntou-me
desesperada:
—“Masoqueheidefazerarespeitodatorta?”
— “Cortaium dedoà criança” – foio queeudisse – “eeuvostrarei
dafloresta um leitãozinho selvagem, quecozinhareis como sea ela
estivésseiscozinhando, e poreiso dedoem um canto datorta, que
marcareis dealgummodo. Assim, se o gigante duvidar dealguma
coisa,sabereis porondecomeçar a fatiá-la
paraque a criatura, ao
vê-lo,convença-sedequeopratofoifeitocomacarnedacriança.”
— A moça concordou com o plano quelhe propus e cortou, então,
o dedoà criança. Com basenasorientações que ela me deu, logo
encontrei a ditacasa,e levei-lhe tambémo porquinho suplente, com
que de imediato se pôs a fazera torta. Quanto a mim, depois de
comere beber copiosamente , jáestava porpartir dali,
quando vimos
ogiganteatravessaroportãodocastelo.
— “Valha-meDeus! O que fareis agora?Correi e escondei-vos
deitado entreos cadáveres que eleguarda na sala” – disse ela,
indicando-me o lugar – “etirai vossaroupa,paraque elenãovos
distingadosdemaiscorpos,seporacasofornaqueladireção.”
— S eguio conselho delae m e deitei entre oscadáveres, como se
estivesse morto, para vero queo gigante faria.A primeira coisaque
fez foiperguntar pela torta. Quandoa moça pôs o prato na sua
frente, elejurou quecheirava a carne suína.Mas, como sabia onde
encontrar o dedoda criança , elao revelou de imediato, o que o
deixoubastante convencido deque equivocara-se. A torta,porém,
serviu-lhe apenasdeaperitivo; e escutei-afiando
o a facae dizendo
que necessitava comeruns nacosde carne,poisnãoestava
satisfeito.Qualnãofoimeu t error quando ouvio gigante apalpando
os cadáveres e, maisainda,quando cortou uma fatia decarne das
minhasancas,levando-consigo
a paraassá-la! Podeis estar certo
dequea dorqueeusentia eralancinante, mas o medodesermorto
me impedia deemitir o maismínimoruído.Quando,noentanto, ele
terminou de comertoda a carne que arrancara do meu quadril,
começoua ingerir bebidas alcoólicas copiosamente, de maneira
que, em poucotempo,nãoconseguia nem suster a cabeça sobre o
pescoço e se deixoucair em um grande cesto que fabricara para
essepropósito, mergulhando depronto nosono.Assimque o ouvi
roncar, levantei-me no estado mesmo em que me acha va e fiz a
mulher enfaixa
rminhaferida com um lenço. Depois, tomei nasmãos
o espeto deferro dogigante, levei-ao
o fogo atéfazê-lo arder em
vermelho escarlate e atravessei- nooolhoda criatura. Mas não
conseguimatá-la.Porisso,deixeioespetoenfiadoemsuacabeçae
zarpei dali.Logo, porém, percebi que ele me perseguia, apesar de
estarcego; e, ademais,atirou em minhadireção um anelencantado,
queseencaixounodedãodomeupéelápermaneceu.
— De ondeestava, então, o gigante chamoupelo anel e, para
minhagrande admiração, este lherespondeu desdeo meu pé.
Guiadopela joia, a criaturadeuum salto para cimademim, mas tive
a sorte de perceber o m ovimento e me esquivei,felizmente
escapando doperigo.Assim, me deiconta deque erainútil correr
parasalvar-me,ao menosenquanto levasse no pé aquele anel.
Portanto,dese mbainhei a espada,com elacortei forao dedão em
que ele estava encaixado e joguei ambosem um açudeque havia
aliperto.Nisso,ogigantechamounovamentepeloanel,quesemp
lherespondia devido ao poder do feitiço.Mas a criatura, pornão
saber o queeutinha feito,
imaginava quea joia ainda seencontrava
em algumaparte domeu cor po e, portanto,deuoutro saltoviolento
parame agarra r, indo cairnaágua, ondeseafogou,porqu e o açude
erafundodemais.
— Agora, senhor cavaleiro,vedes porqueperigos passei e a que,
noenta nto,escapei. Nãoobstante, soudefato aleijadoporque falta-
meodedãodeumdospés,desdeentão.
— Meu senhor e amo – disse,então, uma senhora anciã que
estiveraescuta ndotodo o tempo – a história
queacabas deescutar
é absolutamente verídica,como bem o sei, poissoueu a mulher
quevivia nocastelo dogigante e o senhor, meu amo, eraa criança
que quasetransformei em torta; e este,o homem que salvou tua
vida,fatoquepodes comprovar porte faltarum dedo,arrancado de
ti,conformeficastesabendo,afimdeenganarogigante.
O Cavaleiro do Valeestreito, tremendamente surpreso ante as
palavras daanciã e cientedequelhe faltavaum dosdedos desde a
tenrainfância,compreendeuqueahistóriaerabemreal.
— P oisentão é este o meu salvador? – disse o cavaleiro.– Ó,
bravo amigo, nãoapenas perdoo a todos vós, como vos manterei
juntoa mim enquanto viverdes.Aquineste castelo,vosfartareis em
banquetes como príncipes e recebereis as mesmas atenções que
eurecebo.
Ouvindo isso,todoslhe agradeceram dejoelhos,e o Ladrão Negro
lhecontou a razãoporque tentaram roubar o Guizo deCascavel,
bemcomoanecessidadequetinhamderegressarparacasa.
— Muit o bem – respondeu o CavaleirodoValeEstreito. – Nesse
caso, m eu corcelé vossoe, assim, poupa-sea vidaa este bravo
companheiro. Podeisirquandoquiserdes. Só vos peço que me
chameisou que venhais me verde quando em quando , paraque
nosconheçamosmelhor .
Os príncipes prometeram que o fariame, com grande alegria,
partiram parao palácio dorei,seupai, levando com eles o Ladrão
Negro.
A rainhamá passara todo essetempode pé em sua torre e,
quando ouviuos guizosressoando a grande distância,soubelogo
que os príncipes voltavam paracasatrazendo consigo o corcel.
Então,em um ferozataque deódioe raiva,precipitou- dose
altode
seucativeiro,estatelando-senochão.
Os três príncipesviveram felizes
e contentes durante o reinado do
pai, semprena companhiado LadrãoNegro. Não se sabe,
entretanto,o queaconteceu com eles apósa morte domonarca. [14
]
[15] P .C.Asbjornsen.
IrmãoeIrmã
[16] IrmãosGrimm.
PrincesaRosette
[17] Madamed’Aulnoy
.
OPorcoEncantado
RAUMAVEZ umreiquetinhatrêsfilhas.Ora,aconteceude
fazer-se misterque o reipartisse em batalha, então
chamouasfilhasedisse-lhes:
— Filhinhas, tenho de irà guerra.O inimigose
aproximacom um exércitonumeroso.Paramim, é um grandepesar
deixar-vos.
Em minhaausência,sedecuidadosas e boasmeninas.
Comportai-vosbem e tomaiconta detudo nacasa.Podeis caminhar
nojardime entrarem todososaposentos dopalácio,exceto aquele
queficanocantodireitoaofimdocorredor;neste,não , deveisen
poisummalrecairiasobrevós.
— P odesficar tranquilo,
papai– responderam. – Jamaisfomos
desobedientesa ti.Vaiem paz e que os céustedeemuma vitória
gloriosa!
Quandotudo estava prontoparaa partidadele,o reideu-lhesas
chavesdetodos os aposentos e lembrou-asuma vez maisdoque
dissera.
As filhasbeijaram-lhe
as mãoscom lágrimas nosolhos e
desejaram-lhe prosperidade,e eleentregou-lhes uma chave
velhíssima.
Já sozinhas,asmeninas sen tiram-setão tristes
e aborrecidas que
nãotinham o que fazer. Assim, parapassar o tempo,decidiram
trabalhardurante partedodia,ler durante partedodia,e brincar no
jardim durante partedodia.Enquanto faziam isso,tudo iabem com
elas.Mas esseestado de felicidade nãodurou muito.A cadadia
ficavammaisemaiscuriosas–evereisemqueissodeu.
— Irmãs– disse a princesa maisvelha –, o diatodo costuramos,
fiamose lemos.Estamos sozinhas há dias e nãohá canto dojardim
que aindanão tenhamos explorado. Estivemos em todos os
aposentos do paláciode nossopaie já admiramos a bela e rica
mobília.Por que nãoentramos no aposento que nossopainos
proibiudeentrar?
— Irmã– diss e a caçula –, nãoimagino como podestentar-nos a
desobedecer a ordemde nossopai. Quandonosdisse paranão
entrarnaquele aposento,ele havia desaber o queestava dizendoe
deterboasrazõesparadizê-lo.
— Decerto o céu nãocair á sobrenossacabeçase, de fato,
entrarmos–disseasegundaprincesa.
— Dragões e monstros quenosdevorariam nãoestão escondidos
noquarto.Ecomonossopaidescobriráquefomosatélá?
Enquanto assimfalavam,incentivando uma à outra, chegaram ao
aposento, e a maisvelha colocou a chavenaporta e, cliq
ue! a porta
seabriu.
Astrêsmeninasentraram,eoqueachaisqueviram?
O aposento estava totalmente vazio,sem nenhumornamento, mas
no cent rohaviauma grande mesa, com uma toalha lindíssima,e
sobreelajaziaumgrandelivroaberto.
As princesasestavam curios aspara saber o queestava escrito
no
livro,sobretudoamaisvelha,efoiistooqueelaleu:
— A filha maisvelha deste reicasar-se-á com um prí ncipedo
oriente.
Em seguida,a segunda moça deuum passoà frente e, virandoa
página,leu:
— A segundafilha deste reicasar-se-á com um príncipe do
ocidente.
Asmeninasregozijaram-se,riramecaçoaramumadaoutra.
Mas a caçula nãoqueria aproximar-sedamesa nem abrir o livro.
As irmãsmaisvelhas, noentanto, nãoa deixaram em paz e, mesmo
contra sua vontade, arrastaram- até
na
a mesa. Tremendo demedo,
elavirouapáginaeleu:
—Afilhacaçuladestereicasar-se-ácomumporcodonorte.
Nem se um raiodo céu lh e caíssena cabeçaelaficaria mais
assustada.
Quase morreude desgosto e, se as irmãsnão a tivessem
segurado,teriadespencadonochãoeabertoacabeça.
Quandovoltou a sidepois dodesmaio em que caíradeterror , as
irmãstentaramconfortá-ladizendo:
— Como podesacreditar em tamanha loucura? Ondejá se viua
filhadeumreicasar-secomumporco?
— Como és infantil! – disse a outra irmã.– Nossopainãotem
soldados suficientes
paraproteger-mesmo
te, se a criaturanojenta
viessecortejar-te?
A princ esamaisnovade bom gradose teria deixado convencer
pelas palavras dasirmãs e acreditado no que diziam, mas estava
com o coração pesado.Os pensamentos continuavam voltados para
o livro, em que estavam escritosa grande felicidadeà espera das
irmãs e o destino quelheestava reservado, doqual jamais seteve
notícianomundo.
Além disso, o pensamento lhepesavano coração,poisera
culpada dedesobedecer aopai.Elacomeçoua sentir-mal se e em
poucosdiasestava tãomudada que era difícil reconhecê-la.
Outrora, otimistae alegre;
agora,pálida e apática.Deixou debrincar
com asirmãs nojardim,paro u decolher florespara pôr nocabelo e
nuncacantavaquandoestavamsentadasjuntas . afiarecoser
Nesseínterim, o reiobteve uma grande vitória
e, tendo derrotado
porcompleto e afugentado o inimigo,voltou paracasaàs pressas
parareencontrar- com
se as filhas,a quem seus pensamentos
continuamente se dirigiam.Todossaírama seu encontro com
címbalos, pífanos e tambores, e houvegrande júbiloem seuretorno
vitorioso.O primeiroato dorei,aochegar a suacasa,foiagradecer
aoscéuspela vitória
que obtivera sobre os inimigos que se tinham
levantado contra ele.Em seguida,entrou no palácio,e as três
princesas correram a seu encontro. A alegria delefoi imensa
quando viuqueestavam muito bem – poisa caçula fez o quepôde
paranãoparecertriste.
Apesardisso,nãodemorou muito atéque o reipercebesse que
suaterceira filhaestava emagrecendo e com semblante caído.De
repente, sentiu como se um ferro quente lhetivesse tras passado a
alma,poisimaginou que a filha lhetinha desobedecido a ordem.
Sentia que estava certo.Contudo, parater plena certeza, chamou
as filha
s, questionou-eas ordenou que dissessem a verdade. As
meninas confe ssaramtudo,mas tiveram o cuidado de nãodizer
qualdelastinhalevadoasoutrasduasàtentação.
O rei
ficoutão aflito
quando ouviu a confissãoquequasesedeixou
vencerpelatristeza.Masrecobrouânimoetentouconsolaras
que pareciamestar morrendo de medo. Entendeu que o que
passou,passou,e que milpalavras nãomudariamem nadao
problema.
Essesacontecimentos quaseforamesquecidos, atéquenum belo
diaum príncipe doorienteapareceu nacorte e pediu ao rei a mão
dafilha maisvelha.O rei,com muito gosto,deuseucons entimento.
Um grande banquete decasamento foipreparado e, depois detrês
diasde fartura, o casalfelizfoiacompanhado atéa fronteira com
muitacerimôniaealegria.
Depois de algumtempo,a mesma coisaaconteceu à segunda
filha,queforacortejadaeconquistadaporumpríncipedoocide
Agora, quandoviuque tudo acontecera exatamente como havia
sido escritonolivro, a jovemprincesa ficoumuito triste. Recusava-
se a comer , nãoqueria vestir seustrajes finosnem sairpara
caminhar, e declarou quepreferiria
morrera tornar-motivo
se deriso
para o mundo. O rei,noentanto, nãopermitiriaquefizesse nadade
errado,econsolava-adetodasasmaneiraspossíveis.
Assimo tempo passou atéque – vede!–, num belo dia,um porco
enormevindodonorteentrounopalácioe,dirigindo-seaorei,d
— Salv e, ó rei!Que vossavida sejatão
próspera e resplandecente
quantoaluzdosolnumdiadesanuviado!
— Esto u felizem ver-tebem, amigo– respondeu o rei–, mas que
ventostetrazemaqui?
—V imfazeracorte–respondeuoporco.
O rei ficouespantado ao ouvirde um porcoum disc ursotão
eloquente e imediatamente ocorreu-lhe
quehavia algoestranho. Ele
teriade bom gradovoltad o os pensamentos do porconoutra
direção,uma vez que nãoqueria dar-lhe a princesaporesposa.
Mas, quandoouviuque a corte e todaa ruaestavam repletas de
todos os porcos domundo, viuque nãohavia saídae que teria de
darseu consentimento. O porconãoficara satisfeito
com meras
promessas, e insistira
queo casamento haveria deocorrer em uma
semanaequenãoiriaemboraatéqueoreitivessefeitoojurame
realquantoaisso.
O reientão chamou a filha e aconselhou-aasubmeter-se ao
destino, já que nãohavianadamais que pudesse serfeito.E
acrescentou:
— Minhafilha,as palavras e todoo comportamento deste porco
sãocompletamente diferentesdaqueles dosdemaisporcos.Não
creioque tenha sidosempreum porco.Decerto,há algumamagia
ou feitiço em ação. Obedece-o, faze o que eledeseja , e estou
convencidodequeoscéuslogoteenviarãoolivramento.
— Se desejas que assimo faça, papai,eu o farei– respondeu a
menina.
Enquanto isso,o diada cerimônia se aproximava.Depois das
núpcias,o porcoe a noivaforamparaa casadele numa das
carruagens reais.No caminho,passaram porum grande charco.O
porco ordenou que a carruagem parasse e, em seguida,desceu e
chafurdou nalamaaté queestivesse cobertoporela dacabeçaaos
pés; em seguida, entrounovamente nacarruagem e pediu à esposa
queobeijasse.Oqueapobremoçatinhadefazer?Lembrou-sedas
palavrasdopaie, tirando dobolso um lenço, delicadamente limpou
ofocinhodoporcoebeijou-o.
Quandochegaram à residência do porco,que ficavaem meioà
matafechada,estava totalmente escuro.Sentaram-se em silêncio
por algum tempo, poisestavam cansados da viagem; então,
jantaram juntos e deitaram-parase descansar . Durante a noite, a
princesa notou que o porcotinha assumido a formahumana. Ela
não ficounem um pouco surpresa; antes,recordando-das se
palavrasdopai,tomou coragem, determinada a esperar e vero que
viriaaacontecer .
A princesa observou quetoda noite o porco setornava homem, e a
cadamanhãvoltava a serporcoantes que elaacordasse. Isso
aconteceu pormuitas noites,e a princesa nãoconseguia entender
deformaalguma.Clarament e, o marido estava enfeitiçado. Com o
tempo,seuafetoporelefoicrescendo,poiserabondosoegentil
Um belo dia,enquanto estava sentada sozinha,viupassar uma
bruxavelha.Ficou bem agitada, poishá tempos nãoviaum ser
humano, e em alta voz chamou a mulher paraconversar . Entre
outrascoisas,a bruxadisse que conhecia todas as arte s mágicas,
que podia prever o futuroe que conhecia os poderes curativos de
todasaservaseplantas.
— Sere i grata a tiportoda a minhavida,senhora – dissea
princesa–, seme disseres qual é problema demeu marido. Porque
éporcodediaehumanoànoite?
—Euestavaprestesadizer-tealgo,querida,paramostrar-tecom
souboaadivinha. Se quiseres, dar-te-eiuma ervaparaquebrar o
feitiço.
— S e tão somente ma deres – disse a princesa –, dar-te-ei o que
pedires,poisnãopossoaguentarvê-lonesteestado.
— Eis aqui, então, minhaquerida – disse a bruxa. – Toma esta
corda,mas nãoo deixesvê-la, pois,se a visse,perderia o poder
curativo.À noite, quando eleestiverdormindo, deves levantar- emte
silêncioe amarrar a corda em volta do pé esquerdo dele o mais
firmeque puder;e veráspelamanhãque nãoteráreassumido a
forma de porco, mas continuará a ser homem. N ão quero
recompensa. S ereisuficient
emente recompensada ao saberque
estásfeliz.Quase chegaa partir-me o coração pensar em quanto
tens sofrido,e gostaria apenas deter sabido antes,poisteria vindo
emteufavorimediatamente.
Quandoa velha bruxafoiembora, a princesa escondeu a corda
com todo cuidado,e à noi televantou-em se silêncio e, com o
coração aceler ado,amarrou a corda em volta dopé dom arido. Bem
nahoraem queestava apertando o nó, houveum barulho e a corda
serompeu,poisestavapodre.
Omaridoacordouassustadoedisse-lhe:
— Infeliz, que fizeste? Três diasmaise este maldito feitiçome
deixaria, e agoraquem sabequanto tempopassarei nesta forma
repugnante? D evodeixar-te de uma vez, e nãonosveremosde
novoat é quetenhas calçado três pares desapatos deferro e gasto
suassolasàminhaprocura.
Aodizerisso,desapareceu.
Quandoficousozinha,a princesa começoua chorar e a gemer
tanto,que davapenaouvir; noentanto, quando viuque lágrimas e
gemidosdenadaserviam, levantou-se determinada a irondequer
queodestinoalevasse.
Chegando à cidade, a primeiracoisa que fez foiencome ndar três
pares desandálias deferro e uma varadeaço. Tendofeito esses
preparativos parasuajornada , saiuà procura domarido. Sem parar ,
viajou pornovemarese cruzounovecontinentes; passoupor
florestas com árvores cujos troncos eramlargos como barris de
cerveja;tropeç avae batia-se contra galhos caídos,recom punha-se
e prosseguia;osgalhos dasárvores batiam-lhe norosto e arbustos
feriam-lheasmãos, mas ela prosseguia sem nuncaolhar paratrás.
Enfim, exausta dalonga viagem, esgotada e vencida pelatristeza,
masaindacomesperançanocoração,chegouaumacasa.
Quempensaisqueviviaali?ALua!
A princesa bateu à porta e implorou que a deixassementrar e
descansar um pouco.A mãedaLua, quando viua moça em apuros,
compadeceu-sedela,a fez entrar , alimentou- eacuidoudela.
Enquantoestavaaí,aprincesateveumbebê.
Umdia,amãedaLuaperguntou:
— Como é possível parati,uma mortal, viresatéaqui,a morada
daLua?
Entãoa pobremoça contou tudoque lhe acon tecera e
acrescentou:
— Sempreserei grataaoscéusporter-me trazidoaté aqui,e grata
a ti,quetivestepiedade dem im e demeu bebê, e nãonosdeixaste
à espera damorte. Agora, rogo-te um favor . Acasotua filha,
a Lua,
podedizer-meondeestámeumarido?
— Elanãopodecontar-te, minhafilha – respondeu a deusa –, mas
seviajares rumoaooriente até chegar à morada doSol,ele poderá
dizer-tealgo.
Então,deuà princesa frango assado paracomere advertiu- que
a
fossemuito cuidadosa paranãoperder nenhumdosossos, porque
lhepoderiamsermuitoúteis.
Depoisdeagradecer-lhe uma vez maispela hospitalidadee pelo
bom conselho, e dejogar forao pardesapatos queestava gasto e
de calçar o segundo par, a princesa amarrou os ossosdo frango
numa t rouxinha e, tomando o bebê nosbraços e a varana mão,
partiumaisumavezemsuacaminhada.
Adiante,adiante, sem parar , cruzoudesertos de areia,ondeas
estradas eramtão extenuantes que, a cadadois passos parafrente,
tinha dedarum paratrás;m asresistiu atéquepassou poraquelas
planícies sombrias;depois,cruzou altas montanhas rochosas,
pulando de pedraem pedrae de picoem pico. Às vezes,
descansava um pouconamontanha, e então recomeçava, sempre
avante. Tinhade atravessar pântanos e de escalar picosde
montanhas cobertos de pedregulhos, de modo que seus pés,
joelhos e cotovelos estavam todos ralados e sangrando,e às vezes
chegavaa cair em precipícios que nãoconseguia saltar
, e tinha de
rastejar
, ferindomãose joelhos, o tempo todo com a ajuda davara.
Finalmente, mortadecansaç o, chegouaopalácio em quemorava o
Sol. Bateu e pediuparaentrar . A mãe doSolabriu a porta e ficou
surpresa ao contemplar uma mortal de terras tãodistantes e
compadeceu-se atéàs lágrimas quando ouviutudo que a princesa
sofrera. Então,tendo prometido perguntaraofilho sobreo marido da
princesa, escondeu-naa ade ga, demaneira queo Solnadanotasse
aovoltar paracasa,poisele sempreestava demau humorquando
vinha à noite. No diaseguinte, a princesa temiaque as coisas não
corressem a seufavor , poiso Solpercebeu que alguémde outro
mundoestivera nopalácio.Mas a mãe dele tinha-acal
o madocom
palavras doces,assegurando-lhe que istonãoocorrera. A princesa
recobrou ânimo quandoviu a bondade com que foi tratada e
perguntou:
— Como é possível aoSolficar irritado?
Eleé tão lindo e tão bom
paraosmortais!
— É assimque acontece – respondeu a mãe do Sol. – Pela
manhã, quando se posta nosportões doparaíso,estáfelize sorri
parao mundointeiro, mas durante o diaelese zanga, porque vê
todo o malpraticado pelos homens, e é porissoque seucalor fica
tãocausticante; à noite, estábravo e triste,
poissepõe nosportões
damorte.Éoseucursonatural.Deláelevoltaparacá.
Elaent ãocontou à princesa que perguntara acercadomarido,e
que o filho respondera que nadasabiasobreelee que a única
esperança eraperguntar aoVento. Antes quea princesa partisse, a
mãe doSoldeu-lheum frango assado paracomere advertiu- quea
tivesse muito cuidado com os ossos,o que elateve,juntando-os
numatr ouxa. Então a princesa jogou forao segundo pardesapatos,
que estavam gastos, e com o bebê nosbraços e a var a na mão,
partiuemdireção ento.
aoV
Nessasidase vindas, elaencontrou dificuldadesainda maiores
queantes,poispassavaporumamontanhadepedregulhosatrás
outra,dasquais surgiriamlínguas defogo. Passouporflorestas que
nuncatinham sidopisadas porpés humanose teve de cruzar
camposde geloe avalanc hes de neve. A pobremul herquase
morreu nessas adversidades, mas manteve um coração valente e,
porfim, chegou a uma enorm e caverna aolado deuma montanha.
Era a morada doVento. Haviauma portinha nagradeem frente à
caverna, e alia princesa bateu e pediu autorizaçãoparaentrar . A
mãe do Vento compadeceu-se delae deixou-aentrar , então ela
descansou um pouco.Aquit ambém ela foiescondida, a fim deque
oV entonãoapudessenotar .
Na manhãseguinte, a mãe do Vento contou-lhe queo marido vivia
numa matafechada,tão fechadaque nenhummachadopoderia
abrir uma picadaporali.E leconstruíra uma espéciede casa,
juntando troncos deárvore e amarrando-os com varas desalgueiro
ealiviviasozinho,afastadodahumanidade.
Depoisde darà princesa frangoparacomere de adverti- que
la
guardasse os ossos,a mãe do Vento aconselhou- aairpela Via
Láctea, queà noite atravessa oscéus, e a seguirsempre em frente
atéalcançarseuobjetivo.
Tendoagradecido à velha senhora com lágrimas nosolhos pela
hospitalidadee pelasboasnovas quelhe dera,a princesa partiuem
suajorn adasem descansar nem dedianem denoite, tamanha era
suaânsiadevero marido denovo.Avante, avante,elaandouaté
que o últimopardesapatos estivessecaindo aospedaços.Então,
jogou-os forae saiucom ospés descalços, sem seimportar com a
lama, nem com os espinho s que a machucavam, nem com as
pedras que a arranhavam. Chegouenfima uma campina verde às
margens dafloresta.O coraç ãoficouacelerado aoverasflores ea
gramam acia,e ela sentou-se paradescansar um pouco.Mas ouvir
o chilrodospássaros paraseuscompanheiros entre as árvoresa
fez pensarcom saudadeno marido,e chorouamargamente.
Tomandoo bebê nosbraços e suatrouxa de ossosde frangono
ombro,avançoumataadentro.
Portrês diase trêsnoitesenfrentoua mata,mas nadapô deachar .
Estava completamente esgotada pelo cansaço e pela fome, e sua
varajá nãopodia ajudá-la,
poisficarasem ponta naviagem.Quase
cedeuao desespero, mas fez um último grandeesforçoe, de
repente,numa moita, chegouao tipo decasaque a mãe doVento
descrevera.A casanãotinha janelase a porta estava em cimado
teto.
A princesa rodeou a casa, em buscade pegadas,mas nada
encontrou.O que tinha defazer? Como entrar? Pensou,pensou e
tentouem vãoescalar atéa porta.Então,de repente, l
embrou-se
dos ossos de frangoque t rouxeraconsigo em todo o caminho
exasperanteedisseasimesma:
— Elasnãome teriam ditopara ter
tantocuidado com esses ossos
se nãotivessem uma boara zão parafazê-lo. Talvezagora,neste
momentodenecessidade,elesmepossamserúteis.
Tirouos ossosdatrouxa e, depoisdepensar um pouco,uniuas
pontas. Parasua surpresa, os ossosficaramfirmemente unidos;
entãoacrescentou os outros ossos,atéque tivesse duaslongas
hastesdaaltura dacasa. Es tasforamapoiadas contra a parede,à
distânciadeuma jarda uma daoutra. Entre elas,a princesa colocou
osdemaisossos,um a um, como osdegraus deuma escada.Tão
logoum degrauestava pronto, subianele e fazia o seguinte,e
depois o outro,e maisum, atéque chegoubem perto da porta.
Quandoestava quasenotopo,percebeu quejá nãorestavam mais
ossosparao último lance daescada.O quehaveria defazer? Sem
o último degrau,a escada inteira
teriasidoinútil.Será que tinha
perdido um dos ossos? Então,repentinamente uma ideialhe
ocorreu. Com uma faca em punho, cortou o próprio dedinho e,
colocando- noo lugardoúltimo degrau,este sefirmou,assimcomo
ocorrera aosossos.A escada estava completa e, com o filho nos
braços,ela entrou pelaporta dacasa.Aliencontrou tudo em perfeita
ordem.Depoisde comerum pouco, pôs o bebê paradormir num
cochoqueestavanochãoesentou-separadescansar .
Quandoo marido, o porco,voltou para casa,ficousurpreso com o
queviu.Em primeiro lugar, ele nãopodia acreditarem seusolhos e
fitoua escada deossos com o dedinho notopo.Sentiu que alguma
magiadesconhecida estava em açãoe, aterrorizado, quasevoltou
as costas paraa casa; mas acaboutendo uma ideia melhor e
transformou- emsepombo, demaneira quenenhumfeitiço podia ter
poder sobre ele, e vooupara dentrodoquarto sem tocar naescada.
Ali,encontrou uma mulher embalando uma criança. Quandoa viu,
com aparência tão transformada portudo que sofrera porcausa
dele,seu cora çãofoitocado portanto amore saudade e portão
grandecompaixãoquederepentetornou-seumhomem.
A princesa levantou-quan se do o viu, e o coração pulsava com
temor , poisnãoo conhecia. Quandoele lhecontou quem era,com
grande regozijo, elaesqueceu-sede todos os sofrimentos, que
agora eram-lhe como nada.Eleeraum homem belíssimo, altoigual
um pin heiro.Sentaram-se juntos e elacontou-lhe toda s as suas
aventuras; elechorou de penacom a história. Depois disso,ele
tambémcontouaelasuaprópriahistória.
— Sou filho deum rei.Uma vez, quando meu paiestav a lutando
contra alguns dragões,que eramo flagelo demeu povo , eu matei
um dragãozinh o. A mãe dele , queerabruxa, lançou-me um feitiçoe
transformou-em meporco.Foi ela que, disfarçada
develha senhora,
deu-teacordaparaamarraremvoltademeupé.Assim,emvezdos
três dias quefaltavam para queo feitiçosequebrasse, fuiforçado a
continuar porco pormaistrês anos.Agoraque sofremos um pelo
outroereencontramosumaooutro,esqueçamosopassado.
Ebeijaram-setomadosdejúbilo.
Na manhãseguinte, saíramcedoparavoltar aoreino dopaidele.
Era grande o gozo detodo o povoquando viua ele e à esposa;o
paie a mãe abraçaram-nos e houveum banquete no paláciopor
trêsdiasetrêsnoites.
Depois, foramvisitar
o paidela. O velho rei
quaseperdeu a cabeça
de tanta felicidadeao contemplar a filha
novamente.Quandoesta
lhecontousuasaventuras,oreilhedisse:
— Não falei que decerto aquela criatura
que tecortejarae
conquistara como esposa não tinhanascidoum porco?Vês, minha
filha,comofostesábiaemfazeroquetedisse?
Como o rei est
avavelho e nãotinha herdeiros,
colocou-osnotrono
de seu palácio.Elesgovernaram como só os reis que sofreram
muito podemgovernar . E, se nãoestiverem mortos,
ainda viveme
governamfelizes.[18]
[18] ContosdefadasromenostraduzidosporNiteKremnitz.
ONorka
A aiavestiu-num
a casacoverde-claro
brocado
deouroe penteou-
lheos longoscabelos atéque ficassemesvoaçantes
como um
manto dourado
, pôs-lhena cabeçauma coroade rosas
e jasmins
comfolhasverde-esmeralda.
Quandoficoupronta, ninguémpodiaestar mais linda, mas ela
aindanãoconseguiaevitarosemblantetristonho.
Enquanto isso,a duquesa Queixosatambémestava ocupada em
arrumar-se.Tinhaum sapato com um salto maior que o outro uma
polegada ou mais, a fim dequenãomancasse tanto, e pô s um olho
devidro nolugardaquele queperdera. Tingiu
o cabelo vermelho de
pretoe pintoua cara.Em seguida,vestiu um lindo casaco decetim
lilás
com forro azul, e um saiote amareloadornado com uma fita
violeta,e,porquetinhaouvidodizerquerainhassemprecavalg
em seus novos domínios,ela ordenou queaprontassem um cavalo
paraquepudessecavalgar .
Enquanto esperava o rei aprontar- para
se partir
, Graciosa desceu
sozinhaatéo jardim e entrou num pequeno bosque,ondesesentou
num banco coberto de musgo e pôs-se a pensar . Seus
pensamentos eramtão sombrios, que elalogocomeçoua chorar .
Chorou,chorou,chorou e esqueceu-se completamente devoltar ao
palácio,atéque de repente viuum lindo pajemdiante de si. Ele
estavavestidodeverde, e o quepequetrazia namão eraadornado
com plumas.QuandoGracio saolhou paraele,o jovem prostrou-se
edisse-lhe:
—Princesa,oreiesperaporti.
Aprincesaficousurpresae,paradizeraverdade,muitofelizcoma
apariçãodeste pajemencan tador , a quem nãose lembrava deter
vistoantes.
Pensandoquepudessepertenceraosserviçaisdaduquesa,dis
—Háquantotempoésumdospajensdorei?
— N ãoestou a serviço dore i, madame– respondeu ele –, mas a
teuserviço.
— Ao meu? – disse a princesa com grande espanto. – Como é que
nuncateviantes?
— Ah, princesa! – disse – nuncaouseiapresentar-ame ti,mas
agorao casamento dorei ameaça-te com tantosperigos queresolvi
contar-deteuma vez quanto teamo, e confio quedevido notempo
conseguirei conquistar tua estima. Sou o príncipePercinet,decujas
riquezas já ouvistes,e cujo dom dasfadas,espero, teseráútilem
todas as tuas agruras, se m e permitires acompanhar-te sob este
disfarce.
— Ah, Percine t!– exclamoua princesa. – És tumesmo? Já ouvi
muito sobre tie desejava encontrar- Se
te.
defatoserásmeu amigo,
nãomaistemereiavelhaduquesa.
Voltaram juntos ao palácio,e aliGraciosa encontrou um lindo
cavalo que Percinet lhetr ouxera. Como esteeramuitovivaz,
conduziu-o pelasrédeas, e talarranjo permitiu-lhe
quesevoltasse e
olhasse paraa princesa com frequência,o que elenãoperdia
oportunidade de fazer. Na verdade, a princesaestavatão lindaque
olhar paraelaeraum verda deiro deleite.Quandoo cavalo que a
duquesahaviade montar apareceu ao ladodo de Graciosa,
simplesmente nãohaviacomparação entreeles,poisa sela e as
rédeas docavalo daprincesa reluziam como diamantes. O reitinha
tantas coisasque pensar que nãonotou,mas todos os seus
cortesãos estavam inteirame nte arrebatados,admirando a princesa
e seu pajemencantador traja
dodeverde,queeramaisbelo e bem
aparentadoquetodoorestodacorte.
Quandoencontraram a duquesa Queixosa, elaestava assentada
numacarruagem aberta e tentava,em vão,parecer majestosa.O rei
e a prin
cesasaudaram-na,e o cavalo foiconduzido até
ela para que
o m ontasse. Quando, todav ia, viuo cavalo de Graciosa,gritou
irritada:
— Se aquela criança temum cavalo melhorque o meu, voltarei
param eu cast elo neste minuto. De que me serve serrainha se for
paraserofendidadessejeito?
Na mesma hora,o rei ordenou queGraciosa apeasse e suplicasse
à duque saa honra demontar em seubelíssimo cavalo.A princesa
obedeceu em silêncio, e a duquesa,sem dirigir-lhe o olhar ou
agradecer-lhe, montou às pressas o belo cavalo,ondese sentou
parecendo uma trouxa deroupas,e oito oficiais tiveram desegurá-
la,poistemiamquecaísse.
Aindaassim, elanãosedeuporsatisfeita, e ficouqueixando-se e
resmungando,demodoquelheperguntaramqualeraoproblema.
— Q uero queo pajem trajado deverde venha e conduzao cavalo,
comofizeraquandoGraciosaomontou–disseelacomrispidez.
O rei ordenou queo pajem conduzisse o cavalo darainha. Percinet
e a princesa olharam-se entre si, mas nãodisseram uma palavra, e
ele agiuconforme a ordemdo rei,enquanto a procissão começava
com grandepompae circunstância. A duquesa estava exultantee,
porestar ali entronada, nãoteria desejado trocar de lugar nem
mesmo com Graciosa. Contudo, quando menosseespera va, o lindo
cavalo começou a arriar , a empinar , a darcoices e, porfim, saiuem
disparadacomtamanhavelocidadequefoiimpossíveldetê-lo.
A princípio, a duquesasegurou-sena sela, mas logofoi
arremessada e caiunuma pilha de pedras e espinhos, e alia
encontraram, tremendo como gelatina, e recolheram o que sobrou
dela como cacosdevidro. O chapéuestava aqui,o sapa toacolá,o
rosto arranhad o, e os trajes finos,cobertos de lama.Jamaisuma
noiva foi vistaem condição t
ãodeplorável. Levaram-nadevolta ao
palácioe puseram-nana cama, mas tãologose re cuperou o
suficiente para conseguir falar
, começoua ralhar e a enfurecer-se,e
declarou quetudo queacont ecera foraculpa deGraciosa, poisesta
tinha conspirad o paralivrar-dela,
se e que voltaria parao castelo e
gozariasozinhadesuasriquezasseoreinãoapunisse.
O rei ficouterrivelmente assu stado, poisnãoqueria perder dejeito
nenhumaqueles barris de ouroe joias. Apressou-se,então, por
satisfazer a duquesae disse-lhe que elapoderia punir Graciosa
comobemquisesse.
Em seguida,elaconvocou Graciosa,queempalideceu e pôs-se a
tremer ao ouvir a intimação, poisimaginava que nadade bom a
aguardava. Procurou Percine tportoda parte, mas nãoo encontrou
em lugar algum;então nãoti nhaescolha senão iraosaposentos da
duquesa Queixosa. Maltinh a abertoa porta quandofoiarrastada
porquatro serviçais,
que pareciam tão altas,fortes e cruéisque a
princesa arrep
iou-se ao vê-las, e aindamais quandoas viu
armando-se com feixesdevaras,e ouviu a duquesa berrar-lhesda
camaquebatessemnaprincesasemdónempiedade.
A pobr e Graciosadesejou desgraçadamente que Percinet tão
somente soubesseo que se passavae viesseresgatá-la. No
entanto,logoque começarama espancá-la,elaachou, paraseu
grande alívio,que as varas haviamse transformado em feixesde
penas depavão e, embora as serviçais
daduquesa continuassem a
bateraté ficartãocansadas quenãoaguentassem maislevantar os
braços,ela nãoestava nem um poucoferida. A duquesa,contudo,
pensouque elaestaria toda roxa depois de uma surra dessas.
Quandofoilibertada, Graciosa fingiusentir-muito
se male foipara
seu próprio aposento,ondecontou à aiatudo que acontecera.
Assim que a aiaa deixou,quandoa princesa virou-se,ali estava
Percinetaoseulado.Elaagradeceu-lhe a ajuda tãosagaz, riram e
sealegraramcomomodocomotinhamenganadoaduquesaesuas
serviçais;mas Percinet aconselhou- aaainda fingir estarmalpor
mais algunsdias. Depois de prometer-lhe ajuda sempreque
necessário,desapareceutãoderepentecomotinhaaparecido
A duquesaestava tão satisfeita
com a ideia de que Graciosa
estavamesmo mal, que se recuperou duasvezesmaisrápidodo
que se teria recuperadonormalmente, e o casamento foimantido
com grandemagnificência. A gora,uma vez quesabia que, acimade
tudo,a rainha amava ouvir que eralinda, o reiordenou que
pintassem um retrato
dela,e que se fizesseum torneio noqual os
maisvalentes cavaleiros
dacorte deveriam sustentar , contra todos
osvisitantes,queQueixosaeraaprincesamaislindadomundo.
Inúmeros cavaleirosvieram detodos oslugares aceitar o desafio,
e a rainha medonha,vestida deouro,sentou-se com pompanuma
sacadasuspensaparaassistiraoscombates.Graciosatinhade
em pé junto dela,ondetodo o seuencanto eratão visível que os
combatentes nãolhetiravam olhos.A rainha, entretanto, eratão
vaidosa que julgou que todos aqueles olharesde admiração
dirigiam-se a ela,especialmente quando,apesar damaldade desua
causa, os cavaleiros do reieramtão valentes que venciam cada
combate.
Quandoquasetodos os estrangeiros haviamsidoderrotados,
apresentou- um
sejovem cavaleiro desconhecido. Trazia consigo um
retrato,fechado com um laço incrustadodediamantes, e declarou-
sedisposto a sustentarcontra todoseles quea rainha eraa criatura
maisfeiadomundo, e quea princesa cujo retrato
trazia eraa mais
linda.
Então um a um oscavaleiros avançaram contra ele,e um a um ele
subjugou a todos, e em seguida abriu a caixa, e disse que, para
consolá-los, mostrar-lhes- oiaretratode sua rainha da beleza.
Quando fez o que dissera,todos reconheceram a princesa
Graciosa. O cavaleiro desconhecido saudou-agentilmente e retirou-
se, sem dizer seunomea ni nguém. Graciosa,noentanto , nãoteve
dificuldadeparaadivinharqueeraPercinet.
Quanto à rainha, elaestava tomada poruma fúriatal que mal
podia falar;mas logo recuperoua voz e descarregou sobre Graciosa
umatorrentedeacusações.
— O quê?! – disse ela.– Ousas disputar comigoo prêmioda
beleza e esperas que tolereeste insultoa meus cavaleir os? Não o
tolerarei,princesaorgulhosa. ereiaminha
T vingança!
— Eu juro, madame– disse a princesa –, que nãotive nadaque
vercom issoe estou deacordocom quesejas declarada a Rainha
daBeleza.
— Ah! Gostas defazerpilhérias, sualinguaruda! – disse a rainha.
–Logoireiàforra!
Contaram ao reio que acontecera e como a princesa ficou
aterrorizadacomarainhaenfurecida,masestedisseapenas:
—Arainhadevefazeroquelheapraz.Graciosapertenceaela!
A rainh a má esperou impacientemente atéo cair danoite, e então
ordenou que lhetrouxessem uma carruagem.Graciosa,muito a
contragosto, foiforçada a entrare partiramparalonge,sem parar
atéque tivessem chegado a uma grande floresta,
a cem léguas do
palácio.Estafloresta eratão sombria e tão cheiade leões,e de
tigres, e de ursos,e de lobos,que ninguémousavaatravessá-la
nem m esmo à luz do dia, e alifizeramdesembarca r a pobre
princesa, nomeiodanoite escura,e lá a abandonaram, a despeito
de todas as lágrimas e súplicas. A princesa ficoubem quieta a
princípio, porcausada tota lperplexidade, mas, quand o o último
som dacarruagem esvaiu-seà distância,
ela começoua correr sem
rumoparalá e paracá, às vezesbatendo-se contrauma árvore,às
vezest ropeçando numa pedra,temendo a cadaminuto sercomida
pelos leões.Depoisdealgumtempo,estava tãocansada que não
aguentava darmais nenhumpasso, então se lançou ao chãoe
gritoumiseravelmente:
—Oh,Percinet!Ondeestás?Esqueceste-meporcompleto?
Maltinha dito essaspalavra s quando toda a floresta
se iluminou
com um brilho repentino.Todasas árvores pareciam enviar uma
espécie deradiância agradável, queeramaisclara quea luzdalua
e maisdoceque a luzdo sol,e ao fim de uma longa estrada de
árvores à suafrente, a princesa viuum palácio decristalque luzia
como o sol.Naquele momento,um leve ruídoatrás dela a fez se
virar
,ealiestavaopróprioPercinet.
— Acaso teassustei, minhaprincesa? Vim paradar-te as boas-
vindas a nosso palácio
encantado, em nomedarainha, minhamãe,
queestáprontaparaamar-tetantoquantoeu.
A prince sa, tomada dejúbilo, montou com ele num pequeno trenó,
puxado por duas renas, que saltavam e arras tavam-nos
rapidamente parao maravilhoso palácio,ondea rainha recebeu-a
com a maiorgentileza, e um esplêndido banquete foi servido
imediatamente. Graciosaestava tãofeliz
porter encontrado Percinet
e porte rescap adodafloresta sombriae detodos osseus terrores,
que estava com muita fome e muito feliz– e tiveram um alegre
festim.Depoisdo jantar , forama um aposento adorável, ondeas
paredes decristaleramcobe rtascom quadros, e a princesaviucom
grande surpresa que suaprópria históriaestava alirepresentada,
atéomomentoemquePercinetencontrou-anafloresta.
— Teus pintores decerto são muitodiligentes – disseela,
apontandooúltimoquadroparaopríncipe.
— E les sãoobrigados a ser, poisnãoquero esquecer nadaquete
aconteça–respondeu.
Quandoa princesa começoua sentir sono,vinte e quatro donzelas
encantadoras puseram-na nacama noaposento maislin doque já
vira,e então cantaram para elacom tanta doçura queossonhos de
Graciosa foramtodos cheios desereias, e ondas suaves domar, e
cavernas, em que elapasseava com Percinet; mas, quando
acordou, seuprimeiro pensam ento foique, pormelhor que o palácio
encantado lheparecesse, ela nãopodia permanecer ali,mas tinha
de voltar paraseu pai. Quandoforavestida pelas vinte e quatro
donzelas com um manto que a rainha lheenviara e em que ela
parecia maislinda quenunca,o príncipe Percinet veio vê-la, e ficou
amargamente decepcionado quando ela lhe contou em queestivera
pensando. Eleimplorou quepensasse novamente em quãoinfeliz a
rainha m á a faria,e como, seela secasasse com ele,todo o palácio
encantado seriadela,e seu únicopensamento seria agradá-la.
Apesardetudoqueelepodia ,aprincesa
dizer estavadeterminadaa
voltar
, embora,enfim,ele a convencesse a ficaraliporoito dias,que
foramt ãocheios de prazer e alegria que passaram como poucas
horas.No último dia,Graciosa,que com frequência ficava ansiosa
parasabero queestava acontecendo nopalácio deseupai,disse a
Percinet que tinha certeza de que, se quisesse, eleconseguiria
descobrir paraela qual motiv o a rainha tinha dadoao paiparaseu
desaparecimento repentino. Percinet, num primeiro momento,
ofereceu enviarseu mensageiro paradescobrir , mas a princesa
disse:
—Ah,nãoháumjeitomaisrápidodedescobrirdoqueeste?
—Muitobem–dissePercinet–,descobrirásportimesma.
Então subiramjuntosao topo deuma torre muito alta,que, como
todoocastelo,erafeitointeiramentedecristal.
Ali,o príncipe
segurou a mão deGraciosa e a fez colocara ponta
de seu dedinho na boca, e olhar na direção da cidade,e
imediatamenteelaviuarainhamádirigir-seaoreidizendo:
— Aquelaprincesa infeliz estámorta,mas nãoé uma grande
perda.Ordeneiquefossesepultadadeumavez.
Em seguida, a princesa viucomo ela vestiuum tronco deárvore e
oenterrou,ecomoovelhoreichorou,etodoopovomurmuravaque
a rainha tinha
matado Gracio sacom suacrueldade e queela devia
tera cabeçadecepada!Quandoviuque o rei estava tãopesaroso
poressamorte fingidaque nãoconseguia comernem beber , a
princesaexclamou:
—Ah,Percinet.Semeamas,leva-medevolta!
E assim, emboranãoo quis essenem um pouco, foiobrigado a
prometerqueadeixaria . ir
— Não me façasarrepender-princesa
me, – disse com tristeza –,
poisre ceioque não me ames o suficiente; prevejo que te
arrependerás mais de uma vez porteres deixadoeste palácio
encantadoondefomostãofelizes.
Mas, apesar de tudoquepodiadizer , eladeuadeus à rainha,mãe
dele,e preparou-separapartir; Percinet,muito relutante, trouxe-lhe
o trenozinhocom as renas,e ela montou ao lado dele.Maltinham
percorridovintejardas,
quando um barulho tremendo vin
dodetrás
deles fez Graciosaolhar paratrás, e vero paláciode cristal
despedaçar-se em um milhão de cacos, como o borrifo de um
chafariz,edesvanecer-se.
—Oh,Percinet!–elagritou.–Oqueaconteceu?Opaláciosefoi!
— Sim – ele re
spondeu –, meu palácioé uma coisa dopassado;tu
overásdenovo,masnãoatéquesejasenterrada.
— Agoraestás bravocomigo , embora,nofinal dascontas , eu seja
maisdigna depiedade que tu– disse Graciosa com suavoz mais
lisonjeira.
Quandose aproximavam do palácio,o príncipe tornouo trenó e
elesmesmosinvisíveis, então a princesaentrou sem serobservada,
e correuaté o grande salão ondeo rei estava assentado sozinho.A
princípio,ele estavamuito assustado com o repentino
desaparecimento deGraciosa,mas ela contou-lhe como a rainha a
tinhaabandonado nafloresta e como ordenara o sepultamento de
um tronco de árvore.O rei,que nãosabiao que pensar , logo
ordenou queo desenterrasse m e certificou- desequeforaconforme
dissea princesa. Então,eleafagouGraciosa e a fez sentar-parase
jantarcom ele,e estavam felizes na medidado possível. Neste
momento,no entanto, alguém já tinha contado à rainha má que
Graciosa volta
rae estava jantando com o rei.Ela, então, disparou
numa fúriaterrível. O pobrereitremia diante dela,e quandoela
declarou que Graciosa nãoeraa princesa, mas uma impostora
perversa, e que se o reinãodesistisse de uma vez portodas ela
voltaria
paraseupróprio castelo e nuncamaiso veria denovo,ele
nãoteve uma palavra quedizer, e realmentepareceu acreditar que
afinal
nãoeramesmo Graciosa.Então a rainha, em grande triunfo,
ordenou a suas criadas que levassem a princesa infeliz e a
trancassem num sótão;ela s tomaram todas as joias e o lindo
vestido,e deram-lhe um vestido dealgodão grosseiro, sapatos de
paue uma boi nadepano.H avia um poucodefenonum canto, que
eratudo queela tinhacomo cama, e deram-lhe um pedaço depão
pretoparacomer . Nestasituação terrível,
Graciosa defato lamentou
pelopalácio encantado, e ter
iachamadoPercinet em seuauxílio, se
tivessecerteza dequeele já nãoestava irritado
porque o deixara, e
pensouquenãopodiaesperarqueeleviesse.
Enquanto isso, a rainha convocouuma velha fada, tão malévola
quantoela,edisse-lhe:
— Dev es encontrar paramim algumatarefa que esta princesa
delicadanãopossafazer , poisquero puni-la.
Se ela nãofizero que
ordeno,nãopoderádizerquesouinjusta.
Então a velha fadadisse quepensaria a respeitoe voltaria nodia
seguinte.
Quandovoltou, trouxe
consigo um novelo delã três vezes
maiorque ela;eratão finoque um sopro de aro quebraria, tão
embaraçadoqueeraimpossívelverseuiníciooufim.
ArainhaconvocouGraciosaedisse-lhe:
—Vêsestenovelo?Põeteusdedinhosdesajeitadosparatraba
nele,porquedevotê-lodesembaraçado ao pôr do sole, se
quebraresumúnicofio,serápiorparati.
Ao dizer isso,deixou-a, trancando a porta atrás de sicom três
chaves.
A princesa ficouestarrecida ao veraquele novelo terrív
el. Se o
virasseparaverporondecomeçar , quebrá-lo-ia
em milpedaços.
Ninguém poderia desembaraçá-lo.Enfim, jogou-o no chão,
chorando:
— Oh, Percine t!Estenovelo fatalseráa minhamorte se nãome
perdoaresemeajudaresmaisumavez.
E imediatamente Percinet entrou,tão facilmentecomo se tivesse
emsuapossetodasaschaves.
— A quiestou, princesa, como semprea teu serviço – disse ele –,
emborarealmentenãotenhassidomuitoamávelcomigo.
Percinetapena s tocou o nov elocom suavarinha, e todo s os fios
quebrados se juntaram, e todo o novelo desenrolou-suave,se do
modo maissurpreendente. Voltando-parase Graciosa,o príncipe
perguntou se havia algumaoutra coisa que desejava que fizessee
se não chegaria o momentoem que eladesejaria pura e
simplesmentesuapresença.
— Nãote aborreças comigo,Percinet – disse ela.– Já estou infeliz
obastantesemisso.
— Mas porque tens deserinfeliz, minhaprincesa? Apenasvem
comigoe nossafelicidade será tão certaquanto um di a seguea
outrodia.
—Esetecansaresdemim?–retorquiuGraciosa.
O príncipeficoutão ofendido com esta falta de confian ça que a
deixousemumapalavramais.
A rainha má estava com ta nta pressa parapunir Graciosa que
pensou que o soljamais iria se pôr; na verdade, antes do horário
marcado,ela foicom asquat rofadase, enquanto encaixava astrês
chavesnafechadura,disse:
— A rriscodizerque essaimprestável nãofez nada,poisprefere
sentar-secomasmãosnocoloeconservá-laslimpas.
Tão logo entrou, Graciosaapresentou-o lhenovelo de lãem
perfeitaordem,demodoque ela nãoconseguiu encontrar nenhum
defeito,e podia apenas fingir encontrar pequenas manchas, e por
cadafalta imaginária deuum tapa nasbochechas deGraciosa,que
fizeramqueo branco rosado desuapele ficasse verde e amarelo. E
entãomandoutrancarem-nanosótãoumavezmais.
A rainha convocoua fada novamente e repreendeu-com a
severidade.
— Não cometas um erro destes denovo;encontra algoque seja
impossívelqueelafaça.
Então,no diaseguinte, a fada apareceu com um grande barril,
cheiode penasde todos os tipos de pássaros.Haviarouxinóis,
canários,pintassilgos, pintarroxos, chapins,papagaios , corujas,
pardais,pombos, avestruzes , abetardas, pavões, cotovia s, perdizes
e tudom aisque podeis imaginar . Essaspenasestavam misturadas
numa confusãotal que nem os próprios pássarospoderiam
encontrarasprópriaspenas.
— Aqui – diss e a fada– estáuma tarefinha que exigirátoda a
habilidade e paciência de tu a prisioneira. Dize-lhe paraseparar e
organizar em pilhas diferentes as penasdecadapássaro.Teria de
serumafadaparaconseguir .
A rainhaestava maisdo que felizem pensar no deses peroque
essatarefa causaria à princesa. Convocou-ae, com as mesmas
ameaçasdeantes,trancou-aatrêschaves,ordenandoquetodas
penasestives sem separada s ao pôr-do-sol. Graciosapôs-se a
trabalharimediatamente, mas antes que tivesse tomado uma dúzia
depenas,julgou queseriaperfeitamente impossível diferenciar
uma
daoutra.
— Ah! – suspirou. – A rainhaquerme matar e, setenho de morrer
,
queassimseja. Não possopedir a ajuda dePercinet denovo,pois,
serealmente me amasse,nãoesperaria atéserchamado.Eleviria
semisso.
— Esto u aqui,Graciosa – exclamou Percinet,saindo dobarril
onde
se escondera.– Como ainda podesduvidar que teamo detodo o
coração?
Em seguida tocou trêsvezes com sua varinha sobreo barrile
todas as penasvoaramnuma nuvem e assentaram-se em
montinhosseparadosebemarrumadosportodaasala.
— Que farei sem ti,Percine t?– disse Graciosa agradecida.Mas
elaainda nãoconseguia sedecidira ircom ele e deixaro reinode
seupaiparasempre;então, implorou maistempo parapensar no
assunto,eeletevedepartirdesapontadomaisumavez.
Quando a rainha má veioao pôr-do-sol, surpreendeu-e se
enfureceu-se aovera tarefa concluída.Entretanto, reclamouqueas
pilhasde penasestavam m alarrumadas, e porissoa princesa
apanhou e foienviada de voltaparao sótão.A rainha chamoua
fada mais uma vez e ral hou com elaatéque estaficasse
absolutamente apavorada e prometesse voltar paracasae pensar
emoutratarefaparaGraciosa,piorqueasanteriores.
Aofimdetrêsdias,elavoltou,trazendoconsigoumacaixa.
— D iz a tuaescrava paralevaristoondete agradar , mas nãoabri-
lade je
ito nenh um. Elanãoconseguirá seconter , e entãotuficarás
satisfeitacomoresultado.
Assimarainhadirigiu-seaGraciosaedisse:
— Leva esta caixaaomeu castelo e põe-na sobre a mesaem meu
aposento. Mas proíbo-te, sob penade morte,de olhar o que ela
contém.
Graciosa saiu,usando a boinazinha,ossapatos depaue o vestido
de algodão grosseiro, e mesmo neste disfarce eratão lindaque
todos os transeuntes se perguntavam quem elapodiaser . Nem
tinha idomuito longe antes que o calordosol e o pesodacaixaa
cansassemtanto que a fizessem sentar-se paradescansar à
sombra deum arbusto, aolado deum prado verdejante. Segurava a
caixacom todo o cuidado no colo,quandode repente sentiuo
enormedesejodeabri-la.
— O que acon teceriaseeu a abrisse? – pensou consigo.– Nada
tirareidaqui.Sóqueroveroquehádentro.
E,semnenhumaoutrahesitação,levantouatampa.
Na mesma hora, saíram enxames de homenzinhos e
mulherzinhas, menores que um dedo,e espalharam-por se toda a
campina,cantando, dançando, jogandoos jogos maisalegres, de
modo que a princípio Graciosa ficouencantada e assistia-comos
muita diversão.Mas, em seguida,quando já estava descansada e
desejava retomarseu caminho,elapercebeu que, fizesseo que
fizesse,nãoconseguiria colo
cá-los todosdevolta dentro dacaixa.
Se os caçavano campo, elesfugiam paraa flores ta; se os
perseguia na floresta,corria
m paraas árvores e paratrásdos
raminhos demusgo, e com estrépitos dorisoélficocorriam devolta
paraoprado.
Enfim,exaustaeapavorada,sentouechorou.
— É minhaculpa– disse com tristeza.– Percinet, se aindate
importas com uma princesa imprudente assim, vem e ajuda-me
maisumavez.
ImediatamentePercinetapareceudiantedela.
— A h, princesa! Não fossepelarainha má, receio que jamais
pensariasemmim.
— Na verdade , pensaria sim– respondeu Graciosa. – Não soutão
ingrata quanto pensas.Só espera um poucoe creio teamarei
afetuosamente.
Percinet ficoufelizporouvir issoe, com um toque desuavarinha,
fez com queto dososserezinhos teimosos voltassem a seuslugares
na caixa. Tornando a princesa invisível,tomou-aconsig o em sua
bigaepartiramrumoaocastelo.
Quandoa princesa apresen tou-seà porta e disse que a rainha
ordenara que colocasse a caixano quarto dela,o governador riu
desbragadamentedaideia.
— N ão, não,m inha pastorinh a – disseele.– Estelugar nãoé para
ti.Nenhumsapatodepaujamaistocouaquelesolo.
EntãoGracios a implorou-lhe que desseuma mensagemescrita
contando à rainha que elese tinha recusado a autorizar-lhe a
entrada. Assim eleo fez, e Graciosa voltou paraPercinet, que
estava esperan doporela,e partiram juntos rumoaopalác io. Podeis
imaginar que elesnãofora m pelocaminhomais curto, mas a
princesa nãoo achoulongo demais.Antes que se separassem,
Graciosa prometeu que, se a rainha ainda fossecruel com elae
tentasse outra vez pregar maisuma peçavingativa, deixá-la-iae iria
comPercinetparasempre.
Quandoa viuvoltar , a rainha caiusobre a fada, que m antivera
consigo,epuxou-lheoscabelos,earranhou-lheorosto,erealment
a teriamatado se se pudesse matar uma fada. Quandoa princesa
mostrou a carta e a caixa, a rainha jogou ambasnofogo, sem abri-
las, e parecia muitoque elaqueria jogar a princesa também.
Entretanto, o que de fato elafez foiabrir um buraco bem fundoe
bem cavadonojardim e cobri-locom uma pedra chata.Em seguida,
caminhou até perto dapedra e disse a Graciosa e a todas asmoças
queestavamcomela:
—Dizemqueumgrandetesourojazsobaquelapedra;vejamosse
conseguimoserguê-la.
Então começaram a empurrá-la e a puxá-la, Graciosa entre elas,o
queeraexatamente o quea rainha queria; pois,tão logo a pedra foi
erguida o suficiente,Queixosaempurrou a princesa,lançando- noa
fundodo poçoe, em seguida,deixaram a pedra cairnovamente, e
alifoifeita prisioneira.Graciosa sentiu que agorade fatoestava
desesperadamente perdida, decerto nem mesmo Percinet poderia
encontrá-lanofundodaterra.
— É como serenterrada viva– disse elacom um arrepio. – Oh,
Percinet!Se tão somente soubesses quanto estou sofrendo por
minhafalta deconfiança em ti!Mas como eu podia ter certezade
quenãoserias como outros homense tecansarias demim a partir
domomentoemquetivessescertezadequeteamo?
Enquanto falava,repentinamente viuuma pequena porta abrir-se,
e a luzdosol brilhou dentrodaquele poçolamentável. Graciosa não
hesitou nem um instante e passouparaum jardim encantador .
Flores e frutos cresciam portodos os lados,fontes jorravam,e
pássaros cantavam nosgalhos dasárvores.Quandoalcançou uma
grande vereda deárvores e olhou para cimapara veraonde levava,
achou-seperto dopalácio decristal.Sim! nãoeranenhu m engano,
earainhaePercinetvinhamaseuencontro.
— A h, princesa!– disse a rainha– nãodeixesPercinet na dúvida
pormaistempo.Podesimaginar a angústia que elevem sofrendo
enquantoestavasempoderdaquelarainhamiserável.
A princesabeijou-agradecida
a e prometeu agirem tudo conforme
eladesejava. omando
T Percinetpelamão,comumsorriso,disse:
— Lem bras-te de teres-me ditoque eu nãoveria teupalácio de
novoatéque tivesse sidoenterrada? Pergunto-me:adivinhaste
então que, quando issoaconteceu, eu contar-te- que
ia teamo de
todomeucoraçãoequemecasareicontigoquandoquiseres?
O príncipe Percinet, com júbilo,tomou a mão quelhe foidada. Por
temer que a princesa mudassedeideia, o casamento foirealizado
imediatamente com grande esplendor. Graciosa e Percinet viveram
felizesparasempre. [21]
[2] J.Moe.
AV ozdaMorte
[25] P .C.Abjornsen.
RabodePato
[27] Ch.Marelles.
Averdadeirahistóriada
ChapeuzinhoDourado
[28] Ch.Marelles.
ORamodeOuro
[30] IrmãosGrimm.
Grimsborken,o
Tordilho
errível
T
I
Á M UIT OS E MUIT OS anos, no rein
adodo reiCambrino,
viveu em Asvenes um nobre que erao maisrequintado
– quer o dizer, o mais gordo– de todo o país de
Flandres. Fazia quatro refei
ções pordia, dormia doze
dasvinte e quatro horas e a únicacoisa que já fizeranavidaera
atirarempássarospequenoscomarcoeflecha.
Mesmo assim,com toda a prática,eleatirava
muito mal; eramuito
gordoe pesad o, e como ficavacadadiamaisgordo,porfim, foi
obrigado a desistir de andar e teve de serempurrado em uma
cadeira derodas.As pessoas faziam troça
delee o apelidaram de
lordeBarrica.
Ora, o únicoproblema quelorde Barrica
tinhaeraseufilho, a quem
amavamuito,emboranãose parecessem nem um pouco, poiso
jovem príncipeeramagrocomo um cuco. O que o envergonhava,
sobretudo,eraque apesar dasjovens damasde todos os reinos
fazeremo melhor que podiamparaque o príncipe se apaixonasse
porelas, elenadatinha a dizera nenhuma dasmoçase comunicou
aopaiquenãodesejavase. casar
Em lugar deconversar com asmoçasnapenumbra, vagavapelos
bosques,suss urrando ao luar. Não é deestranhar que as jovenso
achassem muito esquisito,
mas gostavam deletanto mais porisso.
Como recebera aonascer o nomedeDesejoso, todos o chamavam
deDesejosodeAmor .
— Qualo prob lemacontigo? – o paisempreperguntava . – Tens
tudoquepossas querer:
uma boacama, boacomida e tonéis cheios
decerveja.A únicacoisa que precisas, paratornar-gordo
te como
um porco,é uma mulher quepossadotar-de teterras vastas e ricas.
Portanto,casa-teeserásperfeitamentefeliz.
— Nadapeçosenão casar – respondeu Desejoso –, mas nunca vi
uma mulher queme agradas se. Todasasmoçasdaqui são rosadas
ebrancas,eestoucansadíssimodessaeternaalvura . erubor
— Pelaminhafé! – excla mou Barrica. – Querescasarcom
estrangeira
e dar-menetos feioscomo monstros e estúpidos como
corujas?
— Não, pai, nadadisso.Ma s devemexistir mulheres em algum
lugardomundo que nãosej am rosadas e brancas, e vos digo,de
uma vez portodas,quenunca me casarei atéquetenha encontrado
umaquesejaexatamentedomeuagrado.
II
Algum tempodepois,aconteceu do prior da abadia de Santo
Amândioenviar um cesto delaranjas parao lorde deAsvenes,com
uma carta belamenteescrita, dizendo queaqueles frutosdourados,
entãodesconhecidos em Flandres, provinham deuma terra ondeo
solsemprebrilhava.
Naquelanoite, lordeBarrica e seu filho comeramas laranjas
douradasnojantareacharam-nasdeliciosas.
Na manhãseguinte, aoraiar dodia,Desejoso foiatéo estábulo e
selouseu belo cavalo branco.Depois, foiao leito de Barrica,em
trajes
de viagem, e encontrou- fumando
o o primeiro cachimbodo
dia.
— Pai – disse , sério–, vim despedir-me de vós. Noite passada
sonheiqueandava em um bosqueondeasárvores eramrecobertas
delaranjas douradas.
Apanheiuma delas e quando a abri,dela
saiu
uma princesa adorável de peledourada. Essa é a esposaque
desejoevoubuscá-la.
O lordedeAvesnes ficoutã o pasmoque deixouo cachimbocair
nochão.Depoisficoutãodistraídocomaideiadofilhosecasarco
uma mulher douradae damulher estar presa dentro deuma laranja,
queirrompeuemumacessoderiso.
Desejoso esperouparadizer adeusdepois queele seaquietasse,
mas o paicont inuoua gargalhar e nãodeusinais dequepararia. O
jovem t
omou a mão do pai, beijou-com a ternura, abriu a portae,
num piscardeolhos,desceu a escadaria. Montou rapidamenteno
cavaloe estava a uma milha de casaatéque Barrica parassede
gargalhar
.
— Uma esposadourada! D eve estar louco!Pronto parauma
camisadeforça!– Bradou o bom homem quando foicapazdefalar .
–Rápido!Aqui!T razei-nodevolta!
Os criados montaram em seus cavalos e foramno encalço do
príncipe, mas como nãosabiamque estrada tomara,seguiram
todas,menos a estrada
certae, em vez de trazê-lo
de volta,
retornaram
quandojá estava
escuro,com os cavalos
cansados e
cobertosdepoeira.
III
QuandoDesejoso achouquenãopodiammaiscapturá-lo, sofreou
o cavaloaté levá-lo a passeio, como um homem prudente quesabe
que temum lo ngo caminho pela frente.Viajoudessamaneira por
muitas semana s, passando porvilarejos,
cidades,montanhas, vales
e planícies,mas sempre rumandopara o Sul, ondea cadadiao sol
pareciamaisquenteemaisbrilhante.
Porfim, um dia,aocair data rde,Desejoso sentiu
o sol
tão quente
que acreditou estar próximodo lugar de seussonhos.Naquele
momento estava perto da beira de um bosquee nele haviaum
casebre, cuja porta seucavalo, espontaneamente,parou defronte.
Um vel ho de barbabranca estava sentado no degrauda porta,
desfrutando do arpuro.O príncipe desmontou do cavaloe pediu
permissãoparadescansar .
— Entra , jovem amigo– disse o velho–; minhacasanãoé ampla,
maségrandeobastanteparaabrigarumestranho.
O viajante entrou e o anfitriãoserviu-lhe uma refeiçãosimples.
Quandosaciouafome,ovelhodisse-lhe:
— Se nãoestou enganado, viestede longe.Possoper guntar-te
paraondevais?
—Dir-te-ei–respondeuDesejoso–,emborasejaprovávelquerias
de mim. Sonheique na terra do solexiste um bosquecheiode
laranjeiras e que em uma das laranjas devoencontraruma bela
princesaquedevesetornarminhaesposa.Éaelaquembusco.
— Porque riria? – perguntou o velho.– Loucuranajuventude é
verdadeira sabedoria. Vai, jovem,segueteusonho,e casonão
encontres a felicidade que buscas,dequalquer modo, terástidoa
felicidadedebuscá-la.
IV
No diaseguinte o príncipeacordou cedoe pediulicença ao
anfitriãopara . partir
— O bosquequevês em teu sonho nãoé distantedaqui – disseo
velho.– Fica nas profundezas daflorestae estaestrada televará
paralá. Chegarása um parq ue vasto,cercadoporaltas muralhas.
No m eiodoparqueficaum castelo, ondemorauma bruxa horrenda
que nãopermite que nenhumservivocruzeas portas. Atrásdo
castelo estáo laranjal.Segue a muralha atéque chegues a um
pesado portãode ferro.Não tenta forçarabri-lo,
mas lubrifica as
dobradiçascomisto–eovelhodeu-lheumpequenofrasco.
—Oportãoseabrirásozinho–prosseguiu–eumcãoenormeque
guarda o castelo viráem tua direção com a bocarra aberta,mas
lançaparaele este bolinho
deaveia.Depois, verásuma cozinheira
debruçada sobreo fornoaceso.Dá a elaessaescova.Por fim,
verásum poçoa esquerda; nãoteesqueças de tirar a corda do
balde e estendê-la ao sol.Após teresfeitoisso,nãoentres no
castelo,mas circunda-eoentra nolaranjal.
Apanhatrês laranjas,
e
voltaaoportão o maisrápido quepuderes.Uma vez dolado defora,
saidaflorestapeloladooposto.
— A gora,atenta para isto:
o quequerqueaconteça, nãoabras as
laranjasatéque cheguesà margem deum rio ou a uma fonte. De
cadalaranjasairáuma princ esae poderás escolher a que quiseres
poresposa.Uma vez que escolhas, temmuito cuidado de nunca
sairdeperto detua noivanem porum instante e lembr a-teque o
perigoque mais devemostemer nuncaé o perigoque mais
tememos.
V
Desejoso agradeceucalorosamente aoanfitrião
e tomou a estrada
indicada. Em menosde uma horachegouatéa muralha, que era
realmente muitoalta. Saltou, amarrou o cavaloem uma árvoree
logoencontrou o portão de ferro.Destafeita, pegou o frascoe
lubrificouasdobradiças, quando o portão seabriu sozinho e viuum
grandecastelonointerior .Opríncipeentrousemtemornopátio.
De repente, ouviuuivos fero zes e um cão, altocomo um burrico,
com olh oscomo bolas debilhar veio em suadireção, mostrando os
dentes queeramcomo aspontas deum garfo.Desejoso lhe lançou
o bolinho de aveia,que o canzarrão logoabocanhou, e o jovem
príncipepassoucalmamente.
Poucosmetros adiante, viuum fornoenorme,com uma grande
abertura, em brasas incandescentes. Uma mulher , alta como um
gigante, estav
a debruçada sobreo forno.Desejosolhedeu a
escova,queelaapanhouemsilêncio.
Nessaaltura, foiatéo poço, içoua corda,que estava um tanto
apodrecida,eaesticouaosol.
Porfim, circun
douo castelo e entrou nolaranjal.
Lá, colhe u astrês
laranjas mais belas que pô de encontrar , e deu meia-volta para
regressaraoportão.
Justonaquele momento,o solescureceu, a terra estremeceu e
Desejosoouviuumavozagritar:
—Cozinheira,cozinheira,toma-lhepelospéselança-onoforno!
— Não – respo ndeua cozinheira –, já passara
muito tempo desde
que comeceia limpar este fornocom minhaspróprias mãos. Tu
nunca t
e impor taste
deme daruma escova;mas ele deu-me uma e
seguiráempaz.
— Corda,ó corda!– maisuma vez gritou a voz. – Enrosca-te ao
redordopescoçodeleeestrangula-o.
— Não – respondeu a corda –, tume deixaste pormuitos anos
ficaraos pedaços umedecida . Eleesticou-me aosol.Deixa-lheirem
paz.
—Cão,ómeubomcão!–bradouavoz,cadavezmaiszangada.–
Caiemcimadeleecome-ointeiro.
—Não–respondeuocão–,emboraeutesirvahámuitotempo,tu
nuncame deste nenhumbolinho. Eledeu-me tantos quantosquis.
Deixa-lheirempaz.
— Portãodeferro,portão
deferro! – berrou
a voz, rosnando
como
umtrovão.–Caisobreeleeoreduzapó!
— Não – respondeu o portão
–, faz cem anosdesde que tume
deixasteaenferrujareelemelubrificou.Deixa-lheirempaz.
VI
Uma vez dolado defora,o jovem aventureiro pôs aslaranjas em
uma sacola que pendia de suasela,montou no cavalo e rumou,
célere,paraforadafloresta.
Ora, como ansiava veras princesas, estava impaciente para
chegar a um rioou a uma fonte, mas, emboratenha cavalgado por
horas,nãosepodia vernenhumrio ou fonte em lugar algum.Ainda
assim,seucoração estava le
ve, poissentia quepassara pela parte
maisdifícildatarefa,eerafácildescansar .
Porvolta dom eio-diachegoua uma planície arenosa, abrasadora.
Aí, foit
omadodeuma sedemortal; tomou seucantil e levou-o aos
lábios.No entanto,o cantilestava vazio;naexcitação desuaalegria
esquecera deenchê-lo.Seguiuadiante, lutando com o sofrimento,
mas,porfim,nãoconseguiumaissuportar .
Deixou-se cairporterra e deitou-se ao lado do cavalo, com a
garganta queimando, o peito pesado e a cabeçaa rodar . Já sentia
quea morte seaproximava, quando seusolhos recaíram nasacola
daqualseviamaslaranjas.
O pobre Desejoso,quedesbravara tantos perigosparaconquistar
a mulh erde seussonhos,nessemomentoteria dadotodas as
princesas domundo, fossemrosadas ou douradas, poruma única
gotad’água.
— A h! – disse parasimesmo. – Se ao menosessaslaranjas
fossemfrutas deverdade, tão refrescantes quanto asque comiem
Flandres!Afinal,quemsabe?
Essa id eiadeu-lhealgumânimo. Teveforçasparalevantar- ese
pôrasmãosnasacola. irou
T umalaranjaeabriucomafaca.
Dedentrodelasaiuvoandoacanáriamaisbonitaquejamaisvir
— D á-me algoparabeber , estou a morrer de sede– disse o
pássarodourado.
— Esperaum minuto – respondeu Desejoso,tão atônito, que
esquecera dospróprios padecimentos. Parasatisfazer o pássaro,
pegou a segundalaranja,
a abriu,sem pensar no que estava
fazendo.Delasaiuoutrocanárioquetambémcomeçoualamentar:
—Estouamorrerdesede,dá-mealgoparabeber .
O filho
de lord
e Barrica
percebeu
suatolice,e enquanto os dois
canários
voavamparalonge,prostrou-nosechão, onde,exausto
pelooúltimoesforço,caiuinconsciente.
VII
Quandovoltou a si, tevea agradável sensação defrescor aoredor .
Era noi
te,o céu estava salpicadodeestrelas e a terrarecoberta de
um serenoespesso.Porter se recuperado, montou o cavalo e, no
primeiro
traço donascer dosol,viu,diante dele, um rioserpenteante
eabaixou-separasaciarasede.
Quasenãoteve coragemdeabrir a última laranja.Então,lembrou-
se da noite anterior em que desobedecera às ordens do velho.
Talvezessasedeterrível fosseum truque da bruxaardilosa e,
suponhamos: mesmo queabrisse a laranja às margens doriacho, e
seelenãoachassenelaaprincesaquebuscava?
Pegou a facae abriu a laranja.
Ai! De dentro dela saiuvoando um
canarinho,exatamentecomoodasoutras,quegritou:
—T enhosede,dá-mealgoparabeber .
O desapontamento de Desejoso foi enorme.Entretanto , estava
determinado a nãodeixar essepássaropartir; assim, pegouum
poucode água napalma damão e levou-a aobicodopá ssaro.Mal
o canár
iobebeua água, tra nsformou-se numa linda moça, alta e
esbeltacomoumchoupo,deolhosnegrosepeledourada.Desejos
nuncavira alguémque fossetão adorável e lá ficoua admirando,
extasiado.
Poroutrolado,elaparecia um tanto desnorteada, mas olhava ao
redorcom um olhar alegre e, absolutamente, nãotinha medodeseu
libertador
.
Ele perguntou-lhe o nome. Ela respondeu que se chamava
princesa Zizi, tinhaunsdezesseis anosquando,há cercade dez
anos,a bruxaa mantivera presaem uma laranja na formade um
canário
— Bem, adorável Zizi– disse o jovem príncipe,ansioso parase
casarcom ela –, partamos rapidamente paraescaparmos dabruxa
malvada.
Entretanto,Zizidesejavasaberparaondeelealevaria.
—Paraocastelodemeupai–disseorapaz.
Montouo cavalo,
a pôs dian
tedesie, segurando-com
a cuidado
emseusbraços,começaramajornada.
VIII
Tudo o que a princesa viaera-lhe novidade e, ao passarpor
montanhas, vales e cidades,faziamilharesdeperguntas.Desejoso
estavaencantado porrespondê-las. É tão agradávelensinaraos
queamamos!
Certavez,elaperguntoucomoeramasmoçasdopaísdele.
—Sãorosadasealvas–respondeu–,eseusolhossãoazuis.
— Gostas de olhos azuis? – inquiriu
a princesa,mas Desejoso
acreditou
seruma ótimaoportunidade paradescobrir o que se
passavanocoraçãodamoça,demodoquenãorespondeu.
— Sem dúvida – prosseguiu a princesa– uma delasé suanoiva
prometida?
Aindaassim ficou calado e Zizi empertigou-se,de maneira
orgulhosa.
— Não – disse, porfim. – Nenhumadasmoçasdemeu paíssão
belasaosmeus olhos e é porisso quevimprocurar poruma esposa
naterradosol.Estouerrado,queridaZizi?
Dessavez,foiZiziquemficoucalada.
IX
Conversando dessemodo, acercaram-se do palácio.Estavama
cercade algunsmetros dos portões quandodesmontaram no
bosque,àbeiradeumafonte.
— QueridaZizi– disseo filho
delorde Barrica–, nãopodemos nos
apresentardiantede meu paicomo doisaldeões que voltaram
de
um passeio.Devemos entrar no paláciocom mais cerimônia.
Espera-me aqui e, em uma hora, retornarei com carruagens e
cavalosapropriadosaumaprincesa.
— N ãodemora– respondeu Zizi, e ela,com olhos tristonhos,
o
assistiupartir
.
Quandose viusozinha,a pobremoça começoua sentir medo.
Temendoque aparecesse um lobo,escondeu-se no interior
do
tronco oco de um salgueiro que pendia porsobrea fonte.Era
grandeo bastante paraescondê-latoda,mas quis daruma
espiadela,
e suabela cabeçafoirefletida naságuas claras. Nessa
altura,
apareceu nãoum lobo,mas um sertanto ou maisperversoe
feio.Vejamosquemeratalcriatura.
X
Não m uito longe da fonte viviauma família de pedreiros. Ora,
quinzeanosantes, o paida família,ao caminhar pelobosque,
encontrou uma menininha que foraabandonada pelos ciganos.
Levou-a paracasae apresen tou-aa suaesposa.A boamulher ficou
com dó damenina e a crioucomo um deseusfilhos. Ao crescer , a
ciganinhaficoumuito maisfamosapela forçae astúcia do que por
sua sensibilidade ou beleza. Tinhauma testa curta,o nariz
achatado, os lábiosgrosso s, o cabelo crespo e uma pele,não
douradacomoadeZizi,masdacordobarro.
Semprefaziam troça delaporsuacompleição física,e elaficava
tãobarulhentae brava comouma gralha. Porisso,chamavam-nade
Gralhita.
O pedreiro sempremandav a Gralhita
buscarágua na fonte e,
comoeraorgulhosaepreguiçosa,aciganadetestavafazerisso.
Foi elaquem assustou Zizi ao aparecer com o jarro no ombro.
Assimque se reclinou paraenchê-lo,viu, refletida
naág ua, a bela
imagemdaprincesa.
— Q ue rostobonito! – exclamou.– Ora, devesero meu! Porque
cargasd’água dizem que sou feia?Certamente sou bela demais
paraseracarregadoradeáguadeles!
Aodizeristo,quebrouojarroevoltouparacasa.
—Ondeestáojarro?–perguntouopedreiro.
—Bem,oqueachas?Ojarrofoitantasvezesàfonte..
— Q ue finalmente quebrou . Bem, cá estáum balde que não
quebra.
A cigana volto
u à fontee, aovermaisuma vez a imagem deZizi,
disse:
— Nãoquero maisserum animal decarga.– E lançou o balde tão
altopelosaresquebateunosramosdeumcarvalho.
— Deparei-me com um lobo– disse Gralhita ao pedreiro –, e
quebreiobaldenonarizdele.
O pedr
eiro
nãofez maisperguntas,
mas pegouuma vassoura
e
deu-lheumasurraquediminuiuumpoucooorgulhodamenina.
Então,entregou-lheumantigolatãodeleitedecobreedisse
—Setunãotrouxeresdevoltacheio,teusossossofrerãoporis
XI
Gralhita partiu, esfregando o corpo,mas dessavez nãoousou
desobedecer e, demuito mau-humor, reclinou-sobre
se a fonte. Não
foifácilencher o latão deleite,queeragrande e arredondado. Não
cabiabem na fonte e a ciganateve de tentar enchê-lomuitas e
muitasvezes.
Ao fina l, seusbraços estavam tão cansados que, quando tentava
afundá-lonaágua, nãotinha forças paratrazê-lo devolta e o latão
desciaatéofundo.
Ao vê-lo desaparecer , Gralhitafez uma caratão infeliz
que Zizi, a
qualaestiveraobservandootempotodo,teveumasíncopeder
Gralhita voltou-para se trás e percebeu o erro quecometera. Ficou
tãoaborrecidaquepôsnacabeçaquesevingariaimediatament
—Oquefazesaqui,criaturaadorável?–disseelaaZizi.
— Esperopormeu amado–, respondeu Zizi e então, com a
simplicidade naturaldeuma moça queaté há bem poucotempo fora
umcanário,contou-lhetodaahistória.
A cigan a muitas vezesvira passar o jovem príncipe, com a arma
aoombro,aoircaçar corvos. Elaeratão feiae esfarrapada queele
nuncal he notara, mas Gralhita, porsuavez, o admirara, embora
pensasse que elepudesseserum poucomais gordo.Pensou
consigo:“Ah, minhacara!En tão elegosta demulher morena!Ora,
também sou morena,se ao menos pudessepensar em uma
maneirade..”.Enãocustoumuitoatéquepensasse.
— O quê?! – exclamoua astuciosa Gralhita.– Vêm apanhar-te
com grandepompa e tunãoestás com medodemostrar- te a tantos
senhores e senhoras refinados com um cabelo destes? Desce já
daí,pobrecriança,edeixa-mearrumar-teoscabelos!
A inocente Zizi desceuimediatamente e se postou perto de
Gralhita. A ciganacomeçou a escovaras longasmadeixas
castanhas deseuscabelos quando,derepente, tirouum alfinetedo
espartilho e, assimcomo a gralha enfiao biconoslagartos e nas
nozes, afundouo alfinete
nacabeçadeZizi. TãologoZizisentiua
fisgadadoalfinete,
tornou-se
novamenteum pássaroe, abrindo
as
asas,voouparalonge.
— Issofoimuitobem feito
– disse
a cigana.– O príncip
e terá
de
serespertoparaencontrarsuanoiva.
E, após ajeitar
o vestido,
sentou-sena gramaparaaguardarpor
Desejoso.
XII
Enquanto isso, o príncipe vinhatão rápidoquanto seu cavalo
pudesselevá-lo,tãoimpaciente que sempreestava uns trinta
metros à frente dosnobres enviados porlorde Barricaparatrazer
Ziziaopalácio.
Ao vera cigan a horrenda, Desejoso emudeceudesurpr esae de
horror.
— Ah! Não re conheces tuapobreZizi? – perguntou Gralhita. –
Enquanto estivestesfora,a bruxamá esteve aquie trans
formou-me
nisto. Entretanto, setiveres coragemdecasar-te comigo, retomarei
minhabeleza–ecomeçouachoraramargamente.
Ora, De sejoso tinhaboaíndole e um coração tãomolequanto era
corajoso. Pensou consigo: “Pobrezinha! Não é culpa delaquetenha
ficado t
ãofeia,é minhaculp a. Ah! Porquenãoseguiosconselhos
dovelho? Porquea deixei só? Ademais,depende demim quebrar-
lheoencanto,eaamodemaisparadeixá-laficardessamaneira”.
Assim, aprese ntou a ciganaaossenhores e senhoras da corte,
explicando-lhesoterrívelinfortúnioqueocorreraàsuabelan
Todosfingiram acreditare as cortesãs imediatamente trajaram a
falsa princesa nosmaisricos vestidos que trouxeram paraZizi. Ela
foi, entã o, colocada noalto de um magníficopalafrém furta-passo e
dirigiram-serumoaocastelo.
Infelizmente, os ricos trajes e joias só faziam Gralhitaparecer
aindamais feia e Desejosonão podiadeixarde se sentir
envergonhado e desconfortável ao adentrar com elaa cidade. Os
sinos repicavam, oscarrilhões bimbalhavam, aspessoas lotavam as
ruas e vinham às portas para assistiraocortejo.Quasenãopodiam
acreditar noque viamassimque notavam a noivaestranhaque o
príncipeescolhera.
Paraprestar-lhe honras, lorde Barrica foiencontrá-aolas pés da
grande escada riade mármore. Ao vera criatura horrenda, quase
caiudecostas.
—Oquê?!–exclamou.–Estaéabeldademaravilhosa?
— Sim, meu pai, é ela– respondeu Desejoso com um olhar
encabulado. – Mas elafoi enfeitiçada
poruma bruxamá e não
recobraráabelezaatéquesetorneminha . mulher
— A ssimela o diz? Bem, seacreditas
nisso,devesbeberágua fria
epensarsertoucinho.–RespondeuirritadiçooinfelizlordeB
No entanto, como amava seu filho,deu a mão à ciganae a
conduziu aogrande salão, ondeestava
preparadaa grandefestade
casamento.
XIII
O banquete estava excelente, mas Desejoso quasenãotocou em
nada.Entretanto,paracompensar , os outrosconvidados comeram
comavideze,quantoalordeBarrica,nadatiravaseuapetite.
Quandochegouo momento dogansoassado,houveuma pausae
lordeBarrica aproveitoua oportunidade paraabaixar o garfoe a
facaporum m omento. Como o gansonãodavasinais deaparecer,
mandouseudestrinchador- descobrir
mor o queestava acontecendo
nacozinha.
Eisoqueacontecera.
Enquanto o gansogirava noespeto, um belo canarinhopousou no
peitorildajanelaaberta.
— Bom dia,bom cozinheiro! – disse numavoz argêntea aohomem
queestavatomandocontadoassado.
— Bom dia,adorável pássarodourado! – respondeuo chefedos
ajudantesdecozinha,queforamuitobemeducado.
— Rogo aos céus que mandem-tedormir – disseo pássaro
dourado – e que o gansoqueime, de modo que nadasobrepara
lordeBarrica.
E, no mesmo instante o chefe dosajudantes de cozinhacaiuno
sonoe o gansofoi reduzi do a cinzas. Quandoacordou,ficou
horrorizado
e deuordens paradepenar outroganso,recheá-locom
castanhasecolocá-lonoespeto.
Enquanto estava tostando nabrasa,lorde Barricaperguntoupelo
gansouma segundavez. O próprio cozinheiro-chefesubiuatéo
grande salão parapedir desculpas e implorar a seu senhor que
tivesse paciência.Lorde Barrica demonstrou sua paciência
insultandoofilho.
— Como se nãobastasse – resmungou entre os dentes– esse
menino escolheruma feiosa sem um tostão, o gansoagoraainda
tinhaquequeimar!Não foiuma esposa o queele me trouxe,mas a
própriafome!
XIV
Enquanto o cozinheiro-chefe estavalá em cima, o pássaro
douradovoltou a pousar nopeitoril
dajanelae chamouem voz clara
oprincipalajudantedecozinha,quetomavacontadoespeto:
—Bomdia,meubomcozinheiro!
— Bom dia,adorável pássarodourado! – respondeu o chefedos
ajudantes de cozinha,a quem o cozinheiro-chefe, na agitação,
esqueceradeadvertir.
— Rogo aoscéusquemandem-te dormir– prosseguiuo canário
–
equeogansoqueime,demodoquenadasobreparalordeBarrica.
E rapidamente o ajudante de cozinhacaiuno sono. Q uandoo
cozinheiro-chefevoltou,encontrouo gansotão negroquanto uma
chaminé.
Em fúri
a, acordou o ajudante de cozinha,que parasafar-seda
vergonha,contoutodaahistória.
— A quele pássaromaldito – praguejouo ajudante de cozinha–
terminarápordespedir-me. Vinde,alguns de vós, escondei-vose,
casovoltenovamente,pegaietorceioseupescoço.
Espetou um terceiro ganso,acendeu um grande fogo e sentou-se,
elemesmo,aolado.
Opássaroapareceupelaterceiravezedisse:
—Bomdia,meubomcozinheiro!
— Bom dia,adorável pássarodourado! – respondeu o chefedos
ajudantes de cozinha, como se nadativesse acontecido.No
momento em queo pássaro começoua dizer “Rogoaoscéusquete
mandem”, um outro ajudantede cozinhaque estava escondido
correuligeiro
e fechoua janela.O pássarovooupela cozinha.Neste
momento,todos oscozinheiros e ajudantes
pularam para capturá-lo,
tentandoderrubá-lo com seusaventais. Por fim, um o capturou
justamente no momentoem que Barrica entrou na cozinha,
brandindoseucetro. Viera
vercom seuspróprios olhosporque o
gansonuncaforaapresentado.
O ajudante
de cozinhaimediatamente
parou,no exatomomento
emqueestavaprestesatorceropescoçodocanário.
XV
— Algum de vós teria a gentileza de explicar-me
o que significa
tudoisso?–berrouosenhor vesnes.
deA
— Vossa Excelência,é o pássaro– respondeu o ajudante de
cozinha,ecolocouaavenamãodele.
— Que disparate!Que pássaroadorável! – exclamoulorde Barrica
e, ao lheafagara cabecinha tocouno alfinete
espetado entreas
penas.Eleo retirou
e eisqueo canário imediatamentetransformou-
se numa bela moça depele dourada,que, com delicadeza,saltou
aochão.
—Graciosa!Quebelamoça!–disselordeBarrica.
— P ai! É ela!É Zizi! – cla mou Desejoso,que entrou naquele
momento.
Tomou-anosbraços,achorar:
—MinhaqueridaZizi,comoestoufelizporver-temaisumavez!
—Bem,eaoutra?–perguntoulordeBarrica.
Aoutraestavaesgueirando-sesilenciosaemdireçãoàporta.
— D etende-a!– ordenou lordeBarrica.– Julgaremos seu caso
nestemesmoinstante!
O lorde sentou-sesolenemente perto do fogão e condenou
Gralhita
a serqueimada viva. Depoisdisso,oslordes e cozinheiros
agruparam-se em filas e LordeBarrica prometeu Desejosoem
casamentoparaZizi.
XVI
O casamento aconteceu poucosdias depois.Todososmeninos do
campo estavam lá, portandoespadas de madeira,decoradas com
dragonasdepapeldourado.
Zizi conseguiu que se concedesse perdão a Gralhitae esta foi
mandada parao localondeeramfeitos ostijolos,
seguida e vaiada
portodos os meninos.E é porissoque atéhojeas crianças
camponesaslançampedrasnasgralhas.
Na noite do casório,todas as despensas, celeiros,armários e
mesas daspessoas,fossem ricas ou pobres,estavam repletas,
como se porencantamento, depão, vinho,cerveja,bolos e tortas,
cotovias assadas e atémesmo gansos,demodoque lo rdebarrica
nãopodiamaisreclamar que seu filhose casara com a própria
fome.
Desde então semprehouvemuito o que comernaquel e paíse,
desdeessaépocatambém, podemosver , no meiodasmulheres
louras de olhosazuisdeFlandres,umas belas moças, cujos olhos
sãonegrose a pele dacordo ouro.Estassãoasdescendentes de
Zizi.[32]
[3] IrmãosGrimm.
Rapunzel
[34] IrmãosGrimm.
AFiandeiradeUrtigas
I
Á , vi
MUIT O TEMPOviaem Qu esnoy, em Flandres, um
grande senhor deterrascujo
nomeeraBurchard, mas a
quem os camponeses chamavam deBurchard, o Lobo.
Ora, Burchard tinhaum coração malévolo, cruel,e
diziam em segredoque costumava amarrar os arreios nos
camponeses e obrigava-os,
a golpesdechicote,a preparara terra,
descalços.
Sua mulher, poroutrolado,sempreeraafetuosa e tinha dó dos
pobrese miseráveis.
Todavez queela ouvia
a respeito deoutra má
açãodomarido,secretamente reparava
o mal, o que fez com que
seunome fossebenditoportoda a província.
Essa condes saeratão
adoradaquantoocondeeraodiado.
II
Um dia,enquanto estava
a caçar
, o condepassou porum bosque
e,àportadeumchalésolitário,viuumabelamoçaafiarcânhamo.
—Comotechamas?–perguntouàmoça.
—Renelde,senhor .
—Nãoteaborreceficaremumlocaltãoermo?
— Estou acostumada,meu senhor, e nuncame aborreçodeestar
aqui.
— P oisbem, no entanto,
vem aomeu castelo e tornar-
-eite
criada
dacondessa.
— Não posso,meu senhor, tenho detomarcontademinhaavó,
queéinválida.
— Vem ao castelo, ordeno-te. Esperareiportinesta noite– e
prosseguiunoseucaminho.
Renelde, todavia,estava comprometida com um jovemlenhador
chamadoGuilbert e nãopretendia obedecer ao conde;ademais,
tinhadecuidardaavó.
Trêsdiasdepois,ocondepassouporlánovamente.
—Porquenãofoste?–perguntouàbelafiandeira.
—Euvosdisse,meusenhor ,quetenhodecuidardeminhaavó.
— Vaiamanhãe tornar-te- criada
ei da condessa – e seguiuseu
caminho.
Essa ofertaproduziu
o mesmo efeito quea anterior
, e Reneldenão
foiaocastelo.
— S e fores– disse-lhe
o conde davez seguinte
quecava lgounos
arredores–,livrar-me-eidacondessaecasar-me-eicontigo.
No enta nto,doisanosantes, quandoa mãe de Renelde estava
morrendo de uma doença crônica,a condessa nãose esquecera
deles,
m asdera ajudaquando maisnecessitavam.
Assim, ainda que
o conderealmente desejasse casar-secom Renelde, elasempre
recusaria.
III
Passaram-sealgumassemanasantes que Burchard aparecesse
denovo.
Renelde esperava livrar-d se
ele,quando um diao condeparou à
suapor ta,com a espingarda decaçarpatos debaixo dobraçoe a
algibeirade courode gamo no ombro. Dessa vez, Renelde não
estavaafiarcânhamo,maslinho.
—Oquefias?–perguntouemvozáspera.
—Meutrajenupcial,senhor .
—Então,vaiscasar-te?
—Sim,meusenhor ,comavossapermissão.
Nessaépoca, nenhumcamponêspodia casar-sesem a licença de
seusenhor .
— Dar- te-eia licençasobuma condição. Vês aquelas urtigasaltas
que crescem nostúmulos docemitério? Vai, colhe e fiadoisbelos
trajes.Um será tuaveste nupcial, o outro, minhamortalha. Pois
casar-te-ás nodiaem queeuforbaixado à cova– e o conde retirou-
secomumrisozombeteiro.
Renelde estremeceu. Nunca, em toda Locquignol, se ouvira tal
coisacomofiarurtigas.
Além disso, o conde parecia serdeferro e tinha
muito orgulho de
seuvigor; muitas vezes, vangloriava- deseque viveriaatéos cem
anos.
Todanoite, quando terminava o trabalho,
Guilbertiavisitara futura
noiva.N essanoite,foivisitá-lacomodecostume, e Renelde contou-
lheoqueBurcharddissera.
— Gostarias que espreitasse o Lobo e partisse-o lhecrânio com
umgolpedemachado?
— N ão– resp ondeuRenelde –, nãodevehaver sangueem meu
buquê de casamento. Porisso,nãodevemos ferir
o conde.Lembra-
tedecomoacondessafoiboaparaminhamãe.
Nessem omento, uma mulhermuito,
muito velha,
falou
– eraa mãe
da avó de Reneldee tinhamaisde noventa anos.Passavao dia
inteiro
sentada nacadeira,
balançando a cabeçae nuncadiziauma
sópalavra.
— Meus filhos– disse
ela–, durantetodososanosquevivi neste
mundo, nuncaouvifalarde um trajede urtigas;
mas o que Deus
ordena,ohomempodefazer .PorqueReneldenãotenta?
IV
Renelde tentou, e, parasuagrande surpresa,
as urtigas,quando
prensadase preparadas, pro duziamum bom fio, macio,leve e fino.
Em pouco tem po, ela fiara a primeira veste,queeraparao próprio
casamento.Fioue terminou imediatamente, naesperança dequeo
condenãoa forçasse a começara fiaro outro traje.Assim que
terminoudefiá-lo,Burchard, o Lobo,passouporlá.
—Bem–disseele–,comovãoostrajes?
— Aqui, meu senhor , estáo meu vestido de noiva – respondeu
Renelde,mostrando-o lhe
tra je,queerao maisbelo e o maisalvo já
visto.
Ocondeempalideceu,masrespondeucomrudeza:
—Muitobom.Agoracomeçaooutro.
A fiand
eirapôs-se a trabalhar . Ao retornar ao castelo,um arrepio
frio spassou-o,e o Lobo sentiu,
tran como diz o ditado,que alguém
andava sobresuacova.Tentou jantar
, mas nãoconseguia; foipara
a cama tremendo de febre,mas nãodormiu e, pelamanhã, não
conseguiulevantar-se.
Essa enfermidade súbita, que a cadamomento piorava,deixou-o
muitoapreens ivo. Não haviadúvida de que a rocade fiarde
Renelde tinharelação com isso.Não seria necessário que o seu
corpo, bem como a mortalha, estivessem prontos para o
sepultamento?
A primeira
coisa queBurchar d fez foienviar um recado a Renelde,
afimdequeparassedefiar .
Reneldeobedeceue,naquelanoite,Guilbertperguntou-lhe:
—Ocondedeuoconsentimentoparanossocasamento?
—Não–afirmouRenelde.
— Continua a trabalhar , quer ida.É a única maneira deconsegui-lo.
Sabesqueelemesmotedisseisso.
V
Na manhãseguinte, assimquecolocou a casaem ordem,a moça
sentou-separa.Duas fiarhorasdepoischegaramalgunssoldadose,
quando a viram a fiar
, agarra ram-na, amarraram-lhe osbraços e as
pernas e levaram-na paraa beira do rio,que estava cheiopelas
últimaschuvas.
Ao alcançarem a margem, lançaram-na à água e assistiram-na
submergir; depois disso,partiram. No entanto, Renelde subiuà
superfície e, emboranãopudessenadar , fez um grande esforço
parachegarà terra. Foi imediatamente paracasa, sentou-se e
começouafiar .
Mais uma vez, chegaramdoissoldados ao chalé,prenderam a
moça e carregaram-na para a margemdorio,amarraram uma pedra
aoseupescoçoelançaram-naàságuas.
No mom ento em quederamascostas, a pedra soltou-se.
Renelde
vadeouatéobaixiodorio,voltouparaochaléesentou- . separafi
Dessa vez, o próprio conderesolveu ira Locquignol, mas, como
estava muito fraco e impossib ilitado
decaminhar , foilevadoem uma
liteira.Eafiandeirafiava.
Quando a viu, atirou nela,como teria atirado em uma fera
selvagem.A balaricochete ou sem ferir a fiandeira, que ainda
continuavaa . fiar
Burchard ficoutão enraivecido quequasemorreu.Quebr ou a roca
em milpedaços e depois caiudesmaiado no chão. Foi levado de
voltaaocastelo,inconsciente.
No diaseguint e, a roca foiconsertada e a fiandeira sentou-se para
fiar. Ao sentir que enquanto a moça fiavaelemorria,o conde
ordenou que as mãos delafossem amarradas e que não a
perdessemdevistanemporuminstante.
Entretanto, osguardas caíramnosono,asamarras afrouxaram-se
e a fiandeira continuou a fiar
. Burchard fez com quetodas asurtigas
fossem arranc adasem um perímetro de trêsléguas.Mal eram
arrancadas
do solo,as sementescaíam e cresciamdiante dos
olhos.Brotava
m atémesmo do pisopavimentadodo chalée, tão
logoeramarrancadas,a ro
ca atraía
parasi um suprimento de
urtigas,prensadas,preparadaseprontas . parafiar
EacadadiaBurchardpioravaeviaseufimaproximar-se.
VI
Movidapor compaixãopelomarido,a condessa,finalmente,
descobriu a causada enferm idade e pediu-lhe
que permitisse
ser
curado. No entanto, o conde,pororgulho, recusou-se,
maisdoque
nunca,aconsentircomocasamento.
Entãoa dama resolveu, sem que o condesoubesse,implorar
misericórdia à fiandeira e, em nome da finada mãe de Renelde,
pediu-lhe que nãofiasse mais. Renelde deusua palavra, mas, à
noite, Guilbert foiao chalé.Ao verque o traje nãoestava mais
adiantado que na noite anterior
, perguntou o motivo.Renelde
confessou que a condessa imploraraque nãodeixasse o marido
morrer .
—Eleconsentirácomonossocasamento?
—Não.
—Deixaquemorra.
—Masoquediráacondessa?
— A condess a compreende rá que nãofoi portuaculpa;só o
condeéculpadopelaprópriamorte.
— Aguardemosum pouco. Talvez seu coraçãopossa se
enternecer .
Aguardaram, então, porum m ês, pordois,porseis,porum ano. A
fiandeira nãofiava mais. O conde deixaradepersegui-la,
mas ainda
serecusavaaconsentircomocasamento.Guilbertimpaciento
A pobremoça amava-odetodo o coraçãoe estavamaisinfeliz
do
que jamais estivera,mais do que quandoBurchard atormentava
apenasseucorpo.
—T erminemoscomisso–disseGuilbert.
—Esperaumpoucoainda–suplicouRenelde.
O rapaz, no entanto, foificando cansado.Mais raramente iaa
Locquignol e, logo,nãoiamais. Renelde sentia
como seo coração
fossepartir-se,masmanteve-sefirme.
Um dia,a moça encontrouo conde.Juntou
asmãos, comoqueem
prece,ebradou:
—Meusenhor,tendepiedade!
Burchard,o Lobo,virouacaraeseguiuadiante.
Ela poderia ter abrandado-lheo orgulho,
casotivesse voltado
novamenteparaarocade ,mas
fiar
nãofeznadadotipo.
Não muito tempo depois,soubeque Guilbertdeixara
a província.
Elenem mesmo apareceu paradespedir-dela;
se contudo, soubeo
diae a horade suapartida e escondeu-sena estrada
paravê-lo
maisumavez.
Quandovoltou, pôs a rocadefiarparadaem um canto e chorou
portrêsdiasetrêsnoites.
VII
Assim, maisum anosepassou.Nessaaltura, o conde ficoudoente
e a condess a supôs que Renelde cansara-se de esperar e
começara a fiarnovamente , mas, quandochegouao chalépara
verificar
,viuarocaparada.
Entretanto, o conde ficava cadavez pior , atéquefoidesenganado
pelos m édicos.Soaramo dobre definados e, em repouso, esperava
a m orte chegar . A morte,to davia,nãoestava tão próximaquanto
pensavamosmédicoseaindaficoudoentepormuitotempo.
Parecia estar em uma condição desesperadora, mas nãoficava
melhoroupior .Nãovivianemmorria;sofriahorrivelmenteeclamav
alto pela morte paraque pusessefim às suasdores.Nesseponto
extremo, recordou-se doquedissera à fiandeira havia muito tempo.
Se a morte tardava tanto, eraporque elenãoestava prontopara
segui-lapornãotermortalhaparaofuneral.
Mandou que trouxessem Renelde,colocou-aà cabeceira e
ordenou-lhequeimediatamentefiassesuamortalha.
Mala fiandeira começara o trabalho, o conde começoua sentir as
doresdiminuírem.
Nessemomento,finalmente, seucoração compadeceu-e;s estava
arrependido de todo o malque fizerapororgulho e imploroua
Renelde queo perdoasse. Então,Renelde perdoou-e o continuou
a
fiardiaenoite.
Quandoo fiode urtigas estava pronto,fiou-ocom a rocae depois
cortouamortalhaecomeçouacosturá-la.
E, comoantes, quando ela costurava,o conde sentiamenosdores
e a vida esvair-se. Quandoa agulha deuo último ponto, eledeuo
últimosuspiro.
VIII
Na mesma horaGuilbert
voltou à província
e, como nuncadeixara
deamarRenelde,casou-secomamoçaoitodiasdepois.
Perdera
doisanosdefelicidade, mas confortava- ao
sepensarque
suaesposaera uma fiandeirasábiae, o que eramuito maisraro,
umamulhercorajosae[boa.
35]
[35] Ch.Denlin.
OFazendeiro
Barbatempo
[36] P .C.Asbjornsen.
SenhoraHolle
— Oh, contar-te-o ei
quesepassa– respondeu a cozinheira.– Há
muitotempo,a filha do reifoiprometidaa três trolls. Na próxima
quinta-feira,
à noitinha,um delesvirábuscá-la. Ritter Red prometeu
quea libertaria
, mas quem sabeseele serácapazdetal coisa?Por
isso,podesimaginaratristezaeaperturbaçãoemqueestamos.
Chegadaa quinta-feira, à noitinha,RitterRed acompanhou a
princesaatéa praia.Ela deveriaencontrar- se o troll naquele
com
lugar
,eRitterRedtinhaaincumbênciadepermaneceraoseulado
protegê-la.
Entretanto, eram uito
improvável que elerepresentasse
algumperigopara troll,
opois,malsentou-seaprincesaàbeira- , mar
Ritter Red subiuno alto de uma árvoree escondeu-se tão bem
quantopôdeentreosgalhos.
Chorando, a Princesa implorou que elenãoa abandona sse, mas
osapeloscaíramemouvidossurdos.
—Melhormorrerumdoquedois–disseele.
Nesseentrementes, Minnikin suplicou à cozinheira que lhedesse
permissãoparairàbeira- ,dizendo
mar quenãosedemoraria.
— Que hás de fazerna pra ia? – perguntou a cozinheira. – Não
tensnadaquefazerlá.
— Oh, minhasenhora, apena s deixa-meir– respondeu Minnikin. –
Querotantodivertir-mecomasoutrascrianças!
— Bem, bem, seé assim,vai! – disse a cozinheira. – Mas aideti
senãovoltares a tempo decolocar a panela nofogopara o jantar
, e
oassadonoespeto,ecuidadetrazerbastantelenhaparaofogo
Minnikin prome teuque o far iae saiuem disparada rumoà praia.
No exato instante em quechegou aolocal ondeestava a filha
dorei,
o troll se aproximava.Vinhaafoi to,silvando e roncando; de tão
grande e corpulento, erade fato uma visão terrível,
e tinha cinco
cabeças.
—Ataca!–guinchouotroll.
—Atacaprimeiro!–disseMinnikin.
—Sabeslutar?–rugiutroll. o
—Possoaprender–replicouMinnikin.
Então o troll mirou-lheum golpe com sua enorme clava deferro,
mas ati ngiuapenaso solo – e com tanta força,que a relva voou
cincometrosacimadochão.
— É isto o melhor que consegues? – disse Minnikin. – Não é lá
muitoimpressionante.Agora,conhecerásumdemeusgolpes.
Empunhou a espadaque a bruxa lhederae atingiu o troll,
cortando-de lheuma só vez as cinco cabeças,que saíramvoando
pelosaresecaíramnaareiadapraia.
Ao ver-seliber tada,a princesa ficoutão felizque, sem perceber o
quefazia,começouasaltareadançar .
— Vem e descansa tuacabeçaem meu colo – disse a Minnikin.
Assimqueelepegounosono,elavestiu-odeouro.
Entretanto,quandoRitter Red percebeu que já nãohaviamais
perigo,desce u da árvoresem demora.Ameaçou de morte a
princesa,atéque ela porfim prometeu dizer a todos ter sido eleo
responsável porseu resgate. Arrancou ao troll os pulmõese a
língua,guardo u-os nolenço deseubolso e conduziu a princesa de
voltaaopalácioreal.
Se antes tudo lhefaltava noque concerne à honra,agorajá não
faltavanada,poiso rei nãosabiacomo melhor exaltá-lo, e namesa
tinha-osempreàsuadireita.
Quanto a Minnikin,primeiroadentrou o naviodotroll e delá retirou
uma enorme quantidade deargolas deouroe prata; depois, voltou
aopaláciodorei.
A cozin
heira, muitosurpresa aovertodo aquele ouroe toda aquela
prata,disse:
— Meu querid o Minnikin,ondearranjaste todas essascoisas?–
poistemiaqueastivesseobtidopormeiosdesonestos.
— O h – respondeu Minnikin –, estive em minhacasa, e essas
argolascaíramdenossosbaldes,entãoeuastrouxeparati.
Quandoa cozinheira ouviuisso,nadamaisindagou acerca do
assunto. Agradeceu a Minnikin, e num instante tudo voltouao
normal.
Na quin
ta-feira seguinte,
à noitinha, tudo sepassou como daoutra
vez, e todosestavam tristese aflitos.Todavia,RitterRed disse que,
assimcomo libertara a filhadoreideum dostrolls, estava pronto
paralibertá-de laoutro,e então conduziu-aà praia.Ma s elenão
representaria, desta vez como da outra, nenhumperigo , pois,ao
aproximar-se o momento em que o troll devia aparecer , repetiu o
que dissera antes: “Melhor morrer um do que dois”,e subiuna
árvorenovamente.
Uma vez mais, Minnikin suplicou à cozinheira que o deixasseirà
praia,dizendoquenãosedemoraria.
—Masquehásdefazerlá?–perguntouacozinheira.
— Minha senhora, deixa-me ir! – disse Minnikin. – Querotanto
divertir-mecomasoutrascrianças!
Também desta vez obteve permissão parapartir , mas nãosem
antes promete r que estaria de volta quandoo assado estivesse
pronto,equetrariabastantelenha.
Pouco depois de chegarà praia,o troll aproximou-se,afoito,
silvandoe roncando. Era duasvezesmaiorque o anter ior
, e tinha
dezcabeças.
—Ataca!–guinchouotroll.
—Atacaprimeiro!–disseMinnikin.
—Sabeslutar?–rugiutroll. o
—Possoaprender–replicouMinnikin.
Então o troll mirou-he
l um golpe com suaclava deferro– queera
aindam aior doquea doprimeiro troll –, mas atingiu o solo,e a relva
vooudezmetrosacimadochão.
— É isto o melhor que consegues? – disse Minnikin.
– Não é lá
muitoimpressionante.Agora,conhecerásumdemeusgolpes.
Então,empunh ou a espada e atingiu o troll, arrancandosuasdez
cabeças,querolarampelaareiadapraia.
Maisuma vez, a filha dorei lhedisse:“Dorme um pouconomeu
colo”,e, enquanto Minnikin dormia,elacobriu-ocom vestes de
prata.
Assim que Ritter Red percebeu que já nãohaviamais perigo,
desceuda árvoree ameaçoua princesa, atéque finalmente ela
prometeu dizer a todos ter sido ele o responsável porseuresgate.
Ele ent
ãoarrancou a língua e os pulmõesao troll, guardou-os no
lençode seubolso e conduziu a princesa devolta aopalácio.Foram
recebidos com muita alegria e regozijo, como sepodeimaginar , eo
reinãosecansavadeprestarhonrasereverênciasaRitterRe
Minnikin,porsuavez, voltou carregado deargolas deouro e prata,
que pilhara ao navio do troll. Ao adentrar o palácio,a cozinheira
bateu palmasde contentamento e indagou ondeelepoderia ter
obtidotantoouroetantaprata,masMinnikinrespondeuque
em casa, e que aquelas argolas haviamcaídodealguns baldes,e
queeleastrouxeraparaacozinheira.
Na terceira quinta-feira,à noitinha, tudo se passouexatamente
como dasoutras duasvezes. No palácio real, cobriram-sedepreto
todas as coisas,e todos est avam aflitos e consternados. Contudo,
RitterR eddisse-lhes que nãotemessem – ele resgataraa filha
do
Reidedois trolls,epoderiafacilmentefazê-loumaterceiravez.
Conduziu-aatéa praia, mas, chegada a horadeo troll aproximar-
se,escalouaárvoreeescondeu-se.
A princesa chorou e instou-aopermanecer juntodela,mas em
vão.Fielaoquedisseraantes,elerespondeu:
—Antesperder-seumavidadoqueduas.
Tambémnessanoite,Minnikinimploroupermissãoparairàprai
—Oh,quehásdefazerporlá?–disseacozinheira.
Entretanto, eleinsistiu atéobter permissão de partir
, mas foi
obrigado a prometer queestaria devolta quando o assadoestivesse
pronto.
Poucodepois dechegarà praia,o troll aproximou-se,silvando e
roncando. Era muito,muito maiorque os doisanteriores, e tinha
quinzecabeças.
—Ataca!–rugiuo troll.
—Atacaprimeiro!–disseMinnikin.
—Sabeslutar?–gritou troll.o
—Possoaprender–replicouMinnikin.
— Heideensi nar-te!– gritou o troll, e tentou acertar-lhe
um golpe
com suaclave deferro,fazendoa relva voarquinzemetros acima
dochão.
— É isto o melhor que consegues? – disse Minnikin.– Não foi
nadamuitoimpressionante.Agora,conhecerásumdemeusgolpes
Empunhoua espada e atingiu decheio o troll, fazendosuasquinze
cabeçasrolarempelaareiadapraia.
Estava assima princesa libertada,
e ela agradeceu-e oabençoou-
oporsalvá-la.
— Dorm e um poucoem m eu colo – disse-lhe, e, enquanto ele
dormia,elacobriu-ocomvestesdebronze.
— Como daremos a conhecerque foste tuque me salvaste? –
perguntouafilhadorei.
— Dir-t
e-eicomo – respondeu Minnikin.– QuandoRitter Red tiver
teconduzido atéo palácioe contado a todos que foieleque te
salvou, terá,como sabes,tua mão poresposa e metade doreino.
Porém, quand o teindagarem, no diado teucasame nto,quem
haverá de encheras taça s de vinho,devesdizer: “O garoto
maltrapilho que estánacozinha,que carrega lenha e água paraa
cozinheira”. Qu andoeu estiver enchendo vossas taças, derramarei
uma gota sobre o prato
dele,mas nenhuma sobre o teu,e então ele
ficaráir
ritado e me acertará.
Issoacontecerá três vezes. Na terceira
vez, devesdizer: “Deviaserater vergonha poragredir o querido de
meu coração.Foi ele quem libertou-do metroll, e é com ele quehei
demecasar”.
Então,Minnikin correudevolta aopalácio,como fizeradasoutras
vezes; antes, porém, foia bordo do navio do troll e tom ou uma
enormequant idade de ouro,prata e outros benspreciosos, dos
quais,maisumavez,umaparteficoucomacozinheira.
Assimquepercebeu quenãohavia maisperigo, Ritter Red desceu
da árvoree ameaçoua filha do rei,atéque elapromet essedizer
queforaelequemasalvara.Conduziu-aassimdevoltaaopalácio.
Se, atéentão, nãolhetinham sidoprestadas todas as honras,
certamente o foramagora,poiso rei em nadamaispensava doque
namelhor maneira derecompensar o homem quesalvara suafilha
dostrês trolls. Ficou decididoque Ritter Red deveria desposar a
princesaerecebermetadedoreino.
No diadocasa mento,entreta
nto,a princesa suplicou queo garoto
que tra balhava na cozinha, carregando lenhae águ a paraa
cozinheira,servisseastaçasdevinhonobanquetedocasament
— Oh, que poderias tuquerer com aquele garoto imundoe
maltrapilho? – disse Ritter Red. Mas a princesa insistiuem tê-lo
como servente, afirmando quenãoaceitaria maisninguém . Porfim,
conseguiu o quedesejava, e tudo sepassou comocombinado entre
a princ esae Minnikin. Ele derramou uma gotasobreo prato de
Ritter Red, e nenhumasobre o prato daprincesa; cadavez que o
fazia, RitterRed irritava- eseacertava-lhe um golpe.Desferido o
primeiro golpe,ostrajes esfarrapados decozinha foramarrancados
deMinnikin. O segundo golpe arrancou-lhe os trajes debronze.O
terceiro,osdeprata, e assimficouvestido apenas com ostrajes de
ouro,tãobrilhanteseesplêndidos,quereluziam.
Então,disseafilhadorei:
— D evias erater vergonha poragredir o querido demeu coração.
Foielequemlibertou-me troll,
do eécomelequeheidemecasar .
Ritter Red jurou tersidoeleo homem que a salvara, m as o rei
disse:
— A quele quesalvou minhafilha deveapresentar algumaprova de
queofez.
Ritter Red foiimediatamente buscar o lenço em que guardara os
pulmõese a língua dotroll, enquanto Minnikin apresentou o ouro,a
prata e osbens preciosos quepilhara aosnavios dostrolls, e cada
qualapresentousuasprovasdiantedorei.
— O que possui os benspreciosos deouro,prata e diamantes –
disse o rei– deveseraquele quematou o troll, poistaiscoisas não
se encontram em nenhumoutro lugar. Então,Ritter Red foiatirado
no poço de serpentes, e Minnikin obteve a mão da princesa e
metadedoreino.
Certo dia, o reisaiuparaum passeio com Minnikin, e este
perguntou-lhesealgumaveztiveraoutrosfilhos.
— S im – disse o rei–, tive outra filha, mas o troll levou-a embora,
poisnãohavia ninguémpara salvá-la. Haverásdedesposar uma de
minhasfilhas, mas, se puderes libertar a outra, que foilevada pelo
troll, conse ntirei
em que tambéma tenhas, e a outra metade do
reino.
— Tent arei
minhasorte – respondeu Minnikin –, mas paraisso
preciso de um cabode aço de quinhentos metros, e quinhentos
homensque me acompanhem,e provisões paracincosemanas,
poisaviagemserálonga.
O rei garantiu-lhequeteria tudoisso,mas receava nãopossuir um
naviograndeobastanteparatransportaratodos.
— Tenhoo meu próprio navio– disse Minnikin, tirandodobolso o
navio que a bruxa lhedera.O rei começoua rir e penso u tratar-se
de mais um de seusgrac ejos,mas Minnikin insistiuque seus
pedidos fossematendidos, dizendo queo rei teriauma surpresa. O
rei m andou trazertudoqueMinnikin pedira e ordenou queo cabode
açofossecolocado nonavio , mas ninguémeracapaz de erguê-lo.
Além disso,só havia espaçobastante paraum ou dois homenspor
vez naquele navio tão pequeno.Então,Minnikin agarrou o caboe
colocou uma parte dele no navio;à medida que puxavao caboa
bordo,o navio aumentava detamanho, tornando- cada
se vez maior ,
atéque atingiu proporções descomunais, acomodando com folgao
cabo,osquinhentoshomenseMinnikin.
— Vaie navegaporágua docee porágua salgada, porsobre
colinas e valesprofundos, e nãotedetenhas atéchegare s aolugar
ondeestáa filha do rei– ordenou Minnikin ao navio,que no
momento seguintenavegava porsobre terra e água, cortando os
ventos que sopravam,assoviavame gemiam ao chocarem-se
contraocasco.
Depoisdenavegar pormuito, muito tempo,o navio parou nomeio
domar .
— Chegamos – disse Minnikin.– Como faremosparavoltar , é
outrahistória.
Pegouocaboeenlaçouumadesuaspontasemvoltadocorpo.
— D evodescer atéo fundo– disse –, mas, quando euderum forte
puxãoe quiser emergir, deveispuxar-me a bordo como se fôsseis
umsóhomem;docontrário,tudoestaráacabadoparasempre,tant
paramim como paravós. Tão logopronunciou essaspalavras,
lançou-se naságuas, e uma espumaamarelada formou-seem volta
dele.D esceue desceu,atéatingir o fundo.Aliavistou uma enorme
colina ondehavia uma porta, pela qual entrou.Lá dentro, encontrou
a outra princesa,queestava sentada a costurar
. Quandoseusolhos
pousaramemMinnikin,bateupalmasdecontentamento.
— Os céussejam louvados! – exclamou.– É a primeira vez que
vejoumhomemcristãodesdequechegueiaqui.
—V imbuscar-te–disseMinnikin.
— Ai demim! Não seráscapaz deresgatar-me – disse a filha
do
rei.–Tentaréemvão;setroll o tedescobreaqui,seráoteufim.
— Cont a-me m aissobre ele – disse Minnikin. – Ondeestá?Seria
divertidoencontrar-mecomele.
A filha do reicontou a Minnikin que o troll saíraem buscade
alguémcapaz defabricar centenas delitros decerveja deuma só
vez, poishaveria um banquete na residência dostrolls, e seria
precisobebidaàfarta.
—Issoeuseifazer–disseMinnikin.
— Ah, seo troll nãofossetão raivoso, eu bem poderia dizer isso
a
ele – respondeu a princesa –, mas ele temo gêniodocãoe há de
fazer-teem picadinhos assim que voltar . Bem, pensarei em uma
maneira.. Que tal teesconderes neste armário?Vejamos o que
acontece.
Minnikin assimo fez, e, tãologo escondeu-se noarmário , entrouo
trollpelaporta.
—Af f!Estácheirandoahomemcristãoaqui!–disse.
— Sim, um pássaroentrou pelo telhado carregando no bicoum
ossode homem cristão e deixou-o cairem nossachaminé–
respondeu a princesa.– Apressei-meem enxotá-lo,mas podeser
issoqueestárecendendoasanguedecristão..
—Sim,deveserisso–disseo troll.
A princesa então perguntou se elearranjara alguémcapaz de
fabricarcentenasdelitrosdecervejadeumasóvez.
—Não,ninguémsabefazê-lo–respondeuo troll.
— H á poucoentrou aquium homem dizendo quesabia.. – disse a
filhadorei.
— Esperta, como sempre!– disse o troll. – Como pudeste deixá-lo
irembora?Dev iassaber queeu estava justamente à procura deum
homemassim.
— Bem, mas nãoo deixei partir
, afinal – respondeu a princesa.–
Porém, o senhor é tão raivoso, que o escondi no armário.Se o
senhor nãotiver encontrado ninguémmais, o homem ainda estálá
dentro.
—Deixa-osair–ordenouotroll.
QuandoMinnikin apareceu, o troll perguntou-lhe se eraverdade
quepodiafabricarcentenasdelitrosdecervejadeumasóvez.
—Sim–respondeuMinnikin–,éverdade.
— F oibom te r teencontrado – afirmouo troll. – Põe-te agora
mesmo ao trabalho. Mas, se falhares em fermentar a cerveja bem
forte,queoscéusteajudem!
— Ah, ficarásaborosa – disse Minnikin, pondo-seimediatamente
ao trab alho.– Porém, precis o demaistrolls par a carregar o que é
necessário–emendou.–Essesaquinãoservemparanada.
Vierammaistrolls, e eramtantos, que logohaviauma multidão
deles,e a fabricação pross eguiu. Quandoo mostoficoupronto,
naturalmente todos quiseram prová-lo– primeiro o troll, depoisos
outros. Mas Minnikin fizera-otão extraordinariamente forte,que, ao
tomar uma só gota,todos caírammortos, bem comoasm oscasque
tocaram na bebida.Porfim, já nãorestava ninguém, exceto uma
velhabruxaqueestavasentadaatrásdofogão.
—Ah,pobrecriatura!–disseMinnikin.–Merecesprovarumpouco
demosto,como os outros. M innikin então mergulhou uma concha
no fund o da tina,tirou um poucode mosto,colocou-o numa
panelinha e deupara a velhabeber, livrando- assim
se até doúltimo
deles.
Parado ondeestava e olhandoà suavolta, Minnikin avistou uma
enorme arca.Encheu-a deouroe prata, e depois amarr ou o cabo
em volta de si, da princesae da arca.Imprimiu no caboum forte
puxão,aoqueoshomenscomeçaramaiçá-los,echegaramabordo
sãosesalvos.
Devoltaaonavio,Minnikinordenou:
— Vaie navegaporágua docee porágua salgada, porsobre
colinase vales profundos,e nãotedetenhas atéchegares ao
paláciodo rei.Em um instante, o navio pôs-se em movimento, a
todavelocidade,formandoumtornodesiumaespumaamarelada
Quando os cortesãos do paláciodo reiavistaram o navio,
precipitaram- sem
se demorapararecepcioná-lo com festejos e
música.receberam a Minniki
n com grande alegria,mas o maisfeliz
detodoseraorei,quetinhadevoltasuaoutrafilha.
Minnikin,porém, nãoestava feliz,poisagoraambasas princesas
queriam casar-se com ele,mas ele nãoqueria outrasenão aquela a
quem primeiro salvara,e estaeraa maisnova.Porisso,ele agora
andava deum lado parao outro,pensando em uma formadeobter
suaamada,semofenderaoutrairmã.
Certo dia, enquanto andava paralá e paracá pensando na
questão, ocorreu-lheque, setivesse seuirmão consigo,ReiPippin,
em tudo a ele tãosemelhante queninguémconseguiria di
stingui-los,
o irmãopoderi a casar-secom a princesa maisvelha e obtermetade
doreino; quanto a ele,bastava-lhe a outrametade. Tãologoesse
pensamento ocorreu-lhe,dirigiu-se
paraforado palácio e chamou
porReiPippin,mas ninguémapareceu. Chamouuma segunda vez,
um poucomaisalto, e nada!Chamou então uma terceira vez, com
todaa forçadeseuspulmões,e num instante seuirmão estava ao
seulado.
— D eixeibem claro que deviasinvocar-me somente em casode
extrema necessidade – diss
e a Minnikin –, e nãohá aquisequer
uma mosca que possatefazer mal! – e desferiu um golpetão
tremendocontraMinnikin,queelesaiurolandopelogramado.
— Devias envergonhar-por te me bater! – disseMinnikin. –
Primeiro,conq uisteiuma princesa e metade do reino, e depoisa
outraprincesa e a outrametadedoreino; e justo agora,quando eu
pensava em conceder-uma te dasprincesas e uma dasmetades do
reino,pensasquepodesmeofender?
Ao ouvir isso,Rei Pippinpediu desculpas ao irmão,e os doisse
reconciliaram.
— A gora, como sabes– dis se Minnikin–, somostão parecidos,
que ninguémpoderia notara diferença.
Troquemos nossas vestes:
hás deentrar no palácio,
e entãoasprincesas pensarão tratar-de
se
mim. Aquela queprimeiro tebeijarserátua,e eu ficarei com a outra
– poiselesabia quea princesamaisvelha eraa maisforte, e assim
adivinhavacomotudosedaria.
ReiPippinconcordouprontamentecomorocou arranjo.asvestes
T
com o irmãoe entrou no palácio.Ao adentrar o aposento das
princesas, elasacreditaram tratar-dese Minnikin,e ambas
acorreram atéeleimediatam ente;mas a maisvelha,que eramais
altae maisforte, empurrou a irmãparao lado,atirando os braços
em volt
a dopescoço deReiP ippine beijando- Assim,
o. eletevesua
esposa,e Minnikin ficoucom a irmãmais nova. Não é difícil
imaginarque houve então dois casamentos, e foram tão
esplêndidos,quepelossetereinosforamcomentados. [38]
[38] J.Moe.
ANoiva-arbusto
—Escova-me,garota!–disseacabeça.
— Escovar-te-eicom prazer– respondeua menina.Pôs-se a
escovaros cabelos embaraçados e, como podemosfacilmente
imaginar
, essatambém nãoera, de modo algum, uma tarefa
agradável.
Ao terminar
, uma outracabe
ça, e deaparência
muito
maisfeiae
odiosa,emergiudaságuas.
—Beija-me,garota!–disseacabeça.
— Sim, beijar-te- – ei
respondeu a filha
do viúvo,e assimo fez,
mas pensouseresseo pior trabalho quejamais realizaraem toda a
vida.
Em seguida,todas as cabeçascomeçarama conversar e a se
perguntaremoquepoderiamfazerporaquelamoçatãobondosa.
— Será a moça maisbela que já existiu,
formosa e clara como o
dia–disseaprimeiracabeça.
— Gota s de ourocairão doscabelos sempreque os escovar –
disseasegunda.
— Moedasdeouro sairão desuabocasempre quefalar – dissea
terceiracabeça.
Assim, quando a filhado viúvochegouem casa, bela e radiante
comoo dia,a madrasta e suafilha ficarammaismal-humoradas. Foi
ainda piorquandoa moça começoua falar e moeda s de ouro
caíramdesuaboca. A madr asta encolerizou-desetal maneira que
mandoua filha doviúvopar a o chiqueiro– ficaria
lá com seubelo
espetáculo deouro,disse a madrasta, mas nãopoderia pôr ospés
nacasa.
Não tardou muito paraque a madrasta desejasse que a própria
filhafosseaoriachobuscarágua.
Quandolá chegoucom os baldes, a primeira
cabeçaemergiu da
água,pertodamargemdorio.
—Limpa-me,garota!–ordenou-lhe.
—Limpa-teatimesma!–respondeuafilhadamadrasta.
Então,apareceuasegundacabeça.
—Escova-me,garota!–exigiuacabeça.
—Escova-teatimesma!–retorquiuafilhadamadrasta.
Assimqueessacabeçaimergiu,umaterceiracabeçaapareceu.
—Beija-me,garota!–disseacabeça.
— Ah! Como seeu fossebeijar essabocahorrorosa! – respondeu
amoça.
Assim, maisuma vez, as cabeçasconversaram entre sisobre o
que fariam com essamoça tão mal-humorada e tão cheiade si.
Concordaram que eladeve riater um narizde quatro varasde
comprimento, um queixode trêsvaras,um arbusto de abeto no
meiodatestaetodavezquefalasse,cinzascairiamdesuaboca.
Quandoa moça voltou aochalé com osbaldes, gritou
à mãe, que
estavaemcasa:
—Abreaporta!
—Abretumesma,queridafilha!–respondeuamãe.
— N ãoconsigo aproximar-em porcausadomeu nariz – replicoua
filha.
Quandoa mãe chegouà porta e viusua filha,podeis imaginar
comoficoue como gritou e la
mentou; porém, o nariz
e o queixonão
diminuíramnemumpouquinhoporcausadisso.
Ora, o irmão,que estava a trabalharnopalácio dorei,fizeraum
retrato da irmãe o levara consigo.Todasas manhãse noites,
ajoelhava-sediantedeleerezavapelairmã,tamanhoardorco
aamava.
Os outros cocheiros ouviram-no fazerisso,então, olharam pelo
buraco dafechadura doquar todorapaze viram-no ajoelh
adodiante
dagravura, demodoquecontaram a todosquetodas asmanhãse
noites o rapazajoelhava- ese
rezava a um ídolo.Porfim, chegaram
aopróprio reie suplicaram queele tambémespiasse pelo buraco da
fechadura e visse com os próprios olhos o que faziao jovem.No
início,o reinão acreditara,mas depois de muito,muito tempo,os
rapazes levaram a melhore o rei encaminhou-se, napontinha dos
pés, paraa porta. Espioupela fechadura e viuo rapazde joelhos,
comasmãospostas,diantedeumagravurapenduradanaparede
—Abreaporta!–bradouorei,masojovemnãoescutou.
Então,o reichamou-lhenovamente, mas o jovemrezavacom
tantofervorquetambémnãooouviudessavez.
— A brea porta, ordeno-te!– vociferouo reinovamente. – Sou eu!
Desejoentrar!
Desse modo, o rapazcorreu atéa porta e a destrancou, mas, na
pressa,esqueceu-sedeesconderagravura.
Quandoo reientrou e viua gravura, ficouparalisado, como se
estivesse com grilhões e nãopudesse sair dolugar, poisa pintura
parecia-lhedemasiadobela.
— Não há em lugar algumdaTerra mulher tãobela quanto esta!–
afirmouorei.
O jo vem, no entanto, disse-lhe que erasua irmãe que elea
pintara, e casonãofosseainda maisbela quenagravura, nãoera,
demodoalgum,maisfeia.
— Bem, seé bela assim,a tomarei porminharainha – disseo rei,
e or denou queo jovem voltassepara casae a trouxesse sem tardar
um só momento e que nãoperdesse tempo ao regressar. O rapaz
prometeu fazertudo o maisrápidopossível e partiudocastelo do
rei.
Quandoo irmão chegouà casapara buscar a irmã,a madrasta ea
irmãdecriação disseram que tambémiriam com ele.Assim, todos
foramjuntos. A filhadoviúvo levou o baúem queguardava o ouroe
um cão zinhochamadoFlocodeNeve. Essasduascoisas eramtudo
o queela herdara damãe. Após viajarem poralgumtempo,tiveram
decruzaro mar. O irmão tomou o leme,e a madrasta e as irmãs
foram na parte da frente do navio.Velejaram pormuito,muito
tempo,atéque,porfim,avistaramaterra.
— Vejama faixa branca adiante;lá quedevemos aportar – disseo
irmão,apontandoparaooutrolado . domar
—Oquemeuirmãoestáadizer?–perguntouafilhadoviúvo.
—Dizquejoguesoteubaúaomar–respondeuamadrasta.
— Bem, se meu irmão assimo diz, devofazê-lo – resp ondeua
filhadoviúvo,elançouobaúao. mar
Após velejarem maisum pouco,o irmão,novamente, apontou para
alémdomar .
—Alipodeisveropalácioparaondedevemosir–disseele.
—Oquemeuirmãoestáadizer?–perguntouafilhadoviúvo.
— A goradizque deves lançarteu cãozinho aomar– res pondeu a
madrasta.
A filhado viúv o chorou e ficoumuito preocupada, poisFlocode
Neve eraa coisa maisquerida que possuíanafacedaTerra.Por
fim,contudo,elaolançouao . mar
— Se meu irmão assimo diz, devofazê-lo, mas Deus sabecomo
nãodesejolançar-tefora,FlocodeNeve!–disseamoça.
Assim,velejaramadiantepormaisalgumtempo.
— L á deveis poder vero reivindo ao vossoencontro – disse o
irmão,apontandoparaacosta.
— O que meu irmão estáa dizer?– perguntou a irmã,m aisuma
vez.
— Agora diz que devesapressar-te e lançar-te ao mar –
respondeuamadrasta.
A moça choroue lamentou-se, mas como o irmãodissera,
pensavaquetinhadefazer;assim,lançou-se. aomar
Quandochegaram ao palácioe o reipôs os olhos na noiva
horrenda com um nariz dequatro varasdecomprimento, um queixo
de três varas e uma fronte que trazia,no meio, um arb usto,ficou
aterrorizado.No entanto, o banquete de núpciasjá estava pronto,
com cervejas e assados, e os convidados já sentados, a esperar.
Assim,feiacomoera,oreifoiforçadoatomá-laemcasamento.
Entretanto,ele estava muito irado e ninguémpoderia culpá-lo por
isso;dessamaneira, fez com queo irmão fosseatiradoem um poço
cheiodeserpentes.
Na primeira noite dequinta-feira apósessesacontecimentos, uma
bela donzelachegouà cozinha dopalácio e implorouà criada quelá
dormia que lheemprestasse uma escova.Ela suplicou com tanta
gentileza queconseguiu. Então,escovou oscabelos e começaram a
despejardelesgotasde razia
ouro.um
T cãozinhoeelalhedisse:
—Sai,FlocodeNeve,vêselogojánasceodia!
Ela disse issotrês vezes, e, na terceira,quandoordenou que o
cachorro verificasse,
a alvorada estavamuito próxima. Foi forçada,
então,apartir,masaosair,disse:
Por ti, horrenda noiva-arbusto,
Que tem ao lado do rei um sono justo,
Na areia e nas pedras meu leito se faz;
e, com cobras frias, meu irmão jaz
Sem perdão, sem pranto.
Duas vezes virei, por encanto,
E, depois, nunca mais.
Pelamanhã,a criada dacozinha relatou o quevira e ouvira, e o rei
disseque na próximanoite de quinta-feira, elemesmo ficaria de
guardana cozinhae verificaria se issoeraverdade. Ao anoitecer ,
dirigiu-se
à cozinhaparavera moça, mas emboraesfregasse os
olhose fizessetudo o que podia paramanter-se acordado, seus
esforçosforamem vão, poisa noiva-arbusto cantou e cantou até
queseus olhos rapidamente secerrassem. Quandoa beladonzela
chegou,eleestavaemsonoprofundoeroncava.
Também dessavez, como antes,elapegou emprestada uma
escova,penteo u oscabelos e o ourojorrava aofazê-lo. Novamente,
mandouo cãosair trêsvezes e, quandoalvoreceu, partiu, mas
antesdesair disse o mesmo quedissera antes, só que“Uma outra
vezvirei,porencanto,/E,depois,nuncamais”.
Na terceiranoite de quinta-feira,
o reiinsistiu maisuma vez em
mantera guarda.Mandou, então, dois homenssegurá-lo:cadaum
deveriapegarem um braço,sacudi-lo e puxá-lo pelo braço sempre
que parecesse que ele fossecair nosono;e colocou dois homens
paratomar conta da noiva-arbusto.No entanto, no transcorrer da
noite,
a noiva-arbusto voltoua cantar
, demodoqueosolhos dorei
começaram a fechar e a cabeçapendeu para o lado.Entã o, chegou
a donzelaadorável, pegoua escova e penteou os cabel os atéque
delejor
rasse ouro.Depoisenviou FlocodeNeve paraverse logo
amanheceria, e fez issoportrês vezes. Na terceira vez, o diaestava
quaseraiando,quandoeladisse:
Por ti, horrenda noiva-arbusto,
Que tem ao lado do rei um sono justo,
Na areia e nas pedras meu leito se faz;
e, com cobras frias, meu irmão jaz
Sem perdão, sem pranto.
Agora, nunca mais virei.
Ao dizerisso, virou-separa sair , mas os doishomens que
seguravam o reipelos braços agarraram e puseram uma facanas
mãos do reie fizeram-nodarum pequenocorte no dedinho da
moça,obastanteparafazê-losangrar .
Dessa maneira, a verdadeira noiva foilibertada.
O reiacordou e
elalhedisse o que acontecera e como a madrasta e a irmãde
criaçãotraíram-na.Assim, o irmãofoiimediatamente retiradodo
poçodeserpentes – asserpentes nuncao tocaram – e a madrasta
eairmãdecriaçãoforamlançadasnopoço.
Ninguém podedescrever quãosatisfeito ficouo rei
porlivrar-seda
odiosanoiva-arbusto,e conseguir uma rainha que eraformosae
claracomooprópriodia.
Nessa ocasião, foi realizado o verdadeiro casamento, e de tal
maneiraque ouviu-se falar
dele em todos os setereinos
. O reiea
noivadirigiram-seà igrejae Flocode Neve tambémestava na
carruagem.Depois da bênção, voltaram paracasanovamente e,
depoisdisso,nãoosvimais. [39]
[39] J.Moe.
BrancadeNeve
[40] IrmãosGrimm.
OGansodeOuro
[41] IrmãosGrimm.
OsSetePotrinhos
[42] J.Moe.
OMúsicoProdigioso
RAUMAVEZ ummúsicoprodigioso.Umdia,elecaminhava
poruma floresta completamente sozinhoe pensava
nisto
e naquilo e nisto e naquilo,
atéque nãosobrou
maisnadaem que pudesse pensar. Então,disseaos
seusbotões:
— O tempo pesa-me muito sobre osombros quando estousozinho
nafloresta. enho
T dearranjarumcompanheirodeviagem.
Depois, tiroudacaixasuara becae saiurabecando melodiasaté
que os ecosacordaram e saíramecoando pelaflorestaafora.
Passado algumtempo,um lo bo surgiu domeiodafolhagem e veio
trotandonadireçãodomúsico.
— Ah, é um lobo o que aí vem, é? – disse o sujeito.
– Poisnão
tenhoamenorvontadedetravarrelaçõescomele.
Masoloboaproximou-seedisse:
— Oh, meu caromúsico, como tocas bem! Seria tãobom se me
ensinassesatocarassim..
— É fácil– disse o rabequeiro. – Bastafazeresexatamente o que
eutedisser.
— Cert amente – respondeu o lobo.– Garanto-te que em mim
descobrirásumpupiloexemplar .
Assim, na companhia um do outro, continuarama caminhar até
que, passado algumtempo,chegarama um velho carvalho cujo
troncoestavaocoetinhaumafendanomeio.
— Olhasó – disse o músico–, se queres aprender a artedos
rabequeiros, eisa tua chance.Pousaaspatas dianteiras
sobre esta
fissura.
O lobo obedeceu, e então o músicocatou nochãouma pedra e
enfiou-aentre as patas dian
teirasdo lobo,calçando-as com tanta
forçanafendaqueobichoficouali,repentinamenteaprisionad
— A gora, espera aí atéque eu retorne – disseo rabe quista,e
seguiucaminho.
Algumtempodepois,disseaosseusbotõesnovamente:
— O tempo pesa-me muito sobre osombros quando estou sozinho
nafloresta. enho
T dearranjarumcompanheirodeviagem.
Depois, tirou da caixa sua rabecae saiurabecando efusivas
melodias. Logo apareceu uma raposa furtiva
a espreitar
deentre as
árvores.
— A-há! O quetemos aquisenão uma raposa? – disseo músico.–
Eisumacompanhiaque,definitivamente,nãomeapetece.
Masaraposafoitercomeleedisse:
— Meu caroamigo, como tocas bem a rabeca!Gostaria de
aprenderatocarassim.
— Nadamaisfácil– disse o músico–, desde que prometas fazer
exatamenteoqueeutedisser .
—Comcerteza–respondeuaraposa.–Bastadaresotom.
—Muitobem,entãomesegue–respondeuorabequista.
Depoisdeandarem um bocado,os dois chegarama uma vereda
cercada de árvores muito altas de ambosos lados. Ali
, o músico
deteve-se, dobrou contra o chãoum galhobem grossode uma
avelaneira queestava à beira docaminhoe pôs o pé naponta dele
parafirmá-locontra o solo.Depois, dobrou outrogalhodo lado
contráriodocaminhoedisse:
— Dá-m e tuapata dianteira esquerda, cararaposinha,
se é que
desejasmesmoaprendera . tocar
A raposa obedeceue o músico atou-lhe a pata
à ponta
deum dos
galhos.
—Agora,amiguinha–continuou–dá-metuapatadireita.
Esta,o músicoamarrou-a aooutro galho.E depoisdeverificar
se
os nós estava
m bem firmes,tirou os pés decimadosgalhos,que
então se elevaram
deixando a raposa suspensanomeiodavereda,
comaspataspresasaosdoisgalhosopostos.
— Agora, bastaficares aí à espera atéque eu volte
– disse o
músico,eseguiucaminhodenovo.
Umavezmais,disseparaconsigo:
— O tempo pesa-me muitosobre osombros quando estou sozinho
nafloresta. enho
T dearranjarumcompanheirodeviagem.
Depois, tirou dacaixaa rabec a e saiutocando entusiasmado como
sempre.Destavez,amelodiaatraiuumapequenalebre.
— Ai, ai! Lá vem uma lebre – disse o músico.– Nãotenho a menor
vontadedetravarrelaçõescomela.
— Como tocas bem, caroSr. Rabequeiro! – disse a lebrezinha. –
Gostariadeaprenderatocarassim.
— É fácildeaprender – disse o músico.– Basta fazereso queeu
mandar .
— H ei de fazê-lo – dissea lebre. – Em mim encont rarásum
aprendizdosmaisatentos.
Caminharam, então,um bocado,atéchegarem a uma clareira da
floresta ondecrescia um álamo. Ali,o músicoatou uma corda bem
comprida em voltadopesco ço dalebre e prendeu a outra ponta à
árvore.
— Agora, querida amiguinha saltitante– disse o músico–, corre
vintevezesaoredordaárvore.
A lebrezinha obedeceu e correu vinte vezesao redor do álamo,
fazendoa corda darvinte voltas no tronco da árvore,de maneira
que o pobreanimalzinho acabouficando presoe, pormais que
puxassee repuxasse, nãoconseguia libertar- pois
se, a corda,só o
quefaziaeracortar-lheaindamaisodelicadopescoço.
— Espera-me aí atéque eu volte – disse-lheo músico, e seguiu
seucaminho.
Nessemeio-tempo,o lobo,depois de muito empurrar , morder e
arranhar a pedra,conseguira finalmente soltaraspatas dafendada
árvore.Fulodavida,desatou a correr atrásdomúsico,determinado
afazê-loempedaçosquandooencontrasse.Aoverolobo ,apassar
raposagritoucomtodasassuasforças:
—Ajuda-me,irmãolobo!Omúsicomeenganoutambém.
O lo
bo, então, puxouosgalhos para baixo,rompeua corda com os
dentes e libertou a raposa.E seguiramjuntos, ambos jurando
vingança ao músico.Maisadiante, encontraram a pobre lebrezinha
aprisionada, quetambémlibe rtaram, e partiram ostrês em buscado
inimigocomum.
Enquanto aconteciam todas estas coisas,o músico,como sempre,
saíratocandosuarabecae,destavez,tiveramaissorte.Osacord
chegaram aosouvidos deum pobre lenhador, quedepronto largou
seutrabalho e, levando o machadodebaixo dobraço,foi escutar a
música.
— A téque enfim consegui um companheiro adequado – disseo
músico.– Era issoo queeu queria desde o início: um serhumano,
nãoumanimalselvagem.
E pô s-se a tocar, e com tant o encanto tocou que o pobr e homem
ficoual i parado, como que enfeitiçado, e seucoração palpitava
de
felicidade ao som damúsica . E assimcontinuava quando o lobo,a
raposa e a lebrechegaram.Mas elelogopercebeu que os três
estavammal-intencionados. Por isso, ergueu seu machado
reluzente e pôs-se entre eles e o músico,como sedissesse: “Quem
lhetoca rum só cabelo dacabeça, quesecuide,porque haveráde
severcomigo”.
Osanimais,então,seassustaramecorreramdevoltaparaamat
Como sinal de gratidão, o músicotocou parao lenhad oruma de
suasmelhorescanções,edepoisseguiucaminho. [43]
[43] IrmãosGrimm.
AHistóriadeSigurd
houveum rei
Á MUIT O TEMPO noNorte queganhoumuitas
guerras,mas agoraestava velho. No entanto, casou-se
com uma novamulher e, então, outro príncipe,
que
gostariade ter-se
casado com ela,bateu-se contraele
com um grande exército.
O velhoreireagiue lutoubravamente, mas
ao fim sua espadase partiu, elefoi ferido e seus homens
debandaram. À noite,
contudo,quando a batalha estava terminada,
a jovemesposasaiua procurá-lo entre os feridos e, enfim,
encontrou- e perguntou
o seele poderiasercurado. Ele, entretanto,
disse“não”:suasorte acabara, a espada se partirae eledeveria
morrer
. Disse-lheque elateria um filho e este seria um grande
guerreiroe o vingaria do outro rei, seu inimigo.Exigiu que
guardasse as partes da espadaparafazerum novogládioparao
filho,ealâminasechamariaGram.
Depoisdisso,morreu.Amulherchamouacriadaedisse-lhe:
— Troquemosnossas roupa
s e seráschamadapelo meu nomee
eu,peloteu,paraqueoinimigonãonosencontre.
Assim foi feito.Esconderam-seem um bosque, mas alguns
forasteiros
encontraram-nas e levaram-nas consigo em um navio
paraa Dinamarca.Quandochegaram à presença dorei,ele achou
que a criada parecia uma rainha, e a rainha, uma criada. Então,
perguntouàrainha:
— Como sabes,naescuridão danoite, ashoras quefaltam para a
manhã?
Eeladisse:
— Sei porque,quando eramaisjovem,costumava levantarpara
acenderasfogueiraseaindaacordonomesmohorário.
“Éumarainhacuriosaestaqueacendefogueiras”,pensouorei.
Entãoperguntouàrainha,queestavavestidacomocriada:
— Como sabes, na escuridão da noite, que a alvorada se
aproxima?
— Meu paideu-me um anel de ouro – disse ela–, e sempre,antes
doalvorecer,elegelavaemmeudedo.
— Uma casarica,ondecriad asusam ouro– declarou o rei.– Na
verdade,nãoésumacriada,masafilhadorei!
Destem odo, tratou- com
a realeza e, com o passar dotempo,ela
teve um filhochamadoSigur d, um menino beloe muito forte.Tinha
consigoumpreceptore,certavez,esteordenou-lhequefosseaor
epedisseumcavalo.
— E scolheparati
um cavalo – disseo rei.Sigurd foiparao bosque
eláencontrouumanciãodebarbabrancaeordenou:
—V em!Ajuda-meaescolherumcavalo.
Ovelhohomemaconselhou:
— Guia todos oscavalos para o rioe escolheaquele queo cruzar
anado.
Assim, Sigurdconduziu-os,e somente um cruzouo rio.Sigurd
escolheu-seu o: nomeeraGranie provinha dalinhagem deSleipnir;
erao melhor cavalo domundo, poisSleipnir erao cavalo deOdin, o
deusdoNorte,rápidocomoovento.
Entretanto,passadosumoudoisdias,opreceptordisseaSigur
— H á uma enormereserva de ouroescondida nãomuito longe
daquietudevesresgatá-la.
Noentanto,Sigurdrespondeu:
— Ouvihistória s a respeito dessetesouro. Seiqueo dragão Fáfnir
o protege e ele é tão imenso e perverso quenenhumhomem ousa
aproximar-sedele.
— N ãoé maiorqueosoutro s dragões– afirmou o preceptor –, e,
seéstãovalentequantoteupai,nãootemerás.
— Não soucovarde – afirmou Sigurd.– Porque queres que lute
comessedragão?
Então o preceptor , cujonomeeraRegin, contou-lhe quetodaessa
grande reserva deouro acobreado outrora pertenceraaopaidele. O
paitive ratrês filhos:o primeiro eraFáfnir, o dragão;o segundoera
Otr, quepodia transformar- emselontraquando quisesse, e o outro
eraelemesmo,Regin,umgrandeferreiroeforjadordeespadas.
Ora,naqueletempohaviaumanãochamadoAndvari,queviviaem
uma lagoadebaixode uma cascata e lá escondera uma grande
quantidade deouro.Um dia,Otrestivera pescando porlá, abatera
um salm ão, comera-o,e estava dormindo, naformadelontra, sobre
uma pedra.Foi quando alguémapareceu, arremessou uma pedra
nalontr a e matou-a.Tirou-lhe a pelee levou-a paraa casadopaide
Otr . Estesoube, então, que o filho estava morto e, parapunir a
pessoa que o assassinara, disse-lhe que a peledeOtrdeveria ser
recheada de ouroe recob erta de ourovermelho ou as coisas
piorariam paraele.Em seguida,a pessoaque matouOtrsaiu,
capturouoanãodonodotesouroetomou-lhetudo.
Restou somen teum anel, que o anão usava,e mesmo este lhe foi
tirado.
Nessaaltura, o pobreanãoestava muito zangadoe rogouque
aquele ouronunca trouxesse nadasenão má sorte aohomem queo
possuísse,parasempre.
Então,a peleda lontra foitoda recheada e recoberta de ouro,
exceto porum pelo,e este foirecobertocom o último aneldopobre
anão.
Entretanto, o ouronãotrouxe boa sorte a ninguém. Primeiro,
Fáfnir, o dragão, matou o própriopai,e então chafurdou- esnoouro,
não deixandonadaparao irmão, e nenhum homem ousou
aproximar-se.
QuandoSigurdouviuahistória,disseaRegin:
—Faze-meumaboaespadaquematareiessedragão.
Destafeita, Regin fez uma espada,e Sigurdtestou- com
a um
golpeemumabigorna.Aespadapartiu-se.
Outraespadafoiconfeccionada,eSigurdapartiutambém.
Então,Sigurd foiter com a m ãee pediu ospedaços daespada do
paie lhos deua Regin. Eleos malhou e forjou uma novaespada,
tãoafiadaqueofogopareciaarderaolongodosgumes.
Sigurd testouessalâmina nopedaço deferro e elanãoquebrou,
mas partiu a bigorna em duas.Lançou, a seguir , um fardo delãno
rioe, quandoeste boioucontra a espada,foi cortado em duas
partes. Assim, Sigurddisse que a espada serviria,mas, antesde
partir contrao dragão,levou um exército paralutar contraos
homensque mataram seupai, assassinou o reideles, tomou-lhes
todasasriquezasevoltouparacasa.
Já esta va em casahá algun s diasquando cavalgou com Regin,
em uma manhã, parao urzalondeo dragão costumava repousar
.
Então,viuo rastro que o dragão deixouquandosubiuem uma
colina parabeber . O rastro eracomo seum grande rio
tivessefluído
ecriadoumvaleprofundo.
Nessaocasião, Sigurdentrou naquele localfundo,cavoumuitas
covase em uma delas escondeu-se com a espada em punho.Lá
aguardou e, poucotempodepois,a terra começoua estremecer
com o pesododragão a rastejar
atéa água. Uma nuvemdeveneno
pairavaadianteenquanto bufavae rugia,demodoqueseriaa morte
ficardiantedele.
No entanto,
Sigurd aguardou atéquemetade dodragão
rastejasse
porsobrea cova; então, cravoua espadaGram direto em seu
coração.
Em seguida,o dragãomoveua caudacomoum chicote atéqueas
pedras se quebrassem e as árvores caíssemsobreele.Então,
enquantomorria,declarou:
— Quem querquetenha me matado,este ouroseráa tua ruína e
aruínadetodosqueopossuírem.
Sigurddisse:
— Não tocarei em nadase, ao abrirmão detudo,jamais morrer.
Contudo, todosos homensmorreme nãohá homem valente que
deixea morte intimidar
seudesejo. Morre,Fáfnir! – e logoFáfnir
morreu.
Depoisdisso,Sigurdfoichamadode“aperdição deFáfn ir”e deo
matadordedragão.
Nessaaltura, Sigurdvoltoue encontrou-comse Regin, e Regin
pediuqueassasseocoraçãodeFáfnireodeixasseprová-lo.
Assim, Sigurd
colocou o cora
çãodeFáfnirem um espeto e assou-
o, m asaconteceudetocá-locom o dedoe sequeimar . En tão,pôs o
dedonabocaeacabouporprovarocoraçãode . Fáfnir
Aí, imediatamente,
compreendeu a língua
dospássaros e ouviu os
pica-pausfalarem:
— Lá estáSigurdassando o coraçãodeFáfnirparaoutra pessoa,
quandoelemesmo deveria experimentá-loe sorver todaa
sabedoria.
Ooutropássarodisse:
—LáestáRegin,prontoparatrairSigurd,queneleconfia.
Oterceiropássarodeclarou:
— D eixemosquecorte a cabeçadeRegine fiquecom todo o ouro
parasi.
Oquartopássaroafirmou:
—Deixemosqueofaçae,aí,váatéHindarfell,olugarondedorme
Brynhild.
QuandoSigurdouviuissoe como Reginconspirava paratraí-lo,
cortouacabeçadeRegincomumsógolpedaespadaGram.
Nessaaltura,todosospássaroscomeçaramacantar:
Conhecemos uma bela dama, uma bela dama adormecida;
Não temas, Sigurd, conquista o que aguarda tua sina.
Acima de Hindarfell arde rubra chama, lá habita a dama
Ela, que muito te amará, domina.
Dormirá até que chegues para despertá-la
Levanta-te e vai, pois certamente fará, destemida,
A promessa que não será rompida.
Foi então que Sigurdrecordou-se da históriade que em algum
lugar bem distante havia uma bela donzela encantada. Estava sob
um feitiço, de modo que permanecia adormecida em um castelo
cercado porum fogo flamejante; ali deveriadormir atéque viesse
um cavaleiro que galopas se com elaatravés do fogo e a
despertasse. Estavadecidido a ir, mas, primeiro, desceupela
horrenda trilha de Fáfnir. O dragão vivera em uma caverna com
portas de ferro, uma furna escavada bem nomeiodaterra , cheiade
braceletes deouro,coroas, anéise ali,também,Sigurd encontrou o
Elmo doMedo, um capacete dourado quetornaria invisível quem o
usasse.Empilhoutodas essascoisas no lombodo bom corcel,
Grani,eentãorumouparaoSul,paraHindarfell.
Era denoite e, noalto dacolina, Sigurd viuum fogo rubro ardendo
rumoaos céuse, dentro daschamas, um castelo e uma flâmula na
torre m aisalta . Lançouo cavalo Graniem direção ao fogo e este
saltou com facilidade, como se estivesse transpondo uma urze.
Assim, Sigurd cruzoua porta docastelo e, aí, viualguéma dormir ,
trajando armadura completa. Tirou,então, o elmoda cabeçada
pessoa adormecida e eisqueeraa maisbela dama. Elaacordou e
disse:
— Ah! És Sigurd,filho de S igmund, que quebraste o encanto e
finalmenteviestemedespertar?
O feitiç
o recaíra sobre elaquando um espinho daárvore dosono
arranhou sua mão, haviamuitotempo,como puniçã o porter
desagradado Odin, o deus.Haviamuito tempo,também, ela jurara
nuncase casarcom um homem que temesse e nãoousasse
cavalgar porsobre o cercode chamasardentes. Ela mesma fora
uma guerreira e saíaarmada paraa batalhacomo um homem, mas
agoraelae S igurdse amavam, prometeram serverdadeiros um
com o outro e eledeu-lhe um anel,o último anel tirado do anão
Andvari. Então , Sigurdpartiu e foiatéa casade um re i que tinha
uma belafilha.O nomedamoça eraGudrun,e suamãe erauma
feiticeira.
Ora, Gudrunapaixonou-se porSigurd,mas este sempre
falava de Bryn hild,
de como erabela e querida.Assim, um dia,a
mãe-feiticeiradeGudrunpôs papoula e drogasdeesquecimento em
uma taçamágica e mandou Sigurdbrindar à sua saúde.
Instantaneamente esqueceu- se dapobre Brynhild,amou Gudrun,e
casaram-secommuitosfestejos.
Ora, a feiticeira,mãe deGu drun,queria que seufilho G unnar se
casasse com Brynhild, e ordenou que saíssea cavalo com Sigurd,
fosseaté lá e a cortejasse.Então,dirigiram-atése a casadopaida
moça. Brynhild jáhavia saídodospensamentos deSigurd porcausa
do vinho da feiticeira,
mas elaainda se lembrava dele e ainda o
amava. Nessaaltura, o paideBrynhild contoua Gunnarqueela não
se casaria com ninguém,senãocom aquele que pudesse cruzara
cavalo as chamasdiante datorre encantada, e paralá galoparam.
Gunnarlançou o cavalo às chamas, mas o animal nãoasenfrentou.
Em seguida Gunnartestou o cavalodeSigurd,Grani,mas, montado
porGunnar , ele nãosemoveu. Foi aí queGunnarrecordo u o feitiço
quea mãelhe ensinarae fez, pormágica, queSigurd ficasse com a
sua aparência e eleficou exatamente como Gunnar . Nesse
momento,Sigurd, com a formadeGunnare com a suaarmadura,
montou em Granie o cavalo saltouo cercodefogo. Sigurdentrou e
encontrou Brynhild,mas ain danãose lembrava dela porconta da
poçãodoesquecimentonataçadevinhodafeiticeira.
AgoraBrynhild nãotinha saídasenãoprometer que seria sua
mulher, a esposade Gunnar, como supunha,poisSigurdtrazia a
formade Gunnare elapro metera casar-secom quem querque
cavalgasseporentreaschamas.Elelhedeuumaneleeladevolv
oanelquelheforaoferecidoantes,quandotraziaaformadeSigu
o último anel dopobre anãoAndvari. Sigurd saiu,mudoudeforma
com Gu nnar e cadaum volt ou a serquem era.Foram paracasa,
paraa rainha -feiticeira,e Sigurddeu o anel do anãoparasua
mulher ,Gudrun.
Brynhild foiaté o paie disse queum rei chamadoGunnarforaaté
ela,cruzaraofogoeelateriadecasar-secomele.
— A credito, porém– ela afirmou –, que homem algum, a nãoser
Sigurd,“aperdiçãodeFáfnir”,poderiarealizaressefeito;elequeé
meu verdadeiro amor . No entanto, ele esqueceu-se demim e devo
serfielaminhapromessa.
Assim, Gunnare Brynhild secasaram,emboranãofosseGunnar ,
masSigurdnaformadeGunnar ,quemcruzaraofogo.
E, quandoterminou o casamento e toda a festança, aí, a mágica
dovinh o dafeiticeira esvaiu-sedamente deSigurd e ele recordou-
sedetudo. Le mbrou-sedecomo tinha libertado Brynhild dofeitiço,
decomo elaerao seuverd adeiro amor , decomo esquecera e se
casara com outra mulher e decomo conquistara Brynhild para sera
mulherdeoutrohomem.
Entretanto,eracorajoso,nãodisseumasópalavraarespeit
com outras pessoas paranãoas deixar infelizes.Aindaassim,não
podia afastar- esda maldição que recairia sobre todo aquele que
possuísseotesourodoanãoAndvarieseufunestoaneldeouro
E a maldição logorecaiu sobretodos eles.Um dia, quando
Brynhild e Gudrunestavam se banhando, Brynhild nadouparaum
ponto m aisdis tantedorio e disse ter feito issoparamostrar como
eramelhor que Gudrun, visto que seumarido,afirmou,cavalgara
atravésdaschamasquandonenhumoutrohomemousarafazê-lo.
Nessaaltura, Gudrunficoumuito aborrecida e dissequefoiSigurd,
e nãoGunnar , quem cruzara as chamase recebera deBrynhild o
anel fat al,o anel do anãoA ndvari. Então,Brynhild viuo anel que
Sigurd deraparaGudrun,reconheceu-eocompreendeu tudo; ficou
pálida como um cadáver e voltou para casa.Não falou durante toda
a noite. No diaseguinte, disse a Gunnar , seumarido,que eraum
covarde e um mentiroso, poisnuncacruzaraas chamas, mas
mandara Sigurdfazê-lo em seu lugar , fingindoque elemesmo o
tinhafeito.Disse que elenuncamais a veria felizno salão do
palácioreal, nuncamaisbeberia vinho,nuncamaisjogaria xadrez,
nuncamaisbordaria com fiosdourados, nuncamaispronunciaria
palavrasgentis . Pôs delado o bordado e caiuem prantos, demodo
quetod osnacasaa ouviram. Estava decoração partidoe seubrio
seferiranomesmo momento.Perdera o verdadeiro amor, Sigurd,o
matadordeFáfnir ,esecasaracomumhomemmentiroso.
Sigurdchegou , em seguida,e tentou confortá-la,mas elanãoo
ouviae disseque desejava que a espadatranspassasse
rapidamenteocoraçãodele.
— Não tardes poresperar – disseele–, atéque a espada
pungente cruze, veloz,o meu coração, e nãoviverás muito quando
eu estiver morto.No entanto, querida Brynhild,
vivee conforta-te,
ama Gunnar , teumarido,e dar-te-ei todo o ouro,o t esouro do
dragãoFáfnir .
DisseBrynhild:
—T ardedemais.
Então Sigurdficoutão entristecido e seucoração tãoinchado no
peito,querompeuoselosdemetaldesuacotademalha.
Sigurd retirou-ese Brynhilddecidiu assassiná-lo. Misturouveneno
deserpente e carne delobo e serviu um prato disso aoirmão caçula
deseumarido. Ao provar , o rapazenlouqueceu. Dirigiu-se aoquarto
de Sigurdenquanto este dormia e cravou-ona cama com uma
espada.Sigurd, contudo, acordou,empunhoua espadaGram,
arremessou- noa rapazem fuga e a espada cortou-emo dois.Assim
morreu Sigurd , “a perdição de Fáfnir”, a quem nem dez homens
poderiam ter matado em uma luta justa. Nessa altura, Gudrun
acordou, o viumorto e lamentou-aos se brados. Brynhildouviu-os e
gargalhou; mas o bondoso corcel, Grani, deitou-se e morreu de
desgosto. Entã o, Brynhild caiuem prantos atéque seucoração se
rompeu.Vestiram Sigurdem uma armadura dourada, construíram
uma grande fogueira
a bordode um barcoe, durante a noite,
lançaram-lhe
os corpossem vidade Sigurd,Brynhilde do bom
cavalo,
Grani, ateando-lhes
fogo. O ventoos levou,ar
dendoem
chamas, parao maralto,
flamejando naescuridão.
Assim, Sigurd
e
Brynhild
foramcremados juntos
e cumpriu-sea maldiçã
o do anão
Andvari.
[4]
[4] AsagadeVölsung.