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O Fabuloso Livro Vermelho,AndrewLang

©EditoraConcreta,2017

The Red Fairy Book


Títulooriginal:

Osdireitosdestaediçãopertencemà
E D ITO R A C O N CR E TA
RuaDr .V ale,24,conj.402–BairroFloresta–CEP:9056-1
PortoAlegre–RS–elefone:
T (51)96-87–e-mail:contato@editoraconcreta.com.br

E D ITO R :
RenanMartinsdosSantos

C O O R D E N A D O R A E D ITO R IA L :
CamilaAbadie

T R A D U TO R E S :
MárciaXavierdeBrito(coord.)
EvandroFerreiraeSilva
HugoLangone
MarcelaSaintMartin
WilliamCamposdaCruz

R E V IS Ã O :
MárcioScansani

IL U S TR A Ç Õ E S :
CarolinaPontes

C A PA ‰E D ITO R A Ç Ã O :
HugodeSantaCruz

D E S E N V O L V IM E N TO D E E BO O K :
Loope–designepublicaçõesdigitais
www .loope.com.br

F ICH A C ATA L O G R Á F ICA

Lang,Andrew,184-92

L2691oOFabulosoLivroAzul[livroeletrônico]/ediçãodeRenanSantos.–PortoAlegre,
RS:Concreta,2017.

ISBN978-5624

1.Literaturainfantil.2.Contosdefadas.3.Folclore.4.Coletânea.I.Título.

CDD-80.92
Reservadostodososdireitosdestaobra.Proibidatodaequalquer
reproduçãodestaediçãoporqualquermeioouforma,sejaelaeletrônica
oumecânica,fotocópia,gravaçãoouqualquermeio.

w w w. edit
oraconcret
a. com . br
uem acompanha os dad os referentes ao sistem a

Q
estamos
OCDE
educacional
e acentuada
napenúltima
parao ranking
brasileiro

posição
temvisto,
decadência.
entre
internacional
anoapósano, uma nítida
Pesquisas recentesindicam
os36 paísesinvestigados
deeducação. Agravando
que
pela
ainda
mais o quadronacional, metade dos nossosuniversitários são
analfabetos funcionais. As trágicasrepercussões dissofazem-se
sentirdemuitasformasemtodaasociedade.
Enquanto os governantes repetem infinitamente
as soluções de
sempreà situação, seja propondoaumento da cargahorária de
aulas,aumento do númerode anosde frequência obrigatória,
melhorremuneração aos professores, (a clássica) “mais
investimentos em educação”, ouaindauma combinação de todas as
opçõesanterio res,poucoou nadarevelando, contudo,sobre o que
defato têm em mente ao falarem educação, acredito
que grande
parte da solução do problema passaporuma distinção entre
educação e escolarização.
Em termos gerais,pode-se dizerque a primeira envolve a
totalidade
dosujeito, conduz indo-odemaneira autoconsc
iente para
alémdesimesmo em direção aosoutros, aomundoe à realidade;
jáa segunda diz respeitobasicamentea um conjuntodehabilidades
que têm porobjetivo a prep araçãoda pessoaparao mundodo
trabalho.
Assim, compreend erque educação e escolarizaçãosão
coisasdiferentes,sendoa primeira muito maisampla,profunda e
podendo ou nãoabarcar a segunda,geraentão a pergunta sobre
quem seriam os responsáve isporeste processoque extrapola em
muitooâmbitodaescola.
A resposta contempla duaspossibilidades: em se tratando de
indivíduosadultos,elespróprios são os responsáveis pela
promoção de seucrescimen to;poroutro lado,no entanto, em se
tratandodecrianças, os pai s sãoos responsáveis porconduzi-las
nestecaminho paraalémdesimesmas, ampliando seushorizontes
e possi
bilitandosuainserção nomundodemodomuito maispleno.
E é pensando nelas,nascrianças, que o seloHomebooksvem a
público.
Ao contrário
doqueafirmamosespecialistas, acreditoque ospais
têm condiçõesde educarseus filhos,adotando ou não,
paralelamente, o apoioda escola.Baseada nessaconvicção,
confirmadapelarealidade de um incontável númerode famílias
brasileiras
que praticam o homeschooling, o seloHomebooks
pretende oferecer aos lei tores conteúdos de qualidade que
contribuam para a restauração do protagonismo familiarna
educação dosfilhos.Paraiss o, estão entreosalvos contosdefadas
em suas versõesoriginais,manuais dehomeschooling, apostilasde
diferentesdisciplinasemuitomais.
Esperoqueesta iniciativa,
empreendida poruma simples donade
casae mãe homeschooler, e acolhida tão calorosamente porum
joveme entusiasmado edito r, encorajevocê, leitor
, a nãoesperar
pelas velhas “soluções”governamentais, mas a assumir o seu
quinhão de responsabilidade pelaconquista de uma formação
melhor parasuascrianças e, consequentemente, de um futuro
melhor parao nosso país. Q uiçá a longoprazoconsigamos auxiliar
nareversãodotristecenárioatual.
Comumabraço,
C AMILA A BADIE
Coordenadora do selo Homebooks
A G R AD EC IM EN TO S A O S CO L A BO R A D O R E S

Através de campanhano website da Concreta rO


parafinancia
Fabuloso Livro Vermelho, 8 36 pessoasfizeramsuaparteparaque
estelivrose to rnasserealidade, um gesto pelo
quallhes seremos
eternamente gratos.
A seguir , listamos
asquecolaboraram parater
seusnomesdivulgadosnestaseção:
ÁtilaMedinodaSilvaRamos
AdaylsonWagnerS.deVasconcelos
AdilmarAntonioMotadeCamargo
AdrianaAlvesdaSilva
AdrianaCerqueiraLima
AdrianaMariaMagalhãesdeMoura
AdrianeAngerDavi
AdrianoDalMolindeOliveira
AdrianoFavero
AdrianoPereiraSilva
AlanRennêAlexandrinoLima
AlanisMariahM..Cavalcante
T Dias
AldoGomesdeMoraes
AlexQuintasdeSouza
AlexandreAlvesdeMacedo
AlexandredeSouzaGomes
AlexandreFirmeza
AlexandreQueirozdeAlmeida
AlexandreRocha
AlexandreSouzaFranco
AlexsandroRodrigues
AlfredoSalemiFilho
AllanRochaSilva
AllineRodriguesCadecaro
AmandaBezerra
AmandaTimmdeOliveira
AmantinodeMoura
AnaBeatrizG.doNascimentoLisboa
AnaBeatrizMoraesdeOliveiraPaula
AnaBeatriz alente
V
AnaBorbaFerrariCarrati
AnaCarolina ieira
V Ferrini
AnaNelyCastelloBrancoSanches
AnaPaulaMartinsPereira
AnaPaulaMunsberg
AnaRaqueldeBrito
AndersonCleitonSalesRocha
AndersonHerbert
AndersonMellodeCarvalho
AndreBetzlerdeOliveiraMachado
AndréC.T asca
AndréCeruttiFranciscatto
AndréCordeiroLopes
AndréLongo
AndréLuzdaRosa
AndréMedeirosGrangeiro
AndréMerlinCassilha
AndréOrtliebQuinto
AndréPereira
AndréPimenta
AndréSchaeferPasold
AndressaBorges
AndressaFranciscaRibeirodeSouza
AndreyGomezKopper
AniellePaixão
AnisiaFranciscadosSantosSoares
AnnaLuizaLopesFelix
Annamelallenttina
V L.Lanfranchi
AntôniaRibeiro
AntonioGomesdaSilva . Jr
AntonioJorgeDePaula icente
V
AntônioRafaeldaSilvaFilho
AntonioSoares
ArgemiroFerreira
ArthurSá
ArturAndrade
ArturDuartePinto
ArturKazuhiroShirakawa
AugustoCarlosPola. Jr
AugustoPerettiBarrozo
BárbaraGalvão
BarbaraMonteirodeOliveira
BenjaminCarson.deAlbuquerque
V
BenjaminHochmüllerAbadie
BiancaMilanez
BrenoBrazZanchettaPinhal
BrunnoAdelizzi
BrunoAugustoMoreiraPeixoto
BrunodosSantosAlves
Brunoallini
V
CaioCardoso
Caiod’Acampora
CaioGarciaJardiniJorge
CamilaRochaieira
V Sarcinelli
CamiloSoaresLeitedeLima
CarinaAraujo
CarlaFarinazzi
CarlaManzziniDeCarli
CarlosA.Crusius
CarlosAlexanderdeSouzaCastro
CarlosAlexandredeMoraesLeme
CarlosBach
CarlosEduardodeAquinodePádua
CarlosEduardodeAquinoSilva
CarlosEduardodeFreitasAlves
CarlosEduardoMonteiro
CarlosEduardo eiss
W Guerra
CarlosFonsecadeAlbuquerque
CarlosHenriqueBarthdoAmarante
CarlosHenriqueIsseDias
CarlosSoriani
CarolinaAlves
CatarinaNovaesFerreiraFalcãoFreire
CatarineRibeiroFerdinandes
CecíliaCapraradosSantos
CésarPacheco
CharlesBarbosa
ChloeHochmüllerAbadie
ChristianRocha
CibeleScandelari
ClaraMítiadePaula
CláudiaMakia
ClaudiaMárciaPompeinL.Gomes
ClaudiaReginaPereiraAca
ClaudioFerreira
ClaudioSantos
CleberAugustodaSilva
CleitonAfonsoMachado
CletoMarinhodeCarvalhoFilho
ConceiçãoCarvalho
CrisleidiC.Z.Marchesini
CristianoBeckNeviani
CristianoEulino
CristianoNunesLaureano
DaianeCechinelDemessianoNezzi
DanielAnacleto
DanielCerviglieri
DanielFelipeBonfimdaSilveira
DanielMarquato . Jr
DanielaCristinaRubiBrecci
DaniloFlávioSoares
DaniloXavier
DaviMoura
DavidRicardoDamasceno
DavyMonteoliva
DeboraNovaisilla
V doMiu
DeisianeCechinelDemessiano
DeissonDiedrich
DelaniaGomesVieira
DeniseMaimoni
DieghoCavalcantiSantana
DiegoAntonioOnetta
DiegoGonçalvesdeAraújo
DiegoJácome
DiegoPessi
DiogoFerreiraRibeiroLaurentino
DirceuSoaresdeSouza
DouglasOliveiraPessoa
DouglasZanardi
DrayfineMoura
EdersonOliveira
EdersonOliveira
EdlenoAlvesdeSousaMachado
EduardodaSilvaGomes
EduardodosSantosPiva
EduardodosSantosSilveira
EduardoFernandes
EduardoGonçalves
EduardoHiga
EduardoMecenasNina
EduardoReisPintoCirne
EduardoRibeirodeSá
EduardoRosaLeite
ElaineCristinadosSantosMiranda
ElaineSales
ElbaValériadaSilva
ieira
V
ElenaLanzaVolcan
EliabethdeMelloSantosOliveira
ElianeAparecidaMunhozHaveroth
ElianeLopes
ElianePereiradaFonceca
ElisSouzaDosSantos
ElisabeteBabolim
EliveltonRibeirodeBrito
ElpídioFonseca
ElseMandelli
EmersonRicardoC.R.Couto
EmílioSilva
EmilyNatashaCamargo
EricaAnhelli
ErickBezerra
ErickRoblesLima
ErnaneAlvesSiqueira
ErnaniMoraisPereiraFilho
EsterAndradeSaintMartin
EstherGutjahr
EttoreNicolauJosedaRocha
EtyenneRamos
EvandroCássioMaraschin
EvandroPaivadeLima
EvertondeBrittoPolicarpi
FabiaFerreiradeA.daCunha
FabianoLandimSoares
FabioDias
FabioKurokawa
FabioLimaBezerra
FabioLuisdeMello
FábioSalgadodeCarvalho
FabioSeijiKoguti
FábioY oshinoriNakashima
FabiolaBrossi
FelíciaFerezinGonçalves
FelicioBorgesAguiarBorges
FelipeCaetitédosSantos
FelipeCavalcantidaCostaGonçalves
FelipeCury
FelipeDias
FelipeFerrero
FelipeOquendo
FelipePina
FerdinandoCosta
FernandaDalMolindoAmaral
Fernandaeixeira
T deOliveira
FernandoAntonioSabinoCordeiro
FernandoHenriquePereiraMenezes
FernandoLuizFerreiradeAlmeida
FilipePeliccioni
FlaviaFormaggiodeLaraAzevedo
FlaviaSaraiva
FlavianyMarquesMartinsMourão
FlavioApriglianoFilho
FloraXavierdeBritoBrehmer
FranciscadeAssisArruda
FranciscoA.L.Silva
FranciscoAssisCorrêaBarbosa. Jr
FranciscoAugustoLeidemerGarcia
FranciscoConradoFerreiraPenço
FranciscoIgordeSouzaeSilva
Franciscoukio
Y Hayashi
FrankCostaCavalcante
FredericoMendonça
GabrieldePaula
GabrielHenriqueKnüpfer
GabrielHugoCamilo
GabrielSchaf
Gabrielarken
W Charczuk
GabrielaMarotta idigal
V
GabrielaMartinsPereira
GeaneFerreiradaFonsêcaMarques
GedaliasFerreiradosSantosFilho
GeisyAlmeidaBambirra
GeorgeSilva
GiannaMariaOliveiraFernandes
GilbertoJusti
GilsonCésar
GioFabianoVoltolini
. Jr
GiovaneGoulartFiorentino
GiovaniDambrosieira
V
GiselleMarquesdeGodoi elasco
V
GiulianoSassoeixeira
T
GlóriaMariaFerreiraSantos
GracianLiPereira
GuilhermeBatistaAfonsoFerreira
GuilhermeOliveira
GuilhermeRanal
GuilhermeStein
GustavoAlvesSousa
GustavoAraujo
GustavoBarnabé
GustavoFadda
HectorBarbosa
HeitorDiasAntunesPereira
HelderMadeira
HelenaBeatrizR.Petersen fner
Schif
HellenBotelho
HellyandroFerraz
HeloísadoNacimento .deOliveira
T
HenriqueBolfePassig
HenriquedeSáAlves
HenriqueSpanghero
HerickMorais
HugoAraújo
HugoLeonardodeOliveiraGomes
HugoSoutoKalil
HumbertoLaudari
IanFreitas
InesElizabethMoraisGuedes
IreneMyrelleCavalcanteorresT
IsaacBarcellos
IsabellaBortonedosSantos
IsabelleFreitas
Isadoraicentini
V Silveira
IvandaCunha
JacksonViveiros
JacquelineCamillo
JamileAraújo
JaquelineCosta
JayroTrench
JeanCarlosDinizLopes
JeandersonOlveira
JeffersonZorziCosta
JéssicadeOliveiraPalacio
JéssicaOrthdaSilva
Jhordanailela
V BezerraCapanema
JhoseCapanemaBezerra ilela
V
JoanaDecnopLeitãodaCunha
JoãoAndrade
JoãoCarlosCrestani
. Jr
JoãoCoelhoavares
T
JoãoGonçalvesPereira. Jr
JoãoGuilherme
JoãoHenriques
JoãoLuísFerreiraBatista
JoãoPauloOliveiraHansen
JoãoPedroKrebsdeMoraes
JoelsonSeverodosSantosAzevêdo
JoemyLopesPalhano
JohannAlves
JohnnyRottava
JônatasAlves
JorgeBarbosa
JorgeDonizettiPereira
JorgeFerraz
JoseAugustoDias
JoséFranciscoBandeiraRangel
JoséFranciscoOliveira
JoséMenezes
JosilaineMoraes
JuanRezendeLobo
JudáMontielAlvesFerreira
JúliaFrancadeOliveira
JúliaGabrieleGomesReis
JulianaMariaAntunes
JulianaMoreiradeMenezes
JulianePatriciaMenschdeAlmeida
JulioBelmonte
JulioCesarFerrãoPinheiro
JulioCesarSousaDias
KarenCrystynaArrais
KarinaBastos
KarinaLorraineR.SilvaeMartins
KaronMuryAraujoNobre
KátiaBarbozadaSilva
KatiuciaScariotComin
KrishnamurtiAndrade
LaisDiniz
LaísMartinho
LaraOliveiraBoschetti
LarissaFerreira
LauraW oernerdeOliveira
LeandroChristofolettiSchio
LeandroMarchezan
LeandroMarcioeixeira
T
LeonardoAndreiMarques
LeonardoBrunoGaldino
LeonardodeCarvalhoRocha
LeonardoFerreiraBoaski
LeonardoGouveia
LeonardoSantannaMaués
LeonardoSouza
LeoniliaPereiraBandeiradeSouza
LeopoldoFerezin
LetíciaBastosdeAndrade
LianCarloPalavicini
LílianCandidadaSilvaCarmo
LilianGianeCostadeArruda
LílianSeligmanCrocomo
LincolnAlmeida
LiviaHolanda illagelin
V
LíviaM.Costa
LorenaMoreira enório
T
LucasdeAlmeidaSantos
LucasMendes
LucasPaliottadeCarvalho
LucasPereira
LucianoGrohs
LucianoRobertoMouraeSilva
LúcioFlávioJr
.
LucioNovaisdosSantos
LuisFernandoFerreira
LuizAfonsoDiasMatos
LuizAntônio
LuizFernandesLucianoFilho
LuizUlrich
L ysandroSandoval
ManuelaLócioMallmannSampaio
MarcelCézarSilva rovão
T
MarceloHipólito
MarceloPereira
MarceloSantosPinto
Marceloictor
V dosSantosGóis
MárciaB.Daldon
MárcioAndréMartins eixeira
T
MarcioPereiradeSouza
MarcoAntônioOliveiraeSilva
MarcoAurélioMartinsFernandes
MarcosE.P .V .Zurita
MarcosOliveira . Jr
MarcosVinicius ital
V daCosta
MariaAntôniaPessoa
MariaCeciliaMartinsManckel
MariaClaraAppelMendes
MariaClaraPereiraCoan
MariaEduarda
MariaFernandaFernandesdaSilva
MariaFernandaM.dosSantosBento
MariaF.R.L.CostandradedeAguiar
MariaInesCoelho
MarianaAndreis
MarianaBelmonte
MarianaOliveiraBragaAlves
MarianaRoderjan
MarianaScolaro
MarilúGiongoPfef fer
MarinaCorreia
MarinaFonsecaMartins
MarinaPessini
MarinaldoCavalari
MarkianKalinoski
MarquianaSilva
MateusCarvalho
MateusCruz
MateusMendes
MateusMotaLimadeOliveira
MatheusAntonelli
MatheusFerrariHering
MatheusNoronhaSturari
MatheusPaivadeOliveira
MatheusPaivaMoscardini
MatheusSchaf
MauriciodeMirandaSilva
MauricioNunesMartins
MauricioPagnussat
MaurícioParaboni
MaurileneMiranda
MaurizioCasalaspro
MauroS.Ribeiro
MichelineOliveira
MiciaraPintoSerafimBaia
MiguelAngelConchaSoares
MilenaGroetaresRosa
MilenaOrrillo
MileneGoes
MiltonSantucci
MonicaPereiraSerafim
MorenaMaggideMoraes
MorenoGarciaeSilva
NairadaSilvaFaria
NataliePessoadeSouzaClark
NathanielHochmüllerAbadie
NayaraYoneBuenoamashita
Y
NicolasBarbieriBeoni
NikeHerthaXavierdeBritoBrehmer
NilceiaBianchini
NilsondeResende
NiltonJosédosSantos . Jr
NiltonMoura
NilzaRussoFerreira
OacyJunior
OdairJoséMachado
OlíviaMartinsdosSantosFaria
Orlando osetto
T . Jr
OscarJoséChammaNeto
PabloBarbozaCardoso
PâmelaArumaa
PaoloScalea
PatriciaFrantz
PatríciaMarraschi
oledoT deOliveira
PatriciaParreira
PauloBrito
PauloDeTarsoPereira
PauloEduardoFrederico
PauloHenriqueBrasilRibeiro
PauloLuizSonego
PauloMarceloMoraesSantana
PauloRocha
PauloRogériodePinhoFilho
PedroChudykHuberuk
PedroCorrêa
PedrodeFraipontCastañon
PhilomenaHochmüllerAbadie
PriscilaRosaFerreiraGarcia
RafaelAlmeidaCarvalho
RafaelBadotti
RafaelBrennerMachadoSilveira
RafaelCaetanodosSantosConceição
RafaelCursino
RafaelHenriqueorres
T
RafaelPorfíriodeAguiar
RafaelRochaMatias
RafaelSalvanFernandes
RafaelaCaetitédosSantos
RafaelaFreireMachado
RaimundoFelipedeAguiar
RaimundoSoares iana
V Neto
RaphaelFeitosa
RaquelMariadaSilvaRezende
RaulGonzaga
ReginaldoPassero . Jr
ReginaldoPaulinoLeite
RenanMalagóavares
T
RenanMassotoMendes
RenataJardimMeneses
RenatoEmydiodaSilva. Jr
RenerAlmeidaCosta
RicardoFelipeFerreiraRodrigues
RicardoGonçalvesSilva
RicardoRibeirodaCosta
RicardoSchiavão
RobertoDomingosMânica
RobsonGalluci
RodolfoMelchiorLopes
RodrigoCesaravares
T dosReis
RodrigoDomingosdosReisReis
RodrigoDonizeteSantanadePádua
RodrigoDórea
RodrigoDubaleiga
V
RodrigoFranca
RodrigoLuchesi
RodrigoSantosRamos
RogérioLima
Ronaldoicente
V
RosanaHelenaGracioliDiasitachi
V
RosaneMoretti
RosariaMariaGuarino
RoscioChaves
RosemarDiasdeAlmeidaAlmeida
RossanaSousaeSilva
RubemSeixas
SamueldaSilvaMarcondes
SamuelNovaesFerreiraFalcãoFreire
SarahAlexandreCostaNunes
SarahMagalhãesGomesdeAguiar
SaritaM.GuerradeAlmendraFreitas
SauloDanielSilva
SauloRodrigodoAmaral
SávioDomingosdeOliveira
SergioAraujo
SérgioValérioMendonçaSilva
SidevalRamosdePaula
SidicleiadosSantosJesus
Silvérioale
V
SilviaMariaDarioFreitas
SilvioJosédeOliveira
SofiaAlbrecht
SofiaRaddatzBastos
SoniaMendesBrito
StefanLuciusBurkhardt
SuzanaMenschdeCarvalho
SuzanaVieiradeFreitas
TácitoGarciaScorza
TaísAlcaláChaves
TalitaMartinsCoelhoLopes
TammyAlcalaChaves
TarcisioMoura
TéliaCristianeOliveiraAlves
ThallesGabrielRaineri
ThamyresRodrigues
TharsisMadeira
ThaysCostaCunha
ThiagoBarbosadeSousa
ThiagoBlaka
ThiagoHenriquevelino
A Cruz
ThiagoJunglhaus
ThiagoNascimento
ThiagoRizzato
ThiaraLaranjeiraPassos
TiagoAurich
TiagoCamposRizzotto
TiagodaSilva
TiagoHeringer
TiagoStefanon
TiegoBatistadeAlmeida
UgoBarberiGnecco
UilcaMariaCardosodosSantos
UiráNunesNunes
ValdemiraOliveira
VanessaCostaLima
VanúsiaSilvaAraújo
VictorRossiRamirez
VitorFerreira
VitorFonsecadeMelo
VivianFerreiraXavier
VivianMarassideS.A.eFreitas
VivianeDapper
W aleskaMontenegrodeMeloDantas
W endyFumisConsolmagno
W erbsonSilva
WilsonArnholdChagas. Jr
WlamirAmósSaintMartin
YasminLeiteCoutinho
YramaiaAulerRolimKayser
YureCarvalhoSilva
YuriBandinSátiro
YuriGagarindaPonteRibeiro
YuriMagadan
S U M ÁR IO

Capa
FolhadeRosto
Créditos
Homebooks
Agradecimentosaoscolaboradores
Prefácioàediçãobrasileira
1.Oquepodemosaprendercomashistóriasdefadas?
2.AshistóriasdefadasnoBrasil
3.Ummundofeitodepalavras
Daprofissãodeféaotrabalhoconcreto
Prefácioàediçãooriginal
AsDozePrincesasBailarinas
APrincesaFlor-de-Maio
OCastelodeSoriaMoria
AMortedeKoschei,oImortal
OLadrãoNegroeoCavaleirodo aleVEstreito
OLadrão-Mestre
IrmãoeIrmã
PrincesaRosette
OPorcoEncantado
ONorka
ABétulaMaravilhosa
JoãoeoPédeFeijão
Omaravilhosocrescimentodopédefeijão
Agalinhadosovosdeouro
Ossacosdemoedas
Aharpafalante
Ogigantequebraopescoço
ORatinhoBom
GraciosaePercinet
AsT rêsPrincesasdaBrancolândia
AV ozdaMorte
OsSeisTolos
KariVestido-de-pau
RabodePato
OApanhadordeRatos
AverdadeirahistóriadaChapeuzinhoDourado
ORamodeOuro
OsT rêsAnões
Grimsborken,oordilho
T errível
T
OCanárioEncantado
OsDozeIrmãos
Rapunzel
AFiandeiradeUrtigas
OFazendeiroBarbatempo
SenhoraHolle
Minnikin
ANoiva-arbusto
BrancadeNeve
OGansodeOuro
OsSetePotrinhos
OMúsicoProdigioso
AHistóriadeSigurd
Prefácio à edição brasileira
“No princípio era a Palavra”.. O versículo de abertura do
Evangelho de São João já nosintroduz à verdade ancestral do
poder dalíngua e dacomunicação.Atébem poucotempo atrás,a
maioriadapopulação domundoeraanalfabeta; entretanto, issonão
impediu que a imaginação humanatransmitisse seu tesouro de
sabedoria de geração em geração.A “literatura”– tanto a prosa
quanto a poesia – eracontad
a, nãoescrita;ouvida,nãolida. Adultos
e crianças traziamasnarrati
vasnamemóriae guardavam-nas com
um carinhotodo especial,
daía expressão “saber decor ”, ou seja,
saberde coração.Ao contar taishistórias,as pessoasas
reelaboravam, acrescentavam as próprias
ideias,demodoa torná-
lasmais agradáveis e divertidas parao público ouvinte, mas,
mesmo assim,transmitiam o núcleo dessasnarrativase a liçãoque,
porvezes,traziamconsigo.
Com o advento da escritae, posteriormente,
da imprensa, tais
histórias foram preservadas e, já desacostumados com a
espontaneidade da oralidadee aficionadospela autoria individual,
muitasvezes, os homenspassaram a tomarporautores os que as
recolheram e asanotaram.Contos popularese contos defadasnão
sãoobr asdeautoria única,mas simdemilhares deanônimos que,
aol ongodosséculos,deixaram marcasdesuacriatividadee gênio
noimagináriodahumanidade.
Assim, ashistórias datradição oralsãoo elovitalquenosuneao
universo de imaginação de homense mulheres de incontáveis
geraçõesdesde a criaçãodo mundo, sãoa prova da “democracia
dosmortos”tãolouvadaporG.K.Chesterton.
1. O QUE PODEMOS APRENDER COM AS HISTÓRIAS DE FADAS?
O escritorescocêsGeorgeMacDonald(1824-905), nosensaios
“The Imagination: Its Functions and its Culture” [“A Imaginação:
Suas Funções e Sua Cultura”], de 182, e “The Fantastic
Imagination” [“A Imaginação Fantástica”], de 1893, desenvolve a
ideiade que o uso da imaginação é indispensável à nossa
humanidade, visto que a imaginação humanaé, na finitude, o
equivalente aoinfinitopoder criador deDeus. Porsera imaginação
a faculdade de todasas percepções,é possível perceber
(especialmente parao artista) as verdades que Deus colocou no
seiodomundo.
Mais tarde,já no século XX, C. S. Lewis (189-63) insiste
em
dizerque, como alimento da imaginação, a fantasia dá, tanto às
criançasquanto aosadultos, uma impressão maisverdadeira do
mundo real do que a mais “realista” das literaturas. [ 1 ]É
positivamenteescapista,umaespéciedeexercícioespiritual
experiênciasimaginativasdeviolência e dorprepara osleitorespara
enfrentaros verdadeirosperigos davida real, taiscomo a morte, a
violência,
asferidas,a covardia e o mal.Lewistambémressalta que
a fantasiaé, essencialmen te, tingidade significado moral e de
potencialparamudaravida.
Enumeraremos aquialgumascaracterísticas comunsa todas as
históriasque podem ajudar-nos a decifrar o mistério do poder
dessasnarrativasdeencantamento.

A experiência de outros mundos


As históriasnos permitem entrarem mundos alt ernativos
meramente imaginados,que, emboraimaginados,apresentam
íntima
relação com o mundo empíricoem que vivemos.Tais
histórias
nos permitemvivenciarmundos, dimensões,tempose
lugares
regidosporleis
“próprias
e verdadeiras”,
segundocadauma
das re alidadesapresentadas. Além disso, ganhamos uma
perspectiva
nova,alternativa,
dasações e do comportamento das
personagens,como se, por brevesmomentos,fôssemos elas
mesmas.
Ao experimentar “calçaros sapatos alheios”,ganhamos, por
comparação,vislumbres de realidades centrais da experiência
humana, ampliamosnosso lequede escolhas,decisõese
compreensões do bem e do mal. As histórias,
como arte,têm a
capacidade de capturar o que é permanente em meio à
impermanênciadavida.
Uma boa históriadeve, portanto,
alémda funçãoadicional de
prazere entretenimento,
teruma tensãointernaentre tramae tema
quepermitao aparecimentododramaquelevará o leitor
a enfrentar
novos significadosou a fazer experiências impossíveis.O
desenvolvimento
daimaginação moral pode,desse modo, conduzir
a m udançasno leitorporalterarsua perspectiva a respeitode
determinado
fatoouproblema, levando-à oincorporação
deatitudes
moraisoudesignificadosnovosnaprópriavidareal.

O conhecimento do bem e do mal


Aqui novamente o princíp
io pareceser o da mudançade
percepção como resultado
daleituraou exposiçãoa tais
narrativas.
As históriasdo Belo Reino permitem que o leitor
encontreas
virtudesde maneira acessívele significativa,
e nãode modo
meramente didático.
Deparamo-noscom regras claras,inimigos
cruéis,
aomesmo tempo em quesomosapresentados à corageme
à perseverança heroicase aprendemos que mesmo os maiores
terrorespossuemumlimite.
As histórias
podeme devemexplorar as questões de natureza
morale espiritual
sem serpaternalistas
e sem negligenciar
aspecto
algum da vida. Nelas, a imaginação moralse desenvolve via
experimentação,com exemplos,o que faz o leitor
perceberessas
questões morais na vidadas personagens e nas escolhasque
fazem ao encontrardesafios
com osquais talvez
osprópriosleitores
venham,maistarde, a sedeparar navida.Porisso,muitosautores
rejeitam
a ideia dehistórias
com abordagem didática,
poistornam a
mensagemextremamente direta
e intencional,
retirandodoleitora
possibilidadededescobertadesentidos.
É necessárioque o leitorenfrentea “crueldade”
e a “dureza” de
certashistórias
, uma vez que já conhece tais
dificuldades
em seu
própriomundo. O que tais histórias
lhepermitem enxergar é que
nãonecessariamente a vidatemdesercruel ou dura,e que, como
diz Chesterton, “há no universo algomais místico do que a
escuridãoemaisfortedoqueomedointenso”.
O conh ecimento do bem e do malnãopodeserobtido sem tais
encontros;um ensaio imagin
ativodesituaçõese desafiospodedar
a baseparao dramada rea lidadecotidiana
em que a vidamoral
deveservividanasdecisõesmenoresemaioresdodia-a-dia.

Ícones morais
Procuramos uma expansão denossoser . Queremossermaisdo
que somos. Ler histórias, afirmaC. S. Lewis, é um modo de
vivenciar o mundodeoutros pontosdevista alémdonosso próprio;
aprender a “ver com outros olhos”éumadesuasfunçõescentrais.
Neste sentido, a boaleitura podefornecer ao leitor
oport
unidades
deempatia, departicipação navida dosoutros,algoquenãoé tão
facilmente alcançado na vidadiária.Ensinaa desenvolver a
percepção (metafórica assimcomo visual) , a imaginação e as
afeições ou emoções.
Ler histórias,portanto,podepermitir queo leitorvivencieasvidas
moraisde outros por dentro – e nissose incluem os motivos,
intenções, raci
ocínios e valores que moldamum ato moral.Neste
sentido, como já dissemos, a experiêncialiterária
permite ao leitor
“ensaiar”, na imaginação,as reaçõesàs diversas situações
possíveis, desenvolver a percepção de situações de escolhase
descobrir
uma gama deexperiências
moraissem asconsequências
inevitáveisdomundoreal.
O modo como reagema tal participação
imaginativa
empática
podeou nãooferecer informações
às vidase ações dosleitores,
mas, com certeza,
lhesdaránovos
pontosdereferência,
imagense
“ícones”pelos quaispossam“interpretar
ou avaliarsua própria
experiência”.
Se issoprocede,então a literatura
tema função
valiosa
dereinterpretação
domundoe deantecipação depossíveis
experiênciasfuturas.

Senso de estrutura – O princípio da felicidade condicional


No capítulo “A ÉticadaTerra dosElfos”, dolivroOrtodoxia, G. K.
Chesterton(1874-936) mostra como os contos defadasretratam,
na sua lógica interna,um dostraços básicosdo Cristianismo: o
princípio
dafelicidade condic ionada,ou seja,deque tod a a alegria
humana está condicionada à observância de regrasmorais
mínimas, que, desprezadas, acabamporquebrar o encanto ea
harmonia davida.Aindanessecapítulo, o referido autor definiuos
contosde fadas– e implicita mente todas as narrativas“míticas” e
fantásticas
– como histórias queconfirmam o leitor
naconvicção de
queo universo é governado poraçõeshumanase escolhas morais,
enãoporfriasforçasmecanicistas.
Chesterton traça o paralelo entreo pecadooriginal (tudoé
permitidoao homem no paraíso,à exceçãodo fruto da árvore da
ciência
dobem e domal) e ascondições apresentadas às fabulosas
façanhas daspersonagens de contos de fadas(Gata Borralheira,
que devevoltar do baileà meia-noite; Bela Adormecida, que não
podeseferirnumaroca;Pandora,quenãodeveabriracaixa,etc.).
O sentido dodever naspersonagens e o respeito a um códigode
ética
anterior a elasmesmas, quelhes vem imposto porsuaprópria
naturezadeseres criados,é uma constante em todos os contos e
livros
de histórias fantástica
s, o que explica,em muito,o caráter
atrativodaslutasedramasdessegênerodeficção.
2. AS HISTÓRIAS DE FADAS NO BRASIL
No Bra sil,desdea primeira coletâneade 61 históriasde fadas
traduzidapelojornalistaAlbertoFigueiredoPimentel(1869-4),os
Contos da Carochinha (1896), já vemosa imagem dessetipo de
narrativa seramesquinhada, associada
à mentira
e à bruxaria,visto
que “carocha”erao nome dadoà mitra dos condenados pela
Inquisição. Assim, taiscontoseram tão-somente m entirase
bobagensparameradistraçãodascrianças.
Em 193 7, numa outra chamadaReino das Maravilhas,
coletânea
Contos de Gênios e de Fadas, o escritor e jornalista
Go dinda
Fonseca(189 -197) faziauma advertência noprefácioqueainda é
muitoatual:
Formou-senoBrasil dehoje uma corre ntedepedagogia contraoscontosdefadas,e é
paraadmirar que entre os que condenam a vulgarização
dePerrault,Grimm, Bazilio,
Gozzi, Mm e. D’Au lnoy
, etc., haja espíritosmais ou menosbrilhantes e de sofrível
cultura.
Falta devisão intelectual?Faltadesentimento? Não sei.O queseié quedão
tratadosde mecânicae eletricidade a meninose meninas,e aconselham como
infalíveis
geradores devirtudes unscertos “apólogosmorais”,quesãotudo o quehá de
maissobe ranamente enfadonho paraleitores grandes ou pequenos!Servemapenas,
essestratadoseessesapólogos,paratirarajovensecriançasogostodaleitu
lheirpoucoa poucoembotando a maisnobre detodas asfaculdadesdaalma,queé,
semdúvida,afaculdadedesonhar .
Assim, nos termos em que se deu formaçãoda imaginação
nacional, osleitores brasileiros
sempreviram com certa estranheza
o m undodafantasia, poisfomosacostumamos a pensar nãoexistir
omundoautônomodaimaginação,jáquenossapróprialiteratur
muito influenciada pelo estilo
francês,maispositivista
e psicológico.
A criação de um mundosecundário,como nosmostra J. R. R.
Tolkien (1892- 1973) em Sobre Contos de Fadas, nos assusta.
Desde a infância fomoscriadosnum “Sítio”ondeo marav ilhoso eo
fantástico vinham,de vez em quando,nosvisitar , mas ao “Sítio”
sempreretorn ávamos. Nunca estivemos plenamente no mundo
secundário. Portanto, parao leitornacional,
“achavedotamanho”
da interpretação do mundosecundário, do Belo Reino ou mundo
dasfadas, temdesera crítica darealidade. Nossaimaginação tem
deancorar-se noreal e nãoadmite a “fantasiapela fantasia”. E até
hojea “imaginação” nacional tende a serutilitária, “didatizante”,
limitada
e limitante.
Entendemos alegorias,mas nãometáforas. Não
transcendemos.
Nos últimos vinteanos,vimosuma grande mudançanaliteratura
destinada ao público infan
tilno Brasil. Os livros se tornaram
verdadeiras pérolas de design e produção gráfica, coloridos e
atraentes,que em nada ficam a deveraos melhores livros
estrangeiros.
M as, naesteira damodernidade, importamo s também
umamátendênciaaotratarmosdopúblicoinfantil.
Atualmente, as histórias destinadas às crianças m uitose
distanciamdoscontos de fadastradicionais. A tendência é fixara
história
no cotidiano, descrever diferenças, substituirvirtudes por
valorese apresentar ideologias. O papel moralizante do conto de
fadaspassoua serinstrumentalizado, e a moral,substituída pela
ideologia.
A linguagem foiempobrecida, com a desculpa detornar a
narração mais acessível aos pequenos.As histórias, mais que
narrativasde entretenimento e transcendência, entram na esfera
meramente “pedagógica”,são contadas paraincutir ideias e
conceitosalheiosà compree nsãoinfantile querefletem muito mais
osproblemasecrençasdosautoresqueasescrevem.
Temas como a superação de desvantagens, a exaltação da
diferença,
a equalização entr
e o bem e o mal(tratados como mero
juízo particular
de determinadas personagens) inseguranças
, e
dramas psicológicos,agendas políticas,etc.toda
, a problemática do
mundo moderno é revestida de linguajar infantil e passado às
crianças,paise pedagogoscomo as mais construtivas histórias
infantis.
ornaram-
T seosatuais“apólogosmorais”damodernidade
É claro que existemautores nessalinha de muito boa-fé, que
realmente queremcontribuir paraque as crianças entendam o
mundoem que vivem; no entanto, ao esquecer o Belo Reino e o
mundosecundário, escrevem uma espécie de“crônica dainfância”,
muitom aisinteressantes
aospaise aospedagogos queàs próprias
crianças.
Na verdade, a normatividade, ou seja,a ordemnatural ao ser
humanoporincontáveis gerações,na maioria dessas histórias,
é
pervertida.
Em geral,há a exaltação do anti-herói,
do conflito,
do
anormal,daruptura;tudoisso justificado
como recursopara ampliar
a visãocrítica,
a tolerância
e o amadurecimento dospequenos.A
leitura
passaa serutilizadacomo “ferramenta deempoderamento”
paraa construção de um imaginário idílico
de “um outro mundo
possível”
em quenãoexiste o Belo Reino, mas somenteum “aqui e
agora”a serpolítica e ideologicamente transformado.Assim, a
maioriadashistóriasmodernas, pornãoconterem os elementos
básicosdasnarrativas
imaginativas, pornãoampliarem o repertório
linguístico
dacriança,
porsó lidarem, em analogias,
com questões
comezinhas e cotidianas,
acabamporcausar efeito
diversodaquele
dosantigos contosdefadas:achatam a imaginação,
“adultizam”a
infância,
desestimulamo há bito daleiturae prendema criança no
mundoem que vivem, furtando-lhes a capacidadede sonhar. São
verdadeirashistóriasdesencantadas.
3. UM MUNDO FEITO DE PALAVRAS
Deus criou o mundoporsuaPalavra. Elefalou,e o mundosefez.
E nãosó isso.A terrasem formae vaziafoiordenada a preenchida
porsuaPalavra. O queeracaostornou-jardim.
se Pensar nomundo
secundário,noBelo Reino, como o chamaTolkien, étambém uma
maneira depensar nopoderordenadordaspalavras. Se o mundo
contemporâneo é caótico
– e vemosevidênciadisso todos os dias
nosjornais–, voltar-nos
paraa literatura,
e paraoscontos defadas
em particular
, nosdá um vis
lumbre daordem.O Belo Reino é feito
depalavras.As palavrasvencem o caos.Um passeio peloreinodas
fadas,poressemundofeito depalavras,é tambémuma profissão
defénopoderdalinguagem.

Da profissão de fé ao trabalho concreto


No universofantástico,vez poroutradeparamos com a história de
um feit
içoque nãose mate rializa
porqueas palavras nãoforam
pronunciadas da maneiracorreta. Para que o encantamento
funcione,nãobasta que o rito, os paramentos e instrumentos
estejamcorretos – é necessário tambémque as palavras mágicas
sejamdevidamentearticuladas.
Essa afirmação nãoé casual.Ao contrário, saberdissoimpôs
sobreostradutores grande Paraqueo Belo Reino
responsabilidade.
permanecesse visível
a nós, foinecessáriotodoo cuidado com a
articulação
daspalavras. Num reino ondebruxas,fadas,dragõese
feijões
mágicos estão presentes, estãopresentestambémcoisas e
palavrascom que nãodeparamos com muitafrequência poraqui,
nestemundoprimário. É porisso mesmo quenãotivemos nenhuma
intençãodetentartornarfamiliaraquiloquenoséestranh
Esforçamo-nosporrespeitar a inteligência
doleitor. Não cedemos
à tentação da facilidade, do imediatamente intel
igível, do
apequenamento daconsciência. Nãosetrata,naturalmente, deuma
“opçãopreferencial pelocomplicado”, mas, antes, de uma busca
sincera da palavra justa,mesmo quandoesta já nãopertence ao
vocabulário corrente.A linguagem empregada pretendemostrar o
extraordináriocomoextraordinário.
Parauma cria nça, cujovocabulário estáem formação,ainda não
estáclaro o que são pala vrasfáceis ou difíceis.Estaé uma
convenção de adultos, que aliáspodem teradquirido hábitos
viciosos ao longo davida.Paraos pequenos,tudo é novo,tudo é
mágico e, portanto, tudo é absorvido com a mesma avidez. A
tentativa de conferir qualidade literáriaà tradução nãotemoutra
motivação sen ãoa deexpora criança, desde logo,à harmonia, à
beleza,à músicadalíngua.Com isso,nãoestamos exigindodemais
das crianças; estamosoferecendo-lhes algo. A simplificação
excessiva é que, na tentativa de tudo dar, priva a criança da
experiência do beloe a restringe a um universo cadavez mais
limitado.
Cecília Meirele s, em seu hojeclássico Problemas de literatura
infantil, ironiza a ideia de que a simplicidade seja a característica
dos livros dirigidos a crianças: “Uma simples questão de estilo
poderia, a princípio, parecer suficiente paraa caracterização dos
livros infantis. Seriamlivros simples,fáceis, aoalcance dacriança..
Como se o mundo secreto da infância fosse, na verdade, tão fácil,
tão simples..”. E completa: “A literaturanãoé, comotantos supõem,
umpassatempo.Éumanutrição”. [2]
Não negamosque alguns leitores,a depender da idade e da
educaçãorecebida,podem achar o textodifícil.Estamos
convencidos, no entanto, de que pais e professores podem
tranquilamente ajudar naspassagens que suscitem dúvidas – e
talvez atéencontrem um pretexto para ensinar e estimularo usodos
dicionários. Uma pitada de desafio é sempreum bom remédio
contra o tédio.SegundoViktor Frankl,o psiquiatra vienense e
criador dalogoterapia, um dosmaiores males denosso te
mpo nãoé
que se exijademaisdos j ovens:é que se exige muito pouco.
Quandolhedisseram
quetinhauma perspectiva
sobre-estimada
do
serhumanoe quelhe
exigiamaisdoqueeste
poderia
oferecer
, sua
respostafoiaseguinte:
A uma afirmaçãodessas só possores ponderque, quando há três anoscomecei a ter
aulasdevoopara aprender a pilotar
, o meu instrutor
fez este comentário a respeito
de
um vooque íamos fazer: “Se decolar daquie quisermospousar exatamente ao norte,
com um vento leste
de20 nós, nãopodemosajustar a bússola para90º. Precisamos
dirigir
o nariz
doavião para70º NO, e assimnosdirigiremos exatamente parao norte.
Seembicássemospara90º,acabaríamosderivandopara 10ºpor1 causadovento”.
Esteexemplodeixaclaro o motivopeloqualatribuo ao serhumanomotivações
elevadas.
Se me dizem que o estou sobre-estimando
e exigindo-lhe demasiado,
respondo:
“Não. Somente
o estoudirigindo
parauma direção
em quepodepousar”.Se
dohomem o que eledeve ser, faremosdele
exigirmos o que elepode ser. Se, pelo
como é,entãoacabaremosportorná-
contrário,oaceitarmos pior lo
do que é. Quem me
disseissonãofoimeuinstrutordevoo;éumacitaçãoquaseliteral [3] deGoethe.

Nãoqueremosentediaroleitorcomumasucessãodecitaçõesq
defendem
o mesmo ponto devista.Aindaassim,dadocerto clima
deopin
ião,jul
gamos necessárioinsistir
noassunto.No esboçode
uma carta
dirigida
a W alter
Allen,J. R. R. Tolkien
falasobrea
de O Hobbit e tece
redação algumasconsideraçõesgeraissobre
literaturadirigidaacrianças.Eassimconcluiacarta:
Uma palavra
honestaé uma palavra
honesta,
e só podeserconhecida
no contexto
certo.
Um bom vocabulário
nãoseadquirecom a leitura
delivros
escritos
segundouma
noçãodevocabulár
iodedeterminada
faixaetária.
Vem daleitura
delivros
acimadela.
[
4 ]
E, demodoabsolutamente encantador, AnneShirley
, personagem
deL. M. Montgomery em Anne de Green Gables, diz: “As pessoas
riemde mim porqueutilizo palavrasgrandes.Mas se você tem
grandes ideias,deveusargrandes palavrasparaexpressá-las,
não?”[5]

Contra o esnobismo cronológico


Os contos
aquireunidos
jáforamlidos e ouvidos
porgerações, em
diferentes
part
es domundo. De fato,abordamtemas e problemas
constantes
na história
humana. Diferem, em grande medida,de
temasconsiderados
atuais.
N ãohá nadademalnisso,aocontrário.
C. S. Lewis chamoude esnobismo cronológico essedesdémpela
experiênciapretéritasimplesmenteporque pretérita,
acompanhado
daaceitaçãoacríticadoambienteintelectualcomumànossaé
Mesmo no plano formal,tivemoso cuidado de resistira tal
esnobismo.Por exemplo, hojejá há quem advogue que
simplesmente deixemosdeensinar os pronomes e formasverbais
desegundapessoa.Segundoosdefensoresdessaideia,trata-se
formasdatada s que já nãosãousadas e, portanto,
prescreveram.
Se, deum lad o, nãonegamosqueseuusoescasseia diaa dia,de
outro,temosde lembrar que taisformas são amplamente
empregadas em toda a tradiç
ãoliterária
delíngua portuguesa,quer
lusitana,querbrasileira.
Reiteramoso que dissemosantes: se, em
nome de uma pretensa acessibilidade,
privamos o leitor em
formação docontato com taisformas,nomesmo ato criamos uma
dificuldadede acesso a essepatrimônioestéticode nossalíngua.
Ouseja:oresultadodelongoprazoéoexatoopostodopretendi
O mesmo C. S. Lewis que mencionamos há poucotamb ém disse
que não devemospermitir- nos lerum livro novo(istoé, atual,
contemporâneo) antes de intercalarao menos um livro antigo.
Encontramos nesteslivrosantigos
como que o antídotoaosmales
característicosdenossotempo:
É uma boa regra,depois
deler um livronovo,nuncasepermitir
um outro
livro
novoaté
quetenhalidoumvelhoentreeles.Seissosoaexagerado,vocêdeveriapelomenosl
um li
vrovelhoa cadatrês novos.[..] Todasas eras
têm suaprópria
perspe
ctiva.
São
especialmenteboasparaenxergar certasverdadese especialmente
suscetíveis
a
cometercertosequívocos.Todosnós, portanto,
precisamos
doslivros
quecorrigirão
os
erroscaracterísticosdenossaprópriaépoca.Istoé,oslivrosantigos.[..]Aliás,os
dofuturoseriamtão bonscorretivosquantooslivros
dopassado,
mas infelizmente
não
podemosteracessoaeles. [6]

Voltemosàs escolhas dostradutores.


Tivemosmuito cuidadono
empregodospronomes de tratamento.
Taisformasdocumentam
relações
sociaisquejánãoexistem em nossasociedade.Depoisde
anosrepetindotodo tipo
deinsultos
aosrepresentantespolíticos
de
uma nação, é difícil
atéimaginar
o que significa
fazerreverência
a
um rei.Aindaassim, encontramos nessas narrativas
a história
de
reisbondosos,de heróisvalentes, de pessoasa quem toda
reverência e admiraçãosãolegítimas.
E essaé tambémuma forma
deremediarnossarebeldiaeirreverênciadesmedidas.
O assunto poderia
irmaislonge.Cremos,noentanto,
queo quefoi
dito atéaquijá é suficienteparademonstrar
que o livro
temum
sabor especial.
Não é um livromodernojustamente
porque tema
pretensão deserperene. O escritor
e pensador
americanoRussell
Kirk, que sempreteve a educaçãodecrianças
e jovensentresuas
preocupações,éenfáticoaodizer:
Se as cria
nçastêm decomeçar a compreendera simesmas, as outras
pessoas
e as
leisque regemnossa natureza, devemserencorajadas a lera coleção
decontosde
fadasdeLang, osirmãosGrimm (mesmo ashistórias maissombrias)Andersen,
, As Mil
e Uma Noitese todoo resto.
[..] A verdade“científica”,
ou o quepopularmente
é tido
comoverdadecientífica,mudadeanoparaano–comvelocidadeaceleradaemnosso
dias.No entanto,a verdadepoética e a moralpoucomudam com o decorrer dos
séculos.
[7]

Ao recontarhistórias
tradicionais,
vivemosuma espéciede
comunhão invi
sível
com os que nosprecederam,
uma espécie
de
ligação
mística
com o passado
que passaa informar
o presente
e
nosfortaleceparacompreenderosentidodavida.
Márcia Xavier de Brito e William Campos da Cruz
SãoPaulo,agostode2017

[ 1 ]C. S. Lewis, “On Three Ways to Write for Children”, in: Of This and Other Worlds,
Londres,Collins, 1982, pp. 64-5. Também disponível em: As Crônicas de Nárnia: Volume
único, trad . Paulo Mendes Campose Silêda Steuernagel, SãoPaulo,W M F Martins Fontes,
209,p.741ss.
[2] CecíliaMeireles, Problemas da literatura infantil,SãoPaulo,Global,2016,pp.18-20.
rFrankl,Sede de sentido, trad.
[ 3 ]Vikto Henrique Elfes, São Paulo,Quadrante, 203, p.
14.
[ 4 ]J. R. R. Tolkien, The Letters of J.R.R. Tolkien, Londres,Houghton Mifflin,20, pp.
298-[trad.doeditor].
[ 5 ]L. M. Montgomery , Anne of Green Gables, Boston, The ColonialPress,195, p. 23
[trad.doeditor].
[6 ]C. S. Lew is, “On Reading of oldbooks”,in: God in the dock, GrandRapids,Michigan,
WilliamB.EerdmansPublishingCompany ,2014.
[ 7 ]Russel
Kirk, “ThePerversity
of Recent in: Redeeming the Time, Wilmington,
Fiction”,
Delaware,IntercollegiateStudiesInstitute,196,pp.83-5.
Prefácio à edição original
Em um segundo respigar pelos camposda terra encantada, não
podemos esperarencontrar um segundo Perrault.
No entanto,ainda
sobraram histó
rias muito boas, e esperamos que O Fabuloso Livro
Vermelho ten ha o atra tivode sermenosfamiliar que muitos de
nossos antigosamigos. As histórias foramtraduzidas ou, no caso
daslongas histórias de Madame D’Aulnoy , adaptadas. PelaSra.
Hunt,as histórias do norue guês, pela Srta.Minnie W right,as de
Madame D’Au lnoy , pela Sra. Lang e a Srta.Bruce,as de outras
fontes francesa
s, pela Srta.May Sellar , Srta.Farquharson e a Srta.
Blackley , as do alemão,ao passoque a história de Sigurd foi
condensada peloeditor a partirda versão em prosa da Saga dos
Volsungos, do Sr. Willia m Morris.O editor temde agradecer ao
amigo, M. Charles Marelles, pelapermissão de reproduzir sua
versão dofrancês deO Apanhador de Ratos, deRabo de Pato e da
Verdadeira História de Chapeuzinho Dourado, e a M . HenryCarnoy
pelo mesmo privilégio em re lação à história Os Seis Tolos de La
Tradition.
Lady FrancesBalfour gentilmente copiouuma antiga versão de
João e o Pé de Feijão, e as Sras. Smithe Elderpermitiram a
publicaçãodeduasversões .Ralston
doSr apartirdorusso.
Andrew Lang,1890
AsDozePrincesasBailarinas

I
Á MUIT OS E MUIT OSanos,viviano vilarejo
de Montignies-
sur-Roc um jovemvaqueiro sem painem mãe. Seu
nomeverdadeiro eraMiguel,mas erasemprechamado
de Mira-Estrelas,
porquequandoguiavao gadopelos
camposembuscadepasto,sempreosacompanhavacomacabeça
levantada,olhando,pasmo,paraonada.
Como tinha a pelealva,os olhosazuis e o cabelotodo
encaracolado,asmoçasdovilarejocostumavamlheperguntar
—Bem,Mira-Estrelas,oqueestásafazer?
EMiguelrespondia:
— Oh, nada!– e prosseguia pelo caminho sem ao menosvoltar-
lhesoolhar.
Na verdade, ele as achavamuitofeias,com as nucasqueimadas
pelo sol,as m ãosgrandes e rubras,as anáguas ordináriase os
sapatosde madeira. Ouviraque em algumlugar do mundohavia
moças cujas nucaseram alvas e as mãos, pequenas,sempre
vestidasnas mais finassedase rendas e eram chamadasde
princesas. Enquanto seuscompanheiros ao redordo fogo nada
viamnas chamassenão imagenscorriqueiras,
ele
sonhav a queteria
afelicidadedesecasarcomumaprincesa.
II
Certa manhã,em meadosdeagosto, justoaomeio-dia,quando o
solesta va a pino,Miguelfez suarefeição de um pedaçode pão
secoe foidorm irdebaixodeum carvalho.Enquanto dormia, sonhou
que apareceu diantedele uma beladama, vestida em um traje de
ouro,quelhedisse:
— Vá parao castelo de Beloeil,
e lá deveráscasar-te com uma
princesa.
Naquela noite, o jovemvaqueiro,que estivera pensando muito
sobre o conselho dadamadovestido deouro,contou o sonhoàs
pessoas da fazenda.No entanto,como eranatural, elas riram do
Mira-Estrelas.
No diaseguin te,no mesmo horário,elefoi dormir novamente
debaixo damesma árvore.A damaapareceu-lhe uma segunda vez
edisse:
— Vá parao castelo de Beloeil,
e lá deveráscasar-te com uma
princesa.
À noite, Migueldisse aosamigos que sonhara o mesmo sonho
novamente, mas eles riramdelemaisdoque antes. “Deixe estar”,
pensou consig o mesmo, “sea damaaparecer pela terceira
vez, farei
oqueelamedisser”.
No diaseguint e, paragrande espanto detodo o vilarejo,
porvolta
deduashorasdatarde,ouviramumavozacantar:
—Ô,ô,vai,boizinho!
Eraojovemvaqueirolevandoogadodevoltaparaoestábulo.
O fazendeiro começoua ra lharcom ele,furioso,mas o rapaz
respondeucalmamente:
—V ouembora.
Juntou as roupas em uma trouxa,disseadeusparatodos os
amigose,segurodesi,saiuembuscadasorte.
Houvegrande alvoroçoem t
odoo vilarejoe, doalto dacolina, as
pessoasseguravamo risoenquanto assistiamao Mira-Estrelas
caminharpenosamente,
com bravura,
ao longodo vale, com a
trouxaamarradanapontadeumavara.
Por cer
to,a cenaerao bastante
parafazer qualquer
um dar
risadas.
III
Porvinte milhas aoredor, todossabiamquenocastelo deBeloeil
viviamdoze princesas deprodigiosa beleza,tãoorgulhosas quanto
belase que, alémdisso,erammuito sensíveise desanguereal tão
verdadeiroquesentiriam imediatamente a presençadeuma ervilha
nacama,mesmoqueoscolchõesaestivessemcobrindo.
Os rumoresé que levavam exatamente a vidaque as princesas
deveriam levar
, dormiam atétardepela manhã,e nuncaacordavam
antesdo meio-dia.Tinhamdoze camas, todas no mesmo quarto,
mas o fatoextraordinário
é queficavamtrancadas portrês ferrolhos
e, t
odasas manhãs, seussapatos de cetim eram encontrados
gastosecheiosdefuros.
Quandopergu ntadas a respeito do que faziam a noite toda,
semprerespondiam que dormiam;e, de fato,nuncase ouviu
nenhumbarulho no quarto. Entretanto,
os sapatos nãopoderiam
gastar-sesozinhos!
Porfim, o duque de Beloeil ordenou que tocassem a tro
mbeta e
proclamassem que se alguém descobrisse como suas filhas
gastavamossapatos,poderiaescolherumadelasemcasamento
Ao ouvira proclamação,vários príncipes
foramaté o castelotentar
a sorte
. Observaram a noite todaatrásda portaaberta do quarto
dasprincesas, mas quando a manhãchegava,todas desapareciam
enãohaviaquemdissesseoqueforafeitodelas.
IV
Quando chegou ao castelo, Migueldirigiu-se
ao jardineiro e
ofereceu seusserviços.Ora, aconteceudeo ajudantedojardim ter
acabado de serdemitido, e assim, emborao Mira-Estrelas não
parecesse muito forte,
o jardineiro
concordouem empregá-lo,pois
acreditavaque o seubelo rostoe os cachosdourados agradariam
àsprincesas.
A primeira
coisa quesoubeé quequando asprincesas acordavam
ele deveriapresenteá-las,
cadauma, com um buquê. Miguel pensou
que, se nãotivesse nadam aisdesagradável parafazer , elefaria
issomuitobem.
Destam aneira,postou-se at
rás daportadoquarto dasprincesas
com dozebuquêsem uma cesta. Deu um paracadauma dasirmãs,
que os pegaramsem nem mesmo concederem um olhar parao
rapaz,exceto a maisnova,Lina, quefixouosgrandes olhos negros
esuavescomoveludonomoçoeexclamou:
—Oh,comonossonovofloristaébelo!
As outras irromperam em risos,e a mais velha chamou-lhea
atenção dizen
do que uma princesa nuncadeveria se rebaixar a
olharparaumajudantedejardineiro.
Ora, Miguelsabiamuitobem o que acontecera a todos os
príncipes,mas aindaassim os belosolhosda princesa Lina
inspiraram-lheum desejo intenso de tentar
a sorte. Infeliz,não
ousouapresentar-com se, medo de que fizessem chacota ou
mesmo lhemandassememborado castelo por conta dessa
imprudência.
V
Entretanto,
o Mira-Estrelas
teveoutro sonho.A dama de vestido
dourado apareceu-lhemaisuma vez, segurando em uma dasmãos
duasarvorezinhas de louro,um loureiro-cerejae um loureiro-rosa.
Na outra mão, traziaum ancinho dourado, um baldinho dourado e
umatoalhadeseda.Assim,dirigiu-seaele:
— Plantaesses doisloureiros
em dois vasos grandes,afofa a terra
com o ancinho, regacom o balde e secacom a toalha. Quando
estiverem tãocrescidos como uma menina dequinzeanos,digaa
cadaum deles: “Meu belo lou
reiro,com o ancinhodourado teafofei,
com o balde dourado tereguei,com a toalha de sedatesequei”.
Depoisdisso,peçaqualquer coisa que quiseres,e os loureiroste
darão.
Miguelagradeceu à damadevestido dourado e, quando acordou,
encontrou doi
s pés de louro ao seu lado.Então, obedeceu
diligentementeàsordensdadaspelasenhora.
As árvorescresceram muitorápido,e quando estavam altas como
umameninadequinzeanos,eledisseparaoloureiro-cereja:
— Meu adorado loureiro-cereja,
com o ancinho dourado teafofei,
com o balde dourado tereguei,com a toalha de sedatesequei.
Ensina-mecomotornar-meinvisível.
Então,no mesmo instante, apareceu no loureirouma linda flor
branca,que Miguelcolheu e colocou na casado botã o de sua
roupa.
VI
Naquela noite,quando asprincesasforamserecolher noandar de
cima, eleas seguiudescalço, de modo que nãopudesse fazer
barulho,e seescondeu debaixodeuma dasdozecamas, paranão
ocuparmuitoespaço.
As princesas imediatamentecomeçaram a abriros guarda-roupas
e osbaús. Delestiraram osvestidosmaismagníficos,quetrajaram
diantedosespelhos. Quandoterminaram, viraram-se paratodos os
ladosparaadmiraraaparência.
Miguelnadapodia verdeseuesconderijo, mas podia escutartudo
e ouviuasprin cesasrindoe saltitando
com prazer. Porfim, dissea
maisvelha:
—Sejamrápidas,irmãs,nossosparceirosficarãoimpacientes!
Ao fim de uma hora, quandoo Mira-Estrelas nãoouviumais
barulho,espiou e viuas doze irmãsem trajes esplêndidos, com
sapatos de cetim nospés e, nasmãos, os buquês que elelhes
trouxera.
—Estaisprontas?–perguntouamaisvelha.
— Sim – responderam as outras
onze em coro,e tomaram seus
lugares,umaporuma,atrásdamaisvelha.
Nessaaltura, a princesamaisvelha deutrês palmas e o alçapão
se abriu.Todasas princesas desapareceram poruma escada
secretaeMiguelrapidamenteasseguiu.
Ao seguir os passosdaprin cesaLina, pordescuido elepisouno
vestido.
— Há alguématrás demim! – gritoua princesa– e estáprendendo
omeuvestido.
— Bobi nha! – dissea maisvelha.– Sempreestáscom medode
algumacoisa.Foiumpregoqueteprendeu.
VII
Descerammuitos e muitosdegraus atéque, porfim, chegarama
uma passagemcom uma porta no fundo,que só estava trancada
por um trinco. A princes
a mais velhaa abriue viram-se
imediatamenteem um bosqueadorável, ondeas folhaseram
salpicadasdegotasdeprataquecintilavamàluzbrilhanteda
A seguir
, atravessaram outro bosqueondeas folhaseram
polvilhadas
deouro,e depois desse,ainda passaram porum outro
bosque,cujasfolhasreluziamcomodiamantes.
Finalmente,o Mira-Estrelaspercebeu um grandelagoe, nas
margensdolago,dozebarqu inhoscom toldos em quesesentavam
dozepríncipesderemosempunhoaaguardarasprincesas.
Cada princesa entrou em um dos barcose Miguelentrou
furtivamente
naquele que levavaa princesamaisnova.Os barcos
deslizaram
pela água rapidamente,mas o barco deLina, porestar
maispesado,ficavasempreatrásdorestante.
— Nuncafomostão devagarantes – dissea princesa–; qualserá
omotivo?
— Não sei– respondeu o príncipe. – Asseguro-te que estou
remandoomaisqueposso.
Do outro
lado
do lago,o ajud
ante
dejardineiro
viuum belocastelo,
esplendidamente
iluminado,deondevinha
uma músicaanimada de
violinos,tímpanosetrombetas.Nomomentoquetocaramaterr
gruposaiudosbarcos,os príncipes,
após amarrarbem firmeas
embarcações,deramos braçosàs princesase levaram-nasao
castelo.
VIII
Miguelos seguiue entrou nosalão debaile junto
com o cortejo.
Haviaespelhos, luzes,flores e cortinasadamascadas
em todos os
lugares. O Mira-Estrelas estavabastante desconcerta
do com a
visãom agníficado lugar . Postou-se forada passagem, em um
canto,
admirando a graçae a belezadasprincesas.
Eram graciosas
deváriasmaneiras.Algumastinhamcabelosclaros;outras,escu
algumastinham cabelos castanhosclarosou cachosainda mais
escuros e, outras,
madeixas louras.
Nuncaforamvistastantasbelas
princesas juntas
deuma só vez, mas a queo vaqueiroachava mais
bonitaemaisfascinanteeraaprincesinhadeolhosdeveludo
Com que ânsia dançava! Apoiadanoombrodoparceiro, deslizava
como um rede moinho.Suas facescoravam,os olhos brilhavam e
estava claro que elaamavadançar maisdo que qualquer outra
coisa.
O pobre rapazinvejouos jovens e beloshomenscom quem ela
dançava tão graciosamente, mas nãosabiaporque ti nhatantos
ciúmesdeles.
Os rapazes,aomenosunscinquenta, eramrealmente
ospríncipes
quetentaram roubar o segredo dasprincesas.
As princesas
fizeram
com quebebessem algocomo uma poçãomágica quecongelava o
coraçãoenadamaisrestavasenãooamorpeladança.
IX
Dançaram atéos sapatos dasprincesas ficaremgasto s e com
buracos.Quando o galocantou pelaterceira vez, os violinos
pararam e uma ceiadeliciosa foiservidapormeninos negrosque
traziamfloresde laranjeira açucaradas,pétalas de rosa
cristalizadas,
violetas polvilhadas,biscoitoscrocantes, biscoitos
finose outrospratos que são, como todossabem, os favoritos das
princesas.
Depoisdaceia,todos osdan çarinosvoltarampara osseusbarcos
e dess a vez o Mira-Estrelas entrouno da princesa mais velha.
Cruzaramnovamente o bosquereluzentede diamantes, o bosque
polvilhadode ouroe o bosque cujas folhas eramsalpicadas de
gotas de prata e, como provado que vira,o rapazquebrouum
galhinho deuma árvore noúltimo bosque.Linavirou-se ao ouviro
barulhofeitopelogalhoquebrado.
—Oquefoiestebarulho?–perguntou.
— Não foinada– responde u a irmãmaisvelha –; foiapenas o
gritoda coruja-de-igreja
que se empoleira em uma dastorres do
castelo.
Enquantoela falava,Migueltratou depassar à frentee, correndo
escadaacima, alcançou primeiro o quarto das princesas. Abriu
rapidamente a janelae, descendopela trepadeira que subiapelas
paredes do castelo,viu-seno jardim assimque o solcomeçavaa
raiarejáerahoradeirparaotrabalho.
X
Naquele dia,quando confeccionava osbuquês, Miguel escondeu o
galho com gotinhas deprata noramalhete que iria
paraa princesa
maisjovem.
QuandoLina descobriu o galhinho, ficoumuitosurpresa. No
entanto, nadadisse às irmãs,mas encontrou o rapaz,poracidente,
enquanto caminhava soba sombradoselmos.Subitamente parou
como se fossefalar com ele;depois, mudando deideia,continuoua
caminhar .
Na mesma noi te,asdozeirm ãsforammaisuma vez par a o baile,
e o Mira -Estrelas novamente asseguiu e cruzouo lago no barcode
Lina. D essavez foio prínc ipeque reclamou de o barcoparecer
muitopesado.
— É o calor – respondeu a princesa. – Eu tambémestoumuito
acalorada.
Durante o baile,
ela procurou em todos oslugares peloajudantede
jardineiro,masnãooviumais.
Ao voltar , Miguelcolheu um galho dobosquedefolhas polvilhadas
deouro,e nes semomento,foia maisvelha dasprincesas queouviu
obarulhoqueogalhofezaoquebrar .
— Não é nada– disse Lina; – é apenas a corujaqueseempoleira
emumadastorresdocastelo.
XI
Assim que a princesaLina acordou,
encontrou o galhoem seu
buquê. Quandoas irmãs desceram,elase deixouficar um pouco
paratrásedisseaovaqueiro:
—Deondeveioestegalho?
—V ossaAltezarealsabeismuitobem–respondeuMiguel.
—Então,tunosseguiste?
—Sim,princesa.
—Comoconseguiste?Nuncatevimos.
— Escondi-me – respondeu o Mira-Estrelas de maneira
sossegada.
Aprincesaficoucaladaporummomentoedepoisdisse:
— Conheceso nosso segredo!Guarda-o. Eis a recompensapela
tuadiscrição.–Earremessouumabolsadeouroparaorapaz.
— Não vendo o meu silêncio
– respondeuMiguel,e foi-seembora
sempegarabolsa.
Portrês noites
Linanãoviuou ouviunadade extraordinário; na
quarta noite,
ouviuum farfalhar entreas folhas do bosquede
diamantesrelu
zentes.Neste dia,haviaum galho dessaárvoreno
buquêdeLina.
ChamouoMira-Estrelasàparteedisse-lheemtomsevero:
— Sabes o preçoque m eu pai prometeu pagarpor nosso
segredo?
—Sei,princesa–respondeuMiguel.
—Nãopretendescontar-lhe?
—Estanãoéminhaintenção.
—Estáscommedo?
—Não,princesa.
—Então,oquetefazsertãodiscreto?
Miguelficoucalado.
XII
As irm ãs de Lina viram-naconversando com o ajudante de
jardineiroezombaramdelaporisso.
— O que impede quete casescom ele?– perguntoua maisvelha.
– Tornar-te-ias
tambémuma jardineira,uma profissão
encantadora!
Poderias viverem um chalénofundodoparque e ajudarteumarido
a tirarágua do poço e, quandoacordássemos,poderias levar
nossosbuquês.
A princesa Lina estava furiosa,e quandoo Mira-Estrelas a
presenteoucomumbuquê,recebeu-ocomdesdém.
Miguelcomportou-se o maisrespeitosamente que pôde. Nunca
levantou o olhar
paraela,mas quaseo diatodo a princesao sentiu
aoseulado,masnemmesmovoltou-separaele.
Umdia,tomouadecisãodecontartudoparaairmãmaisvelha.
— O quê! – exclamou.– Esse maroto conhecenosso segredo e tu
nuncamedisseste!Nãodevoperdertempoparalivrar-medele.
—Mas,como?
— Ora, fazendocom queseja levadoparaa torredasmasmorras,
éclaro!
Esteerao modo como, nostempos antigos,
asbelasprincesasse
livravam daspessoas que sabiamcoisas demais.No entanto, a
partesurpreendente eraque a irmãmaisnovanãoparecia gostar
dessemétodo decalara bocadoajudantedejardineiro,
que, afinal,
nadadisseraaopaidelas.
XIII
Ficouacordadoqueaquestãodeveriasersubmetidaàsoutras
irmãs.Todasficaram do lado da maisvelha.Então,a irmãmais
novadeclarou que se elasencostassem um dedosequer norapaz
dojardim, ela mesma iriaaopaie contariao segredo dosfuros nos
sapatos.
Porfim, decidiram queMigueldeveria sertestado;elas o levariam
ao baile e, ao final da ceia, lhedariama poçãomágica para
encantá-locomoosdemaispríncipes.
Mandaramchamar o Mira -Estrelas e perguntaram-lhe como
conseguiraaprenderosegredo;aindaassim,continuoucalado
Nessaaltura, em tomde comando,a irmãmaisvelha deu-lhea
ordemqueasirmãstinhamacordado.Elerespondeuapenas:
—Obedecerei.
Na verdade, eleestiverapresente, invisível,
no conselho das
princesas e ouvira tudo;mas decidiu bebera poçãomágica e
sacrificar-sepelafelicidadedaquelaqueamava.
Não desejand o fazer má figurano baile ao ladodos outros
dançarinos,foiimediatamenteaosloureirosedisse:
— Meu adorado loureiro-a,ros
com o ancinho dourado teafofei,
com o balde dourado tereguei,com a toalha de sedatesequei.
Veste-mecomoumpríncipe.
Apareceu uma lindaflor
cor-de-rosa.Miguela colheue, nomesmo
instante,viu-sevestidoem roupas develudo negrocomo os olhos
da princesinha, com uma capa combinando, um penachode
diamanteeaflordoloureiro-rosanacasadobotãodeseutraj
Vestido dessamaneira,apresentou-naquela
se noitediante do
duquedeBeloeil e obteve permissão departire tentardescobriro
segredo de suas filhas.Tinhauma aparência tãodistinta que
dificilmentealguémsaberiadequemsetratava.
XIV
As doze princesassubiram paradormir. Miguel asseguiu e depois
esperouatrásdaportaabertaatéquedessemosinal . parapart
Dessa vez ele nãocruzouo lagonobarco deLina. Deu o braço à
irmãm aisvelha,dançoucom cadauma delas e eratão elegante
que to dos estavamencan tadoscom ele. No final,chegou o
momento dedançar com a princesinha.
Eladescobriu neleo melhor
parceiro do mundo, mas elenãoousoudirigir-lhe uma palavra
sequer.
Quandoa conduzia devolta paraseulugar , eladisse-lheem tom
zombeteiro:
—Eis-tenoaugedosteusdesejos:sertratadocomoumpríncipe!
— Não temas – respondeu gentilmente o Mira-Estrelas.
– Nunca
serásesposadeumjardineiro.
A princesa o olhoucom espanto,com uma expressão
amedrontada,eeleadeixou,semesperarporresposta.
Quandoos sapatos de cetimjá estavam gastos,os violinos
pararam e osrapazes negrospuseram a mesa. Miguelfoicolocado
aoladodairmãmaisvelhaeemfrenteàmaisjovem.
Serviram-lhe os pratosmaisrequintados paracomere os vinhos
maisdelicados parabebere, paradeixá-locompletamente tonto,
encheram-no de elogiose lisonjas
de todos os lados.No entanto,
eletom ou cuidadoparanãoembriagar-se, nem de vinhoe nem
peloselogios.
XV
Ao fina l, a maisvelha dasirmãs fez um sinale um dos pajens
negrostrouxeumagrandetaçadourada.
— O castelo encantado guarda maissegredos parati – disseao
Mira-Estrelas.–Bebamosaoteutriunfo!
Lançou um olhar prolongad o paraa princesinha e, sem hesitar
,
levantouataça.
— Não beba! – gritou, derepente, a princesinha
–; prefeririacasar
comumjardineiro.
Eirrompeuemlágrimas.
Miguel lançou o conteúdo dataça para trás,saltousobre a mesae
atirou-aosse pés deLina. O restante dospríncipes fez o mesmo e
todos caíramde joelhos diante dasprincesas,cadauma escolheu
ummaridoeergueu-o,colocando-oaolado.Ofeitiçofoiquebrado.
Os dozecasais entraram nosbarcos,quecruzaram o lago muitas
vezesparacarregar osoutros príncipes.Todosatravessar am ostrês
bosquese, quandocruzarama porta da passagemsubterrânea,
ouviram um grande barulho, comoseo castelo encantado estivesse
ruindoporterra.
Foram direto ao quarto do duquede Beloeil, que acabara de
acordar. Miguel tinhanasmãosa taça douradae revelou o segredo
dossapatosfurados.
—Escolha,então–disseoduque–,aquepreferir .
— Minha escolha já foifeita–, respondeuo ajudante dejardineiro,
e ofereceua mão à princesa maisjovem,que corou e abaixouos
olhos.
XVI
A princesa Linanãosetorno u a esposadojardineiro.
Ao contrário,
foio Mira-Estrelas
que se tornou príncipe:
mas antes
dacerimônia
do casa mento,a princesa insistiu
que o seuamadolhecontasse
comoveioadescobrirosegredo.
Assim, elemostrou-lhe os doisloureirosque o ajudaram,
e ela,
como uma moça prudente, pensando que as árvores lhedavam
muitas vantagenssobre a esposa,lhascortoupelaraize lançou
ao
fogo.Éporissoqueascamponesascantam:
Não iremos mais ao bosque,
Os loureiros estão cortados.[ 8 ]
Edançamnoverão,àluzdoluar
.

Nous n’irons plus au bois,/ Les lauriers sont coupe.


[8] Nooriginal:
APrincesa
Flor-de-Maio

RA UMA um reie uma rainha


VEZ cujos filhostinham
morrido,
um depois dooutro, atéque, enfim, sobrou só
uma garotinha,e a rainha nãosabiao que fazerpara
encontraruma aiaverdadeiramente boa, que cuidasse
delae a educasse.
Um arauto foienviado a tocar trombeta em todas
asesquinas, ordenandoqueasmelhores aiasseaprese ntassem à
rainha,poisesta escolheria uma delas paraa jovemprincesa.
Então,na data marcada,todo o palácioestava apinhado de aias,
que vinham dosquatro cantos do mundooferecer-se, atéque a
rainhaproclamouque, paravera metade delas, seapres entassem,
uma a uma, enquantoestaria
sentada num bosquesombreado perto
dopalácio.
Assimprocederam, e asaias,depois deter feito
reverência aorei
e à rainha,dispuseram-se
numa fila diante desta,
paraque fizesse
suaescolha.A maioriadelas erambonitas, gordase encantadoras,
mas havia uma que eradepele escura e feia,e falava uma língua
estranha que ninguémentendia. A rainha perguntava-comose ela
ousavaoferecer-se,e mandaram-naembora, uma vez que
certamente nãoseria
a escolhida.Ao passar , elaresmungou alguma
coisae prosse guiu, mas escondeu-se num buraco numaárvore,de
ondepodiavertudo que acontecia. A rainha, sem pensar duas
vezes, escolheu uma aiade rosto rosado. Tão logoa escolha foi
feita,uma cobra, que estava escondida na grama, mordeu
exatamenteopédaquelaaia,eestacaiucomomorta.Arainhafico
perplexa com o acidente, mas logo escolheu outra,quemaldeuum
passoà frente, quando uma águia vooue derrubou uma tartaruga
enorme nacabeçadela, a qualsepartiu em pedaços como a casca
de um ovo. Nestemomento,a rainha ficouhorrorizada; mesmo
assim,escolheuumaterceiravez,masnãotevemelhorfortuna,po
a aia,correndo , esbarrou nogalho deuma árvore e cegou-senum
espinho. Então a rainha,tomada de desgosto, gritou que deveria
haveralgumainfluência maligna em ação, e que nãoescolheria
mais naquele dia; tinha acabadode levantar-para se voltar ao
palácioquando ouviu às suascostas o estrépitodeuma gargalhada
malévola. Ao virar-se, viua estranha horrenda que dispensara, a
qualestava se divertindo com os desastres e zombandodetodos,
sobretudo da rainha. Isso incomodou muito Sua Majestade, que
estava prestes a ordenar suaprisão, quando a bruxa– poisela era
uma bru xa –, com duaspancadas desuavarinha, invocou uma biga
defogomovida pordragões alados e disparoupelos ares proferindo
gritoseameaças.Quandooreiviuoquesepassara,exclamou:
— P obres de nós! Estamosperdidos, poisaquela nãoeraoutra
senão a Fada Carabosse, que guarda rancordemim desde queeu
eragarotoeumdiapusenxofreemseumingausópordiversão.
Arainha,então,começouachorar .
— Se tão somente eusoubesse dequem setratava – diss
e –, teria
dadoo melhor demim parafazeraspazescom ela;agoraimagino
quetudoestáperdido.
O rei lamentou tê-laassustado tanto e propôsque reunissem um
conselho paraaveriguar o melhor a serfeito a fim de evitar os
infortúniosque Carabosse certamente pretendia lançar sobrea
princesinha.
Assim, todos os conselheirosforam convocados ao palácio
e,
depois
deterem fechado tod
asasportas e janelas
e tampado todos
osburacos defechadura par
a quenãofossemouvidos, trataram
do
assuntoe decidiramquetodas asfadasnum raiodeaté cem léguas
deveriam serconvidadas parao batizado da princesae que o
momento da cerimôniaseriamantidoem profundo segredo,para
quenãosepassassepelacabeçadeCarabossecomparecer .
A rainhae suasdamasdecompanhia começaram a trabalhar
para
prepararos presentesdasfadasconvidadas: paracadauma, um
manto develudo azul, uma anágua decetim alaranjadaou um par
de sapatos de salto alto,algumasagulhas afiadase um parde
retalhosdeouro.De todas asfadasquea rainha conhecia,somente
cinco puderam virnodiamarcado,mas começaram imediatamente
a dar presentes à princesa.Uma prometeu que elaseria
perfeitamentelinda;asegunda,quecompreenderiaqualquerco
nãoimporta o quê – naprim eiravez em quelhefosseexplicado; a
terceira,queela cantaria como um rouxinol; a quarta,que ela seria
bem-sucedida em todos osseusempreendimentos. A quinta estava
abrindo a bocapara falarquando seouviu um tremendo estrondo na
chaminé,eCarabosse,todacobertadefuligem,desceurolando:
— D igoqueel a seráa maisazarada dasazaradas atéque tenha
vinteanos!
Então a rainha e todas as fadascomeçaram a suplicare implorar
quepensassemelhor e nãofossetão cruel com a princesinha, que
nuncalhetinha feito nenhummal. A fadavelha e medonha apenas
grunhiu e nadarespondeu. Então,a última fada,queainda nãotinha
dadoseu presente, tentou ajeitar
as coisas prometendo à princesa
uma vidalongae felizdepois que o período agourento tivesse
findado.Neste momento,Carabosse riumalignamente, e saiupela
chaminé,deixando a todos em grande consternação, em especial a
rainha.Aindaassim,ela recebeu as fadasesplendidamente e deu-
lheslindas fitas,das quaisgostaram muito,além de outros
presentes.
Quandoestava m indo embora,a fadamaisvelha disse que eram
daopin iãodequeseria melhor encerrar a princesa em algumlugar ,
com sua dama de companhia,de modo que nãopudessever
ninguématéque tivesse vinteanos. Sendoassim, o reimandou
construir uma torre com est e propósito. A torre nãotinh a janelas,
logoerailuminada porvelas decera,e o único caminho atéaquele
lugar erauma passagemsubterrânea, com portas deferro a apenas
seispésdedistânciaumadaoutra,eguardasportodaparte.
A princesa chamava-seFlor-de-Maio,porque eraviçosa e radiante
como a própria primavera.[ 9 ]E lacresceu em estaturae beleza,e
tudo que faziae diziaeraencantador . Sempreque o rei e a rainha
iam vê-la, ficavamcadavez mais fascinados. Embora estivesse
cansada da torre, e com frequência implorasse a elesque a
tirassem dali, os paissemprerecusavam. A aiada princesa, que
jamais a deixara, às vezesfalava sobre o mundoforada torre, e,
mesmo sem jamais tervisto nadaporsi mesma, elasempre
entendia com precisão, graças aodom dasegunda fada. Amiúde, o
reidiziaàrainha:
— Somos maissagazesqueCarabosse, nofim dascontas. Nossa
Flor-de-Maioseráfelizapesardesuaspredições.
E a rainha ria atécansar com a ideia deterem sidomaisespertos
que a velha fada. Ordenar am que fossepintado um retrato da
princesae enviado a todas as cortes vizinhas, poisem quatro dias
elacompletaria seuvigésim o aniversário, e eraa horade decidir
com quem ela se casaria.Todaa cidade estava regozija
ndocom a
ideia de que a liberdade da princesa se aproximava e, quando
chegaramas notícias de que o reiMerlin estava enviando seu
embaixador para pedi-laem casamento para seufilho,
ficaram ainda
maisjubilosos . A aia, que mantinha a princesa informada de tudo
quesepassava nacidade, nãodeixouderepetir asnovidades que
tãode perto lheinteressa vam, e descreveu de tal maneira o
esplendor com que o embaixador Fanfarronada entrou na cidade
que a princesa ficouansiosa paravera procissão com os próprios
olhos.
— Pobrecriatura sou – lamentou –, encerrada nesta torre
deplorável como setivesse cometido um crime!Nuncavio sol,nem
asestrelas, nem um cavalo, nem um macaco, nem um leão, exceto
em figuras,e emborao rei e a rainha digam-me queserei libertada
quandotiver vinte anos,creio que só dizem issoparamanter-me
distraída,quandonãotêmnenhumaintençãodedeixar- . mesair
Em seguida, começou a chorar , e a aia, a filhada aia, o
encarregado de embalar o berçoe a babá, que a amavam
ternamente, choraram juntas, de modo que nadase ouviasenão
suspiros e soluços. Era uma cenatrágica. Quandoviuquetodos se
compadeciam dela,a princesa decidiu seguir o próprio caminho.
Declarou quefaria greve defome até a morte senãoencontrassem
meiosde deixá-la vera entrada magníficade Fanfarronada na
cidade.
— S e re almente me amais– disse ela–, conseguireis isso,deuma
maneira ou de outra, e o reie a rainha jamais saberão nadaa
respeito.
A aiae asoutras choraram maisqueantes e disseram tudoo que
conseguiam pensar parademoveressaideia da princesa. No
entanto, quant o maisfalavam,maisdeterminada ela ficava,e enfim
consentiram em fazerum pequeno buraco natorre dolado quedava
defrenteparaosportõesdacidade.
Depoisde arranhar e raspar diae noite, fizeramem seguida um
buraco através do qualpodiam,com grande dificuldade, empurrar
uma agulha bem fininha, e assima princesa viua luzdo solpela
primeira vez. Ficoutão deslumbrada e encantada com o que viu,
que permaneceu ali,sem tirar os olhos do buraquinho um minuto
sequer , atéquenum instante a procissão doembaixador apareceu à
vista.
À frente dela,o próprio Fanfarronada montava um cavalo branco,
que se emproava e caracolava ao som dastrombetas. Nadapodia
ter sidomaisesplêndido doqueostrajes doembaixador . Seu manto
estava quaseescondido sobum bordado depérolas e diamantes,
suasbotas eramde ourom aciço,e de seu capacete planavam
plumasescarl ates.Assim que o viu, a princesa perdeu o juízo
completamente e decidiu que se casaria com Fanfarronada e com
nenhumoutro.
— É impossív elque seu senhortenha metade da belezae do
encanto dele.Nãotenho grandes ambiçõese, tendo passado toda a
minhavidanesta torreentediante, qualquercoisa – até mesmo uma
casanocampo– parecerá uma mudançaprazerosa. Tenhocerteza
dequepãoe água compartilh adoscom Fanfarronada me agradarão
muitomaisque frangoassado e guloseimas com qualquer outra
pessoa.
E assim continuou a falar
, falar, falar
, atéque a dama de
companhia se perguntou deondeela tiroutudo aquilo.No entanto,
quando tentaram fazê-la parar, e objetaram que suaalta linhagem
tornavaperfeitamente impossível quefizessetal coisa,elanãodeu
ouvidoseordenouquesecalassem.
Assim que o embaixador chegouao palácio,a rainha mandou
buscara filha.Todasas ruasestavam forradas com carpetes,e as
janelas
estavam cheias dedamasqueesperavam vera princesa,e
traziam
cestos deflores e doces para lançarsobre elaà medidaque
passasse.
Maltinham começadoa aprontar a princesa quandochegouum
anão,montadonumelefante.Eleveiodascincofadas,etrouxepar
a princesauma coroa,um cetro e um manto brocado deouro,com
uma anágua maravilhosamente adornada com asasde borboleta.
Também envia ram um porta-joias, tãoesplêndido que ninguém
jamaisviraalgoassimante s, e a rainha estava completamente
deslumbrada quando o abriu.A princesa, porsuavez, só deuuma
olhadinhade relance paraessestesouros, poisnãopensava em
nadasenão em Fanfarronada. O anãofoirecompensado com uma
moeda de ouro, e decorado com tantas fitas que eraquase
impossívelvê-lo. A princesamandoupara cadauma dasfadasuma
rocanovacom um fusodemadeira decedro,e a rainha disse
que
elatinha de vasculhar seustesouros e encontrar algofascinante
paraenviartambém.
Quandoa princesa arrumou ascoisas lindasqueo anãotrouxera,
estavamaislinda que nunca,e, à medidaque caminhava pelas
ruas,opovogritava:
—Comoélinda!Comoélinda!
Aprocissãoeraconstituídapelarainha,aprincesa,cincodúzi
outras princesa s, suasprimas,e dez dúziasque vieram dosreinos
vizinhos;enquanto passavamcom um passomajestoso, o céu
começoua escurecer . De repente luziuum relâmpago e começou
uma chuvatorrencial, com granizo e tudo. A rainhapôs o mantoreal
sobre a cabeça,e todas as princesas fizeramo mesmo com suas
caudas. Flor-d e-Maio estav a prestes a seguir-lhes o exemplo
quando seouviu um ganido horripilante,comodeuma imensa horda
degralhas, corvos, urubus,corujas e todas asavesdemau agouro,
e no mesmo instante uma coruja enormesobrevoou a princesae
lançou sobre elaum lenço tecido de teias de aranha e adornado
com asas de morcego. Entãoo estrépito de uma gargalhada
zombeteira ressoounosares,e imaginaram queesta eraoutradas
piadasdesagradáveisdabruxaCarabosse.
A rainha ficouapavorada com tamanho mau agouro e tentou
puxar
o lenço negrodosombrosda princesa, mas elerealmente parecia
estargrudado.
— A h! – exclamoua rainha . – Nada podesatisfazer estanossa
inimiga? De que serviu ter-lhe enviado maisdecinquenta libras
de
guloseimas,eomesmotantodomelhor,sem açúcar
mencionardois
presuntosda estfália?
W Elaestáfuriosacomosempre.
Enquanto lamentava assim,e todos estavam tão molhados como
setivessem sidotragados porum rio,a princesa ainda pensava tão
somentenoembaixador ,eexatamentenestemomentoeleapareceu
diante dela,com o rei,e houveum grande estrugirdetrombetas,e
todos gritaram mais alto que antes. Fanfarronada em geral não
ficava confusoparadizer algo,mas, quando viuquea princesa era
tão mais linda e majestosa do que esperava, elesó conseguiu
gaguejar umas poucaspal avrase esqueceucomple tamentea
arenga que tivera deaprender pormesese sabia bem o suficiente
para repeti-laaté dormindo. A fim deganhar tempo para lembrar
ao
menosparte dodiscurso, fez diversas reverências à princesa,que,
porsuavez, fez meiadúziademesuras sem parar parapensar , e
entãodisse,paraminimizarseuevidenteconstrangimento:
— S enhor embaixador , tenh
o certeza deque tudo que pretendes
dizeré encantador, uma vez queés tuquem o pretende dizer;mas
apressemo-nos ao palácio,poisestáchovendo a cântaros, e a
perversa bruxaCarabosse vaisedivertir aover-nospingando aqui.
Quandoestivermosabrigados,podemosrirdela.
Nestemomento,o embaixador recuperou a falae respondeu
corajosamente que a fadatinha evidentemente previsto as chamas
que seriam lançadas pelos olhos brilhantesda princes a, e tinha
enviado estedilúvio para extingui-las.
Então ofereceu suamão para
conduziraprincesa,eeladissegentilmente:
— Como não podesadivinhar quanto gostode ti, Senhor
Fanfarronada,souobrigada a dizer-teclaramenteque, desde que
entrastena cidade com seu lindo cavalo saltitante,
lamento que
tenhas vindofalar em nomedeoutro e nãoem teu próp rio.Então,
sepens ascomo eu, casar-me-eicontigo em lugardeteu senhor . É
claroqueseiquenãoés um príncipe, mas gostareideti como seo
fosses,e podemosmorar em qualquer cantinhodomundo, e nossa
felicidadeserátãocertaquantoumdiasegueaoutrodia.
O embaixador pensou queestava sonhando, e malpodia acreditar
no que a ado rávelprincesa dissera. Não ousouresponder , mas
apenas apertou a mão daprincesa atéque realmente machucouo
dedinho dela,mas elanãose queixou. Quandochegaramao
palácio,oreibeijouafilhaemambasasbochechas,edisse:
— Meu cordeirinho, estásdisposta a casar-tecom o filho do
grande reiMerlin, poiseste embaixador veioem seu nome para
buscar-te?
—Seteagrada,papai–disseaprincesa,fazendoumareverência.
— Também doumeu consentimento – dissea rainha.– Prepare-se
obanquete.
Issofoifeitoa toda velocidade,
e todos seregalaram, exceto Flor-
de-Maioe Fanfarronada, que, entreolhando- esqueceram-
se, se de
tudoomais.
Depoisdobanquete veio um baile e depois dobaileum ballet,eao
finalestavam todos tão cansadosque caíramno sonoondese
sentavam. Somenteos amantes estavam bem acorda dos como
ratos,e a princesa, vendoque nãohavianadaa temer , dissea
Fanfarronada:
— Apressemo-nos e fujamos,poisjamais teremos chance melhor
queesta.
Entãoelatomoua adagado rei,que estava numa bainha de
diamante, e o lençode pescoçoda rainha,e deu a mão a
Fanfarronada, que levava uma lanterna, e fugiramjunto s poruma
ruaenlameada descendo até à praia.Ali,entraram num pequeno
bote em queo pobre barqueiro dormia, e quando este acordou e viu
a adorávelprincesa, com todos osdiamantes e com o lenço deteia
dearanha, nãosabia o que pensar , e obedeceu-a nahoraquando
elaordenou que partissem. Não podiamvernem a luanem as
estrelas,mas nolenço depescoço darainha haviauma gema que
brilhava como cincotochas. Fanfarronada perguntou à princesa
ondeelagostaria de ir , ao que elarespondeu apenasque não
importavaondefosse,desdequeeleestivessejunto.
— Mas, prince sa – disse ele–, nãoousolevar-te à corte do rei
Merlin.Elejulgariaqueaforcaéboademaisparamim.
— O h, neste caso– respondeu ela–, é melhor irmosà Ilhado
Esquilo;é deserta o bastante e longe demais paraquealguémnos
sigaatélá.
EntãoordenouqueobarqueirooslevasseàIlhadoEsquilo.
Enquanto isso,raiava o dia,e o rei,a rainha e todos oscortesãos
começarama acordar , coçaros olhos e a pensarque erahorade
finalizar
ospreparativos para o casamento. A rainhaperguntou pelo
lenço de pescoço,paraque ficasse elegante.Então,houveum
corre-corre,e uma caçada portoda parte:procuraram em todos os
lugares,dosguarda-roupasaoforno,eaprópriarainhapercorreu
sótãoao porão,mas o lenço nãoestava em lugar algumem que
pudesseserachado.
Agora, o rei tinha
sentidofaltadesuaadaga,e a buscacomeçou
denovo. Abriram caixase baús cujas chaves haviamsido perdidas
há centenas deanos,e acharaminúmeras coisas curiosa
s, mas não
a adaga. O reiarrancou a barba,e a rainha arrancouos cabelos,
poisolençoeaadagaeramascoisasmaisvaliosasdoreino.
Quandooreiviuqueabuscaeravã,disse:
— N ãofaz mal, apressemo-nos e preparemos o casamento antes
quealgomaisseperca.
E então perguntou ondeesta vaa princesa. Nessahora,a aiadeu
umpassoàfrenteedisse:
— Senhor , tenho-procurado
a nasúltimas duashoras,mas ela não
estáemlugaralgum.
Issoeramaisdo quea rainha podia suportar
. Eladeuum sinal de
alarmee desmaiou,e tiveram dederramar doisbarris deágua de
colôniasobrea cabeçadel a antes que se recuperasse. Quando
voltou
a si, todosestavam procurando a princesaem grandeterror e
confusão,mas,comoelanãoapareceu,oreidisseaseupajem:
— Encontra o embaixador Fanfarronada, que sem dúvida está
dormindoemalgumcanto,edize-lheasmásnotícias.
Assimopajemcaçouatortoeadireito,masFanfarronadatambé
nãopôde serencontrado, assimcomo a princesa, a adagae o
lenço!
Entãoo rei convocouos conselheiros e os guardase,
acompanhado pelarainha,dirigiu-seao salão central.
Como não
tevetempodeprepararodiscursodeantemão,oreiordenouqu
guardasse silêncio
portrês horas.Ao final deste período,disse o
seguinte:
— Ouvi, nobres!Minha filhinha Flor-de-Maiosumiu: se foi
sequestrada ou se simplesmente desapareceu, nãoseidizer . O
lençode pescoçoda rainha e tambémminhaadaga, cujo valor é
pesado em ouro,desapareceram, e, o piordetudo, nãose achao
embaixador Fanfarronada em parte alguma.Temo muitíssimo queo
rei,seu senhor , pornãoreceber notícias a respeito dele,há de
procurá-loent renós, e acusar-nos-áde ter feitopicadinho dele.
Talvezeu pudesse suportarisso setivesse dinheiro,mas asseguro-
vosque as despesas do casamento arruinaram-me porcompleto.
Aconselhai-me, meus prezados súditos,o queé melhor que eu faça
pararesgatarminhafilha,Fanfarronadaeasoutrascoisas.
Estefoi o discurso mais eloquente que o reijamais fizera, e
quandotinham expressado sua admiração, o primeiro-ministro
respondeu:
— Senhor , todos lamentamos vervosso sofrimento. Daríamostudo
quemaisestimamos nomundopara acabar com vossa aflição,mas
esta pareceoutro dosardis dabruxaCarabosse. Os vin teanosde
azarda princesa ainda nãose cumpriram e de fato,verdade seja
dita,noteique Fanfarronada e a Princesaadmiravam-se
grandemente um ao outro. Talvezissodê algumapista do mistério
deseudesaparecimento.
Aquiarainhainterrompeu-o,dizendo:
— Cuidado com o que dizes , senhor. Crê-me, a princesa Flor-de-
Maio foi educada demaisparapensar em apaixonar- esporum
embaixador .
Nessemomento,a aiaadiantou-e, seprostrando- diante
se dela,
confessou como tinham feito um buraquinho na torre e como a
princesadissera, quando viuo embaixador , quesecasaria com ele
e com ninguémmais. Então a rainha enfureceu-se e deuà aia,ao
embalador doberçoe à babá tal repreensão que os fez tremer da
cabeçaaospés.Masoalmirante ricórnio
T interrompeu-a:
— Vamos atrás deste Fanfarronada imprestável, poissem dúvida
elefugiucomnossaprincesa.
Houve,então,umgrandeaplausoetodosgritaram:
—Certamente,vamosatrásdele!
Enquanto rumavam parao mar, os outros corriam de reino em
reino tocando tambores e estrugindo trombetas, e, sempreque
reuniamumamultidão,bradavam:
— Quem quiser uma lindaboneca,guloseimas detodos os tipos,
uma tesourinha, um mantodourado, um chapéude cetim,tem
apenas de dizerondeFanfarronada escondeu a princesa Flor-de-
Maio.
Masarespostasempreera:
—T ereisdeiradiante,nãoosvimosporaqui.
Entretanto, aquelesque forampormar tiveram melhor fortuna,
porque,depois denavegar poralgumtempo,perceberam uma luz
diante deles,que ardia como um grande fogo. A princípio,não
ousaramaproximar-se dela,mas poucodepois elaficouparada
sobrea Ilhado Esquilo,pois, como já adivinhais, a luz estava
brilhando na gema. Quando a princesa e Fanfarronada
desembarcaram na ilha,deramao barqueiro uma centena de
moedasde ouroe fizeram-noprometer solenemente nãocontar a
ninguémparaondeos tinha levado;mas a primeira coisaque
aconteceu foique, conforme remavade volta, entrou no meioda
esquadra, e antes quepudes seescapar, o almirante viu-oe enviou
umbarcoatrásdele.
Enquanto erarevistado,
encontraram as moedasdeouroem seu
bolso e, uma vez que as moedaseramnovas,cunhadas em honra
do casamento da princesa,o almirante teve certeza de que o
barqueiro havia sidopagopela princesaparaajudá-la em suafuga.
Aindaassimnãorespondia nenhumapergunta e fingia-sedesurdo
emudo.
Entãodisseoalmirante:
— Ah, eleé surdo e mudo? Amarrai-o ao mastro e dai-lhe
um
gostinho dochicote denovepontas.Não conheço nadamelhor do
queissoparacurarumsurdoemudo!
Quandoo velho barqueiroviuque o almirante falavaa sério,
contou tudo que sabiaacerca docavalheiro e dadamaque levara
atéa Ilhado Esquilo,e o almirante sabiaque haviamde sera
princesa e Fanfarronada; entãoordenou quea esquadra cercassea
ilha.
Enquanto isso
, a princesa Flor-de-Maio,que a essaaltura estava
muito sonolenta, encontrara uma campina verdejante napenumbra
e deixara-se cairnum sonoprofundo, quandoFanfarronada, que
estava com fome e sem sono, veioacordá-ladizendomui
grosseiramente:
— Dize-me, madame, quanto tempopretendes ficaraqui? Não
vejonadaquecomere, embora sejasmuito charmosa, olharparati
nãomeimpededemorrerdefome.
— O quê?! Fanfarronada – dissea princesa, sentando-se e
coçando osolhos –, é possívelqueenquanto estou contigoqueiras
algumaoutra coisa?Tinhas depensar todo o tempo em quãofeliz
estás!
— F eliz!– bradou. – Eu diria antesinfeliz.
Desejode todo o
coraçãoqueestivessesdevoltaemtuatorreescura.
— Q uerido, nãofiqueszangado– disse a princesa. – Vereise
encontroalgumafrutasilvestreparati.
—Queencontresumloboquetedevore–rosnouFanfarronada.
A prince sa, com grande desalento, correuaquie acoláportodo o
bosque,rasgando o vestidoe machucando suasmãozinhas brancas
em espinhose abrolhos, mas nãoencontrou nadade bom para
comer , e enfim, tomada de pesar, tevede voltara Fanfarronada.
Quando elea viu de mãos vazias, levantou-se e deixou-a
resmungandoconsigo.
Nodiaseguinte,procuraramdenovo,massemmelhorsorte.
— A i de mim! – disse a princesa. – Se tão somente pudesse
encontrar algoparacomeres,nãopensaria queeu mesma também
estoufaminta.
—T ampoucoeupensarianisso–respondeuFanfarronada.
— É possível – disse ela– que nãoteimportes se eu morrer de
fome?Ó,Fanfarronada,dissestequemeamavas!
— Issose deuem outro luga re eu nãoestava com fome – disse
ele. – Faz uma grandediferença nas ideias de alguém estar
morrendodefomeedesedenumailhadeserta.
Nessahora,a princesa ficouterrivelmente aflita,
e sentou-se sob
umaroseirabrancaecomeçouachoraramargamente.
— F elizes asrosas!– pensou consigo. – Basta quefloresçam à luz
dosol e sejam admiradas, e nãohá quem lhes seja indelicado– as
lágrimascorreram porseu rosto e respingaram nas raízesda
roseira.Imediatamente, a princesa surpreendeu-em se vertodo o
arbusto sussu rrar
e chacoalhar-se, e a voz suavedo botão mais
lindodisse:
— Pobreprincesa! Olhano tronco daquela árvore e encontrarás
um favo de mel, mas não sejas tolade compartilhá-com lo
Fanfarronada.
Flor-de-Maio correuatéa árvore e defato havia mel. Sem perder
um segundo, correucom ele até Fanfarronada gritando
alegremente:
— V ê, aquiestáum favodemelqueencontrei. Podiatê-locomido
sozinha,maspreferidividi-locontigo.
Sem olh arparaela e sem agradecer , eletomou-lhe dam ãoo favo
de mele comeu-o todo de uma vez, sem oferecer a ela nem um
pouquinho. De fato,quandoa princesa pediuhumildemente um
pouco, Fanfarronada disse zombeteiramente que eradocedemais
paraelaequelheestragariaosdentes.
Flor-de-Maio,mais abatida que nunca, dirigiu-se, triste,
a um
carvalho a cujasombra sesentou, e suaslágrimas e suspiros
eram
tãocomoventes que o carvalho refrescou-coma suas folhas
sussurrantesedisse:
— Sê valente, lindaprincesa, nem tudo estáperdido. Toma este
jarrodeleite e bebe-o. E, haja o que houver, nãodeixesuma gota
paraFanfarronada.
A princesa, muitosurpresa, olhouem volta e viuum jarro cheio de
leite,mas antes que o levasse aos lábios,pensar em como
Fanfarronada devia estarcom sededepois de comerpelo menos
quinzelibrasdemelafezcorrerdevoltaparaeleedizer:
— Eis um jarro deleite.Toma um pouco,poisdecerto estáscom
sede. Mas rogo que deixesum pouco paramim, poisestou
morrendodefomeedesede.
Ele, porém, pegou o jarro e bebeutodo o seuconteúdo num gole
só, e então o partiu em pedaços numa pedra,dizend o com um
sorrisomalicioso:
—Comonãocomestenada,nãopodesestarcomsede.
— Ah! – suspirou a princesa. – Estou sendopunidapor
decepcionar o reie a rainha e porfugircom este embaixador a
respeitodequemnadasabia.
Ao dizerisso,afastou-se paraa parte maisdensado bosquee
sentou-sesob um espin heiro, onde um rouxinol cantava.
Imediatamente,ouviu-odizer:
— P rocura sob o arbusto, princesa; encontrarásum poucode
açúcar, amêndoase algumastortas ali.Mas nãosejas bobade
ofereceraFanfarronada.
Destavez, a princesa, que estava desmaiando de fome, ouviuo
conselho do rouxinol e comeu sozinhatudoque encontrou.
Fanfarronada, vendoque elatinha encontrado algobom e não
estava indo dividircom ele,correu atéela com tamanha fúriaquea
princesa rapidamente apertou a gema da rainha, a qualtinha a
propriedade de tornar as pessoasinvisíveis se estivessem em
perigo.Quandojá estava escondida dele e segura,repreendeu-o
gentilmenteporsuaindelicadeza.
Enquanto isso, o almirante Tricórniodespachara o Marinheiro-
Tagarela-das-Botas-de-Palha, o mensageiro a serviço do primeiro-
ministro,paradizerao reique a princesa e o embaixador haviam
desembarcado naIlhadoEsquilo,mas que, sem conhecer o país,
nãoos seguiu , temendo sercapturado porinimigos ocultos. Suas
Majestades ficaramfelizescom a notícia,e o rei
mandoubuscar um
grande livro,
cadafolha com oitovaras decomprimento. Era a obra
de uma fadamuito inteligen
tee continha a descrição de toda a
Terra.ElelogodescobriuqueaIlhadoEsquiloestavadesabitad
— Vai– disseeleaoMarinheiro- agarela
T – e dizeaoalmi rante que
desembarque deuma vez. Estousurpreso pornãoter ele feitoisso
maiscedo.
Assimque essamensagemchegouà esquadra, fizeramtodos os
preparativos
paraa guerra,e o barulho eratãogrande quealcançou
osouvidos daprincesa, queimediatamente voouparaproteger seu
amado. Como nãoeramuito corajoso, esteaceitoua ajuda debom
grado.
— Fica atrásdemim – disse ela–, e segurareia gema que nos
manterá invisíveis
e, com a adagado rei,possoproteger-do te
inimigo.
Então,quandoos soldados desembarcaram, nadapodiamver ,
mas a princesa tocou-os um porum com a adaga, e caíram
inconscientes
na areia,demodoque, enfim, o almirante, vendo que
haviaalgumencantamento, rapidamente deuordens derecuar por
razões de segurança,e encaminhouseushomensde volta às
embarcações,sobgrandeconfusão.
Fanfarronada,sendomais uma vez deixadocom a princesa,
começoua pensar que, se conseguisse livrar-dela
se e tomasse
posseelemesmo da gema e da adaga, poderia escapar . Então,
enquanto caminhavam porum despenhadeiro, tentou empurrar a
princesacom todaforça,esperando queela caíssenomar; ela,no
entanto,esquivou-secom tanta agilidadeque tudo que aconteceu
foielemesmo desequilibrar-
se, caire afundar-senomarcomo um
pedaçodechumbo, e nuncamaisse ouviufalar dele.Enquanto a
princesaaindaestava procurando- tomada
o dehorror, o barulho de
uma agitaçãochamou-lhe a atenção e, olhandopara cima, viuduas
bigasaproximarem-se,vindas dedireções opostas. Uma, brilhante e
reluzente,
eramovidaporcisnes e pavões, enquanto a fadanela
assentada eralindacom um raio de sol;a outra eram ovida por
morcegos e corvose traziauma anãzinha assustadora, vestida de
pele decobra e com um grande saposobre a cabeçacomo capuz.
As duasbigasencontraram- e numa
s batida assustadora nosares,e
a princesaobservava angustiada e sem arenquanto sedesenrolava
uma batalha violentaentrea fadaadorável com sualança deouro e
a anãzinha medonhacom sua alabarda enferrujada. Logo ficou
evidente que a Bela estava levando a melhor , e a anãvirou a
cabeça dos morcegose partiram em retirada com grande
estardalhaço, enquanto a fada desceuparao lugar em que a
princesaestavaedisse,sorrindo:
— V ês, princesa, derroteidefinitivamente aquela velha malvada
Carabosse. Acredita!Eladefato queria exercer autoridade sobreti
parasempre, porquesaís teda torre quatro diasantes de
completarem-seosvinteanos.Noentanto,achoquedeiumjeito
suaspretensões, e espero que sejas muitofelize desfrutes a
liberdadequeconquisteiparati.
A princesa agradeceu de todo coração,e em seguida a fada
despachou um dospavõespara seupalácio, a fim dequetrouxesse
um manto lindíssimoparaFlor-de-Maio,quedecerto precisava dele,
poiso dela estavatodo rasgado pelos espinhos e abrolhos.Outro
pavãofoienviado ao almira nte,paracontar-lhe que agorapodia
desembarcar em perfeitasegurança, o que elefez imediatamente,
trazendo consigo todosos seushomens,atémesmo o M arinheiro-
Tagarela,que, passando pelo espeto em que o jantar doalmirante
estavaassando,arrebatou-oetrouxe-oconsigo.
O almirante Tricórnio
estava muitíssimo surpreso quando chegouà
biga de ouro, e aindamais em verduasmoças encantadoras
caminhando sob asárvores um poucoà frente. Quandochegouaté
elas,é claroquereconheceu a princesa e prostrou-ase seuspés e
beijou-lhea mão com grand e alegria. Então elaapresentou-a lhe
fadae contou- lhecomo Carabosse finalmente foraderro tada, e ele
agradeceu e parabenizou a fada, a quallhefoi muitoamável.
Enquantoestavamconversando,elagritouderepente:
—Sintoocheirodeumsaborosojantar!
— Sim, madame, ei-loaqui – disseo Marinheiro- agarela,
T
segurando o espeto em que faisõese perdizes crepitavam. –
Queresprovaralgumdeles,Alteza?
— Sem dúvida – dissea fada –, especialmente porque a princesa
certamenteficaráfelizemterumaboarefeição.
Então o almirantemandouprovidenciar tudo queeranecessário, e
festejaram alegremente sobasárvores. Quandoacabaram, o pavão
tinhavoltado com um manto paraa princesa, em que a fadaa
vestiu.Era verde brocado deouro,adornado com pérolas e rubis,e
seuslongos cabelosdourados estavam amarrados com fitas de
diamantes e esmeraldas, e tr
aziamuma coroa deflores.A fadafê-la
montar ao seulado nabigadeouroe levou-a bordo donavio do
almirante,ondesedespediram. A fadamandoulembranças à rainha
e pediuà prin cesaque lhecontasse que foi a quinta fadaque
comparecera aobatismo. Saudaram-se,a esquadra içouâncoras e
logochegaram ao porto.Alio reie a rainha esperavam,e
receberam a princesa com tanta alegria e bondade que elanão
tinhapalavras paradizer o quanto estava arrependida deter fugido
com um embaixador tão pobredeespírito. Mas, nofinaldascontas,
issotam bém deveter sidoculpa de Carabosse. Nessemomento
auspicioso, quem estava parachegarerao filho dorei Merlin, que
ficarapreocupado pornãoreceber notíciasde seu embaixador e
começara elemesmo, com uma escolta de milcavaleiros e trinta
guarda-costas em uniformes escarlates e dourados, a investigaro
que podiater acontecido.Como eleeracem vezesmaisbonito e
maiscorajoso queo embaixa dor, a princesaachouquepodiagostar
muito dele.Então,o casamento foiconsumado de uma vez, com
tantoesplendo r e júbilo
que todos os infortúnios
passados foram
completamenteesquecidos. [10]

[9] NoHemisférioNorte,oaugedaprimaveraénomêsdemaio.
[10] La Princesse Printaniere,deMme.d’Aulnoy.
OCastelode
SoriaMoria

RAUMAVEZ umcasaldevidasimplesqueteveumfilhode
nome Halvor . Desde o princípio,foi eleum garotinho
indesejosode levar a cabotodo e qualquer trabalho;
tudoo que faziaerasentar-no se meiodascinzaspara
remexê-las.Seuspaisqueriam queaprendesse muitascoisas,mas
em lugarnenhumHalvor permanecia; após doisou trêsdias,
sempreescapava deseumestre, corriaparacasae sentava-se no
cantodachaminéparacavoucarascinzasnovamente.
Certa feita,
noentanto, o capitãodeum navio veioter
com elee
lheperg untouse nãogostaria deacompanhá-lo maradentro,a fim
de contemplar terras estrangeiras. E, uma vez que o menino
gostariadefazê-lo,nãotardouparaqueseaprontasse.
Por quantotemponavegaram,desconheço,mas após um
longuíssimo período,veiouma tempestade pavorosa.Quando
terminou e tudoregressou à calmaria, elesnãosabiamonde
estavam, poistinhamsidolevados a uma costa estranha,
da qual
ninguémtinhaconhecimentoalgum.
Como nãohaviavento, todos simplesmente ficaramimóveis,ao
queHalvor pediuautorização aocomandante para descer
à costa e
observar em derredor , poispreferia fazerissoa ficar ali deitado e
dormir .
— Porv entura tejulgas em condição deiraonde possamver-te? –
disse o comandante. – Não tens trajealémdestes trapos com que
andasporaí.
Halvor continuou a implorar porsua permissão, conse guindo-a
enfim; no entanto, deveria retornar tãologoo vento começasse a
soprar .
Elefoientão à costa. Tratava-deseregião encantadora; ondequer
queestivesse, encontrava planícies amplas,com campose prados,
mas nãovianinguém. O vento começoua soprar em seguida,
porémHalvor achavaque ainda nãotinha visto
o basta nte e quis
caminhar um poucomais, a fim detentar encontraralguém. Então,
após breveperíodo,deparou-se com uma grandeestrada, tão
aplanada que seria possível rolar porali um ovosem quebrá-lo.
Halvor caminh oue, quando a noite seaproximou,viuà distância um
enorme castelo em que havia luzes.Como estivera andando o dia
todoe não trouxera nada consigopara comer , sentia-se
terrivelmente faminto. Não obstante, quanto maischegavaperto do
castelo,maisseumedocrescia.
Aliesta va acesauma lareira. Halvor adentroua cozinha,que era
maissuntuosa doquequalquer outra queele jamais contemplara e
ondehaviavasilhames deouroe prata, mas nenhumserhumano.
Estando Halvor no local já há certo tempo,sem que, porém,
ninguémaparecesse, elese introduziu e abriuuma porta. Do lado
dedentro,umaprincesaestavasentadaàsuaroda . defiar
— M as quê!? – gritou ela.– Porventura um cristãozinho podevir
atéaqui?! O melhor que podesfazeré retornar; casocontrário, o
trollchegaráparadevorar-te!troll Um comtrêscabeçasmoraaqui.
— A mim, seria igualmente agradável se tivesseoutras quatro,
poisme divertiria muito ao vê-lo – declarou o jovem.– Tampouco
partirei, poismalnenhumcometi. Deves, porém, dar-mealgopara
comer ,poisestouterrivelmentefaminto.
Halvor satisfeit
o, a princesa quissaber seele poderia empunhar a
espada que pendia dapared e, mas o menino nãoconse guiu. Não
eracapazsequerdeerguê-la.
— Nesse caso, devesbeberdaquela garrafa que pendea seu
lado,poisé issoo que o troll faz sempreque saie deseja usara
espada–disseaprincesa.
Halvor deuum golee, num instante, viu-secapaz de meneara
espada com grande tranquilidade.Pensava,então, que já estava
passandodahorade troll
o darascaras,e foinesse exato momento
queeleapareceu,ofegante.
Halvorsepôsatrásdaporta.
— Hutetu! – disse o troll ao passar a cabeçapela porta. – Pelo
cheiro,osanguedeumcristãoesteveaqui!
— Você logodescobrirá que sim! – exclamouHalvor , que cortou
todasassuascabeças.
A princesa ficoutão contente aoseverliberta quesepôs a dançar
ecantar,maslogorecordou-sedesuasirmãsefalou:
—Ah,seaomenosminhasirmãstambémestivessemlivres..
—Ondeseencontramelas?–quissaberHalvor .
Então a princesalherespondeu. Uma foralevada porum troll até
seu castelo, que ficavaa seismilhas de distância; a outra fora
conduzidaaumcastelolocalizadomaisnovemilhasadiante.
— No entanto – disse ela–, devesantes me ajudar a tirareste
cadáverdaqui.
Halvorestava tãoforte que retirou tudode vista e muito
rapidamente limpou e arrumou todas as coisas.Ambos, felizes,
então comerame beberam,e namanhãpróximao jovem partiusob
a luzparda doalvorecer . Halvornãosedeudescanso, caminhando
ou correndo ao longo de todo o dia. Quandoavistou o castelo,
tornou a ficarum poucotem eroso.Era muito maisesplêndido do
queo outro, mas tambémali nãohavia serhumanoà vist a. O jovem
então adentrou a cozinha,ondemaisuma vez nãose demorou,
passandodireto.
— M as o quê! Porventuraousaviratéaquium cristão
zinho?! –
gritou a segund
a princesa.
– Já nãome recordo
o quanto
sepassou
desde queeumesma cheguei,mas durantetodoessetempo jamais
vicristão.Melhorserásepartires
o quanto
antes,
poismoraaquium
trolldeseiscabeças.

— Não partireidemodoalgu m – disse


Halvor
. – Não o faria
nem
seeletivesseoutrasseis.
—Maseleteengolirávivo!–decretouaprincesa.
As pala
vrasdela,porém, foramem vão, poisHalvornãopartiria.
Não temiao troll, mas desejava
um poucode carne e algopara
beber
, poisa viagemlhefizerafaminto.Ela então lhedeutanto
quantobastavaetentou,maisumavez,convencê-lo . apartir
— De modoalgum– disse H alvor
. – Não partirei porque nadafiz
deerrado,enãotenhomotivosparatermedo.
— Elepoucose importará com isso– disse a princesa–, poisse
apoderará de tiimpiedosamente. Como, porém, nãodesejas ir,
tenta, se forescapaz, empunhar aquela espada que o troll usaem
combate.
Halvor nãoconseguiu manejar a espada;disse-lhe a princesa,
portanto, quebebericasse dofrasco quependia a seulado. Ao fazê-
lo,ojovemsemostroucapazdeempunharaarma.
O troll chegoulogo em seguida, e eratão grande e corpulento que
seviaforçado a ficardelado paraadentrar a porta.Assimquesua
cabeçapassouporela,elebradou:
— Hutetu!Sintoaquiodordesanguecristão!
Com isso,Halvor cortou-lhe a primeira cabeça,passando então às
outras.A princesa ficou profundamente contente, mas logo
recordou-se desuasirmãs e desejou que tambémelas estivessem
livres.H alvorjulgou que seria possível consegui-lo e quispartir de
imediato, mas nãosem antes ajudar a princesa a remover o corpo
dotrolldali.Porisso,sóconseguiuviajarnamanhãseguinte.
O caminhoqueconduzia aocastelo eralongo,e parachegar ali a
tempo foinecessário caminh are correr . Avançada a noite, o jovem
enfimo avistou, e eramuito maisdeslumbrante do que os outros
dois. D essa vez, ademais,Halvor não ficou nem um pouco
apavorado, adentrando a cozinhae seguindo diretoparaa parte de
dentro, ondeuma princesa maisbela doquequalquer outra estava
sentada. Elavoltou a dizer o mesmo queasanteriores haviamdito,
istoé, quejam aisum cristãozinho estivera naquele lugar desde sua
chegada.Em seguida, rogou -lhequeretornasse, sobo risco deque
um troll o comessevivo. O troll ti nhanovecabeças, disse- lhea
princesa.
— Se ele tivesseainda outras novealémdasnove,e atémesmo
maisnove,eu nãopartiria – respondeu Halvor, queentão sepôs ao
ladodaestufa.
Graciosamente, a princesa suplicou que regressasse, a fim de
evitarquefossedevorado troll;pelo
Halvor,noentanto,declarou:
—Deixaqueelevenhaquandobementender!
Ela então lheofereceua espadado troll e ordenou que
bebericassedofrascoparaconseguirmanejá-la.
Nessemesmo instante chegouo troll, resfolegante. Muito maior e
maisrobusto doqueosoutro s, tambémprecisou ficardelado para
passarpelaporta.
— Hutetu!Quecheirodesanguecristãosintoaqui!–exclamou.
Halvor cortou-lhe em segui da a primeira cabeçae passouàs
outras.A última eraa maisrija e o obrigou ao maisárduotrabalho
quetivera delevar a cabonavida,mas o jovem nutriaa certeza de
queeraforteobastanteparaconsegui-lo.
Todasasprincesas foramentão aocastelo e voltarama sereunir.
Jamaishaviamficado tãofelizes! Estavamtambémfascinadas com
Halvore Halvor com elas,demodoqueele deveriaescolhera que
maislh e aprouvesse. Das três irmãs,contudo, a maisnovaeraa
quemaisoamava.
Halvor,porém,mostrava-setãoestranho,pesarosoequietoquea
princesas quis
eramsaber seele sentia saudades dealgo e senão
gostava deestar com elas.H alvor respondeu quegostava, sim, pois
elastin ham o bastante paravivere elese sentia um tanto
confortável ali;no entanto, ansiava porirparacasa, uma vez que
seupaie suamãe estavam vivos e ele nutria
forte
desejo devê-los
denovo.
Segundoasprincesas, tratava- de
sealgoquepodia serfeito com
facilidade.
— Irás e voltarás em plena segurança seseguiresnosso conselho
–comentaram.
Halvor então lhesdisseque não farianadaque elasnão
quisessem.
Em seguida,as princesas o vestiram de modo tão deslumbrante
que eleficouparecido com o filho deum rei.Num deseusdedos,
puseramum anel que lhepermitiria ire voltar quandoassimo
desejasse, mas o alertaram dequenãodeveria nem jog
aro objeto
fora,nem dizer a outrem como elas se chamavam. Casocontrário,
todaasuamagnificênciateriafimeelejamaisasverianovamen
— Ah, mas se eu estivesse em casamaisuma vez, ou se minha
casaficasseaqui..–exclamouHalvor .
Tãolog o expressou seudesejo, foiatendido. Antesquecaísseem
si, pegou-sedolado deforadacasadeseupaie desua mãe. A
escuridão da noite caía, e quandoseus paisviramentrar um
estranho tão sublime e altivo, ficaram detal modoespan tados que
passaramafazer-lhereverências.
Halvor perguntou-lhes se poderia passar a noite ali.De modo
algum:
—Nãotemoscondiçõesdevosoferecerabrigo–,disseram,–uma
vez que nãopossuímosnada do que é necessário quandose
recebe um grande lordecomo o senhor . Melhor seráquesubais até
a fazenda.Elanãoficalonge;é possível veraschaminés daqui.Lá
osenhorterátudoemabundância.
Halvor nãodeuouvidos a nadadaquilo. Estavadeterminado a
permanecer ondeestava. Os dois,porém, nãoarredaram o pé e lhe
disseram quedeveria seguir atéa fazenda,ondepoderia conseguir
carne e bebidas,ao passoque eles nãopossuíamsequer uma
cadeiraparalheoferecer .
— Nadadisso – disseHalvor . – Nãoirei paralá até
queamanheça;
deixai-mepassaraquianoite.Possomesentarpelalareira.
Não haviacomo seopor àqu ilo,e assimHalvor sesentou pertoda
lareirae começoua cavouca ras cinzascomo costumava fazerno
passado,quandoficavaaliapassarotempo.
Os doisfalaram muitoe sobr e muitas coisas,contando-lhe oraisto,
oraaquilo..Porfim,Halvorquissabersehaviamtidofilhos.
— Sim – responderam-lhe. Tinhamum meninochamadoHalvor ,
mas não sabia m para ondeforae sequer eramcapazesde dizer se
estavamortoouvivo.
—Mas..porventuranãoseriaeu?–perguntou. Halvor
— Eu o conhe ço muitobem – disse a senhora, pondo-se depé. –
NossoHalvor eratão desocupado e preguiçoso que nadafazia!
Além disso,er a tão maltrapilho
que um furose ligava a outro em
toda a suarou pa. Alguém como elejamais se tornaria
um homem
comoosenhor .
Logo em seguida,a senhora teve deirà lareiraa fim deatiçar o
fogo; e, assimque a labareda iluminou Halvor, como costumava
fazerquandoele permanecia em casacavoucando ascinzas,ela o
reconheceu.
—Deusdocéu!Halvor,éstu?–disse,eosdoisforamtomadosde
uma felicidade tão grande que nãohavia limitesparaela . O jovem
teveentãodecontartudooquelhehaviaocorrido,easenhora
tão contente que quislevá-loatéa fazendaa fim de exibi-lo às
garotas queoutrora o tinhamdesdenhado. Elafoinafrent e e Halvor
a seguia.Quandochegoulá, contou-lhes como Halvor retornara
paracasaequeagoraveriamoquãodeslumbranteestava.
—Pareceumpríncipe!–declarouela.
— Vere mos que se trata do mesmo maltrapilho de sempre!–
disseramasgarotas,meneandoacabeça.
Nessemesmo instante entrou Halvor , e as garotas ficaramtão
desconcertadas que deixaram suastúnicas aospés dachaminée
fugiramtrajando tãosomente as anáguas. Quandoretornaram,
estavam tãoconstrangidas que malousavamolhar parao rapaz,
diante de quem haviam sempre se mostrado orgulhosas e
arrogantes.
— Mas, ah!, vosjulgáveis tão belas e tão delicadas que ninguém
vospoderia igualar – disse Halvor. – No entanto, deveríeis vera
princesa mais velhaque libertei. Pareceis meraspastoras se
comparadas a ela,e a segunda tambémé muito maisbela quevós.
A m aisnova, porém, que é a donado meu coração, superaem
belezatanto o solquanto a lua.. Como gostaria que estivessem
aqui,paraquepudésseiscontemplá-la!
Mal elehaviadito isso, estavamelasa seu lado.Halvor , no
entanto,ficouprofundamente triste,
poisaspalavras queastrês lhe
haviamditovieram-lheàcabeça.
Na fazenda, um grandebanquete foi logopreparado paraas
princesas, a quem muitas reverências eramprestadas; elas,porém,
nãoqueriamficarporali.
— Desejamosdescer atéa casadosteus pais– disseram a
Halvor
.–Sairemosecontemplaremosoqueháaoredor .
Ele as acompanhou atéo lado de fora,e todos chegarama um
grande lagopróximoà casadafazenda.Muito perto daágua havia
um belobancode corverd e, no qualas princesas quiseram se
sentar durante uma hora,poisacreditavam queseria aprazível ficar
alieobservaraágua.
Elasali sesentaram. Passado poucotempo,a princesa maisnova
declarou:
—Gostariatambémdepentearumpoucoteucabelo, . Halvor
Então Halvor repousou a cabeçaem seucolo,elao penteou e,
muitoem breve,ele adormec eu. Em seguida, ela retirou dele o anel
ecolocounolugaroutro,dizendoàsirmãs:
— Abraçai-medo mesmo modo como vos estou abraçando.
GostariaqueestivéssemosnoCastelodeSoriaMoria.
QuandoHalvor acordou, descobriu quehavia perdidoasprincesas
e começoua chorar e se lamentar . Estavatão infeliz que seria
impossível consolá-lo.A despeito dassúplicas deseupaie desua
mãe, elenãoquispermanecer; antes, despediu-se deles e disse-
lhesquejamais osveria novamente, pois,casonãoencontrasse as
princesasmaisumavez,vivernãolhevaleriaapena.
Tendoconsigo trezentos dinheiros, Halvor os colocou no bolso e
partiu.Uma vez percorrida certa distância,encontrou um homem
com um cavalo aceitável.
Porqueansiava porcomprá-lo,começoua
barganhar .
— Bem.. Eu nãocheguei a cogitar vendê-lo.. – disse o homem. –
Massechegássemosaumacordo,quemsabe..
Halvorperguntouoquantoeledesejavapeloanimal.
— Foi poucoo que deiporele,e de fato nãovale muito;para
montar, trata-de se cavalo excelente, mas nãoconseguepuxar
nada;sempreserácapaz, noentanto, detransportar
tuasacolacom
asprovisõesetambémtu,casoalternesentrecaminharemontá
Chegaramenfima um acordo quanto ao preço,e Halvorpôs a
sacola sobre o cavalo.Às vezes caminhava, às vezesmontava o
animal. À noite,deparou-secom um campoverdejante, ondeerguia-
se uma enorme árvore,soba qualse sentou. Em seguida,deixou
soltoo cavalo e deitou-separa dormir, mas nãosem antes retirar
do
animalasacola.
Ao alvorecer, Halvor partiu
denovo,poisnãosesentia disposto
a
descansar mais. Caminhou e montou o diainteiro,
através deuma
extensa floresta com trechos verdes enormes que cintilavam
de
modoum tanto deslumbrante entre as árvores.Elenãosabia onde
estava nem paraondeseguia,mas jamais sedemorava, aochegar
a um desses trechos verdej
antes, maisdo que o necessário para
que o cavalo se alimentasse um pouco, enquanto elemesmo se
valiadesuasacoladeprovisões.
Halvor caminhou e cavalgou assim, sob a impressão de que a
floresta jamaisencontrariatermo. Entretanto,na noitedo segundo
dia,pôdeenfimvislumbrarumaluzporentreasárvores.
— S e ao menoshouvesse gente ali,eu poderiame aquecer e
conseguiralgoparamealimentar–pensou.
QuandoHalvor chegouao local donde a luzvinha,avistouuma
casinha deplorável,porcuja vidraça pôde verum casal deidosos.
Pareciam osdois muitovelhos,grisalhos comopombos,e o narizda
senhoraeratãocompridoqueelasesentavaàchaminéeoutiliz
paraatiçarofogo.
— Boanoite, boanoite!– disse a velha maltrapilha.
– Que encargo
poderia trazer-tea estasbandas?Maisdecem anosse passaram
desdequepisouporaquiumcristão.
Halvor contou-lhequedesejavachegar aoCastelo deSoria Moria
equissaberseelaconheciaocaminhoatélá.
— N ão– resp ondeu a velha –, o caminhoeu desconheço, mas a
Lua log o se fará presente;
eu lheperguntarei e elano-losaberá
dizer . A Lua podevero castelo com facilidade,
uma vez que brilha
sobretodasascoisas.
Quandoentão a Lua se fez clara e cintilante
sobre a copadas
árvores,avelhasaiu.
— Lua! Lua! – gritou. – Não poderias revelaro caminhoparao
CastelodeSoriaMoria?
— N ão – res pondeua Lua –, issonãovos possodizer , pois
quandolábrilhei,haviadiantedemimumanuvem.
— Esperaum poucomais– disse a velha
a Halvor –, poiso Vento
do Oestelogose fará presente. Ele saberáa resposta , uma vez
que,suavementeounão,sopraportodaparte.
E,aovoltarparadentro:
— Mas quê!? Tensum cavalo também?Ah! Solta o pobrezinho em
nosso pequeno pasto cercado. Não o deixesfaminto à nossaporta!
Será que nãoo trocarias comigo? Temos aquium parde botas
velhas,com as quaispode s percorrer seisquilômetros num só
passo.Ficacom elas em tro
ca pelo cavalo,
e assimchegarásmais
rapidamenteaoCastelodeSoriaMoria.
Halvor anuiusem pensar duas vezes, e tão contente ficoua velha
comocavaloqueesteveprestesa. dançar
—Poisagoratambémeuconseguireicavalgaratéaigreja–disse
Halvor nãodesejava descansar e quispartirdeimediato. A velha,
noentanto,disse-lhequenãohaviamotivoparapressa.
— Deit a-tesobreo bancoe dormeum pouco, poisnãotemos
cama algumaa oferecer-te – declarou ela.– Ficarei à espera do
VentodoOeste.
Em poucotem po, chegouo Vento doOestecom um rugid o tãoalto
quefezasparedesrangerem.Avelhasaiuebradou:
— Vento doO este! Vento doOeste!Podesrevelar-nos o caminho
parao Castelo deSoria Moria? Há alguémaquique gostaria deir
atélá.
— S im, eisque o conheço bem – disseo Vento do O este.– É
exatamente paralá que sigo, a fim de secaras roupas parao
casamento que ocorrerá. Caso tenha pés velozes,o interessado
poderáacompanhar-me.
Doladodedentroprecipitou-se . Halvor
— Prec isarás serrápido casoqueiras ircomigo– decretou o Vento
doOeste,queentão sepôs a percorrer colinase várzeas, páramos
e pântanos, enquanto Halvor faziao suficiente
paraacompanhá-lo.
– Bem, temponãotenho paraficarmais contigo. Devo, afinal,
colocar abaixounsabetos antes deseguir aolavadouro e secar as
roupas.Segue, porém, ao largo da colinae encontrarás meninas
lavando roupa s. Dali, nãoterás decaminhar muito antes dechegar
aoCastelodeSoriaMoria.
Pouco demorouparaque Halvor encontrasse as meninas que
lavavam asroupas.Elaslogolheperguntaram setrazia notícias do
VentodoOeste,quedeveriasecaraspeçasparaocasamento.
—Sim–respondeuHalvor .–Foiapenasderrubarunsabetos.Não
tardaráatéqueestejaaqui.
Em seguida,elequissaber como chegaratéo Castelo de Soria
Moria,ao que as meninas o puseram nocaminho certo. Chegando
lá, H alvorviuo castelo tão cheiode cavalos e pessoas que até
parecia um enxame. O ra paz, porém, ficaratãoesfalfado por
acompanhar o Vento do Oestepelos arbustos e atoleiros que se
manteve à parte damultidão atéo diaderradeiro,quand o aomeio-
diahaveriaumbanquete.
Chegava, então, segundoa prática e os costumes, a horade
brindarem todos à noiva e à s jovens alipresentes, e o escanção
encheu as taças danoiva e donoivo,doscavaleiros e dos servos,
vindo enfim, depois demuito tempo,atéHalvor . O rapazbrindou à
saúdeda noiva e dasjovens e, depois,deixoucair dentro dataça o
anelquea prin cesacolocara em seudedoquando sentad
osà beira
d’água. Em seguida,ordeno u que o escançãooferecesse
a taça à
princesaemseunomeeasaudasse.
Damesa,aprincesaergueu-sedeprontoeperguntou:
— Quem seria maisdignode tomar parasiuma de nós: aquele
que dostrolls nosfez livres ou quem aquisentana condição de
noivo?
Quanto a isso,pensaram todos, só poderia
haveruma opinião;
e,
quando Halvortomou conhecimento doque foidito,
poucoteve de
esperar antesdelivrar-de seseusfarrapose assumirasroupas de
noivo.
— Sim, é ele mesmo – bradou a princesa
maisjovem aopousar o
olharem Halvor . Então,lanç ou o outropelajanela
e celebrouseu
casamentocomorapaz. [1 1]

[1 1] P .C.Asbjornsen.
AMortede
Koschei,oImortal

UM CER TO REINOviviao príncipeIvã. Eletinha trêsirmãs.


A prime iraeraa princesa Maria,a segunda,a princesa
Olgae a terceira, a princes
a Anna. Quandoo paie a
mãeestavamprestesamorrer ,assimintimaramofilho:
— Dá tuas irmãsem casamento aosprimeiros pretende ntesque
vieremcortejá-las.Nãoasmantenhasaoteulado!
Os paismorreram e o príncipeos enterrou. Em seguida,para
aplacar
a dor , foicaminhar com as irmãs nojardim verd ejante.De
repente,
o céu cobriu-se deuma nuvemnegra;surgiu uma terrível
tempestade.
—V amosparacasa,irmãs!–gritou.
Malchegaramaopalácio,o trovão ribombou, o tetoseabriu e, no
aposento ondeestavam,voando,adentrou um falcão de cores
vívidas.
O falcão pousouno chãoe transformou-em seum jovem
vistoso,edisse:
— Salve,príncipe Ivã! Antes vim como convidado, mas agora
venhocomo pretendente! Desejopropor casamento à vossairmã,a
princesaMaria.
— Se encontrardesfavor aosolhos deminhairmã,nãointerferirei
nosseusdesejos.PorDeus,deixaiqueelasecaseconvosco!
A princesa
Mariaconsentiu. O falcãocasou-secom ela e levou-a
consigoparalonge,paraopróprioreino.
Os diasse seguiram,horaapós hora;transcorreu todo um ano.
Um dia, o príncipeIvã e as duasirmãs forampassear no jardim
verdejante.
Novamente, surgiuuma nuvemnegra,com re demoinhos
etrovões.
—V amosparacasa,irmãs!–gritouopríncipe.
Malentraram nopalácio quando ressoouo trovão,
o teto rompeu-
seem chamas,abriu-se em doise uma águia entrou a voar. A águia
pousounochãoetornou-seumbelojovem.
— Salve,príncipe Ivã! Antes vim como convidado, mas agora
venhocomo pretendente! – e pediua mão da princesa Olga. O
príncipeIvãrespondeu:
— Se encontrardes favoraos olhos da princesa Olga, então,
deixarei
queela secaseconvosco.Não interferireinasualiberdade
deescolha.
A princesa
Olgadeuconsen timentoe casou-secom a águia. A
águiaaarrebatouelevou-aconsigoparaopróprioreino.
Outroanosepassou.OpríncipeIvãdisseparaairmãmaisjovem:
—V amossairepassearnojardimverdejante!
Caminharam poralgumtemp o. Maisuma vez surgiu uma nuvem
detempestade,comredemoinhoserelâmpagos.
—V oltemosparacasa,irmã!–disseele.
Voltaramparacasa,masnãotiveramnemtempodesentarquan
o trovãocaiu,o teto
seabriu e entrouum corvo.O corvo pousou no
chãoe tornou-se um jovem elegante.Os rapazes anteriores eram
belos,masesteeraaindamaisformoso.
— Bem, príncipe
Ivã! Antesvim comoconvidado, mas agora venho
comopretendente!Dá-meaprincesaAnnapor. mulher
— N ãointerferirei
na liberdade de minhairmã!Se ganhardes os
seusafetos,deixareiquesecaseconvosco.
Assima princesa Annacasoucom o corvo e elea levouconsigo
parao próprio reino.O príncipeIvãficousozinho.Um anointeiro
viveusemasirmãs.Então,ficouentediadoedisse:
—Saireiembuscademinhasirmãs.
Preparou-se paraa jornada, cavalgou e cavalgou.Um dia,viuum
exércitointeiromortonaplanície.Gritoualto:
— S e houver um só homem vivo,responda! Quem assassinou
estatropavalorosa?
Respondeu-lheumhomemvivo:
—T odaestatropavalorosafoimortapelaprincesaMariaMor
O príncipeIvãcavalgou um poucomaise chegoua uma barraca
branca.DelasaiuaoseuencontroabelaprincesaMariaMorevna
— S alve,príncipe! – disse ela.– ParaondeDeus vos envia?
Vindesdelivreescolhaoucontraavossavontade?
OpríncipeIvãrespondeu:
—Nãoécontraaprópriavontadequejovensbravosviajam!
— Bem, sevossosnegócios nãotêm pressa, aguardaium bocado
emminhabarraca.
Alio príncipeIvãficoucontente. Passouduasnoites na barraca,
encontrou graça aosolhos de MariaMorevna e elacasou-se com
ele.A bela princesa,MariaMorevna,o levou consigoparao seu
reino.
Passaram um tempo juntos, então a princesapôs na cabeçade
guerrear
.PassoutodososafazeresdomésticosparaopríncipeIvãe
deixou-lhecomasseguintesinstruções:
— Idea todos oslugares,tom aiconta detudo.Só nãoouseisolhar
dentrodaquelearmárioali.
Elenãopôde deixar defazê -lo. No momento que MariaMorevna
partiu,
correu parao armário, abriu a portae olhou dentro– lá
estava,suspenso,Koschei, o Imortal, acorrentadopordozecadeias.
Emseguida,KoscheisuplicouaopríncipeIvã:
— Tem piedade demim e dá-me debeber!Dez longos anosestou
aquiem tormento, sem comerou beber , minhagarganta está
terrivelmenteseca!

O prínc
ipelhedeuum balde d’água. Bebeutudo
e pediumais,
dizendo:
—Umúnicobalded’águanãomataráminhasede,dá-memais!
O príncipe
lhe
deuum segun dobalde.Koscheibebeutudoe pediu
porum terceiro,
e, apósbebê-lo, recuperou
a antiga
força,sacudiu
ascorrenteserompeuasdozedeumasóvez.
— Obrigado,príncipe Ivã! – exclamouKoschei,o Imortal – agora
verásMariaMorevna como vês tuas orelhas!E vooupela janela na
formade um terrível redemoinho. Voltou com a bela princesa Maria
Morevna que seguiaseurumo, aprisionou- ea levou-aparaa sua
casa.N o entanto, o príncipe Ivãchorou doloridíssimo,arrumou-se e
partiu,dizendoasimesmo:
— O que quer que aconteça, sairei e procurarei por Maria
Morevna!
Um diasepassou,outro diat ambém. Na aurora doterceiro dia,viu
um paláciomaravilhoso. Ao lado dopalácio haviaum carvalho e, no
carvalho, pousado, estava um falcão de cores vibrantes. O falcão
desceu docarvalho, tocouo chão,transformou- num
se belo jovem e
faloualto:
—Olá,queridocunhado!ComoDeustemcuidadodevós?
A correr
, surgiua princesa M aria,quesaudou alegrement e o irmão
Ivã. Começou a perguntar- e pela
lh saúdee contar tudo a respeito
desim esma. O príncipe passou trêsdias com eles e, nessaaltura,
disse:
— Não possopermanecer convosco.Devo partir em buscade
minhamulher ,abelaprincesaMariaMorevna.
— S erá difícil
paravós enco ntrá-la,– respondeu o falcão. – Em
todo caso, deixaiconosco vossacolher de prata.Olharemos para
elaenoslembraremosdevós!
Assim, o príncipe Ivãdeixousuacolher de pratacom o falcão e
seguiuseucaminhonovamente.
Um diase passou, depois outro,e, na alvorada do terceiro dia,
avistou um palácio ainda maisgrandioso que o primeiro, e bem ao
lado do paláciohaviaum carvalho. Nele,pousada,uma águia. A
águia desceudocarvalho, pousounochão,transformou -se em um
belojovemquegritoubemalto:
—Levantai,princesaOlga!Eisaquivossoirmãoquerido!
A princ esaOlga imediatamente correu paraencontrá-lo, começou
a beijá-lo e a abraçá-lo,perguntando porsuasaúdee a contar tudo
a respeito desimesma. Com eles,o príncipe Ivãficouportrês dias
edepoisdisse:
— Não possomaisficar aqui.Vou procurar minhamulhe r, a bela
princesaMariaMorevna.
— Será difícil paravós encontrá-la, – respondeu a águia. – Deixai
conosco vossogarfodeprata. Olharemos paraelee lembraremos
devós.
Ele deixouo garfode prata e seguiuo seurumo. Viajou porum
dia,dois dias e noraiar doterceiro diaviuum palácio m uito maior
que os doisprimeiros. Pertodo palácio,haviaum carv alho e, no
carvalho, pousado,um corvo.O corvo desceu docarvalho, pousou
nochãoetransformou-seemumjovemformosoquefaloubemalto:
—PrincesaAnna,vinderápido,vossoirmãoestávindo!
A princesa Annasaiu,saud ou alegremente o irmão,começoua
beijá-lo e a abraçá-lo, pergun
tou porsuasaúdee contou tudo o que
aconteceraaela.Opríncipeficouportrêsdiasedepoisdisse:
— Adeus! Vou procurar minhamulher , a belaprincesa Maria
Morevna.
— Será difícil paravós encontrá-la, – respondeu o corvo.– De
qualquer modo, deixaiconosco a vossacaixade rapéde prata.
Olharemosparaelaelembraremosdevós.
O príncipe entregou a caixinhade prata de rapé, tomou rumoe
partiu pelocaminho.Um diase passou,outro diatambéme, no
terceiro dia, chegou ao local ondeestava MariaMorevna.Ela
avistou o amado, lançou os braçosao redor do pescoço dele,
irrompeuemlágrimaseexclamou:
— Ó, príncipe Ivã! Porquem e desobedecestes e espiastes dentro
doarmário,deixandosairKoschei, o Imortal?
— Perdoai-me,MariaMorevna!Não vosrecordeis do passado.
Muito melhor serápartircomigoenquanto nãoavistamos Koschei,o
Imortal.T alvezelenãonoscapture.
Aprontaram-ese partiram. O ra, Koscheiestava a caçar. Ao cair
da
noite,voltavaparacasaquandoseubomcorceltropeçou.
— Porquetrop eças,pobre Jade? Farejaste algummal?– o cavalo
respondeu:
—OpríncipeIvãveioecapturouMariaMorevna.
—Épossívelcapturá-los?
— É possível semearo trigo, esperar atéque cresça,colhê-lo e
debulhá-lo,moê-lo atévirar farinha e, com ela,fazercinco tortas,
comeressastortas e, então, começara busca– e mesmo assim
estaremtempo.
KoscheigalopouecapturouopríncipeIvã.
— O ra, – disse ele,– dess a vez perdoar-te- em
ei troca de tua
bondade ao dar-meágua parabeber . Uma segunda vez perdoarei,
masnaterceira,cuidado!Cortar-te-eiempedaços.
Em seguida,tomouMariaMorevnae a carregou consigo.O
príncipeIvã, todavia, sentou em uma pedra e caiuem prantos.
Choroumuito – e, depois,voltou parabuscar MariaMorevna.Ora,
Koschei,o Imortal,nãoestavaemcasa.
—Escapemos,MariaMorevna!
—Ah,príncipeIvã..elenosalcançará!
— S uponha queele nosalca nce. Em todo caso,teremos passado
umaouduashorasjuntos.
Ditoisso, aprontaram- esepartiram. Ao retornarparacasa,o bom
corceldeKoschei, o Imortal,tropeçou.
—Porquetropeças,pobreJade?Farejasalgummal?
—OpríncipeIvãveioecapturouMariaMorevna.
—Épossívelcapturá-los?
— É possível semeara cevada,esperar atéquecresça,colhê-la e
debulhá-la,fermentá-la até virarcerveja e, beberaté cair, dormir
até
cansar e, então, começara busca– e mesmo assimestar em
tempo.
KoscheigalopouecapturouopríncipeIvã.
— E u nãotedisse quenãodeverias verMariaMorevna maisque
tuasorelhas?
EtomouMariaMorevnaeacarregouconsigoparacasa.
O príncipe Ivã foideixado sozinho.Choroumuito.Em seguida,
voltoumaisuma vez atrás deMariaMorevna.Koscheiestava longe
decasanomomento.
—Escapemos,MariaMorevna!
— Ah, príncipe Ivã! Porcerto elenospegaráe cortar-vos- emá
pedaços!
—Quecorte!Nãopossoviversemvós.
Koschei, o Imortal, voltava paracasaquandoseu belocorcel
tropeçou.
—Porquetropeças,pobreJade?Farejasalgummal?
—OpríncipeIvãveioecapturouMariaMorevna.
Koscheigalopou,pegouo príncipe Ivã, cortou-em
o pedacinhos,
pôs ospedacin hosem um barril, besuntou com piche,amarrou com
argolasdeferroelançou-oaomarazul.
MariaMorevna,contudo,elealevouparacasa.
Nesse exatomomentoos objetos de prata que o príncipe Ivã
deixaracomoscunhadosenegreceram.
—Ah!–disserameles–certamenteomalsecumpriu!
A águia voouapressada parao mar azul, avistou o barrileo
arrastoupara a costa. O falcã
o voouem buscadaÁgua daVidae o
corvofoiembuscadaÁguadaMorte.
Logo após, ostrês sereuniram, abriram o barril,
tiraram
osrestos
mortaisdopríncipe Ivã, lavaramos pedacinhos e os arranjaramna
ordemcorreta . O corvoborrifou-os com a Água da M orte – os
pedaços secolaram e o corposeunificou.O falcãoborrifou
a Água
daVida–opríncipeIvãestremeceu,levantou-seedisse:
—Ah!Comodormi!
— Teríeis dormido pormuito mais temponãofossepornós –
responderamoscunhados.Agoravindenos . visitar
—Não,cunhados,devoireprocurarMariaMorevna.
E,quandoIvãaencontrou,disse-lhe:
— Descubracom Koschei, o Imortal, ondeeleconseguiu um
cavalotãobom.
Assim, MariaMorevna escolheu um momento favorávele começou
aperguntararespeitodisso.Koscheirespondeu:
— Três vezesalémde noveterras, no trigésimo reino,do outro
lado dorioflamejante, vive uma Baba-Yagá. [12 ]Elatemuma égua
e todo diavoanela aoredor domundo. Elapossui outras éguastão
esplêndidas quanto essa. Tomeiconta dastropas de cavalos dela
portrês dias sem perder uma só, e comorecompensa, a Baba-Yagá
deu-meumpotro.
—Noentanto,comocruzasteorioflamejante?
— O ra, tenho este tipo
dele nço. Quandoo sacudo três vezesna
mão dir eita,eisque surgeuma ponte muito alta,que o fogo não
alcança.
MariaMorevnaescutou tudo e repetiu parao príncipe Ivã. Ela
roubou o lenço e deu-oaopríncipe.Assim, ele conseguiu transpor o
rio flamejante e seguiupara a casadaBaba-Yagá. Seguiuum longo
caminho sem nadacomerou beber . Porfim, deparou-se com um
pássaroestranhoeseusfilhotes.PríncipeIvãdisse:
—Comereiumdestespintinhos.
— Não comais , príncipe
Ivã! – implorou o pássaro estranho – mais
cedooumaistardedar-vos-eiumaboarecompensa.
Eleseguiuadianteeviuumacolmeianafloresta.
—Pegareiumfavodemel–disseele.
— Não mexaisno meu mel , príncipe Ivã! – exclamoua abelha-
rainha–maiscedooumaistardedar-vos-eiumaboarecompensa.
Ditoisso,ele nãoa perturbou e seguiuadiante. Logo em seguida,
encontrouumaleoacomfilhotes.
— Comerei um destes filhotes de qualquer maneira –, afirmou –
estoumuitofamintoenãomesintomuitobem.
— Porfavor , deixai-nosem paz, príncipe Ivã! – pediua leoa – mais
cedooumaistardedar-vos-eiumaboarecompensa.
—Muitobem,comoodesejares–respondeu.
Faminto e quasedesmaiando, prosseguiu. Andoupormuito tempo
e, finalmente, chegouaolocal ondeficava a casadaBaba-Yagá. Ao
redor dacasahavia dozepostes arranjados em círculo,onzedeles
com um uma cabeçahumanaespetada. O décimo-segundo estava
desocupado.
—Salve,avozinha!
— S alve,príncipe Ivã! De ondevens?Vensde livre vontade ou
obrigado?
—V imparaganharumcorcelheroico.
— Assi m seja,príncipe!Não terás deservir-me porum ano, mas
apenas portrês dias.Se to marescuidado de minhaséguas com
diligência,dar-te-ei
um corcel heroico. Casonãoo faças, ora,então
nãoteaborre ças porvertu a cabeçaespetada no topo daquele
últimoposte.
O príncipe Ivãconcordou com esses termos. A Baba-Yagá deu-lhe
de comere de bebere ordenou-lhe que cumprisse sua tarefa.
Entretanto, no momento em que guiavaas éguas pelos campos,
elas ergueram as caudas,dispersaram-ese cruzaramos campos
em todas as direções.Antes que o príncipetivessetempo deolhar
ao redor , já tinhamsumidode vista. Depoisdisso elecomeçoua
chorar e a in quietar-se.Sentou-se em uma rochae foi dormir .
Quandoo sol estavaquasesepondo,o pássaroestranh o voouaté
ele,oacordouedisse:
—Acordai,príncipeIvã!Aséguasestãoemcasaagora.
O príncipe acordou e retornou.Aí, Baba-Yagá estava brigando,
furiosacomaséguasegritava:
—Porqueviestesparacasa?
— Nãopudemosdeixar devoltar– disseram –, ospássaros vieram
voando de todas as partes do mundoe só faltaram bicar nossos
olhos.
— M uito bem! Amanhãnãogalopeis peloscampos,mas dispersai-
vospelaflorestafechada.
O príncipe Ivãdormiu a noite toda.Pelamanhã, a Baba-Yagá lhe
disse:
— Ânimo, príncipe! Se nãot omares conta daséguas, seperderes
umasequer ,espetareituacabeçanoaltodaqueleposte!
Conduziu as éguaspelos campos. Imediatamente, elasergueram
ascaud ase sedispersaram pelafloresta fechada.Maisuma vez o
príncipe sentou em uma pedra,chorou,chorou e depois caiuno
sono.Osolsepôsportrásdafloresta.Ealeoaveiocorrendo.
—Acordai,príncipeIvã!Aséguasjáestãoreunidas.
PríncipeIvã levantou-ese foiparacasa. Mais do que nuncaa
Baba-Yagábrigavacomaséguaseberrava:
—Paraquevoltastesparacasa?
— Como nãovoltar? As feras vieram correndo em nossadireção
de tod as as partes do mundo e só faltaram nos fazer em
pedacinhos.
—Bem,amanhãcorreiparaomarazul.
Novamente,o príncipe Ivã dormiua noite toda.Na manhã
seguinte,aBaba- agá
Yomandoupastorearaséguas.
— Se nãotom ardes conta delasmuito bem – afirmou,– espetarei
tuacabeçabemnoaltodaqueleposte!
Ele pastoreou as éguas pel o campo. Em seguida,ergueram as
caudas e desapareceram devista e correram parao marazul. Lá
ficaram,com água atéospescoços.O príncipe Ivãsentou-se numa
pedra,chorou e caiunosono.Entretanto, quando o solse pôs por
detrásdafloresta,veioumaabelhaedisse:
— Acordai,príncipe Ivã! As éguas já foramreunidas. Quando
chegardes em casa,todavia, nãodeixeis a Baba-Yagá pôr osolhos
em vós, mas id e aoestábulo e escondei-vos atrásdasmanjedouras.
Lá encontrarei s um potrinho triste
rolando nalama.Roubai-o, e na
caladadanoitesaídacasa.
O príncipe Ivãlevantou-esgueirou-
se, se
peloestábulo e deitou-se
embaixodasmanjedouras, enquanto a Baba-Yagá brigava com as
éguaseberrava:
—Porquevoltastes?
— Como nãovoltar? Inúmeras abelhas vieram voando detodas as
partesdo mundoe começarama nospicar portodos os ladosaté
sairsangue!
A Baba-Yagá foidormir . Na calada danoite o príncipeIvãroubou o
potrotri
ste,sel ou-o, montou em seulombo e galopouem direção ao
rioflamejante.Quandochegou aorio,agitou o lençotrês vezescom
a m ão direitae, de repente, poruma graçasabe-selá de onde,
surgiuacruzarorio,no ,uma
arponteesplêndida.
Opríncipecruzouaponteeagitouolençoapenasduasvezescom
a m ão esquerda: e lá, a cruzaro rio,ficouapenasuma ponte
estreita,demasiadoestreita,comonuncasevira!
Quandoa Baba-Yagá acordou pelamanhã, nãoencontrou o
potrinhotriste!E saiuem suabusca. A toda velocidade, pilotou
o
almofariz
deferro,acelerand o-o com o pilão e apagando osrastros
com a vassour a. Foi rapidamente até o rioflamejante,deu uma boa
olhadaedisse:
—Umapontemestra!
Seguiupela ponte, mas estava a meiocaminho quando a pontese
partiu
em dois e a Baba-Yagá afundou norio.Na verdade, teveuma
mortebemcruel!
O príncipe Ivã cevouo potr o noscamposverdejantes e elese
tornouum corcel maravilhos o. Então dirigiu-separao local em que
se encontrava MariaMorevna.Ela veiocorrendo e lan çou-se ao
redordeseupescoço,clamando:
—PorquemeiosDeusvostrouxedevoltaàvida?
—Poresteeaquele–disse,–agora,vindevóscomigo!
—T enhomedo,príncipeIvã!SeKoscheinoscapturar ,vosreduzirá
apedaçosmaisumavez.
— Elenãonospegará! Tenhoagora um esplêndido corcel heroico,
voacomoumpássaro.
Assim,montaramnolombodoanimalepartiram.
Koschei,o Imortal,voltavaparacasaquandoseucavalotropeçou
—Porquetropeças,pobreJade?Farejasalgummal?
—OpríncipeIvãveioecapturouMariaMorevna.
—Podemoscapturá-lo?
— Só Deus sabe! Agorao príncipe Ivãtemum cavalo melhor do
queeu.
— Bem, possolidar com isso,– afirmouKoschei, o Imortal. –
Persegui-lo-ei.
Depoisdecerto tempo,alcançou o príncipeIvã, ergueu-odochão
e ia despedaçá-lo com sua espadaafiada.Nesse momento,
contudo, o cavalo dopríncipe deuum coice em Koschei,o
certeiro
Imortal, rachou sua cabeçae o príncipe deucabodele com um
porrete. Em seguida,o príncipe empilhou unspedaços demadeira,
acendeu a pirae queimouKoschei, o Imortal, espalhando suas
cinzasao vento. Então,MariaMorevna montou o cavalodeKoschei
e o príncipe,o seu. Foramvi sitar
primeiroo corvo,depoisa águia e,
em seguida, o falcão. Aondequerquechegassem recebiam alegres
boas-vindas.
— Ah, príncipe Ivã! Não esperavavera vós novamente. Bem, não
foià toaque tivestes tantosproblemas. Por uma beldade como
MariaM orevna, qualquer um iria
atéosconfins domundo– e nunca
encontrariaoutraigual!
E assimfizeramas visitas, festejaram,e depois partira
m parao
próprioreino.[13]

[12] Sersobrenaturaldofolcloreeslavo.
[13] Ralston.
OLadrãoNegro
eoCavaleiro
doValeEstreito

M TE MPOS DE , viviam
OU TRORA noSuldaIrlanda um reie
uma rainha que tinham três
filhos,
todos muito bonitos.
Mas a rainha, suamãe, adoeceu e morreu quando eles
eram aindamuitopequeno s, o que causougrande
tristeza
em toda a corte,e sobretudo ao rei,seuesposo,que em
nadaencontra va consolo. Quandoviuque a morte se avizinhava,
elachamouoreielhedisseasseguintespalavras:
— H eidedeixar-vosagora,e como soisjovem e estaisnaflor da
idade,é certo que voltareisa casar depoisde minhamorte. Tudo
que vospeço, então, é que construais uma torre em uma ilha no
meiodomare queali manten havossos três
filhosatéquealcancem
a maioridade e sejamcapazesde olhar porsi. Desse modo,
nenhuma outra mulherterá jurisdição
sobreeles.Não deixeis faltar-
lhesa educaç ão condizente com sua estirpe e cuideis paraque
aprendam todos os exercícios e passatempos que é m ister que
aprendam os filhosde um rei.Eis tudo que tenho a dizer. Adeus,
queridoesposo.
Ao rei,poucotempo lhesobrou paraque, vertendo lágrimasdos
olhos,garantisse à esposaque se cumpririam todos os seus
desejos,porqu e logodepois a rainha virou-senacama e, com um
sorriso
noslábios,entregou a almaa Deus. Nuncaseviumaior luto
doque aquele que se espalhoupela corte e portodo o reino,pois
nãohavia nom undomulher maisbondosa quea rainha, tanto
para
os ricos quanto paraos pobres.A monarcafoi sepultada com
grandepompa e circunstância. O rei, emborase encontrasse
inconsolável com a perdada consorte, não se esqueceuda
promessa e ordenou que se construíssea torre e que seusfilhos
fossemlevados paralá, ondeviveriam soba custódia devalorosos
guardiões.
Com o passardo tempo, os lordes e cavaleiros do reino
aconselharam o rei– que aindaerajovem – a contrairm atrimônio
novamente, abandonando a condição de solteiro. Até que o
soberano consentiu. Escolheu-se,então,paraele,a filha deum rei
vizinho,uma princesa ricae formosacujacompanhia muito lhe
agradava. Poucotempo depois,a rainhateve um filho
perfeitamente
saudável, o quefoimotivo detão grande celebração e alegria
quea
memóriadaantiga rainha,decerta forma, apagou-sedalembrança
de todo
s. Assi m sucedeu,pois,e o reie a rainha viver
am felizes
juntospormuitosanos.
Um dia,a rainha foivera mulher quecuidava dosgalinheiros,pois
tinhaassuntos a tratar com ela.Depois de muito conversarem,
quandoa monarca já se preparava parairembora,a mulher lhe
disseque, se ela a procurasse denovoalgumdia,lhequebraria o
pescoço.Arainha,enfurecidaperantetamanhoatrevimentoda
de uma súdita tãodesimportante, exigiu-lhede imediato uma
explicação,oudocontrárioordenariaqueaexecutassem.
Amulher ,então,disseoseguinte:
— Valeria a pena,minhasenhora, que me recompensasses bem,
poisarazãoporquetedissetalcoisamuitolheinteressa.
—Comquelhedevorecompensar?–perguntouarainha.
— D evesdar-meum fardo inteiro
delã.Ademais,tenho uma velha
caçarola, que tudevesencher de manteiga, bem como um barril,
quedevesdeixarcheiodetrigoparamim.
—Dequantalãestásfalando?–dissearainha.
— De sete rebanhos deovelhas – respondeu a mulher –, maiso
queproduziremporseteanos.
—Equantodemanteigaseráprecisoparaenchertuacaçarola?
— Todaa manteiga que se fabricar doleite desete rebanhosde
vacasle iteiras– respondeu a mulher –, maiso queproduzirem por
seteanos.
— E quanto trigo será necessário paraenchero barril que
possuis?–dissearainha.
—Aproduçãodesetebarrisdetrigoporseteanos.
— Estás falando dequantidades extraordinárias– dissea rainha –,
mas cre ioque o motivo tam bém devaserextraordinário, demodo
quete dareitudo o queme pedes,antes queme façafalta conhecê-
lo.
— Bem, – disse a mulher quecuidava dosgalinheiros– é queés
tão estúpidaque nãoperceb es nem descobres os fatosque tanto
perigorepresentametantodanocausariamparatieparateu
—Equefatossãoesses?–perguntouarainha.
— Ora – disse a mulher –, o rei,teu esposo,é paidet rês filhos
perfeitamente saudáveis que teve com a antiga rainha, os quais
mantémencerrados em uma torre, ondedevempermanecer até
alcançarem a maioridade,quandosepretende querepartam o reino
entre eles;com o que, então, teufilho deveráabrirmão de sua
fortuna.Portanto, se nãoencontrares um meiode destruí-los, teu
filhoe,quiçá,tumesma,terminareisnaruína.
— E o queé queme aconse lharias
fazer– arguiu a rainha. – Não
tenho a mais mínima ideia de como proceder em uma situação
comoessa.
— Deves fazersaber aorei – dissea mulher – queouviste falarde
seusfilhose quemuito teadmiras dequeele ostenha escondido de
tiporto doesse tempo.Dize-lhe quetuqueres conhecê-lo s e quejá
é tempo delibertá-los,porque desejas queele ostraga para a corte.
O rei, então, satisfaráteus desejos e se preparará um grande
banquete para celebrara chegada dosjovens, com divertimentos de
toda sorte paraentreter asgentes. No meiodetudo isso, pedeaos
filhos do rei que joguemcartas contigo, convite a que nãohaverão
denegar-se.Agora, presta atenção: deves combinar com eles que,
set u ganhares, elesfarão qualquer coisa quelhes ordenares e que,
se eles ganharem,tufarás qualquer coisa que eles temandarem
fazer . E ssetrato deveserfeito antes de vosreunirdes parajogar .
Eis aqui um baralho de cartas, que tedoue que espero que não
percas.
A rainh a pegouas cartas de imediato e, depois de agradecer à
mulher pelas instruçõesquegentilmente lhe haviadado,retornou ao
palácio,ondepermaneceu um tanto aflita,
atéque cons eguiufalar
com o rei a res peito
deseusfilhos. Porfim, revelou-lheo quetinha a
dizer, m as de um jeito polido e, ao mesmo tempo,cativante, para
que ele nãoenxergasse que tudo aquilo eraparte deum plano. O
monarca,depronto, consent iuem satisfazer osdesejos da rainha e
mandoubuscar os filhos,que vieram de bom gradoparaa corte,
muito contentes porseremlibertados deseuclaustro natorre. Eram
todos muito belos,e tambémmuito versados nasmaisvariadas
artes e atividades,demaneir a queconquistavam o amore a estima
detodosqueencontravampelafrente.
A ra inha,que agoramais do que nuncasentia ciúmesdeles,
contava os minutospara que todasaquelascelebrações
terminassem logoe ela pudesse propor-lhes o jogodecartas; após
o que, mesmo assim,suasorte dependeria, em grande medida,do
poderdo baralho que recebera da mulherque cuidavados
galinheiros. D epoisde muitotempo,finalmente, começaram as
competições e brincadeiras, dos mais variados tipos. A rainha,
então, com muita astúcia,desafiou os três príncipesa um jogode
cartas,propondo-lhesascondiçõesqueamulherlheexplicara.
Os rapazesaceitaram o desafio,e a primeira partidafoicom o
maisvelho deles,que perdeu paraa rainha. Depois, foia vez do
segundo filhodorei,quetam bém perdeu. Porfim, a rainha e o filho
maisnovojogaram a última partida,e o meninoganhou, o que
deixoua rainha em estado de enormeaflição, poiso resultado o
deixava livredasgarras dela,justoele,queeradelonge o maisbelo
eamadodostrês.
Apesardisso,todos estavam ansiosos porouvir as decisões da
rainha a respeito dosoutro s doispríncipes, sem imaginarem os
perversos desígniosque tinha em mente paraeles.N ão saberia
dizer-vos se a ideiafoidam ulher que cuidava dogalinheiro, ou se
foidaprópria rainha,mas o fato é quea monarca determinouqueos
rapazesdeveriam trazer-lhe o Guizo de Cascavel,o corcel
selvagemdo Cavaleiro do ValeEstreito. Do contrário, seriam
decapitados.
Os jovens príncipes,como nãotinham ideiadoque devi am fazer,
nãodemonstraram a mínimapreocupação. Todosnacorte, porém,
ficaram espantados com o desafio impostopela rainha,poissabiam
muito bem que eraimpossível os rapazes conseguirem capturar o
cavalo, já que todos aqueles que haviamtentado a façanhaaté
então pereceram no caminho. De todomodo, não podiam
descumprir o queforacombi nado,e agora cabia aomaisjovem dos
príncipes dizerqualeraa exigênciaque tinha paraa rainha, uma
vezquevenceraapartidacontraela.
— Meus irmãos empreend erãouma viagem– disseele– e,
conforme possover , trata-de se uma viagemperigosa, poisnão
sabem que caminhodeverão tomar nem quaisperigos poderão
enfrentar
. Por isso,estou decidido a nãopermanecer aqui, mas
acompanhá-los,aconteça o que acontecer; e em cumprimento da
aposta queganhei,exijo e ordeno quea rainha permaneça depé na
mais alta torredo palácio atéque regressemos (ou atéque se
constate queestamos mortos)sem, nadaalémdeespigas demilho
para comer e água friapara beber , aindaque seteanos
transcorram,oumais.
Estando assim dispostas todas as coisas,os trêspríncipes
partiramdacorte em buscadopalácio doCavaleiro doVale Estreito.
No caminho,encontraram um homem que mancavaum poucoe
pareciaum tanto avançadoem anos.Logo entabularam conversa, e
o m aisjovem dospríncipesperguntou-lhe qual eraseunomee por
quemotivousavaumaboinapretadeaparênciatão . singular
— S ou o Ladrão deSloan– disse ele –, mas tambémme chamam
deoLadrãoNegro,porcausadaminhaboina.
E assim, depois de contar ao príncipe quasetodas as aventuras
que vivera,o ladrãolheperguntou paraondeiam os três,ou quais
eram seus planos.O prínc ipe, desejoso de retribuiro pedido,
contou-lhetudoaquiloporquehaviampassado.
— E agora– completou o rapaz– estamos empreendendo esta
viagem,masnemsabemosseestamosnaestradacerta.
— A h, valentes companheir os, nãosabeis o perigo que estais
correndo – disseo Ladrão Negro. – Eu próprio estouatrás desse
corcel,já vãosete anos,e nuncaconsigo roubá-lo.Tudoporque,
quando eleestánoestábulo , seudonoo cobre com um manto de
sedabordado com sessenta guizos de cascavel. Sempre que
alguémseaproxima dolugar, o cavalo logoo percebe e sacode-se
todo.Com isso,o ruídodosguizosdesperta a atenção,nãoapenas
do príncipe e dos guardas,mas de todas as pessoasdas
imediações; demodoque se torna impossível capturá-lo.Ademais,
os desafortunadosque caem nas mãos do Cavaleiro do Vale
Estreitosãoqueimados vivos naschamasrubras deuma fornalha
escaldante.
— Valha-meDeus! – disse o jovem príncipe. – O quevamosfazer?
Se voltarmos à cortesem o cavalo, cortarão nossas cabeças.Em
ambososcasos,estamosperdidos.
— Bem, seeu estivesse novosso lugar – disseo Ladrão deSloan
– preferiria
morrernasmãosdocavaleiro que nasdarainha. Além
disso,eu próprio ireiconvosco e vosensinareio caminho. Desse
modo,qualquerquesejaavossasorte,serátambémaminha.
Ao ouvirem isso, os príncip
es lheagradeceram de coração a
gentileza,
e o homem, queconhecia muito
bem a estrada,
em pouco
tempoosconduziu atéum lugar deondesepodia vero paláciodo
cavaleiro.
— Agora– disseo ladrão – devemospermanecer aquiatéo
anoitecer
. Conheçobem o lugar , e o melhor
momento paratentar
alguma coisa , se é que eleexiste,é quandoto dos estão
repousando,poisnessahoraocavaloéoúnicoguardiãodolocal
Na calada da noite, então, conforme haviamcombinado, os três
filhos dorei e o Ladrão deSloanarremeteram nadireção dopalácio
paracapturar o Guizo de Cascavel.Porém, antes mesmo de
chegarem aoestábulo, o cavalo relinchoucom tanta forçae sacudiu
tanto o corpo,e os guizosdo seumanto fizeramum barulho tão
grande,que o cavaleiro e todos os guardas levantaram-se de
imediato.
O L adrão Negroe osfilhos do rei pensaram em escapar , mas logo
foramcercados e aprisionad
os pelos guardas docavaleiro, que os
conduziram atéas lúgubres dependências do palácioondeo
cavaleiro mantinha uma fornalha sempreacesa, dentro da qual
lançava todos os delinquentes que lhecruzavamo caminho,para
quefogointensoosreduzisseapóempoucosinstantes.
— Vilões audaciosos! – disseo Cavaleiro doVale Estreit o – como
ousais arriscar tão insensata façanhaquanto esta,de roubar meu
corcel? Haveisde receber agoraa recompensa porvossatolice.
Paraque vossocastigo sejaainda maior, nãovosqueimarei todos
juntos, mas um de cada vez, paraque as vítimas seguintes
testemunhem os terríveis tormentos de seus desafortunados
comparsas.
Ditoisso,ordenouaosservosqueatiçassemofogo:
— Queimaremos primeiramente, dentre essesjovens, aquele que
aparenta maisidade – disse o cavaleiro
– e assimsucessivamente,
atéo último dos delinquentes, que será essevelho paladino da
boina negra.Ao que tudo indica,é o comandante deste bando,e
aparentatersuperadoárduostrabalhosaolongodesuavida.
— J á estive tão próximodam orte, uma vez, quanto seencontra o
príncipe agora – disse o Ladrão Negro– e escapei, assimcomo ele
escapará.
— Não, jamais estiveste tão próximo da morte – re trucou o
cavaleiro –, poisapenas doisoutrês minutos separam o príncipe da
morteincontornável.
— Mas eu esti vea um passodamorte – insistiu o Ladrão Negro–
e,nãoobstante,aindaestouaqui.
— Como foiisso?– indago u o cavaleiro.– Desejoconhecer a
história,poismepareceimpossível.
— Senhorcavaleiro – disse o LadrãoNegro – se vos
convencerdes dequeo perigo em queme encontrava eramaior que
aquele queacomete estejov em agora,sereis capazdeperdoar-lhe
ocrimecometidocontravós?
—Sim–respondeuocavaleiro.–Agora,contalogotuahistória.
— Meu senhor – prosseguiu o ladrão– em minhajuventude, eu
eraum garoto muito inquie
toe me metia em muitos problemas.
Certavez, durante uma deminhas perambulações, fuisurpreendido
pelanoite e nãoencontrava ondeme hospedar . Depoisde muito
vaguear , encontreium velho fornodesecagem.Tãocansado estava
quelá entrei e me deiteisobre asgrelhas a um canto. Poucodepois,
vique entravam três bruxascom três sacosde ouro.Cadauma
delascolocou seurespectivo sacodeouro soba cabeça,a modode
travesseiro.Ou viuma delas dizerà outra que, se o LadrãoNegro
viesse enquanto estavam dormindo, nãolhes pouparia um centavo
sequer. Ouvindo elas falarem, descobrique meu nomejá caírana
bocadetoda a gente. Mesmo assim,mantive um silêncio sepulcral
durante todaa conversa. P assado algumtempo,as trêsbruxas
caíramno sonoe eu então descisorrateiramente atéondeelas
estavam.Como alidentro haviagrandequantidade de turfa,
coloquei um torrão embaixoda cabeçade cadauma delas e fugi
comossacosdeouroomaisrápidoquepude.
Não m e haviaafastado muito,ainda,quandovi que um galgo
inglês,uma lebre e um falc ão me perseguiam. Logo pensei que
deviam serasbruxas,quesetransformaram naqueles animaispara
queeu nãolhes escapasse nem porterra nem pela água. Como os
bichos escolhidos nãoerammuito ameaçadores, resolvi atacá-los,
convencido dequeosdestruiria com facilidadeusando minhalonga
espada.Refletindo melhor, no entanto, pensei que poderiam ter
tambémo poder deressuscitar dosmortos. Então,desisti deatacá-
lose, com dificuldade, subi em uma árvorelevando comigo a
espada e todo o ouro.Quandochegaramao pé daárvore,porém,
as bruxas perceberam o que eu tinha feito e, empregando seus
artifíciosinfernais,uma delas transformou-em seuma bigorna ea
outra,
em um pedaço deferro,com osquais a terceiralogo fabricou
um machado.Com a ferramenta nasmãos, a mulher começoua
golpearo tronco e, uma hora depois,
sentiquea árvore começavaa
balançar. Em poucotempo,o tronco começoua ceder e eu vique
maisum ou doisgolpes,nomáximo, bastariam parapô-lo abaixo.
Comeceia pensar , então, que minhamorte erainevitável, pois
criaturas tãopoderosas como aquelas acabariam com a minhavida
rapidamente. Contudo, noexato momento em que a bruxadavao
golpede machadoqueselaria meu destino, o galocanto u e astrês
desapareceram, depois deretomarem suaformanatural, pormedo
deseremdescobertas;eeumesafeicomossacosdeouroetudo.
Agora, meu senhor , cabea vós dizerse esta nãofoia aventura
maismagníficaquejamais ouvistes,porque estive a um único golpe
de machadodo meu fim, e o golpejá foraatéexecutado,mas
mesmoassimescapei.
—Bem,nãopossonegarqueaaventurafoi,defato,extraordinária
– respondeu o Cavaleiro doValeEstreito – e porissoperdoo este
jovempelo crimeque cometeu.Mesmo assim, atiçai o fogo, que
queimareiosegundodeles.
— N a verdade – interrompeu o LadrãoNegro–, souforçado a crer
quetampoucoesteoutromorrerádestavez.
— Como assim? – indagou o cavaleiro.– Não há escapatória
possívelparaele.
— Eu próprio escapei deuma morte muito maisinevitáv elque a
destejovem – continuou o Ladrão deSloan – ainda que estejaisa
pontode lançá -lo no forno.Porisso,espero que suasorte sejaa
mesma.
— Quê ? Poracaso,passaste poroutro perigo extremo? – disse o
cavaleiro.– Desejoouvirestahistória também, e se for tão
maravilhosa quanto a anterior, perdoarei este jovem,da mesma
formaqueperdoeioprimeiro.
— Conformejá comentei – prosseguiu o LadrãoNegro – meu
estilodevida nãoeranadalo uvável,e em determinado momento vi-
me totalmente desprovido de dinheiro, sem encontra r nenhum
empreendimento dignode serrealizado. Encontrava-me, portanto,
em sérios apuros.Um dia,porém, um bispomuito ricomorreu na
vizinhança em que então me encontrava, e ouvidizerque fora
enterradocom uma grande quantidade dejoias e ostentando trajes
ricamente confeccionados. Propus-me, então,a me apossar
prontamente detudo isso.Paratanto, naquela mesma noite, rumei
ao cemitério.Chegandoao local, descobri que o corpodo sujeito
foradepositado na extremidade mais distante de uma longae
escuracripta, que adentrei cautelosamente. Aindanão havia
avançado muito nointeriordacripta quando ouvio som depassos
apressados vindo em minhadireção, e emboraeu seja valente e
audazpornatu reza, a verdade é que, aopensar nobispo falecido e
no crime que eu estava prestes a cometer , perdi a corageme
comecei a correr nadireção daentrada dacripta. Ao regressar uns
poucospassos,vislumbrei, entre mim e a luz, a figura negra deum
homem alto, depé à entrada. Tomadodegrande temor e sem saber
comosair dali,disparei um tir
o depistola contra ele,o quepronto fê-
locairatravessado na saída. Notei,então, que eleparecia um
mortal como qualquer outro e me deiconta de que nãopoderia
tratar- do
sefantasma dobispo.Assim, recuperei a calma e alcancei
a extremidade superior dacripta, ondeencontrei uma grande trouxa
cheiade coisas.Examinand o o local com maiscuidado, constatei
que o túmulo já forapilhado e aquela figura que eu toma raporum
fantasma era, em realidade, um dosclérigos da diocese.Muito
lamenteio infortúniodetê-lo matado, mas agora já nãohavia o que
fazer
. Então,pegueia troux a contendo todos os objetos de valor
pertencentes ao bispo,determinado a abandonar aquele lúgubre
recinto.Mas, nomomento em quecheguei à entrada, viosguardas
do cemitério rumandoem minha direção e pude ouvi-los
comentando que pretendiam inspecionar a cripta, poiso Ladrão
Negro com certeza tentaria pilhar o túmulo,se estivesse nas
redondezas. Não sabia,entã o, como proceder . Se eu fossevisto,
certamente morreria, poisestava aoalcance damiradetodos elese
ninguémseria suficientemente audaza ponto deme abordar . Sabia
muito bem que, noinstante em que me vissem,disparariam contra
mim como se eu fosseum cão. Mesmo assim, como nãotinha
tempoaperder ,agarreiocorpodosacerdotequeeuhaviamatadoe
o levantei,pondo-odepé como seestivesse vivo.Agachadoentão
pordetrás dele, carreguei- naquela
o posição o melhor quepude,de
modo que os guardaslogo o pudessemver , quandose
aproximassem da cripta. Ao enxergar aquele homem vestido de
preto,um dele s gritouqueer a o Ladrão Negroe disparou suaarma.
Nisso, deixeicairo corpodo sacerdote e rastejei atéum canto
escuropróximoàentradadolocal.Quandoviramocorpodohomem
cair
, os guardastodos entraram na cripta e correram atéa
extremidade m aisdistante, portemerem,segundoconcluí,que
houvesse outras pessoas lá dentroalémdaquela que acreditavam
termatado.Enquantoestavamocupadosinspecionandoocadáv
a criptapara vero quepoderiam encontrar
, escapei dalipara nunca
maisvoltar . Jamaisconseguiram capturar o LadrãoNegrodesde
então.
— Muit o bem, meu valente amigo – disse o Cavaleiro do Vale
Estreito–, vejo que já supe rastemuitos perigos. Graçasàs tuas
histórias,conseguiste salvar estes doispríncipes. Não obstante, e
lamento dizê-lo, este jovem príncipe terádesofrer pelos outros. A
menos que me contes uma história tão maravilhosa quanto as
anteriores. Nestecaso, haveria deperdoá-lo também. Compadeço-
me perante tão tenra juvent
ude, pelo que nãodesejo entregá-lo a
morte,seopuderevitar .
— O que dissestes vem em boahora – disse o Ladrão deSloan –,
porque tambémeu o estimo bastante. Porisso,reservei para o final
amaiscuriosadasnarrativas,embenefíciodele.
—Muitobem,então,ouçamo-la.
— D urante uma de minhasviagens – disse o LadrãoNegro–,
cheguei um diaa uma floresta, que percorri pormuito tempo,sem
conseguir encontrar a saída. Finalmente, chegueia um grande
castelo e o cansaço me obrigou a bater à suaporta. Aliencontrei
uma moça que chorava,com uma criança sentada no colo.
Perguntei-lhe o que a fazia chorar e ondeestava o senhor do
castelo, muito intrigadopornãoversinal algumda presença de
servosnemdequalqueroutrapessoa . nolugar
— “O senhor deste castelo”– disse a jovem mulher – “não estáem
casanomomento,e isto sucede para vossa melhor fortuna, poisse
tratadeum gigante monstruoso, quetemapenas um olh o nafronte
e que, ademai s, se alimentadecarne humana. Eleme trouxe esta
criança, que nãoseiondea encontrou, e me ordenou que dela
fizesseumatorta.Porissonãoconsigodeixar.” dechorar
— D isse-lheentão que, se elasoubesse de algumlugar seguro
para ondeeupudesse levara criança,assimo faria,para nãodeixá-
lam orrer nasmãosde semelhante criatura. Em respos ta,elame
disseque haviauma casa, bem longedali,ondemoravauma
mulherque tomaria contade tudo. Porém, perguntou-me
desesperada:
—“Masoqueheidefazerarespeitodatorta?”
— “Cortaium dedoà criança” – foio queeudisse – “eeuvostrarei
dafloresta um leitãozinho selvagem, quecozinhareis como sea ela
estivésseiscozinhando, e poreiso dedoem um canto datorta, que
marcareis dealgummodo. Assim, se o gigante duvidar dealguma
coisa,sabereis porondecomeçar a fatiá-la
paraque a criatura, ao
vê-lo,convença-sedequeopratofoifeitocomacarnedacriança.”
— A moça concordou com o plano quelhe propus e cortou, então,
o dedoà criança. Com basenasorientações que ela me deu, logo
encontrei a ditacasa,e levei-lhe tambémo porquinho suplente, com
que de imediato se pôs a fazera torta. Quanto a mim, depois de
comere beber copiosamente , jáestava porpartir dali,
quando vimos
ogiganteatravessaroportãodocastelo.
— “Valha-meDeus! O que fareis agora?Correi e escondei-vos
deitado entreos cadáveres que eleguarda na sala” – disse ela,
indicando-me o lugar – “etirai vossaroupa,paraque elenãovos
distingadosdemaiscorpos,seporacasofornaqueladireção.”
— S eguio conselho delae m e deitei entre oscadáveres, como se
estivesse morto, para vero queo gigante faria.A primeira coisaque
fez foiperguntar pela torta. Quandoa moça pôs o prato na sua
frente, elejurou quecheirava a carne suína.Mas, como sabia onde
encontrar o dedoda criança , elao revelou de imediato, o que o
deixoubastante convencido deque equivocara-se. A torta,porém,
serviu-lhe apenasdeaperitivo; e escutei-afiando
o a facae dizendo
que necessitava comeruns nacosde carne,poisnãoestava
satisfeito.Qualnãofoimeu t error quando ouvio gigante apalpando
os cadáveres e, maisainda,quando cortou uma fatia decarne das
minhasancas,levando-consigo
a paraassá-la! Podeis estar certo
dequea dorqueeusentia eralancinante, mas o medodesermorto
me impedia deemitir o maismínimoruído.Quando,noentanto, ele
terminou de comertoda a carne que arrancara do meu quadril,
começoua ingerir bebidas alcoólicas copiosamente, de maneira
que, em poucotempo,nãoconseguia nem suster a cabeça sobre o
pescoço e se deixoucair em um grande cesto que fabricara para
essepropósito, mergulhando depronto nosono.Assimque o ouvi
roncar, levantei-me no estado mesmo em que me acha va e fiz a
mulher enfaixa
rminhaferida com um lenço. Depois, tomei nasmãos
o espeto deferro dogigante, levei-ao
o fogo atéfazê-lo arder em
vermelho escarlate e atravessei- nooolhoda criatura. Mas não
conseguimatá-la.Porisso,deixeioespetoenfiadoemsuacabeçae
zarpei dali.Logo, porém, percebi que ele me perseguia, apesar de
estarcego; e, ademais,atirou em minhadireção um anelencantado,
queseencaixounodedãodomeupéelápermaneceu.
— De ondeestava, então, o gigante chamoupelo anel e, para
minhagrande admiração, este lherespondeu desdeo meu pé.
Guiadopela joia, a criaturadeuum salto para cimademim, mas tive
a sorte de perceber o m ovimento e me esquivei,felizmente
escapando doperigo.Assim, me deiconta deque erainútil correr
parasalvar-me,ao menosenquanto levasse no pé aquele anel.
Portanto,dese mbainhei a espada,com elacortei forao dedão em
que ele estava encaixado e joguei ambosem um açudeque havia
aliperto.Nisso,ogigantechamounovamentepeloanel,quesemp
lherespondia devido ao poder do feitiço.Mas a criatura, pornão
saber o queeutinha feito,
imaginava quea joia ainda seencontrava
em algumaparte domeu cor po e, portanto,deuoutro saltoviolento
parame agarra r, indo cairnaágua, ondeseafogou,porqu e o açude
erafundodemais.
— Agora, senhor cavaleiro,vedes porqueperigos passei e a que,
noenta nto,escapei. Nãoobstante, soudefato aleijadoporque falta-
meodedãodeumdospés,desdeentão.
— Meu senhor e amo – disse,então, uma senhora anciã que
estiveraescuta ndotodo o tempo – a história
queacabas deescutar
é absolutamente verídica,como bem o sei, poissoueu a mulher
quevivia nocastelo dogigante e o senhor, meu amo, eraa criança
que quasetransformei em torta; e este,o homem que salvou tua
vida,fatoquepodes comprovar porte faltarum dedo,arrancado de
ti,conformeficastesabendo,afimdeenganarogigante.
O Cavaleiro do Valeestreito, tremendamente surpreso ante as
palavras daanciã e cientedequelhe faltavaum dosdedos desde a
tenrainfância,compreendeuqueahistóriaerabemreal.
— P oisentão é este o meu salvador? – disse o cavaleiro.– Ó,
bravo amigo, nãoapenas perdoo a todos vós, como vos manterei
juntoa mim enquanto viverdes.Aquineste castelo,vosfartareis em
banquetes como príncipes e recebereis as mesmas atenções que
eurecebo.
Ouvindo isso,todoslhe agradeceram dejoelhos,e o Ladrão Negro
lhecontou a razãoporque tentaram roubar o Guizo deCascavel,
bemcomoanecessidadequetinhamderegressarparacasa.
— Muit o bem – respondeu o CavaleirodoValeEstreito. – Nesse
caso, m eu corcelé vossoe, assim, poupa-sea vidaa este bravo
companheiro. Podeisirquandoquiserdes. Só vos peço que me
chameisou que venhais me verde quando em quando , paraque
nosconheçamosmelhor .
Os príncipes prometeram que o fariame, com grande alegria,
partiram parao palácio dorei,seupai, levando com eles o Ladrão
Negro.
A rainhamá passara todo essetempode pé em sua torre e,
quando ouviuos guizosressoando a grande distância,soubelogo
que os príncipes voltavam paracasatrazendo consigo o corcel.
Então,em um ferozataque deódioe raiva,precipitou- dose
altode
seucativeiro,estatelando-senochão.
Os três príncipesviveram felizes
e contentes durante o reinado do
pai, semprena companhiado LadrãoNegro. Não se sabe,
entretanto,o queaconteceu com eles apósa morte domonarca. [14
]

[14] De Os Contos da Hibérnia.


OLadrão-Mestre

RA U MA um camponês que tinha


VEZ trêsfilhos.Não
possuindo bens a lhes deixardeherança nem meiosde
encaminhá-los na vida, e sem sabero que fazer ,
resolveu chamá-los e dizer-lhesque tinhamsua
permissão para seguir o ofícioque bem entendessem e iraonde
lhesaprouvesse. Disse-lhestambém que de bom gradoos
acompanharia atécerta altura do caminho, e assim o fez.
Caminharam juntos atéum ponto ondetrês estradas se cruzavam.
Cadafilhotomou um caminh o, o paidisse-lhes adeuse voltou para
casa.Jamaispudesaber o quesucedeu aosdois maisvelhos, mas
afamadomaisnovocorreuomundo.
Aconteceu que, certa noite, quandoo jovematravessava uma
densafloresta,foisurpreend idoporum grande temporal. O vento
soprava com tanta fúriae choviatão forte,
que elemalconseguia
manter osolhos abertos.Quandodeuporsi, havia-se perdido, sem
conseguirdivis
aro caminho.Apesar disso,seguiuem frente, e por
fim avistouuma luzinha lá longe na floresta.Decidiuiratélá e
depoisde muito,muito caminhar , finalmente a alcançou. Era uma
casa grande,em que uma lareira flamejava tãoforte,que as
pessoassó poderiam estar acordadas. Entãoentrou; lá dentro
deparou-secomumavelha,muitoocupadaemseusafazeres.
—Boanoite,minhasenhora!–disseele.
—Boanoite!–respondeuavelha.
— Hutetu!Estáumatremendatempestadeláfora!
—Éverdade–replicouavelha.
—Possodormiraquieabrigar-meduranteanoite?
— Issonãoseria bom – respondeua velha bruxa–, pois,se os
moradores dacasaretornam e sedeparam contigo,matama ti ea
mimtambém.
—Masquetipodegentemoraaqui,afinal?
— Oh! Ladrões e malfeitores – respondeu a velha–;
sequestraram-quando
me eu erapequena,e desdeentão tivede
trabalharparaeles.
— Bem, ainda achoqueé melhor dormirporaqui– disse o jovem.
–Nãosaireiemumtemporaldesses,hajaoque. houver
—Bem,serápiorparati.
O rapaz deitou-seem uma camaqueficava ali
perto,mas nãoteve
coragemde pegarno sono; e foimelhor assim, poisos ladrões
chegaram, e a velhacontou-lhes que um rapaz desconhecido
aparecerae,pormaisquetentasse,nãoconseguiralivrar-sede
—V istesepossuíaalgumdinheiro?–perguntaramosladrões.
— E lenãoé dotipo que temdinheiro;é um vagabundo ! Tem no
máximoosfarraposquetrazsobreocorpo.
Os ladrões começarama cochichar entre sisobre o que fariam
comorapaz–seomatariamoulhedariamoutrofim.Ojovementão
levantou-ese travou com eles uma conversa, perguntando se não
precisavamdeumajudante,poisteriamuitogostoemservi-los
— Sim – responderam. – Se tiveres
jeito parao negócioque
fazemos,podeserquetenhasumlugarentrenós.
— É a mim indiferente o tipo
denegócio – disseo jovem –, pois,
quando saí decasa, meu pai deu-me licença paraque trabalhasse
noquebementendesse.
—Desejasroubar ,então?
— Sim – disse o moço, poi s acreditavaserum ofíciorápidode
aprender.
Nãomuitolongedalimoravaumhomemquepossuíatrêsnovilhos
um dosquaisseria levado à cidade paraservendido. Os ladrões,
que tinham ouvido a respe ito,disseram ao jovemque, se ele
conseguisse roubara rêspelo caminho,sem queo donodesse por
issoe sem machucá-lo, teria seulugar nobando como ajudante. O
jovem partiu, levandoconsig o um belo sapato com fivela deprata,
que estava esquecido a um cantoda casa. Posicionou-os
estrategicamente na estrada, em um ponto porondepassaria o
homem que conduziao novilho, e foi esconder-se na floresta,
debaixodeum arbusto. Quandoo homem passou,nãopôde deixar
denotarosapato.
— Mas que beleza!– exclamou.– Se ao menoshouvesse o par
,
eu o levaria paracasa, e minhavelha ficariade bom humorao
menosumaveznavida.
Ele tinha uma esposatão zangadae rabugenta que erabem
pequeno o intervalo
entre as surras que elalhedava.Considerou,
porummomento,quedenadavaliaumpédesapatosenãohaviao
outro,e então deixou-ono mesmo lugar ondeo encontrara e
prosseguiu via
gem. O jovem nãoperdeu tempo:apanhou o sapato e
saiuem dispar adapela floresta, o maisrápido que podia , a fim de
ultrapassar o homem e colocar novamente o sapato naestrada, em
umpontoondeficassebemvisível.
Quandoo homem passou com o animal e viuo sapato, ficoumuito
irritado
porter deixado o outro pé paratrás,em vez de trazê-lo
consigo.
— Volta reicorrendoparabuscá-lo– pensou –, e então tereium
bom parparaminhavelha;quem sabeassimelame trata bem ao
menosumaveznavida.
Ohomemretornouaopontoondetinhavistoosapatoeprocur
em vãopormuito tempo,atéque, porfim, viu-seforçado a voltar
levandoconsigoumúnicopé.
Entrementes, o jovemsurrupiou o novilho e fugiu. Quandoo
homem voltou e descobriu que o animal já nãoestava ali,começou
a chora re a lamentar-com se, medodoquea esposa faria com ele
quando soubesse doprejuízo. Subitamente, sobreveio-lhe a ideiade
voltarà casae buscar a outra rêsparaconduzi-la à cidade , tomando
muito cuidado paraque a mulher nãopercebesse nada.E assimo
fez:voltouparacasae,semsernotado,tomounovamenteaestra
levando consigo o segundo novilho.No entanto, os ladrões tinham
conhecimentodisso,porqueseutilizavamdemagia.Disserament
ao jove m que, se conseguisse roubara outrarês sem que o dono
desseporissoe sem machucá-lo, seria aceito pelosdemaisdo
bandocomoumigual.
—Bem,issonãodeveserdifícil–pensouorapaz.
Dessa vez, levou consigo uma corda,passou-apordebaixodos
braços e pendurou-se a uma árvore que ficava à beira daestrada,
em um ponto porondeo homem teria depassar . Enquanto elese
aproximava com o novilho, viuo corpo pendurado e arrepiou-dosse
pésàcabeça.
— Que triste sina deveter sidoa tua parateenforcares assim!–
disse ele. – Ora, bem! Nadapossofazer; nãoestáem minhasmãos
soprar-teoutravezavida.
E segui u em frente,levando o novilho.
O jovem saltou rapidamente
daá rvore, tomou um atalho, ultrapassou o homem e, uma vez mais,
pendurou-seàbeiradaestrada.
— Quiseraeu saber se foimesmo portristeza que tependuraste
aí, ou senãopassadeobradehobgoblin! – disse.– Ah! Hobgoblin
ouhomem,nadapossofazer–eseguiuseucaminholevandoarês.
Maisuma vez, o jovem repe tiu
o que fizeraantes: saltou,tomou
um atalho pelafloresta e pendurou-se em uma árvoreà beira do
caminho.
Entretanto, quando o homem se deparou de novo com o
enforcado, pensouconsigo: “Issonãome cheira bem! Será possível
que os três tin
ham o coração tão pesado detristeza que decidiram
se enfo rcar?Não podeseroutra coisasenãobruxaria! Hei de
descobrir a verdade”, e refletiu:
“Se os doisenforcados ainda
estiverem à beira daestrada, seráentão verdade; senão,o casoé
debruxaria”.
Amarrou o novilho a uma árvore e correu devolta paraverse os
enforcados seachavamnomesmo lugar . Nesseínterim, enquanto o
homem perscr utava cadaárvorepelo caminho,o jovemsaltou ao
chão,tomou a rêse fugiucom ela.Não é difícil imaginar a fúriado
homem quand o retornou e descobriu queseuanimal já nãoestava
ali.Chorou,bramiu aoscéus, mas porfim consolou-se com a ideia
deque o melhor seria voltarà casae levar consigo o terceiro boi,
sem que a mulher percebesse, negociando-na o cidade e fazendo
um bom dinhe iro.Então,sorrateiramente e sem chamara atenção,
voltouà casae levou a terce
irarês. Os ladrões, todavia, que tinham
conhecimento disso,disseram ao jovemque, se eleconseguisse
surrupiar o terceiro boicomo havia feito com osoutros dois,tornar-
se-iao mestre do bando.O rapazpartiu pela floresta e, quando
percebeu que o homem aproximava-seconduzindo o animal,
começoua mugira plenos pulmões, igualzinho a um novilho no
meio da mata. O rosto do homem iluminou-se, poisacreditou
reconhecer a voz do seu animal,e pensouque agorapoderia
recuperá-los. Amarrouo terceiro boia uma árvoree deixoua
estrada, embrenhando-se na floresta à procura dos animais
extraviados. Enquanto isso,o rapazfugiulevando consigo o terceiro
novilho. Quandoo homem voltou e viuque seu terceiro animal
tambémse fora,teve um acessode fúriaque nadapodiaconter .
Chorouamargamente, em um lamento sem fim, e pormuitos dias
nãotev e coragemde regressar à casa, temendo que a esposao
exterminasse sem nenhumremorso. Tampoucoosladrõe s estavam
contentes, poi s eramobrigados a admitir que o jovemagoraos
comandava. E ntão, um dia,decidiram uniresforços a fim depropor
ao jovem um desafio deveras impossível, e nesse intento tomaram
juntos a estrada, deixando-o sozinhoem casa. Ao ver-sesó, sua
primeira reação foisoltar os novilhos, que correram imediatamente
devolta para o dono,o qual,aovê-los, malcoubeem sidealegria.
Conduziu,a seguir , paraforadoestábulo todos os cavalos que os
ladrões possuíame carregou-os dascoisas maisvaliosas quepôde
encontrar – vasosde ouroe de prata, indumentárias e outros
objetosmagníficos.Pediuà velha quetransmitisse aosladrões seus
cumprimentos e agradecimentos, e que lhes dissesse que elese
fora,e quenãoseria fácilencontrá-lo. Tendodito isso,conduziu os
cavalos paraforado pátio.Depois de caminhar pormuito,muito
tempo,achou-se na mesma estrada porondeviajara na noiteem
queforaparar nacasadosladrões. Quandoseaproximou dacasa
paterna a ponto deconseguir avistá-la,tratoudevestir um uniforme
que encontrou em meioaospertences que tomara dosladrões, e
queparecia o deum general; adentrou, então,nopátio com toda a
pompadehomem importante . Entrou em casae pergunto u sepodia
hospedar-seali.
— Na verdade, não, meu senhor!– respondeu o pai. – Como
poderia hospedar um cava lheiro como Vossa Excelência? Mal
consigoarranjarparamimestasroupaseesteleitomiserávei
— Foste sempre um homem duro – disseo jovem –, e ainda mais
oserásseterecusaresareceberteuprópriofilho.
—Ésmeufilho?–perguntouohomem.
—Poisnãomereconheces?–respondeuojovem.
Entãooreconheceuedisse:
— M asqueofíciotomaste, quefez deti homem importante em tão
poucotempo?
— Cont ar-te-ei
qual foi– resp ondeu o jovem.– Disseste quepodia
dedicar-me ao que bem ent endesse, então me tornei aprendiz de
malfeitorese ladrões e, tendo cumprido o tempode aprendizado,
tornei-meumLadrão-Mestre.
Nesta altura,cumpredizer queo governador daprovíncia morava
ali,próximoà choupana;tinh a uma casafabulosa e tantodinheiro
quenem sepodia contar , e tambémuma linda e graciosafilha,
que,
alémdi sso, erasábiae bond
osa. O Ladrão-Mestre estava decidido
a desposá-lae, então,pediu ao paique procurasse o governador
para,emseunome,pedir-lheamãodafilha.
— Casoele pergunte
pelomeu ofício,dize-lhequesouum Ladrão-
Mestre–disseele.
—Estáslouco;sóumhomemforadesidiriaumaasneiradessas.
— D evesirao governador e pedir-lhea mão da filha;nãohá
remédio–insistiuojovem.
— M asnãome atrevo a procurar o governador paradizer-lheesse
disparate.
Ele é riquíssimoe possui em abundância todo tipo de
bens–replicou.
— N ão há remédio– disse o Ladrão-Mestre, decidido. – Deves
fazer o que ordeno,gostes ou não. Se palavras gentis nãote
convencem,irásdebaixodeimprecações.
Como o homem resistisse, o Ladrão-Mestre ameaçouferi-lo com
um enormegalhode bétula. Forçadoa ceder , foi pranteando e
gemendopelocaminhoatéaresidênciadogovernadordaprovín
— M eu bom homem, o que teaflige?– perguntou, ao vê-lo, o
governador.
Contou-lhe entãoquetinhatrês filhosquehaviamsaídodecasa,e
que, aopartirem,deu-lhes
permissão paraqueescolhessem o ofício
quequisessem.
— Agora– continuou –, regressou o maisnovoà casa, e não
parou de molestar-até me queeu viesse ter convosco,pedindo-vos,
emnomedele,amãodevossafilha;encarregou-metambémdevos
dizerqueéumLadrão-Mestre.
Ao pron unciar essaspalavras, o homem, gemendomuito , voltou
a
chorar
.
— Consola-te, meu bom homem – disse o governador
, com uma
risada. – Dize-lhequedeman douma prova doqueme dizes.Se ele
forcapaz de roubardo espeto o assado de domingo,quandona
cozinhaestivermos a vigiá-lo,terápermissão paracasar-secom
minhafilha.Dize-lheisto,sim?
O homem comunicou aofilho o queouvira, e o jovempensouque
aquilo seria fácil.Pôs então mãosà obraparacapturar trêslebres
vivas,as quaiscolocou em um saco, e vestiu-se em unstrapos
velhos paraficarparecendo tão pobre,mas tão pobre,que faria
penavê-lo. Sob essedisfa rce, no domingode manhã, penetrou
furtivamente napropriedade dogovernador , levandoconsigo o saco,
como se fosseum mendigoqualquer . O governador em pessoa e
todos da casaestavam na cozinha,montando guard a sobreo
assado.Tudocorria tranquilamente,quando o jovemdeixouescapar
dosacoumadaslebres,quesaiuatodavelocidadepelopátio.
— Uma lebre! – disseram quantos estavam nacozinha,e sentiram
vontadedeiratrásdela.
Ogovernadortambémaviu,masdisse:
— Deix ai-aem paz! De nadaadianta perseguiruma lebre queestá
afugir
.
Nãomuito tempo depois,o jo vem deixouescapar a segunda lebre.
Ao vê-la, os criados pensaramtratar-do se mesmo animal.
Novamente agitaram-se e tiveram vontade de iratrás dela,mas o
governadorreiterouqueeraumempreendimentoinútil.
Poucodepois, noentanto, o jovem deixouescapar a terceira lebre,
que dis parou pelo quintal,
correndo em círculos.Os criados viram
aquilo e acreditaram tratar-
e das mesma lebre, ainda a correr pelo
gramado,equiserammuitoiratrásdela.
— M as é uma lebre formidável!– disse o governador . – Vejamos
seconseguimosapanhá-la.
Deixou a cozinha,acompanhado pelos demais,e todos saíram
atrásdoanimal, queescapava em velocidade, perseguido portoda
aquelagente,emumaverdadeirapeleja.
Enquanto isso,o Ladrão-Mestre entrou nacozinha e fugiulevando
o assado.Se naquele diao governador tevecarnepara o jantar, não
saberia dizer
, mas certamen tenãofoicarne delebre, pois,apesar
depersegui-laatéficararfanteeexausto,voltoudemãosabana
Ao meio-diaveioo padre e, quando soubeda peçapregada pelo
Ladrão-Mestre,troçoudogovernadoranãomais . poder
— De minhaparte – disse o padre –, nãopossosequer imaginar-
mesendofeitodeboboporumsujeitodesses.
— Bem, aconselho-ate ter cuidado – disseo governado r–, pois
elepodeestarnoteuencalçosemqueosaibas.
O padre,contudo, reiterouo que dissera e caçooumuitodo
governadorporterseprestadoaoridículo.
À tarde veioo Ladrão-Mestre reivindicara mão da filhado
governador ,comoforaprometido.
— Antes, tens dedar-memaisalgumas mostras detua habilidade
– disseo governador , tentandofalar-lhesinceramente–, poiso que
fizesteatéagoranãofoinada de extraordinário. Poderias pregar
uma boapeçanopadre? Poisqueele agora estásentado lá dentro,
zombandodemim porter-me deixado enganar porum sujeito como
tu.
—Bem,issonãoseriatãodifícil–respondeuoLadrão-Mestre.
Trajou-se, então,
como um pássaroe cobriu-se com um enorme
lençolbranco;arrancou asasasdeum gansoe fixou-asnascostas;
nessedisfarce, subiuem um alto bordo que ficavano quintal do
padre.Q uando estevoltoupara casaà noitinha,o jovem começoua
gritar:
— PadreLourenço!PadreL ourenço! – poisesseerao nomedo
padre.
—Quemmechama?–perguntouopadre.
— Sou um anjo enviadoparaanunciar-vos que, devido à vossa
piedade, deveis ascender em vidaaos Céus – disseo Ladrão-
Mestre.– Estaríeis pronto paraacompanhar-menesta viagem
segunda-feira à noite?Poisvireiapanhar-vose levar-vos-ei em um
saco, e deveis desfazer-vosde todovossoouroe de toda vossa
prata,e doquemaispossuird esderiqueza mundana,empilhando-a
emvossomelhorsalão.
Entãopadre Lourenço caiude joelhosperanteo anjoe agradeceu-
lhe,e nodomingoseguinte proferiu
um sermão dedespedida, em
quecontou à assembleiaqueum anjo pousara nobordo queficava
em seu jardim e lheanunciara que, devido à sua ret idão,seria
levado aoscéusem vida.Enquanto proferiaessaspalavras, todos
naigreja,jovensevelhos,verteramlágrimas.
Na segunda-feira à noite,o Ladrão-Mestre apareceu novamente
vestido deanjo, e o padre,antes desercolocado nosaco, caiude
joelhos e agradeceu. Mal o padreachou-sepresono saco, o
Ladrão-Mestre começou a arrastá-lo por sobre pedrase
pedregulhos.
—Ai!Ai!–gritouopadre.–Aondemelevais?
— E ste é o caminho dosCéus. É duro o caminho dosCéus – disse
oLadrão-Mestre,earrastou-opelaestradaatéquase . omatar
Porfim, atirou- noo viveirodegansos dogovernador , e osanimais
começarama grasnar e a bicá-lo, e elesentiu-semaismorto que
vivo.
—Ai,ai,ai!Ondeestouagora?–perguntouopadre.
— No Purgatório – disse o Ladrão-Mestre, e partiu parabuscar o
ouro,a prata e todos osbens preciosos queo padre empilhara em
seumelhorsalão.
Na manhã seguinte, veioa tratadora de gansose ouviuos
lamentos do padre,que aind a estava estiradono chãodo viveiro,
dentrodosaco.
—Céus!Quemés,eoqueteaflige?–disseela.
— Ah! – disse o padre.– Se sois um anjo docéu, deixai- me saire
voltarà Terra outra vez, poisnenhumlugar é pior doque esse.Os
demôniosferem-mecomsuaslínguas.
— Não souum anjo – disse a moça, ajudando o padre a sairdo
saco. – Sou a tratadora dosgansosdo governador . sãoeles os
demôniosqueestavamabeliscar ossaVReverendíssima.
— Issosó pode serobradoLadrão-Mestre! Ah, meu ouro, minha
prata e minharica indumentá ria!– gritouo padreque, furioso, voltou
correndo paracasa, e com tanta pressa,que a moça pensou que,
subitamente,elehaviaenlouquecido.
Quando o governador soube do que acontecera ao padre,
gargalhou tanto que quaseteveuma síncope,mas quandoo
Ladrão-Mestre apareceu parareivindicar a mão de sua filha,
conforme foraprometido, elenovamente nãolhedeunadaalémde
belaspalavras,edisse:
— Deves provar-me uma vez maisa tua astúcia,paraque então
possaavaliar melhor o teuvalor. Tenhoem meu está bulodoze
cavalos, e arranjarei paraelesdoze tratadores, um paracada
animal.Se foresesperto o bastante pararoubar os cavalos de
debaixodeles,vereioquepossofazerporti.
— O que me pedis podeserfeito – disseo Ladrão-Mest re–, mas
tenhovossapalavradeque,aofazê-lo,tereiamãodevossafilha?
— Sim; seconseguires isso,fareiportio melhor quepude r– disse
ogovernador .
Entãoo Ladrão-Mestre dirigiu-se a uma vendae comprou
conhaque paraencher doiscantis debolso, colocando sonífero em
um deles e deixando o outro apenascom conhaque.Arranjou
depois onze homensparase esconderem atrásdo estábulo do
governador . E m seguida,convenceu uma velha,com palavras
gentis e uma boa paga, a ceder-lhe as vestes esfarrapadas eo
casaco, e, assim, de bengala em punhoe uma corcunda, foi
coxeando aocair danoiterumoaoestábulo dogovernador . Quando
ali chegou, os tratadoresestavamdandoágua aoscavalos para
passaranoite.
—Quequeresaqui?–disseumdeles,rudemente,àvelha.
— Deu s docéu! Como faz frio!– disse ela,a soluçar e tremer . –
Céus! Esse frio acabacongelando uma pobre carcaça velha comoa
minha!– Tremendo novamente e chacoalhando-suplicou:
se, – Por
Deus,deixai-mepassaraquiestanoite.
— Nada disso!Vai-tedaquiagoramesmo! Se o governador te
descobrenesteestábulo,estamosencrencados–disseumdele
— Pobrecriatura! – disseoutro, que sentiu penadavelha.– Ela
nãopodefazermalaninguém;podiaficarsentadaali.
Os demaiseramda opinião de que eladevia irembora,mas,
enquanto debatiam e tratavamdoscavalos, ela esgueirou-se maise
maispelo estábulo
e, porfim, sentou-se atrásdaporta, e, uma vez
ládentro,ninguémmaisdeuporela.
Conformea noite se arrastava, mais difícilera permanecer
montadonoscavalos.
— Cruzes! Que friomedonho! – disseum dos trata dores,e
começouabaternopeitocomosbraços,paracimaeparabaixo.
—Estoutiritandodetantofrio–disseooutro.
— Se ao menosalguémtivesse um poucodetabaco – disse um
terceiro.
Bem, um deles tinha um bocado, que foi compartilhado entre
todos,e, emborafosse muitopouco paracada um, eleso
mascaram.Foidealgumaajuda,maslogosentiramtantofrioquan
antes.
—Nossa!–disseumdeles,tremendodenovo.
— Raios! – disse a velha,rangendo os dentes e batend o-os uns
contraos outros.Sacouentão docantil em quesó havia conhaque,
asmãostrêmulas chacoalhandoa garrafinha, e tomou doconteúdo
dofrasc o, produzindoum forte ruídoconforme o líquidopercorriaa
garganta.
— Que tens aí nocantil,velha? – perguntou um dostratadores de
cavalos.
—Ah,apenasumpoucodeconhaque,meusenhor–disseela.
— Conhaque!Mas o quê! Dá cá um gole!Dá cá um gole!–
gritaramosdozedeumasóvez.
— A h, m astenhotão pouco– lamentou-a sevelha.– Nãochegará
amolhar-vosaboca.
No entanto, osrapazes estav am decididos a beber um gole,e não
havia remédiosenão obedecer-lhes.Ela, então,tomou nasmãoso
cantil
com o sonífero e colocou-sobre
o oslábios doprimeiro deles;
agorajá nãotremia, mas conduzia o cantilparaque cadaum
tomasse o suficiente.
Malacabara o décimosegundo debeber sua
cota,o primeirojáestava aosroncos. O Ladrão-Mestre livrou-das
se
vestes demendiga e, erguendo os tratadoresdecavalo, um a um,
colocou-os escarranchados sobre as divisórias dasbaias;chamou
então seusonze homens,queesperavam dolado defora,e fugiram
pelaestradalevandoosdozecavalos.
Pelamanhã,quando o governador veioinspecionar o estábulo, os
tratadores começavam a recobrar a consciência. Ao acordarem
naquele estado , em posição tão inusitada, fincaram asesporas nas
divisórias,
tentando equilibrar- ese,
lascas demadeira voaram pelos
ares.Algunsestatelaram- nose
chão, ao passoque outros, ainda
montadosnasdivisórias,olhavamparvamente . aoredor
— Ora, bem! – disse o governador . – Não é difícil adivinhar quem
passouporaqui. Bando de imprestáveis! Como pudestes permitir
queoLadrão-Mestreroubasseoscavalossobvossasbarbas?
E todos levaram chicotadas pornãoterem montado guarda como
deveriam.
Mais tarde, o Ladrão-Mestre compareceu perante o governador ,
narrou-lhe o quehavia feito e reivindicoua mão dafilha, como fora
prometido. O governador , todavia,deu-lhe cem dinheiros , dizendo-
lhequedeveriafazeralgoaindamaisespetacular .
— Pensas sercapaz derou bar-me o cavalo enquanto eu estiver
nelemontado?–perguntou.
— Bem, issopodeserfeito – disse o Ladrão-Mestre. – Contanto
queeutenhaabsolutacertezadequetereiamãodevossafilha
O governador respondeu que faria o possível, avisando que, em
certodia,sairiaacavalgarpelocampoondetreinavamsoldad
O Ladrão-Mestre imediatamente providenciou uma égua velha e
fez paraelauma coelheira de vimeiros verdes e ramosde giesta;
comprouuma carroça aosfrangalhos e um barril grande,e, então,
convenceu uma velha pedinte, oferecendo-lhe dez dinheiros, a ficar
dentro do barril, com a bocabem aberta sob o buraquinho da
torneira,
pelo qual enfiariaum dedo.Não lhe ocorreria nenhummal;
ela seri
a carregada pordeterminada distância e, seele removesse o
dedodo buraco maisde uma vez, elateria maisdez dinheiros.
Cobriu-se então detrapos, pintou-se defuligem,vestiu uma peruca
e afixounorosto uma longa barba depelo decabra,detal modo
queeraimpossível reconhec ê-lo. Feito isso,dirigiu-se
aocampode
treinamento de soldados, ondeo governador estava a cavalgar
haviajábastantetempo.
Quandoo Ladrão-Mestre chegouao local, a égua movia-setão
lentamente que a carroça parecia nem sairdo lugar . O animal
avançava um pouquinho, depois ia um poucoparatrás,depois
paravaum momento.Entãoavançounovamente, e com tanta
dificuldade,
queo governado rnãopoderia imaginar queali estavao
Ladrão-Mestre.Cavalgou em direção a ele e perguntou- e lh
setinha
vistoalguémescondidonobosquequehavianasredondezas.
—Não–disseohomem–,nadavi.
— O uve-me – disse o governador . – Se puderes cavalgar atéo
bosque, à procura de um sujeito que aliestá escondido, te
emprestarei meu cavalo,e terásuma boa recompensa porteu
incômodo.
— N ãoseise possofazê-lo – disse o homem –, poisvou a um
casamento levarestebarrildehidromel queme encarregaram deir
buscar, e, como a torneira caiupelocaminho,tenho agorade
mantermeudedometidonestaabertura.
— O ra, vaià floresta– disse o governador –, e eu cuid o do teu
barriletambémdoteucavalo.
O homem então respondeu que, sendoassim, eleiria,mas
implorou aogovernador quecuidasse demeter o dedonoorifício da
torneiranoexato momento em queele removesse o seu, aoqueele
respondeu que fariao seu melhor , e lá se foi o Ladrão-Mestre
levandoocavalodogovernador .
O tempo foipassando, a noite caindo, e nadado homem voltar .
Por fim, o governador ficoutão cansado de manter o dedono
buraquinhodatorneiraqueoretirou.
— Agorasãomaisdez dinhe iros!– gritou a mulher lá dedentro do
barril.
E leentãose deucont a deque tipo dehidromel se tratavae
voltou paracasa. Percorrera um pequenotrecho do caminho
quandoseu criado veioencontrá-lo, trazendo-lhe o cavalo que o
Ladrão-Mestretiveraadelicadezade . devolver
No diaseguinte, o Ladrão-Mestre foireivindicarao governador a
mão desuafilha,como foraprometido. No entanto, o governador ,
uma vez mais, despachou-com o belaspalavras e apenas lhedeu
trezentosdinheiros,alegando queseria necessário maisuma obra-
primadeesperteza, e que, se fossecapazdetal coisa,teria a mão
dafilha.
Bem, o Ladrão-Mestre refletiu
queisso seria possível, sesoubesse
qualseriaodesafio.
— Crês serpossível roubar- me os lençóis demeu leito e o gorro
dedormirdeminhaesposa?–perguntouogovernador .
— Issonãoé de modoalgumimpossível – disse o Ladrã o-Mestre.
–Adorariaquefosseassimtãofácilconseguiramãodevossafilha
Assim, tarde danoite, o Ladrão-Mestre saiuà estrada e cortoua
corda em que pendia um enforcado; tomou nosombroso infeliz e
levou-oembora.Arranjou uma escada,escorou-contra
a a janelado
quarto do governador , subiu-a e começoua movera cabeçado
morto paracimae parabaixo, como se fossealguémque, defora,
espiasseparadentrodorecinto.
— Vê lá! É o Ladrão-Mestre, mulher!– disseo governador ,
cutucandoaesposa.—Heideacabarcomele!
Apanhouumriflequeficavaàbeiradacama.
— Oh, nãofaçasisso – disse a esposa.– Tu mesmo o atraíste até
aqui.
— H eideatira rnele,mulher – respondeu, e ficouali a fazermira,
ajeitando- a todo
a instante, pois,mala cabeçaseerguia,abaixava-
senovamente e sumiadevista. Porfim, teve uma chance deacertar
e di
sparou.O corpo sem vida foiaochãocom um forte estrondo,e
comoumraiooLadrão-Mestredesceuasescadas.
— Bem – disse o governador –, porcertoquesouo chefeporaqui,
mas boatos correm,e nãoseria bom quevissemo corpo domorto;
omelhorafazeréirláforaenterrá-lo.
—Fazeoqueacharmelhor ,marido–disseaesposa.
O governador levantou-d se,
esceuas escadas e saiupela porta.
Logo em seguida,o Ladrão-Mestre entrounacasaàs escondidas e
subiuparaoquartodocasal.
— Bem, meu querido – disse ela,acreditando tratar- dosemarido.
–T erminasteoquefostefazer?
— A h, sim, apenas joguei-em o uma vala – disse ele– e cobri-o
com um poucode terra; foi tudo que pudefazer , deba ixo desse
tempoterrível. Hei de enterrá-melhor lo depois,mas dá cá este
lençol, paraque eu me limp e, poiso homem estava sangrando e
sujei-meaocarregá-lo.
Entãoamulherestendeu-lheolençol.
— Dá-me teugorro também– disse ele–, poisvejo que o lençol
nãoserásuficiente.
Elaentregou-lhe o gorrodedormir , e nistoele sedeuconta deque
havia esquecido detrancar a porta, sendo forçado a irlá embaixo
antes devoltarpara o leito. S aiuentão doquarto levando o lençol
e
ogorrodedormir .
Umahoradepois,retornouoverdadeirogovernador .
— Tomou-temuito tempoirtrancar a porta, marido!– disse a
esposa.–Equefizestedolençoledogorrodedormir?
—Quequeresdizer?–perguntouogovernador .
— Estouperguntando quefizeste dogorro e dolençol quetomaste
paratelimpardosanguequetesujou–disseela.
—DeusdoCéu!–exclamouogovernador ,quasesemacreditarna
própriaconstatação. eráele–T meenganadomaisumavez?
O sol despontou e, com ele,o Ladrão-Mestre, quefoireivindicar a
mão dafilha dogovernador , como foraprometido. Estenãoousou
contrariá- elo
deu-lhe a mão damoça, alémdemuito dinheiro,
pois
temia que, se nãoo fizesse, o Ladrão-Mestre lheroubaria os
próprios olhosdacara,e ficaria malfaladoportodos naprovíncia.O
Ladrão-Mestre viveu felizosanosqueseseguiram.Se algumavez
voltou
a roubar
, eu nãosabe
ria
dizê-lo, mas, seo fez, foipormero
passatempo.
[15]

[15] P .C.Asbjornsen.
IrmãoeIrmã

IRMÃOT OMOU airmãpelamãoedisse:


— V ê, nãotiv emos uma únicahorafelizdesdeque
nossamãe morreu. A nossamadrasta nos bate
regularmente todos os dias, e se ousarmosnos
aproximar
, ela nosexpulsa aospontapés. Nadaconseguimos senão
cascasdepãoparacomer– ora,o cachorro que ficaembaixoda
mesaé maisbem tratado doquenós. Elalhe lança um oudois bons
bocados vez ou outra. Ó, querida!Se nossadileta mãe soubesse
disso!Vemcomigoevamossairporessemundoafora!
Assim, partiram a caminhar porcampose prados,porsebese
fossos,ecaminharamumdiainteiro.Quandochoveu,disseairmã:
—Oscéuseonossocoraçãochoramjuntos.
Quaseà noitinha, chegaram a uma grande floresta e estavam tão
cansados e famintos da longa caminhada, bem como de todos os
problemas, que se esgueira ram paradentro de uma árvore ocae
logocaíramnosono.
Na m anhãseguinte, quando acordaram,o sol já iaaltonos céuse
lançavaraios vívidos e quentesparadentro daárvore.Então,disse
oirmão:
— E stou com tanta sede,irm ã. Se soubesse ondeencontrar um
riacho,
iriaaté lá e beberiaum poucod’água. Acho queouvium por
aqui.
Deu um salto, pegoua irmãpela mão, e partiramem buscado
riacho.
Ora, a madra stacruel,na verdade, erauma bruxa e sabia
perfeitamentebem que as duas crianças tinhamfugido. Em
segredo,elaos seguira,furtiva, e lançara feitiços
em todos os
ribeirõesdafloresta.
Pouco tempodepois,as crianças encontraram um pequeno
córregoa correre reluzirporsobre
aspedras. O irmãoestavaávido
porbebera á gua, mas, ao se precipitar em sua direção,a irmã
ouviuoriachoamurmurar:
— Q uem dem im beber , um tigre
setornará! Quem dem im beber ,
umtigresetornará!
Então,elagritou:
— Ah, querid o irmão! Imploro-te que não bebas ou serás
transformadoemumaferaselvagemeirásreduzir-meafrangalhos
Oirmãoestavamortodesede,masnãobebeu.
— Muito bem – disse ele,– esperareiatéchegarmos à próxima
fonte.
Aochegaremaosegundoriacho,airmãtambémoouviurepetir:
— Q uem dem im beber , um lobo
setornará! Quem dem im beber ,
umlobosetornará!
Eimplorou:
— A h, irmão!Peço-teque nãobebasdeste tambémou serás
transformadoemumloboeirásmedevorar .
Maisumavez,oirmãonãobebeu,masdisse:
— Bem, esperarei um poucomaisaté quecheguemosaopróximo
riacho,
mas, aí, o que querque elediga,realmente devereibeber ,
poisnãosuportomaisasede.
E, quando chegaramao terceiro córrego,a irmão ouviudizer
enquantocorria:
—Quemdemimbeber ,seráumacorça!Quemdemimbeber,será
umacorça!
Eelasuplicou:
— A h, irmão!N ãobebasainda ou tetornarás
uma corça e fugirás
demim.
Entretanto, o irmãojá estava ajoelhandona beirado riacho e
inclinando- para
se beber a água e, como eracerto,
tão logoseus
lábios tocaram a água, ele caiunogramado,transformadoem uma
pequenacorça.
A ir
mã chorou amargamente pelopobreirmãoenfeitiçado, ea
pequena corçachorou tambéme sentou-se aoladodela.Porfim, a
meninadisse:
—Nãotepreocupes,queridacorcinha,nuncateabandonarei.
E tir
ou sualiga dourada e amarrou aoredordopescoço dacorça.
Depois, colheu juncos e trançou uma cordamuitomacia, que
amarrou à coleira.
Após fazerisso,levoua corçaparamuito longe,
diretoparaasprofundezasdafloresta.
Após caminharem poruma longa trilha,chegaram a uma casinha.
A m enina olhou paradentro , a descobriu vaziae penso u: “Talvez
possamospousareviveraqui”.
Assim, foiprocurar folhas e musgo parafazeruma cama macia
para a corça e todas asmanhãse noites saíaa colherraízes, nozes
e bagospara sie gramafres ca e tenrapara a corça.A corçacomia
namãodamenina,brincavaaoredordelaepareciabemfeliz.
Numa noite, a irmã estava cansada.Dissesuasorações,pousou a
cabeçanodorso dacorça como se fosseum travesseiro e caiuno
sono.S e o irmão estivesse em suaformanatural, realmente, esse
teriasidootipodevidamaismaravilhoso.
Estavama viver dessamaneira na floresta poralgumtempo
quando porlá passou o reidaquele país, quepromovia uma grande
caçada pelosbosques.Nessa ocasião, toda a floresta
soava com as
cornetas,olatidodoscãeseosgritosalegresdoshomens,dem
queacorçaouviuissoequisjuntar-seaelestambém.
— Ah! – disse a corça à irmã – deixa-meirà caça! Nãopossomais
ficaraquiparado.
E o menino em formadecorça pediu e implorou,atéque, porfim,
elaconsentiu:
— M as– disse ela –, cuida de voltar
à noite. Trancareia porta por
medodesses caçadores violentos;portanto,para tercerteza deque
és tu,bate naporta e diz: “querida irmã,abre;estou aqui”. Se não
falares,nãoabrireiaporta.
Assim,partiuapequenacorça,sentindo-semuitofelizaoarlivr
O reie os caçadores logoavistaram a bela criatura
e saíramem
seuencalço, mas nãoconseguiam segui-la.Quandopensavam que
eracer tocapturá-la, elavirava paraum lado,escondendo-se por
entre os arbustos e desaparecia. Quandochegoua noite, foipara
casae,aobaternaportadacasinha,gritou:
—Queridairmã,abre;estouaqui.
E a porta se abriu,e a corçacorreu paradentro e descansou a
noiteinteiranacaminhamaciademusgo.
Na manhãseguinte, a caçada começounovamente, e logoque a
corçaouviuas cornetas e o “ho! ho!” dasvozesdoshomens,não
pôdedescansarnemmaisummomento,edisse:
—Irmã,abreaporta!enho T desair
.
Airmãabriuaportaedisse:
—Cuidadevoltaraocairdanoiteedizeraspalavras.
Assim que o reie os caçadores virama corçacom a coleira
dourada, correram atrás dela, mas o animal eramuito veloze ágil
para eles. Assi m transcorreu o diainteiro, mas aochegar a noite, os
caçadores,aospoucos,cercaramacorçaeumdeleslhemachucou,
deleve,apata,demodoqueelasaiuamancarecorreu. devagar
Então,o caçador foiàs escondidas atrás dacorça atéa casinha e
a ouviudizer:“Querida irmã,abre;estou aqui”.Viua porta seabrir e
fecharassimqueacorçaentrou.
O caçador memorizoutudo com cuidado e partiudireto aoreipara
contar-lheoquetinhavistoeouvido.
—Amanhãiremoscaçarnovamente–disseorei.
A pobreirmã ficouterrivelmente amedrontada aovercomo a corça
foraferida.Lavouo sangue,envolveu com ervas a pata machucada
edisse:
— Agora, querido, deita e descansa paraque tuaferida possa
cicatrizar
.
A ferida naver dadeeramuito leve,demodoquenodiaseguinte a
corça estava bem e nãosen tia maisnada.Tãologoouviuos sons
dacaçadanafloresta,gritou:
— Não possomais aguentar , tenho de estar lá também. Terei
cuidadoparaquenãomecapturem.
Airmãcomeçouachoraredisse:
— Elesestão determinados a tematar e, então,ficarei sozinhana
florestaeesquecidaportodos.Nãopossoenãovoudeixar- . tesa
— Entã o, morrerei detristeza – respondeu a corça –, poisquando
ouçoaquela corneta sinto comosedevesse sair
dedentro deminha
pele.
Porfim, quando a irmãentendeu quenadamaispodia fazer, abriu
a portacom o coração pesado,e a corçadisparou pela floresta,
jubilosaesaudável.
Assimqueoreiviuacorça,disseaoscaçadores:
— O ra,persegui-na portodo o diaatéa noite,mas prestaiatenção
ecuidaiparanãomachucá-la.
Quandoosolsepôs,oreidisseaoseucaçador:
—Agora,vememostraacasinhanafloresta.
E,quandochegouàcasa,oreibateunaportaedisse:
—Queridairmã,abre;estouaqui.
Então,a porta se abriue o reientrou,e lá estavaa donzela mais
adorávelquejamaisvira.
A m oça estava muitosurp resa, poisem vez da corça que
esperava,viuentrar um homem com uma coroa deouro nacabeça.
No entanto,o reia olhou com ternura, tomoua mão da moça e
disse:
—V iriascomigoaomeucasteloeseriasminhaqueridaesposa?
— Ah, sim! – respondeu a donzela – mas tens dedeixar a minha
corçavirtambém.Nãopoderiaabandoná-la.
— Ela ficarácontigo enqu anto viveres e nadalhefaltará. –
prometeuorei.
Nesseínterim, a corçaveiosaltitando e a irmã,maisuma vez,
amarrouacordadejuncosàsuacoleira,tomouacordanasmãose
assim,partiram,juntos,dacasinhadafloresta.
O reiergueua donzela solitáriaatéseucavalo e a levouparao
castelo,ondefoi celebrado o casamento no maioresplendor . A
corça erabem cuidada, acariciada e corria
à vontade pelosjardins
dopalácio.
Ora, durante todo essetem po, a madrasta malvada, que foraa
causadosinfortúniosefatigantesaventurasdessascriança
totalmenteconvencida deque a irmãforafeita em pedacinhos por
ferasselvagens e o irmão,abatido e morto,na formade corça.
Quandoelaouviucomo elesestavam felizes e prósperos, seu
coração encheu-sede invej a e ódioe nãoconseguia pensar em
maisnadasenão num jeito de causar-lhesnovos infortún
ios.A filha
dela,que erahorrenda como a noite e tinha um olhosó, a
repreendeu,aoafirmar:
—Euquedeveriatertidoessasorteemetornadoumarainha!
— Fica quieta – dissea velhamulher–; quandochegaro
momento,estareipronta.
Depoisdealgumtempo,aconteceu deum dia,quando o reisaiu
paracaçar , a rainha darà l uz um belo menininho.A velha bruxa
acreditou seruma ótimaoportunidade, então assumiua formade
uma dama de companhia e correu parao quarto ondeestava a
rainha,deitadanacamaedissealto:
— O banhoestáquasepronto. Istoajudará a fortalecer-vos
novamente. inde,
V sejaisrápida,poistemoqueaáguafiquefria.
A fil
ha da bruxa tambémestava porperto e asduascarre garama
rainha,queainda estava muito enfraquecida,paraa salade banhos.
Puseram-nanabanheira,trancaramaportaeforam-seembora.
Com antecedência, tiveram o cuidado de fazer um fogo bem
quentedebaixodabanheira,paraqueajovemrainhasesufocass
Logo que esta vam certas dequeseria esseo caso,a velhabruxa
amarrou a touca nacabeçadafilha e a deitounacama darainha.
Ela tam bém tentou tornar a figurae aparência geral da filha
semelhantes às da rainha,mas nem o seu poderconseguia
restaurar o olho queela perdera, demodoquea bruxaa fez deitar-
se parao lado do olho que faltava, paraevitar que o reinotasse
algumacoisa.
À noite, quand o o reivoltou paracasae ouviuas boas-novas do
nascimento dofilho, ficoucheiodecontentamento, e insistiu
em ir,
imediatamente, à cabeceira da esposaparavercomo elaestava
passando.Entretanto,avelhabruxagritou:
— Tomaicuidado e mantende as cortinascerradas;nãodeixai a
luzchegaraosolhos da rainha, eladevesermantida em perfeito
repouso.
Assim, o reiprosseguiu e nuncadescobriu que eraa rainha falsa
queestavadeitadanacama.
Quando chegou a meia-noite e todos no paláciodormiam
profundamente, a ama, quesozinha tomava conta dobebê noberço
no quarto da criança, viua porta se abrir gentilmente, e quem
apareceu,senão a rainhaverdadeira?! Elatirou a criança doberço,
tomou-anosbraços e a acalentou poralgumtempo.Depois, com
cuidado,afofouostravesseiros dacaminha,pôs o bebê devolta eo
cobriucom a m anta. Elatambémnãoesqueceu dapequena corça,
mas foiatéo canto em que elaestava e, carinhosamente, afagou
seu dorso. Então,em silêncio, deixouo quarto e, na manhã
seguinte,a ama perguntou às sentinelas se haviamvisto alguém
entrar no castelo. Todos disseramque não tinhamvisto
absolutamenteninguém.
Por muitas noitesa rainha apareceu da mesma maneira,mas
nunca disse uma só palavra,e a aiaestava muito amedro ntada para
falaroquefossearespeitodasvisitas.
Depoisdepassadoalgumtempo,emumanoite,arainhafalou:
— O meu filho estábem? A minhacorça estábem? Voltarei duas
vezesmaisedepoisdireiadeus.
A aianãoresp ondeu,mas, tão logoa rainha desaparece u, elafoi
aoreicontar-lhe.Oreiexclamou:
— Deu s meu! O que tudisseste? Eu mesmo ficarei guardando
estanoiteàcabeceirademeufilho.
Ao chegar a noite,elefoiatéo quarto dacriança e, à meia-noite,a
rainhaapareceuedisse:
— O m eu filhoestábem? A minhacorça estábem? Vol tarei uma
vezmaisedepoisdireiadeus.
Acalentou e acariciou a criança como de costume antes de
desaparecer. O reinãoteve confiança dedirigir-lhe a palavra, mas
nanoiteseguinte,manteve-seemvigíliamaisumavez.
Naquelanoite,quandoarainhachegou,eladisse:
— O meu filhoestábem? A m inha corça estábem? Vim dessa vez
e,agora,adeus.
Então,o reinãomaisse conteve, mas saltou parao seulado e
exclamou:
—Nãopodessernenhumaoutrasenãoaminhaqueridamulher!
— S im – disse ela–, sou tuaquerida mulher!E, no mesmo
momento,voltou à vida,tãorenovada e rubracomo nun ca. Nessa
altura,
elacont
ou aorei toda
s ascrueldades quea bruxamalvada e
a filha
haviamfeito.O rei
mandouprendê-las imediatamente,levou-
asa julgamentoe foramcondenadas à morte.A filha
foilevadapara
a floresta,
ondeas ferasselvagens a fizeramem picadinho, ea
velhabruxafoiqueimadanafogueira.
Em pouco tem po foireduzidaa cinzas,e o feitiço foiretirado
da
pequena corça,que retorno
u à formanatural. Então,o irmão ea
irmãviveramfelizesparasempre.[16]

[16] IrmãosGrimm.
PrincesaRosette

RA UMA VEZum reie uma rainha que tinham doisbelos


filhose uma filhinhatão bonita
que ninguémconseguia
deixar deamá-la. Quandochegoua épocadobatizado
da princesa, a rainha – como semprefazia– mandou
chamartodas as fadasà cerimônia e depois
as convidou paraum
banqueteesplêndido.
Terminado o banquete, quando todos estavamsepreparando para
sair
,arainhalhesdisse:
— N ãoesqueçais devosso antigocostume,
dizeio queacontecerá
aRosette–poisesseeraonomedadoàprincesa.
As fadas, no entanto, disse
ram que haviamdeixado o livro
de
magiaemcasa,equeviriamumoutrodialhecontar .
— A h! – exclamou a rainha.– Seimuitobem o queissosignifica,
nãotendes nadaa dizer, mas ao menospeçoque nadaescondam
demim.
Assim,depoisdemuitapersuasão,elasdisseram:
— Senhora,tememos que Rosette possasera causadegrandes
infortúniospara os irmãos;eles podematéencontrar a mortepor
causadela.Isso é tudo quesomoscapazesdeprever sobrevossa
querida filhinha.
Lamentamos muito nãopodermos voscontarnada
melhor.
Depois disso,partiram, deixandoa rainha muito triste,
tão triste
queoreipercebeueperguntou-lhequaleraoproblema.
A rainha contou que estava sentada muito perto do fogo e que
queimaratodoolinhodesuaroca . defiar
— Oh, foisó isso?– pergu ntou o rei,e subiuatéo sótão e lhe
trouxe maislinho doqueela poderia fiar em cem anos.Entretanto, a
rainha ainda parecia triste,
e o rei perguntou-lhe novamente qualera
o proble ma. Ela respondeu queestivera andando aolongo dorio e
deixaracairumdeseussapatinhosverdesdecetimnaágua.
— O h, foisó isso?– perguntou o rei,e mandouordens a todos os
sapateiros do reinoque, em pouco tempo, fizeram dez mil
sapatinhos verdes de cetim paraa rainha, mas ainda assimela
pareciatriste.
Nessaaltura, o reiperguntou -lhedenovoqual erao problema e,
desta vez, ela respondeu que aocomerapressadamente o mingau,
engolira suaaliança decasa mento.Acontece queo rei estava bem
informado,poiselemesmoestavacomaaliança,edisse:
— Oh! Não estása contar-me a verdade, poistenho a aliança em
minhabolsa.
Então,a rainha ficoumuito envergonhada e viuque o reiestava
aborrecido com ela,de modo que lhecontou o que as fadas
previram a respeito deRosette, implorando-que lhepensasse como
osinfortúniospoderiamserevitados.
Dessavezfoioreiquemficoutristee,porfim,disse:
— N ãovejo m aneiradesalvar nossos filhos,
a nãosercortando a
cabeçadeRosetteenquantoelaaindaécriança.
Entretanto, a rainha gritou que preferia ter a própria cabeça
cortada e que eletinha depensar em algomelhor , poiselanunca
consentiria com aquilo. Pensaram,pensaram,mas nãosabiamo
que fazeratéque, finalment e, a rainha ouviuque em uma grande
floresta perto docastelo havia um velho ermitãoque vivia em uma
árvore ocae aspessoas vinham delonge para pedir-lheconselhos;
então,disse:
— É melhor eu irpedir-lhe um conselho, talvez elesaibao que
fazerparaevitarosinfortúniosprevistospelasfadas.
Ela partiu bem cedo, na manhãseguinte, montada em uma bela
mulinha branca , com ferraduras deouromaciço,seguida porduas
damasdecompanhia, que cavalgavam atrás em belos cavalos.Ao
chegaremà floresta, desceram dosanimais, poisas árvoreseram
tãopróximasque os cavalos nãopodiampassar , e seguiram
caminho a pé atéa árvore oca em quevivia o ermitão. De início,ao
vê-lasse aproximar , eleficouirritado, poisnãogostava muito de
senhoras;mas,aoreconhecerarainha,disse:
—Sedebem-vinda,minharainha!Oquevindespediramim?
Então,a rainha contou-lhe o que todas as fadaspreviram para
Rosette e perguntou-lhe o que fazer. O ermitão respondeu que ela
devia tr
ancar a princesa em uma torre e nuncamaisdeixá-lasair
novamente. A rainha agradeceu e o recompensou. Voltaram
rapidamente aopalácio paracontar aorei.Ao ouvir asnotícias, fez
construir
, o maisrápido quepôde, uma grande torree aí a princesa
foitrancada. O rei,a rainha e os dois irmãos iam visitá-latodos os
dias,paraque nãoficasse entediada. O irmãomais velho era
chamadode“Grande Príncipe”e o segundo de“Pequeno Príncipe”.
Amavam profundamente a irmã, poiseraa princesa maisdocee
bela quejá tin ham visto e o menorsorriso delavalia mais quecem
peçasde ouro.QuandoRosette fez quinzeanos,o GrandePríncipe
foiatéo reie perguntou se já nãoerao momento daprincesa se
casar,eoPequenoPríncipefezamesmaperguntaàrainha.
Suas Majestades acharam graçadeles pensarem nisso,mas não
deramnenhuma resposta e, logo,o rei e a rainhacaíramdoentes e
morreram no mesmo dia. Todo mundo lamentou, em especial
Rosette,etodosossinosdoreinorepicaram.
Nessaaltura, todos os duques e conselheiros puseram o Grande
Príncipe no trono dourado e coroaram-no com uma coroade
diamantes,bradandotodos: idalonga
“V aorei!”.Depoisdisso,foram
sófestejosecomemorações.
Onovoreieseuirmãodisseramumaooutro:
— Agoraque somosos senhores, tiremos nossairmãdaquela
torremaçantequetantoaaborrece.
Tinhamapena s de cruzaro jardim parachegarà torre, que era
muitoalta e ficava em um canto. Rosette estava ocupada com seus
bordados, mas ao veros irmãos levantou-e,se tomando a mão do
rei,clamou:
— Bom dia,querido irmão.Agoraque és rei,porfavor , l
iberta-me
dessatorremaçante,poisestoumuitoentediada.
Então,começou a chorar , m aso rei a beijoue disse quesecasse
aslágrimas,poisforaparais soqueele viera,paratirá-la datorre e
levá-laao belopalácio.O príncipe mostrou o bolsocheiode
confeitosquetrouxeraparaela,edisse:
—Apressa-teevamossairdessatorrehorrenda,muitoembreve
reiprovidenciaráparatiumgrandecasamento.
QuandoRoset teviuo belo jardim,cheio defrutos e deflores,com
a gramaverde e fontesborbulhantes, ficoutão admirada que não
podiadizeruma só pala vra, pois nuncana vidaviraalgo
semelhante. Olhouao redor , correu paracima e parabaixo,
colhendo frutas e flores,
e seucãozinho Faísca, deuma orelha só,
estava todo verde-claro, girava diante dela,latindo “au-au-au” e
virandodepernasparaoardemodoencantador .
Todosse divertiram com as palhaçadas de Faísca, mas, de
repente,ele correu para um bosque,e a princesa o seguia,quando,
parasuagrande alegria,
viuum pavãoque abria a caudaao sol.
Rosettepensoununcater visto nadatão belo.Não podiatirar os
olhosdele e lá ficou,fascinad a, atéquechegaram o rei
e o príncipe
e perguntaram o quetanto a entretinha.Elalhes mostrou o pavão e
perguntou o queera.Elesres ponderam queeraum pássaro que, às
vezes,aspessoascomiam.
— O quê?! – exclamoua princesa. – Quem ousaria matar uma
criatura
tão bela e comê-la? Declaro que nuncame casarei com
ninguém, senãocom o Rei dos Pavões, e, quandofor rainha,
tomareicontadeleseninguémcomeránenhumdemeussúditos.
Aoouvirissooreificoumuitosurpreso.
— Mas, irmãzinha – perguntou, – ondeencontraremos o Rei do
Pavões?
— O h! Onde querque quei rais,senhor – elarespondeu, – mas
nuncamecasareicomnenhumoutro.
Depoisdisso,levaram Rosett
e aobelo palácio,e, junto
com ela,foi
levado o pavão.Ela disseao pavãoque andasse peloterraço,
debaixode suasjanelas, de modo que pudessesemprevê-lo.
Quandoas senhoras da corte iam visitar
a princesa, trazendo
presentesbelíssimos: vestidos,fitase doces,diamantes e pérolas,
bonecase sapatos bordados, eramuitíssimo bem educadae
lindamentedizia:“Obrigada!A”. princesa eratão graciosa
quetodos
sempresaíamencantadoscomela.
Entrementes, o reie o príncipe refletiam sobrecomo iriam
encontraro reidospavões, e se existia no mundotal pessoa.
Primeiro,mandarampintar um retrato da princesa,que ficoutão
parecidocom ela que nãoficaríeis surpresosse ele vosdirigisse
a
palavra.Então,disseramaela:
— Já que nãotecasaráscom ninguémsenãocom o Rei dos
Pavões, vamos sairjuntos pelomundo em buscadele.Se o
encontrarmosparati,ficaremos muito felizes.Nessemeiotempo,
tomacontamuitobemdenossoreino.
Rosette agradeceua todos portodo o transtorno que estavam
tendoporcausadela e prometeu tomar contamuito bem doreino.
Paradivertir-observaria
se, o pavãoe fariaseu cãoF aíscadar
pinotesparaelaenquantoestivessemfora.
Assimpartirameperguntavamatodosqueencontravam:
—ConhecesoReidosPavões?
Masarespostasempreera:
—Não,não.
E seguiramadiante, tão lon
ge que ninguémjamais estivera tão
distante.Porfim,chegaramaoReinodosBesouros.
Nuncahaviamvisto antes tantos besouros, e o zumbidoeratão
altoqueo rei temeuficar surdo.Perguntou aobesouro deaparência
maisdistinta que encontrou sesabia ondepoderia achar o Reidos
Pavões.
— Senhor– respondeu o besouro –, essereino ficaa trinta mil
léguasdaqui,viestespelocaminhomaislongo.
—Comosabesdisso?–perguntouorei.
— A h! – exclamou o besouro – todos vosconhecemos m uito
bem,
já que passamosdoisou t rês mesesem vossojardim todos os
anos.
Depoisdisso,o rei e o príncipeficaram muito amigosdobesouro.
Andaramtodo s de braçosdados,jantaram juntose depoiso
besouro mostr ou-lhestodas ascuriosidades daquelaterra estranha,
ondea menordasfolhas verdes custava o preçodemaisdeuma
linguetadeouro.
Então,partiram novamente paraterminar a jornadae, desta vez,
como sabiamo caminho,nãodemoraram muito naestrada. Foi fácil
saber que tinham chegadoao lugar certo, poisvirampavõesem
todas as árvorese os guinchos podiamserouvidos a grande
distância.
Quandoentraram nacidade, descobriram-repleta
na dehomense
mulheres vestidosdospés à cabeçade penasde pavão, que,
evidentemente, erammaisbelas quequaisquer outrascoisas.Logo
encontraram o rei, conduzido em uma belíssima e diminuta
carruagem dourada,resplan decente pelos diamantes e puxada, a
plena velocidade, pordoze pavões. O reie o príncipe ficaram
encantados deverqueo ReidosPavõeseramuito garboso. Tinha
cabelos dourados cacheados e eramuito alvo.Usavauma coroa de
penasdepavão.
Ao avistar os irmãos de Rosette, o reisoube, imedia tamente,
tratar-de seestrangeiros e, parando a carruagem,ordenou que
dirigissemapalavraaele.Quandoelesosaudaram,disseram:
— Senhor , viemosde muitolongeparamostrar-vos um belo
retrato.
Aodizerisso,tiraramdasacoladeviagemapinturadeRosette
O reia contemplou em silêncioporum bom tempo,mas, ao fim,
disse:
—Nãocreioqueexistanomundoumaprincesatãobela!
— N a verdade, elaé cem vezes maisbeladoqueisto – afirmaram
osirmãos.
— Crei o que vós estaisa troçarde mim – respondeu o Rei dos
Pavões.
— S enhor , meu irmãoé um rei,como vós. Eleé chamadode“o
Rei” e eu, de “o Príncipe”,e este é o retrato
de nossa irmã,a
princesaRosette. Viemosvos pedir segostaríeis
decasar-vos com
ela.Elaé tão bondosaquanto é bela
e nóslha daremosum alqueire
delinguetasdeourocomodote.
— Oh! Com todo o meu coração– respondeuo rei–, e a farei
muitofeliz.Elaterátudoo quequiser
e eu a amarei
ternamente; só
vos advirto, se elanãoparecer tão belaquantome dissestes,
cortareivossascabeças.
— Ah! Certamente concordamos com isso– disseram os irmãos
aomesmotempo.
— Muito bem! Vós ireis para a prisãoe lá ficareisatéquecheguea
princesa–disseoReidosPavões.
Os príncipesestavam tão certosqueRosette eramuito m aisbonita
do que o retrato, que foramparaa prisão sem reclamar . Foram
muito bem tratados e, paraque nãoficassemenfadados, o rei
sempre iavisitá-los.Quanto aoretrato deRosette, estefoilevado ao
palácioeoreinadafaziasenãoadmirá-lotodososdiasenoites.
Como o rei e o príncipe tiveram deficar naprisão, envia ramuma
carta à princesa, pedindo que encaixotasse seustesour os o mais
rápido possívele fosseatéeles,poiso ReidosPavõesa esperava
para casar, mas nãodisseram queestavam naprisão, pormedode
deixá-lainquieta.
QuandoRoset te recebeu a carta,ficoutão encantada quecorreu a
contar a todos que o Rei dos Pavões foraencontrado e que ela
casar-se-iacomele.
Armasforamdisparadas e rojõesforamlançados. Todoscomeram
quantos bolose docesquiseram.Por trêsdiastodos os que
visitaram a princesa foramagraciados com um pedaçode pãoe
geleia, um ovode rouxinol e uma infusão de canela e açúcarem
vinho.Após ter recebido os amigosdessamaneira, distribuiu suas
bonecas entreeles e deixouo reino nosirmãos a cargodosanciãos
maisid ososdacidade, dizendo-lhes que tomassem cont a detudo,
nãogastassem nenhumdinheiro e economizassem tudo atéque o
reiretornasse e, sobretudo, que nãoesquecessem de alimentar o
pavão.Depoispartiu, levando consigo suaama, a filha da ama e
Faísca,ocãozinhoesverdeado.
Tomaramum barco e lançaram-se aomar, carregando um alqueire
de linguetas de ouroe tanto s vestidos que durariam porunsdez
anos,casoa princesa usass e doisvestidos todos os dias, e nada
fizeramsenãorirecantar .Aamaperguntouaobarqueiro:
—Podesnoslevar ,podesnoslevaraoreinodospavões?
Entretanto,elerespondeu:
—Oh,não!Oh,não!
Então,eladisse:
—Devesnoslevar ,devesnoslevar .
Eelerespondeu:
—Muitoembreve,muitoembreve.
Então,aamaperguntou:
—T unoslevarás?uTnoslevarás?
Eobarqueiroassentiu:
—Sim,sim.
Nessaaltura,elasussurrounoouvidodele:
—Queresfazerfortuna?
Elerespondeu:
— Porcerto que sim. Dir-te-eicomo pegaruma sacola deouro–
disseaama.
—Nãopeçonadamaisqueisso–replicouobarqueiro.
— Bem – disse a ama –, esta noite,quandoa princesa estiver
dormindo,deves ajudar-me a lançá-laaomare, quando elaafundar
,
vestirei
seusbelos trajes em minhafilha e nós a levaremos ao Rei
dos Pavões, que ficará muitofeliz em desposá-la. Como
recompensa,terásteubarcorepletodediamantes.
Obarqueiroficoumuitosurpresocomessapropostaefalou:
—Quepenaterdeafogarumaprincesatãobela!
No entanto,aofinal, a ama o persuadiu a ajudá-la.
Quandocaiua
noite e a princesa adormeceu,como de costume,com Faísca
enroscado em suaalmofada aospés dacama, a ama má buscouo
barqueiroe a filha e juntos pegarama princesa, com cama de
penas,colchão, travesseiros, cobertase tudomais, e a lançaramao
mar, sem ao m enosacordá-la.Ora, porsorte a cama da princesa
eratoda recheada depenasdefênix, quesãomuito raras,
e têm a
propriedade de flutuar na água, de modo que Rosette seguiu
boiando como se estivesse em um barco.Depoisde certo tempo,
ela começoua sentir frioe revolveu-tanto
se nacama que acordou
Faísca, o qual,com seubom faro,começara a sentiro cheiro dos
linguados e dosarenques tão próximosquesepôs a latir . Latiu por
temposuficiente paraacordar todos os outros peixes, os quais
vierama nadar aoredor dacama daprincesa e a empurrar a cama
com suasgran descabeças.Quanto a ela,disse a simesma: “Como
nosso barco sacoleja naágua! Fico felizdenem sempreme sentir
tãodesconfortávelquantomesentiestanoite”.
A ama má e o barqueiro, que nessaaltura já estavam bem
distantes,ouviramFaíscalatindoedisseramumaooutro:
— Esse animal horrendo e suadonaagorabebemà nossa saúde
naságuas dom ar . Apressemo-nos para aportar, poisdeve mos estar
bempróximosàcidadedoReidosPavões.
O reienviara centenas decarruagens parabuscá-los,guiadas por
todos os tipos de animais estranhos. Havialeões,ursos,lobos,
veados, cavalos,búfalos, águias e pavões. A carruagem
selecionada paraa princesa Rosette tinha seismacacosazuis, que
podiamdascambalhotas, dançar na corda-bamba e fazermuitos
truques.Seusarreios eramdeveludo carmimcom fivelas douradas,
e atrásda carruagemcaminhavamsessenta belasmoças
escolhidaspeloreiparaesperarporRosetteeentretê-la.
A ama fizera to
dososesforços imagináveis para embelezar a filha.
Vestiu a moça no traje mais bonito de Rosette e a cobriu de
diamantes da cabeçaaos pés, mas elaeratão feiaque nada
poderialheconferirboaaparência, ,amoça
eopioreraemburradae
tinhapéssimohumor ,enadafaziasenãoresmungarotempotodo.
Quandosaíramdobarco e o séquitoenviado pelo reia viu, ficaram
tãosurpresosquenãopodiamdizerumapalavra . sequer
— O ra, agoraficai alerta!
– gritoua falsa princesa. – Se nãome
trouxerdes algoparacomer , mandarei cortar todas as vossas
cabeças!
Então,sussurraramentresi:
— Mas que bela situação! Ela é tãomá quanto feia. Que noiva
para nosso pobre rei!Certam ente nãovalia a penatrazê-ladooutro
ladodomundo!
Mas elaprosseguiu dando-lh es ordens portodos os lados e, por
absolutamente nada,davata pase beliscões em todos que pudesse
alcançar .
Como a procissão eramuito longa,avançava lentamente, mas a
filha daaiasen tounacarruagem, tentandoparecer uma rainha. Os
pavões, todavia, pousados em cadauma dasárvores para saudá-la
e conve ncidos a gritar: “Vidalonga à nossabela rainha!quando
”,
vislumbraramafalsanoiva,nãopuderamdeixardegritar:
—Oh!Comoéfeia!
Issoaofendeubastante,demodoquedisseaosguardas:
— Depressa!Matai esses pavõesinsolentes queousaram insultar-
me.
Masospavõessimplesmentevoaramparalonge,rindodela.
O barq ueiro
velhaco, que observara tudo,dirigiu-se à ama de
maneirasimples:
— E ssemexerico é um mau negócio paranós, tua filhadeveria ser
maisbonita.
Maselarespondeu:
—Ficaquieto,estúpido,ouestragarástudo!
Nesseinstantedisseramaoreiqueaprincesaseaproximava.
— Bem – disse ele –, o queosirmãos disseram eraverd ade?Ela
émaislindaqueoseuretrato?
—Senhor,seelafossetãobonitaquantooretratojáestariab
— É verdade – disse o rei.– Pormim, ficareibem satisfeito seela
o for. Vamos e encontremo- noscom ela.– Sabiampelo alvoroço
quea princesa chegara,mas nãopodiamdizer o motivo dosgritos.
Oreipensouterouvidoaspalavras:
— Como elaé feia! Como elaé feia! – e imaginou que deviam
estar se referindoa algumaanãque a princesa trouxera consigo.
Nuncalheocorreuqueissopudesseseaplicaràpróprianoiva.
O quadro daprincesa Rosette eracarregado noinício docortejo e,
depois dele,iao rei,rodeado decortesãos. Estava impaciente para
vera adoráve lprincesa, mas quando pousouos olhos na filhada
ama, ficoufuriosamente zangadoe nãodeunem maisum passo,
poiselaerafeiaobastanteparaassustarqualquerum.
— O quê?! – bradou – os doispatifes que sãomeus prisioneiros
ousaram trama r um ardil como este?!Planejam que eu me case
com essacriatura horrenda?! Que ela seja trancada nagrande torre,
com a ama e com aqueles que a trouxeram aqui! Quanto aos
irmãos,quetenhamascabeçascortadas!
Nesseínterim,oreieopríncipe,quesabiamqueairmãdeveriate
chegado, apru maram-se e sentaram-se a esperar , a qualquer
minuto, paraseremchamadosa saudá-la. Assim, quandoveioo
carcereiro com os soldados e os levaram parabaixo, atéa
masmorra escura,repleta desapose morcegos e ondeficaramcom
água atéo pescoço,ninguémpoderia ter ficado maissurpreso e
consternadodoqueeles.
— Eis um tipo funesto decasamento – disseram –; o quepodeter
acontecido paraque devamos sertratados assim?Elespretendem
nosmatar .
E essaideia os perturbou muito.Passaram-se três dias antes que
ouvissemqualquernotícia,eoReidosPavõesveioeosrepreende
porumburaconaparede.
— Vós dissest es que éreis reie príncipe – bradou –, paratentar
casar-mecom vossa irmã,mas nãosois nadasenão mendigos,não
valeisa água que bebeis.F arei convosco um trabalho ligeiro
ea
espadaquecortarávossascabeçasjáestásendoafiada!
— Rei dosPavões – respondeu o rei,irado.– É melhor que
tenhais cuidado no que estais prestes a fazer. Sou tão reiquanto
vóse tenho um reino, trajese coroasesplêndidos e muito ouropara
fazero que quiser . Estais satisfeitos
com essagalhofa de cortar
nossascabeças;talvezpensaisquevosroubamosalgo?
De início o Rei dos Pavões ficouconfusocom essediscurso
corajoso e ficouinclinado a mandá-losde volta todos juntos,
mas
seu primeiro-ministro afirmouque tal ardil nuncadeveria ficar
impune, que todos iriamrirdele.Portanto, acusaram-nos de
impostores, pois prometeram ao reiuma belaprincesa em
casamento,que,aochegar ,provouserumacamponesafeiosa.
Essa acusação foilida aosprisioneiros, que clamaram ter ditoa
verdade, quea irmã,defato,erauma princesa maislinda queo dia,
e que haviaalgum mistéri o a respeito dissoque nãopodiam
entender. Portanto, exigiramsete diasparaprovar a inocência.O
Rei dosPavões estava tão irado que dificilmente lhes concederia
essefavor ,mas,porfimfoipersuadidoaconcedê-lo.
Enquanto tudo issoacontecia na corte, vejamos o que estava
acontecendo à verdadeira princesa. Quandoo diara iou, elae
Faísca ficaram atônitosao se descobrirem sozinhos no mar, sem
barcoe sem ni nguém para osajudar . A princesa chorou,chorou,até
queospeixessentirampenadela.
— Pobr e demim! – disse a princesa. – O ReidosPavõesdeveter
ordenado que me lançassem ao marporque mudoudeideia e não
quercasar comigo. Mas como issoé estranho, justo quando eu o
amavatantoeopoderíamostersidotãofelizesjuntos!
Então,elachorou maisdoque nunca,poisnãoconseguia deixar
de amá-lo. Boiaram pordois diasno mar, paralá e paracá,
molhados e tremendo defrio , tão famintos que, quando a princesa
viuumas ostras, elaas pegou e comeu algumascom Faísca,
emboranãogostassem nem um poucodeostras. Ao caira noite,a
princesaestavatãoamedrontadaquedisseaFaísca:
— A h, porfavor , continua a latir , poistemoque os linguados
venhamnosengolir!
Ora, ele s haviamboiado atébem perto da costa, ondevivia um
velhopobre,sozinho em suacabana.Ao ouvir Faísca latir
, o velho
pensouconsigo:
— D eveter havido um naufrá gio! (Já queoscãesnunca cruzavam
aquelecaminhodemodoalgum).
Então,saiuparaverse podia ajudar dealgummodo. Logo, viua
princesa e Faísca boiando, paralá e paracá, e Rosette, esticando
asmãosnadireçãodovelho,gritou:
—Ah!Bomvelhinho!Salva-meoumorrereidefrioedefome!
Ao ouvi-lagritar tãolamentosa, sentiu penae correu à casapara
pegarum gancholongo depuxarbarcos. Então,entrounaágua até
que fica
ssenaaltura doqueixo e, depois dequasese afogaruma
ou duas vezes, finalmente, teve sorte em enganchar a cama da
princesaelevá-laatéamargem.
Rosette e Faíscaestavam alegreso bastante porseencontrarem,
maisuma vez, em terra firme, e a princesa agradeceu ao velhode
todo coração. Então, enrolando-se em cobertores, ela
delicadamente rumoupara a cabana com ospezinhos descalços.O
velho acendeu um fogo de palha e retiroude um antigo baú os
vestidos e sapatos da sua mulher , que a princesa logo vestiu.
Assim, vestidaem trajesrudes,estava o maisencantadora possível,
eFaíscapulavaomelhorquepodiaparadiverti-la.
O velho percebeu queRoset tedevia seruma senhora importante,
poisascobertasdesuacamaeramtodasdecetimeouro.Imploro
lheque elacontasse toda a sua história, garantindoque poderia
confiarnele.A princesa contou-lhe tudo,chorando amargamente
maisuma vez ao pensar que foraporordemdorei que havia sido
lançadaaomar .
— E agora,minhafilha, o quedeveserfeito? – perguntouo velho.
– És uma grandeprincesa, acostumada a refeições
finas,e nada
tenhoa oferecer-te senão pão pretoe rabanetes, que
absolutamente nãoteagradarão. Devo irdizerao Rei dos Pavões
queestásaqui?Seelea,certamente
vir desejarásecasarcontigo.
— Oh, não!– exclamouRosette. – Eledevesermau, jáquetentou
afogar-me. Não conta a elea nossorespeito, mas se tiveresuma
cestinha,dá-me.
O velho deu-lhe a cesta e, amarrando-ao a pescoçode Faísca,
disse-lhe:
— Vai e acha a melhor panela da cidade e traze-meo seu
conteúdo.
E lá se foiFaísca. Como nãohavia cozinheiro melhor em toda a
cidade que o cozinheiro real,eleastutamente tirou
a tampada
panelaelevoutudooqueelacontinhaparaaprincesa,quediss
— Agora, volta à despensa e trazo melhor de tudo o que
encontrares.
Assim, Faísca voltou e encheu a cestinha depãobranco e vinho
tinto,de todos os tipos
de doces,atéquaseficar pesa da demais
paracarregar .
Quandoo ReidosPavõesquisseujantar , nadahavia napanela e
nadana despensa. Todosos cortesãos olharam-se consternados,
unsparaosoutros,eoreificouterrivelmenteirritadiço.
— Poisbem! – disse.– Se nãotemos jantar , nãopossocomer ,
mascuidemparaquetenhamuitascoisasparaaceia.
Ànoite,aprincesadisseaFaísca:
— Vaià cidade , encontra
a melhor cozinha e traze-me osmelhores
petiscosqueestejamsendoassadosnoespeto.
Faísca fez como disse a princesa, e, como nãoconhecia cozinha
melhor quea dorei,entrou devagarinho. Quandoo cozinheiro virou
ascostas, Faíscapegoutudo o queestava nosespetos. Como era
dese esperar , fez tudodeuma vez só, e ascomidas pareciam tão
boasque eleficoucom fome só de olhar . Levou o cesto paraa
princesa, que, imediatamente, fê-lo voltar à despensa parapegar
todas astortas e confeitos
quehaviamsido preparados paraa ceia
dorei.
O Rei dosPavões, como nãotinha jantado, estava faminto e
queria tomar a ceiacedo, porém, ao perguntar pelarefeição,qual
nãofoia surpresa, tudohaviaacabado!Tevedeirparacama com
fomeeummau-humorterrível.
No diaseguin teaconteceu a mesma coisa,e no outro dia, de
modo que portrêsdiaso Rei dosPavões nãotinha nadapara
comerporque,quandoo jantar ou a ceiaficavamprontos para
servir
, elesdesapareciam misteriosamente. Por fim, o primeiro-
ministro começou a temer que o reimorreria de fome, então
resolveu se esconder em algumcanto escuro da cozinha,sem
nuncatirar os olhos da panela.Sua surpresa foienormequando,
poucotempo depois, viuum cãozinho esverdeado esgueirar-pela
se
cozinha,desta mpara panela, transferir
todoo conteúdo parauma
cesta e sair em disparada. O primeiro-ministroapressadamente o
seguiue o vigiou portoda a cidade atéa cabana dobom velhinho.
Então,foiaorei e contou quedescobrira paraondetinham idotodos
os jantares e ceias.O Rei dos Pavões, muito surpreso, disseque
gostaria deire verporsimesmo. Assim, partiu, em companhia do
primeiro-ministro e deuma guarda dearqueiros, e chegoujusto em
tempo de encontrar o velho e a princesa terminando o jantar
que
foradele.O re i ordenou que fossemcapturados e amarrados com
cordas,eFaíscatambém.
Quandolevadosaopalácio,alguémcontouaorei,quedisse:
— H oje é o último diadatrég ua dadaaosimpostores. Deverão ter
suascabeçascortadas ao mesmo tempoque estes ladrõesde
jantar
.
Nessa altura, o velho ajoelhou-diante
se de reie implorou por
algumtempoparacontar-lhe tudo.Enquanto falava,o rei,pela
primeira vez, olhou atentamente paraa princesa, porquesentiu
penapelojeito como ela chorava. Quandoouviu o velhodizerque
seunome eraRosette e que foratraiçoeiramente lançada ao mar,
ficoutrês vezesmaisapaixo nado,apesar deestar fracodefome, e
correu paraabraçá-la.Desam arrou ascordasquea envolviam com
suasprópriasmãosedeclarouqueaamavadetodoocoração.
Enviaram mensageiros paratirar os príncipesdaprisão, os quais
saíram muitotristes, pensandoque seriamimediatamente
executados: a ama, a filha da ama e o barqueiro tambémforam
conduzidos à presença dorei.Assimque entraram, Rosettecorreu
para abraçar osirmãos, aopassoqueostraidores selançaram aos
pés da princesa implorando porperdão. O Rei dosPavões e a
princesa estavam tãofelizesqueespontaneamente lhesperdoaram.
Quanto ao bom velhinho, ele foiesplendidamente recompensado e
passouo resto de seusdiasno palácio.O Rei dosPavões fez
grandesreparos ao reie ao príncipe pelamaneira como foram
tratados,
e fez tudoo queestava em seupoder paramostrar como
searrependia.
A ama devolveu a Rosette
todososvestidos e joias
e o al
queirede
linguetas
deouro.O casamento foirealizado imediatamente e todos
viveram felizesparasempre– atéFaísca, que desfrutava de
grandesluxose nunca maisganhounadapior paracomerqueuma
asadeperdiz,pelorestoda [17]
vida.

[17] Madamed’Aulnoy
.
OPorcoEncantado

RAUMAVEZ umreiquetinhatrêsfilhas.Ora,aconteceude
fazer-se misterque o reipartisse em batalha, então
chamouasfilhasedisse-lhes:
— Filhinhas, tenho de irà guerra.O inimigose
aproximacom um exércitonumeroso.Paramim, é um grandepesar
deixar-vos.
Em minhaausência,sedecuidadosas e boasmeninas.
Comportai-vosbem e tomaiconta detudo nacasa.Podeis caminhar
nojardime entrarem todososaposentos dopalácio,exceto aquele
queficanocantodireitoaofimdocorredor;neste,não , deveisen
poisummalrecairiasobrevós.
— P odesficar tranquilo,
papai– responderam. – Jamaisfomos
desobedientesa ti.Vaiem paz e que os céustedeemuma vitória
gloriosa!
Quandotudo estava prontoparaa partidadele,o reideu-lhesas
chavesdetodos os aposentos e lembrou-asuma vez maisdoque
dissera.
As filhasbeijaram-lhe
as mãoscom lágrimas nosolhos e
desejaram-lhe prosperidade,e eleentregou-lhes uma chave
velhíssima.
Já sozinhas,asmeninas sen tiram-setão tristes
e aborrecidas que
nãotinham o que fazer. Assim, parapassar o tempo,decidiram
trabalhardurante partedodia,ler durante partedodia,e brincar no
jardim durante partedodia.Enquanto faziam isso,tudo iabem com
elas.Mas esseestado de felicidade nãodurou muito.A cadadia
ficavammaisemaiscuriosas–evereisemqueissodeu.
— Irmãs– disse a princesa maisvelha –, o diatodo costuramos,
fiamose lemos.Estamos sozinhas há dias e nãohá canto dojardim
que aindanão tenhamos explorado. Estivemos em todos os
aposentos do paláciode nossopaie já admiramos a bela e rica
mobília.Por que nãoentramos no aposento que nossopainos
proibiudeentrar?
— Irmã– diss e a caçula –, nãoimagino como podestentar-nos a
desobedecer a ordemde nossopai. Quandonosdisse paranão
entrarnaquele aposento,ele havia desaber o queestava dizendoe
deterboasrazõesparadizê-lo.
— Decerto o céu nãocair á sobrenossacabeçase, de fato,
entrarmos–disseasegundaprincesa.
— Dragões e monstros quenosdevorariam nãoestão escondidos
noquarto.Ecomonossopaidescobriráquefomosatélá?
Enquanto assimfalavam,incentivando uma à outra, chegaram ao
aposento, e a maisvelha colocou a chavenaporta e, cliq
ue! a porta
seabriu.
Astrêsmeninasentraram,eoqueachaisqueviram?
O aposento estava totalmente vazio,sem nenhumornamento, mas
no cent rohaviauma grande mesa, com uma toalha lindíssima,e
sobreelajaziaumgrandelivroaberto.
As princesasestavam curios aspara saber o queestava escrito
no
livro,sobretudoamaisvelha,efoiistooqueelaleu:
— A filha maisvelha deste reicasar-se-á com um prí ncipedo
oriente.
Em seguida,a segunda moça deuum passoà frente e, virandoa
página,leu:
— A segundafilha deste reicasar-se-á com um príncipe do
ocidente.
Asmeninasregozijaram-se,riramecaçoaramumadaoutra.
Mas a caçula nãoqueria aproximar-sedamesa nem abrir o livro.
As irmãsmaisvelhas, noentanto, nãoa deixaram em paz e, mesmo
contra sua vontade, arrastaram- até
na
a mesa. Tremendo demedo,
elavirouapáginaeleu:
—Afilhacaçuladestereicasar-se-ácomumporcodonorte.
Nem se um raiodo céu lh e caíssena cabeçaelaficaria mais
assustada.
Quase morreude desgosto e, se as irmãsnão a tivessem
segurado,teriadespencadonochãoeabertoacabeça.
Quandovoltou a sidepois dodesmaio em que caíradeterror , as
irmãstentaramconfortá-ladizendo:
— Como podesacreditar em tamanha loucura? Ondejá se viua
filhadeumreicasar-secomumporco?
— Como és infantil! – disse a outra irmã.– Nossopainãotem
soldados suficientes
paraproteger-mesmo
te, se a criaturanojenta
viessecortejar-te?
A princ esamaisnovade bom gradose teria deixado convencer
pelas palavras dasirmãs e acreditado no que diziam, mas estava
com o coração pesado.Os pensamentos continuavam voltados para
o livro, em que estavam escritosa grande felicidadeà espera das
irmãs e o destino quelheestava reservado, doqual jamais seteve
notícianomundo.
Além disso, o pensamento lhepesavano coração,poisera
culpada dedesobedecer aopai.Elacomeçoua sentir-mal se e em
poucosdiasestava tãomudada que era difícil reconhecê-la.
Outrora, otimistae alegre;
agora,pálida e apática.Deixou debrincar
com asirmãs nojardim,paro u decolher florespara pôr nocabelo e
nuncacantavaquandoestavamsentadasjuntas . afiarecoser
Nesseínterim, o reiobteve uma grande vitória
e, tendo derrotado
porcompleto e afugentado o inimigo,voltou paracasaàs pressas
parareencontrar- com
se as filhas,a quem seus pensamentos
continuamente se dirigiam.Todossaírama seu encontro com
címbalos, pífanos e tambores, e houvegrande júbiloem seuretorno
vitorioso.O primeiroato dorei,aochegar a suacasa,foiagradecer
aoscéuspela vitória
que obtivera sobre os inimigos que se tinham
levantado contra ele.Em seguida,entrou no palácio,e as três
princesas correram a seu encontro. A alegria delefoi imensa
quando viuqueestavam muito bem – poisa caçula fez o quepôde
paranãoparecertriste.
Apesardisso,nãodemorou muito atéque o reipercebesse que
suaterceira filhaestava emagrecendo e com semblante caído.De
repente, sentiu como se um ferro quente lhetivesse tras passado a
alma,poisimaginou que a filha lhetinha desobedecido a ordem.
Sentia que estava certo.Contudo, parater plena certeza, chamou
as filha
s, questionou-eas ordenou que dissessem a verdade. As
meninas confe ssaramtudo,mas tiveram o cuidado de nãodizer
qualdelastinhalevadoasoutrasduasàtentação.
O rei
ficoutão aflito
quando ouviu a confissãoquequasesedeixou
vencerpelatristeza.Masrecobrouânimoetentouconsolaras
que pareciamestar morrendo de medo. Entendeu que o que
passou,passou,e que milpalavras nãomudariamem nadao
problema.
Essesacontecimentos quaseforamesquecidos, atéquenum belo
diaum príncipe doorienteapareceu nacorte e pediu ao rei a mão
dafilha maisvelha.O rei,com muito gosto,deuseucons entimento.
Um grande banquete decasamento foipreparado e, depois detrês
diasde fartura, o casalfelizfoiacompanhado atéa fronteira com
muitacerimôniaealegria.
Depois de algumtempo,a mesma coisaaconteceu à segunda
filha,queforacortejadaeconquistadaporumpríncipedoocide
Agora, quandoviuque tudo acontecera exatamente como havia
sido escritonolivro, a jovemprincesa ficoumuito triste. Recusava-
se a comer , nãoqueria vestir seustrajes finosnem sairpara
caminhar, e declarou quepreferiria
morrera tornar-motivo
se deriso
para o mundo. O rei,noentanto, nãopermitiriaquefizesse nadade
errado,econsolava-adetodasasmaneiraspossíveis.
Assimo tempo passou atéque – vede!–, num belo dia,um porco
enormevindodonorteentrounopalácioe,dirigindo-seaorei,d
— Salv e, ó rei!Que vossavida sejatão
próspera e resplandecente
quantoaluzdosolnumdiadesanuviado!
— Esto u felizem ver-tebem, amigo– respondeu o rei–, mas que
ventostetrazemaqui?
—V imfazeracorte–respondeuoporco.
O rei ficouespantado ao ouvirde um porcoum disc ursotão
eloquente e imediatamente ocorreu-lhe
quehavia algoestranho. Ele
teriade bom gradovoltad o os pensamentos do porconoutra
direção,uma vez que nãoqueria dar-lhe a princesaporesposa.
Mas, quandoouviuque a corte e todaa ruaestavam repletas de
todos os porcos domundo, viuque nãohavia saídae que teria de
darseu consentimento. O porconãoficara satisfeito
com meras
promessas, e insistira
queo casamento haveria deocorrer em uma
semanaequenãoiriaemboraatéqueoreitivessefeitoojurame
realquantoaisso.
O reientão chamou a filha e aconselhou-aasubmeter-se ao
destino, já que nãohavianadamais que pudesse serfeito.E
acrescentou:
— Minhafilha,as palavras e todoo comportamento deste porco
sãocompletamente diferentesdaqueles dosdemaisporcos.Não
creioque tenha sidosempreum porco.Decerto,há algumamagia
ou feitiço em ação. Obedece-o, faze o que eledeseja , e estou
convencidodequeoscéuslogoteenviarãoolivramento.
— Se desejas que assimo faça, papai,eu o farei– respondeu a
menina.
Enquanto isso,o diada cerimônia se aproximava.Depois das
núpcias,o porcoe a noivaforamparaa casadele numa das
carruagens reais.No caminho,passaram porum grande charco.O
porco ordenou que a carruagem parasse e, em seguida,desceu e
chafurdou nalamaaté queestivesse cobertoporela dacabeçaaos
pés; em seguida, entrounovamente nacarruagem e pediu à esposa
queobeijasse.Oqueapobremoçatinhadefazer?Lembrou-sedas
palavrasdopaie, tirando dobolso um lenço, delicadamente limpou
ofocinhodoporcoebeijou-o.
Quandochegaram à residência do porco,que ficavaem meioà
matafechada,estava totalmente escuro.Sentaram-se em silêncio
por algum tempo, poisestavam cansados da viagem; então,
jantaram juntos e deitaram-parase descansar . Durante a noite, a
princesa notou que o porcotinha assumido a formahumana. Ela
não ficounem um pouco surpresa; antes,recordando-das se
palavrasdopai,tomou coragem, determinada a esperar e vero que
viriaaacontecer .
A princesa observou quetoda noite o porco setornava homem, e a
cadamanhãvoltava a serporcoantes que elaacordasse. Isso
aconteceu pormuitas noites,e a princesa nãoconseguia entender
deformaalguma.Clarament e, o marido estava enfeitiçado. Com o
tempo,seuafetoporelefoicrescendo,poiserabondosoegentil
Um belo dia,enquanto estava sentada sozinha,viupassar uma
bruxavelha.Ficou bem agitada, poishá tempos nãoviaum ser
humano, e em alta voz chamou a mulher paraconversar . Entre
outrascoisas,a bruxadisse que conhecia todas as arte s mágicas,
que podia prever o futuroe que conhecia os poderes curativos de
todasaservaseplantas.
— Sere i grata a tiportoda a minhavida,senhora – dissea
princesa–, seme disseres qual é problema demeu marido. Porque
éporcodediaehumanoànoite?
—Euestavaprestesadizer-tealgo,querida,paramostrar-tecom
souboaadivinha. Se quiseres, dar-te-eiuma ervaparaquebrar o
feitiço.
— S e tão somente ma deres – disse a princesa –, dar-te-ei o que
pedires,poisnãopossoaguentarvê-lonesteestado.
— Eis aqui, então, minhaquerida – disse a bruxa. – Toma esta
corda,mas nãoo deixesvê-la, pois,se a visse,perderia o poder
curativo.À noite, quando eleestiverdormindo, deves levantar- emte
silêncioe amarrar a corda em volta do pé esquerdo dele o mais
firmeque puder;e veráspelamanhãque nãoteráreassumido a
forma de porco, mas continuará a ser homem. N ão quero
recompensa. S ereisuficient
emente recompensada ao saberque
estásfeliz.Quase chegaa partir-me o coração pensar em quanto
tens sofrido,e gostaria apenas deter sabido antes,poisteria vindo
emteufavorimediatamente.
Quandoa velha bruxafoiembora, a princesa escondeu a corda
com todo cuidado,e à noi televantou-em se silêncio e, com o
coração aceler ado,amarrou a corda em volta dopé dom arido. Bem
nahoraem queestava apertando o nó, houveum barulho e a corda
serompeu,poisestavapodre.
Omaridoacordouassustadoedisse-lhe:
— Infeliz, que fizeste? Três diasmaise este maldito feitiçome
deixaria, e agoraquem sabequanto tempopassarei nesta forma
repugnante? D evodeixar-te de uma vez, e nãonosveremosde
novoat é quetenhas calçado três pares desapatos deferro e gasto
suassolasàminhaprocura.
Aodizerisso,desapareceu.
Quandoficousozinha,a princesa começoua chorar e a gemer
tanto,que davapenaouvir; noentanto, quando viuque lágrimas e
gemidosdenadaserviam, levantou-se determinada a irondequer
queodestinoalevasse.
Chegando à cidade, a primeiracoisa que fez foiencome ndar três
pares desandálias deferro e uma varadeaço. Tendofeito esses
preparativos parasuajornada , saiuà procura domarido. Sem parar ,
viajou pornovemarese cruzounovecontinentes; passoupor
florestas com árvores cujos troncos eramlargos como barris de
cerveja;tropeç avae batia-se contra galhos caídos,recom punha-se
e prosseguia;osgalhos dasárvores batiam-lhe norosto e arbustos
feriam-lheasmãos, mas ela prosseguia sem nuncaolhar paratrás.
Enfim, exausta dalonga viagem, esgotada e vencida pelatristeza,
masaindacomesperançanocoração,chegouaumacasa.
Quempensaisqueviviaali?ALua!
A princesa bateu à porta e implorou que a deixassementrar e
descansar um pouco.A mãedaLua, quando viua moça em apuros,
compadeceu-sedela,a fez entrar , alimentou- eacuidoudela.
Enquantoestavaaí,aprincesateveumbebê.
Umdia,amãedaLuaperguntou:
— Como é possível parati,uma mortal, viresatéaqui,a morada
daLua?
Entãoa pobremoça contou tudoque lhe acon tecera e
acrescentou:
— Sempreserei grataaoscéusporter-me trazidoaté aqui,e grata
a ti,quetivestepiedade dem im e demeu bebê, e nãonosdeixaste
à espera damorte. Agora, rogo-te um favor . Acasotua filha,
a Lua,
podedizer-meondeestámeumarido?
— Elanãopodecontar-te, minhafilha – respondeu a deusa –, mas
seviajares rumoaooriente até chegar à morada doSol,ele poderá
dizer-tealgo.
Então,deuà princesa frango assado paracomere advertiu- que
a
fossemuito cuidadosa paranãoperder nenhumdosossos, porque
lhepoderiamsermuitoúteis.
Depoisdeagradecer-lhe uma vez maispela hospitalidadee pelo
bom conselho, e dejogar forao pardesapatos queestava gasto e
de calçar o segundo par, a princesa amarrou os ossosdo frango
numa t rouxinha e, tomando o bebê nosbraços e a varana mão,
partiumaisumavezemsuacaminhada.
Adiante,adiante, sem parar , cruzoudesertos de areia,ondeas
estradas eramtão extenuantes que, a cadadois passos parafrente,
tinha dedarum paratrás;m asresistiu atéquepassou poraquelas
planícies sombrias;depois,cruzou altas montanhas rochosas,
pulando de pedraem pedrae de picoem pico. Às vezes,
descansava um pouconamontanha, e então recomeçava, sempre
avante. Tinhade atravessar pântanos e de escalar picosde
montanhas cobertos de pedregulhos, de modo que seus pés,
joelhos e cotovelos estavam todos ralados e sangrando,e às vezes
chegavaa cair em precipícios que nãoconseguia saltar
, e tinha de
rastejar
, ferindomãose joelhos, o tempo todo com a ajuda davara.
Finalmente, mortadecansaç o, chegouaopalácio em quemorava o
Sol. Bateu e pediuparaentrar . A mãe doSolabriu a porta e ficou
surpresa ao contemplar uma mortal de terras tãodistantes e
compadeceu-se atéàs lágrimas quando ouviutudo que a princesa
sofrera. Então,tendo prometido perguntaraofilho sobreo marido da
princesa, escondeu-naa ade ga, demaneira queo Solnadanotasse
aovoltar paracasa,poisele sempreestava demau humorquando
vinha à noite. No diaseguinte, a princesa temiaque as coisas não
corressem a seufavor , poiso Solpercebeu que alguémde outro
mundoestivera nopalácio.Mas a mãe dele tinha-acal
o madocom
palavras doces,assegurando-lhe que istonãoocorrera. A princesa
recobrou ânimo quandoviu a bondade com que foi tratada e
perguntou:
— Como é possível aoSolficar irritado?
Eleé tão lindo e tão bom
paraosmortais!
— É assimque acontece – respondeu a mãe do Sol. – Pela
manhã, quando se posta nosportões doparaíso,estáfelize sorri
parao mundointeiro, mas durante o diaelese zanga, porque vê
todo o malpraticado pelos homens, e é porissoque seucalor fica
tãocausticante; à noite, estábravo e triste,
poissepõe nosportões
damorte.Éoseucursonatural.Deláelevoltaparacá.
Elaent ãocontou à princesa que perguntara acercadomarido,e
que o filho respondera que nadasabiasobreelee que a única
esperança eraperguntar aoVento. Antes quea princesa partisse, a
mãe doSoldeu-lheum frango assado paracomere advertiu- quea
tivesse muito cuidado com os ossos,o que elateve,juntando-os
numatr ouxa. Então a princesa jogou forao segundo pardesapatos,
que estavam gastos, e com o bebê nosbraços e a var a na mão,
partiuemdireção ento.
aoV
Nessasidase vindas, elaencontrou dificuldadesainda maiores
queantes,poispassavaporumamontanhadepedregulhosatrás
outra,dasquais surgiriamlínguas defogo. Passouporflorestas que
nuncatinham sidopisadas porpés humanose teve de cruzar
camposde geloe avalanc hes de neve. A pobremul herquase
morreu nessas adversidades, mas manteve um coração valente e,
porfim, chegou a uma enorm e caverna aolado deuma montanha.
Era a morada doVento. Haviauma portinha nagradeem frente à
caverna, e alia princesa bateu e pediu autorizaçãoparaentrar . A
mãe do Vento compadeceu-se delae deixou-aentrar , então ela
descansou um pouco.Aquit ambém ela foiescondida, a fim deque
oV entonãoapudessenotar .
Na manhãseguinte, a mãe do Vento contou-lhe queo marido vivia
numa matafechada,tão fechadaque nenhummachadopoderia
abrir uma picadaporali.E leconstruíra uma espéciede casa,
juntando troncos deárvore e amarrando-os com varas desalgueiro
ealiviviasozinho,afastadodahumanidade.
Depoisde darà princesa frangoparacomere de adverti- que
la
guardasse os ossos,a mãe do Vento aconselhou- aairpela Via
Láctea, queà noite atravessa oscéus, e a seguirsempre em frente
atéalcançarseuobjetivo.
Tendoagradecido à velha senhora com lágrimas nosolhos pela
hospitalidadee pelasboasnovas quelhe dera,a princesa partiuem
suajorn adasem descansar nem dedianem denoite, tamanha era
suaânsiadevero marido denovo.Avante, avante,elaandouaté
que o últimopardesapatos estivessecaindo aospedaços.Então,
jogou-os forae saiucom ospés descalços, sem seimportar com a
lama, nem com os espinho s que a machucavam, nem com as
pedras que a arranhavam. Chegouenfima uma campina verde às
margens dafloresta.O coraç ãoficouacelerado aoverasflores ea
gramam acia,e ela sentou-se paradescansar um pouco.Mas ouvir
o chilrodospássaros paraseuscompanheiros entre as árvoresa
fez pensarcom saudadeno marido,e chorouamargamente.
Tomandoo bebê nosbraços e suatrouxa de ossosde frangono
ombro,avançoumataadentro.
Portrês diase trêsnoitesenfrentoua mata,mas nadapô deachar .
Estava completamente esgotada pelo cansaço e pela fome, e sua
varajá nãopodia ajudá-la,
poisficarasem ponta naviagem.Quase
cedeuao desespero, mas fez um último grandeesforçoe, de
repente,numa moita, chegouao tipo decasaque a mãe doVento
descrevera.A casanãotinha janelase a porta estava em cimado
teto.
A princesa rodeou a casa, em buscade pegadas,mas nada
encontrou.O que tinha defazer? Como entrar? Pensou,pensou e
tentouem vãoescalar atéa porta.Então,de repente, l
embrou-se
dos ossos de frangoque t rouxeraconsigo em todo o caminho
exasperanteedisseasimesma:
— Elasnãome teriam ditopara ter
tantocuidado com esses ossos
se nãotivessem uma boara zão parafazê-lo. Talvezagora,neste
momentodenecessidade,elesmepossamserúteis.
Tirouos ossosdatrouxa e, depoisdepensar um pouco,uniuas
pontas. Parasua surpresa, os ossosficaramfirmemente unidos;
entãoacrescentou os outros ossos,atéque tivesse duaslongas
hastesdaaltura dacasa. Es tasforamapoiadas contra a parede,à
distânciadeuma jarda uma daoutra. Entre elas,a princesa colocou
osdemaisossos,um a um, como osdegraus deuma escada.Tão
logoum degrauestava pronto, subianele e fazia o seguinte,e
depois o outro,e maisum, atéque chegoubem perto da porta.
Quandoestava quasenotopo,percebeu quejá nãorestavam mais
ossosparao último lance daescada.O quehaveria defazer? Sem
o último degrau,a escada inteira
teriasidoinútil.Será que tinha
perdido um dos ossos? Então,repentinamente uma ideialhe
ocorreu. Com uma faca em punho, cortou o próprio dedinho e,
colocando- noo lugardoúltimo degrau,este sefirmou,assimcomo
ocorrera aosossos.A escada estava completa e, com o filho nos
braços,ela entrou pelaporta dacasa.Aliencontrou tudo em perfeita
ordem.Depoisde comerum pouco, pôs o bebê paradormir num
cochoqueestavanochãoesentou-separadescansar .
Quandoo marido, o porco,voltou para casa,ficousurpreso com o
queviu.Em primeiro lugar, ele nãopodia acreditarem seusolhos e
fitoua escada deossos com o dedinho notopo.Sentiu que alguma
magiadesconhecida estava em açãoe, aterrorizado, quasevoltou
as costas paraa casa; mas acaboutendo uma ideia melhor e
transformou- emsepombo, demaneira quenenhumfeitiço podia ter
poder sobre ele, e vooupara dentrodoquarto sem tocar naescada.
Ali,encontrou uma mulher embalando uma criança. Quandoa viu,
com aparência tão transformada portudo que sofrera porcausa
dele,seu cora çãofoitocado portanto amore saudade e portão
grandecompaixãoquederepentetornou-seumhomem.
A princesa levantou-quan se do o viu, e o coração pulsava com
temor , poisnãoo conhecia. Quandoele lhecontou quem era,com
grande regozijo, elaesqueceu-sede todos os sofrimentos, que
agora eram-lhe como nada.Eleeraum homem belíssimo, altoigual
um pin heiro.Sentaram-se juntos e elacontou-lhe toda s as suas
aventuras; elechorou de penacom a história. Depois disso,ele
tambémcontouaelasuaprópriahistória.
— Sou filho deum rei.Uma vez, quando meu paiestav a lutando
contra alguns dragões,que eramo flagelo demeu povo , eu matei
um dragãozinh o. A mãe dele , queerabruxa, lançou-me um feitiçoe
transformou-em meporco.Foi ela que, disfarçada
develha senhora,
deu-teacordaparaamarraremvoltademeupé.Assim,emvezdos
três dias quefaltavam para queo feitiçosequebrasse, fuiforçado a
continuar porco pormaistrês anos.Agoraque sofremos um pelo
outroereencontramosumaooutro,esqueçamosopassado.
Ebeijaram-setomadosdejúbilo.
Na manhãseguinte, saíramcedoparavoltar aoreino dopaidele.
Era grande o gozo detodo o povoquando viua ele e à esposa;o
paie a mãe abraçaram-nos e houveum banquete no paláciopor
trêsdiasetrêsnoites.
Depois, foramvisitar
o paidela. O velho rei
quaseperdeu a cabeça
de tanta felicidadeao contemplar a filha
novamente.Quandoesta
lhecontousuasaventuras,oreilhedisse:
— Não falei que decerto aquela criatura
que tecortejarae
conquistara como esposa não tinhanascidoum porco?Vês, minha
filha,comofostesábiaemfazeroquetedisse?
Como o rei est
avavelho e nãotinha herdeiros,
colocou-osnotrono
de seu palácio.Elesgovernaram como só os reis que sofreram
muito podemgovernar . E, se nãoestiverem mortos,
ainda viveme
governamfelizes.[18]

[18] ContosdefadasromenostraduzidosporNiteKremnitz.
ONorka

RA UMA VEZ um reie uma rainha que tinham três filhos,


doisdos quaismuitoperspicazes e o terceiro, um
simplório. Ora, o reitinhaum campo de caçano qual
habitavam numerosos animaisselvagens dos mais
variadostipos. Paralá costumava se dirigir
uma enormebesta
chamadaNorka, que praticava maldades pavorosas, toda noite
devorando alguns dosanimais. O reifaziatudoo queestava a seu
alcance,mas nãoeracapaz de eliminá-la. Foi então que decidiu
reunirosfilhosedizer-lhes:
—AoquedestruiroNorka,concedereimetadedomeureino.
O filho
maisvelho tomou parasia tarefa.
Tão logocaiua noite,
recolheu suasarmase partiu. Antes,porém, que chegasseao
campo, adentr ou uma taberna e lá passoua noiteinteira
, entregue
às patuscadas . Quandocaiuem si, já eratarde demais:o diahavia
raiado.Sentiu-se execrado aosolhos de seupai, mas nadahavia
que pudessefazer . No diaseguinte, o segundo filho
partiu e fez o
mesmo.Opaientãocensurouduramenteosdois,colocandonaqui
umpontofinal.
Poisbem, not erceirodiafoia vez deo filho
maisnovotomar para
sio encargo.Todosriram deleem sinal dedesdém, uma vez que
eraextremamente estúpido; estavam certosde que nad a faria.O
rapaz,entretanto,
recolheu
suasarmase logopartiuparao campo,
sentando-sobre
se a gramaem posição talque, casoado
rmecesse,
suasarmasoespetariameofariamacordar
.
Bateu então
a meia-noite.
O 1,oæ5vTr!‘!a-M
Seus irmãos então o baixaram.Quandochegouao outro mundo,
sobo solo,eleseguiuseucaminho.Caminhoue caminhou.Logo
em seguida notou, dotado de ornamentos riquíssimos, um cavalo
quelhedisse:
—A ve,príncipeIvã!Hámuitoqueaguardoosenhor!
O jo
vem montou o cavaloe sepôs a cavalgar . E assimo fez até se
depararcom um palácio feitodecobre.Tendoingressado nopátio e
amarrado o animal,adentro u a casa. Num doscômodos estava
servidoo jantar
. Elese sent ou e comeu, passando então paraum
quarto.Ali,encontrou uma cama, naqualse deitou pararepousar .
Logo chegouuma senhora – uma senhora tão belaque nãose
poderia imaginar igualbelezasenão num conto de fadas.Ela lhe
disse:
— Tu, que estásem minhacasa, diz teu nome! Se és homem já
velho,
hás desermeu pai;sedemeia-idade, meu irmão;se, porém,
maisnovo, hás desermeu marido.Se, noentanto, fores mulher, e
mulherdeidade, serásminhaavó; sedemeia-idade, minhamãe; e,
senova,minhairmãmesma.
Adiantou-se o rapaz, então. E, ao vê-lo, ficouelaencantada,
dizendo-lhe:
— Mas porquerazão,ó príncipe Ivã!. Meu marido serás!Mas por
querazãoviesteatéaqui?
Em seguida,ele lherevelou tudo o quehavia sepassado, aoque
elafalou:
— A besta que desejas subjugar é meu irmão.Nestemesmo
momento,ele estácom minh a segunda irmã,quehabita um palácio
de prat
a, nãomuito distantedaqui.A três dosferimentos que lhe
deste,fuieuquedeiatadura.
Depoisdisso,osdois beberam, sedivertiram e travaram uma doce
conversa; em seguida o prín
cipese despediu e partiu ao encontro
dasegunda irmã,a quehabi tava o paláciodeprata. E, com ela,ele
tambémpermaneceu um pouco. Estasegunda irmã,ademais,lhe
disse que seuirmão Norkaestava então no larde suairmãmais
nova.
O rapazsepôs a caminho dacaçula, quehabitava um palácio de
ouro.Disse-lheelaque, àquelaaltura, seu irmão dormia no mar
azul; em seguida,deuao jov em uma espada deaçoe um goleda
Água da Força, logodizend o-lheque cortasse a cabeçade seu
irmãocomumsógolpe.Tendoeleouvidoessascoisas,partiu.
Quandoo príncipe chegouao marazul, tanto procurou que viuo
Norkaadormecido sobre uma pedra no meiodo mar. Quandoele
roncava, a água se agitava porsete milhasem torno. O príncipe
persignou-se, escalou-eogolpeou-o com a espada nacabeça, que
saltou e disse:“Bem, a mim já basta!E” se foi afundando mar
adentro.
Após matar a besta, o prínciperegressou e foiarrebanhando as
trêsirmãs pelo caminho,com a intenção delevá-las parao mundo
acima;todas, afinal,
amavam-no e nãodesejavam seseparar dele.
Cadaqualtransformou o próprio palácio num ovo– eram todas
feiticeiras
– e lheensinaram como transformar osovosem palácios
novamente, entregando-lhes em seguida.Então,partiram todos em
direçãoaolocalemquedeveriamseralçadosparaomundoacim
Quandochegaram ondeseencontrava a corda,o príncipea pegou
e fez com que as donzelas se agarrassem a ela.Em seguida,
sacudiu-a e seusirmãos começarama içá-la. Acabando depuxar ,
os doiscoloca ramos olhos naquelas donzelas deslumbrantes e, à
parte, disseram entre
si: “Baixemos a corda,puxemos nosso irmão
atémet adedocaminho e a cortemos. Talvez ele morra;casonãoo
faça,jamaisnospermitirátomarestasformosurasporesposas”
Tendoeles concordado com a ideia, baixaram a corda.O irmão,
entretanto, estava longede sertolo; adivinhou o que estavam
tramando e, assim,atou a corda a uma pedra e a puxou. Os dois a
alçaram a uma grande alturae a cortaram em seguida. Assim, caiu-
sea pedra e separtiu em pedaços;o príncipe, porsuavez, verteu
lágrimas e sefoi. Bem, ele caminhoue caminhou sem parar. Dentro
em breve,sobreveio uma tempestade; os relâmpagos reluziam, os
trovões estrondeavam,a chuvacaíatorrencialmente. A fim de se
abrigar , elesubiunuma árvore,na qualse deparou com alguns
pássarosjovens que iam ficando completamente encharcados.
Diante disso,o príncipe tirouo próprio casaco e oscobriu, enquanto
elemesmo se sentava sob a copa. Pouco depois um pássaro
passou voando – e eratão grande queobscurecia a luz. S e antes

estiveraescuro,agoraaescuridãoeraainda . maior
Ora, tratava- e da
s mãe dos passarinhos que o príncipe tinha
coberto. E, quandovoouárvoreacimae notou que os filhotinhos
estavamprotegidos,elaquissaber:
—Quemdeucoberturaameusfilhotinhos?
Aover ,logoemseguida,opríncipe,acrescentou:
— Fostetuo responsável? Muito obrigada! Como recompensa,
pede-meoquebemdesejares.Fareiportitodaequalquercoisa.
—Nessecaso,leva-meatéooutromundo–respondeuele.
— Dá-me então um grande recipiente com uma divisa no meio–
disse ela. – Numa dasmetades, coloca todasortedecaça; naoutra,
despeja água, demodoqueeu tenha carne para comere algo para
beber .
O prínc ipecumpriu tudoà risca. Então,carregando o recipienteem
suascostas, no meiodasquaissentava-se o próprio príncipe,o
pássarolevantou voo. Chegandoao fim da viagem, despediu-se
dele e regress ou, enquanto o jovem se pôs a caminho dacasade
certo alfaiate e passoua trabalhar como seu empregado.Tão
desfigurado estava, tãoalterada se encontrava suaaparência, que
ninguémpoderiasuspeitardequesetratava,ali,deumpríncipe
Iniciados osserviços a seum estre, o rapazcomeçoua perguntar-
lheoquesepassavanaquelaregião.Aoqueomestrerespondeu:
— Nossosdoispríncipes (o terceiro desapareceu porcompleto)
trouxeram noivasdooutro mundoe desejam tomá-las poresposas,
mas ela s serecusam.Insistem, afinal,em quelhes deem, primeiro,
trajes decasamento exatamente iguaisaosque costumavam usar
no outro mundo, mas sem que suasmedidas sejam tiradas.O rei
convocou todo s os trabalhadores, mas nenhumdeles se propôsa
fazê-lo.
Tendoouvidotudoisso,disse-lheopríncipe:
— P rocura o re i, caromestre, e dize-lhequefornecerás tudo o que
estáaoalcancedoseuofício.
— M as poderei eu fabricar roupastais? Poistrabalho paragente
muitosimples!–dizomestre.
— P rossegue, meu caromestre! Eu responderei portudo! – diz o
príncipe.
Desse modo, o alfaiate partiu. Muito agradou ao reiver que ao
menosum bom trabalhador foraencontrado e deu-lhe tantodinheiro
quanto elepoderia desejar. Tendoacordado tudo com o rei,o
alfaiateregressouparacasa,ondeopríncipelherecomendou:
— Agoravai,rezaa Deus e deita-para te dormir . Amanhãmesmo,
tudoestarápronto.
Então,seguindooconselhodojovem,oalfaiatefoiparaacama.
Logo bateu a meia-noite. O príncipe despertou, saiuda cidade,
adentrou os campos, retirou dobolso os ovosque as donzelas lhe
tinham ofertado e, fazendoprecisamente o queelas lheensinaram,
converteu-em ostrês palácios. Em cadaum deles ele entrou,tomou
a túnic a das jovens,saiu , transformou os palácios em ovos
novamente e foiparacasa. Lá chegando,pendurou as peçasna
paredeedeitou-separadormir .
Bem cedo, seu mestre acordou e.. Surpresa!Estavamali,
pendentes, túnicas que elejamais vira antes, cadaqualfazendo
resplandecer ouro,prata e pedras preciosas. O alfaiate, em júbilo,
tomou-as e levou-as ao rei.Quandoas princesas notaram que as
roupaseram aquelas que usavam outrora, perceberam que o
príncipe Ivãestava naquelem undo,porém, permaneceram caladas.
O mest re, ademais,tendo entregue as roupas,foiparacasae não
encontrou seuquerido artífice, uma vez queeste foraaté a casado
sapateiro e fez com quetambémo sapateiro trabalhasse para o rei.
De igualmaneira,foi ter com todos os artesãos,que lheiam
agradecendoporque,pormeiodele,enriqueciamàscustasdorei.
Não restando, àquele principesco trabalhador
, mais nenhum
artesão, as princesas já nãotinham maisnadaa receber do que
haviampedido;suasroupaseramexatamenteiguaisàsqueusavam
no outro mundo. Em seguida,todas se puserama chorar
amargamente, poiso príncipe mesmo nãochegarae lhesera
impossível esperar mais. Era necessário quesecasassem.Porém,
quando já estavam prontas parao casamento, a noivam aisjovem
foitercomorei:
— Permite-me,meu pai, que eu saiaa distribuir esmolas aos
pedintes.
O rei a autor izou a fazê-lo, e assimelapartiu e começou a
distribuir
esmolas, examinando cadapedinte com atenção. Quando,
então, chegoua um deles e estava prestesa lhedarum poucode
dinheiro,notou alio anel quedera aopríncipe nooutrom undo,bem
como osanéis desuasirmã s – poistratava- mesmo
se do príncipe!
Elao tomou pela mão e o levou consigo saguãoadentr o, dizendo
emseguidaaorei:
— E isaquele que nostroux e do outromundo. Seus irmãos nos
proibiram derevelar queesta vavivo,ameaçando matar-os
n casoo
fizéssemos.
Então,o reificou furioso com aqueles filhose ospuniudamaneira
que lhepareceu maisconveniente. Depois, trêscasamentos foram
realizados.
ABétulaMaravilhosa

RA UMA um homem e uma mulher


VEZ que tinham uma
filha
única.Ora, aconteceu que um dia, uma de suas
ovelhasdesv iou-se e saíram em seu encalço.
Procuraram muito,cadaum em uma parte diferente
do
bosque.Então,a boamulher encontrou-comse uma bruxaque lhe
disse:
— Se cuspires,criatura
miserável, secuspiresnabainha deminha
facaou sepassares entreminhas pernas,transformar- eite-
em uma
ovelhanegra.
A mulh ernãocuspiunem correu porentre as pernas da velha,
mas, m esmo assim,a bruxaa transformou em uma ovelha negra.
Em seguida, fez-se exatam ente igualà mulher e gritouparao
homem:
—Oi,meuvelho,olá!Jáencontreiaovelha!
O homem pensou quea bruxafossesuaverdadeira mulhere não
sabiaque a esposaeraa ovelha.Assim, foi paracasacom a
mulher, decoração felizporque a ovelhaforaencontrada.Quando
estavamsegurosemcasa,abruxadisseaohomem:
— Vê bem, m eu velho,devesrealmente matar essaovelha para
queelanãofujadenovoparaobosque.
O homem, que eraum camarada pacífico,nãoobjetou, mas
apenasdisse:
—Bom,façamosassim!
A filha,
noenta nto,escutaracasualmente a conversae correu para
orebanho,alamentaremvozalta:
—Oh,mamãezinha!Vãoabater-te!
— Bem, então, se me abate rem – respondeu a ovelha negra–,
nãocomas a carne nem o caldo que fizeremde mim, mas junta
todososmeusossoseenterra-osnabordadocampo.
Pouco depoisdisso,tiraram a ovelha negrado rebanho e
abateram-na. A bruxafez sopadeervilhas com o caldodacarne eo
serviuà filha.A moça, todavia, recordou a advertênciadamãe. Não
tocou na sopa , mas levou os ossosparaa borda do campo e os
enterrou lá. No local, brot
ou uma bétula – uma árvoremuito
adorável.Passadoalgumtempo – quem poderia dizerquanto tempo
viveram lá? – a bruxa, que nesseínterim tiverauma criança,
começou a ficarde má vontade com a filhado homem e a
atormentá-ladetodasasmaneiraspossíveis.
Ora, um grande festival
estava paraacontecer nopalácio,e o rei
ordenara que todas as pessoas fossemconvidadas e que fosse
proclamadooconvitedoseguintemodo:
— Vind e, vinde todos!Pobres e miseráveis,todos vós! Aindaque
cegosealeijados,montaivossoscorcéisouvinde . pelomar
E assimdirigira m-se para o banquete dorei todos osproscritos,os
aleijados,os coxose os cegos. Na casadobom homem, também,
foramfeitos os preparativos parairao palácio.A bruxadisse ao
homem:
— Vainafrente, meu velho,com a maisnova.Dareitarefas para
queamaisvelhanãofiqueentediadananossaausência.
Então,o homem pegoua filha maisnovae saiu.A bruxa, contudo,
acendeu o fogão, lançou um pote de grãosde cevadaentre as
cinzasedisseàmoça:
— Se nãoretirares a cevadadascinzase colocá-las no pote
novamenteantesdocairdanoite,eutedevorarei!
Em seguida, apressou-se parairaoencontro dosoutros e a pobre
moça ficouem casaa chora r. Tentou certificar- dese
que catara os
grãos decevada,mas logo percebeu quãoinútil eraa tarefa. Assim,
foiaflita
atéa bétula, notúmulo damãe, e chorou bastante porque a
mãeestava morta debaixo daterra e nãopodia maisconversar com
ela.Em meioà dor , elaouviu,de repente, a voz da mãe sair da
sepultura,adizer:
—Porquechoras,filhinha?
— A bruxaespalhou grãos decevada nofogãoe ordenou-me que
as retirassedascinzas– disse a moça –, e é porissoque choro,
mãezinha.
— Não chores – consolou a mãe –, quebra um demeus galhos,
batetransversalmentenofogãoetudoficarábem.
A moça assimo fez. Bateu a lareiracom o galho debétula e eis
queosgrãos decevada voaramparao pote e a lareira
ficoulimpa!
Então,voltou para o pé debétula e colocou o galhosobre o túmulo.
Logo depois,a mãe pediu queela selavasse deum lado dotronco,
se secasse de outro e se vestisse ao lado de um terceiro galho.
Depoisdea moça seguir todas as ordens, ficoutão bela que não
podia se comparar a ningué m na face da Terra.Recebeu vestes
esplêndidas e um corcel, cuja crina eraparte deouro,parte deprata
e partedealgo ainda maisprecioso. A moça montou e cavalgou tão
velozquanto uma flecha parao palácio.Ao chegarno pátiodo
palácio,o filho do reiveioao seuencontro, amarrou o cavalo ao
pilare deixou-aentrar . Ficou todo tempoao seu lado ao passar
pelos cômodosdo palácio,e todas as pessoas olhavam paraela,
admiradas, pensando quem poderia sera jovem donzela e deque
casteloteriavindo,mas ninguéma conhecia – ninguémsabia nada
a seurespeito . No banquete, o príncipea convidou parasentar-se
aolado dele nolugar dehonra; mas a filha dabruxaroíaosossos
debaixoda mesa. O príncipe nãoa via. Pensoutratar- de
seum
cachorro e deuum chute tamanhoque lhequebrou o braço.Não
estais com penadafilha dabruxa? Não tinha culpadea mãe ser
umabruxa.
Ao cair danoite,a filhadobom homem achouque erahoradeir
paracasa, mas ao voltar , seu anel ficoupresona lingueta da
fechadura daporta,poiso filho dorei a havia besuntado com breu.
Ela nãoteve tempode retirá-lo, mas desamarrou rapidamente o
corcel do pilare cavalgou paraalémdosmurosdo palácio,mais
rápida que uma flecha.Ao chegarem casa, despiu-se pertodopé
debétu la,deixouo cavalo nas cercanias e apressou-se em tomar
seulug arperto dofogo. Pouco tempo depois o homem e a mulher
voltaramparacasa,eabruxadisseàmoça:
— A h! Pobrezinha,aquiestá s, com certeza! Não sabesque bons
momentos tivemosnopalác io! O filhodoreidesfilou com a minha
filha,masacoitadinhacaiuequebrouobraço.
A moça sabia muito bem o que realmente tinhaacontec ido,mas
fingiunadasaberaesserespeitoeficoumuda,atrásdofogão.
Nodiaseguinte,foramconvidadosdenovoparaobanquetedore
— E i, meu velho – disse a bruxa–, veste-te o maisrápidoque
puderes, fomos chamados paraa festa. Leva a maisnova, darei à
outraumatarefaparaquenãofiquefatigada.
Acendeuo fogo, lançou um pote desementes decânhamoentre
ascinzasedisseàmoça:
— S e nãoseparares issoe todas as sementes nãoesti veremde
voltanopote,matar-te-ei!
A moça chorou amargamen te.Em seguida,foiao pé de bétula,
lavou-se em um doslados e secou-senooutro. Dessa vez, recebeu
um traje ainda maisesplêndi doe um belíssimo ginete.Q uebrou um
galho dabétula, bateu com ele nofogãodemodoqueassementes
voassemparaopoteerumouapressadaparaopalácio.
Maisuma vez, o filho doreifoiencontrá-la, amarrou o cavalo ao
pilare a conduziu ao salão dobanquete. Durantea festa,a moça
sentou-se ao ladodele no lugar de honra,como fizera no dia
anterior
. Entretanto,
a filhadabruxaroíaosossos debaixo damesa
e o príncipe,porengano,deu-lhe um safanãoque a fez quebrar a
perna – ele nunca notaraquea moça rastejava
porentre ospésdas
pessoas.ElaeraMUIT Oazarada!
Novamente, a filha
dobom homem correu paracasacedo,mas o
filhodorei besuntaraosbatentes dasportascom breue a tiara
de
ourodamoça ficougrudada. Elanãotinhatempo paraprocurá-la,
pulou nasela e cavalgou como uma flecha
parao pé debétula.Lá
deixouocavalo,osbelostrajesedisseàmãe:
— Perdi minha tiara no palácio,o batenteda porta estava
besuntadocombreueaprendeu.
— Ainda quetivesses perdido
duas– respondeua mãe, – dar-te-ia
outraaindamaisbela.
Nessaaltura,
a moça correuparacasae, quando
o paichegouda
festa
com a bruxa, ela
estavanolugardecostume,atrásdofogão.
Então,abruxadirigiu-seàmoça:
— Pobrezinha!O que há paraveraquicomparado ao que NÓS
vimosnopalácio?O filhodorei
passeoucom minhafilhaportodos
oscômodos,deixou-acair
,éverdade,eameninaquebrouopé.
A filha dohomem manteve a calmao tempo todo e ocupou-se do
fogo. Passoua noite, e quandoo diacomeçoua raiar , a bruxa,
chorando,acordouomarido:
—Ei,acorda,meuvelho!Fomoschamadosparaobanquetereal.
Assim, o velho acordou e a bruxa, então,deu-lhe a filham aisnova,
ordenando:
— L evaa maisnova;darei à outra um trabalho, casocontrário,
ficaráenfastiadadeficaremcasasozinha.
Fez como de costume.Dessa vez, lançou um pires de leite nas
cinzasdofogãoedisse:
— S e nãodes pejares o leitenovamente nopires antes que volte
paracasa,sofrerásporisso.
Como a moça ficouapavorada dessavez! Correu parao pé de
bétula e com os poderes mágicos a tarefafoirealizada. E m seguida,
partiu parao palácio como nasoutras vezes. Chegando ao pátio,
encontrou o príncipea esperá-la.Elea conduziu pelo saguão,onde
recebeualtashonrarias,masafilhadabruxa,quechupavaososso
debaixo damesae ficava agachada aospés daspessoa s, teve um
olho golpeado,pobrezinha! O ra, ninguémsabia nadaalémdoque
antes a respeitoda filhado bom homem, ninguémsabi a de onde
vinha,mas o príncipe besuntou a soleiradaporta com breue, ao
partir, os sapatinhos dourados ficaram grudados. A moça chegouà
bétulae,aodespir-sedostrajesfinos,falou:
—Aidemim,queridamãezinha!Perdimeussapatinhosdourados!
— Deix a estar – foia resposta damãe –, seprecisares deles, dar-
te-eioutrosaindamaisbelos.
Malchegaraao seuposto habitual atrásdo fogão, quan do o pai
chegouem casacom a bruxa. Imediatamente a bruxacomeçoua
zombardamoça:
— A h! Pobrezinha, nãohá nadaaquiparaveres,e NÓS – Ah! Que
coisas grandiosas vimosnopalácio! Minhafilhinha foimaisuma vez
conduzida portodos os lados, mas teve a má-sortedecair e tero
olhomachucado.Etu,estúpida,oquesabesdascoisas?
— Verdade, o quepossosaber? – respondeu a moça. – Tivemuito
oquefazerparalimparoborralhodofogão.
Ora, o príncipeguardou tod as as coisas que a moça perdera e
logose pôs a procurar a dona dosobjetos. Paraisso,propôsum
grandebanquete no quar todia e todas as pesso as foram
convidadas ao palácio.A bruxa também se aprontou parair .
Amarrou um macete demadeira nolugar dopé dafilha, uma tora de
madeira nolugar dobraço,enfiou um punhado depó nacavidade
do olho e levoua filhacons igoparao palácio.Quandotodas as
pessoas estavam reunidas, o filho do reipostou-se no meio da
multidãoebradou:
— A donzela cujodedoperdeuesteanel,cujacabeçafoi
circundada poreste arodourado e cujos pés couberemnestes
sapatos,seráminhanoiva.
Como todos tentaram experimentar! No entanto, os objetos não
couberamemninguém.
— A borralheir
a nãoestáaqui– afirmou o príncipe,porfim. – Idee
atrazei.Deixareiqueproveessesobjetos.
Destafeita,a moça foi levada ao palácio e o príncip e estava
prestes a entregar-lheos ornamentos, quandoa bruxao deteve,
suplicando:
— Não osdês a ela.Sujará tudo decinzas!Em vez disso , dá-lhes
àminhafilha.
Bem, o príncip
e entãodeuà filha dabruxao anel e a mulher limou
e afastou osdedosdamoça até caber o anel. O mesmo sedeucom
a tiarae com os sapatinhos de ouro.A bruxanãopermitiu que
fossementregues à borralheira.Forçoua cabeçae os pés dafilha
até quecoubessem.O quehavia desefazeragora?O príncipe teve
de tomar a fil
ha da bruxapornoiva,quisesse ou não . Contudo,
esgueirara-para
se a casadopaidela, poisestava com vergonha de
ter de daruma festa de noivado no palácio com uma noiva tão
esquisita.Passadosalguns dias,teve, porfim, delevar a noiva ao
palácio e estavaprestes a fazê-lo. Assimque estavam parapar , a
moça m aisvel ha deixouseuposto aolado dofogãocom o pretexto
depegaralgumacoisa noestábulo.
Ao sair
, sussurrou noouvido do
príncipequeestavanoquintal:
— Pobrede mim, querido príncipe!
Não roubes o meu ouroe
minhaprata.
Logo depois disso o filho
do reireconheceu a borralheira.
Levou
ambas as moças consigo e partiu.
Após trilharem uma pequena
parte docaminho,chegaramà beira deum rioe o príncipe pôs a
filhadabruxaatravessada deuma margem a outra paraservir de
ponte e acabouficando com a borralheira.
Lá ficoudesd e então a
filhadabruxa, como uma ponte sobreo rio e nãopodia se mexer,
emboraestivessecomocoraçãopesaroso.Comonãohaviaquema
ajudassenasproximidades,finalmente,gritouangustiada:
— Q ue brote um pinheirodourado do meu corpo!Talvezminha
mãemereconheçaporessesinal!
Mal acaboude pronunciar t
aispalavras e um pinheiro dourado
brotoudeseucorpo,ereto,nomeiodaponte.
Ora, logoque o príncipe se livrou
da filha da bruxa, tomoua
borralheira como noivae caminharam atéo pé de bétula que
nascera no túmulo da mãe da moça. Lá receberam tod
a sorte de
tesouros e riquezas,três sacoscheios deouro,muita prata,e um
corcel esplêndido queoslevou parao palácio. Aí viverampormuito
tempojuntos e a jovemprincesa deu um filhoao príncipe.
Imediatamente foiditoà bruxaquesuafilha dera à luzuma criança
– poistodosacreditavam quea jovem esposa donovorei eraa filha
dabruxa.
— Então – disse a bruxaparasimesma, – é melhor levarmeu
presenteparaacriança.
Ao dizer isso,saiu.Aconteceu deela chegar à beira dorioe vero
belo pinheiro dourado erguido nomeiodaponte. Quandocomeçou
acortá-loparalevaraoneto,ouviuumavozlamuriosa:
—Aidemim,mãequerida,nãomecortesassim!
—Estásaí?–perguntouabruxa.
— Cert amente estou, mãezinha – respondeu a filha. – L ançaram-
meatravésdorioparaquemetornasseumaponte.
Num instante a bruxadestruiu a ponte em pedacinhos e então
rumouligeiraaopalácio.
Chegandoaospés da cama da jovemrainha, começoua tentar
aplicarsuasartesmágicasedisse:
— Cospe, criatura miserável, cospena bainha de minh a faca, a
enfeitiçaetransformar-te-eiemumarenadobosque.
— Estás novamente a trazerproblemas paramim? – perguntou a
jovem.
Elanãocuspiu ou fez coisaalguma,mas mesmo assima bruxaa
converteu em uma rena e transmudou a própria filha,colocando-a
no l
ugarda m ulher do jovemrei.Agora, contudo, a criançaficou
impaciente e começoua chorar , poissentia falta doscuidados da
mãe. Levaram -na paraa corte e tentaram acalmá-lade todas as
maneirasimagináveis,masochoronuncaterminava.
— O queestáa inquietar esta criança?– interrogou o jovem rei,e
dirigiu-seaumaviúvasábiaparapedirconselhos.
— A i, ai! Sua mulher nãoestáem casa!– disse a sábia– ela vive
como uma rena nobosque.Tensagoraa filha dabruxaporesposa
eaprópriabruxaporsogra.
— Há algummeiodetrazer minhaesposa devolta? – solicitou o
jovemrei.
— Dá-m e a criança – respondeu a sábiamulher . – Eu a levarei
comigoamanhã,quando forconduzir o gadoaobosque.Farfalharei
osramosdebétulaesacudireiosramosdeálamo–talvezomenin
seacalmeaoouvirisso.
— Sim, leva o menino,leva-o para a florestae acalma-o – disse o
reieconduziuamulheraocastelo.
—Comoissoagora?Vaislevaracriançacontigoparaobosque?–
questionouabruxaemtomsuspeito,tentando . interferir
Entretanto,oreisemantevefirmenaquiloqueordenaraedis
—Carregacontigoacriançaparaobosque,talvezissoaacalme.
Ditoiss
o, a viúvalevoua cri
ançaparao bosque.Chegouà beira
de um pântano e, ao veruma manadade renas ali,começoua
cantarimediatamente:
Olhinhos brilhantes, pelo avermelhado,
Nutra a criança que hás criado!
O monstro sanguinário, bestial devoradora,
Não mais cuidará, não o guardará.
Ameaçar e forçar hão desejado,
Tenta escapulir e fica afastado.
E, imediatamente,
a renaaproximou-se,alimentoue cuidouda
criançao diain
teiro,
mas à noiteteve
deseguira manadae disseà
viúva:
— Traze-me a criança
amanhã, e maisuma vez nodiaseguinte.
Depoisdissodevovagarcomamanadaparaterrasmuitodistant
Namanhãseguinte,aviúvavoltouaocasteloparapegaracrian
Abruxainterferiu,éclaro,eoreiafirmou:
— Toma a criançae leva-aparao arlivre.
O meninoficamais
sossegado durantea noite,
isto
é certo,
quando ficanobosqueo dia
inteiro.
Assim, a viúvalevoua criança nos braçose a levouparao
pântanonobosque.Lá,cantoucomonavezanterior:
Olhinhos brilhantes, pelo avermelhado,
Nutra a criança que hás criado!
O monstro sanguinário, bestial devoradora,
Não mais cuidará, não o guardará.
Ameaçar e forçar hão desejado,
Tenta escapulir e fica afastado.
Imediatamente
a renadeixoua manadae foiatéa criança, ea
cuidoucomo nodiaanterior
. E assima criança
progrediu, atéque
nãoseencontrassemenino
maisbeloem lugaralgum.M aso jovem
reiestiveraconsiderandotodasessascoisasedisseàviúva:
—Hámaneiradetransformararenaemserhumanonovamente?
— No moment o, nãosei– foia resposta daviúva.– Toda via,vem
comigoaobosque.Quandoa mulher retirar
suapele derena,devo
escovar seuscabelos. Enquanto eu fizerisso,devesqueimara
pelagemderena.
Logo em seguida ambosse dirigiram ao bosquecom a criança,
malchegarame a renaapareceu, alimentando a criança como
antes.Aviúvadisseàrena:
— Já quevais embora amanhã,nãodevover-te novamente, deixa
quepenteie teus cabelos pela última
vez, como uma reco rdação de
ti.
Bem, a jovem despiu-se dapele derena e deixoua viúvafazero
quedesejava. Nessemeiotempo,o jovem rei,sem servisto,lançou
apelederenanofogo.
— Que cheiro decoisa chamuscada é esse?– perguntou a jovem,
eolhandoaoredorviuoprópriomarido.
—Aidemim!Queimasteaminhapele.Porquefizesteisso?
—Paradar-teformahumananovamente.
— Q ue azar! Nada tenho paracobrir-me agora,souuma pobre
criatura! – bradou a jovem e transformou- primeiro
se em uma roca,
depois em um maço demadeira e depois em um fusoe em todas as
formas imagináveis.Entretanto, todasessas formas foram
destruídas pel
o jovemreiatéque chegasse novamente na forma
humana.
— P obredem im! Porisso,leva-mecontigo paracasanovamente
–clamouajovem–,jáqueabruxa,porcerto,devorar-me-á!
— Elanãote devorará– respondeu o marido, e partirampara casa
comacriança.
No enta nto,quandoa bruxaos avistou, saiuem fuga com a sua
filha,e senãotiver parado,aindaestácorrendo até hoje,apesar da
muita id
ade. O jovem rei,sua mulhere o bebê viveram felizespara
sempre. [19]
[19] T raduzidoparaoinglêsdorussocareliano.
JoãoeoPédeFeijão

JOÃO VENDE A VACA


RA UMA VEZ uma pobre viúvaqueviviaem um pequenino
chalé com seuúnicofilho,João, um garoto apatetado,
de inteligênciaembotada, mas muito carinhosoe de
bom coração. Um inverno ri
goroso os haviacastigado,
em que a pobremulher sofr
erade febres e calafrios.
Como João
aindanãotrabalhava, osdoisseencontravam em uma situaçãode
extrema pobreza. A viúva sedeuconta, então,dequeo único meio
deevitarqueeles morressem defome eravender suavaca.Assim,
umcertodiademanhã,disseaofilho:
— E stou fracademais parasair, João. Tensdelevar a vacaatéo
mercadoparamimevendê-la.
O menino seencantou com a idéia deiraomercado paravendera
vaca. No meiodo caminho,entretanto, encontrouum açougueiro
quelevava nasmãosumasli ndassementes defeijão.
QuandoJoão
parou para olhá-las,o açougueiro lhedissequeerammuito valiosas
epersuadiuotolinhoatrocá-laspelavaca.
A mãe, ao vero meninochegarem casacom as sementes de
feijão
em vez dodinheiro que esperava receberporsuabela vaca,
afligiu-se
muitoe derramou copiosas lágrimas,repreendendo- pela
o
tolice
que cometera. Joãolhe disse quesentiamuitíssimo,e osdois
foramdormir muito tristesnaquelanoite,
poissuaúltima esperança
pareciater-sedesvanecido.
Aoamanhecer ,Joãoselevantouefoiatéojardim.
—Aomenos–pensou–vouplantaressasmaravilhosassemente
defeijão. Mamãe disse quesãoapenas sementes comunsdefeijão
vermelho,enadamais.Mesmoassim,vouplantá-las.
Então,pegouum pedaçode pau, fez alguns buracos no chãoe
nelesenterrouassementes.
Naquele dia,os dois
comerammuito poucoe foramparaa cama
tristes,
poissabiamque, nodiaseguinte, nadateriam paracomer.
João, quenãoconseguia maisdormirdeafliçãoe tristeza,levantou-
seaoraiardodiaesaiuparaojardim.
Qualnão foisuasurpresa ao verque os feijões
haviamcrescido
durante a noite, escalando muitoalto,
atéocultarem o altorochedo
que abrigavaa casinha, e desaparecendo acimadele!Os talos da
plantasehaviamentrelaçado muitasvezes, até
formarem uma bela
deumaescada.
—Parecebemfácilsubirporali–pensouomenino.
Tãolog o concebeu o projeto,Joãodecidiu-se a pô-lo em prática,
poiserabom escalador . Entretanto,
depoisdoerro queacabara de
cometer em relação à vaca, achouporbem consultar a mãe
primeiro.
O MARAVILHOSO CRESCIMENTO DO PÉ DE FEIJÃO
Então,Joãochamoua mãe e osdois ficaram observando o pé de
feijão,
em silêncio, nãosomente porsuagrande altura,
mas também
pelaespessura,suficienteparaaguentaropesodomenino.
— O ndeseráque eletermina? – disse Joãoà mãe. – Acho que
vousubirever .
A m ãenãoqueria queeleseaventurasse em tão estranhaescada,
mas Joãoinsis tiu,com jeito,
implorando-que lheconsentissecom a
empresa,seguro dequedeveria haveralgo demaravilhoso naquele
pédefeijão.Porfim,amãecedeu.
Assimque recebeu a autorização,o menino começoua subir ea
subiraquela espécie deescada quea planta formara, até quetodas
ascoisasdeixadasparatrás–ochalé,avilaeatéatorredaigrej
parecessem bem pequeninas. Mesmo assim,ainda nãoconseguia
verotopodopédefeijão.
Joãoestava se sentindoum poucocansado e, porum momento,
pensou em voltar . Mas eraum garoto muito perseverante, e sabia
quea única maneira deconseguir ascoisas é nãodesistindo nunca.
Porisso,depoisdedescansarumpouco,prosseguiu.
Depoisdesubir e subir
tãoalto queficoucom medodeolhar para
baixo, porreceio desentirvertigens,Joãoenfimalcançou o topo do
pé defeijão, ondeencontrou um lindo campoarborizado, com belas
pradarias cobertas deovelhas. Através daspastagens, passava um
córrego de águas cristalinas e, nãomuito longedo local onde
desceradopédefeijão,erguia-seumimponentecastelo.
Joãomuito admirou-se dejamaister visto ou ouvido falardaquele
castelo antes. Depois, porém, de refletir um poucomaissobre o
assunto, perce beuquea construção estava tão separadadovilarejo
pelapedreira perpendicularsobrea qualse assentava , que era
comoseestivesseemoutraterra.
Enquanto João, parado depé, observava o castelo, uma m ulher de
aspecto muito estranho saiudobosquee caminhou em suadireção.
Ela usavaum gorropontud o e acolchoado de cetimvermelho,
arrematado com pele dearminho. Caminhava segurando um bastão
e traziaoscabelos soltos
correndo-lhe sobre osombros.A o vê-lase
aproximar , João tirou o chapéu e lhefez sinal de reverência,
inclinando-se.
— D esculpai- e,mminhasenhora – disse ele –, mas esta é a vossa
casa?
— N ão– respo ndeua velha senhora. – Escuta,queeu te contarei
ahistóriadestecastelo.
“Erauma vez um nobre cavaleiro, que moravaneste castelo,na
fronteiracom a Terra dasFadas. Eletinha uma bela esposa,a quem
muitoamava, e váriosfilhos adoráveis.Ademais, como seus
vizinhos – a gente pequenina – tinham-no em grandeestima,
davam-lhemuitospresentesvaliosos.
“Logo se espalhou o rumorde que o cavaleiro possuíagrandes
tesouros, e então um gigan temonstruoso, criaturaextremamente
má que moravanãomuito distante dali,decidiu apoderar-se de
todos eles.Porisso,suborno u um criado desleal paraque este lhe
permitisse entrarnocastelo quando o cavaleiro estivesse nacama
dormindo, e assimo matouenquanto dormia.Depois, dirigiu-se à
áreadocastelo ondeeraa m aternidade e tambémmato u todas as
crianças que encontrou ali.Porsorte, a esposa nãose encontrava
em casa. Saíracom o filho recém-nascido – que tinha apenas dois
ou três mesesdeidade – paravisitar suaantiga babá, que viviano
vale,eforaobrigadaapassaranoiteládevidoaumatempestade
“Na manhãseguinte, assimque o sol nasceu,um doscriados do
castelo,queconseguira escapar , foicontar à pobre damao triste fim
que tiveram seumarido e seusbelos filhinhos. No início,elamal
conseguiu acreditarno que o servo dizia,e depois des ejou voltar
parao castelo e compartilhar do destino de seusentes queridos.
Mas a velha babá, banhad a em lágrimas,suplicou-lhe que se
lembrasse dequeainda lherestara um filho e quetinha o dever de
preservaraprópriavidaemproldaquelapobrecriançainocen
“A dama cedeuaos argumentos da babá e consentiu em
permanecer na casadesta, que erao melhor esconderijo de que
dispunha;poiso criado lhedisse queo gigante jurara matar a elae
ao bebê, casoos encontrass e. E assim,muitos anospassaram.A
velha babá morreu,deixando à pobre damaseuchalé e ospoucos
móveisque possuía.A mulher continuou vivendo ali,trabalhando
comocamponesa para ganhar o pãodecadadia.Com uma roda de
fiare o leiteextraído de uma vacaque comprara com o pouco
dinheiroque traziaconsigo,garantia suaprecária subsistência ea
dofilho.Além disso,junto aochalé,havia uma pequena horta onde
os doiscultivavam pêssegos, feijão e repolho; e em época de
colheita,
a damanãotinha vergonha desair pelos camposcolhendo
oquerqueservisseparasatisfazerasnecessidadesdeseufilhi
“João,essapobre mulherdequem falo é a tua mãee este castelo,
umbelodia,pertenceuateupai,edeveserteunovamente.
Omenino,surpreso,exclamou:
— M inhamãe! Oh, minhasenhora,quedevoeu fazer?Meu pobre
pai!Minhaqueridamãe!
— Teu dever é recuperar o castelo paratua mãe. Mas a tarefa é
muitodifícilecheiadeperigos,ens João.coragem
T deenfrentá-la?
— Não tenho medodenadaquando façoo que é correto – disse
João.
— E ntão– disse a mulher dogorro vermelho – tués uma dessas
pessoasque matam gigantes. Deves entrar no castelo e, se
possível,apropriar-de seuma galinha que bota ovosdeouroe de
uma harpafalante. Lembra-tede que tudo aquilo que o gigante
possui,naverdade,éteu.
Dizendoisso,a mulher desa pareceu derepente, e João, é claro,
compreendeuquesetratavadeumafada.
O m eninodecidiu iniciar
de imediato suaaventura e, paratanto,
seguiuem frente e sooua trombeta que estava dependurada do
portãodocastelo. Um pardeminutos depois, ou nem isso,o portão
foiabertoporuma giganta assustadora que só tinhaum olho,no
meiodatesta.
Assimque a viu,Joãovirou-se e fugiuapavorado, mas a gigantao
pegoueolevouparaocastelo.
— Ha, ha – riu-sea criatura medonha.– Está claro que não
esperavas ver-me aqui! Não, não hei de deixar-te irembora
novamente. Es tou cansada desta vida.Tenhotanto trabalho,e não
vejoporquenãopoderia ter um pajem,como qualquer outra dama.
Tu serás meu criado.Limparás as facas, lustrarás as botas,
acenderáso fogo e me ajudarás em tudo o maisquando o gigante
estiver
fora.Quandoestiver em casa, porém, deverei esconder-te,
poiso malandro comeu todos os pajens que tiveatéhoje;e te
achariaumbocadoapetitoso,meuamiguinho.
Enquanto diziaessascoisas,a giganta iaarrastandoJoãoatéo
castelo.
O pobre menino esta vamuito assustado, comoimagino que
também estaríeis, todos vós, no lugardele.Recordou-se,no
entanto,deque o medoé a ruínadeum homem. Porisso,fez de
tudo paraconservar a valentia e lidar com a situação da melhor
maneirapossível.
— E stou disposto a ajudar-vos e fazer tudo o que puderpara
servir-vos,
minhasenhora – disse ele.– Só vospeçoque tenha a
amabilidade deesconder-me devossomarido,poisnãome agrada
nemumpoucoaideiadeserdevoradoporele.
— Bom garoto! – disse a giganta, assentindo com a cabeça. –
Tenssortedenãoteres gritado aome ver , comoo fizeramosoutros
meninos que passaram poraqui; pois, se tivesses gritado, meu
maridoteriaacordado e tecomido nocafédamanhã,comofez com
eles.Vem cá, menino,entra nomeu armário.Elenuncao abre,de
modoqueestarásseguroalidentro.
A giganta,então, abriu um imensoguarda-roupas que jazia no
grande salão e trancou o meninoalidentro. Mas o buracoda
fechaduraeratão grande que deixava passar aro bastante para
manter o interior ventilado,alémdepermitir que Joãovisse tudoo
que acontecia do lado de fora. Um poucomaistarde, eleouviu
passos pesados descendo a escada – como os estampidos deum
grandecanhão–edepoisumavozestrondosacomoumtrovão,que
dizia:
— P i-ri-ri,pó-ró-ró! Sintoo cheiro darespiração deum homem no
recinto.Queresteja vivo,quermorto se encontre já, trituro- os
lhe
ossostodos,paraentãoodevorar .
Econtinuou:
— E sposaminha,há um homem nocastelo. Deixa-me comê-lo no
cafédamanhã.
— Estás ficando velho e estúpido – disse a mulher , com suavoz
muito alta.– É apenas um belo bifede elefante fresco que eu fiz
parati,o cheiro queestássentindo. Vem, senta e tomat eu café da
manhãquieto.
Nisso,pôs sobre a mesa diante dele um saboroso prato decarne
fumegante, o quemuito lhe satisfez,e o fez esquecer a ideia deque
havia um homem nocastelo. Terminado o café damanhã , o gigante
saiuparadarumavolta,eentãoagigantaabriuaportadoarmár
mandouJoãosair para ajudá-la.
O menino trabalhou durante todoo
dia.Depois, a giganta lhedeucomidaem abundância e, aocair da
noite,devolveu-oaoarmário.
A GALINHA DOS OVOS DE OURO
Quandoo gigante voltoupara jantar
, Joãopôs-se a observ
á-lo pelo
buracodafechadura e admirou-se ao vê-lo empunhar um ossode
loboe enfiar a metade de um frango,de uma só vez, em sua
espaçosaboca.
Logo queterminou decomer , ordenou à esposa quelhetrouxesse
suagalinhaquebotavaovosdeouro.
— Continua botando ovostão bem como quando pertenciaàquele
ignóbil
cavaleiro – comentou. – De fato,creioque seusovosestão
maispesadosdoquenunca.
A giganta se afastou e, lo
go depois,regressou trazendo uma
pequena galin
ha marrom,que colocou sobrea mesa em frente ao
marido.
— E agora, meu querido – disse–, vou sairparadaruma
caminhada,senãoprecisaresdemimparamaisnada.
— Vai– respo ndeuo gigante. – Heidecomprazer-metir andoum
cochilodepoisdemeentretercomestagalinha.
Entãotomounasmãosoanimalelhedisse:
—Bota!
Edeimediatoelabotouumovo.
—Bota!–dissenovamente.
Eagalinhaobedeceu.
—Bota!–repetiuogigantepelaterceiravez.
Eoutroovodeouroapareceusobreamesa.
Agora,Joãoestava segurodequeaquela eraa galinha
dequelhe
falaraafada.
Porfim, o gigantepôs o bichonochãoe, quaseinstantaneamente,
adormeceu,passando a roncar tãoalto que mais pareciam
trovoadas.
Assimquepercebeu quea criatura adormecera, empurrou a porta
doarmárioatéabri-la e saiusorrateiramente.Atravessouo recinto
com muito cuidadoe, tomando a galinha
nos braços,fugiu às
pressas.Conheciao caminhoatéa cozinhae, lá chegando,
constatouque a portaestava apenasencostada.Abriu-aentão,
depois
a trancouporforae correudevoltaparao pé defeijão,
por
ondedesceutãorápidoquantoopermitiamseuspés.
Quandoa mãe o viuentrarno chalé,chorou
dealegria,
poistemia
que as fadaso tivessem l
evadoou que o gigante o houvesse
encontrado.
Mas João, depositandoa galinha
marromdiantedela,
contouque estiverano castelo do gigantee narrou todas as
aventurasporquepassara.
A mulhermuitose alegrouao vera galinha,
poisesta os tornaria
ricosnovamente.
OS SACOS DE MOEDAS
Joãofez outra viagematé o castelo
dogigante,subindo pelopé de
feijão,
num diaem que suamãe saíraparairao mercado.Antes,
porém, tingiu o cabelo e disf
arçou-se.A gigantanãoo reconheceu
e, uma vez mais, levou-oà forçaparaajudá-la com as tarefas
domésticas. De repente, ouviuos passosdo marido chegando e
escondeu o menino noarmário,sem saber que erao mesmo que
roubara a galinha. Ordenou-lhe que permanecesse alibem quieto,
poisdocontrárioseriadevorado.
Então,ogiganteentrouedisse:
— P i-ri-ri,pó-ró-ró! Sintoo cheirodarespiraçãodeum homem no
recinto.Queresteja vivo,quermorto se encontre já, trituro- os
lhe
ossostodos,paraentãoodevorar .
— Tolice! – dis se a esposa.– É só um vitelo assado que pensei
quelheapeteceria.Senta- jantar te,queotrareilogodeumavez.
O gigan tesentou-se. Logo em seguida,a esposalevou à mesa
umagrandetravessadeviteloassadoeosdoissepuseram . ajan
Joãoadmirou-seao vê-losempunhar os ossosdo vitelo como se
fossemosdeuma cotovia. Q uando terminarama refeição,a giganta
selevantouedisse:
— Agora, querido, com tuapermissão, retiro-meao meu quarto
paraterminar de ler um contoque estou lendo.Se pre cisaresde
mim,bastachamares.
— Primeiro – respondeu o gigante– vaibuscar meus sacosde
moedas,paraque eu possacontar minhasmoedasdeouroantes
dedormir .
A giganta obedeceu.Saiu e logovoltou carregando sobreos
ombrosdoisgrandessacos,quedepositoudiantedomarido.
— E i-los– disseela.– Istoé tudo o que sobrou do dinheiro
daquele cavaleiro. Quandoterminares degastá-lo,terás detomar o
castelodeoutrobarão.
—Issoelenãohádefazer ,seeupuderevitar–pensouJoão.
O gigante, depois que a mulher foiembora,tirou montes e mais
montes de moedasdossacose contou-as, e empilhou-as, atése
cansar detudo aquilo.Então , colocou-as
todasdevolta nossacos,
recostou-na secadeira e caiunosonoquasedeimediato, passando
a roncartão altoque nadamaisse ouvia norecinto além deseus
roncos.
Nisso,Joãosaiudoarmário silenciosamente,
pegouos sacosde
dinheiro(que, afinal,
pertenc iam a elemesmo, já que o gigante os
roubara de seu pai) e fugiu correndo. Com grande dificuldade,
desceupelo pé de feijãoe foidepositaros sacossobre a mesa,
diantede suamãe, queacabara devoltar
dovilarejo e chorava por
nãoterencontradoofilhoemcasa.
—Aíestá,mãezinha.T rouxe-teoouroqueerademeupai
— Oh, João! És um bom menino,mas nãoquero quearrisques tua
preciosa vidano castelo do gigante.Conta-mecomo foi que
conseguisteentrarládenovo.
Eomeninolhecontoutodaahistória.
A mãe de João estava muitocontente porter recuperado o
dinheiro,masnãoqueriaqueofilhocorressenenhumriscoporel
Mesmo assim,poucotempo depois,
Joãodecidiu irdenovoatéo
castelodogigante.
A HARPA FALANTE
Assim, ele subiu pelo pé defeijão maisuma vez e sooua trombeta
aoportão docastelo dogigante. A giganta logoveioabrir. Era muito
burra,porissonãoo reconheceu de novo, mas se deteve um
instante antes de trazê-lo paradentro. Temiaoutro roubo.Mas a
carinha deJoãoparecia tão inocente queela nãoconseguiu resistir;
demodoqueofezentrare,outravez,escondeu-onoarmário.
Mais tarde, o gigante chegou em casae, assimque transpôs o
umbral,bradou:
— P i-ri-ri,pó-ró-ró! Sinto o cheiro darespiraçãodeum homem no
recinto.Queresteja vivo,quermorto se encontrejá, trituro- os
lhe
ossostodos,paraentãoodevorar .
— Seu gigante velho e estúpido – disse-lhe
a esposa –, o aroma
que sentes é simplesmente o deum carneiro que eu assei parao
jantar
.
O gigan tesen tou-se,então, e suaesposa trouxe-lhe um carneiro
inteiroparaojantar .Quandoterminoudecomê-lotodo,eledisse:
— Agora, traze-mea minhaharpa,que escutarei um poucode
músicaenquantofazesatuacaminhada.
A giganta obedeceu e lheentregou uma lindaharpa decordas de
ouro,todacravadadediamanteserubis.
— Esteé um dosobjetos maisbonitos quetomei daquele cavaleiro
– disse o gigante. – Sou um grande apreciador
demúsica, e esta
harpaéumacriadamuitoleal.
Nisso,aproximoudesioinstrumentoeordenou:
—T oca!
Eaharpatocouumaáriamuitosuaveetriste.
—T ocaalgomaisalegre!–disseogigante.
Eaharpareproduziuumacançãoalegre.
—Agora,tocaumacançãodeninar–bradouacriatura,porfim.
A harpa,então, tocou uma cançãode ninar , cujas docesnotas
fizeramseusenhorcairnosonoquasequedeimediato.
Nisso, Joãosaiusorrateiram ente do armárioe foiatéa cozinha,
que eraenorme,paraverse a giganta tinhamesmo saído.Como
nãoencontrou ninguémno recinto, foiatéa porta e abriu-acom
muito cuidado, poisimagino u que nãoconseguiria fazê-lo com a
harpanasmãos.
Depois, entrou na salado gigante, surrupioua harpae saiu
correndo com elanasmãos. Mas, quandocruzoua ombreira da
porta,oinstrumentogritou:
—M EUSENHOR! M EUSENHOR!
Eogiganteacordou.
Com um tremendo rugido,saltou dacadeirae, com doispassos,
alcançouaporta.
Mas Joãoeramuito veloz.P recipitou- dali
sea toda a velocidade
levando a harpa consigo; e falavacom elaenquanto corria (poisviu
quesetratava deuma fada), dizendo-lhe queele erao filho deseu
antigosenhor ,ocavaleiro.
Mesmo assim, o gigante aproximava-setão rápidoque estava
quasealcançando o pobre Joãoe jáestendiasuaenorme mãopara
pegá-lo. Porsorte, nesse exato momento,a criaturatropeçou numa
pedraecaiusecanochão.
O acidente deua Joãoo tempo dequeprecisava paraalcançar o
pé de feijão e descer porele.Quando,porém, chegouaopomarde
suacasa,olhouparacimaeavistouogigantedescendoatrásdel
—Mãe!Mãe!–gritouomenino.–Rápido!Dá-meomachado.
A mãe correu atéo filho,levando em uma das mãos a
machadinha; e João, deum só golpe,cortou todas ashastes dopé
defeijão,excetouma.
—Agora,mãe,afasta-te!–disseele.
O GIGANTE QUEBRA O PESCOÇO
A mãedeJoãorecuou alguns passos;e foibom tê-lo feito
, pois,no
momento em que o gigante se agarrou à última haste do pé de
feijão,omeninoacortouporcompletoedeunopé.
Foi assim que o gigante despencou lá de cima e ouviu-seum
enorme estrondo. Como caiudecabeça,a criatura teve o pescoço
quebrado e, aofim, jazia morta aospésdamulher a quem tanto mal
fizera.
Antes mesmo de João e a mãe terem recuperado a calmae a
serenidade,umalindadamaapareceunafrentedeles.
— João– diss e ela –, em tudo te portastecomo o legítimo filho
de
um brav o cavaleiro,pelo quemereces recuperartoda a tua herança.
Abreno solo uma covae enterra o gigante.Depoisvaie mataa
giganta.
João,porém,lherespondeu:
— Mas eu nãoseria capaz dematar pessoa nenhuma,a menos
que estivesse lutando contra ela;e tampouco de desembainhar
minhaespada contra uma mulher . Além disso,a giganta foimuito
amávelcomigo.
AfadasorriuparaJoão.
— M uito me alegra saber que tens sentimentostão generosos –
disseela. – Mesmo assim , regressa ao castelo e faz o que
consideraresconveniente.
Joãoperguntou, então, se elapoderia mostrar-lhe o caminho,já
queo pé defeijão foraderrubado. A fadadisse queo lev aria atélá
em suacarroça, que eraconduzidapordois pavões. O menino lhe
agradeceuesentou-senacarruagemcomela.
Depoisdepercorrerem uma longa distância,
os doischegarama
um vilarejo aopé dacolina, ondeencontraram um gruponumeroso
de homens de aspecto muito,muitoinfeliz.A fada deteve a
carruagemeabordou-os,dizendo:
— A migos, o cruel gigante quevosoprimia e quecomeutodos os
vossosrebanh os estámorto,e este jovemcavalheiro aquifoi a
causadeterdes sidolibertados domonstro. Eleé o filho devosso
antigosenhor,ocavaleiro,aquemmuitoestimáveis.
Ante tão boanotícia, oshomensderamsonoros vivas e curvaram-
separa anunciarqueserviriam a Joãocom a mesma fidelidade com
queser viram a seupai.A fadalhes pediu,então, quea seguissem
atéo castelo; e todos marcharam juntos atélá. Quandochegaram
aolocal,Joãosoouatrombetaeexigiuqueosdeixassem . entrar
A velha giganta já osvira chegar , poisespiara pelaseteira deuma
das torretas do castelo. Estavamuitoamedrontada, porquejá
desconfiava que algode mau devia teracontecido com o marido.
Muito aflita,
desceu as esca dascom pressa e acaboupisando no
próprio vestido com um dos pés. Tropeçou,caiupelaescadaria
abaixoequebrouopescoço.
Do lado defora,aoveremque ninguémlhes vinha abrir o portão,
os homensforçaram a entrada com a ajuda de uns troncos de
madeira.Lá dentro, nãoencontraram ninguém. Quandoestavam
saindo dosalão principal,porém, avistaram o corpo dagiganta ao
pédaescadaria.
Foi assimque Joãoapossou-se docastelo. A fadasaiue depois
voltou,trazendo a mãe dele,com a galinha dosovosdeouroe a
harpa falante.Joãoordenou que enterrassem a giganta e, a partir
deentão, empenhou-se porfazertudo o que estava em seupoder
paraajudaraspessoasquehaviamsidoroubadaspelogigante.
Antes de partirdevolta à suaterra, a fadaexplicou a Joãoquefora
elaquem enviara o açougue irocom as sementes defeijão parase
encontrar com ele,a fim de pô-lo à prova e descobrir que tipo de
rapazinhoeleera.
— Se, ao contemplares aquelepé de feijão gigantesco, te
houvesses limitadoa perguntar a ti mesmo, à maneira deum bobo,
o que eraaquilo – disse a fada–, eu teria tedeixado ondea má
sortetecolocara, apenas devolvendo à tuamãe a vacaque lhe
pertencia.
Como, porém, provasteque tens uma mente curiosa,
alémde muitacorageme espírito
de iniciativa,
mereces galgar
as
alturas.
Quandosubistenopé defeijão,o que fizeste,
naverdade,
foisubiraescadadafortuna.
Depoisdedizer
essaspalavr
as, então,
a fadasedespediu deJoão
edesuamãeesefoi.
ORatinhoBom

RA U MA um reie uma rainha


VEZ que, pormuitose
amarem, nuncaestavam felizessenãona companhia
um dooutro. D iaapósdia,saíam paracaçar ou pescar;
noite
após noite, dançavam em bailes ou iam à opera.
Cantavam,bailavam e comiam os mais maravilhosos docinhos.
Eram o casalmaisfelizquesepoderia imaginar
, e todosossúditos
seguiamseuexemplo,demodoque aquele reinoerachamadode
Terrado Júbilo.No entanto, no reino vizinho,as coisasnão
poderiamsermaiscontrárias . O reierabruto, odiento e jamais se
divertia.
Seu semblante eratã o desagradávele rancoroso quetodos
ossúditoso temiam,e ele odiava atéa sombra deum rosto feliz:se
flagravaum pobredesavis ado sorrindo, mandavacortar-lhe a
cabeçano mesmo instante. Esse reino era, muito propriamente,
chamadode Terra dasLágr imas. Quandoessereiperverso ouviu
falar
nafelicida
deem que vi viao Rei doJúbilo,sentiu tanta inveja
quearregimentouum grande exército
para bater-se contraele,e as
notícias
desuaaproximação logo alcançaramosouvidos dorei e da
rainha.
Esta,quando soubedanotícia, ficoutranstornada depavor
e,derramandoamargaslágrimas,implorouaomarido:
— Senhor, juntemosnossas riquezase fujamos para o maislonge
quepudermos,paraooutroladodomundo.
Contudo,oreirespondeu:
— Que vergonha,senhora! Tenhomais coragemdo que isso.
Melhormorreravivercomoumcovarde.
Convocou,assim,todos osseushomensarmados. Despedindo-se
afetuosamente da rainha,montou em seu esplêndido cavalo e
cavalgou paralonge.Ao perdê-lo de vista, a rainhaera somente
lágrimas,etorcerdemãos,esoluços.
— Ai, meu coração! Se mata remo rei,queserádemim? Que será
deminhafilhinha?
Tão profundo erao seu pesar , que nãoconseguia comernem
dormir
.
O rei enviava-lheuma carta todos os dias,atéque, certa manhã,
enquanto olhava pelajanela do palácio,viu um mensageiro
aproximar-seafobadamente.
— Que trazes,mensageiro? Que notícias tens?– suplicou a
Rainha,aoqueelerespondeu:
— A batalha estáperdida, o rei estámorto, e em breve o inimigo
estaráaqui.
Ao ouvir isso,a pobre rainha desfaleceu, sem sentidos,
e todas as
criadas levaram-na parao leito, permanecendo ao seu lado,
chorando e uivando dedor . O uviu-seentão um estrondotremendo e
uma grandeconfusão.O inimigo haviachegado.Dali a pouco
ouviram os passosdo reiem pessoapercorrendo o palácio,à
procura darainha. As criadas então puseram a princesinhanoleito,
nosbra çosdamãe, cobriram -nas dacabeçaaospése fugirampara
tentar se salvar. A pobrerainha ficoua tremer de pavor , na
esperança de nãoserenco ntrada. Entretanto, o malvado reilogo
irrompeu noaposento e, furio soporque a rainhanãoo respondesse,
rasgou seuslençóis desedae arrancou violentamente
suatouca de
dormir , ao que seusbelos cabelos caíram-lhe aosombros.O rei
agarrou-os, torceu-osem volta damão e, com um puxão, atirou a
mulher porcimadosombros , levando-paraa foradorec intocomo
sefosseumsacodefarinha.
A pobrerainha apertava a princesinhanosbraços e gritava por
misericórdia,
mas o perverso reizombavadeseudesespero e pedia
que gritassemais, poisaquilo o divertia.
Montando seu vistoso
cavalonegro,cavalgou de volta parao seu país. Ao lá chegar ,
declarouque a rainha e a princesaseriam enforcadas na árvore
mais próxima. Os cortesãos, contudo, afirmaram que seria uma
pena,pois,quando o bebê crescesse, daria
uma linda esposa para
ofilhodorei.
Como a ideia o agradasse, mandouprender a rainhano último
quartode uma altatorre – um quartinho minúsculoe
miseravelmente mobiliado com apenasuma mesa e uma cama
muitodura.Ma ndouchamaruma fadaque vivia nasproximidades
do rein
o e, após recebê-lacom mais cortesia do que lheera
habitual,
e entretê-comla um banquete suntuoso,levou-aatéa
rainha.
Ao encontrá-naque
la leestado deplorável,
a fadaficoutão
comovidaque,aobeijar-lheamão,sussurrou-lhe:
—Coragem,senhora!Creiohaverumamaneiradeajudar-te.
A rainha,um tanto confortada poressaspalavras, recebeu-a
educadamente e implorou que tivesse penada princesinha, cujo
destino
encontrara tão súbitorevés.O rei,irritando- aose
perceber
queasduasestavamaoscochichos,gritouasperamente:
— Vamos encurtando a conversa,senhora. Vieste atéaquipois
desejosaber se essacriança há de tornar-uma
se jovembela e
prendada.
A fada respondeu que a princesa seriatão bela,inteligente e
prendada quanto se poderia imaginar
. O rei,dirigindo-à se
rainha,
rosnouqueeramelhorqueassimfosse,pois,deoutromodo,seriam
ambasenforcadas. Retirou-sedoquarto, levandoconsigo a fada; a
rainhaficouadesmanchar-seemlágrimas.
—Comopossodesejarqueminhafilhavenhaaserbela,seépara
se casarcom aquele anãozinhohorrendo, o filhodo rei?– disse
consigomesma. – Todavia,em nãose tornando bela,ambas
seremos mortas. Se ao menoseu pudesse escondê-la,paraque
essereicrueljamaisaencontrasse!
Com o passar dosdias,a rain hae a princesadefinhavam cadavez
mais, poiso carcereiro, um homem de coração durocomo pedra,
dava-lhes diariamente apenas trêservilhas cozidase um bocadinho
depãopreto, demodoqueestavam sempre terrivelmente famintas.
Porfim, em uma tarde, esta
ndoa rainha sentada à roda defiar–
poiso reierat ãoavarento quea obrigava a trabalhardiae noite –,
viuum formoso ratinhoa espreitá-la deum buraquinho naparede, e
disse-lhe:
— Pobredem im, pequenino! Que procuras aqui?Tenho apenas
trêservilhasparacomer . A m enosque queiras fazerjejum, melhor
seriairesaoutraparte.
Mas o ratinho corria serelepe aquie ali,e dançava,e dava
cabriolas,fazendotudo com tanta graçaque, porfim, a rainha
entregou-lhesuaúltimaervilha,guardadaparaaceia,dizendo:
— A qui, pequenino, come; nadatenho demelhor a ofere cer
, mas
tedou de coraçãoo que possuo, pelodivertimento que me
proporcionaste.
Mal acabara de falar, viusobrea mesa uma deliciosa perdiz
assadaedoispratinhosdefrutasemconserva.
— E não é mesmo verdade – admirou-se – queuma boaaçãotem
sempresuarecompensa?
Cearamcom muito gosto,deixando assobras parao ratinho, que
dançou ainda melhor quedaprimeira vez. Na manhãseguinte veio
o carcereirocom a ração detrês ervilhasparaa rainha, tr
azendo-as
em um prato bem grande,parafazê-las parecer ainda menores.
Todavia,assimqueele depositou o prato,veioo ratinho e comeu-as
todas.Q uando a Rainhaquisseujantar , nadahavia res tado, e ela
entãoexclamou,indignada:
— Que diabinho perverso, aquelerato!Se continuar assim,
morrereidefome.
Contudo, aoolharnovament e parao prato, viuqueestava repleto
dedeliciosas guloseimas,e a rainha jantou fartamente,sentindo-se
maisfelizque de costume.Em seguida,estando sentada a fiar
,
começoua pensar noque aconteceria se a princesa nãoviesse a
tornar-sebelaosuficienteparaagradaraorei,edisseasimesm
—Ah!Seaomenoshouvesseumamaneiradefugir .
Aopronunciaressaspalavras,viuoratinhobrincandoemumca
com alguns fioscompridos de palha.A rainha tomou-osem suas
mãosecomeçouatrançá-los,dizendo:
— Se houvess e maisfios,poderia fazerum cesto, e assimdescer
meu bebezinho pelajaneladatorre para quequalquer tran
seunte de
bomcoraçãotomassecontadela.
Quandoa rainha terminou de trançá-los,o ratinho veiotrazendo
maise maisfiosdepalha,atéque houvesse o bastanteparafazer
um cesto. Ficoutrabalhando nissodiae noite, enquanto o ratinho
dançava para diverti-No
la.
ja ntare naceia,a rainha davaaoratinho
as ervil
hase o bocado de pãopreto, encontrando sempredepois,
em troca,algodelicioso sobre o prato. Não faziaa menorideia de
ondevinham aquelasmaravilhas. Um dia,porfim, estando pronto o
cesto,a rainha debruçou-se najanela para medir o comprimento da
corda necessária parabaixá- loatéo chão.Foi quando avistouuma
velha que, apoiada sobre uma bengala, olhava paracima, em sua
direção.Nãodemoroumuito,avelhafalou:
—Seidatuaaflição,senhora.Sequiseres,possoajudar-te.
— O h, queridaamiga! – disse a rainha.– Se realmente quiseres
ajudar-me,vem nodiaqueeu disser , e entregar-te-
minha
ei filhinha
em um cesto.Se cuidares delae educá-lapormim, quando eu for
ricarecompensar-te-eimaravilhosamente.
— Poucome importa a recompensa – disse
a velha
–, mas há algo
que eu gostaria
depossuir . Tenhoum apetite muitopeculiar, e, se
existe
algoque eu aprecie acimadetodas as coisas,é um tenro e
rechonchudo ratinho.
Se houverqualquer coisaassimem teu
aposento,atira-oparamim,eemtrocaprometocuidarmuitobem
tuafilha.
Ao ouvir isso,a rainha começou a chorar , sem esboçar nenhuma
resposta. Algunsminutos depois,a velha perguntou qualerao
problema.
— Bem – dis se a rainha –, há apenasum ratinho em meu
aposento. É uma criaturinha tão querida e graciosa,quenãoposso
consentiremquesejadevorado.
— Como?! – exclamoua velha,indignada. – Queresentão dizer
que teimporta s maiscom um míserorato do que com tuafilha?
Adeus! Fica com teu rato.De minhaparte, agradeço aos céuspor
poderarranjarquantosratos ,semprecisar
quiser deti.
E a velha foiembora,resmungando e rosnando pelocaminho.
Quanto à rainha, estava tão inconsolável que, em vez de prestar
atenção a um jantar ainda melhor que o normal, e vero ratinho
dançando no melhor dosânimos, nadamaisfaziado que chorar .
Naquelanoite,enquanto o bebê dormiaum pesadosono,
acomodou-ono cesto e escreveu em um pedaçode papel:“Esta
pobremenininha chama-se Delícia!”. Prendeu então o bilhete na
delicada roupinha da criança.Enquanto fechavao cesto,com
profundo pesar , o ratinhoapareceu e sentou-se sobreo travesseiro
dobebê.
— Ah, peque no! – dissea rainha. – Se soubesses o quanto
custou-me salv ar-tea vida.Agora, como heidesaber sea pequena
Delíciaestará em boasmãos? Qualquer outrapesso a teria te
entregado àquelavelha que queria devorá-lo,mas nãosuportei a
ideiadefazertalcoisa.
Aoqueoratinhorespondeu:
—Crê-me,senhora,jamaistearrependerásdetuabondade.
A Rainh a ficoumuito admirada quando ouviu a criaturinhafalar
, e
ainda m aisquando viuseunarizinho afilado transformar-
se em um
bonito sembla nte,e suaspatas,em mãos e pés. Subitamente,
começoua aumentar detamanho, e a rainha reconheceu a fadaque
vieravisitá-lacomoperversorei.
Afadasorriuaoveroespantodarainha,edisse:
— P recisava confirmar se erasfiel e capaz de uma verdadeira
amizadepormim. Nós, as fadas,somosricas em tudo, menosem
amigos,eestessãorarosdeencontrar .
— Não é possível que tu não tenhas amigos, sua criaturinha
adorável–dissearainha,beijando-a.
— D e fatoé assim– respondeu a fada. – Poisnãoconto entre
meus amigosaqueles que sãobonscomigopensando apenas em
seubenefício.Mas, quando teimportaste com o ratinho, agistepor
amor . Paramais testá-la, assumia forma da velha com quem
conversaste pela janela,e entãome convencide que
verdadeiramentemeamavas.
Então,virando-se paraa princesinha, beijouseuslábios rosados
portrêsvezes,dizendo:
— Pequenina,prometo que terás maisriquezas que teupai, e
viveráscem anos, semprebelae feliz, sem nenhummedo da
velhice.
A rainha,jubilosa,agradeceu à fadae implorou-lhe que cuidasse
dapequena Delícia,criando-como
a a uma filha.A fadaaceitou o
pedido.Fecharamentão o cesto com o bebezinho e baixaram-no
com muito cuid adoatéo chão, aopé datorre. A fadatra nsformou-
se de volta em rato,o que levou algunssegundos,e desceu
rapidamente pela cordadepalha, apenas paradescobrir, aochegar
aosolo,queobebêhaviadesaparecido.
Pálidadeterror,subiunovamenteatéarainha,gritando:
— Tudoestáperdido! Minhainimiga Cancalinaroubou a princesa.
Devo dizer que é uma fadacruel que temmuito ódiopormim, e é
maisvelhadoqueeu, e mais poderosa, e nadapossofazercontra
ela.NãoseicomoresgatarDelíciadesuasgarras.
Quando a rainha ouviua terrível notícia,
ficouinconsolável,
implorando à fadaque fizesse tudo que estivesse ao seu alcance
pararecuperar a princesinha.Veioo carcereiro e, ao darpela falta
daprincesa, foiimediatamente contaraorei,queacorreu furiosoao
aposento, a perguntar ondeelaestava. A rainha respondeu que
uma fada, cujo nomenãosabia, tinha vindo e levadoa pequena à
força.A o ouvir isso,o reibateu com ospés e esbravejou , com voz
detrovão:
—Serásenforcada!Éoquedeveríamosterfeitodesdeoinício.
Sem maisuma palavra, arr
astou a infelizrainha paraa floresta
maispróxima e subiuem uma árvore à procura deum galho onde
pudesse enforcá-la. Quandoestava bem alto, a fada, que tinha
ficado invisívelparapoder segui-los,deu-lhe um súbitoempurrão.
Desequilibrando- ose,
reiescorregou e se esborrachou lá embaixo,
quebrando quatro dentes. Enquanto tentava arranjá-los
denovono
lugar, a fadalevoua rainha emboraem suacarruagem alada, até
um belo castelo. Passoua tra tá-lacom tanto carinhoque, nãofosse
pelaperdade Delícia, a rainha teriavivido perfeitamente feliz.
Apesardefazertudooqueestavaaoseualcance,nãoconseguira
descobrirondeCancalinahaviaescondidoaprincesinha.
Assimpassaram-se quinzeanos.A rainha haviaserecup erado um
bocado desuatristeza, quando espalhou-se a notícia
dequeo filho
domalvado reitencionava casar-se com a moça tratadora deperus,
que noentanto o recusava. Os vestidos docasamento já estavam
prontos, e asfestividades prometiam sertão esplêndidasquetodo o
povodas redo ndezasdespen cavaléguas e léguas paranãoperder
o acontecimen to.Ficoubastante intrigadacom essamoça quenão
desejava torna
r-se rainha, e então o ratinho transportou- até
se
o
viveirodeperusparasabermaissobrequemseriaessajovem.
Encontrou a tratadora de perussentada sobre uma larga pedra,
descalça, traja
ndoum pobrevestido e um gorro de linho;a seus
pés,ochãoestavacobertodevestidosdeouroeprata,fitasel
diamantes e pérolas, pisoteadospelos perus,que andavamde lá
paracá . Enquanto issoo filh
o dorei,feioe desagradável, plantado
diante dela,dizia,furioso que, se elanãose casasse com ele,
morreria.
Atratadoradeperusrespondeu,altiva:
— Jam aisme casarei com o senhor . Soisfeiodemais e parecido
demaiscom vossopervers o pai. Deixai-me em paz com meus
perus,que estimo muitomais do que todos os vossosbelos
presentes.
O ratinho nãopoderia estar maisencantado pela moça, poisera
tão bonitacomo um diadeprimavera. Tãologoo malvad o príncipe
se fora, a fadinha assumiua formade uma velha camponesa e
disse-lhe:
—Bomdia,minhaquerida!ens T umbandodeperusbembonitos.
A jovem tratadora voltouos olhos gentis na direção da mulher e
respondeu:
— E ainda assim queremqueeuosabandone para tornar-me uma
miserávelrainha!Queaconselhasqueeufaça?
— Minhacriança – disse a fada–, uma coroa é uma coisa muito
bela,mastunãosabesopreçoquetem,nemquantopesa.
— Seitão bem queme recu soa usá-la– disse a jovem–, apesar
denãosaber quem foimeu pai,ou minhamãe, e denãoter um só
amigonomundo.
— É s bela e tensum bom coração,e isso valemaisquedez reinos
– dissea sábiafadinha. – Mas, conta-me,filha,como vieste parar
aqui,ecomoéissodenãoterpai,nemmãe,nemamigo?
— U ma fadachamadaCancalina é a razãode eu estar aqui–
respondeu –, pois,enquanto viviacom ela,jamais recebi
nadaalém
depanc adase xingamentos, atéquenãopudemaissuportar e fugi
sem que soubesse do meu paradeiro. Enquanto atravessava um
bosque,o perverso príncipeencontrou-e me
ofereceu-me a função
detrata dora deaves.Aceitei com muito gosto,sem saber queteria
devê-lo todos osdias.Agoraele quersecasar comigo, m asjamais
consentireiemtalcoisa.
Ao ouviresserelato, a fadanãoteve dúvida de que a pequena
tratadoradeperuseraninguémmenosqueaPrincesaDelícia.
—Qualéteunome,minhapequena?–indagou.
—Delícia,aseudispor–respondeu.
Entãoa fada precipitou-sobre se a princesa, abraçando-e a
cobrindo-adebeijos,quaseasufocá-la,enquantodizia:
— Ah, Delícia!Sou uma velha conhecida tua e nãopodes imaginar
minhafelicidade porterenfimteencontrado. Espera.. essestrapos
decriadanãosãoprópriospara omaeste
ti.T belovestidoevejamos
comoficarásdiferente.
Delíciadesfez-se de seufeiogorro e balançou os beloscabelos
claros;lavouas mãose o ro sto em uma fonte deáguas cristalinas
quehavia ali
perto,atéquesuasbochechas resplandecessem como
rosas.U ma vez adornada dediamantes, noesplêndido vestido
que
a fadalhedera,parecia a maisbela princesa domundo. A fadinha
exclamou,extasiada:
—Agoratensaaparênciaquedeverias ,Delícia:
terqueteparece?
Delíciarespondeu:
—Sinto-mecomosefosseafilhadeumgranderei.
—Eteagradariasseassimfosse?–indagouafada.
—Naverdade,sim–respondeu.
—Ah,bem!Creioqueamanhãtereiboasnotíciasparati.
Correu então devolta ao castelo, ondea rainha ocupava-se com
seubordado,eexclamou:
—Bem,senhora!Apostariasteudedaletuaagulhadeourosenã
tragoasmelhoresnotíciasquepoderiasjamaisouvir?
— Ah! – suspirou a rainha.– Desde a morte doReidoJúbilo e da
perda da pequena Delícia,todas as notícias do mundonãovalem
nadaparamim.
— Ora, ora,basta demelanc olia– replicoua fada.– Garantoquea
princesa estámuito bem, e que jamais vibeleza igual no mundo.
Poderátornar-serainhaamanhã,seassimo. desejar
Contou então tudoque haviase passado.A rainha primeiro
encheu-sede contentamento ao saberda belezade Delícia,
chorandoaseguirofatodeserumatratadoradeperus.
— N ãopossoadmitir quesecasecom o filho daquele rei
perverso
–afirmou.–V amosbuscá-laimediatamente.
Enquanto isso,o malvadopríncipe, furioso
com Delícia,sentou-se
à sombrade uma árvoree chorou,aosberros, cheiode ódioe
rancor.Escutando-o,porfim,oreichegouàjanelaegritou:
—Queestardalhaçoéesse?Quehouvecontigo?
Oprínciperespondeu:
—Étudoculpadatratadoradeperus,quenãomequeramar!
—Nãotequeramar?Rá!–exclamouorei.–V eremos!
ChamouseusguardaseordenouquecapturassemDelícia.
— Veja mos senãoa convenç o a mudardeideia logo,logo!– disse
oreicruel,comumsorrisoporentreosdentes.
Os guardas começarama revirar o quintal
e nadaencontraram
senãoDelícia,que, em seu esplêndido vestidoe sua coroade
diamantes, tinh
a a aparênciadeuma princesa tão adorável
que os
guardas sequer ousaram dirigir-lhea palavra.
Mas elalhes falou,
muitocordialmente:
—T ereisabondadededizer-mequeprocuraisaqui?
— Senhora– responderam –, estamos à procura de um ser
insignificantechamadoDelícia.
—Aidemim!Esseémeunome.Quequereiscomigo?
Os guardas então amarraram suasmãose seuspés com grossas
cordas, pormedodequefugisse,e levaram-na aorei,queestava à
esperajuntoaofilho.
Ficou muito impressionado com a belezada moça, uma beleza
que teria feitoqualquer pessoamenos endurecida de coração
lamentar seupobreestado. Mas o reicruel limitou-a sedaruma
risadaezombou,dizendo:
— Bem, mocinha sem importância!Porquerazãonãoamaso meu
filho,que é atébelo demaise bom demaisparaalguémcomo tu?
Anda, começaa amá-lo agora mesmo, ou seráscoberta dealcatrão
epenas.
Aprincesinha,tremendode ,ajoelhou-
pavor se,aosprantos:
— Oh, porfavor! Não me cubrais de alcatrãoe penas, por
misericórdia!Seria tãodoloro
so.. Dai-me dois ou trêsdiaspara que
eupensemelhor ,eentãopodereisfazerdemimoquequiserdes.
O m alvado príncipe bem quegostaria devera princesa cobertade
alcatrão e penas,mas o reimandouprendê-la em uma masmorra
escura. Foi nesse momento quea rainha e a fadachegaram em sua
carruagem alada.A rainha ficouterrivelmente abatida ao saber da
reviravolta dosaconteciment os, declarando, com profunda mágoa,
que est avadestinada a serinfeliz peloresto de seusdias.Mas a
fadaexortou-aatercoragem.
— Heideving ar-me deles – disse,meneando a cabeçacom firme
determinação.
Naquela mesma noite, assimque o malvado reirecolheu-se para
dormir, a fadatransformou- e ems um ratinho, escalou a cama real
atéo travesseiro e mordiscou a orelhadorei,fazendo-osoltar um
guinchoagudoevirar-separaooutrolado.Denadaadiantou,pois
ratinho pôs-se a roer sua outra orelha atédoermais do que a
primeira.
Entãoo reigritou: “Morte!e ” “Ladrões!”, e todos os guardas
acorreram ao aposento real,mas nãoencontraram nadanem
ninguém,poiso ratinho correra parao quarto dopríncipe, fazendo-
lheo mesmo que havia feitoao rei.Durante todaa noite correude
um quarto parao outro, atéque, porfim, o terror e a fal
tadesono
fizeramo reiperder a cabeça, e, levantando-saiu se, correndo
palácioafora,gritando:
—Socorro!Socorro!Ratos,ratosportodaparte!
Quandoo príncipe ouviu isso, levantou- também
se e saiucorrendo
atrás dorei.Nãotinham idolongequando amboscaíramem um rio,
enuncamaisseouviufalardeles.
Entãoa boa fadaapressou-se paracontar à rainha o que se
passara,e foram juntas à sombria masmorraondeD elícia era
prisioneira.A fadatocou cadaporta com sua varinha, e elas se
abriram imediatamente, mas tiveram depassar porquarenta portas
atéchegarà princesa. Encontraram-sentada
na sobre o chão,com
um armuito abatido.Entretan to,quando a rainha apareceu e beijou-
a vintevezes no espaçode um minuto, sorrindo e chorando, e
contoua Delícia toda a suahistória, a princesanãopodia caber em
sidealegria. A fadamostrou-lhe todos os maravilhosos vestidos e
joiasquehaviatrazido,dizendo:
—Nãohátempoaperder .Devemosfazeroanúncioaopovo.
Seguiunafrente, com um arcircunspecto e solene,em um vestido
cujacaudadevia medirpelomenosunscinquenta metros. Atrás
dela veioa rainha,trajando um vestido de veludoazulbordado a
ouro,e o diamante desuacoroa brilhava maisqueo sol.Porúltimo
vinhaDelícia, tãobelaque a sua visãoeranadamenos que
maravilhosa.
Caminharam pelas ruas,retribuindo as saudações de todos que
encontravam, doscidadãos maisilustres aosmenosdestacados, e
todoopovoasseguia,perguntando-sequemseriamaquelasnobr
senhoras.
Quandoo pátio estava lotad o, a fadacontou aossúditos sobre o
Rei Perverso e disse-lhes que, se aceitassem Delícia,filha doRei
do Júbilo,como sua rainh a, elaarranjaria um bom esposoe
prometeria que todoo seu reinado seriasomente alegrias e
festividades,
e todas ascoisas sombrias seriambanidas deuma vez
parasempre. Ao ouvir isso,o povoexclamouem uníssono: “Viva,
vivanossaRainha!Fomos infelizes e miseráveisportempo demais”.
Todosderamas mãos e dançaramem volta dastrêssenhoras,
cantando:iva!
“V VivanossaRainha!”
Houvefestivida dese fogosde artifício em todas asruas dacidade.
No diaseguint e, bem cedo,a fada, que havia percorrido o mundo
todo durante a noite, trouxe de volta consigo,em suacarruagem
alada,o maisbelo e admirável príncipe que poderiaexistir
. Era tão
encantadorque Delíciaamou-o nomomento em queseusolhos se
encontraram. Quantoa ele, sentia-se naturalmente o mais
afortunadopríncipedomundo. A rainha concluiu em seuíntimo que
seusinfortúnioshaviamfinalmente chegado aofim, e todos viveram
felizesparasempre. [20]
[20] La bonne vetite Souris,deMadamed'Aulnoy
.
GraciosaePercinet

RA UMA VEZ um reie uma rainha que t


inhamuma filha
adorável.Ela eratão linda,
tãocheiade graçae tão
inteligente,
que se chamavaGraciosa.A rainha eratão
apegadaà meninaque não conseguia pensarem
nenhumaoutracoisa.
Todosos dias,a rainhadavaà princesaum vestidonovodecetim,
ou develudo,ou brocado deouro,e, quandotinhafome, a princesa
recebiatigelas
deameixasaçucaradas e pelomenosvinte potesde
geleia.
Todosdiziamque elaeraa princesa maisfelizdo mundo.
Ora,nestamesmacorteviviatambémumavelhaduquesamuitari
cujonomeeraQueixosa.Não há palavras paradizero quanto ela
eraterr
ível;tinhaos cabelosvermelhos como fogo e um olho só,
que aliástambémnãoerabonito! O rostoeralargo como a lua
cheia,e a bocaeratão grande que todosque a encontrassem
teriamm edodesercomidos,embora nãotivessedentes.Como era
tão mal-humorada quanto feia, nãosuportava ouvirque alguém
dissesse o quanto Graciosaera linda e encantadora. Assim,
Queixosasaiuda corte rumoa seu próprio castelo,
que nãoera
muitolonge. E se alguém que fosse vê-la mencionasse a
encantadoraGraciosa,elabradavafuriosamente:
— Não é verdade queela é adorável. Tenhomaisbeleza em meu
mindinhodoqueelanocorpointeiro!
Logo depoisdisso,paragrandepesarda princesa, a rainha
adoeceu e morreu,e o reificoutão melancólico que porum ano
inteiropermaneceu calado no palácio.Enfim, seus médicos,
temendo quecaíssedoente, ordenaram quesaísseparadivertir-se.
Montaram, então, um grupodecaça, mas, como estava muitocalor
,
o rei
logose cansou e disse que apearia e descansaria nocastelo
porquepassavam.
Aconteceu desero castelo daduquesa Queixosa,e quando esta
ouviuqueo re iestava chegando, saiua seuencontro e dissequea
adegaerao lugar maisfresco em todo o castelo, se eleaceitasse
desceratéali.Desceramjuntos e o rei,vendo cerca de duzentos
tonéisenfileirados um ao ladodo outro, perguntou se aquele
estoqueimensodevinhoerasóparaela.
— Sim, senhor – respondeu ela.– É só para mim, mas ficariafeliz
em deixar-vos degustar um pouco. De qualdeles gostais?Das
Canárias,St. Julien,Champagne, vinhobrancoseco, de uvas
passasousidra?
— Bem – dis se o rei–, uma vez que és gentil a ponto de
perguntar-me,prefiroChampagneaqualqueroutro.
Entãoa duquesaQueixosatomouum martelinho e deu duas
pancadinhasnotonel,edalicaírampelomenosmilcoroas.
—Quequerdizerisso?–perguntouela,sorrindo.
Depois, bateu notonel seguinte,
e caiuum alqueire demoedasde
ouro.
— Não entendo issode jeito nenhum– disse a duquesa,rindo
maisquedaprimeiravez.
Voltou-sedepo ispara o terce
irotonel,toc, toc, e saiutalenxurrada
dediamantesepérolasqueforrouochão.
— Oh! – ela exclamou.– Issoestáalémdaminhacompreensão,
majestade. Alguém deveter roubado meu bom vinho e colocoutoda
essatralhano. lugar
— Chamasisso detralha, Ma dameQueixosa?– espantou -se o rei.
–T ralha!Háaquiosuficienteparacomprardezreinos.
— D eveis saberque todos estes tonéis estãocheios de ouroe
joiase,sequiserdescasar-voscomigo,tudoserávosso.
Aconteceu que o reiamavamaiso dinheiro que qualquer outra
coisanomundo,entãoexclamouentusiasmado:
— Casar-me contigo? De todo o meu coração!Amanhã, se
quiseres.
— Mas tenho uma condição – disse a duquesa.– Tenhode ter
totalcontrole sobrevossafilha parafazer com elao que me
aprouver .
— Oh, certamente, faça-se conforme tuavontade; apertemos as
mãosparafirmaroacordo–disseorei.
Apertaram as mãos e saíramda adegado tesouro juntos. A
duquesatrancouaportaedeuachaveaorei.
Quandovoltou a seupalácio,Graciosa correua seuencontro e
perguntousetiveraumaboacaçada.
—Pegueiumapombinha–respondeuele.
—Ah,dá-ma–disseaprincesa–eguardá-la-eiecuidareidela.
— Não possofazê-lo – respondeu –, pois,paraserbem claro,
querodizerque me encontr eicom a duquesa Queixosae prometi
casar-mecomela.
— E a chamas pombinha?– gritou a princesa. – Eu a teria
chamadodecorujadastorres.
— Seguraessalíngua – disse o rei,muito contrariado.– Espero
que tecomportes bem com ela. Agora, arruma-te de modo
apresentável,poisestouindovisitá-la.
A princesa, então,
foipara o quartomuito aflita,
e suaaia, vendo-a
emlágrimas,perguntouoqueaafligia.
— Ai de mim! Quem nãose afligiria? – respondeu ela.– O rei
pretende casar-se
denovo,e escolheu comonoiva minhainimiga, a
medonhaduquesaQueixosa.
— P uxa vida!– respondeu a aia.– Aindaassim,lembra-te
deque
és uma princesa, e espera-se que dês bom exemploem fazero
melhor que podes,aconteça o que acontecer
. Deves prometer-me
nãodeixaraduquesaveroquantotedesagrada.
A princí
pio,a princesanãoqueria prometer
, mas a aiamostrou-lhe
razões tão boas, ao fim, elaconcordou em seramável com a
madrasta.

A aiavestiu-num
a casacoverde-claro
brocado
deouroe penteou-
lheos longoscabelos atéque ficassemesvoaçantes
como um
manto dourado
, pôs-lhena cabeçauma coroade rosas
e jasmins
comfolhasverde-esmeralda.
Quandoficoupronta, ninguémpodiaestar mais linda, mas ela
aindanãoconseguiaevitarosemblantetristonho.
Enquanto isso,a duquesa Queixosatambémestava ocupada em
arrumar-se.Tinhaum sapato com um salto maior que o outro uma
polegada ou mais, a fim dequenãomancasse tanto, e pô s um olho
devidro nolugardaquele queperdera. Tingiu
o cabelo vermelho de
pretoe pintoua cara.Em seguida,vestiu um lindo casaco decetim
lilás
com forro azul, e um saiote amareloadornado com uma fita
violeta,e,porquetinhaouvidodizerquerainhassemprecavalg
em seus novos domínios,ela ordenou queaprontassem um cavalo
paraquepudessecavalgar .
Enquanto esperava o rei aprontar- para
se partir
, Graciosa desceu
sozinhaatéo jardim e entrou num pequeno bosque,ondesesentou
num banco coberto de musgo e pôs-se a pensar . Seus
pensamentos eramtão sombrios, que elalogocomeçoua chorar .
Chorou,chorou,chorou e esqueceu-se completamente devoltar ao
palácio,atéque de repente viuum lindo pajemdiante de si. Ele
estavavestidodeverde, e o quepequetrazia namão eraadornado
com plumas.QuandoGracio saolhou paraele,o jovem prostrou-se
edisse-lhe:
—Princesa,oreiesperaporti.
Aprincesaficousurpresae,paradizeraverdade,muitofelizcoma
apariçãodeste pajemencan tador , a quem nãose lembrava deter
vistoantes.
Pensandoquepudessepertenceraosserviçaisdaduquesa,dis
—Háquantotempoésumdospajensdorei?
— N ãoestou a serviço dore i, madame– respondeu ele –, mas a
teuserviço.
— Ao meu? – disse a princesa com grande espanto. – Como é que
nuncateviantes?
— Ah, princesa! – disse – nuncaouseiapresentar-ame ti,mas
agorao casamento dorei ameaça-te com tantosperigos queresolvi
contar-deteuma vez quanto teamo, e confio quedevido notempo
conseguirei conquistar tua estima. Sou o príncipePercinet,decujas
riquezas já ouvistes,e cujo dom dasfadas,espero, teseráútilem
todas as tuas agruras, se m e permitires acompanhar-te sob este
disfarce.
— Ah, Percine t!– exclamoua princesa. – És tumesmo? Já ouvi
muito sobre tie desejava encontrar- Se
te.
defatoserásmeu amigo,
nãomaistemereiavelhaduquesa.
Voltaram juntos ao palácio,e aliGraciosa encontrou um lindo
cavalo que Percinet lhetr ouxera. Como esteeramuitovivaz,
conduziu-o pelasrédeas, e talarranjo permitiu-lhe
quesevoltasse e
olhasse paraa princesa com frequência,o que elenãoperdia
oportunidade de fazer. Na verdade, a princesaestavatão lindaque
olhar paraelaeraum verda deiro deleite.Quandoo cavalo que a
duquesahaviade montar apareceu ao ladodo de Graciosa,
simplesmente nãohaviacomparação entreeles,poisa sela e as
rédeas docavalo daprincesa reluziam como diamantes. O reitinha
tantas coisasque pensar que nãonotou,mas todos os seus
cortesãos estavam inteirame nte arrebatados,admirando a princesa
e seu pajemencantador traja
dodeverde,queeramaisbelo e bem
aparentadoquetodoorestodacorte.
Quandoencontraram a duquesa Queixosa, elaestava assentada
numacarruagem aberta e tentava,em vão,parecer majestosa.O rei
e a prin
cesasaudaram-na,e o cavalo foiconduzido até
ela para que
o m ontasse. Quando, todav ia, viuo cavalo de Graciosa,gritou
irritada:
— Se aquela criança temum cavalo melhorque o meu, voltarei
param eu cast elo neste minuto. De que me serve serrainha se for
paraserofendidadessejeito?
Na mesma hora,o rei ordenou queGraciosa apeasse e suplicasse
à duque saa honra demontar em seubelíssimo cavalo.A princesa
obedeceu em silêncio, e a duquesa,sem dirigir-lhe o olhar ou
agradecer-lhe, montou às pressas o belo cavalo,ondese sentou
parecendo uma trouxa deroupas,e oito oficiais tiveram desegurá-
la,poistemiamquecaísse.
Aindaassim, elanãosedeuporsatisfeita, e ficouqueixando-se e
resmungando,demodoquelheperguntaramqualeraoproblema.
— Q uero queo pajem trajado deverde venha e conduzao cavalo,
comofizeraquandoGraciosaomontou–disseelacomrispidez.
O rei ordenou queo pajem conduzisse o cavalo darainha. Percinet
e a princesa olharam-se entre si, mas nãodisseram uma palavra, e
ele agiuconforme a ordemdo rei,enquanto a procissão começava
com grandepompae circunstância. A duquesa estava exultantee,
porestar ali entronada, nãoteria desejado trocar de lugar nem
mesmo com Graciosa. Contudo, quando menosseespera va, o lindo
cavalo começou a arriar , a empinar , a darcoices e, porfim, saiuem
disparadacomtamanhavelocidadequefoiimpossíveldetê-lo.
A princípio, a duquesasegurou-sena sela, mas logofoi
arremessada e caiunuma pilha de pedras e espinhos, e alia
encontraram, tremendo como gelatina, e recolheram o que sobrou
dela como cacosdevidro. O chapéuestava aqui,o sapa toacolá,o
rosto arranhad o, e os trajes finos,cobertos de lama.Jamaisuma
noiva foi vistaem condição t
ãodeplorável. Levaram-nadevolta ao
palácioe puseram-nana cama, mas tãologose re cuperou o
suficiente para conseguir falar
, começoua ralhar e a enfurecer-se,e
declarou quetudo queacont ecera foraculpa deGraciosa, poisesta
tinha conspirad o paralivrar-dela,
se e que voltaria parao castelo e
gozariasozinhadesuasriquezasseoreinãoapunisse.
O rei ficouterrivelmente assu stado, poisnãoqueria perder dejeito
nenhumaqueles barris de ouroe joias. Apressou-se,então, por
satisfazer a duquesae disse-lhe que elapoderia punir Graciosa
comobemquisesse.
Em seguida,elaconvocou Graciosa,queempalideceu e pôs-se a
tremer ao ouvir a intimação, poisimaginava que nadade bom a
aguardava. Procurou Percine tportoda parte, mas nãoo encontrou
em lugar algum;então nãoti nhaescolha senão iraosaposentos da
duquesa Queixosa. Maltinh a abertoa porta quandofoiarrastada
porquatro serviçais,
que pareciam tão altas,fortes e cruéisque a
princesa arrep
iou-se ao vê-las, e aindamais quandoas viu
armando-se com feixesdevaras,e ouviu a duquesa berrar-lhesda
camaquebatessemnaprincesasemdónempiedade.
A pobr e Graciosadesejou desgraçadamente que Percinet tão
somente soubesseo que se passavae viesseresgatá-la. No
entanto,logoque começarama espancá-la,elaachou, paraseu
grande alívio,que as varas haviamse transformado em feixesde
penas depavão e, embora as serviçais
daduquesa continuassem a
bateraté ficartãocansadas quenãoaguentassem maislevantar os
braços,ela nãoestava nem um poucoferida. A duquesa,contudo,
pensouque elaestaria toda roxa depois de uma surra dessas.
Quandofoilibertada, Graciosa fingiusentir-muito
se male foipara
seu próprio aposento,ondecontou à aiatudo que acontecera.
Assim que a aiaa deixou,quandoa princesa virou-se,ali estava
Percinetaoseulado.Elaagradeceu-lhe a ajuda tãosagaz, riram e
sealegraramcomomodocomotinhamenganadoaduquesaesuas
serviçais;mas Percinet aconselhou- aaainda fingir estarmalpor
mais algunsdias. Depois de prometer-lhe ajuda sempreque
necessário,desapareceutãoderepentecomotinhaaparecido
A duquesaestava tão satisfeita
com a ideia de que Graciosa
estavamesmo mal, que se recuperou duasvezesmaisrápidodo
que se teria recuperadonormalmente, e o casamento foimantido
com grandemagnificência. A gora,uma vez quesabia que, acimade
tudo,a rainha amava ouvir que eralinda, o reiordenou que
pintassem um retrato
dela,e que se fizesseum torneio noqual os
maisvalentes cavaleiros
dacorte deveriam sustentar , contra todos
osvisitantes,queQueixosaeraaprincesamaislindadomundo.
Inúmeros cavaleirosvieram detodos oslugares aceitar o desafio,
e a rainha medonha,vestida deouro,sentou-se com pompanuma
sacadasuspensaparaassistiraoscombates.Graciosatinhade
em pé junto dela,ondetodo o seuencanto eratão visível que os
combatentes nãolhetiravam olhos.A rainha, entretanto, eratão
vaidosa que julgou que todos aqueles olharesde admiração
dirigiam-se a ela,especialmente quando,apesar damaldade desua
causa, os cavaleiros do reieramtão valentes que venciam cada
combate.
Quandoquasetodos os estrangeiros haviamsidoderrotados,
apresentou- um
sejovem cavaleiro desconhecido. Trazia consigo um
retrato,fechado com um laço incrustadodediamantes, e declarou-
sedisposto a sustentarcontra todoseles quea rainha eraa criatura
maisfeiadomundo, e quea princesa cujo retrato
trazia eraa mais
linda.
Então um a um oscavaleiros avançaram contra ele,e um a um ele
subjugou a todos, e em seguida abriu a caixa, e disse que, para
consolá-los, mostrar-lhes- oiaretratode sua rainha da beleza.
Quando fez o que dissera,todos reconheceram a princesa
Graciosa. O cavaleiro desconhecido saudou-agentilmente e retirou-
se, sem dizer seunomea ni nguém. Graciosa,noentanto , nãoteve
dificuldadeparaadivinharqueeraPercinet.
Quanto à rainha, elaestava tomada poruma fúriatal que mal
podia falar;mas logo recuperoua voz e descarregou sobre Graciosa
umatorrentedeacusações.
— O quê?! – disse ela.– Ousas disputar comigoo prêmioda
beleza e esperas que tolereeste insultoa meus cavaleir os? Não o
tolerarei,princesaorgulhosa. ereiaminha
T vingança!
— Eu juro, madame– disse a princesa –, que nãotive nadaque
vercom issoe estou deacordocom quesejas declarada a Rainha
daBeleza.
— Ah! Gostas defazerpilhérias, sualinguaruda! – disse a rainha.
–Logoireiàforra!
Contaram ao reio que acontecera e como a princesa ficou
aterrorizadacomarainhaenfurecida,masestedisseapenas:
—Arainhadevefazeroquelheapraz.Graciosapertenceaela!
A rainh a má esperou impacientemente atéo cair danoite, e então
ordenou que lhetrouxessem uma carruagem.Graciosa,muito a
contragosto, foiforçada a entrare partiramparalonge,sem parar
atéque tivessem chegado a uma grande floresta,
a cem léguas do
palácio.Estafloresta eratão sombria e tão cheiade leões,e de
tigres, e de ursos,e de lobos,que ninguémousavaatravessá-la
nem m esmo à luz do dia, e alifizeramdesembarca r a pobre
princesa, nomeiodanoite escura,e lá a abandonaram, a despeito
de todas as lágrimas e súplicas. A princesa ficoubem quieta a
princípio, porcausada tota lperplexidade, mas, quand o o último
som dacarruagem esvaiu-seà distância,
ela começoua correr sem
rumoparalá e paracá, às vezesbatendo-se contrauma árvore,às
vezest ropeçando numa pedra,temendo a cadaminuto sercomida
pelos leões.Depoisdealgumtempo,estava tãocansada que não
aguentava darmais nenhumpasso, então se lançou ao chãoe
gritoumiseravelmente:
—Oh,Percinet!Ondeestás?Esqueceste-meporcompleto?
Maltinha dito essaspalavra s quando toda a floresta
se iluminou
com um brilho repentino.Todasas árvores pareciam enviar uma
espécie deradiância agradável, queeramaisclara quea luzdalua
e maisdoceque a luzdo sol,e ao fim de uma longa estrada de
árvores à suafrente, a princesa viuum palácio decristalque luzia
como o sol.Naquele momento,um leve ruídoatrás dela a fez se
virar
,ealiestavaopróprioPercinet.
— Acaso teassustei, minhaprincesa? Vim paradar-te as boas-
vindas a nosso palácio
encantado, em nomedarainha, minhamãe,
queestáprontaparaamar-tetantoquantoeu.
A prince sa, tomada dejúbilo, montou com ele num pequeno trenó,
puxado por duas renas, que saltavam e arras tavam-nos
rapidamente parao maravilhoso palácio,ondea rainha recebeu-a
com a maiorgentileza, e um esplêndido banquete foi servido
imediatamente. Graciosaestava tãofeliz
porter encontrado Percinet
e porte rescap adodafloresta sombriae detodos osseus terrores,
que estava com muita fome e muito feliz– e tiveram um alegre
festim.Depoisdo jantar , forama um aposento adorável, ondeas
paredes decristaleramcobe rtascom quadros, e a princesaviucom
grande surpresa que suaprópria históriaestava alirepresentada,
atéomomentoemquePercinetencontrou-anafloresta.
— Teus pintores decerto são muitodiligentes – disseela,
apontandooúltimoquadroparaopríncipe.
— E les sãoobrigados a ser, poisnãoquero esquecer nadaquete
aconteça–respondeu.
Quandoa princesa começoua sentir sono,vinte e quatro donzelas
encantadoras puseram-na nacama noaposento maislin doque já
vira,e então cantaram para elacom tanta doçura queossonhos de
Graciosa foramtodos cheios desereias, e ondas suaves domar, e
cavernas, em que elapasseava com Percinet; mas, quando
acordou, seuprimeiro pensam ento foique, pormelhor que o palácio
encantado lheparecesse, ela nãopodia permanecer ali,mas tinha
de voltar paraseu pai. Quandoforavestida pelas vinte e quatro
donzelas com um manto que a rainha lheenviara e em que ela
parecia maislinda quenunca,o príncipe Percinet veio vê-la, e ficou
amargamente decepcionado quando ela lhe contou em queestivera
pensando. Eleimplorou quepensasse novamente em quãoinfeliz a
rainha m á a faria,e como, seela secasasse com ele,todo o palácio
encantado seriadela,e seu únicopensamento seria agradá-la.
Apesardetudoqueelepodia ,aprincesa
dizer estavadeterminadaa
voltar
, embora,enfim,ele a convencesse a ficaraliporoito dias,que
foramt ãocheios de prazer e alegria que passaram como poucas
horas.No último dia,Graciosa,que com frequência ficava ansiosa
parasabero queestava acontecendo nopalácio deseupai,disse a
Percinet que tinha certeza de que, se quisesse, eleconseguiria
descobrir paraela qual motiv o a rainha tinha dadoao paiparaseu
desaparecimento repentino. Percinet, num primeiro momento,
ofereceu enviarseu mensageiro paradescobrir , mas a princesa
disse:
—Ah,nãoháumjeitomaisrápidodedescobrirdoqueeste?
—Muitobem–dissePercinet–,descobrirásportimesma.
Então subiramjuntosao topo deuma torre muito alta,que, como
todoocastelo,erafeitointeiramentedecristal.
Ali,o príncipe
segurou a mão deGraciosa e a fez colocara ponta
de seu dedinho na boca, e olhar na direção da cidade,e
imediatamenteelaviuarainhamádirigir-seaoreidizendo:
— Aquelaprincesa infeliz estámorta,mas nãoé uma grande
perda.Ordeneiquefossesepultadadeumavez.
Em seguida, a princesa viucomo ela vestiuum tronco deárvore e
oenterrou,ecomoovelhoreichorou,etodoopovomurmuravaque
a rainha tinha
matado Gracio sacom suacrueldade e queela devia
tera cabeçadecepada!Quandoviuque o rei estava tãopesaroso
poressamorte fingidaque nãoconseguia comernem beber , a
princesaexclamou:
—Ah,Percinet.Semeamas,leva-medevolta!
E assim, emboranãoo quis essenem um pouco, foiobrigado a
prometerqueadeixaria . ir
— Não me façasarrepender-princesa
me, – disse com tristeza –,
poisre ceioque não me ames o suficiente; prevejo que te
arrependerás mais de uma vez porteres deixadoeste palácio
encantadoondefomostãofelizes.
Mas, apesar de tudoquepodiadizer , eladeuadeus à rainha,mãe
dele,e preparou-separapartir; Percinet,muito relutante, trouxe-lhe
o trenozinhocom as renas,e ela montou ao lado dele.Maltinham
percorridovintejardas,
quando um barulho tremendo vin
dodetrás
deles fez Graciosaolhar paratrás, e vero paláciode cristal
despedaçar-se em um milhão de cacos, como o borrifo de um
chafariz,edesvanecer-se.
—Oh,Percinet!–elagritou.–Oqueaconteceu?Opaláciosefoi!
— Sim – ele re
spondeu –, meu palácioé uma coisa dopassado;tu
overásdenovo,masnãoatéquesejasenterrada.
— Agoraestás bravocomigo , embora,nofinal dascontas , eu seja
maisdigna depiedade que tu– disse Graciosa com suavoz mais
lisonjeira.
Quandose aproximavam do palácio,o príncipe tornouo trenó e
elesmesmosinvisíveis, então a princesaentrou sem serobservada,
e correuaté o grande salão ondeo rei estava assentado sozinho.A
princípio,ele estavamuito assustado com o repentino
desaparecimento deGraciosa,mas ela contou-lhe como a rainha a
tinhaabandonado nafloresta e como ordenara o sepultamento de
um tronco de árvore.O rei,que nãosabiao que pensar , logo
ordenou queo desenterrasse m e certificou- desequeforaconforme
dissea princesa. Então,eleafagouGraciosa e a fez sentar-parase
jantarcom ele,e estavam felizes na medidado possível. Neste
momento,no entanto, alguém já tinha contado à rainha má que
Graciosa volta
rae estava jantando com o rei.Ela, então, disparou
numa fúriaterrível. O pobrereitremia diante dela,e quandoela
declarou que Graciosa nãoeraa princesa, mas uma impostora
perversa, e que se o reinãodesistisse de uma vez portodas ela
voltaria
paraseupróprio castelo e nuncamaiso veria denovo,ele
nãoteve uma palavra quedizer, e realmentepareceu acreditar que
afinal
nãoeramesmo Graciosa.Então a rainha, em grande triunfo,
ordenou a suas criadas que levassem a princesa infeliz e a
trancassem num sótão;ela s tomaram todas as joias e o lindo
vestido,e deram-lhe um vestido dealgodão grosseiro, sapatos de
paue uma boi nadepano.H avia um poucodefenonum canto, que
eratudo queela tinhacomo cama, e deram-lhe um pedaço depão
pretoparacomer . Nestasituação terrível,
Graciosa defato lamentou
pelopalácio encantado, e ter
iachamadoPercinet em seuauxílio, se
tivessecerteza dequeele já nãoestava irritado
porque o deixara, e
pensouquenãopodiaesperarqueeleviesse.
Enquanto isso, a rainha convocouuma velha fada, tão malévola
quantoela,edisse-lhe:
— Dev es encontrar paramim algumatarefa que esta princesa
delicadanãopossafazer , poisquero puni-la.
Se ela nãofizero que
ordeno,nãopoderádizerquesouinjusta.
Então a velha fadadisse quepensaria a respeitoe voltaria nodia
seguinte.
Quandovoltou, trouxe
consigo um novelo delã três vezes
maiorque ela;eratão finoque um sopro de aro quebraria, tão
embaraçadoqueeraimpossívelverseuiníciooufim.
ArainhaconvocouGraciosaedisse-lhe:
—Vêsestenovelo?Põeteusdedinhosdesajeitadosparatraba
nele,porquedevotê-lodesembaraçado ao pôr do sole, se
quebraresumúnicofio,serápiorparati.
Ao dizer isso,deixou-a, trancando a porta atrás de sicom três
chaves.
A princesa ficouestarrecida ao veraquele novelo terrív
el. Se o
virasseparaverporondecomeçar , quebrá-lo-ia
em milpedaços.
Ninguém poderia desembaraçá-lo.Enfim, jogou-o no chão,
chorando:
— Oh, Percine t!Estenovelo fatalseráa minhamorte se nãome
perdoaresemeajudaresmaisumavez.
E imediatamente Percinet entrou,tão facilmentecomo se tivesse
emsuapossetodasaschaves.
— A quiestou, princesa, como semprea teu serviço – disse ele –,
emborarealmentenãotenhassidomuitoamávelcomigo.
Percinetapena s tocou o nov elocom suavarinha, e todo s os fios
quebrados se juntaram, e todo o novelo desenrolou-suave,se do
modo maissurpreendente. Voltando-parase Graciosa,o príncipe
perguntou se havia algumaoutra coisa que desejava que fizessee
se não chegaria o momentoem que eladesejaria pura e
simplesmentesuapresença.
— Nãote aborreças comigo,Percinet – disse ela.– Já estou infeliz
obastantesemisso.
— Mas porque tens deserinfeliz, minhaprincesa? Apenasvem
comigoe nossafelicidade será tão certaquanto um di a seguea
outrodia.
—Esetecansaresdemim?–retorquiuGraciosa.
O príncipeficoutão ofendido com esta falta de confian ça que a
deixousemumapalavramais.
A rainha má estava com ta nta pressa parapunir Graciosa que
pensou que o soljamais iria se pôr; na verdade, antes do horário
marcado,ela foicom asquat rofadase, enquanto encaixava astrês
chavesnafechadura,disse:
— A rriscodizerque essaimprestável nãofez nada,poisprefere
sentar-secomasmãosnocoloeconservá-laslimpas.
Tão logo entrou, Graciosaapresentou-o lhenovelo de lãem
perfeitaordem,demodoque ela nãoconseguiu encontrar nenhum
defeito,e podia apenas fingir encontrar pequenas manchas, e por
cadafalta imaginária deuum tapa nasbochechas deGraciosa,que
fizeramqueo branco rosado desuapele ficasse verde e amarelo. E
entãomandoutrancarem-nanosótãoumavezmais.
A rainha convocoua fada novamente e repreendeu-com a
severidade.
— Não cometas um erro destes denovo;encontra algoque seja
impossívelqueelafaça.
Então,no diaseguinte, a fada apareceu com um grande barril,
cheiode penasde todos os tipos de pássaros.Haviarouxinóis,
canários,pintassilgos, pintarroxos, chapins,papagaios , corujas,
pardais,pombos, avestruzes , abetardas, pavões, cotovia s, perdizes
e tudom aisque podeis imaginar . Essaspenasestavam misturadas
numa confusãotal que nem os próprios pássarospoderiam
encontrarasprópriaspenas.
— Aqui – diss e a fada– estáuma tarefinha que exigirátoda a
habilidade e paciência de tu a prisioneira. Dize-lhe paraseparar e
organizar em pilhas diferentes as penasdecadapássaro.Teria de
serumafadaparaconseguir .
A rainhaestava maisdo que felizem pensar no deses peroque
essatarefa causaria à princesa. Convocou-ae, com as mesmas
ameaçasdeantes,trancou-aatrêschaves,ordenandoquetodas
penasestives sem separada s ao pôr-do-sol. Graciosapôs-se a
trabalharimediatamente, mas antes que tivesse tomado uma dúzia
depenas,julgou queseriaperfeitamente impossível diferenciar
uma
daoutra.
— Ah! – suspirou. – A rainhaquerme matar e, setenho de morrer
,
queassimseja. Não possopedir a ajuda dePercinet denovo,pois,
serealmente me amasse,nãoesperaria atéserchamado.Eleviria
semisso.
— Esto u aqui,Graciosa – exclamou Percinet,saindo dobarril
onde
se escondera.– Como ainda podesduvidar que teamo detodo o
coração?
Em seguida tocou trêsvezes com sua varinha sobreo barrile
todas as penasvoaramnuma nuvem e assentaram-se em
montinhosseparadosebemarrumadosportodaasala.
— Que farei sem ti,Percine t?– disse Graciosa agradecida.Mas
elaainda nãoconseguia sedecidira ircom ele e deixaro reinode
seupaiparasempre;então, implorou maistempo parapensar no
assunto,eeletevedepartirdesapontadomaisumavez.
Quando a rainha má veioao pôr-do-sol, surpreendeu-e se
enfureceu-se aovera tarefa concluída.Entretanto, reclamouqueas
pilhasde penasestavam m alarrumadas, e porissoa princesa
apanhou e foienviada de voltaparao sótão.A rainha chamoua
fada mais uma vez e ral hou com elaatéque estaficasse
absolutamente apavorada e prometesse voltar paracasae pensar
emoutratarefaparaGraciosa,piorqueasanteriores.
Aofimdetrêsdias,elavoltou,trazendoconsigoumacaixa.
— D iz a tuaescrava paralevaristoondete agradar , mas nãoabri-
lade je
ito nenh um. Elanãoconseguirá seconter , e entãotuficarás
satisfeitacomoresultado.
Assimarainhadirigiu-seaGraciosaedisse:
— Leva esta caixaaomeu castelo e põe-na sobre a mesaem meu
aposento. Mas proíbo-te, sob penade morte,de olhar o que ela
contém.
Graciosa saiu,usando a boinazinha,ossapatos depaue o vestido
de algodão grosseiro, e mesmo neste disfarce eratão lindaque
todos os transeuntes se perguntavam quem elapodiaser . Nem
tinha idomuito longe antes que o calordosol e o pesodacaixaa
cansassemtanto que a fizessem sentar-se paradescansar à
sombra deum arbusto, aolado deum prado verdejante. Segurava a
caixacom todo o cuidado no colo,quandode repente sentiuo
enormedesejodeabri-la.
— O que acon teceriaseeu a abrisse? – pensou consigo.– Nada
tirareidaqui.Sóqueroveroquehádentro.
E,semnenhumaoutrahesitação,levantouatampa.
Na mesma hora, saíram enxames de homenzinhos e
mulherzinhas, menores que um dedo,e espalharam-por se toda a
campina,cantando, dançando, jogandoos jogos maisalegres, de
modo que a princípio Graciosa ficouencantada e assistia-comos
muita diversão.Mas, em seguida,quando já estava descansada e
desejava retomarseu caminho,elapercebeu que, fizesseo que
fizesse,nãoconseguiria colo
cá-los todosdevolta dentro dacaixa.
Se os caçavano campo, elesfugiam paraa flores ta; se os
perseguia na floresta,corria
m paraas árvores e paratrásdos
raminhos demusgo, e com estrépitos dorisoélficocorriam devolta
paraoprado.
Enfim,exaustaeapavorada,sentouechorou.
— É minhaculpa– disse com tristeza.– Percinet, se aindate
importas com uma princesa imprudente assim, vem e ajuda-me
maisumavez.
ImediatamentePercinetapareceudiantedela.
— A h, princesa! Não fossepelarainha má, receio que jamais
pensariasemmim.
— Na verdade , pensaria sim– respondeu Graciosa. – Não soutão
ingrata quanto pensas.Só espera um poucoe creio teamarei
afetuosamente.
Percinet ficoufelizporouvir issoe, com um toque desuavarinha,
fez com queto dososserezinhos teimosos voltassem a seuslugares
na caixa. Tornando a princesa invisível,tomou-aconsig o em sua
bigaepartiramrumoaocastelo.
Quandoa princesa apresen tou-seà porta e disse que a rainha
ordenara que colocasse a caixano quarto dela,o governador riu
desbragadamentedaideia.
— N ão, não,m inha pastorinh a – disseele.– Estelugar nãoé para
ti.Nenhumsapatodepaujamaistocouaquelesolo.
EntãoGracios a implorou-lhe que desseuma mensagemescrita
contando à rainha que elese tinha recusado a autorizar-lhe a
entrada. Assim eleo fez, e Graciosa voltou paraPercinet, que
estava esperan doporela,e partiram juntos rumoaopalác io. Podeis
imaginar que elesnãofora m pelocaminhomais curto, mas a
princesa nãoo achoulongo demais.Antes que se separassem,
Graciosa prometeu que, se a rainha ainda fossecruel com elae
tentasse outra vez pregar maisuma peçavingativa, deixá-la-iae iria
comPercinetparasempre.
Quandoa viuvoltar , a rainha caiusobre a fada, que m antivera
consigo,epuxou-lheoscabelos,earranhou-lheorosto,erealment
a teriamatado se se pudesse matar uma fada. Quandoa princesa
mostrou a carta e a caixa, a rainha jogou ambasnofogo, sem abri-
las, e parecia muitoque elaqueria jogar a princesa também.
Entretanto, o que de fato elafez foiabrir um buraco bem fundoe
bem cavadonojardim e cobri-locom uma pedra chata.Em seguida,
caminhou até perto dapedra e disse a Graciosa e a todas asmoças
queestavamcomela:
—Dizemqueumgrandetesourojazsobaquelapedra;vejamosse
conseguimoserguê-la.
Então começaram a empurrá-la e a puxá-la, Graciosa entre elas,o
queeraexatamente o quea rainha queria; pois,tão logo a pedra foi
erguida o suficiente,Queixosaempurrou a princesa,lançando- noa
fundodo poçoe, em seguida,deixaram a pedra cairnovamente, e
alifoifeita prisioneira.Graciosa sentiu que agorade fatoestava
desesperadamente perdida, decerto nem mesmo Percinet poderia
encontrá-lanofundodaterra.
— É como serenterrada viva– disse elacom um arrepio. – Oh,
Percinet!Se tão somente soubesses quanto estou sofrendo por
minhafalta deconfiança em ti!Mas como eu podia ter certezade
quenãoserias como outros homense tecansarias demim a partir
domomentoemquetivessescertezadequeteamo?
Enquanto falava,repentinamente viuuma pequena porta abrir-se,
e a luzdosol brilhou dentrodaquele poçolamentável. Graciosa não
hesitou nem um instante e passouparaum jardim encantador .
Flores e frutos cresciam portodos os lados,fontes jorravam,e
pássaros cantavam nosgalhos dasárvores.Quandoalcançou uma
grande vereda deárvores e olhou para cimapara veraonde levava,
achou-seperto dopalácio decristal.Sim! nãoeranenhu m engano,
earainhaePercinetvinhamaseuencontro.
— A h, princesa!– disse a rainha– nãodeixesPercinet na dúvida
pormaistempo.Podesimaginar a angústia que elevem sofrendo
enquantoestavasempoderdaquelarainhamiserável.
A princesabeijou-agradecida
a e prometeu agirem tudo conforme
eladesejava. omando
T Percinetpelamão,comumsorriso,disse:
— Lem bras-te de teres-me ditoque eu nãoveria teupalácio de
novoatéque tivesse sidoenterrada? Pergunto-me:adivinhaste
então que, quando issoaconteceu, eu contar-te- que
ia teamo de
todomeucoraçãoequemecasareicontigoquandoquiseres?
O príncipe Percinet, com júbilo,tomou a mão quelhe foidada. Por
temer que a princesa mudassedeideia, o casamento foirealizado
imediatamente com grande esplendor. Graciosa e Percinet viveram
felizesparasempre. [21]

[21] Gracieuse et Percinet,deMadamed’Aulnoy


.
AsT rêsPrincesas
daBrancolândia

RAUMAVEZ um pescador quemorava pertodeum palácio


e pescavaparao rei.Certa vez, passou o diatentando
pescar, mas nãoconseguiu pegarnada.Fez o quepôde
com a varae a linha, mas nãohavia nem mesmo uma
espadilhaem seuanzol.Quase ao fim do dia,uma cabeçasubiu
daságuasedisse:
— S e me deres o que tua esposa mostrar-quando
te forespara
casa,poderáspescarpeixessuficientesdenovo.
Imediatamente o homem dis se “sim”e, então, pegoupeixesem
abundância.Q uando chegouem casaà noite e a esposa mostrou-
lheo bebê que acabara de nascer, caiuem prantos, t
omadode
pesar
, e contou à mulher a promessa que fizera.Estavamuito
infeliz.
Tudoisso logochegouaoconhecimento dorei nopalácio. Quando
ouviua aflição
em quea mulher seencontrava e a razãodela, disse
queele mesmo tomaria a cri
ançae veria sepodia salvá-la.O bebê
eraum menino,e o rei tomou-o imediatamente e criou-ocomo seu
própriofilho
atéque fosseum rapazmaduro.Um dia, porém, o
rapazimplorouqueo deixassem saircom seupaipara pescar; tinha
um fort
e desej o defazerisso , dissera.O rei nãoestava dispostoa
consentir
, mas enfimo rapa z saiu.Ficoucom o pai, e tu docorreu
bemecomalegriaduranteodiatodo,atéquevoltaramàcostajá
cairdanoite. O rapaz,então, percebeu quetinha perdido seulenço
de bols
o, e voltou ao barco paraprocurá-lo. Assim que entrou no
barco,este começoua mover-setãorapidamente que a água
espumava em volta, e tudo queo rapazfaziapara frear o barcocom
os remos eraem vão, poiso barco prosseguia sempreem frente,
noiteadentro, atéqueenfimchegoua uma praia branca queficava
muito,muito longe.Desembarcou ali
e, quando já tinha caminhado
certadistância,encontrouumvelhocomumabarbabrancaelon
—Qualéonomedestaterra?–perguntouojovem.
— Bran colândia – respondeu o homem e logo pediu aojovem que
lhecontasse de ondevinhae o que pretendia fazer. E assimo
jovemrespondeu.
— Bem, então – disse o homem – se caminhares sempreem
frentepor toda a costa,chegarás às trêsprincesas que estão
enterradas, demodoqueapenas suascabeças estão foradaterra.
A primeiradel as chamar-te- á – elaé a maisvelha – e pedir-te-á
muitogentilmente para ajudá-la; a segunda fará o mesmo, mas não
devesaproximar-te de nenhumadelas. Passadepressa, como se
nãoastivesse vistonem ouvido.Mas deves aproximar-te daterceira
efazeroqueelatepedir .Issotetraráboasorte.
Quandoo jovem passava pelaprimeira princesa, ela o chamoue
implorou-lhe m ui graciosamente que fosseatéela,mas o rapaz
prosseguiu como se nãoa tivesse visto nem ouvido.Passoupela
segundadamesmaforma,masaproximou-sedaterceira.
— S e queres fazero quetedirei, deves escolher entre nós três–
disseaprincesa.
Como o rapazdisse que estava disposto, a princesa contou-lhe
quetrês trolls as tinham ente rrado ali
nate rra,mas queoutrora elas
moraramno castelo que elepodiavera algumadis tância,na
floresta.
— Agora– disse ela –, vaiaocastelo e deixaostrolls baterem em
ti uma noite em favor decadauma denós e, se pudere s resistir
a
isso,libertar-te-emos.
—Sim–respondeuorapaz–,certamentetentareifazê-lo.
— Q uando entrares– continu ou a princesa –, doisleõesestarão à
porta, mas se tão somente seguires em frente entre el
es, nãote
causarão danoalgum; segue em frente atéum pequenoquarto
escuro;ali deves te. o troll viráe baterá
deitar-Então, em ti,mas tu
devest omaro cantil que está pendurado no muroe ungir-te a ti
mesmo ondeforesferido.D epoisdisso,estarás tão bem quanto
antes. E m seguida,apodera-te da espada que estápendurada ao
ladodocantilegolpeia trollatéo quemorra.
O rapazfez o quea princesa lhe dissera.Caminhou diretoentreos
leões, como se nãoos tivesse vistoe, em seguida,entrou no
quartinhoedeitou-senacama.
Na primeira o troll veiocom trêscabeçase trêsvaras
noite, e
bateu norapazsem piedade; ele,noentanto, resistiu
até queo troll
sedesse porsatisfeitoe, então, tomou o frasco e passou o óleono
corpo.Tendofeito isso,tomoua espadae golpeou o troll atéa
morte.
Na manhãseguinte, quando foivera praia,as princesas tinham
saídodaareiaatéacintura.
À noite , tudo aconteceu exatamente da mesma maneir a, mas o
troll queveionaocasião trazia consigo seiscabeças e seisvaras e
bateu nele muitomaisseveramente queo primeiro. Quandoo rapaz
saiunamanhãseguinte,asprincesasestavamdesenterradasa
joelhos.
Na terceira o troll t
noite, razia consigo novecabeças e novevaras.
Bateu nele e açoitou-por
o tanto tempo que, enfim, ele desmaiou;o
troll, então , ergueu-oe bateu-o contra a parede.Issofez que o
frasco com o óleocaíssee sederramasse sobre o rapaz,demodo
queesteficoumaisfortedoquenunca.
Então,sem perder tempo,to
mou a espada e golpeou o troll atéa
morte.Pelamanhã, quando saiudocastelo, as princesas estavam
inteiramentedesenterradas.
Ele tomoua mais novacomo sua
rainhaeviveramfelizesporumlongotempo.
Um dia, no entanto,elepensouem irparacasaporum breve
período,
a fim deverseuspais. A rainhanãogostou daideia, mas a
saudade aumentou tanto,
que eledisseà mulher que iria.Ela
respondeu-lhe:
— Tensdepro meter-meuma coisa:fazero queteu paite ordenar,
masnãooquetuamãemandar–eissoeleprometeu.
A ra
inha entregou-lhe
um anelquedavaa quem o usasse o direito
adoisdesejos.
Ele desejou estarem casae instantaneamente encontrou-ali;se
seuspaisficaram tãosurpresos com o esplendor de suasvestes
quepareciaqueoespantonuncacessava.
Depoisde ter passadoalgu
ns diasem casa, suamãe quisque
fosseaopaláciomostraraoreiquegrandehomemsetornara.
Opaidisse:
— N ão. Elenãodevefazerisso,pois,seo fizer, nãoteremos mais
a alegria
dapresença delepormaistempo – mas ele falou em vão,
poisamãeimploroueinsistiuatéque,enfim,elefoi.
Quandochegoulá,estavamaismagnificentequeorei,nostrajes
emtudoomais.Estenãogostounadadaquiloedisse:
— Ora, ora,tupodesverque tipo derainha é a minha,mas não
possovera tua.Não creioque tenhas uma rainha tãobela quanto
eu.
— Desejoqueela esteja
aquie então poderás vê-la– disse o rei,e
numinstanteelaestavalá.
Aflitíssima,elalhedisse:
— Por que nãotelembraste de minhaspalavras e nãodeste
ouvidosapena s aoqueteupaidissera? Agoratenho deirpara casa
deumavezportodas,etudesperdiçasteteusdoisdesejos.
Então,ela amarrou nocabelo um anel, noqual estavainscrito
seu
nome,edesejouestaremcasadenovo.
A partir deste momento, o jovemreificou profundamente
angustiadoe, diasim, dianão,saíasem pensar em nenhumaoutra
coisasenãoemcomovoltarparasuarainha.
“Procurarei um lugar ondepossaaprender como encontrar a
Brancolândia”,pensouesaiuviajandopelomundo.
Depois de percorrer certadistância,chegoua uma montanha,
ondeencontrou um homem queerao senhor dasferasdafloresta–
poisiam atéelequando tocava o berrante.O rei,então,
perguntou
ondeeraaBrancolândia.
—Nãosei–respondeu–,maspossoperguntaràsminhasferas.
Tocouo berrante e perguntousealgumadelas sabiaondeficava a
Brancolândia,masnãohavianenhumaquesoubesse.
Ohomem,emseguida,deu-lheumpardesapatosdeneve.
— Quandoos calçares – disse–, encontrarás meu irmão,que
moraa centenas demilhas daqui.Eleé o senhor dasavesdocéu.
Pergunta a ele.Quandochegareslá, apenasvira os sapatos de
maneiraqueosdedõesapontem paracá, e elesvoltarãopara
casa
porcontaprópria.
Quandochegou, o reivirou os sapatos conforme o senhordas
ferashaviaordenado,eestesvoltaram.
Agora, uma vez mais, perg untou a respeito da Brancolândia.
O
homem chamou todas asavesdocéu e perguntou sealgumadelas
sabiaondefica vaa Brancolândia.Não, nenhuma sabia.Bem depois
dasoutras aves,chegouuma águia velha. Elaseausenta rapordez
anosinteiros,masnãosabiamaisqueasoutras.
— Ora, ora– disse o homem –, então terás detomar emprestado
meu parde sapatos de neve. Se os calçares, chegarása meu
irmão,que vivea centenas de milhas daqui.Ele é o senhor dos
peixesdooceano.Pergunta a ele.Mas nãoteesquece deviraros
sapatos.
O reiagradece u, calçouossapatos e, quando chegouàqueleque
eraosenhordetodosospeixesdooceano,virouossapatoseest
voltaram,exatamente como os outros tinham feito.Ele perguntou
maisumavezondeficavaaBrancolândia.
O homem reuniu todosospeixescom seuberrante, mas nenhum
delessabia nadaa respeito. Finalmente veioum peixelúcio muito
velho,quetevegrandedificuldadedechegaratéele.
Quandoperguntouaolúcio,esterespondeu:
— Sim, a Brancolândia é uma velha conhecida minha,poisestive
cozinhando lá nestesdez anos.Amanhãde manhãvolto paralá,
poisarainha,cujoreiestáausente,vaicasar-secomoutro.
— Se foreste o caso, dar-te-ei um conselho – disse o homem. –
Nãomuitolongedaqui,numpântano,encontram-setrêsirmãos,qu
estãoalihá cem anosbrigan doporum chapéu,um casac o e um par
debotas. Se alguémtiver essas trêscoisas, poderáficarinvisível
e,
se desejar ira algumlugar , basta que deseje e lá estará.Podes
dizer-lhesque desejas experimentar essascoisas e, então, serás
capazdedecidirqualdoshomensasterá.
Oreiagradeceu-lhe,saiuefezoqueohomemhaviadito.
—Quesãoessascoisasporquebrigaissempreehátantotempo?
– perguntou aosirmãos – Deixai-me experimentá-las e entãoserei
vossojuiz.
Elesconsentira m a isso deboavontade. Todavia,quando vestiu
o
chapéu,ocasacoecalçouasbotas,oreidisse:
—Dapróximavezemquevosencontrar ,tereisminhadecisão.–E
emseguidadesejouestarausente.
Enquanto cruzavaos aresa toda velocidade, caiucom o Vento
Norte.
—Aondevais?–perguntouo ento
V Norte.
— À Brancolândia – respo ndeuo rei,e contou-lhe tudo que
acontecera.
— Muito bem – disse o Vento Norte –, podes tranquilamenteirum
poucomaisrápidoque eu, poistenho desoprar e ventar em cada
cantodomundo,Mas,quandochegareslá,ficanasescadasaolado
da porta,e entãovirei
zunindo como se quisessederrubar todoo
castelo.
Quandoo príncipe queestáprestes a tomartuarainha sair
paravera causadetanta agitação,apenassegura-opelo pescoço e
dácabodele,eentãotentareiarrastá-loparalongedacorte.
Como disseo Vento Norte, assimagiu o rei. Posto u-se nas
escadas,equandooentoV Norteveiouivandoerugindo,arrancou
telhado
e sacudiu asparedes docastelo,o príncipe
saiuparavero
que estavaacontecendo. Tão logosaiu, o reiagarr ou-o pelo
pescoço e deucabodele,e então o VentoNortetomou-oe levou-o
embora.Quandoo vento se desfezdele,o reientrounocastelo. A
princípio,
a rainhanãoo reconheceu, porque estavatão magroe
pálido
devido à viagemlonga e angustiante;
noentanto,quando viu
o anel,elaficou sinceramente felize o casamento legítimo foi
consumado – deuma maneiratão lindae grandiosaque se ouviu
falardeleportoda [2]
parte.

[2] J.Moe.
AV ozdaMorte

RA UMA VEZ um homem cujo únicodesejo e oraçãoera


enriquecer. Dia e noite,
nãopensava em maisnada,até
que, finalmente, suaspreces foramatendidas,e tornou-
se muitorico.Agora, tão ricoe com tanto a perder
,
sentia que seria terrívelmorrer e deixartodosos seusbenspara
trás; assim, decidiu partir em busca de uma terra ondenão
houvessemorte.Aprontou- se paraa viagem, despediu-se da
esposa e partiu.Sempreque chegavaa um novopaís, a primeira
pergunta que fazia erase as pessoas morriamnaquela terra
e,
quandoouviaque sim, partia novamente em suabusca. Chegou,
enfim, a um paísondelhedisseram que as pessoas nem sequer
sabiamo significado dapalavra morte.Nossoviajante regozijou-se
quandoouviuissoedisse:
— Decerto vossaterra estáapinhada de gente,já que ninguém
morre.
— N ão– resp onderam. – Não estáapinhada,poisdete mpos em
tempos ouve-seuma voz que chama primeiro um, depois outro,
e
quemquerqueaouçalevanta-se,vaiemboraenuncamaisvolta.
— E veem a pessoaque os chama – perguntou – ou apenas
ouvemsuavoz?
—T antoveemquantoouvem–responderam.
Ora, o homem ficouespantad o quando ouviuqueaspess oaseram
estúpidas a ponto de seguir a voz, emborasoubessem que, se
partissem quando estaos chamasse, nuncamais re tornariam.
Voltou para casa,juntoutodos osseusbense, tomando a esposa e
a família,partiu decididoa vi
vernaquele paísondeaspessoas não
morriam,mas, em vez disso,ouviamuma voz chamá-las, à qual
seguiamrumoa uma terra de ondenuncamaisvoltavam. Estava
convicto de que quandoelemesmo ou alguémde sua família
ouvisse aquela voz nãolhedaria atenção, poucoimportando quão
altoelachamasse.
Depoisdeestabelecer- nasenovacasae depôr tudo em ordem,
advertiu a esposae a família de que, a menosque quisessem
morrer, nãodeveriam, em hipótese alguma,darouvidos a uma voz
quepodiamouvirchamá-losumdia.
Poralguns anostudo correu bem, e viveram felizes
no novolar .
Um dia , no entanto, enquanto estavam sentados à mesa, sua
esposalevantou-sebruscamente,exclamandoemaltavoz:
—Estouindo!Estouindo!
Elacomeçouvasculhar a sala à procuradocasaco depele,mas o
marido levantou-num se pulo e, segurando-firmemente
a pela mão,
logoaconteveeareprovoudizendo:
— Não telembras doque contei? Fica ondeestás,a menosque
queirasmorrer .
— Não ouviste a voz a me chamar?– elarespondeu. – Tão
somentequeroverporquesourequerida. oltarei V semdemora.
Então lutoue esforçou-separa desvencilhar- dose
marido e irpara
ondea voz a chamava.Este, no entanto, nãoa deixava partir
, e
mantinha todas as portas da casafechadas e trancadas.Quando
percebeuoqueomaridofizera,disse:
— Muit o bem, querido, farei o que desejas e permanecerei onde
estou.
Assim, o marido acreditouque estava tudo resolvidoe que ela
pensara melhor e vencera o impulso insensatodeobedecer à voz.
Poucosminutos maistarde,todavia, eladisparou repen tinamente
em direção a uma dasporta s e abriu-ade supetão, seguidapelo
marido.Estea puxou pelo casaco,suplicando, implorando quenão
partisse, poisse o fizessecertamente jamais retornaria.
Ela nada
respondeu, mas deixouque os braçoscaíssemparatráse, de
repente, inclina
ndo-separafrente, escapuliudocasaco,deixando-o
nasmãosdo marido.Ele, pobrezinho, pareciatervirado pedra ao
vê-la afastar-se deleàs pressas e clamar em alta voz, enquanto
corria:
—Estouindo!Estouindo!
Quandoela já estava foradoalcance devisão,o marido recobrou
ojuízoevoltouparacasa,murmurando:
— Se elaé to laa ponto de desejar morrer
, nãopossoajudá-la.
Aviseieimploreiquenãoprestasseatençãoàvoz,pormaisalto
chamasse.
Passaram dias , e semanas,e meses, e anos,e nadaaconteceu
paraperturbar a paz dafamília.Mas, um dia,o homem estava no
barbeiro, comodecostume, paraaparar a barba.A barbearia estava
cheia de gente
, e seuqueixomaltinha sidocoberto com a espuma,
quando,desúbito, levantando- bruscamente
se dacadei ra, clamou
emaltavoz:
—Eunãovou,ouviu?Eunãovou!
O barbeiro e as outras pessoasna barbearia ouviram-no com
surpresa.E,denovo,voltadoparaaporta,exclamou:
—Repito,deumavezportodas:eunãovou,podeirembora.
E,algunsminutosdepois,gritoumaisumavez:
— Vaiembora , estou dizendo,ou serápior parati.Podeschamar
quantoquiseres,nãoconseguirásfazer-meseguir-te.
Ele ficoutão bravoque podíeis imaginar que realmente havia
alguémna porta, atormentando- Enfim,
o. levantou-numse puloe
tomouanavalhadamãodobarbeiro,exclamando:
— Dá-m e essanavalha; vouensiná-la a deixaraspessoas em paz
nofuturo.
E irrompeu contra alguém a quem ninguémvia. O barbeiro,
determinado a nãoperder sua navalha,perseguiu o homem, e
amboscontinu aramcorrendo a todavelocidade atéque saíramda
cidade,quando maisquederepente o homem caiudecabeçanum
precipício
e nuncamais foi visto novamente. Desse modo, ele
também,como osoutros, foraforçado,contra suavontade, a seguir
avozqueochamava.
O barbeiro,que voltou paracasaassoviando e congratulando-se
da fuga que fizera,narrou o que acontecera, e ouviu-seportoda
parte no país que as pessoasque foram emborae nunca
retornaramhaviamcaídonaquele abismo;atéentão nuncatinham
tomadoconhe cimento do que acontecera àquelesque tinham
ouvidoavozeatendidoaseuchamado.
Quandoasmultidões saíramdacidade para examinar o m alfadado
abismoquea tantos tragara, emboranuncaparecesse estar cheio,
nadapodiamdescobrir . Tudo que podiamvererauma vasta
planície,
que parecia estar alidesdeo princípio domundo. A partir
daquele momento,as pessoas dopaíscomeçarama morrer como
todososmortaiscomunsdetodoo [mundo.
23]
[23] Contos romenos,apartirdoalemãodeMiteKremnitz.
OsSeisTolos

RA UMA uma jovem


VEZ que chegara à idade detrinta e
seteanossem jamais ter
consigoquem a amasse,visto
sertãotolaqueninguémdesejaratomá-laporesposa
Certodia,porém, um jovem chegouparacortejá-la, e
suamãe, radiantedealegria, enviou
a filha
ao porão a fim deque
lhestrouxesseumjarrodecerveja.
Uma vez quea menina nãoretornava,a mãedesceu para verificar
o quepoderia ter
acontecido
, aoquedescobriu a jovem sentada na
escada,com a cabeçaapoiada nasmãos, enquanto ao seulado,
porsobreo chão, a cerveja corria,
poisa jovem se esquecera de
fecharatorneira.
—Oquefazesaqui?–quissaberamãe.
— A h, pensoem comochamarei meu primeiro
filhoapóscasar-me
com aquelejovem. Os nomes todos do calendário já foram
escolhidos!
Amãesentou-seaoladodafilhaedisse-lhe:
—Refletireisobreissocontigo,minhaquerida.
O pai, que permaneceracom o jovemno andar de cima, ficou
desconcertadopornãoregressaremnemsuaesposa,nemsuafil
e assimtambémeledesce u a fim de irao encontro de ambas.
Encontrou as duassentadas na escada,enquanto, ao seu lado,
corria sobreo chãoa cerveja saídada torneira completamente
aberta.
—Oqueestaisfazendo?Hácervejacorrendopeloporãointeiro
— Pensamosem como chamarosfilhos quenossa filha
terá após
secasa rcom aquele jovem.Os nomestodos docalendário já foram
escolhidos!
—Poisbem–disseopai–,refletireisobreissoconvosco.
Uma vez quenem a mãe, nem a filha e nem o pairegressavam ao
andar de cima, o namorado tornou-secadavez maisimpaciente.
Porfim, desceuao porão no intuitode descobriro que poderiam
estar fazendo. Ali,encontrou todos os trêssentados na escada,
enquanto, ao seu lado,corria sobreo chãoa cerveja saídada
torneiracompletamenteaberta.
— O que estais fazendo, afinal,
que nãovosdeixaretornar ao
andar de cima e faz com que deixeis correr cervejaportodo o
porão?
— Sim, meu rapaz,eu sei– disse o pai.– Mas, setomares nossa
filhacomo esposa,que nome dareis a vossosfilhos? Todosos
nomesdocalendárioforamescolhidos.
Aoouviraresposta,ojovemrespondeu:
— Ora! Atémaisver . Partoagora.Quandotiver encont rado três
pessoas mais tolas do que vós, retornareia tomarei vossafilha
comoesposa.
E assim eleprosseguiu viagem. Tendo caminhadolongas
distâncias,deparou-se então com um pomar , ondeviualgumas
pessoas abatendo nozese tentando lançá-lascom uma forquilha
paradentrodeumacarroça.
—Oquefazeisporaqui?–perguntou-lhes.
— Qu eremosenchera carroça com as nozes, mas não
conseguimos!
O namorado aconselhou-a ospegaruma cesta e colocarnela as
nozes,despejando-asemseguidanacarroça.
— Muito bem – disseeleparasimesmo –, já encontreialguém
maistolodoqueaquelestrês.
Assim, seguiuseucaminhoe chegou,poucodepois, a um bosque.
Ali,noto
u a presença deum homem quedesejava dara seuporco
algumas bolota
s e quetentav
a, com toda
a suaforça,fazercom que
oanimalescalasseocarvalho.
— S e porventura subisses tuna árvoree a agitasse, o porco
recolheriaasbolotas.
—Er .Eunãohaviapensadonisso.
—Eisosegundoidiota–disseorapazparasimesmo.
Um poucoadiante, elese deparou com um homem que jamais
vestira calças
e estavatentandocolocar uma. Estehomem a tinha
atado a uma á rvore
e saltavacom todo o seuvigor
, a fim deque, ao
cair,acertasseasduaspernasdacalça.
— M uito maisfácilseria se a segurasses – disse o jovem – e
colocasses, uma apósa outra, cadauma desuasperna s em cada
buraco.
— A h, sim, mas é claro!És maisesperto doque eu, poisjamais
issomehaviaocorrido.
Então,após ter encontrado três pessoas maistolas do que sua
noiva,o paidanoiva e suam ãe, o namorado regressou a fim dese
casar com a jovem.E, com o passar dotempo,eles tiveram muitos
filhos.[24]

[24] História de Hainaut,deM.Lemoine. La Tradition,n.34.


KariVestido-de-pau

RA UMA VEZ um reique ficara viúvo. Sua rainha lhe


deixarauma filha,
tão espertae bela queeraimpossível
existiralguémmaissagazoumaisbelo.Pormuitotempo
o re
ilamentou a perda dam ulher, poisa amarademais;
mas, porfim, ficoucansado deviver sozinho e casou-secom uma
rainhaque eraviúva.Ela tambémtinha uma filha que eratão
desprovida deencantos e maldosa quanto a filhadoreieraesperta
ebela.Amadrastaeafilhainvejavamafilhadoreiporqueeramu
bonita,
mas quando o reiestavaem casaelas nãoousavamcausar-
lhenenhummal,poisoreiaamavaimensamente.
Houveum tem poqueo reideclarou guerra a outroreie partiu
para
a batalh
a. Nessaocasião, a novarainha achouquepoderia fazero
que quisesse, então,elae a filhadeixaram a moça passar fome e
espancaram-na, perseguindo- em
a todos os lugares.Finalmente,a
rainhaachouque tudo issoerabom demais paraa moça e enviou-
lheparatomar contadogado. Assim, a moça foitocar o gadoe o
pastoreou nosbosques e noscampos. Nadaou quasenadatinha
paracomer ,ficandopálidaemagraequasesempretristeechorosa.
No rebanho haviaum tourogrande e azulado quesempre eramuito
sábioe polido, e muitasvezes vinha à filha do reiparaque elao
acariciasse.Umdia,quandoestavanovamentesentadaachorar
lamentar , o touro aproximou-se e perguntou-lhe porque estava tão
preocupada.Elanãorespondeu,mascontinuou . achorar
— Bem – disse o touro –, seio queé isso,emborasaiba quenão
me dirá s. Estás chorando porque a rainha é cruel contigo e porque
elaquer que morrasde fome. Precisarás, todavia, que nãote
preocupes com o que comer , poistenho na orelha esquerda uma
toalhinha, e se a pegare abrir , terástantas refeições quanto
desejares.
Assimela o fez. Tomou a toalhinha e a abriu sobre a grama, logo,
foi recoberta das mais finasiguarias que qualquer um poderia
desejar. Havia vinho, hidromel e váriosbolos.Imediatamente
animou-see ficoubem denovo.A moça ficoutão corada, roliça
e
bela que a rainha e suafilha magricela ficaram sem palav ras,detão
contrariadas. A rainha nãoimaginava como a enteada poderia estar
tão bem com tão poucacomida,e pensava quealguns doscriados
estariam dando-lhe decomer. Ordenou,portanto, queuma desuas
criadas a seguisse pelo bosquee a observasse. Ela viucomo a
enteada pegavaa toalhinha detrás da orelha do touro, a abria e
como logose apresentavam os maisrefinados manjares com os
quaisamoçaseregalava.Destafeita,acriadafoiàrainhaecontou
lheoquevira.
Nessaocasião o reivoltou paracasa; conquistara o outro reino
com quem estivera em guerra.A alegria tomouconta do palácio,
mas ninguémestava mais felizque a filha do rei.A rainha, no
entanto, fingiuestar doente e deuao médicomuito dinheiro para
que dissesse que elanun ca mais ficaria bem, a m enosque
comesseumnacodacarnedotouroazulado.
Tanto a filha dorei quanto as pessoas nopalácio perguntaram ao
médicosenãohavia outro m eiodesalvá-la e imploraram pela vida
do touro, poistodos gostavam muito dele e afirmaram nãoexistir
outro tourocomo aquele em todo o reino;mas foiem vão . Tinha de
serabatido, deveria sermorto, poisnadamaisserviria. Quandoa
filhadorei ouviu isso ficouprofundamente tristee foiaté o estábulo
dotouro.Lá estava ele,em pé, cabisbaixo,parecendo tão abatido
queamoçasentiudódeleechorou.
—Porqueestásachorar?–perguntouotouro.
Ela contou-lhe que o reivoltara paracasae que a rainha fingira
estar doente. Fizeracom que o médicodissesse que nuncaficaria
bem novamente a nãoserquecomesseum nacodacarne dotouro
azulado,equeagoraeleseriaabatido.
— Q uando eles me tirarema vida,tutambémserásmorta – disse
o touro –, mas se estáspensando como eu, partirás nesta mesma
noite.
A filha do reipensou serruimdeixar o palácio e o pai, mas era
ainda piorestar sobo mesmo teto da rainha,assim, prometeu ao
touroquepartiria.
À noite,quandotodos já haviamse recolhido, a filh a do rei
encaminhou-se sorrateiramenteatéo estábulo, montou o touro e
partiu parao campoo maisrápido que pôde. Então,ao raiar o sol,
nodiaseguinte , quando aspessoas foramabater o touro, ele havia
partido,e quando o rei
levantou e perguntou pela filha,
ela também
havia partido.Envioumensageiros para todasaspartes do reino em
buscadeles e fez proclamar suaperda em todas asparó quias,mas
nãohaviaquemostivessevisto.
Nesseínterim, o tourocruzaramuitas terras montado pela filhado
reie, num des sesdias,chegaram a um imenso bosqueacobreado,
ondeasárvore s, osramos,asfolhas, asflorese tudo o maiseracor
decobre.
Antes deingressarem nobosque,todavia, o touro disse à filhado
rei:
— Quandoadentrarmos este bosque, deverástomar o maior
cuidado denãotocares nenhuma dasfolhas,ou serám eu fim e o
teu,poisum troll de três cabeças, que é o donodo bosque,vive
aqui.
Então,elaficouem guarda,sem nadatocar . Foi muito cuidadosa e
curvou-se para desviardosgalhos, colocando-para
os oslados com
as mãos, mas o bosqueeratão densoque eraquaseimpossível
seguiradiante e fazero quedevia.De uma maneira oudeoutra, ela
deixoucairumafolhaquepousounasuamão.
— Oh! Oh! O que fizeste agora?– perguntou o touro. – Issonos
custará uma luta de vidaou morte,mas tenhas o cuidado de
guardarafolha.
Logo, chegaramao fim do bosquee o troll detrês cabeças veio
correndonadireçãodeles.
—Quemtocounomeubosque?–inquiriu troll.
o
—Obosqueétãomeuquantoteu!–respondeuotouro.
—T emosdeduelarporisso!–berrou troll. o
—Comoqueiras!–afirmouotouro.
Assim, foramum em direção aooutro e o touro cabeceou e bateu
com toda a forçaque tinha, mas o troll lutou muitobem, como
sempre,e todo um diasepassou antes queo touro desseum fim ao
embate.O touro estava tão cheiode feridas e tão cansado que
quasenãopodia semover . E ntão,tiveram deesperar um diainteiro
e o touro disse à filhadoreiparapegaro chifre deunguento que
pendiadocinturão troll, do
besun tá-loe, assim,sereco mpôs. No dia
seguinte partiram novamente. Desta vez, viajaram por muitos,
muitos diase depois de um bom tempochegarama um bosque
prateado. As árvores,os galhos,as folhas,as flores e tudo mais
eramcordeprata.
Antesdotouroentrarnobosque,disseàfilhadorei:
— Q uando ingressarmos nes tebosquedeves,pelo amordeDeus,
sermuito cuidadosae nãoto carabsolutamente em nada. Não tires
nem uma folha sequer ou será meu fim e o teu.Um troll de seis
cabeças vive aquie é o donodobosque.Não creio queserei capaz
dederrotá-lo.
— Sim – disse a filhado rei–, tomarei o maiorcuidad o de não
tocarnadaquenãodesejesquetoque.
Entretanto,ao entrarem no bosque, este eratãodensoe as
árvores tão juntinhasque quasenãopodiamiradiante. Ela foio
maiscuidadosaquepôdeecurvava-separadesviardocaminhodos
galhos e osafastava com asmãos, mas a cadamomento um galho
batiaemseurosto.Apesardocuidado,aconteceudeuma . folhaca
— Oh! Oh! O que fizeste agora?– perguntou o touro.
– Issonos
custaráuma luta devida ou m orte,poisessetroll deseiscabeças é
maisfortequeooutro,mastenhasocuidadodeguardarafolha.
Assimquedisseisso,chegou troll.
o
—Quemtocounomeubosque?–perguntou.
—Obosqueétãomeuquantoteu!–respondeuotouro.
—T emosdeduelarporisso!–bradou troll. o
— Como queir as! – afirmou o touro,
e correu em direção ao troll,
espetou seus olhose mirou os chifresem sua direção,
atravessando- de o, modo que as entranhas do troll ficaram
expostas, mas o monstro lutoutãobem como sempree demorou
três diasatéque o touro lhetirasse a vida.No entant o, o touro
estava tão fracoe cansado que somente com muito esforço pôde
mover-se,e tão coberto deferidasqueo sanguelhe brotava. Disse,
então,àfilhadoreiquetomasseochifredeunguentoquependiad
cinturãodotroll e o besuntasse com o líquido. Elaassimo fez e o
touro serecuperou, mas teve deficar
e descansar poruma semana
antesquepudesseiradiante.
Porfim, puseram-se a caminho maisuma vez, mas o touro ainda
estava fracoe, no início,não puderamcaminhar rapidamente. A
filhadorei desejava poupá-loe disse queeramuito jovem,tinha os
pés ligeirose que desejava, de bom grado,caminhar . O touro,
todavia,nãodeixouque elaassimfizessee forçou-aa sentar-se
novamente noseulombo.Assimviajaram porum bom te mpo e por
muitas terras.A filha dorei nãosabia paraondeele a levava, mas
depois demuito, muito tempo,chegaram a um bosquedourado. Era
tãodouradoqueoourogotejavaeasárvores,galhos,floresefol
eramdeouropuro.Aí tudo aconteceu como nobosquedecobre e
no bosque de prata. O tourodisse à filha do reique porrazão
algumaela deveria tocar em qualquer coisa,poishavia um troll de
novecabeçasqueerao don o dobosque,muito maiore muito mais
forteque os doisanteriores juntose nãoacreditava que pudesse
derrotá-lo.
Destemodo, elatomoumuito cuidado paraem nadat ocare o
touro viuque elao fazia. En tretanto, quando entraram no bosque,
este eraainda maisdenso que o bosquede prata e quanto mais
adianteseguiam,pior ficava.O bosqueficoucadavez maisfechado
emaisdenso.Porfim,elapensouquenãohaviamaneiraalgumade
iradiante. Estavatão amedrontada paranãoquebrar nadaque
sentou e contorceu-pôs- se, se delado,demodoa sair do caminho
dosgal hose os afastava com as mãos, mas a todo mom ento eles
batiam em seurosto, logo nãopodia verem queestava segurando.
Antes que sedesse conta doquefazia, tinha nasmãosuma maçã
deouro . Neste momento o terror foitamanho quecomeçou a chorar ,
desejando lançarlonge o frut o, mas o touro disse queo guardasse e
tomasse o maior doscuidado s. Confortou- tanto
a quanto pôde, mas
achavaque seria uma luta á rduae duvidava que pudesse sair-se
bem.
Justamente nesse momento o troll denov e cabeç asapareceu. Era
tãoaterrorizantequeafilhadoreimalousouencará-lo.
—Quemfoioserquedestruiumeubosque?–berrou troll.o
—Obosqueétãomeuquantoteu!–disseotouro.
—T emosdeduelarporisso!–rugiu troll. o
—Comoqueiras!–respondeuotouro.
Destafeita, partiramum em direção aooutro, lutarame a visão era
tão assustadora quea filha do rei quasedesmaiou. O touro perfurou
osolhos dotroll e trespassou oschifres pelo seucorpo,mas o troll
lutou tãobem quanto elee quandoo touro espetou uma das
cabeçasatéa morte,as outras cabeçaslhetrouxera m à vida
novamente de modo que durouuma semanaatéque o touro
conseguisse matar o troll. No entanto, o próprio touroestava tão
fatigado e enfraquecido quenãopodia semover . Seu corpo erauma
feridasó e nem conseguiu pedir à filha dorei para pegaro chifre de
unguento docinturão dotroll parabesuntá -lo com o líquido. Ela o
fez mesmo sem que lhepedisse e, assim, o animal se recobrou
maisuma vez. Tiveram deesperar , contudo, umas três semanas e
descansar atéque o touro estivesse em condição de se mover
novamente.
Nessaaltura, seguiram adian teporpartes, poiso touro disse que
aindatinham de ir um pouco mais além e, dessamaneira,
percorreram muitas montanhas altase bosques densos.Issodurou
certotempo,quando,então,chegaramàscolinas.
—Vêsalgumacoisa?–perguntouotouro.
— Nada vejosenãoo firm amento acima de nós e a colina
selvagem–respondeuafilhadorei.
Depois dissosubiramaindamais alto e a colina ficoumais
escarpada,demodoquepodiamvermaisalémao . redor
—Vêsalgumacoisaagora?–inquiriuotouro.
— S im, vejo um pequenocastelo bem distante – respondeu a
princesa.
—Nãoétãopequenoassim–respondeuotouro.
Depoisdeum longo período,chegaram a uma colina bem alta e,
nela,umaparedeíngremedepedra.
—Vêsalgoagora?
— Sim, agoravejo o castelobem próximoe como é muito,muito
maior!–respondeuafilhadorei.
— É para lá quevamos! – disse o touro– e logo abaixodo castelo
temum chiqueiro ondedev es abrigar-te.Assim que chegares lá,
encontrarás um vestido depau quedeverás vestire, entã o, devesir
aocastelo e dizerquete chamas Karivestido-de-pau, e quebuscas
abrigo.Agora, no entanto, devestomar esta faquinha e com ela
cortar-me a cabeça.Em seguida, deves pelar-me e enrolar a pele,e
escondê-la aquidebaixo da rocha.Embaixo do esconderijo deves
colocara folha decobre,a folha deprata e a maçãdeour o. Bem ao
ladodarocha há uma vara,e quando quiseres algodemim, só tens
debatê-lanaparededepedra.
De início,ela nãoquisseguir asordens, mas quando o to urodisse
que essaeraa únicarecompensa que ele teriapelo que lhefez, a
moça nãopôde negar . Emb oraachasse muito cruel,elatrabalhou
duroe cortou o animal enormecom a faquinha atécortar-lhe a
cabeçae a pel e. Em seguida, dobrou a pele e colocou-embaixo
a da
parede damontanha com asfolhas decobre,deprata e a maçãde
ourojuntas.
Após fazer isso, foi parao chiqueiro, mas chorouportodo o
caminho e estava muito pesarosa. Então,pôs o vestido depaue foi
atéo palácio do rei.Assim que chegoulá, foià cozinhae pediu
abrigo,dizendoqueseunomeeraKarivestido-de-pau.
O cozin heirodisse quepoderia ter um empregolá e deixou-aficar
imediatamente e banhar-se,poisa moça que antes estivera lá
acabaradepartir .
—Assimquetecansaresdeficaraqui,partirástambém–afirmou.
—Não,certamentenãoofarei–disseamoça.
Ela,então,asseou-seeofezcommuitoesmero.
No domingo,unsestrangeiro s visitariam o paláciodorei,demodo
que Ka riimplorou paralevar a água paraa banheira do príncipe,
masosdemaisempregadosriramdelaedisseram:
— O que queres aqui?Pensasque o príncipe algumdiaolhará
paraumespantalhocomotu?
Entretanto, elanãodesistiu, mas continuou pedindo porissoaté
que ganhoupermissão. Quandoestava subindo as escadas,seu
vestidodepaufeztantobarulhoqueopríncipesaiuedisse:
—Queespéciedecriaturaés?
—Souquemlevaáguaparavossobanho–disseKari.
— Crêsqueficarei com a águ a quetrazes? – perguntou o príncipe,
eesvaziouobaldeemcimadamoça.
Ela teve de suportar isso,mas depois pediu permissão parairà
igreja.
Conseguiu, poisa igrejaeramuito próxima. Antes,porém, foi
atéa rocha e bateu nela com a varaque ficava ali depé, como o
tourolhe disse ra. Nessemomento surgiu um homem e perguntou-
lheo que desejaria. A filha doreidisse que saíra parairà igrejae
queriaouvir o sacerdote, mas nãotinha uma roupa parair
. Logo, ele
lhetrouxe um vestido tão vivoquanto a florestadecobre,e também
um cavalo e uma sela.Ao chegarà igreja elaestava tão belae
esplendidamente vestida que todos se perguntavam quem seria
aquela moça. Quase ninguémouviuo que o sacerdote dizia,pois
todos olhavam demasiado paraela.O príncipe gostou tantoda
moça quenãotirava osolho s dela nem porum instante. Ao sair
da
igreja,
o príncipe a seguiue fechoua porta da igreja atrásdela,
fazendocom que deixasse uma luva paratrás.Ela, então, montou
no cavalo e partiu. O príncipe a seguiue perguntou de ondeela
vinha:
— Ah! Sou daTerra dosBan hos– disse Kari. Quandoo príncipe
sacoualuvaequisdevolvê-la,eladisse:
— Trev as atrás, Luz nesta via; que o príncipe nãoveja ondevou
nestedia!
O príncipenuncavira nadaque se comparasse àquelaluvae
andouportoda parte perguntando peloreino o que a orgulhosa
donzela,que cavalgou sem a luva,dissera de sua origem,mas
ninguémsabiadizer-lheondeelamorava.
No domingoseguinte, alguémtinha de levar uma toalha parao
príncipe.
—Ah!Possosubircomatoalha?–perguntouKari.
— Paraquê? – perguntaram oscriados queestavam nacozinha.–
Visteoqueaconteceudaúltimavezquefoste.
Kari nãodesistia, mas seguiuimplorando atéque conseguiu.
Então,subiu correndo asescadas, demodoqueseuvest idodepau
maisuma vez fez barulho. O príncipe saiue quandoviuque era
Kari,arrancouatoalhadesuamãoealançounosolhosdamoça.
— Saiimediat amente, troll horren do! Pensasque usarei a toalha
queteusdedosimundostocaram?
Depoisdisso,o príncipe foià igreja e Karitambémpediu parair
.
Todosperguntavam-secomoelaqueriairàigrejaquandonadati
paratrajarsenão aquele vestido de pau, que eratão encardidoe
horrendo.Kari, entretanto, disse que achavao sacerdot e um bom
homem ao pregar e que muito usufruía dossermõese, porfim, foi
dispensada.
Elafoiaté a rocha e bateu. Depoisdisso,veio um homem quelhe
deuum traje maismagníficoque o primeiro. Era todo bordadode
pratae brilhavamaisqueo bosqueprateado. Presenteou-com lheo
maisbelo corcel, com param entos bordados em prata e arreios de
prata.
Quandoa filha dorei chegouà igreja, todas as pessoas estavam
dol adodefora,nacolina, e todos pensavam quem naface daTerra
seriaela.O príncipe, no mesmo momento,ficouem alerta, e foi
seguraro cavalo enquanto ela desmontava. No entanto, ela saltoue
disseque nãotinha necessidade, poiso cavalo eratão bem treinado
que ficavaparado quandoeladesmontava, e ao chamá-lo, ele
vinha.Entraram , pois,todos juntos na igreja, mas quaseninguém
ouviuo sermão dosacerdote, visto quetodos olhavam paraela eo
príncipeficoumuitomaisapaixonadodoqueestiveraantes.
Quandoterminou o sermão,elasaiuda igreja e estava para
montar no cavalo,quandomais uma vez o príncipe veioe
perguntou-lhedeondeprovinha.
— Venhoda Terra dasToalhas – disse a filha do rei,e ao dizer
isso,deixoucairochicote.Enquantoopríncipeopegava,eladisse
— Trev as atrá
s, Luz nesta via; que o príncipe nãoveja ondevou
nestedia!
E, maisuma vez, elapartiu e nem o príncipe pôde vero que
aconteceu com ela.Percorreu várioslugares doreino perguntando
deondeela di
ssera vir
, mas ninguémsabia lhedizer ondea moça
morava.Dessamaneira,foiobrigado,maisumavez,aterpaciência.
No outro domingo,alguémtinha de levar uma escov a parao
príncipe.
Kariimplorou paraquea deixassem levar, mas oscriados
a recordaram do que acontecera das outras vezes e a
repreenderam porquerer deixaro príncipe vê-latão encardida e feia
nostrajes demadeira. Ela, contudo, nãodesistiu depedir , atéque
deixaram queela subisseaos aposentos dopríncipe com a escova.
Ao subir pelas escadas chacoalhando o vestido de madeira,o
príncipesaiu,arrebatou a escovae lançou-a em cima da moça,
ordenandoquesaísseomaisrápidopossíveldali.
Depoisdisso,o príncipe foià igreja e Karipediu parairtambém.
Maisuma vez, todos perguntaram o queela iria fazerporlá, ela que
eratãoencard ida,feiosa e m altrapilha,
cujas roupa nem podiam ser
vistas.O príncipeou qualquer outra pessoafacilmente a
identificaria,
disseram, e então, ambos sofreriam porisso. Kari,
entretanto,
disse que ele tinha maiso que fazerdoque olhar para
elaenãocessoudeinsistiratéquedeixaram- . napartir
E agoratudo acontecia como nasduasoutras vezes. Foi atéa
rocha,bateu com a vara e, em seguida,apareceu um homem que
lhedeuum vestido muito m aismagníficoque os outros dois.Era
quasetodofeitodeouroediamantes.Elatambémganhouumnobr
corcelcomapetrechosbordadosafiodeouroearreiosdourado
Quandoa filha do reichegouà igreja, o sacerdote e o povo
estavam todos depé nacolina esperando porela.O príncipe correu
equissegurarocavalo,maselasaltou,dizendo:
— Não, obrigada,não há necessidade. Meu cavalo é bem
amestradoeficaráquietoenquanto . ordenar
Assim, todos entraram juntos na igrejae o sacerdote foiparao
púlpito,
mas ninguémouvia o que eledizia,poisestavam olhando
demasiadamente paraa moça, ponderando de ondeelavinha.O
príncipe estava mais apaixonado do que nuncaestivera nas
ocasiões anteriorese nãose preocupava com nada,a nãoserem
olharparaamoça.
Quandotermin ou o sermão e a filhado reiestava paradeixar a
igreja,
o príncipe fez com que um barrilete de alcatrão fosse
despejado no vestíbulo paraque elepudesse ajudá-laa sair . Ela,
todavia,nãose atrapalhou em nadacom o alcatrão. Pô s o pé em
cimado barrile o saltou, e nenhumdossapatos de ouroficouali
grudado. Ao montar o cavalo, o príncipeveiocorrendo daigreja e
perguntoudeondeelavinha.
— Da Terra dasEscovas– re spondeu Kari. Mas quando o príncipe
tentouagarrá-lapelosapatodeouro,disse:
— Trev as atrá
s, Luz nesta via; que o príncipe nãoveja ondevou
nestedia!
O príncipe nãosoubeo que foifeito dela,então, viajou porum
longo e tedioso tempo porto doo mundoa perguntar onde ficavaa
TerradasEscovas,mas ning uém sabia dizerondeficava essereino.
Fez com que, em toda parte , todos soubessem que ele se casaria
com qualquer mulher que pudesse calçar o sapato deouro.Assim,
donzelas formosas e horrendas chegaramde váriaspartes, mas
nenhuma tinhaum pé tão pequeno quepudesse calçar o sapato de
ouro.Depoisdealgumtemp o chegoua madrasta malvada deKari
vestido-de-pau, acompanhada da filha,em quem o sapato coube.
Entretanto, a moça eratão feiae parecia tãorepugnante que o
príncipe nãoparecia disposto a cumprir a promessa. Não obstante,
foramfeitos os preparativos parao casamento e elafoivestida de
noiva,mas, no momentoem que se dirigiam paraa igreja, um
passarinhopousadonaárvorecantou:
— Um nacodecalcanhar , pedaço dodedodopé, o sapat o deKari,
desangue,atransbordar ,deixaestamulher!
Foi aí que perceberam que o passarinho falaraa verdad e, poiso
sangueestava a escorrer dosapatinho. Então,todas as damasde
companhia e todas as mulhe resdocastelo vieram experimentar o
sapato,masnãohouveumaemquemelecoubesse.
— Onde está , então, a K arivestido-de-pau? – perguntou o
príncipe,depoisque todas as outras haviamexperimentado o
sapato, poiseleentendeu o canto dospássaros e recordou-sedo
quedisseraopassarinho.
— Ah! Aquela criatura!
– dis seramas pessoas – nãovalenem a
penaelaviraqui,poistemospéscomoosdeumcavalo!
— Que seja!– disseo príncipe – mas todas as outras
experimentaram,queKarioexperimentetambém!
— Kari! – chamouo príncipe desde a porta.Karisubiu e o vestido
depauruíacomo se um regimento decavalaria estivesse subindo
asescadas.
— Agora experimentarás o sapato deouro e serásuma princesa –
disseram os outros criados, rindo e fazendotroça da moça. Kari
pegouo sapato e o calçoucom a maiorfacilidade.
Então, lançou
forao vestido
depaue lá estavanostrajes
dourados
quebrilhavam
como raios de solcom o outro pé do sapatinho
de ouro. Num
instanteo príncipe
a recon
heceue ficoufelicíssimo.
Correu ea
tomou nosbraços,beijando-
a. Quandosoubeque elaerafilha de
umreificouaindamaisfelize,então,celebraramocasamento.
[25]

[25] P .C.Abjornsen.
RabodePato

ABO DE PATOeraum sermuito pequeno.Porisso,aliás,é


queo chamava m deRabo dePato.Pequenoquefosse,
porém, o fato é que tinhamuita inteligênciae sabiao
que queria.Provadisso é que, começando sem nada,
terminou acumulando uma fortunadecem coroas. Ora, o reideseu
país, queeramuito esbanjadore nunca poupava dinheiro algum,ao
ouvir falarqueRabo dePato tinha-em
o razoável quantidade, certo
diafoi procurá-lo pessoalm enteparapedir-lhe empre stado seu
tesouro; e, verdade seja dita,
Rabo dePato nãosesentiu, à época,
nem um poucoorgulhoso deteremprestado dinheiroaorei.Mesmo
assim, passad os um e, depois,doisanos, ao perceber que o
monarca nem sequer pensa va em pagar-lhe os jurosdevidos, ele
começoua se inquietar . Tantoinquietou-quese porfim resolveu
procurar Sua Majestade naesperança derecuperar o dinheiro.Foi
assimque, uma bela manhã,Rabo dePato,muito elegante e bem-
disposto,saiupelaestradaaforacantando:
—Quá-quá-quá,quandomeudinheirovoltará?
Aindanãoforamuito longequandoencontrou-com se um seu
amigo,Raposo,queperambulavapelasredondezas.
—Bomdia,vizinho–disse-lheoamigo.–Aondevaistãocedo?
—Aopaláciodorei,pedir-lheoquemedeve.
—Oh,leva-mecontigo!
Rabo dePato pensou consigo:“Quanto maisamigosuma pessoa
tiver
,melhor”.
— Muito bem – disse eleao Raposo–, iráscomigo. Como, no
entanto, logo te
cansarás sefores a quatro
patas,faze-tepequenino
e entra em minhagarganta. Quandolá chegares,descansa em
minhamoelaeeutelevareicomigo.
—Muitobempensado!–disseoamigo.
Eis então que o Raposo, de malae cuia,zás! Desaparecepela
goela do amigoadentro, como uma carta pela caixade correio;e
Rabo de Patoparte novamente, muito elegante e bem-disposto,
cantandoainda:
—Quá-quá-quá,quandomeudinheirovoltará?
Um poucomais adiante, encontrou uma amiga encostada num
muro.EraaEscada.
— Bom dia, meu patinho – dissea amiga. – Aondevaistão
galhardo?
—Aopaláciodorei,pedir-lheoquemedeve.
—Oh,leva-mecontigo!
Rabo dePato pensou consigo:“Quanto maisamigosuma pessoa
tiver,melhor”.
— M uito bem – disse ele –, iráscomigo.Como, noentant o, logote
cansarás com tuas pernas de madeira,faze-tepequenina e entra
em minhagarganta. Quandolá chegares,descansa em minha
moelaeeutelevareicomigo.
—Muitobempensado!–disseaamiga.
Eis então que a Escada, de malae cuia,zás! Desaparece pela
goelado amigo adentro e vai-seacomodar na companhia do
Raposo.
E “quá-quá,quá”. Rabo de Patozarpanovamente, cantante e
elegante como sempre. Um poucomais à frente, encontra sua
namorada, a querida Água doRio, correndo calmamente soba luz
dosol.
— M eu querubim – disseela –, aonde vaistão solitário
e derabo
empinadoporestecaminhocobertodelama?
—Aopaláciodorei,comobemsabes,pedir-lheoquemedeve.
—Oh,leva-mecontigo!
RabodePatopensouconsigo:“Amigosnuncasãodemais”.
— M uito bem – disse ele–, iráscomigo. Como, no entanto, tu
dormes enquanto andas,logote cansarás.Faze-teentão pequenina
e entra em minhagarganta. Quandolá chegares,descansa em
minhamoelaeeutelevareicomigo.
—Muitobempensado!–disseaamiga.
Eis então quea Água doRio, demalae cuia,glub-glub-gl ub! Toma
seulugarentreoamigoRaposoeaamigaEscada.
E“quá-quá,quá”.RabodePatopartenovamente,cantando.
Mais adiante, encontrou-comse seu companheiro, o Ninhode
Vespas,quecomandavaseusinsetos.
— Bom dia,meu amigoRabo dePato – disse o NinhodeVespas.
–Aondevamostãoelegantesebem-dispostos?
—Aopaláciodorei,pedir-lheoquemedeve.
—Oh,leva-mecontigo!
Rabo dePato pensou consigo:“Quanto maisamigosuma pessoa
tiver
,melhor .”
— Muit o bem – disse ele–, iráscomigo. No entanto, com todo
essebatalhão paratransportar, logotecansarás.Faze-te então
pequenino e entra em minha garganta. Quando lá chegares,
descansaemminhamoelaeeutelevareicomigo.
— Meu Deus! Que ideia boa! – disseo camarada N inhode
Vespas.
E fl ancoesquerdo! Lá foielepelo mesmo caminhodosoutros,
levando toda a suaturma barulhenta.Já nãosobrava muito espaço
dentro da moelado amigo, mas, apertando-se um pouco,
conseguiram entrartodos.
E Rabo de Patocontinuou, cantandoa
mesmacanção.
Porfim, chegouà capital, e rumoudireto para a ruaprincipal,
sem
deixarde cantar , paragrandeassombro da gente que porali
passava:
—Quá-quá-quá,quandomeudinheirovoltará?
Atéquechegouaopaláciodoreiebateuàporta: oc!T oc!
“T”
—Quemé?–indagouoguardião,espiandopelaportinhola.
—Soueu,RabodePato.Gostariadetratarcomorei.
— Tratar com o rei!Falaré fácil!O rei
estáalmoçando e nãopode
serinterrompido.
—Dize-lhequesoueu.Elesabemuitobemporquevim.
Ouvindo isso,o guardião fechoua portinhola e subiuparafalar
com o rei,queacabava desentar-àse mesa, deguardan apoatado
aopescoço,prontoparaalmoçarcomseusministros.
— Bem, bem – disse o monarcasorrindo. – Já seidequesetrata.
Deixa-oentrarecoloca-ojuntocomosperuseasgalinhas.
Oguardiãodesceu.
—T emabondadedeentrar .
— Ótimo! – pensouRabo de Pato.– Agoraheide vercomo
comemnacorte.
— Poraqui, poraqui– disse o guardião.– Mais um passo. Aí.
Chegamos.
—Comoassim?!Oqueéisso?!Aquiéogalinheiro!
ImaginaioquantoRabodePatoficouaborrecido!
— Ah, então é assim,nãoé? – disse ele.– Esperasó! Vereis se
nãomerecebereis.Quá-quá-quá,quandomeudinheirovoltará?
Mas osperus e asgalinhas sãocriaturas
quenãogostam deestar
com quem nãosepareça com elas.Quandoviram o recém-chegado
e perce beramcomoeradiferente, alémdoquenãoparava degritar
,
começaramaolhartortoparaele.
—Oqueéisso,afinal?Oqueéqueelequer?
Porfim,reuniram-setodosemvoltadeleparacobri-lodebicada
—Estouperdido–disseeleasimesmo.
Felizmente,porém,lembrou-sedeseuamigoRaposoebradou:
— Raposo, Raposo,saidoteu buraco e salva a vidadoteu amigo
RabodePato.
O amigo Raposo,então, queestava apenas esperando poressas
palavras, saiudesupetão atirando-sesobre os galináceos e – quí!
quá! quí! quá – estraçalhou todoseles.Tanto que, em menosde
cinco minutos, jánãosobrava maisnenhumpara contara história.
E
RabodePato,deverascontente,começouacantardenovo:
—Quá-quá-quá,quandomeudinheirovoltará?
Quandoo rei,queainda estava sentado à mesa, escutou o refrão
e a cuidadora do galinheiro
lhe contou o queacontecera, enfureceu-
secomonunca.
Ordenou que lançassem esse maldito Rabo dePatonofundodo
poçodopalácio paraacabar com ele deuma vez porto das. E, de
fato,fizeramoqueeleordenou.
Rabo de Pato, presoque se achavaem tãoprofundo poço,
desesperava-se já de sair, quandose lembrou de sua amiga
Escada.
— E scada,saideteu escon derijo,
Escada, senão a vidadoRabo
dePatoseráhistóriacontada.
A amiga Escada, que estava apenasesperando por essas
palavras, saiude supetão de dentro da goela do amigoe apoiou
seusdoisbraços na borda do poço. Rabo de Pato,então, subiu
ligeiropelas costasdaamigae – tchã-rã! – foiparar nojardim, onde
começoudenovoacantar ,agoramaisaltoquenunca.
Quandoo rei,que ainda estavaà mesa rindo-se da peçaque
pregara em seucredor , escutou-novamente
o exigindo o pagamento
dadívida,empalideceuderaiva.
Ordenou,então, queseacendesse o forno e seatirasse o maldito
patoládentro,poisdeviaseralgumtipodebruxo.
O fornonãodemorou a esquentar . Destavez, porém, Rabo de
Patonãoestava tão amedr ontado, poiscontava com sua amada
ÁguadoRio.
— Á gua doRio, escorre cá para fora,Água doRio, senão teupato
morrerá,enãodefrio.
Nisso,a amigaÁgua saiua toda velocidade e se lançou sobre o
forno,inundando- por
o completo, e com eletodas aspessoas queo
haviamacend ido; depois do que invadiu o salão de entrada do
palácioealisubiumaisdeummetro.
E Rabo de Pato,contente que só, começoua nadar cantando
muito,muitoalto:
—Quá-quá-quá,quandomeudinheirovoltará?
Oreicontinuavasentadoàmesaeestavacertodeque,dessave
tinha derrotado seu credor. Quando, porém, ouviuRabo de Pato
cantando mais uma vez, pôs-se furiosíssimo e levantou-se
brandindoospunhos.
— Trazei-o atéaqui, que hei de cortar-lhe a malditagarganta!
Trazei-oaqui,rápido!–gritavaomonarca.
Deimediato,doislacaiossaíramembuscadeRabodePato.
— P orfim – disse o pobrecoitado, ao vê-los – decidiramme
receber .
Imaginai quãoaterrorizado ficouo pato quando,aoentrar , viuo rei
vermelho como um perumacho e todos os seusministros de
espada em punho.Pensouque, dessavez, estava liquidado.Mas,
porsor te,lembrou-se deque ainda tinhaum amigoe bradou, com
vozdemoribundo:
— N inhode Vespas,Ninhode Vespas,paraque eu nãomorra,
surgelogo,éoqueterogo.
Daíemdiante,ocenáriomudou.
— Bz, bz, avante com as baionetas! – disse o valente Ninhode
Vespasenquanto avançava paraforacom seubatalhão deinsetos.
E la nçaram-setodos contra o reienfurecido e seus ministros,
picando-lhes o rostocom tanta ferocidadequelhes fizeramperder a
cabeça.Desesperados, sem saberem ondese esconder , pularam
todos em desordem pelajanela e caíram lá embaixo, onde
quebraramopescoço.
Contemplai,pois,a cena, meus amigos: Rabo de Patoperplexo,
completamente sozinho naquele enorme salão e senhorabsoluto da
situação.Malpodiaeleacreditar!
Não obstante, logose lemb roudo que viera fazerno palácio e,
aproveitandoa oportunidade, saiuem busca de seu precioso
dinheiro.Mas foiem vãoque vasculhou todos os armários,pois
nadaencontrou.Oreitinhagastotudo.
Vasculhando tudo, então, desala em sala,porfim chegouàquela
que abrigavao trono e, como se sentia muitocansado, sentou-se
nele pararefletirsobresuasaventuras. Nesse meio tempo,os
habitantesdo reino,que encontraram o reie seusminis tros todos
estiradossobre o pátio,de pés paracima, penetraram no palácio
parasaber como foique aquilo tinhaacontecido. Quandoentraram
na sala do trono e viramque alguémjá ocupava a cadeira real,
irromperamembradosdesurpresaeregozijo:
— O re iestámorto.Vidalonga aonovorei!Que o Céu enviou para
governarsuagrei.
Rabo dePato,quejá nãosesurpreendia com maisnada,recebeu
as aclamações daquela gente como se jamais tivesse feitooutra
coisanavida.
Algunsmaliciosos, decerto, comentavam sobre que belo reidaria
esseRabo dePato;enquant o aquelesqueo conheciam retorquiam
que um Rabo dePatoesclarecido daria um reimaisvaloroso que
aquele perdulárioque jazia morto lá fora. Enfim, correram atéo
pátio,retiraram
a coroadofalecido e puseram-na sobre a cabeçado
RabodePato,naqualseencaixouperfeitamente.
Foiassimqueelesetransformouemrei.
— E agora, senhoras e senhores – disseo patoao fim da
cerimônia–vamosjantar .Estoufaminto! [26]
[26] ContesdeCh.Marelles.
OApanhadordeRatos

UIT O TEMPOatrás,a cidade deHamelin, naAlemanha, foi


invadida porbandos de rato
s de um tipo jamais visto
antes,equejamaissevoltará . aver
Eram criaturas negras,enormes,que corriam sem
nenhumpudorpelas ruas,em plena luz do dia, e de tal modo
fervilhavamportodos os cantos dascasasque, porfim, já nãose
descansava a mão ou sepunhao pé sem tocar em algumrato. Ao
se vestirempela manhã, os habitantes de Hamelin surpreendiam-
nosnascalças e nasanáguas, nosbolsos e nasbotas; e, quando
procuravam uma migalha que comer , ashordas famintas já haviam
devastado tudo quanto havia, do sótão ao porão.Durante a noite
eraainda pior. Ao apagardas luzes,essesincansáveis roedores
punham-sea trabalhar. E, portoda parte,nostetos,nosporões,nos
armários,nosportões, eraum corre-corre incessantede roedores
perseguindo-ese tudo revira
ndo, e um ruído tão furiosodebrocas,
pinçase serras, queum homem surdo nãopoderia descansar uma
horainteira.
Nem gatos, nem cães,nem venenos, nem armadilhas,nem rezas,
nem velas acendidas a todos os santos– nadasurtia efeitoalgum.
Quanto maismatavam ratos, maisratos apareciam. Os habitantes
de H amelincomeçarama re correraoscães(não que fossemde
grande
ajuda)quando,
, em uma certa
sexta-feira,
chegou à cidade
um homem de aparência
extravagante,
que tocava uma gaitade
foleseentoavaesterefrão:
Quem viver, verá:
Aqui está,
Quem há de os ratos apanhar.
Era um sujeito
alto
e descom
posto,
depele ressequidae queimada
pelosol,narizcurvo,bigodes
compridos,
esticados
como a cauda
de um rato,e um enormeparde olhos fulvos,penetrantes
e
zombadores,sob um grandechapéudefeltrodeondeseprojetava
uma penade galode corescarlate.
Vestiaum casacoverde com
cintode couroe mangas vermelhas.Nos pés, trazia sandálias
amarradasporcordas quedavamvoltas
naspernas, à maneirados
ciganos.
É assimqueelepodeservisto hoje
em dia,retratado
em um vitral
dacatedraldeHamelin.
Parounograndemercadodacidade,emfrenteàprefeitura,deua
costasparaaigrejaeentoousuamúsica,cantando:
Quem viver, verá:
Aqui está,
Quem há de os ratos apanhar.
O conse
lhodacidadeacabaradesereunir
, em maisuma tentativa
de solucionar
aquelapragado Egitoda qualninguémconseguia
livraracidade.
O forasteiro
mandouavisar aosconselheiros
que, mediante
uma
boa recompen
sa, daria
fim a todos
os ratos,atéo último
deles,
antesdoanoitecer
.
— É, pois,um feiticeiro!
– exclamaram
oscidadãosem uníssono

tenhamoscuidado.
O Conselheiro da Cidade,que eratidopor homem sagaz,
tranquilizou-osdizendo:
— F eiticeiro ou não,seo toc ador degaita defoles diza verdade,
então foielequem nosenv iouessesterríveis parasitas e, agora,
exige dinheiro paranoslivrar deles.Bem, devemosaprender a
apanhar o diaboem suaspróprias armadilhas. Deixai a questão
comigo.
“Deixai a questão com o Conselheiro da Cidade”,disseram os
cidadãosentresi.
Oforasteirofoitrazidoparadiantedeles.
— Antes doanoitecer – disse ele–, tereilivradoHamelin detodos
osratos,aopreçodeumdinheiroporcabeça.
— U m dinheiro porcabeça ! – exclamaram os cidadãos. – Mas
serãomilhõesdeflorins!
O Conselheiro da Cidade limitou-a sedarde ombrose disse ao
forasteiro:
— Uma pechincha!Ao trabalho; pagaremospelosratos um
dinheiroporcabeça,comopediste.
O tocador de gaita de foles avisou que trabalharia naquela noite
mesmo, quando a luaselevantasse. Acrescentou queoshabitantes
deveriam, àquelahora,deixar asruas livrese contentar- emseolhar
pelajanela o que se passa ria– seria um espetáculo admirável.
Quandoo povo de Hamelinsoubedo acordo,também todos
exclamaram:“Um dinheiro porcabeça!Mas issonoscustará uma
fortuna!”
— D eixaia questão com o Conselheiro daCidade – disseramos
membrosdo conselho, com ar malicioso. E o povoordeiro de
Hamelin repetiu com os conselheiros: “Deixai a quest ão com o
ConselheirodaCidade”.
Por volta dasnovehorasda noite, o tocador de gaita de foles
reapareceu no mercado.Como da primeira vez, voltouas costas
paraa igreja e, nomomento em quea luadespontou nohorizonte,
trarirá, trari!,fezsoarosfoles.
O som começoulento, como uma carícia, crescendo aospoucos
em viv acidade e urgência,tornando-por se fim tãosonoro e
pungente, que penetrou no fundodos mais profundos becose
reentrânciasdacidade.
Dalia pouco,dofundodosporões,doalto dossótãos, dedebaixo
de todo s os móveis, de tod os os cantos e recantos dascasas,
começaram a sairosratos, a procurarpela porta, a lançar-se à rua
e, zás, zás, zás, a correr em filarumoà frente da prefeitura, tão
espremidos unscontra os outros que cobriam o pavimento como
ondasdeumaenxurrada.
Quandoa praçaestava repleta de ratos, o tocador de gaita de
foles olhou à suavolta e, tocando ainda vigorosamente , tomoua
direçãodorioquecircundaosmurosdeHamelin.
Aoatingirorio,virou-separatrás.Osratososeguiam.
— Póim! Póim! – gritou, apontando com o dedoparao meioda
corrente,ondea água faziaum redemoinho e erapuxadapara baixo
comose desce sseporum funil. E tchibum! tchibum!, sem hesitar , os
ratos deram um salto, nadaramdireto para o redemoinho,
mergulharamdecabeçaedesapareceram.
Osmergulhoscontinuaramsemcessaratéàmeia-noite.
Por último, arrastando- com
se dificuldade, aproximou-seum
enormerato,grisalhodetãoidoso,eparouàmargem.
Eraoreidobando.
—Foram-setodos,meucaroCinzento?–indagouotocador .
—Foram-setodos–respondeuCinzento.
—Equantoseram?
—Novecentosenoventaenovemilnovecentosenoventaenov
—Bemcontados?
—Bemcontados.
—Poisentãovai-teejunta-teaeles,meu ,eadeus.
senhor
Então o velho rato grisalholançou-se porsuavez paradentro do
rio,nadouatéoredemoinhoedesapareceu.
Concluído o trabalho,o tocador degaita defoles foideitar-na se
hospedaria. E, pela primeiravez em três meses, o povodeHamelin
dormiutranquilamenteanoitetoda.
Na manhã seguinte, às novehoras,foi à prefeitura, ondeo
conselhodacidadeoaguardava.
— Todosos vossos ratos m ergulharam norioontem – disseaos
conselheiros –, e garanto que nenhum delesvoltará. Eram
novecentos e noventa e novemilnovecentos e noventa e nove,a
umdinheiroporcabeça.Calculai!
— Reconheçamos primeiro as cabeças.Um dinheiro poruma
cabeçaéumacabeçaporumdinheiro.Ondeestãoascabeças?
O tocad ordegaita defoles nãoesperava poressegolpe traiçoeiro.
Empalideceudeódio,eseusolhossoltaramfaíscas.
— As cabeças!– exclamou.– Se vosimportam as cabeças,ide
procurá-lasnorio.
— Poisentão – replicouo Conselheiro daCidade –, recusas-te
a
cumprir os termos do acordo?Poderíamosrecusar-te todoo
pagamento. Porém, foste-nos útil,
e nãopermitiremos que tevás
semumarecompensa.
Eofereceu-lhecinquentacoroas.
— F icaicom vossarecomp ensa– respondeu o apanhador de
ratos,cheiodeorgulho. – Se nãome pagardes, heideserpagopor
vossosherdeiros.
Dizendo isso, afundouo chapéu sobreos olhos, deixou
apressadamente a prefeitura e abandonou a cidade sem dirigir
palavraaabsolutamenteninguém.
Quando o povo de Hamelinsoubecomo o caso t erminara,
esfregou asmãosdeconten tamento e, com tantoescrúpulo quanto
o Conselheiro daCidade,zombou doapanhador deratos, quefora
apanhado,diziameles,naprópriaarmadilha. odavia,Toquemaisos
fez rir
foia ameaçadepagar-sepelos herdeiros.
Rá! Que bom seria
teremtaiscredorespelorestodesuasvidas!
No diaseguinte, que eraum domingo,todos foram à igreja,
imaginando que, depois da missa, poderiam enfimgozar de uma
refeiçãoqueosratosjánãotivessemprovadoantesdeles.
Jamaissuspeitavam a terríve
lsurpresaqueosaguardava em seu
retorno paracasa.Nenhumacriança em lugar algum,tod ashaviam
desaparecido!
“Nossos filhos!Ondeestarão nossospobres filhos?”,
foio grito que
logoecoouportodasasruas.
Então,pelo portão lesteda cidade,surgiram três garotinhos aos
prantos,efoiistooquecontaram:
Enquanto os paisestavam na igreja,
ressoou pelos aresuma
músicamaravilhosa. Não demoroumuito,todos os meninose
meninas deixados em casasaíram,atraídos pelos sonsmágicos, e
acorreram ao mercado.Lá, encontraram o apanhador de ratos
tocando suagaita defoles nomesmo local danoite anterior
. Então o
forasteirocomeçoua andar depressa,e as crianças o seguiram,
correndo, cantando e dançandoao som da música, at é o pé da
montanha queseavista aoentrar em Hamelin. À suaaproximação,
a montanha abriuuma fre sta,pelaqualpenetraram o tocador
seguidopelosdemais. A trás deles,a montanha fechou-se
novamente. Apenasaqueles trêsgarotosque narravam a história
ficaram dolado defora,como que pormilagre. Um deles tinhaas
pernas arqueadas e nãoconseguia correr rápidoo suficiente; o
outro deixara a casacom tan tapressaquesaíra com um pé calçado
e outro descalço e, assim,machucou-seem uma pedra e nãopôde
andar sem dificuldade; o terceiro
chegara a tempo,mas, afobado
paraentrar juntocom os outros, chocou-seviolentamente contraa
parede damontanha e caiuparatrásbem nomomento em que a
frestasefechavaatrásdeseusamigos.
Ao ouviresserelato, ospaisredobraram seuslamentos. Correram
à m ontanha com lanças e picaretas
e procuraram atéà noite pela
abertura ondeas crianças haviampenetrado, sem nadaencontrar .
Porfim,anoitecaindo,voltaramaHamelin,desolados.
Mas, de todos, o maisinfelizerao Conselheiro da Cidade,que
perdera trêsgarotos e duaslindas menininhas. Paracoroar sua
desgraça,o povode Hamelin despejou sobreeletodo tipode
reprovações, esquecendo-se de que, na noiteanterior, o haviam
apoiado.
Quefimteriamlevadotodasessaspobrescrianças?
Os paismantiveram vivaa esperança de que nãoestivessem
mortas, e que o apanhador de ratos,o qualem algummomento
deveter saídoda montanha , as tivesse levadoconsigo paraseu
país. E m virtudedisso,porvários anos,procuraram pelas crianças
em vários países,mas ninguémjamais encontrousinal doparadeiro
daspobrezinhas.
Somentemuitotempodepoisseobtevenotíciadelas.
Cercadecento e cinquenta anosdepois doacontecido, quando já
nãovivia nenhumdaqueles pais,mães, irmãos ou irmãs,chegaram
certa noite a Hamelin alguns comerciantes deBremen,voltando do
Leste, e pediram parafalar aos cidadãos. Contaram que, ao
cruzarema Hungria, passaramalgunsdiasem uma região
montanhosa chamadaTransilvânia, ondeos habitantes só falavam
alemão,enqu anto o povo em torno só falava húngaro.Essas
pessoas declaravam tervindo daAlemanha, mas nãosabiamcomo
tinham ido pararnaquele país estranho. “Ora”, disseram os
comerciantes de Bremen,“esses alemães nãopodemseroutros
senãoosdescendentesdascriançasdesaparecidasdeHameli
O povodeHamelin nãoteve dúvidae, desde aquele dia,dá como
certo que os transilvanianos da Hungriasãoseuscompatriotas,
cujos ancestrais,quandocrianças, foram levados paralá pelo
apanhadorderatos.
Hácoisasmaisdifíceisdeacreditardoque [27] isso.

[27] Ch.Marelles.
Averdadeirahistóriada
ChapeuzinhoDourado

ÓS TODOS CONHECEISa históriada pobreChapeuzinho


Vermelho, enganada e devorada como foi peloLobo,
junto com seubolo,sualatin ha demanteiga e suaavó.
Pois bem, acontece que sabemos, hoje, que a
verdadeirahistóriasedeudemaneiraumtantodiferente.
Em primeiro lugar
, a garotinha erachamada, e ainda o é, de
Chapeuzinho Dourado;alémdisso,nãofoiela,nem mesmo a anciã,
quemnofinalfoicapturadaedevorada,esimoLobo.
Prestaiatenção.
Ahistóriacomeçademodobemparecidocomaoutra.
Era uma vez uma campon esinha belae impecável como uma
estrelaem seuesplendor . Chamava-seBlanchette, mas eramais
conhecida como Chapeuzin ho Dourado, graçasao maravilhoso
manto,dotado deum capuz dacordoouro e dofogo, quetrajavaa
todo momento . Esse capuz lhe foradadoporsuaavó, uma mulher
tão velhaque sequer sabia revelara própriaidade;deveriatrazer-
lhe boasorte,disse a avó à neta,poisforafeito
com um raio desol.
E, dadoque aquela senhorinha eraconsiderada uma espécie de
bruxa,todosachavamqueocapuzestavaenfeitiçado.
E,comovósmesmosvereis,issodefatoeraverdade.
Certodia,amãedisseàfilha:
— Vejamos,minhaChapeu zinhoDourado, se já és capaz de
encontrar a sós o próprio caminho.Levarás, como regalo de
domingo,este grande pedaçode bolo paratuaavó. Perguntarás
como elaestá e retornarás de imediato, sem entregar-se a
conversinhascomdesconhecidospelocaminho.Estáclaro?
—Muitoclaro–respondeuBlanchettealegremente.
A m enina então partiucom o bolo,orgulhosa de seu encargo.
Acontece, porém, que a avó moravanoutra aldeia e haviauma
grande florestaa seratravessada antes dechegar atélá. Então,na
estrada,sobas árvores e após uma curva,derepente “Quem está
aí”?
—OamigoLobo.
O vilãovira a meninasair sozinha e só esperavao momento certo
paradevorá-la.Todavia, naquele mesmo instante, notou alialguns
lenhadores que poderiam flagrá-lo e mudoudeideia. Em vez dese
lançarsobre Blanchette,pôs- sea traquinarperto delacomo um bom
cãozinho.
—MaseisminhadoceChapeuzinhoDourado!–disseele.
A garotinha se detém,então, paraconversar com o Lobo, o qual
ela,nãoobstantetudoaquilo,desconhecia.
—Entãosabesquemsou!–respondeuela.–Comotechamas?
— S ou o amigo Lobo. Paraondevais,minhaquerida, com esta
cestinhanosbraços?
— Devo visitar minhaavó e entregar-lhe um grande pedaçode
bolocomoregaloparaamanhã,domingo.
—Eondemorariaestaavó?
— Do outro ladodafloresta, naprimeira casadaaldeia, próximo
aomoinhodevento.
— A h, mas é claro!– disse o Lobo. – Bem, é paralá mesmo que
estou indo.Chegarei antes de ti,naturalmente, poiste ns pernas
muito pequeninas. Avisarei
a ela queestása caminho desuacasa,
paraquepossaesperarporti.
Então o Lobo atravessaa floresta e, em cinco minutos, chegaà
casadaavó.
Bateemseguidanaporta: toc, toc.
Nãoháresposta.
Batedepoiscomaindamaisforça.
Nada.
Em seguida,ficade pé, coloca as duaspatas da frentesobre o
trinco..eaportaseabre.
Emcasa,nãoháabsolutamenteninguém.
Asenhorahavialevantadocedoafimdevenderervasnacidad
tão apressada partira
que acabara deixando a cama porarrumar ,
comsuagrandetoucadedormirsobreotravesseiro.
— Excelente! – disse
o Lobo parasimesmo. – Agorajá seio que
fazer.
Ele então fechaa porta,puxa a touca da avó atéa altura dos
olhos,deita-senacamaearrastaacortina.
Nesse ínterim,a boa Blanchette seguia o seu caminho
calmamente, qualuma garotinha comum: aquie acolá, distraía-se
colhendo margaridas,
observando os passarinhos que faziam seus
ninhos e correndo atrás
deborboletas queseagitavam sob a luzdo
sol.
Porfim,elachegaàporta.
Toc, toc.
— Quem é? – diz o Lobo, suavizando a voz tanto
quanto lheera
possível.
— Sou eu, vovó, tua Chapeuzinho Dourado.Paraa senhora, trago
umgrandebolocomoregaloparaamanhã,domingo.
—Apertacomteudedootrinco,empurra-o,eaportaseabrirá.
—Ora,masestásresfriada,vovó!–comentouelatãologoentrou.
— S im, sim, um pouco… – responde o Lobo, fingindo tossir
. –
Fecha a porta, minhaqueridinha. Põe tua cestasobre a mesa, livra-
tedo teu vestid
o e venha deitar-te aomeu lado, paraquedescanses
umpouco.
A boa garotinhacomeçaa sedespir , mas… Vede!Sobrea cabeça,
conservou o pequenocapuz. Ao notar a aparênciada avó, a
pobrezinhaficoubastantesurpresa.
— M aso quê!? – brada.– O quãoparecida a senhoraestácom o
amigoLobo,vovó!
—Deveseratoucadedormir ,minhafilhinha–respondeoanimal.
—Masquebraçospeludosasenhoratem,vovó!
—Éparateabraçarmelhor ,minhafilhinha.
—Masquelínguaenormeasenhoratem,vovó!
—Éparaterespondermelhor ,minhafilhinha.
—Masquedentõesenormesasenhoratemnaboca,vovó!
—Éparamastigarcriancinhas!
E o Lobo abr iu as mandíbulas a fim de engolirBlanchette.A
menina, todavia, abaixoua cabeçaenquanto gritava“Mamãe!
Mamãe!”, e assimtudo o que o Lobo conseguiu pegarfoi seu
capuzinho.
Em seguida– meu Deus! – elerecua,gemendoe balançando a
cabeçacomoseacabassedeengolircarvõesembrasa.
Tratava-se docapuzinho dacordofogo, o qualqueimava desde
sualínguaatéagarganta.
O capuzinho,como vós bem percebeis, eraum daquelescapuzes
mágicos que, nas histórias de outrora, tornavam as pessoas
invisíveisouinvulneráveis.
Aliestava, então,o Lobo, com suagarganta queimada,saltando
dacama natentativa deencontrar a porta,uivandoe uivandocomo
setodososcãesdaaldeiaestivessemnoseuencalço.
Precisamente neste instante chega a avó, que regressava da
cidadecomumsacolongoevaziosobreumdosombros.
—Oh!Umbandido!–gritaela.–T unãoperdesporesperar!
Rapidamente, elaescancara o sacoà frente da porta,
no qualo
Lobo, foradesi, joga-sedecabeça.É este o momento em que é
capturado,engolidoqualumamissivanabolsadumcarteiro.
A senhorafecha o sacoem seguida,põe-se a correr e o esvazia
nopoço,ondecaiovadio,aindaauivar ,eafoga-se.
— P atife!
Achaste quepoder iasdevorar minhanetinha! Poisbem,
amanhãdarei a elaum abafofeitodetuas peles,e tumesmo serás
devorado,poistuacarcaçaserájogadaaoscães.
Logo em segui
da, a avóseapressou em vestira pobreBlanchette,
queaindatremiademedosobreacama.
— Vê só – disse-lhe ela.– Sem meu capuzinho,ondeestarias
agora,minhaquerida?
Então,paraque a meninarecobrasse o vigor , deu-lheuma
generosafatia
deseubolo e fez com quebebesse um bom golede
vinho.Emseguida,tomou-apelamãoelevou-adevoltaparacasa.
Chegandolá, quem foi que a censurou tãologo tomou
conhecimentodetudooquelhehaviaacontecido?
Amãe.
Blanchette,todavia,prometeu mais de uma vez que jamais se
deterianovamente paradarouvidos a um lobo,e dessemodosua
mãeenfimaperdoou.
Ela, a ChapeuzinhoDourado , cumpriu suapromessa.E, em dias
detempo é bom, ainda é possívelvê-lapeloscamposcom seubelo
capuzinhodacordosol.
Paracontemplá-la,noentanto,éprecisoacordar [28]
bemcedo.

[28] Ch.Marelles.
ORamodeOuro

RAUMAVEZ um reitãorabugento e desagradávelque, por


um bom motivo, eratemido portodos os súditos, pois
nasofensas maistriviais
faziacortarcabeças.Esterei
Ranzinza, como erachamado,tinha um filho que erao
mais diferente possível de seu pai. Nenhum príncipe se lhe
comparavaem inteligência e em bondadede coração,mas,
infelizmente,erademasiado feio.Tinhapernas tortase eravesgo,
uma bocarra enviesada e uma corcunda. Jamaishouvealmatão
bela em corpo tão medonho,mas apesar desuaaparênc ia, todos o
amavam. A rainha, sua mãe, chamava-lhe Tortuoso,poiseraum
nomequegostavaepareciacair-lhebem.
O rei Ranzinza, que se importava muitomais com a própria
grandeza doquecom a felicidadedofilho,desejavaprometer o filho
à filha
dorei vizinho,cujaspropriedadesmargeavamas suas, pois
achava que essaaliança o faria
maispoderoso doque nunca.E a
princesa pareciacombinar muitobem com o príncipe Tortuoso, pois
eratão feiaquanto ele.Na verdade, emborafossea maisamável
dascriaturas do mundo,nãohavia comoesconder o fatodequeera
medonha e tãocoxa quesempre andava com uma muleta, demodo
queaspessoaslhechamavamdeprincesa alode
T Couve.
O reipedira e recebera um quadro da princesa e o colocara no
saguãode entrada, debaixode um dossel. Em seguida,mandou
buscar o príncipe Tortuoso, a quem informou sero retra tode sua
futura esposa, na esperança de que o príncipe a achasse
encantadora.
O príncipe, depoisde uma espiada, virouos olhos com um ar
desdenhoso;oqueofendeuenormementeseupai.
— Devo entender que não estás satisfeito? – perguntou
bruscamente.
— N ão, meu senhor – respon deuo príncipe.– Como poderia estar
contenteporcasarcomumaprincesafeiaecoxa?
—Porcerto,TU nãodeverias objetar – disseo reiRanzinza–, visto
queésfeioobastanteparaamedrontarqualquerum.
— Eis exatam ente o motivo – respondeu o príncipe –, desejo-me
casar com alg uém que nãoseja feio,poisestou cansad o devera
minhafeiura.
— Digo-te que devescasarcom ela– gritou o reiRanzinza,
irritado.
E o príncipe, ao verque de nadaadiantaria protestar, fez uma
mesuraeretirou-se.
Como o reiRanzinzanãotinha o costume desercontrariado em
nada,ficoumuito incomodad o com o filho e ordenou quedeveria ser
presona torre, mantida com o propósito de guardar príncipes
rebeldes, mas que nãoerautilizada há duzentos anos, poisnão
havia quem se rebelasse. O príncipe achouque todos os cômodos
pareciam estranhamente forade moda, com mobília antiga, mas
como haviauma boabiblioteca, ficousatisfeito,visto que gostava
muito deler . Logo, obteve permissão paraler tantos livros quantos
desejasse, mas aofolheá-los , descobriu queforamescritos em uma
língua esquecida e nãopodia entender uma palavra sequer , embora
sedivertisseao. tentar
O reiRanzinzaestava conve ncido dequeo príncipe Tortu osologo
ficariaentediado deficar naprisão e consentiriaem casa r-secom a
princesa Talo deCouve, demodoque enviou embaixadores ao pai
da moça parapropor que eladevesse viajar e casar-se com seu
filho,oqualafariaperfeitamentefeliz.
O reificoumuito alegreem receber tão excelente ofert
a paraa
desditosa filha,embora,paradizera verdade, achasse impossível
admirar o retrato do príncipe que lheforaenviado. No entanto,
pendurou-sob o a luzmaisfavorável possível e mandouchamara
princesa. No momento em que ela bateu
osolhos noquadro, virou o
rostoe começou a chorar . O rei,queficoumuito aborrecido aovero
tantoque eladesgostara, pegouum espelho e segurand o-o diante
daprincesainfeliz,disse:
— Vejo quenão achaso prín cipebelo,mas olha parati mesma e
vejassetensdireitoareclamaratalrespeito.
— Senhor– elarespondeu –, nãodesejo reclamar, somente
imploro quenãome façascasar . Preferiria
sera infelizprincesa Talo
deCouveportodaavidaainfligiravisãodeminhafeiuraaalgué
O rei, contudo, nãoa ouviu e mandouque partisse com os
embaixadores.
Nesseínterim, o príncipeeramantido trancado natorre, demodo
quefica ssebastante entediado. O reiordenou queninguémfalasse
com ele,e que nãodeveriam dar-lhe quasenadadecomer . Todos
os guardasdo príncipe,to davia,gostavam tanto deleque se
atreviam a fazertudo,apesar do rei,paratornar a passagemdo
tempoomaisagradávelpossívelparaele.
Um dia,quando o príncipe
andava deuma ponta a outra nagaleria
principal,refletindocomo erahorrível sertão feioso e serforçado a
casar com uma princesa igualmente tãomalfeita,olhou para cima, e
de súbito, notou que os vitrais eramespecialmente brilhantes e
belos.Para fazer algoque pudessemudarseus pensamentos
tristes,
começoua analisá-los com atenção. Descobriu que ascenas
pareciam retra
tar a vidadeum homem que aparecia em todas as
vidraças, e o príncipe,ao crerque viaalgumasemelhança desse
homem cons igo mesmo, começou a ficar profundamente
interessado. Na primeira janela,viaretratado o homem em um dos
torreões,mas adiante elebuscava uma fendanaparede. Na pintura
seguinte, o homem abria um armário antigo com uma chavedeouro
e assimprosseguia porin úmerascenas. Dentroem pouco, o
príncipe notou uma outra personagem a ocupar a posição mais
importante em cadacenae, dessa vez, eraum homem alto e bem-
apessoado. O pobre príncipeTortuoso achouprazer em olharfigura
tão distintaetãoforte. Nessaaltura, a noite caírae o príncipe teve
devoltar aoseu aposento e, para sedivertir, pegouum livro antigoe
pitoresco e começou a ver as gravuras.Para sua surpresa,
entretanto, foi formidável descobrir que o livro representava as
mesmascenas dosvitraisdagaleria e que, ademais,pare ciamestar
vivas.A o olharasgravuras dosmúsicos,viuasmãossemovereme
ouviudocessons.Haviaa gravura deum baile e o príncipepodia
veraspessoas, miudinhas,a dançar deum lado para o outro.Virou
a página e sentiu um cheiro estonteante deum jantar apetitoso,e
umadasfigurasqueestavanobanqueteolhouparaeleedisse:
— Bebemosà vossasaúde,Tortuoso. Devolvei-nos nossarainha
e, se o fizerdes, sereisrecompensados; casonãoo façais, o pior
vosacontecerá.
Diantedessaspalavras, o príncipe, que ficara cadavez mais
atônito,estava bastanteapavorado e, deixando cairo livro num
estrondo, desf
aleceu sem sentidos. O barulho fez com que os
guardas viessem lheajudar e, logoquevoltou a si, perguntaram-lhe
qualerao problema. Respondeu que estava tão fracoe tonto de
fome que imaginara tervisto e ouvidotodasorte de coisas
estranhas. Em seguida,apesar dasordens do rei,os guardas lhe
trouxeram um jantar magnífico, e após comer , abriu novamente o
livro,
m asnãopôde vernenh uma dasgravuras maravilhosas, o que
oconvenceudequeantesdeviaestarsonhando.
Entretanto, ao passear nagaleria nodiaseguinte e olharparaos
vitrais
denovo,descobriu que as figuras se moviam, iam e vinham
como se estivessem vivas.Depoisdeobservar aquele que parecia
consigo encon trara chaveem uma rachadura daparede datorre e
abriro velho armário,decidiu saire procurarelemesmo, tentando
solucionar o que seria aquelemistério. Assim, subiuà torre e
começoua buscar , batendo nasparedes. De repente, chegoua um
localque parecia oco. Com um martelo, quebrou um pedaçoda
pedra e, pordetrás, viuuma chavezinha dourada.A próximacoisa a
fazereraencontrar o armário e logoo príncipeo achou,escondido
em um canto escuro,emborafosse,defato,tão antigo e caquético
quenuncateria reparado. No início,
nãoencontrou nenhumburaco
de fechadura,mas após uma busca meticulosa, encontrou-o
escondido na talha e a chavezinha coubeperfeitamente. Assim, o
príncipeagiroucomforçaeasportasseabriram.
Porfora,oarmáriopareciavelhoefeio,masnadapoderiasermais
luxuoso e belodo que viramos olhos estarrecidos do príncipe.
Todasas gavetas eramfeita s de cristal,
de âmbarou de alguma
pedra preciosa e estavam repletasdealgumaespécie detesouro. O
príncipe Tortuoso estava encantado. Abriuas gavetas, uma apósa
outra,atéque, porfim, encontrou uma gavetinha minúscula que
tinhaapenasuma chavedeesmeralda. “Creio queesta deveabrir a
portinha dourada do meio”, disseo príncipe a si mesmo.
Experimentou a chavezinha e a girou.A portinholaabriu-se e uma
luz avermelhada e suavebrilhou portodo o cômodo. O príncipe
descobriu que vinhade uma imensagema de granada brilhante
transformada em caixaque estava diantedele.Não perdeu tempo
em abr i-la,mas qualnãofoi seuhorror ao verque continha uma
mão humanasegurando um retrato!Sua primeira ideiafoicolocar a
caixaterrível devolta nolocal e sairrapidamente dotorreão, mas
umavozemseuouvidodisse:
— Estamão pertenceu àquelea quem tuajudarás e restaurarás.
Olhaparao belo retratocujo original
foia causadetodo s osmeus
infortúniose, se desejas ajudar-me,vaisem hesitar um momento
sequer à grande galeria,repara ondeos raios incidem de modo
maisbrilhantee,sebuscares,encontrarásmeutesouro.
A voz cessoue emborao príncipe, aturdido,perguntas se várias
coisas,nãoobteve resposta. Assim, o príncipe
pôs devolta a caixa
e trancouo armáriodenovo,recolocou a chavenafendadaparede
eapressou-separachegaràgaleria.
Ao entrar
, todas as janelas sacudiram e bateram deuma maneira
estranha, mas o príncipe nãoas escutou. Buscava,com cuidado,
pelo localondeo sol brilhava maisintensamente e pareceu-lhe ser
emcimadoretratodeumjovemesplendidamentebelo.
Seguiuadiante e analisou o retrato.Descobriuque repousava
sobre um painel deébanoe ouro,como qualquer outra pinturada
galeria.Ficou perplexo, sem saber o que fazera seguir , atéque
ocorreu-lhe verseasjanelas poderiam lhe ajudare, aoolhar parao
vitralmaispróximo,viua imagem dele mesmo retirando o quadro da
parede.
O príncipe seguiuessapista e, aoretirar
o quadro sem di ficuldade,
descobriu um saguãode mármore adornado de estátuas. Desse
saguão,passouporinúmeros cômodos esplêndidos atéque, por
fim, chegou a um quarto todo adornado degaze azul. As paredes
eramde turquesas e, em um sofá baixorepousava uma donzela
adorável, que parecia adormecida. Seu cabelo,negrocomo o
ébano, estava espalhado pelaalmofada,o que fazia seu rosto
parecer de um marfimbem alvo.O príncipe notou que elaestava
inquieta.Ao aproximar-se demaneira suave,poistemia acordá-la,
pôdeouvi-la suspirare dizer a simesma: “Ah! Como ousa ste pensar
em ganhar o meu amorporapartar-do me meu amadoFlorismundo
e, diante de mim, cortar suamão querida que atétudeverias ter
temido e honrado”. Então,as lágrimas rolaramsuavemente pela
facedadonze lae o príncipe Tortuoso começoua entender queela
estava enfeitiçada e que foraa mão de seu amado que ele
encontrara.
Nesse momento,uma águia enormeentrou voando no quarto,
trazendo nas garras um ra mo de ourono qualcrescia o que
aparentavaserum cachode cerejas, só que as cerejaseramum
únicorubibrilhante.
O ramofoipresenteado ao príncipe,
que deduziu,nessa altura,
que iria
, de algumamaneira,quebrar o feitiço
que envolvia a
donzela adormecida.Ao tomaro galho,tocou-acom ele,deleve,e
disse:
— Bela donzela,
nãoseiporqual encantamento estásatada, mas
em nome de teu amadoFlorismundo, conjuro-voltar
te à vidaque
perdeste,masnãoesqueceste.
Imediatamente,a donzela abriu
os olhos reluzentes
e viua águia
pairandoporperto.
— Ah! Fica, amor, fica– elagritou,
mas a águia, soltando um
guincho doloroso,
balançou as asasenormes e desapareceu. Em
seguida,adonzelavoltou-separaopríncipe ortuosoT edisse:
— Seique é a ti que devominhalibertaçãodeum feitiço que me
aprisionou porduzentos anos. Se há algoque possafazerpara
retribuir
, só tens de me dizer, e todoo podermágico que possuo
seráusadoparafazer-tefeliz.
— Senhora – respondeu o príncipeTortuoso
–, desejo que me
permitastrazerdevolta o teuamadoFlorismundo à formanatural,já
quenãoconsigoesqueceraslágrimasquederramasteporele.
— Issoé muito gentil
detua parte,
queridopríncipe– dissea fada
donzela –, mas issoestáreservado a outro
alguém.Não possodar
maisexplicações nomomento,mas nãohá nadaque desejes para
ti?
— Senhora– exclamou o príncipe,
lançando-aos
se pés dela –, dá
uma olhada naminhafeiura.Sou chamadodeTortuoso e souobjeto
deescárnio.Imploro-tequemetornesmenosridículo.
— Levanta-te, príncipe – disse a fadadonzela, tocando-com o o
ramodeouro.– Sê tão perfe
ito quanto és belo dealmae tomapor
nome “Príncipe Inigualável”,
já que será a únicaalcunha que te
caberáagora.
Mudo dealegria, o príncipe beijou a mão dafadaparaexpressar
sua gratidão e quandose ergueue viuseu novoreflexonos
espelhos que o rodeavam,compreendeu que Tortuoso tinha,de
fato,desaparecidoparasempre.
— Como gostaria – dissea fadadonzela – deousar dizero que
estáreservado para tie advertir- das
tearmadilhas queestão em teu
caminho,mas nãodevo.Foge datorre, príncipe, e lembra-tequea
fadaDulcinaserásempretuaamiga.
Quandoela terminou defalar
, o príncipe, paraseugrande espanto,
viu-senãomaisnatorre, mas colocado em uma densa floresta,
a
centenas deléguas dali.
E aí devemosdeixá-loneste momento,e
veroqueestavaacontecendonoutro . lugar
Quandoosguardas descobriramqueo príncipe nãopedi u o jantar
como decostume, foramao seuaposento. Não o encon trando por
lá, ficarammuito alarmados e fizeramuma buscana torre, do
torreão à masmorra,mas sem sucesso.Por saberemque o rei
certamente cortaria as suas cabeçaspor permitir ao príncipe
escapar , concordaram em dizerqueele estava doente,e, depois de
fazero menordentre elesparecer-se o maispossível com o príncipe
Tortuoso,puseram-nonacamaesaíramparainformarorei.
O reiRanzinzaficoubem satisfeito ao ouvir que o filho estava
doente, poispensava quemuito em breve ele
serialevado a cumprir
seu desejo e se casaria com a princesa. Assim, ordenou aos
guardas que o príncipefossetratado de modo tão severo quanto
antes, o que os guardas esperavam que ele dissesse.Nessemeio
tempo,a princesa TalodeCouvechegara ao palácio,viajandoem
umaliteira.
O rei Ranzinzafoiaoencontro daprincesa, mas quando elea viu,
com a pele como a de uma tartaruga, com sobrancelhas grossas
quesejuntavam acimadoenorme nariz e com uma bocaqueiade
orelhaaorelha,nãopôdedeixardeexclamar:
— D evodizer queTortuoso é bastante feio,mas nãocreio queTU
devaspensarduasvezesantesdeconsentircasar-tecomele.
— Senhor– elarespondeu –, seimuito bem como aparento ser
para ficarmagoadacom o que dizeis,mas asseguro-vos dequenão
desejo desposar vossofilho e prefiro serchamadadeprincesa Talo
deCouveaserarainha ortuosa.
T
IssodeixouoreiRanzinzafurioso.
—T eupaimandou-teaquiparacasarcomomeufilho–respondeu
–,eestejascertadequenãooofenderei,alterandonossosarr
Assim, a pobre princesa foimandada paraos próprios aposentos
em des graça,e as damasque a serviam foramencarregadas de
fazê-lapensarmelhor .
Nessaconjuntura, os guardas,que temiam muitíssimoo príncipe
nãoserencontrado, foramdizer aoreiqueseufilho estavamorto,o
que o aborreceu bastante. De imediato, convenceu-se deque tudo
eraculp a daprincesa e ordenou queela fosseaprisionada natorre,
no lugar do príncipe Tortuoso. A princesa Talode Couve ficou
demasiado perplexa com esseproceder tãoinjusto e mandou
mensagens de protesto ao reiRanzinza, mas eleestava em um
humortão ruimqueninguémousouentregá-las ou enviarascartas
que a princesa escreveu ao pai. Ela, contudo, nãosabiadisso,e
vivia naesperança devoltar logoa seupaís, tentando entreter- o se
tanto quanto podiaaté quechegasse o momento.Todososdias ela
andava, paracimae para baixo,aolongo dagrande galeria,
atéque
foiatra ída e ficoufascinada pelas cenasnosvitrais que sempre
mudavam. Reconheceu-seem uma das figuras.“Pareceque
tiveram grande prazerem retratar-desde me que chegueia este
país”, dissea simesma. “Alguémpoderia pensar que eu e minha
muleta fomos colocados nacenadepropósito paraque a jovem e
esbelta pastora fascinanteficasse maisbonita em comparação. Ah!
Como seria bom sertão bonita como ela”.Olhou-se, então, no
espelho, e virou o rosto, rapidamente, com lágrimasnos olhos
diante da tristevisão.De rep ente tomou ciênciadequenãoestava
só, poisatrás dela,de pé, encontrava-uma se velhinha esmirrada
comumcapuz,queeratãohorrendaquantoelaeracoxa.
— Princesa – disse a velha –, tuas dores sãotão lamentáveis que
venhooferecer-te uma escolha entrebondade ou beleza.Caso
desejes serbela,assim serás, mas também tetornarás fútil,
inconstante e frívola.
Casodesejares permanecer como és agora,
serássábia,amávelemodesta.
— Pobr e demim, senhora! – exclamou a princesa.– É impossível
ser ,aomesmotempo,sábiaebela?
— N ão, minhafilha – respondeu a velha –, somente a tiestá
decretado quedeves escolher entre asduas.Vê, trouxe comigoum
regalobrancoeamarelo.Sopradoladoamareloetornar-te-ásco
a belapastora que tanto admiras,ganharáso amordo garboso
pastor cujapintura já viestudares com interesse. Soprado lado
branco e tua aparência nãomudará, mas ficarás melhor e maisfeliz
acadadia.Agoradevesescolher .
— Bem – disse a princesa –, suponho quenãosepodeter tudo e,
porcerto,émelhorserboaaserbela.
Ditoisso,soprou do lado brancodo regalo e agradeceu à velha
fada,que imed iatamente desapareceu. A princesaTalo deCouvese
sentiu muito desamparada quandoa mulher se foie começoua
pensar quejáeratempo deseupaienviar um exércitopararesgatá-
la.“Se eu pudessechegarno torreão”, pensou,“para verse está
vindo”.No entanto, subir parecia impossível. Não obstante, ela
imediatamente concebeu um plano.O granderelógio ficavano
torreão, embor a, comoela sabia,ospesospendessem até a galeria.
Depois de tirar um dospesos da corda,amarrou-se no lugar e,
quando deramcorda norelógio, elafoilevada paracima, demodo
triunfante, atéo torreão. A primeira coisa que fez foiolhar parao
horizonte, mas, nãovendonada, sentou-se paradescansar um
pouco. Acidentalmente encostou-se na parede que Tortuoso, ou
melhor, príncipe Inigualável,tão rapidamente remendara. De lá caiu
uma pedrarachada e, com isso, surgiu uma chavezinha dourada. O
barulho quea chavefez aocair chamoua atenção daprincesa Talo
deCouve.
Elaa pegoue, depois deponderar porum momento,decidiu que
deveria perten cerao curioso armáriono canto que nãotinha
nenhumburaco defechadura visível.
E nãodemorou muito paraque
o abrisse e ficasseadmirando os tesouros que contin ha, assim
como o príncipe Inigualável o fizeraantes. Finalmente, chegouà
caixafeita deuma gema degranada. Mala abriu,teve um arrepio
de horr or, e tentou lançá-lafora, mas notou que algumaforça
misteriosa a compelia a segurá-lacontra a vontade. Nessemesmo
momento,umavozaoseuouvidofaloucomcandura:
— Tem coragem,princesa! Tua felicidade futura depende desta
aventura.
—Oquedevofazer?–perguntouaprincesa,estremecendo.
— Pega a caixa– respondeu a voz – e a esconde sob o teu
travesseiro e, quando viresuma águia, dá-lhea caixa, sem perder
umsósegundo.
Aterrorizada como estava, a princesa nãohesitou em obedecer e
apressou-se paracolocar de volta todas as coisaspreciosas
exatamente ondeasencontrara. Nessaaltura, osguardas estavam
buscando porela em todos os lugares e ficaram espantados devê-
lalá em cima, notorreão, crendo que só podia ter chegadolá por
mágica. Durantetrês dias nadaaconteceu, mas, naterceira noite
a
princesa ouviualgose agitando contra a vidraça e, ao abriras
cortinas,viu,àluzdoluar ,tratar-sedeumaáguia.
Claudicando a toda velocidade, escancarou a janela e a grande
águia entrou voando peloquarto, batendo as asasde alegria. A
princesa nãoperdeu tempo e ofereceu-lhe a caixadegranada, que
a águia agarrou e, imediatamente, desapareceu, surgindo em seu
lugar o príncip
e maisbelo que elajá vira,em trajes esplêndidos e
comumacoroadediamante.
— Princesa– disse ele–, porduzentos anosum feiticeiro malvado
manteve-me naformadeáguia. Ambos amávamos a mesma fada,
maselapreferiaamim.Entretanto,eleeramaispoderosodoque
e, no moment o em que baixeia guarda,transformou-em me uma
águia, enquanto minharainh a eramantida em um feitiço do sono.
Sabiaque depoisdeduzentos anosum príncipe a traria devolta à
luzdodiae queuma princesa, aorestaurar- ame
mãoque o inimigo
cortara,me trarianovamente à formanatural. A fadaquetoma conta
do teudestino disse-meiss o e foi elaquem teguiouatéesse
armáriono torreão, ondepuseraa minhamão. Foi elaquem
permitiu tambémquedemonstrasse minhagratidão paracontigo ao
conceder-te o que quiseres pedirde mim. Diz, princesa, o que
queres maisdoquetudo? Possotornar-tão tebela quanto mereces
ser?
— Ah! Se tupudesses! – clamou a princesa,e nomesmo instante
ouviu o craque-craquedetod ososseusossos.Ficoualta , magrae
bonita, com olhos brilhantes como as estrelas e a peletão alva
quantooleite.
— Oh, que m aravilha! Será que essarealmente sou eu? –
exclamou a princesa,
olhando atônita
para a muleta desga stada que
jaziaaochão.
— Certamente,princesa – respondeu Florismundo –, és tumesma,
mas devester um novonome, já que o antigo nãomaisteserve.
Serás chamadade Princes a Raio de Sol, poisés brilhante e
encantadoraobastanteparamerecertalnome.
E, ao dizerisso, desapareceu. A princesa, sem saber como
chegouali,encontrou- ase
caminhar sobárvores frondosa s aolongo
deum rio límpido.
É claroquea primeira coisaqueela fez foiolharo
próprio reflexo
naágua e ficouextremamente surpresa aodescobrir
que eraexatamente como a pastora que tanto admirara, com o
mesmo vestido brancoe a mesma guirlanda deflores que vira nos
vitrais.
Paracompletar a semelhança, surgiu o rebanho deovelhas,
pastando ao redor , e encontrou um cajado vistosoadornado de
flores perto da margem do rio.Cansadade tantas experiências
novase espetaculares, a princesa sentou paradescansar aospés
deuma árvore e, aí, caiunosonorapidamente. Ora, aconteceu de
elaest arnasmesmas terras paraondeforaenviado o príncipe
Inigualável e, enquanto a princesa Raiode Solainda dormia em
paz, o príncipe caminhava em buscadeum pasto sombreado para
suasovelhas.
No m omento em quebateu os olhos naprincesa, ele a reconheceu
como a belíssima pastora cujagravura vira tantasvezesnatorre e,
como eramaisbela do que se recordava, ficouencantado que o
acasootivesseconduzidoparaaquele . lugar
Aindaa estava admirando quando a princesa abriuosolhos e, ao
reconhecê-lo, logose tornaram grandes amigos. A princesa pediu
aopríncipe Inigualável, visto queele conhecia aquelasterrasmelhor
doqueela,parainformar-lhe dealgumcamponêsquepudesse dar-
lheabrigo.Ele disse que conhecia uma anciã cujo chaléseria o
lugar perfeito paraela,poiseramuito agradável e bonito.Assim,
foramjuntos atélá e a princesa ficouencantada com a senhora e
com tudo o que ela tinha.Lo go, o jantar lhefoiservido embaixode
uma árvore umbrosa e ela convidou o príncipe paracompartilhar do
cremedeleiteedopãoqueasenhoraprovidenciara.Eleficoumu
satisfeitocom o convite e, já que haviacolhido do própriojardim
todos os morangos,cerejas, nozes e flores que encontrara,
sentaram-se juntos e ficarammuitofelizes. Depois disso,
encontraram- todos
se os diasenquanto tomavamconta de seus
rebanhos e estavam tão contentes queo Príncipe Inigualávelpediu
a princesa em casamento, paraque nuncamaistivess em de se
separar. Ora, emboraa princ esaRaiodeSolparecesse serapenas
uma pobrepastora, nuncaesqueceuque erauma princesa de
verdade e nãoestava certa dequerer casar com um pastor humilde,
emborasoubessequegostariamuitodefazê-lo.
Assim, decidiu consultar um feiticeiro de quem ouvira falar
bastante desdeque se tornara pastora e, sem dizeruma palavra
paraquem querque fosse,partiu paraencontrar o castelo em que
vivia com a irmã,a qualerauma maga poderosa. O caminhoera
longo e passava porum bosquefechado,ondea princesa ouviu
vozes estranhas que a chamavam de todos os lados.Ela, no
entanto, estava com tamanha pressa quenãoparava pornada.Por
fim,chegouaopátiodocastelodofeiticeiro.
A grama e a roseira-brava estavam tão altas que parecia ter
passado unscem anosdes de que alguémcolocara seuspés lá,
mas a princesa acaboucons eguindo atravessar
, o que lherendeu
unsbons arranhões. Chegou, então, a um saguãoescuro,sombrio
que tinha na parede apena s um buraquinho minúsculo poronde
entrava a luzdo dia.Os repo steiros
eramtodos deasasde morcego
e do teto pendiam doze gatos que enchiamo saguãocom seus
miados de furaros ouvidos.Em uma mesa longa, doze
camundongos estavam amarrados pelas caudas e, exatamente em
frente do narizde cadaum, mas além do alcance, estava um
tentador pedaço detoucinho gordo.Desse modo, os gatos sempre
podiamveros camundong os, mas nãopodiamtocá-los,e os
ratinhos famintos eram atormentados pelavisão e perfumedos
pedaçosdeliciososdetoucinhoquenuncapoderiam . alcançar
A princesa olhava consternadaparaaspobres criaturas quando o
feiticeiro,
derepente, entrou
, com um traje negro,compr idoe com
um cro codilo na cabeça.Na mão, trazia um chicote feito de vinte
cobras compridas, todas vivas e se contorcendo. A princesa ficou
tão amedrontada aoverissoquedesejou detodo o coração nunca
ter idoali.Sem dizeruma palavra, correu paraa porta, mas esta
estava coberta de uma teia de aranha espessa.Quandoelaa
rasgou,encontrou maisuma teia, e outra,e outra.Na verdade, elas
nãotinham fim. Os braçosdaprincesa doíamaorasgá-la s e, ainda
assim, elanãoparecia estar perto de conseguir sair. O feiticeiro
malvado,atrásdela,gargalhavamaliciosamente.Porfim,disse:
— Deves pass aro resto datua vida a fazerisso e nãoconseguirás
sair
, mas como és joveme, certamente, a criaturamaisbela que
vejo desde muito tempo,casarei contigo se quiseres e dar-te-eios
gatos e ratos que viste. São príncipes e princesas que ousaram
ofender-me.Amavam-se tanto quanto seodeiam agora.Ah! É uma
belavingançamantê-losassim!
— Oh! Se acasopudesses transformar-em me um camundongo
também!–rogouaprincesa.
— Ah! Entãonãocasaráscomigo? – eleperguntou. – Tolinha,
podestertudooqueteucoração . desejar
— Na verdade, não. Nada poderáfazer-me casar contigo; creio
quejamaisamareialguém–lamentouaprincesa.
— Nessecaso– disse o feiticeiro,tocando- –,amelhor seriaquetu
tetransformasses em um tipo especial de criatura que nãoseja
peixeou ave. Deves serleve e aérea,tão verde como a gramaem
quevives.Vai-tedaqui,senhoragafanhoto!
E a princesa, alegre porse vernovamente livre,
pulou parao
jardim,o gafanhotinho verde maisbelo domundo. Entretanto, logo
queseviusegura dolado defora,começoua ficar com penadesi
mesma.
— Ah, Florism undo– suspirou –, é esseo fim do teu dom? Por
certo a belezaé breve e essacarinha engraçada e o vestidinho
verde crespo é um final côm ico. Teria sidomelhor casar-mecom
meu amigopastor . Deve serpelo meu orgulho queestou condenada
a serum gafanhoto, e cantar diae noite nogramado pertodoriacho
quandoestoumuitomaisdisposta . achorar
Nesse ínterim, o príncipe Inigualável descobrira a ausênciada
princesa e a lamentava na beirado rioquando, de repente,
percebeu a presença de uma velha senhora. Estavavestida de
maneira curiosa,o vestido trazia um colarinho bufante, tinhaa saia
armada com saiote sobreposto e uma capadeveludo que cobria o
cabelobrancocomoaneve.
—Parecespesaroso,meufilho–afirmou.–Qualéoproblema?
— Ai de mim, mãezinha– respondeu o príncipe–, perdi minha
docepastora, mas estoudecidido a encontrá-novamente,
la embora
devaterdeatravessaromundotodoparabuscá-la.
— Vaiporaquele caminho,meu filho – dissea velha,apontando
parao caminh o que levavaao castelo.– Creio que em breve tua
acharás.
O príncipe agradeceu-lhe de todo o coração e partiu.Como não
encontrou obstáculo,logochegouà floresta encantada querodeava
o casteloe aí pensou tervistoa princesaRaiodeSolpla nando por
entreas árvores.O príncipe Inigualávelcorreu atrás dela,o mais
velozquepôde,masnemchegouperto;então,eleachamou:
—MinhaqueridaRaiodeSol,esperapormimsóuminstante!
No entanto,a aparição vooumaisrápido,e o príncipe passou o dia
todonessabuscavã. Ao cair danoite,viudiantedesio castelo todo
iluminado e pensouque a princesa deveriaestar lá dentro, e
apressou-se paralá chegartambém. Entrou sem dificuldade e, no
saguão, a terrível maga anciãencontrou-com se ele . Era tão
rarefeita
que a luz passava através dela e seusolhos brilhavam
como lanternas; a peleeraásperacomo uma lixa. Os braços
magroscomo gravetos e os dedos pareciamfusos. Mesmo assim,
elausavarouge e pó facial, um manto brocado de prata e uma
coroade diamantes. O vestido erarecobertode joias, com fitas
verdesecor-de-rosa.
— Finalmente viestevisitar-me,príncipe
– disse ela.– Não perca
tempopensando na pastorinha, indigna de tuaatenção. Sou a
RainhadosCometas,e possobrindar-com te grandes honrarias se
casarescomigo.
— Casar-me convosco,senhora!– exclamou o príncipe,
horrorizado.–Nuncaconsentireicomisso.
Nesse momento,a maga, cheiade ira,sacudiu duasvezes a
varinhae encheu a galeriadeduendes horrendos, com os quaiso
príncipe
teve delutar pela vid
a. Emborativesse apenas uma adaga,
defendeu-se tãobem que escapousem nenhum arranhão e,
imediatamente, a velha maga fez parar o combate e perguntou ao
príncipe seinsistiaem manter a mesma opinião. Ao responder com
firmezaque ainda a mantinha,elainvocou a aparição daprincesa
RaiodeSolnaoutrapontadagaleriaedisse:
— Vês lá tua amada? Cuidado com o que estásprestes a fazer,
poissemaisuma vez te recusaresa casar comigo,elaseráfeita em
picadinhopordoistigres.
O prínc ipeestava distraído,
poispensouter ouvidosua querida
pastorachorareimplorarqueasalvasse.Desesperado,exclamo
— Oh, fadaDulcina,abandonaste-depois me detantas promessas
deamizade?Ajuda,ajuda-nosagora!
Nestemesmoinstante,umavozdocesoounoouvidodopríncipe:
—Ficafirme,aconteçaoqueacontecer ,eprocuraoramodeouro.
Assimencorajado, o príncipeperseverou narecusa e, ao final,a
velhamaga,emfúria,bradou:
— S aidaminhafrente, prín
cipeobstinado. Transforma-te em um
grilo!
E, imed iatamente, o garboso príncipe Inigualáveltornou-se um
pobregrilinho negro,cujo únicopensamento seria encontrar uma
fendaaconchegante atrásdeuma lareira ardente, casonãotivesse,
porsorte, sidolembrado pel
a ordemda fadaDulcina a procurar o
ramodeouro.
Assim, apressou-se em deixaro castelo fatale procurou abrigo em
uma árvoreoca, ondeencontrou um gafanhotinho de aparência
desolada,agachadoemumcanto,demasiadoinfelizpara . cantar
Semesperarreceberrespostaalguma,opríncipeperguntou-lh
—Eparaondeestásindo,velhasenhoragafanhoto?
— E paraonde tuvais, grilo velho?– respondeu a senhora
gafanhoto.
—Oquê?!Podesfalar?!–exclamou.
— Porqueeu nãofalaria tãobem quanto tu?Um gafanhoto nãoé
tãobomquantoumgrilo?–disse-lheela.
—Possofalarporqueeraumpríncipe–respondeuogrilo.
— E eupelo m esmomotivo devosercapazdefalar maisdoquetu
falas,poiseraumaprincesa–replicouasenhoragafanhoto.
— Então tives tea mesma sina – disseele.– Mas paraondevais
agora?Nãopodemosviajarjuntos?
— Pareci ouviruma voz noar, a dizer:“Ficafirme,aconte ça o que
acontecer, e procura o ramo de ouro”– respondeu a senhora
gafanhoto –, e pensei quea ordemdevia serparamim, então parti
imediatamente,emboranãosaibaocaminho!
Nesse pontoda conversaforam interrompidos por dois
camundongos,que, sem fôlegoportanto correr, atiraram-de se
cabeçapelo buraco daárvore,quaseesmagando o gafanhoto eo
grilo,
embora tivessem saídodafrente o maisrápido quepuderam e
ficassememumcantoescuro.
— Ah, senhora! – disseo m aisgordo dosdois – estou com tanta
dornosflancosdecorrertãorápido.Como ossaestá
Alteza?
V
— Arranquei minhacauda– replicou o camundongo maisnovo–,
mas, como ain daestaria nam esadofeiticeiro senãoo fizesse,não
me arrependo. Pensaique somos perseguidos, nãoé? Como
tivemossortedeescapar!
— Esperoque possamos escapar dosgatos e dasarmadilhas e
logoalcançaroramodeouro–disseocamundongogordo.
—Então,sabesocaminho?–perguntouasenhoragafanhoto.
— Oh, querida! Claroquesei!Tãobem quanto o caminho decasa,
senhora. Esse ramodeouroé, defato,uma maravilha, uma única
folhatorna qualquer um rico parasempre.Quebraencan tos e torna
todos os que delese apro ximam em pessoasjovens e belas.
Devemospartirnoraiardodia.
— Podemoster a honradeviajar convosco,este respeitávelgriloe
eu? – dissea senhora gafanhoto, dandoum passoà frente. –
Tambémperegrinamosembuscadoramodeouro.
O rato assentiu com cortes iae, após muitos discursos polidos,
todos os participantes caíramno sono.Na alvorada, já estavam a
caminho e, emboraosratos estivessem constantemente com medo
de seremapanhados ou caíremem armadilhas, chegaramem
segurança ao ramode ouro.Ele crescia em meio a um jardim
maravilhoso, cujastrilhas todas eram salpicadas de pérolas,
grandescomoervilhas.As rosas eramdiamantes rubros,com folhas
de esmeraldas. As romãseram granadas, as margaridas eram
topázios,os narcisos eram diamantes fulvos,as violetas eram
safiras,
as centáureaseramturquesas, as tulipas eramametistas,
opalase diamantes, de modo que as bordas do jardim brilhavam
como o sol.O ramodeourotornara-tão sealto quanto uma árvore
daflorestae cintilava
com cerejas derubi atéo galhinho maisalto.
Tão logoo gafanhoto e o grilo tocaram-no, recuperaram a forma
naturale a surpresa e alegria foram grandesquandose
reconheceram. Nesse momento,Florismundo e a fada Dulcina
apareceram em grandeesplendor , e a fada, ao descerda
carruagem,dissecomumsorriso:
— E ntão,vejo que vós vosencontrastes novamente, m as ainda
vos guardei uma surpresa. Não hesita, princesa, dizerao teu
devotado pastorcomo lheamas ternamente, poiseleé o mesmo
príncipe
que teu paiordenou-te casar. Vinde,os dois,e deixai-me
coroar-voseimediatamentefaçamosocasamento.
O príncipee a princesaagradeceram à fadadetodo o coração e
declararam que lhedeviamtodaa felicidade. Então , os dois
príncipes,
quehá poucoeramcamundongos, imploraram à fadaque
usasseseu poderparalibertar os amigos infelizes que ainda
estavamsoboencantodofeiticeiro.
— R ealmente – disse a fada Dulcina –, nesta ocasião feliznão
encontromotivosemmeucoraçãoparanegar-voscoisaalguma.
E deu trêsgolpes com a varinha em cima do ramode ouro.
Imediatamente, todosos prisioneiros do castelo encantado
encontraram- livres
se e vieram, pressurosos, aojardim maravilhoso,
ondeum toque noramodeourorestaurou cadaum dele s à forma
natural,
e cumprimentaram-com se muito júbilo.
Paracompletar a
obragenerosa, a fadapresenteou-lhes com o esplêndido armárioe
todos ostesouros quecontin
ha, osquaisvaliam,
aomenos, unsdez
reinos.No entanto,parao príncipe
Inigualável
e a prince
saRaiode
Sol, eladeuo palácio eoj ardim do ramode ouroondeviveram,
imensamente ricos
e muito amadosportodos os súditos,
felizes
parasempre.[29]

[29] Le Rameau d’Or,deMadamed’Aulnoy


.
OsT rêsAnões

AVIA, UMA VEZ,um homem que perdera a esposa e uma


mulher queperdera o marido. O homem tinha uma filha,
e a mulhertambém. As duasmeninastornaram-se
grandes amigas e costumavam brincarjuntas quase
sempre.Um dia,a mulher virou-se paraa filha dohomem e disse-
lhe:“Vaie diz a teu paique querocasar-mecom ele,e terás leite
para banhar-te e vinhopara beber , mas minhafilha teráá gua parao
banhoetambémparabeber .”
A meninafoiimediatamente paracasae contou ao paio que a
mulherdissera.
— Que devofazer? – respondeu o homem. – Ou o casamento é
umafelicidadeouumtormento.
Finalmente, porserindeciso e incapazdeformar o próprio juízo,
pegouumadesuasbotase,estendendo-aàfilha,disse:
— Toma esta bota com um furona sola,pendura-no a pregodo
palheiroe derrama água den trodela. Se a água ficardentro dabota,
casar-me-ei;senão,não.
A m enina fez o quelheforaordenado, e a água fez queo buraco
secontraísse e a bota enche u-se até a boca. Então ela foie contou
ao paio resultado. Estese levantou e quisconferir pessoalmente.
Quandoviuqueeraverdade e nãoum equívoco,aceitou o destino,
propôscasamentoàviúvaecasaram-sedeumavez.
Na manhã seguinte ao casamento, quandoas duasmeninas
acordaram, a filha
dohomem recebera leite parabanhar-se e vinho
parabeber , mas, paraa filha da mulher , havia apenas água para
banhar-se e tambémparabeber . Na segundamanhã, a filha do
homem també m recebeu água parabanhar-se e parabeber . No
terceiro
dia,ofereceu-se à filha do homem água parabanhar-se e
tambémparabeber , mas, paraa filha da mulher , havialeite para
banhar-se e vinho parabeber . E assimcontinuou desdeentão. A
mulher odiava a enteadadofundodocoração, e faziadetudo para
tornara vidadela um suplí cio. Era tão invejosa quanto se pode
imaginar, porquea meninaeralinda e encantadora, enquanto a
própriafilhaerafeiaerepulsiva.
Num diadeinverno, em quehouvegrande nevasca e montanha e
valeficaram cobertosdeneve,a mulher fez um vestido depapel e,
chamandoamenina,disse-lhe:
— Toma, coloca estevestido e vaiaobosquecolher uma cesta de
morangos!
— Deus me acuda! – respondeu a enteada. – Morangosnão
brotamnoinverno.Aterraestátodacongeladaeanevecobriut
Porqueme m andar sair
num vestido depapel? Está tão frio lá fora
que atéo arque respiramos se congela; o vento uivaráao passar
pormeuvestido,eosespinhosoarrancarãodemeucorpo.
—Comoousasenfrentar-me?–disseamadrasta.–Agoraparade
me encher e nãoaparece aquiaté quetenhas enchido a cesta com
osmorangos.
Emseguida,deu-lheumnacodepãoduroedisse:
— É o suficiente parahoje – e pensou consigo: “Decerto a menina
morrerádefomeefrioláfora,enãosereimaisincomodadaporela”.
A m enina eratão obedientequepôs o vestido depapele saiucom
a cestin ha. Nãohavia nadasenão neve,perto oulonge,e nãosevia
nem sequerum raminho verde em lugar algum.Quandochegouao
bosque, viu uma casinha de ondetrêsanõezinhosespiavam.
Desejou-lhes bom diae humildemente bateuà porta.
Convidaram-
naparaentrar; elaentrou e sentou-sediante dalareira,
desejando
aquecer-se e tomar seu desjejum. Os anões disseram de bate-
pronto:
—Dá-nosumpoucodetuacomida!
— Com prazer – disseela,e partiu
seupedaço depãoem dois e
deu-lhesametade.
Então lheperguntaram o que fazia nasprofundezas do inverno
comumvestidotãofino.
— Ah! – elarespondeu. – Mandaram-me encher a cesta de
morangos,e nãoousomost rara minhacaraem casaatéque os
tenhaconseguido.
Quandoa menina terminou decomero pão, os anõesderam-lhe
umavassouraepediram-lhequetirasseanevedaportadosfund
Assim que saiuda salaparafazer o que lhepediram,os três
homenzinhos conversaramparadeliberar o quedariam a ela como
recompensa porsertãodocee boae porcompartilhar com eles seu
últimopedaçodepão.
Oprimeirodisse:
—Quesejacadadiamaislinda.
Osegundo:
— Que lhe caiadoslábiosuma moedadeouro cadavez queabrir
aboca.
Eoterceiro:
—Queumreivenhaacasar-secomela.
Enquanto isso,a moça ocupava-sede atender ao pedido dos
anõese estava tirando
a nevedaporta dosfundos.Que achais que
ela encontrou ali?
Montes demorangos maduros quesemostravam
vermelho-escuros em contraste com o branco daneve.E la,felizda
vida, colheu o suficiente paraencher a cesta,agradecida aos
homenzinhos porsuabondad e. Apertou-lhesasmãose correu para
casaa fim de levar à madrasta o que elahaviapedido.Quando
entrou e disse“Boanoite”, uma moedade ourocaiu-lhe da boca.
Então contou o que lheacontecera no bosque,e a cadapalavra
maismoedascaíam-lheda boca, de tal maneira que lo
go a sala
ficoucobertaporelas.
— Ela decerto temmaisdin heirodo que juízoparadesperdiçar
ouro dessejeit
o – dissea irmã postiça,
mas nofundoestava mesmo
eracom muitainveja e determinada a irao bosqueprocurar
morangos.Amãerecusou-seadeixá-la ,dizendo:
ir
—Minhaquerida,estáfriodemais.Congelariasatéamorte.
A menina,no entanto, nãoa deixouem paz, atéque a mãe
finalmente desistiudedetê-la , mas insistiuque a filhapusesse um
lindo casacode pele e deu-lhe pão,manteiga e bolospara comerno
caminho.
A menina foidiretoà casinha nobosquee, como daoutra vez, os
homenzinhosestavamespiando pelajanela. Ela não tomou
conhecimento deles e, sem nem mesmo um “comlicença” ou “com
vossapermissão”, precipitou- para
se dentro da sala,sentou-se à
lareiraecomeçouacomeropão,amanteigaeosbolos.
—Dá-nosumpouco–pediramosanões.
Maselarespondeu:
—Não!Maldáparamim!Vóséquedeveisdar-mealgo.
Quandoterminoudecomer ,elesdisseram:
—Háumavassouraparati,vailimparaportadosfundos.
— Tenho maiso que fazer– respondeu rudemente. – Limpaivós
mesmos.Nãosouvossacriada.
Quandoviuque nãolhedariam nada,saiudacasacom carade
poucosamigos. Então os três homenzinhos deliberaram entre sio
quedev eriamfazera ela,porqueagira tão male tinha um coração
tãoperversoeavarento,queinvejavaatodosquetinhamboas
Oprimeirodisse:
—Quefiquecadadiamaisfeia.
Osegundo:
—Quelhesaltedabocaumsaposempreque. falar
Eoterceiro:
—Quemorraamortemaisterrível.
A meninaprocurou os morangos,mas, nãoachando nenhum,
voltou paracasade muito mau humor . Quandoabriu a bocapara
contar à mãe o quelheocor reranobosque,saltou-lhe dabocaum
sapo,demaneiraquetodossentiramaindamaisrepugnânciade
A m adrasta ficoufuriosa como nuncaantes, e nadafez senão
tramar uma maldade contra a filhadohomem, que ficava cadadia
maislin da. Porfim, um diaa mulher maldosa tomouuma grande
caldeira, coloc
ou-a nofogoe nela ferveu fios.Quandoest avambem
escaldados, colocou-os nosombrosda pobre menina,deu-lhe um
machado,orde nou-lhe que fizesseum buraco no riocongelado e
enxaguasse osfiosali.A enteada obedeceu como decostume,saiu
e fez o buraco nogelo.Enquanto estava torcendo os fios,passou
poraliuma carruagem suntuosa, e o reiestava alidentro.A
carruagemparou,eoreiperguntou-lhe:
—Queméstu,minhamenina,equefazesaqui?
— Sou apenasuma pobremoça – respondeu ela– e estou
enxaguandoestesfiosnorio.
Então o reicompadeceu-se dela e, quandoviucomo eralinda,
disse:
—Queresvircomigo?
— Com todo prazer– elaretorquiu, poissabiaquanto ansiava
deixar a madra stae a irmã postiça,e como elas ficariamfelizes
em
livrar-sedela.
Sem demora,entrou na carruageme partiu com o rei.Quando
chegaramao palácio,o casamento foi celebrado com grande
esplendor . E tudo se deu conformeos trêsanões haviamdito.
Depoisdeum ano,a rainha deuà luzum bebezinho. Quandosoube
daboa sorte daenteada, a madrasta foiatéo palácio com a filha
parafazer uma visita, e aliocuparam os aposentos dela. Um dia,
quando o reiestava forae nãohavia ninguémporperto, a mulher
maldosa pegou a rainha pela cabeçae a filha pegou-a pelos pés,
arrastaram- da
nacama e arremessaram-no narioquecorria porali.
Então a madrasta deitou a filhafeiano lugar da rainhae cobriu-a
com o lençol,
demaneira queninguéma pudesse ver
. Quandoo rei
voltouparacasaequisfalarcomaesposa,amulherbradou:
— Quieto,quieto.Issonuncaaconteceu. Tua esposaestámuito
mal,devesdeixá-ladescansarorestododia.
O rei de nad a suspeitou e nãovoltou atéa manhãseguinte.
Quando faloucom a esposae elarespondeu, em vez das
costumeirasmoedasdeouro,saltou-lhedabocaumsapo.Eleentã
perguntouo que aquilo queria dizer
, e a velharespondeu-lhe que
nãoerasenãofraquezaequelogoelaficariabemdenovo.
Na mesma noite o copeiro notou queuma pata nadava pela calha
dizendoenquantopassava:
Que faz o rei, diga, rogo:
está desperto ou dorme logo?
Esemreceberresposta,continuava:
—Eminhasconvivas,têmsonoprofundo?
Aoqueocopeirorespondeu:
—Sim,gozamdesonodechumbo.
Prosseguiuapata:
—Emeuqueridobebezinho?
Eelerespondeu:
—Ah,dormetranquilo,semnenhummedinho.
Então a pataassumiua formadarainha,e foiaoquartodobebê,
embrulhou-confortavelmente
o no berçoe depois,soba formade
pata,nadoudevolta pela calhamaisuma vez. Issose repetiu
por
duasnoites,enaterceiraapatadisseaocopeiro:
— Vaie pedeaorei quebranda suaespada trêsvezessobre
mim
nasoleiradaporta.
O copeirofez o quea criatura
lhepedira,
e o reiveio com a espada
e brandiu-três
a vezes sobrea avee – pasmem! – sua esposa
postou-sediantedeledenovo,vivaemaisradiantedoquenunc
Oreiregozijou-semuitíssimo,masmantevearainhaescondidaa
odomingoemqueobebêseriabatizado.Depoisdobatismo,disse:
— Que penamerecealguémquearranca uma pessoa dacama e
lança-a,porexemplo,naságuasdorio?
Aoqueavelhamadrastarespondeu:
— Nada melhor do que serpostanum barril forradode pregos
afiadoserolarmontanhaabaixoatéorio.
— Pronunciaste tuaprópria
sentença
– disse o rei.E ordenouque
um barrilfosserevestido de pregosafiados e que nelefossem
colocadasa velha má e suafilha.
O barril
foicerrado com firmezae
rolaram-nomontanhaabaixoatéquecaiu [30]norio.

[30] IrmãosGrimm.
Grimsborken,o
Tordilho
errível
T

RA U MA VEZ um casal dericosque acabougerando doze


filhos.Quandoo mais novocresceu,nãoquismais
permanecer em casa, e sim entregar-aosemundoe ir
atrás de suafortuna.O paie a mãe disseram-lhe que
sua prosperida de, segundoeles,eragrande em casae que ele
poderia, demuito bom grado
, permanecer com osdois.Inquieto,no
entanto,orapazdeclarouquedeveriapartirequepartiriade
modoque ao casal nãohouvealternativasenão lhedarpermissão
parafazê-lo. Tendoelepercorrido já longocaminho,deparou-se
com o palácio deum rei.Ali,pediu quelhe dessemlugar paraficare
oconseguiu.
Ora, a filha dorei local
haviasido conduzidaàs montanhas porum
troll, e o m onarca nãotinhamaisnenhumfilho.Porisso,ta nto ele
quanto seupovoviviam acometidospela tristeza
e pela
aflição.
O rei
prometera a princesa e metade de seureino a quem conseguisse
libertá-la, mas, emboramuitos se esforçassem, nãohaviaquem
pudesse fazê-lo. Então,estando o jovem ali
jáhá cercadeum anoe
pouco,quisretornarparacasaafimdefazerumavisitaaospais.
Chegandolá, no entanto, descobriu seu paie sua mãe mortos,
enquanto os irmãos haviampartilhado entre situdo o que os pais
possuíram.Nadahaviarestadoparaele.
— Não receberei, então, partenenhumade minhaherança? –
perguntouojovem.
— E quem poderia dizerque estavas vivo?Logo tu,portanto
tempo um vagabundo! – responderam os irmãos. – No entanto, há
doze éguas sobre as colinas que ainda nãopartilhamos. Casoas
desejescomoteuquinhão,ficaàvontade.
Satisfeito
com isso,o jovem lhes agradeceu e, deimediato, partiu
rumoà colina em que as doze éguasestavam a pastar. Ao chegar
alie encontrá-las,
notou quecadaqual tinha aolado desium potro,
mas uma delas traziatambémconsigo um grande potro tordilho,
tão
lustrosoqueosolresplandeciasobresuapele.
— Muito bem, meu bom potrinho! És um tipo e tanto! – disseo
jovem.
— De fato!Se, porém, matares os outros potros, de modo que
possaeu sugar todas as outras éguas porum ano, ver ás o quão
grandeebeloficarei!–disseoanimal.
E foiprecisamente isso o queo jovem fez: matou osdozepotros e
sefoi.
No anoseguinte, retornando eleparacasaa fim de cuidar das
éguase dopotro, o animal estavatão gordo quanto lheer a possível;
suapele,ademais,luziae eratão grande que o rapazencontrou
enormedificuldade paramontar o bicho.Além disso,cadaégua
geraraaindaoutropotrinho.
— Bem, nãohá a menordúvidadequenadaperdi aopermitir que
sugasses todas aséguas– disse o jovem aobicho.– Só queagora
estásgrandeobastanteedevesviremboracomigo.
— Nada disso – respondeu o potro. – Devo permanecer aquipor
maisum ano. Mataos doze potrinhos paraque eu possasugar
todas as éguastambémporesseperíodo. Veráso quãogrande e
beloestareiquandodachegadadoverão.
O rapaz então repetiuo quejáfizera antes. Ao retornarà colina no
anoseguinte a fim decuidar dopotro e daséguas, cadauma delas
tivera novopotrinho mais uma vez. O potro tordilho,entretanto,
estava tãogrande que, aobuscar seupescoço para verificar
o quão
gordoficara,o jovem nãofoi capaz sequer de alcançá-lo,tão alto
estava. Além disso,o animal se mostrava tão lustrosoque a luz
refletiasobresuapele.
— Grandee belo estavas no anopassado,meu potrinho; neste,
estásm uito m aislindo. Em toda a cortedo reinãose vê cavalo
igual.Agora,porém,devesviremboracomigo.
— Nada disso– respond eu o potro como antes.– Devo
permanecer aquipormaisum ano. Mataos doze potri nhosmais
uma vez, paraque tambémneste anoeu possasugaras éguas.
Então,noverão,virásparame . ver
E assimfez o jovem:matou todos os potrinhos e regressoupara
casa.
No anoseguinte, entretanto, ao iratrás do potro tordilho
e das
éguas, ficouum tanto quanto desconcertado. Jamaisimaginara que
um cavalo pudesseficar tão forte e crescido, uma vez que o bicho
tivera de deitar-sobre
se asquatro patas para queo jovem pudesse
montá-lo, e mesmo com eleassim era bastante difícil:tão
rechonchudo estava quesuapele brilhavae luziaqual um espelho.
Dessa vez, o cavalo tordilho nãose negoua partir com o jovem,
que, portanto, o montou e, chegando a galope à casa, viuseus
irmãos baterem asmãose sepersignarem, poisjamais tinham visto
cavalocomoaquele,oumesmoouvidofalardeoutroigual.
— Conseguiasmelhores ferraduras parameu cavalo, bem comoa
sela e as rédeasmaismagníficasque há – disse o jovem–, e
podereis ter
as doze éguasminhasque orase encontra m sobre a
colina,bemcomoseusdozepotrinhos.
Comefeito,aolongodaqueleano,cadaéguaderaàluzumpotro.
Os irmãos estavam dispostos a cumprir o queforapedido, e assim
o rapazobteve parao caval o ferraduras tais que, à medidaque o
animal cavalgava pelas colinas, gravetose pedras voavampelos
ares;a sela e as rédeas de ouro,ademais,poderiam servistas
desdelonge,reluzentesecintilantescomoeram.
— A gora,partiremos rumoao palácio dorei – disse Grimsborken,
que erao nomedocavalo. – Lembra-te,noentanto, deque deves
pedir ao rei, paramim, uma boa cavalariça e uma excelente
forragem.
O rapaz prometeu que nãoesqueceria o pedido.Em seguida,
cavalgou atéo palácio – e nãoserádifícilcompreender que, tendo
eleumanimaltal,nãotardouatéqueencontrasseseudestin
Quandoo jovem chegou, o rei estavadepé sobre a escadaria. E
queolharnãodirigiuàquelehomemquevinhaagalope!
— Jam ais– disse –, jamais mesmo pus os olhos em homem e
cavalocomoestesdois.
Quando,então, o jovem lhe perguntou sehaveria para sium lugar
no paláciodo rei,o monarca ficoutão contente que poderia ter
dançado bem ali,nosdegraus em que se encontrava. A o rapazfoi
logocomunicadoquehavia,sim,lugarparaele.
— Ótimo, mas precisarei de uma boa cavalariça e de uma
excelenteforragem.
Disseram-lheentão que t eriaforrageme aveia, e em tal
quantidade quantofossedoagrado docavalo. Além disso,todos os
outros cavaleirosdeveriam retirar
seusanimais do estábulo, de
modo que Grimsborken pudesseestar a sós e gozar de espaço
suficiente.
Só quetudo issodurou poucotempo:osoutros membrosdacorte
passaram a invejaro rapaz , nãohavendo perversidade que não
fossemcapazes defazercasose propusessem a tanto.Tendopor
fim refletido,decidiram dizer ao reique o jovem afirmara-secapaz,
se assimo quisesse,deresgatar a princesahá muito levada pelo
trollàmontanha.
O reiconvoco u o rapazimediatamente e revelou-lhe ter sido
informado de que o jovemse declarara capaz de resgatar a
princesa; porisso,erasuaobrigação agorafazê-lo. Elesem dúvida
sabia que o reiprometera, a quem fossebem-sucedido, a própria
filhae metade dopróprio rei
no, promessa esta que seria cumprida
de maneira fiele honrosa. Caso fracassasse, no entanto, seria
condenado à morte. O jovem negouter feitoa declaraçã o, mas em
vão.O rei nãodeuatenção a suaspalavras, e, portanto, nadahavia
aserditoalémdequetentaria.
Quandoretorn ou aoestábulo, o rapazestava tristíssimoe tomado
de preocupações. Grimsborken quissaber porque se encontrava
tão perturbado, ao que ele lhe contou tudo e declarou não saber o
que fazer , uma vez que “libertar a princesa eraabso lutamente
impossível”.
— Ah, mas é possível, sim, fazê-lo – disse Grimsborken. – Eu te
ajudarei,mas deves antes calçar-me bem. Pededez libras deferro
e dozedeaçopara a ferradura, bem comoum ferreiro quemaneje o
marteloeoutroquelhedêapoio.
E assimfez o rapaz, sem que ninguémse opusesse: conseguiu
tantoo ferro quanto o açoe osferreiros. Grimsborken foimuito bem
ferrado e demaneira firme,e quando o jovem saiudopalácio real
umanuvemdepoeiraseergueuàssuascostas.
Todavia,quandodeparou-se com a montanha a que a princesa
foralevada, difícilfoi-lhesubir a íngremeparede rochosa que o
conduziria à montanha maisadiante, uma vez quea rocha seerguia
qual a lateral de uma casae eratão lisaquanto uma folha devidro.
Na prim eiravez em que o rapaz cavalgou por ali,avançou
pouquíssimo penhasco acima: logodeslizaram as patas dianteiras
de G rimsborke n e levaram o cavalo e seucondutor a desabarem,
sob um som que mais parecia ao de um trovão em meio às
montanhas.
Na ocasião seguinte, elefoi capaz de subir um poucomais, no
entanto uma daspatas dianteiras deGrimsborken deslizou e ambos
desceram novamente, agorasob o som de um deslizamento de
terra.Daterceiravez,Grimsborkendecretou:
—Ahorachegoudemostrarmosdequesomoscapazes.
Em seguida,arrojou-mais se uma vez contra a montanha, atéque
asroch asvoar am rumoaocéu e permitiram quepudessem subir. O
jovem,então, cavalgou a toda bridapelas ranhuras da elevação,
colocou a princesa sobreo arcodasela e partiuantes mesmo queo
trollselevantasse.Dessemodo,aprincesaficoulivre.
Voltando o jovem aopalácio,o rei mostrou-se felize satisfeito
por
ter a filhadevolta, como eradese imaginar . No entanto, aqueles
quecirculavampelacorteotinhaminfluenciadodetalmanei
monarcaficaraigualmenteiradocomorapaz.
— Todaa minhagratidão terás porque libertasteminhaprincesa –
disse quando o jovem regressou com ela aopalácio e estava então
prestesapartir .
— E lahá desertão minhaquanto é tua agora,poisés um homem
depalavra–complementouojovem.
— S im, é claro – respondeu o rei.– Serás tua,como eu disse.
Antes,porém,devesfazercomqueosolbrilheemmeupalácio.
Com efeito, havia dolado deforauma colina extensa e alta,que
sombreavadetalmaneiraopalácioqueimpediaosoldebrilhar
— Isto nãoeraparte doacor do– refutou o jovem.– Porém, como
nadadoqueeupossadizer conseguirá dissuadir-creio
te, terdedar
omáximodemim,poisaprincesaeuheideter!
Desse modo, eleretornou a Grimsborken pararevelar-lhe aquilo
que o reides ejava.Parao cavalo, tratava-de sealgofácil, mas
antesseriaprecisodar-lhenovasferraduras,paraasquaissef
necessárias dez libras de ferro e doze de aço, bem como dois
ferreiros, um paramanejar o martelo e outro paradar-lhe apoio.
Seriafacílimo,dessaforma,fazerosolbrilharnopaláciodorei.
O jovem pediu todos ositens e osconseguiu imediatamente, uma
vez que recusá-los,parao rei,seria motivo de grande vergonha.
Grimsborken pôde então receber ferradurasnovas – e dasboas!O
jovem montou- o. Ambos seguiram maisuma vez, e a cadasalto de
Grimsborken a colina afundava um metro soloadentro. Dessa
maneira,prosseguiram atéque nenhumacolina havia aosolhos do
rei.
Quandoo jovem retornou aopalácio real, perguntou aoreisenão
chegara enfima horadea princesa sersua. Afinal, agoraninguém
poderiadizerqueo sol nãobrilhava ali.. No entanto, outras pessoas
haviamprovocado novamente o monarca,que respondeu que o
jovemde fatoteria a princesa e que jamais forasua intenção o
contrário;
porém, o rapazdeveria conseguir , paraque a princesa
chegasse ao casamento, um cavalo tão bom quanto o seupróprio.
O jovem respondeu queo rei jamais lhedissera queaquilo sefaria
necessárioe que lheparecia que a princesa já deveria sersua. O
monarca,entre tanto,foiirredutível:
casoo rapaznãofossecapazde
cumpriropedido,disse,perderiaavida.
Quando desceunovamente atéo estábulo, o jovemestava
profundamente tristee aflito,
como se podeimaginar . Em seguida,
contoua Grimsborken que agorao rei exigira,paraa princesa, um
cavalotãobomquantoodele;casocontrário,perderiaavida.
— Só queessanãoserátarefa fácil– disse –, poisigual a ti
nãose
encontraránenhumnomundo.
— Ah, mas há, sim, um quesecompare a mim – replicou o cavalo.
– Todavia,nãoseráfácilconsegui-lo, poisse encontra debaixo da
terra.
Tentaremos, porém. Ag ora,deves procurar o reie pedirnovas
ferraduras,
par a o que serão necessárias dez libras deferro;doze
deaço; e doisferreiros,um para manejar o martelo e outropara dar-
lheapoio.Assegura-te, porém, de que os ganchosestejam bem
afiados.
Além disso,deves pedirainda dozebarris decenteio. Doze
boisabatidos tambémdevemoster conosco,e nos seusdoze
courosé preciso haverduzentas estacas. Tudo iss o se faz
necessário,bemcomoumbarrilcomdozetoneladasdepez.
O jovem procurou o reie pediu-lhe o que Grimsborken solicitara.
Maisuma vez, o monarca julg
ouqueseria deplorável negar-lhe tudo
aquilo.
Foi assimqueo rapa z pôde montar Grimsborken e cavalgar
paralonge dacorte. Depoisdemuito tempopercorrendo ascolinas
eosbrejos,oanimalperguntou:
—Estásouvindoalgo?
— Sim. . Um silvo tão apavorante atravessa
o arqueestou ficando
cadavezmaispreocupado–respondeuojovem.
— São os pássarosselvagens da floresta, em voo. Foram
enviados paranosdeter – disse Grimsborken. – Faz um buraco,
porém, nossacosdecereal, com osquais eles ficarão tãoocupados
queacabarãoporesquecer-nos.
E o jovemassim o fez: abr iu buracosnossacosde cereal, de
modo que se viucevadae centeio portoda parte. Os pássaros
selvagens dafloresta acorriam em talnúmeroqueeclipsaram o sol,
mas ao veremos cereais lhesfoi impossível nãoaterrissar e
esgaravatar o milho e o centeio.Porfim, começaram a brigar
entre
si e esquece ram por completo tanto do jovemquantode
Grimsborken,sendoincapazesdelhesinfligirmalalgum.
O jovem se pôs, em seguida , a cavalgar
pormuito,muito tempo,
passando porcolinas e vales, trechosrochosos e lamaçais,quando
entãoGrimsborken começoua ouvir algonovamente, perguntando
aojovemsetambémeleconseguiaescutá-lo.
— Sim.. Ouço agora um crepitar e um estrondo terríveis,
em cada
partedafloresta, e detal maneira quevouficando muito assustado
–respondeuorapaz.
— São os animais selvagens da floresta,todos eles– disse
Grimsborken. – Foramenviados paranosdeter. Livra-te,porém, das
doze carcaças de boi. Elesficarão tãoocupados com elas que
acabarãoporesquecer-nos.
E assimfez o jovem:livrou-se dascarcaças de boi. Chegaram
entãoos anima isdafloresta – ursos,lobose leões,bem como toda
sortede bichoscruéis –, m as, ao colocarem os olhos sobreas
carcaças,começarama lutar porelasatéo derramamento de
sangue,esquecendo porcompleto tanto
deGrimsborken quanto do
rapaz.
Maisuma vez, pôs-se ele a cavalgar
. Muitos foramoscenários que
viu, pois, ao contráriodo que se poderia pensar , nascostas de
Grimsborken a viagemnãoeranadalenta. Então,Grimsborken
relinchou.
—Escutasalgo?
— Sim. . Ouço uma espécie de potro relinchando nitidamentea
umaenorme,enormedistância–respondeuorapaz.
— Se o escutas tãoclaramente à distância – disse Grimsborken –,
éporquetrata-sedeumpotrojácrescido.
Elesentão prosseguiram com a viagemdurante um longo tempo,
contemplando um cenário,depois outro, depois outro.Mais
. uma
vez,Grimsborkenrelinchou.
—Escutasalgoagora?
— S im.. Agoraouço-omuito claramente, e é como o relinchar de
umcavalojácrescido–replicouojovem.
— Sim, e voltarás a escutá-lo muito em breve – complementou
Grimsborken.–Notarásquevozeirãoeletem!
Os doisatravessaram, em seguida,outras regiõesainda muito
distintas, quandoentão Grimsborken relinchou uma te rceira vez.
Antes,noentanto, que pudesse perguntar se o jovem ouvira algo,
tal foio rinchoque se escutou desde o outro lado dasurzesque o
jovemachouqueascolinaserochasseesfacelariam.
— A h, estáaqui! – exclamo u Grimsborken. – Sê rápidoe joga
sobre m im o courocom as estacas, despeja as doze toneladas de
pez sobreo campo e escala aquele abeto enorme.Quandoele
chegar , sairáfogo de suasnarinas e a pez se incendiará. Ora,
guarda o quedigo:sea chama seelevar , eu vencerei; se murchar ,
não.Casonotes, porém, que estou vencendo, joga as rédeas,que
deverás removerdemim, sobre a cabeçadele.Issofar á com que
fiquebemmanso.
Tão logoo jovempôs os couroscom as estacas sobre
Grimsborken, e tão
logo derramoua pez sobre o campoe escalou o
abeto, um cavalose aproximou com fogo brotando dasnarinas. A
pez se incendiou num inst ante;Grimsborken e o outro animal
começarama batalhar atéas pedrassaltarem. Mordiam-se,
combatiam com aspernas dianteiras
e traseiras.
Porvezes, o jovem
os observava e, porvezes, voltava-parase a pez. Por fim, as
chamascomeçaram a seerguer, poisondequerqueaquele cavalo
estranhomordesseouchutasse,acertavaasestacas.Comotem
tevederecuar . Notando-o ojovem,logodesceu daárvor e e lançou
as rédeas sobrea cabeçado bicho, que ficoutão m ansoque
poderiamuitobemserconduzidoporumacordinha.
Também essecavalo erato rdilho
– e de tal modo parecido com
Grimsborken que ninguémseria capazdedistinguir um dooutro. O
jovem sentou-se sobre o animal que capturarae cavalgou devolta
atéo palácio do rei.Ao seulado, corriaGrimsborken, solto. Quando
orapazenfimchegou,oreioaguardavadoladodefora,nopátio.
— S abesdizer-mequalé o cavalo captureie qualé o cavalo eu
tinhaantes?– perguntou o jovem.– Casonãoo saibas,creio eu
quetuafilhaéagoraminha.
O reiexamino u os doiscavalos tordilhos.
De cima a baixo, na
frenteeatrás..Enãohaviaamaisínfimadiferençaentreambos.
— N ão – res pondeuo rei–, eu nãosaberia dizê-lo. E, como
trouxestetão esplêndido cavalo parao casamento de minhafilha,
poderástê-la. Antes,no entanto, devesenfrentar mais uma
provação, paraque fiquecla roque é dodestino que a t enhas.Ela
se esconderáporduasvezese, porduasvezes, deves tambémtu
esconder-te. S e fores capaz deencontrá-a lacadavez em que ela
se esconder , e se elaporventura não encontrá-lo em teus
esconderijos,entãoédodestinoquetenhasaprincesa.
— Também isto nãoestava no acordo – disse o jovem.– Se
necessário,porém,
for maisestaprovaçãoenfrentarei.
Então,foia filh a doreiesconder-se.Converteu-num se pato e pôs-
se a nadar num lagoque se encontrava bem do lado de forado
palácio.O jovem,porsuavez, desceu ao estábuloe perguntou a
Grimsborkenoqueelafizeraconsigomesma.
— A h, tudo o que precisas fazeré pegartuaarma, seguirem
direçãoà água e mirar nopato queestálá a nadar. Desse modo, ela
logoserevelará–respondeuoanimal.
Ojovemtomouconsigoaarmaecorreuatéolago.
—Eisqueatirareinaquelepato–disse,passandoentãoamirá-l
— Não façasisso, meu caroamigo, nãoatires! Sou eu – disse a
princesa.
Elejáaencontrara,portanto,pelaprimeiravez.
Na segundaocasião, a princesa setransformounum pãoe deitou-
sesobrea mesaentre outro
s pães.Estava tão
parecida com estes
queeraimpossívelnotarqualquerdiferença.
O jovem foimaisuma vez aoestábulo e dissea Grimsbo rken que
a prince
saseescondera novamente e quenãofaziaa mínimaideia
doquehaviaacontecidocomela.
— Ah, toma contigo uma eno rmefacadepãoe a afia,fingindo em
seguida quecortarás o terce
iro dosquatro pãesquejazemsobre a
cozinhado palácio real.Conta-os da direita
paraa esquerda.Tu
assimaencontrarás–disseGrimsborken.
O jovem subiuentão atéa cozinha e começoua afiar a maiorfaca
depãoque encontrou. Em seguida,pegouo terceiro pão, noqual
encostouafacacomoseparamostrarqueodividiriaemdois.
—Separareiparamimumnacodestepão–declarou.
— Não, meu querido amigo, nãocortes! Sou eu! – revelou mais
umavezaprincesa.
Pelasegundavez,portanto,eleatinhaencontrado.
Chegara,agora,o momento em queo jovem teria deesconder-se.
Grimsborken dera-lhe instruções tãoboasque encontrá-não lo foi
nadafácil. Primeiro, o rapazse converteu num moscardo e se
ocultouna narina esquerdade Grimsborken. A princesa se pôs a
tateare procurar portoda parte,noalto e embaixo, e tambémquis
entrarno estábulode Grimsborken. O animal,porém, começoua
morder e coicear, demodoqueela tevemedodeiratéali e nãofoi
capazdeencontrarojovem.
— M uitobem – disse a princesa.– Como nãosoucapazdeachar-
te,devesrevelar-teportimesmo.
O jovem, então, apareceu imediatamente, depé sobre o chãodo
estábulo.
Grimsborken dissea eleo que deveria fazernasegunda vez, ao
queo jovem se converteu num pedaço deterra e semeteu entre o
cascoe a ferradura da pat a dianteira esquerda de Grimsborken.
Maisuma vez, a filha dorei sepôs a esquadrinhar tudo,dolado de
dentro e dolado defora,até quechegouaoestábulo e quisentrar e
iraté o ladodeGrimsborken . Dessa vez, ele permitiuqueo fizesse.
A princesa,então, perscrutou dealto a baixo,mas nãopodiabuscar
sobos cascosdoanimal porqueGrimsborken tinhapisadelamuito
firme.Dessemodo,nãofoicapazdeencontrarojovem.
— M uitobem, deves revelar ondeteencontras, poisnãoconsigo
achar-te–disseaprincesa.
Num instante, o jovemestava ao seu lado,sobreo chãodo
estábulo.
—T uagoraésminha!–decretoueleàprincesa.
Aorei,ojovemdeclarou:
—Agoravêsqueédodestinoqueelasejaminha.
— Do destino, certamente – respondeu o rei.– E queseja,então,
comodeveser .
Em seguida,foramrealizados, com grande esplendor e diligência,
osprep arativos para o casamento. O jovem sedirigiuà igreja
sobre
ascostas deG rimsborken, enquanto a filha
dorei sevaleu dooutro
cavalo,de modo que todos nãopoderiam se demorar em seu
caminhoaté[lá. 31]
[31] J.Moe.
OCanárioEncantado

I
Á M UIT OS E MUIT OS anos, no rein
adodo reiCambrino,
viveu em Asvenes um nobre que erao maisrequintado
– quer o dizer, o mais gordo– de todo o país de
Flandres. Fazia quatro refei
ções pordia, dormia doze
dasvinte e quatro horas e a únicacoisa que já fizeranavidaera
atirarempássarospequenoscomarcoeflecha.
Mesmo assim,com toda a prática,eleatirava
muito mal; eramuito
gordoe pesad o, e como ficavacadadiamaisgordo,porfim, foi
obrigado a desistir de andar e teve de serempurrado em uma
cadeira derodas.As pessoas faziam troça
delee o apelidaram de
lordeBarrica.
Ora, o únicoproblema quelorde Barrica
tinhaeraseufilho, a quem
amavamuito,emboranãose parecessem nem um pouco, poiso
jovem príncipeeramagrocomo um cuco. O que o envergonhava,
sobretudo,eraque apesar dasjovens damasde todos os reinos
fazeremo melhor que podiamparaque o príncipe se apaixonasse
porelas, elenadatinha a dizera nenhuma dasmoçase comunicou
aopaiquenãodesejavase. casar
Em lugar deconversar com asmoçasnapenumbra, vagavapelos
bosques,suss urrando ao luar. Não é deestranhar que as jovenso
achassem muito esquisito,
mas gostavam deletanto mais porisso.
Como recebera aonascer o nomedeDesejoso, todos o chamavam
deDesejosodeAmor .
— Qualo prob lemacontigo? – o paisempreperguntava . – Tens
tudoquepossas querer:
uma boacama, boacomida e tonéis cheios
decerveja.A únicacoisa que precisas, paratornar-gordo
te como
um porco,é uma mulher quepossadotar-de teterras vastas e ricas.
Portanto,casa-teeserásperfeitamentefeliz.
— Nadapeçosenão casar – respondeu Desejoso –, mas nunca vi
uma mulher queme agradas se. Todasasmoçasdaqui são rosadas
ebrancas,eestoucansadíssimodessaeternaalvura . erubor
— Pelaminhafé! – excla mou Barrica. – Querescasarcom
estrangeira
e dar-menetos feioscomo monstros e estúpidos como
corujas?
— Não, pai, nadadisso.Ma s devemexistir mulheres em algum
lugardomundo que nãosej am rosadas e brancas, e vos digo,de
uma vez portodas,quenunca me casarei atéquetenha encontrado
umaquesejaexatamentedomeuagrado.
II
Algum tempodepois,aconteceu do prior da abadia de Santo
Amândioenviar um cesto delaranjas parao lorde deAsvenes,com
uma carta belamenteescrita, dizendo queaqueles frutosdourados,
entãodesconhecidos em Flandres, provinham deuma terra ondeo
solsemprebrilhava.
Naquelanoite, lordeBarrica e seu filho comeramas laranjas
douradasnojantareacharam-nasdeliciosas.
Na manhãseguinte, aoraiar dodia,Desejoso foiatéo estábulo e
selouseu belo cavalo branco.Depois, foiao leito de Barrica,em
trajes
de viagem, e encontrou- fumando
o o primeiro cachimbodo
dia.
— Pai – disse , sério–, vim despedir-me de vós. Noite passada
sonheiqueandava em um bosqueondeasárvores eramrecobertas
delaranjas douradas.
Apanheiuma delas e quando a abri,dela
saiu
uma princesa adorável de peledourada. Essa é a esposaque
desejoevoubuscá-la.
O lordedeAvesnes ficoutã o pasmoque deixouo cachimbocair
nochão.Depoisficoutãodistraídocomaideiadofilhosecasarco
uma mulher douradae damulher estar presa dentro deuma laranja,
queirrompeuemumacessoderiso.
Desejoso esperouparadizer adeusdepois queele seaquietasse,
mas o paicont inuoua gargalhar e nãodeusinais dequepararia. O
jovem t
omou a mão do pai, beijou-com a ternura, abriu a portae,
num piscardeolhos,desceu a escadaria. Montou rapidamenteno
cavaloe estava a uma milha de casaatéque Barrica parassede
gargalhar
.
— Uma esposadourada! D eve estar louco!Pronto parauma
camisadeforça!– Bradou o bom homem quando foicapazdefalar .
–Rápido!Aqui!T razei-nodevolta!
Os criados montaram em seus cavalos e foramno encalço do
príncipe, mas como nãosabiamque estrada tomara,seguiram
todas,menos a estrada
certae, em vez de trazê-lo
de volta,
retornaram
quandojá estava
escuro,com os cavalos
cansados e
cobertosdepoeira.
III
QuandoDesejoso achouquenãopodiammaiscapturá-lo, sofreou
o cavaloaté levá-lo a passeio, como um homem prudente quesabe
que temum lo ngo caminho pela frente.Viajoudessamaneira por
muitas semana s, passando porvilarejos,
cidades,montanhas, vales
e planícies,mas sempre rumandopara o Sul, ondea cadadiao sol
pareciamaisquenteemaisbrilhante.
Porfim, um dia,aocair data rde,Desejoso sentiu
o sol
tão quente
que acreditou estar próximodo lugar de seussonhos.Naquele
momento estava perto da beira de um bosquee nele haviaum
casebre, cuja porta seucavalo, espontaneamente,parou defronte.
Um vel ho de barbabranca estava sentado no degrauda porta,
desfrutando do arpuro.O príncipe desmontou do cavaloe pediu
permissãoparadescansar .
— Entra , jovem amigo– disse o velho–; minhacasanãoé ampla,
maségrandeobastanteparaabrigarumestranho.
O viajante entrou e o anfitriãoserviu-lhe uma refeiçãosimples.
Quandosaciouafome,ovelhodisse-lhe:
— Se nãoestou enganado, viestede longe.Possoper guntar-te
paraondevais?
—Dir-te-ei–respondeuDesejoso–,emborasejaprovávelquerias
de mim. Sonheique na terra do solexiste um bosquecheiode
laranjeiras e que em uma das laranjas devoencontraruma bela
princesaquedevesetornarminhaesposa.Éaelaquembusco.
— Porque riria? – perguntou o velho.– Loucuranajuventude é
verdadeira sabedoria. Vai, jovem,segueteusonho,e casonão
encontres a felicidade que buscas,dequalquer modo, terástidoa
felicidadedebuscá-la.
IV
No diaseguinte o príncipeacordou cedoe pediulicença ao
anfitriãopara . partir
— O bosquequevês em teu sonho nãoé distantedaqui – disseo
velho.– Fica nas profundezas daflorestae estaestrada televará
paralá. Chegarása um parq ue vasto,cercadoporaltas muralhas.
No m eiodoparqueficaum castelo, ondemorauma bruxa horrenda
que nãopermite que nenhumservivocruzeas portas. Atrásdo
castelo estáo laranjal.Segue a muralha atéque chegues a um
pesado portãode ferro.Não tenta forçarabri-lo,
mas lubrifica as
dobradiçascomisto–eovelhodeu-lheumpequenofrasco.
—Oportãoseabrirásozinho–prosseguiu–eumcãoenormeque
guarda o castelo viráem tua direção com a bocarra aberta,mas
lançaparaele este bolinho
deaveia.Depois, verásuma cozinheira
debruçada sobreo fornoaceso.Dá a elaessaescova.Por fim,
verásum poçoa esquerda; nãoteesqueças de tirar a corda do
balde e estendê-la ao sol.Após teresfeitoisso,nãoentres no
castelo,mas circunda-eoentra nolaranjal.
Apanhatrês laranjas,
e
voltaaoportão o maisrápido quepuderes.Uma vez dolado defora,
saidaflorestapeloladooposto.
— A gora,atenta para isto:
o quequerqueaconteça, nãoabras as
laranjasatéque cheguesà margem deum rio ou a uma fonte. De
cadalaranjasairáuma princ esae poderás escolher a que quiseres
poresposa.Uma vez que escolhas, temmuito cuidado de nunca
sairdeperto detua noivanem porum instante e lembr a-teque o
perigoque mais devemostemer nuncaé o perigoque mais
tememos.
V
Desejoso agradeceucalorosamente aoanfitrião
e tomou a estrada
indicada. Em menosde uma horachegouatéa muralha, que era
realmente muitoalta. Saltou, amarrou o cavaloem uma árvoree
logoencontrou o portão de ferro.Destafeita, pegou o frascoe
lubrificouasdobradiças, quando o portão seabriu sozinho e viuum
grandecastelonointerior .Opríncipeentrousemtemornopátio.
De repente, ouviuuivos fero zes e um cão, altocomo um burrico,
com olh oscomo bolas debilhar veio em suadireção, mostrando os
dentes queeramcomo aspontas deum garfo.Desejoso lhe lançou
o bolinho de aveia,que o canzarrão logoabocanhou, e o jovem
príncipepassoucalmamente.
Poucosmetros adiante, viuum fornoenorme,com uma grande
abertura, em brasas incandescentes. Uma mulher , alta como um
gigante, estav
a debruçada sobreo forno.Desejosolhedeu a
escova,queelaapanhouemsilêncio.
Nessaaltura, foiatéo poço, içoua corda,que estava um tanto
apodrecida,eaesticouaosol.
Porfim, circun
douo castelo e entrou nolaranjal.
Lá, colhe u astrês
laranjas mais belas que pô de encontrar , e deu meia-volta para
regressaraoportão.
Justonaquele momento,o solescureceu, a terra estremeceu e
Desejosoouviuumavozagritar:
—Cozinheira,cozinheira,toma-lhepelospéselança-onoforno!
— Não – respo ndeua cozinheira –, já passara
muito tempo desde
que comeceia limpar este fornocom minhaspróprias mãos. Tu
nunca t
e impor taste
deme daruma escova;mas ele deu-me uma e
seguiráempaz.
— Corda,ó corda!– maisuma vez gritou a voz. – Enrosca-te ao
redordopescoçodeleeestrangula-o.
— Não – respondeu a corda –, tume deixaste pormuitos anos
ficaraos pedaços umedecida . Eleesticou-me aosol.Deixa-lheirem
paz.
—Cão,ómeubomcão!–bradouavoz,cadavezmaiszangada.–
Caiemcimadeleecome-ointeiro.
—Não–respondeuocão–,emboraeutesirvahámuitotempo,tu
nuncame deste nenhumbolinho. Eledeu-me tantos quantosquis.
Deixa-lheirempaz.
— Portãodeferro,portão
deferro! – berrou
a voz, rosnando
como
umtrovão.–Caisobreeleeoreduzapó!
— Não – respondeu o portão
–, faz cem anosdesde que tume
deixasteaenferrujareelemelubrificou.Deixa-lheirempaz.
VI
Uma vez dolado defora,o jovem aventureiro pôs aslaranjas em
uma sacola que pendia de suasela,montou no cavalo e rumou,
célere,paraforadafloresta.
Ora, como ansiava veras princesas, estava impaciente para
chegar a um rioou a uma fonte, mas, emboratenha cavalgado por
horas,nãosepodia vernenhumrio ou fonte em lugar algum.Ainda
assim,seucoração estava le
ve, poissentia quepassara pela parte
maisdifícildatarefa,eerafácildescansar .
Porvolta dom eio-diachegoua uma planície arenosa, abrasadora.
Aí, foit
omadodeuma sedemortal; tomou seucantil e levou-o aos
lábios.No entanto,o cantilestava vazio;naexcitação desuaalegria
esquecera deenchê-lo.Seguiuadiante, lutando com o sofrimento,
mas,porfim,nãoconseguiumaissuportar .
Deixou-se cairporterra e deitou-se ao lado do cavalo, com a
garganta queimando, o peito pesado e a cabeçaa rodar . Já sentia
quea morte seaproximava, quando seusolhos recaíram nasacola
daqualseviamaslaranjas.
O pobre Desejoso,quedesbravara tantos perigosparaconquistar
a mulh erde seussonhos,nessemomentoteria dadotodas as
princesas domundo, fossemrosadas ou douradas, poruma única
gotad’água.
— A h! – disse parasimesmo. – Se ao menosessaslaranjas
fossemfrutas deverdade, tão refrescantes quanto asque comiem
Flandres!Afinal,quemsabe?
Essa id eiadeu-lhealgumânimo. Teveforçasparalevantar- ese
pôrasmãosnasacola. irou
T umalaranjaeabriucomafaca.
Dedentrodelasaiuvoandoacanáriamaisbonitaquejamaisvir
— D á-me algoparabeber , estou a morrer de sede– disse o
pássarodourado.
— Esperaum minuto – respondeu Desejoso,tão atônito, que
esquecera dospróprios padecimentos. Parasatisfazer o pássaro,
pegou a segundalaranja,
a abriu,sem pensar no que estava
fazendo.Delasaiuoutrocanárioquetambémcomeçoualamentar:
—Estouamorrerdesede,dá-mealgoparabeber .
O filho
de lord
e Barrica
percebeu
suatolice,e enquanto os dois
canários
voavamparalonge,prostrou-nosechão, onde,exausto
pelooúltimoesforço,caiuinconsciente.
VII
Quandovoltou a si, tevea agradável sensação defrescor aoredor .
Era noi
te,o céu estava salpicadodeestrelas e a terrarecoberta de
um serenoespesso.Porter se recuperado, montou o cavalo e, no
primeiro
traço donascer dosol,viu,diante dele, um rioserpenteante
eabaixou-separasaciarasede.
Quasenãoteve coragemdeabrir a última laranja.Então,lembrou-
se da noite anterior em que desobedecera às ordens do velho.
Talvezessasedeterrível fosseum truque da bruxaardilosa e,
suponhamos: mesmo queabrisse a laranja às margens doriacho, e
seelenãoachassenelaaprincesaquebuscava?
Pegou a facae abriu a laranja.
Ai! De dentro dela saiuvoando um
canarinho,exatamentecomoodasoutras,quegritou:
—T enhosede,dá-mealgoparabeber .
O desapontamento de Desejoso foi enorme.Entretanto , estava
determinado a nãodeixar essepássaropartir; assim, pegouum
poucode água napalma damão e levou-a aobicodopá ssaro.Mal
o canár
iobebeua água, tra nsformou-se numa linda moça, alta e
esbeltacomoumchoupo,deolhosnegrosepeledourada.Desejos
nuncavira alguémque fossetão adorável e lá ficoua admirando,
extasiado.
Poroutrolado,elaparecia um tanto desnorteada, mas olhava ao
redorcom um olhar alegre e, absolutamente, nãotinha medodeseu
libertador
.
Ele perguntou-lhe o nome. Ela respondeu que se chamava
princesa Zizi, tinhaunsdezesseis anosquando,há cercade dez
anos,a bruxaa mantivera presaem uma laranja na formade um
canário
— Bem, adorável Zizi– disse o jovem príncipe,ansioso parase
casarcom ela –, partamos rapidamente paraescaparmos dabruxa
malvada.
Entretanto,Zizidesejavasaberparaondeelealevaria.
—Paraocastelodemeupai–disseorapaz.
Montouo cavalo,
a pôs dian
tedesie, segurando-com
a cuidado
emseusbraços,começaramajornada.
VIII
Tudo o que a princesa viaera-lhe novidade e, ao passarpor
montanhas, vales e cidades,faziamilharesdeperguntas.Desejoso
estavaencantado porrespondê-las. É tão agradávelensinaraos
queamamos!
Certavez,elaperguntoucomoeramasmoçasdopaísdele.
—Sãorosadasealvas–respondeu–,eseusolhossãoazuis.
— Gostas de olhos azuis? – inquiriu
a princesa,mas Desejoso
acreditou
seruma ótimaoportunidade paradescobrir o que se
passavanocoraçãodamoça,demodoquenãorespondeu.
— Sem dúvida – prosseguiu a princesa– uma delasé suanoiva
prometida?
Aindaassim ficou calado e Zizi empertigou-se,de maneira
orgulhosa.
— Não – disse, porfim. – Nenhumadasmoçasdemeu paíssão
belasaosmeus olhos e é porisso quevimprocurar poruma esposa
naterradosol.Estouerrado,queridaZizi?
Dessavez,foiZiziquemficoucalada.
IX
Conversando dessemodo, acercaram-se do palácio.Estavama
cercade algunsmetros dos portões quandodesmontaram no
bosque,àbeiradeumafonte.
— QueridaZizi– disseo filho
delorde Barrica–, nãopodemos nos
apresentardiantede meu paicomo doisaldeões que voltaram
de
um passeio.Devemos entrar no paláciocom mais cerimônia.
Espera-me aqui e, em uma hora, retornarei com carruagens e
cavalosapropriadosaumaprincesa.
— N ãodemora– respondeu Zizi, e ela,com olhos tristonhos,
o
assistiupartir
.
Quandose viusozinha,a pobremoça começoua sentir medo.
Temendoque aparecesse um lobo,escondeu-se no interior
do
tronco oco de um salgueiro que pendia porsobrea fonte.Era
grandeo bastante paraescondê-latoda,mas quis daruma
espiadela,
e suabela cabeçafoirefletida naságuas claras. Nessa
altura,
apareceu nãoum lobo,mas um sertanto ou maisperversoe
feio.Vejamosquemeratalcriatura.
X
Não m uito longe da fonte viviauma família de pedreiros. Ora,
quinzeanosantes, o paida família,ao caminhar pelobosque,
encontrou uma menininha que foraabandonada pelos ciganos.
Levou-a paracasae apresen tou-aa suaesposa.A boamulher ficou
com dó damenina e a crioucomo um deseusfilhos. Ao crescer , a
ciganinhaficoumuito maisfamosapela forçae astúcia do que por
sua sensibilidade ou beleza. Tinhauma testa curta,o nariz
achatado, os lábiosgrosso s, o cabelo crespo e uma pele,não
douradacomoadeZizi,masdacordobarro.
Semprefaziam troça delaporsuacompleição física,e elaficava
tãobarulhentae brava comouma gralha. Porisso,chamavam-nade
Gralhita.
O pedreiro sempremandav a Gralhita
buscarágua na fonte e,
comoeraorgulhosaepreguiçosa,aciganadetestavafazerisso.
Foi elaquem assustou Zizi ao aparecer com o jarro no ombro.
Assimque se reclinou paraenchê-lo,viu, refletida
naág ua, a bela
imagemdaprincesa.
— Q ue rostobonito! – exclamou.– Ora, devesero meu! Porque
cargasd’água dizem que sou feia?Certamente sou bela demais
paraseracarregadoradeáguadeles!
Aodizeristo,quebrouojarroevoltouparacasa.
—Ondeestáojarro?–perguntouopedreiro.
—Bem,oqueachas?Ojarrofoitantasvezesàfonte..
— Q ue finalmente quebrou . Bem, cá estáum balde que não
quebra.
A cigana volto
u à fontee, aovermaisuma vez a imagem deZizi,
disse:
— Nãoquero maisserum animal decarga.– E lançou o balde tão
altopelosaresquebateunosramosdeumcarvalho.
— Deparei-me com um lobo– disse Gralhita ao pedreiro –, e
quebreiobaldenonarizdele.
O pedr
eiro
nãofez maisperguntas,
mas pegouuma vassoura
e
deu-lheumasurraquediminuiuumpoucooorgulhodamenina.
Então,entregou-lheumantigolatãodeleitedecobreedisse
—Setunãotrouxeresdevoltacheio,teusossossofrerãoporis
XI
Gralhita partiu, esfregando o corpo,mas dessavez nãoousou
desobedecer e, demuito mau-humor, reclinou-sobre
se a fonte. Não
foifácilencher o latão deleite,queeragrande e arredondado. Não
cabiabem na fonte e a ciganateve de tentar enchê-lomuitas e
muitasvezes.
Ao fina l, seusbraços estavam tão cansados que, quando tentava
afundá-lonaágua, nãotinha forças paratrazê-lo devolta e o latão
desciaatéofundo.
Ao vê-lo desaparecer , Gralhitafez uma caratão infeliz
que Zizi, a
qualaestiveraobservandootempotodo,teveumasíncopeder
Gralhita voltou-para se trás e percebeu o erro quecometera. Ficou
tãoaborrecidaquepôsnacabeçaquesevingariaimediatament
—Oquefazesaqui,criaturaadorável?–disseelaaZizi.
— Esperopormeu amado–, respondeu Zizi e então, com a
simplicidade naturaldeuma moça queaté há bem poucotempo fora
umcanário,contou-lhetodaahistória.
A cigan a muitas vezesvira passar o jovem príncipe, com a arma
aoombro,aoircaçar corvos. Elaeratão feiae esfarrapada queele
nuncal he notara, mas Gralhita, porsuavez, o admirara, embora
pensasse que elepudesseserum poucomais gordo.Pensou
consigo:“Ah, minhacara!En tão elegosta demulher morena!Ora,
também sou morena,se ao menos pudessepensar em uma
maneirade..”.Enãocustoumuitoatéquepensasse.
— O quê?! – exclamoua astuciosa Gralhita.– Vêm apanhar-te
com grandepompa e tunãoestás com medodemostrar- te a tantos
senhores e senhoras refinados com um cabelo destes? Desce já
daí,pobrecriança,edeixa-mearrumar-teoscabelos!
A inocente Zizi desceuimediatamente e se postou perto de
Gralhita. A ciganacomeçou a escovaras longasmadeixas
castanhas deseuscabelos quando,derepente, tirouum alfinetedo
espartilho e, assimcomo a gralha enfiao biconoslagartos e nas
nozes, afundouo alfinete
nacabeçadeZizi. TãologoZizisentiua
fisgadadoalfinete,
tornou-se
novamenteum pássaroe, abrindo
as
asas,voouparalonge.
— Issofoimuitobem feito
– disse
a cigana.– O príncip
e terá
de
serespertoparaencontrarsuanoiva.
E, após ajeitar
o vestido,
sentou-sena gramaparaaguardarpor
Desejoso.
XII
Enquanto isso, o príncipe vinhatão rápidoquanto seu cavalo
pudesselevá-lo,tãoimpaciente que sempreestava uns trinta
metros à frente dosnobres enviados porlorde Barricaparatrazer
Ziziaopalácio.
Ao vera cigan a horrenda, Desejoso emudeceudesurpr esae de
horror.
— Ah! Não re conheces tuapobreZizi? – perguntou Gralhita. –
Enquanto estivestesfora,a bruxamá esteve aquie trans
formou-me
nisto. Entretanto, setiveres coragemdecasar-te comigo, retomarei
minhabeleza–ecomeçouachoraramargamente.
Ora, De sejoso tinhaboaíndole e um coração tãomolequanto era
corajoso. Pensou consigo: “Pobrezinha! Não é culpa delaquetenha
ficado t
ãofeia,é minhaculp a. Ah! Porquenãoseguiosconselhos
dovelho? Porquea deixei só? Ademais,depende demim quebrar-
lheoencanto,eaamodemaisparadeixá-laficardessamaneira”.
Assim, aprese ntou a ciganaaossenhores e senhoras da corte,
explicando-lhesoterrívelinfortúnioqueocorreraàsuabelan
Todosfingiram acreditare as cortesãs imediatamente trajaram a
falsa princesa nosmaisricos vestidos que trouxeram paraZizi. Ela
foi, entã o, colocada noalto de um magníficopalafrém furta-passo e
dirigiram-serumoaocastelo.
Infelizmente, os ricos trajes e joias só faziam Gralhitaparecer
aindamais feia e Desejosonão podiadeixarde se sentir
envergonhado e desconfortável ao adentrar com elaa cidade. Os
sinos repicavam, oscarrilhões bimbalhavam, aspessoas lotavam as
ruas e vinham às portas para assistiraocortejo.Quasenãopodiam
acreditar noque viamassimque notavam a noivaestranhaque o
príncipeescolhera.
Paraprestar-lhe honras, lorde Barrica foiencontrá-aolas pés da
grande escada riade mármore. Ao vera criatura horrenda, quase
caiudecostas.
—Oquê?!–exclamou.–Estaéabeldademaravilhosa?
— Sim, meu pai, é ela– respondeu Desejoso com um olhar
encabulado. – Mas elafoi enfeitiçada
poruma bruxamá e não
recobraráabelezaatéquesetorneminha . mulher
— A ssimela o diz? Bem, seacreditas
nisso,devesbeberágua fria
epensarsertoucinho.–RespondeuirritadiçooinfelizlordeB
No entanto, como amava seu filho,deu a mão à ciganae a
conduziu aogrande salão, ondeestava
preparadaa grandefestade
casamento.
XIII
O banquete estava excelente, mas Desejoso quasenãotocou em
nada.Entretanto,paracompensar , os outrosconvidados comeram
comavideze,quantoalordeBarrica,nadatiravaseuapetite.
Quandochegouo momento dogansoassado,houveuma pausae
lordeBarrica aproveitoua oportunidade paraabaixar o garfoe a
facaporum m omento. Como o gansonãodavasinais deaparecer,
mandouseudestrinchador- descobrir
mor o queestava acontecendo
nacozinha.
Eisoqueacontecera.
Enquanto o gansogirava noespeto, um belo canarinhopousou no
peitorildajanelaaberta.
— Bom dia,bom cozinheiro! – disse numavoz argêntea aohomem
queestavatomandocontadoassado.
— Bom dia,adorável pássarodourado! – respondeuo chefedos
ajudantesdecozinha,queforamuitobemeducado.
— Rogo aos céus que mandem-tedormir – disseo pássaro
dourado – e que o gansoqueime, de modo que nadasobrepara
lordeBarrica.
E, no mesmo instante o chefe dosajudantes de cozinhacaiuno
sonoe o gansofoi reduzi do a cinzas. Quandoacordou,ficou
horrorizado
e deuordens paradepenar outroganso,recheá-locom
castanhasecolocá-lonoespeto.
Enquanto estava tostando nabrasa,lorde Barricaperguntoupelo
gansouma segundavez. O próprio cozinheiro-chefesubiuatéo
grande salão parapedir desculpas e implorar a seu senhor que
tivesse paciência.Lorde Barrica demonstrou sua paciência
insultandoofilho.
— Como se nãobastasse – resmungou entre os dentes– esse
menino escolheruma feiosa sem um tostão, o gansoagoraainda
tinhaquequeimar!Não foiuma esposa o queele me trouxe,mas a
própriafome!
XIV
Enquanto o cozinheiro-chefe estavalá em cima, o pássaro
douradovoltou a pousar nopeitoril
dajanelae chamouem voz clara
oprincipalajudantedecozinha,quetomavacontadoespeto:
—Bomdia,meubomcozinheiro!
— Bom dia,adorável pássarodourado! – respondeu o chefedos
ajudantes de cozinha,a quem o cozinheiro-chefe, na agitação,
esqueceradeadvertir.
— Rogo aoscéusquemandem-te dormir– prosseguiuo canário

equeogansoqueime,demodoquenadasobreparalordeBarrica.
E rapidamente o ajudante de cozinhacaiuno sono. Q uandoo
cozinheiro-chefevoltou,encontrouo gansotão negroquanto uma
chaminé.
Em fúri
a, acordou o ajudante de cozinha,que parasafar-seda
vergonha,contoutodaahistória.
— A quele pássaromaldito – praguejouo ajudante de cozinha–
terminarápordespedir-me. Vinde,alguns de vós, escondei-vose,
casovoltenovamente,pegaietorceioseupescoço.
Espetou um terceiro ganso,acendeu um grande fogo e sentou-se,
elemesmo,aolado.
Opássaroapareceupelaterceiravezedisse:
—Bomdia,meubomcozinheiro!
— Bom dia,adorável pássarodourado! – respondeu o chefedos
ajudantes de cozinha, como se nadativesse acontecido.No
momento em queo pássaro começoua dizer “Rogoaoscéusquete
mandem”, um outro ajudantede cozinhaque estava escondido
correuligeiro
e fechoua janela.O pássarovooupela cozinha.Neste
momento,todos oscozinheiros e ajudantes
pularam para capturá-lo,
tentandoderrubá-lo com seusaventais. Por fim, um o capturou
justamente no momentoem que Barrica entrou na cozinha,
brandindoseucetro. Viera
vercom seuspróprios olhosporque o
gansonuncaforaapresentado.
O ajudante
de cozinhaimediatamente
parou,no exatomomento
emqueestavaprestesatorceropescoçodocanário.
XV
— Algum de vós teria a gentileza de explicar-me
o que significa
tudoisso?–berrouosenhor vesnes.
deA
— Vossa Excelência,é o pássaro– respondeu o ajudante de
cozinha,ecolocouaavenamãodele.
— Que disparate!Que pássaroadorável! – exclamoulorde Barrica
e, ao lheafagara cabecinha tocouno alfinete
espetado entreas
penas.Eleo retirou
e eisqueo canário imediatamentetransformou-
se numa bela moça depele dourada,que, com delicadeza,saltou
aochão.
—Graciosa!Quebelamoça!–disselordeBarrica.
— P ai! É ela!É Zizi! – cla mou Desejoso,que entrou naquele
momento.
Tomou-anosbraços,achorar:
—MinhaqueridaZizi,comoestoufelizporver-temaisumavez!
—Bem,eaoutra?–perguntoulordeBarrica.
Aoutraestavaesgueirando-sesilenciosaemdireçãoàporta.
— D etende-a!– ordenou lordeBarrica.– Julgaremos seu caso
nestemesmoinstante!
O lorde sentou-sesolenemente perto do fogão e condenou
Gralhita
a serqueimada viva. Depoisdisso,oslordes e cozinheiros
agruparam-se em filas e LordeBarrica prometeu Desejosoem
casamentoparaZizi.
XVI
O casamento aconteceu poucosdias depois.Todososmeninos do
campo estavam lá, portandoespadas de madeira,decoradas com
dragonasdepapeldourado.
Zizi conseguiu que se concedesse perdão a Gralhitae esta foi
mandada parao localondeeramfeitos ostijolos,
seguida e vaiada
portodos os meninos.E é porissoque atéhojeas crianças
camponesaslançampedrasnasgralhas.
Na noite do casório,todas as despensas, celeiros,armários e
mesas daspessoas,fossem ricas ou pobres,estavam repletas,
como se porencantamento, depão, vinho,cerveja,bolos e tortas,
cotovias assadas e atémesmo gansos,demodoque lo rdebarrica
nãopodiamaisreclamar que seu filhose casara com a própria
fome.
Desde então semprehouvemuito o que comernaquel e paíse,
desdeessaépocatambém, podemosver , no meiodasmulheres
louras de olhosazuisdeFlandres,umas belas moças, cujos olhos
sãonegrose a pele dacordo ouro.Estassãoasdescendentes de
Zizi.[32]

Contes du Roi Gambrinus.


[32] CharlesDeulin,
OsDozeIrmãos

RA UMA VEZ um reie uma rainha queviv iamfelizesjuntos


e tin
ham dozefilhos, todosvarões.Um dia,o rei disseà
esposa:
— Se nossadécimaterceira criançaforuma menina,
todosos seusdoze irmãos devem morrer, paraque ela seja muito
ricaeherdetodooreinosozinha.
Porisso,ordenou que se fizessemdoze caixõesrecheados com
lascasde madeira e que se pusesse um travesseiro em cadaum
deles.
Depois, escondeu-os todosem um quarto vazioe entregoua
chaveàesposa,pedindo-lhequenãofalassedissoaninguém.
A rainha, inconsolável,passava os diaslamentando o fatídico
destinodosfilhos.Tãoevide nteerasuatristeza que seufilho mais
novo,quesempre lheacompanhava e a quem batizara com o nome
deBenjamin,disse-lheumdia:
—Queridamãe,porqueestástãotriste?
— M eu filhinhoquerido– respondeua rainha –, nãote possodizer
arazão.
Mas o menino nãoa deixouem paz enquanto ela nãoabriu a porta
doquarto e lh
e mostrou os doze ataúdes recheados deaparas de
madeira,cadaumcomseutravesseiro.Eentãoeladisse:
— M euquerido Benjamin, teu paimandoufazerestes caixões para
ti e paraosteus onzeirmãos, porque,seeu derà luzuma menina,
devereistodosmorrerenelessereisenterrados.
Chorava amargamente enquanto lhediziaessaspalavras, mas o
filhoconsolou-a,dizendo:
— Não chores,querida mãezinha.Haveremosde escapar de
algummodo,eentãofugiremosparasalvarnossasvidas.
— Sim – respondeu a mãe. – Eis o quedeveis fazer: vaicom teus
onzeirm ãosparaa floresta e queum devósesteja sempre sentado
num galho daárvore maisalta queconseguirdes encontrar , vigiando
a to rredo castelo. Se eu derà luz um menino,hast earei uma
bandeira branca e entãopodereis regressarem seguranç a. Mas, se
eu derà luzuma menina,hastearei uma bandeira verm elha.Isso
vosservirá deadvertência paraquefujais o maisrápido possível, e
que o bom Deus tenha piedade de vós. Todasas noites me
levantarei e rezareiporvós. No inverno, paraque tenha issempre
uma fogueira que vosaqueça.No verão, paraque o calor nãovos
oprima.
Depois, a rainha deusuabênçãoaosfilhos e eles partiram paraa
floresta.Lá, encontraram um carvalho muitoalto e nele montaram
guarda,reveza ndo-seem turnos e mantendo osolhos semprefixos
na torre do castelo. No décimo segundodia, durante o turno de
Benjamin, o pequeno notou quehasteavam uma bandeira natorre.
Mas eisque nãoerabranca,mas vermelha da cordo sangue,o
sinal que anunciava que todos elesdeveriam morrer. Seus irmãos,
quandose inteiraram da notícia,encheram-sede raivae
exclamaram:
— É inacreditá velquetenhamos deenfrentara morte porcausade
uma maldita menina!Juremosvingança. Semprequeencontrarmos
umamenina,sejaonde,ela for haverádemorrerpornossasmãos.
Depois, embrenharam-se na mata. Quandochegarambem no
meio da floresta, no ponto mais escuroe de vegetação mais
cerrada, depararam-se com uma casinha encantada completamente
vazia.
— Vivamos aqui– disseram.– Tu, Benjamin, queés o m aisjovem
e indefeso, ficarásem casae teocuparásdastarefas domésticas.
Osdemaissairemosembuscadealimento.
Assim, caminhavampelafloresta caçandolebres e corças,
pássarose pombossilvestr es e qualquer outro animal que lhes
cruzasseo caminho.Sempre levavam o que haviamcaçadoa
Benjamin, que logoaprendeu a preparar deliciosos
pratos. Desse
modo, viveram alegremente pordez anosalinaquela casinha,
quasesemveremotempopassar .
Entrementes, sua irmãzinha crescia a olhosvistos. Era uma
menina afável,de gentilaspecto e que tinhauma estrela dourada
bem no meioda testa. Um dia,durante uma grande lavagem de
roupaque faziam no palácio,a meninaolhoupelajanela e,
reparando que haviadoze camisasde homem dependuradas do
varal,perguntouàmãe:
— A quem seráquepertencem essascamisas?Com certeza, são
demasiadopequenasparaomeupai!
Earainharespondeupesarosa:
—Filhaquerida,essascamisassãodeteusdozeirmãos.
— Mas ondeé queestão meus dozeirmãos? – dissea m enina.–
Nuncaouvifalardeles.
— S ó D eussabeem querinc ãodomundoestão agora,perdidos –
respondeuamãe.
Depoisdedizer isso,levoua menina atéo quartofechado à chave
e m ostrou-lhe os doze ataúdes recheados de aparasde madeira,
cadaumcomseutravesseiro.
— E stes caixões– disse ela– erampara osteus irmãos.Mas eles
fugiramemsegredoantesdetunasceres.
E prosseguiu, contandotudo o queacontecera. Quandoterminou,
afilhalhedisse:
— Não chores, mãe querida.
Vou partir
em buscademeus irmãos
enãodescansareienquantonãoos. encontrar
Então,pegouasdozecamisas e seembrenhou resoluta
nagrande
floresta.
Caminhouo diainteiro e, ao cairda tarde,
chegouà
casinha encantada.
Entroue, lá dentro,encontrou
um jovenzinho
que, encantado
com suabeleza,com asvestes reais
queenvergava
e com a estrel
a douradaqueexibia natesta,
perguntou-
e lh
deonde
vinhaeparaondeia.

— Sou uma princesa


– respondeu
a menina
–, e estou
procurando
meus dozeirmãos.
Estoudisposta
a peregrinar
atéondeo céu azul
seuneàterra,embuscadeles.
E mostrouaojovem asdozecamisas quetraziaconsigo.Benjamin
concluiuqueaqueladeviasersuairmã,elhedisse:
—EusouBenjamin,teuirmãomaisnovo.
Os dois choraramdealegria e se beijaram
e se abraçaram vezes
semconta.Depoisdeumtempo,Benjaminobservou:
— Querida irmã,há, porém, um pequeno problema. Todosnós,
teus irmãos,juramos que qualquer meninaque encontrássemos
deveria morrer pornossas mãos, poisfoiporcausadeuma menina
quetivemosdeabandonarnossoreino.
Aoouvirisso,aprincesarespondeu:
— Morrerei debom grado,se com issopuder devolveraosmeus
dozeirmãosoquelhespertence.
— Não – respo ndeuo garoto –, nãohá necessidade.Vai, apenas,
e teesconde embaixodaqu elebarril
atéque meus onze irmãos
retornem.Então,heideresolverasituaçãocomeles.
A m enina obedeceu, e logoos outros chegaramda caçadae se
sentaramàmesaparacomer .
— Muito bem, Benjamin,quaissãoas novidades? – perguntaram
eles.
Masogarotorespondeu:
—Oraessa.Nãotendesnadaparadizer-me?
—Não–responderamosoutros.
AoqueBenjaminreplicou:
— Essa é boa. Caminhastes pelafloresta
o diainteiroe eu, que
fiqueiemcasabemquieto,aindaassimseimaisdoquevós.
—Entãoconta-nos!–bradaramtodos.
Ogaroto,porém,objetou:
— S omente se jurardesdepés juntos que a primeiramenina que
encontrarmosnãoserámorta.
— Muito bem, elaserápoupa da– prometeram.– Agora,conta-nos
anovidade.
Então,Benjaminlhescontou:
—Nossairmãestáaqui.
Dizendo isso,levantou o barril e a irmãdeuum passoà frente,
com suas vest es reais e a estrela dourada na fronte, tão bonita e
doceeelegantequetodosseapaixonaramporelaàprimeiravis
Assim, combinou-seque elaficaria em casa com Benjamin,
ajudando-nas o tarefas do lar , enquanto os outros sairiam pela
florestacaçando lebres e corças,pássaros e pombossilvestres. E
Benjamin e a irmãcozinha vam paraeles.Ela colhia ervaspara
cozinhar com as verduras, ju ntava a lenha e vigiava as panelas no
fogão.Desse modo, sempre queosonzeirmãos voltavam , a comida
já estavapronta.Além disso , mantinha a casaem ordeme limpava
todos os cômodos. Era sempretão prestativa que seusirmãos
viviamencantadoscomela,etodoserammuitofelizesjuntos.
Um belo dia,os dois prepararam um grande banquete. Quandoos
outroschegaram,todos sereuniram e, sentados à mesa, comeram
ebeberamedivertiram-sea . valer
Ora, em torno dacasaencan tada, havia um pequeno jardim onde
cresciam doze lírios bem altos. A menina,desejosa deagradar os
irmãos,foicolher asdozeflo respara dar-lhesdepresente enquanto
jantavam. Porém, malhavia elaterminado dearrancá-las, os doze
irmãos setransformaram em dozecorvos, quesaíramvoandopela
florestaafora,eacasaeojardimtambémdesapareceram.
Agora, a pobremeninaestava completamente só na floresta.
Olhando em redor , porém, elaviuuma anciã,de pé, bem ao seu
lado.
— O que foste fazer, menina?– disse a velha.– Por que não
deixaste as flores em paz? Elaseramteus doze irmãos. Agora, os
coitadosficarãoparasempretransformadosemcorvos.
Eaosprantos,ameninalheperguntou:
—Enãotemnenhumjeitodelibertá-los?
— Não – disse a anciã. – Há apenas uma maneira em to daa face
daTerra,e é tão difícil
que tujamais conseguirás libertá
-losassim,
poisteriasdepermanecer m udae sem rir durante sete anos;e se
pronunciasses uma só palavr a, ainda quesó faltasse uma hora para
completar-ose prazo, teusilêncio teriasidoem vãoe, ainda por
cima,teusirmãosmorreriamporcausadessapalavra.
Mesmoassim,ameninapensouconsigo:
— Se issoé tudo que preciso fazer, então tenho certezadeque
soucapazdelibertarmeusirmãos.
E saiuem busca deuma árvorebem alta. Quandoencontrou o que
procurava, subiuatéo ramomaiselevado e ali ficou.Passavaos
diasláemcima,afiar ,semnuncarirnemdizerpalavra.
Ora, acontece que, um belo dia,passouporali um reia caçare
essere ipossuía um grande galgo,quecorreu farejando atéa árvore
ondeestava a menina e ali se pôs a pular e latir furios
amente. O
barulho atraiu
a atenção do monarca e, quandoeste olhou para
cimae viuaquela lindaprincesa com uma estrela dourada natesta,
ficoutãoencantado com tamanha belezaque lhepediuem
casamento ali mesmo. A mocinhanadarespondeu, mas fez um
ligeiroacenocom a cabeça. O rei,então, escalou a árvoreem
pessoa,desceu com ela,colocou-sobrea o cavalo e a levou para o
seupalácio.
O casamento celebrou-com se grande pompae circunstância, mas
anoivanadafalounemdeuumsorriso. sequer
Passadosalgunsanos,osdoisviviamfelizesemunião,masamãe
dorei, queerauma velha má , começoua espalhar calúniascontra a
jovemrainha,edisseaorei:
— Não passade uma cria da plebeia e mendicante, essacom
quem te casaste. Sabe-selá quemaldades é capazdefazercontra
nós! Está certo queé mudae nãopodefalar . Mas podia aomenos
sorrir
. Bem sabesque quem nãorié porquetema consciência
pesada.
No início,o re i nãodavabolaparaas palavras dela.A velha,
porém, persistia tantono assunto e acusava a jovemrainha de
tantas maldades que, porfim, o reideixou-selevar porsuas
palavrasecondenousualindaesposaàmorte.
Paratanto,acendeu-se uma grande fogueirano pátiodo castelo
paraqueimar a moça, e o reiassistia aospreparativosdebruçado
em uma janela maisalta, com os olhos rasos
d’água, poisainda
amavaaesposadetodoocoração.Contudo,nomomentoemquea
jovem,já amarrada à estaca, viaaschamasbeijarem-lhe asvestes
com suas labaredas vermelhas, os setes anosfinalmente se
completaram. Ouviu-seentão um frêmito deasascruzand o o are os
dozes corvos apareceram voando lá no alto.Mas logoas aves
mergulharam pelocéu abaixo e, assim que tocaram o solo,
transformaram-senosdozeirmãos,queelaacabara. delibertar
Os varões, então, dissiparam as chamas, apagando a fogueira;e
depoisdedesatar suaquerida irmãdaestaca a que estava presa,
beijaram-lhee abraçaram-lhe vezessem conta. E agoraque podia
abrir
a bocae falar, ela contou aoreiporquesemantivera sempre
mudaenãopodiasorrir .
O monarcamuito seregozijou aosaber quea esposa erainocente,
etodoselesviveramfelizespara [sempre.
3]

[3] IrmãosGrimm.
Rapunzel

RA UMA VEZ um homem e suaesposa que viviammuito


infelizes,poisnãotinham filhos.
Haviaaosfundosda
casadessebom casal uma janelinhaque se abriapara
um bel íssimojardim, repleto de floresmaravilhosas
e
legumesde toda espécie.Entretanto, eracercado porum muro
muitoalto, e ninguémousava pôr ospés nele,poisquepertenciaa
umapoderosabruxa,temidapelomundointeiro.
Certo dia, estando a mulher a essajanela, avistou
um canteiro
repletoderapúncios, cujas viçosasfolhas,deum verde muito vivo,
despertaram-um lheapetiteirresistível.
Sabendoque seu desejo,
cadadiamaisintenso, nãopoderia sersatisfeito,
a mulherafundou-
se em profund a tristeza:
suafaceempalideceu, e elacaiudoente.
Inconformado porvera esposanaquele estado,o maridoporfim
perguntou-lhe:
—Minhaquerida,oqueteaflige?
— A h! – respondeu.– Se eu nãocomerum bocado dosrapúncios
daquelejardimatrásdenossacasa,tenhocertezadequemorre
O m arido,queamavaternamente a esposa,pensou consigo:
“Ora!
Nãodeves deixá-lamorrer. Arranja-lhe
um poucoderapúncio, custe
oquecustar”.
Assim, ao cair da noite, escalou o muroe adentrou o jardimda
bruxa. Colheu um bocado defolhas derapúncio,o maisrápido que
pôde, e voltou paracasa.A esposa então preparouuma salada tão
saborosa, queseudesejo pelo alimentoproibido
eraagora maior do
que nunca.Não havia,pois,outro remédio senão o marido escalar
novamente o murodojardim e arranjar
um poucomaisderapúncio,
paraqueamulherficasseempaz.
E assimele fez, à noitinha. Ao passar parao outro ladodomuro,
porém, recuou aterrorizado, poisdeparou-se com a velha bruxaem
carneeosso.
—Comoteatreves–disseela,comolhosfuriosos–apenetrarem
meu jardim e roubar meus rapúncios, como um ladrãozinho
qualquer?Hásdesofrerasconsequênciasdetuaimprudência.
— A h! – suplicou. – Perdoai- me o atrevimento.Se fuitãoousado,
foiporpuranecessidade. Tendovisto da janelavossocanteiro de
rapúncios, minhaesposa sentiutamanho desejo decomê-los, que
porcertoteriamorridoseeunãolhearranjasseumbocado.
Com a iraum tanto aplacada poressaspalavras, a bruxaentão
respondeu:
— S e é verdade o que me dizes, podeslevar contig
o quanto
rapúncio quiseres, mas sobuma condição: terás deme entregar a
criança que em breve nasceráde tuaesposa.Não tepreocupes,
poiscuidareidelacomosefosseminhaprópriafilha.
Petrificado deterror , o homem consentiu. Logo apóso nascimento
da criança, a bruxaapareceu parabuscá-la: batizoua menina de
Rapunzel,queéomesmoquerapúncio,epartiulevando-aconsigo.
Rapunzeleraa maisbela criança sobo sol.Quandocompletou
dozeanos,a bruxatrancou- no
a altodeuma torre nomeiodeuma
densa floresta,e nãohavia portanem escada porondeentrar – tudo
quanto haviaerauma janelinha no alto.
Quandoa bruxaqueria
subir
,punha-seaopédatorreechamava:
Rapunzel, Rapunzel,
Atira-me teus cabelos dourados.
Rapunzel tinhamagníficoscabeloslongos,tão
beloscomo fiosde
ouro. Sempre que ouviao chamadoda bruxa, desatava suas
tranças e atirava-aspelajanela, uns vinte metrosabaixo.
Agarrando-as,abruxasubiaatéoaltodatorre.
Assim viveram porváriosanos. Um dia, um príncipecavalgava
pela flo
resta
quando,ao avizinhar-seda torre,
ouviuum canto tão
suave,que estancou,como que encantado, paraouvir
m elhor
. Era
Rapunzel,que, em suasolidão, cantava
parapassar o tempo,sua
voz delicadapreenchendo a floresta.
O príncipe,tomado porum
ardente desejode conhecer a donadaquele canto,
procurou pelo
acesso à torre.
Nadatendo encontrado,
cavalgoudevoltapara casa
– mas aquelecantonãoo deixavaem paz, e todos
osdias voltavaà
florestaparaouvi-lo.
Foi em um dessesdias que, estando
atrásdeuma árvore,avistou
avelhabruxaaproximar-seedizer:
Rapunzel, Rapunzel,
Atira-me teus cabelos dourados.
Rapunzelatirousuastranças,e,agarrando-as,abruxaescalou.
“Ora, senãoé aquela
a escada!”,pensouo príncipe
consigo.“Hei
desubirporelaetentarminhasorte”.
Nodiaseguinte,aoanoitecer
,dirigiu-seaopédatorreegritou:
Rapunzel, Rapunzel,
Atira-me teus cabelos dourados.
Amoçaatirouoscabelos,eopríncipeescalounomesmoinstant
Ao vero rapazentrar pela janela, Rapunzel ficoutremen damente
assustada, poisjamais vira um homem em toda a suavida.Mas o
príncipe falou-lhe com ternura e declarou francamente que seu
canto lhe tocar a o coração, e queele nãoviveria em paz enquanto
nãoaconhecesse.
Não foipreciso muito tempo para aplacaro receio queRapunzel a
princípiosentir a. Aceitou sem hesitar quando o príncipe pediu-lhe
a
mão em casamento, pensando: “Eleé jovem e belo,e certamente
serei maisfelizcom eledo que com a velha bruxa”. Pousando a
mãosobreadele,disse-lhe:
— F icarei muito felizem iremboracontigo, mas como heide
descer datorre? Semprequevieres me visitar
, devetraz er-me uma
meadade seda, com a qualfiarei uma escada.Quandoestiver
pronta,descereiporela,etumelevarásemboraemteucavalo.
Ficouacertado que ele a vis itariatodosos dias atéque a escada
ficasse pronta. Viriaà noitinha, poisdurante o diaa velha estava
semprecom ela.A bruxa, é claro, nãosuspeitava do visitante
secreto. Certo dia, porém, sem pensar no que dizia, Rapunzel
observoudistraidamente:
— M ãezinha,porquedemoras tantoa subir? O príncipe sobetão
ligeiroenuminstanteestácomigo.
— Ah, criança perversa! – gritou a bruxa. – Que significa isso?
Julgueiesconder-te em segurança contrao mundo inteiro, mas
desteumjeitodemeenganar .
Num surto de cólera,agar rouos belos cabelos de R apunzel,
enrolou-os namão esquerda e, apanhando com a outra mão uma
tesoura, rip, rip, cortou as lindastranças da menina.Mas o pior
estaria porvir:tinha a velha um coração tãoduro,que levou
Rapunzel paraum local deserto e isolado,
ondeabandonou-para a
viveremmisériaesolidão.
Porém, nanoite em quelevo u a pobre Rapunzel embora,a bruxa
amarrou as tranças em um ganchoda janela. Quandoo príncipe
apareceuechamou:
Rapunzel, Rapunzel,
Atira-me teus cabelos dourados,
a velha lançou-as torreabaixo,e o príncipeescaloucomo sempre
fazia. Porém, em vez deencontrar suaquerida Rapunzel,deparou-
secom a bruxa, que, cravando-lhe osolhos malvados e reluzentes,
dissecomescárnio:
— Ah! Pensaste que encontrarias tuaamada, mas a bela
pombinha lançou vooe seucanto emudeceu.O gato a comeu, e há
de furar-te os olhos também. Perdeste Rapunzelparasempre.
Jamaistornarásavê-la.
O prínc ipe, loucodeaflição,em seudesespero atirou-dasetorre.
Embora escapando com vida, caiuem meioa espinhos que lhe
perfuraram os olhos. Errou entãopela floresta, cego e
profundamente infeliz,alimentando- de
senadamaisque raízese
frutos, chorando e lamentando a perda desuaquerida noiva.Vagou
assimporalguns anos, desolado, atéchegarao local ondevivia
Rapunzel. De repente,ouviu uma voz que lhe parecia
estranhamente familiar
, e caminhou cheiode ansiedade em sua
direção. Quandoestava bem próximo, Rapunzelreconh eceu-o e,
pendurando-em se seu pescoço,chorou.Duas de suaslágrimas
tocaram-lhe osolhos, e todatreva sedesfez: o príncipeentãopôde
vermelhor do que jamais viraantes. ConduziuRapunzelao seu
palácio, ondeforamrecepcionados e festejados
com grande alegria,
eviveramfelizesparasempre. [34]

[34] IrmãosGrimm.
AFiandeiradeUrtigas

I
Á , vi
MUIT O TEMPOviaem Qu esnoy, em Flandres, um
grande senhor deterrascujo
nomeeraBurchard, mas a
quem os camponeses chamavam deBurchard, o Lobo.
Ora, Burchard tinhaum coração malévolo, cruel,e
diziam em segredoque costumava amarrar os arreios nos
camponeses e obrigava-os,
a golpesdechicote,a preparara terra,
descalços.
Sua mulher, poroutrolado,sempreeraafetuosa e tinha dó dos
pobrese miseráveis.
Todavez queela ouvia
a respeito deoutra má
açãodomarido,secretamente reparava
o mal, o que fez com que
seunome fossebenditoportoda a província.
Essa condes saeratão
adoradaquantoocondeeraodiado.
II
Um dia,enquanto estava
a caçar
, o condepassou porum bosque
e,àportadeumchalésolitário,viuumabelamoçaafiarcânhamo.
—Comotechamas?–perguntouàmoça.
—Renelde,senhor .
—Nãoteaborreceficaremumlocaltãoermo?
— Estou acostumada,meu senhor, e nuncame aborreçodeestar
aqui.
— P oisbem, no entanto,
vem aomeu castelo e tornar-
-eite
criada
dacondessa.
— Não posso,meu senhor, tenho detomarcontademinhaavó,
queéinválida.
— Vem ao castelo, ordeno-te. Esperareiportinesta noite– e
prosseguiunoseucaminho.
Renelde, todavia,estava comprometida com um jovemlenhador
chamadoGuilbert e nãopretendia obedecer ao conde;ademais,
tinhadecuidardaavó.
Trêsdiasdepois,ocondepassouporlánovamente.
—Porquenãofoste?–perguntouàbelafiandeira.
—Euvosdisse,meusenhor ,quetenhodecuidardeminhaavó.
— Vaiamanhãe tornar-te- criada
ei da condessa – e seguiuseu
caminho.
Essa ofertaproduziu
o mesmo efeito quea anterior
, e Reneldenão
foiaocastelo.
— S e fores– disse-lhe
o conde davez seguinte
quecava lgounos
arredores–,livrar-me-eidacondessaecasar-me-eicontigo.
No enta nto,doisanosantes, quandoa mãe de Renelde estava
morrendo de uma doença crônica,a condessa nãose esquecera
deles,
m asdera ajudaquando maisnecessitavam.
Assim, ainda que
o conderealmente desejasse casar-secom Renelde, elasempre
recusaria.
III
Passaram-sealgumassemanasantes que Burchard aparecesse
denovo.
Renelde esperava livrar-d se
ele,quando um diao condeparou à
suapor ta,com a espingarda decaçarpatos debaixo dobraçoe a
algibeirade courode gamo no ombro. Dessa vez, Renelde não
estavaafiarcânhamo,maslinho.
—Oquefias?–perguntouemvozáspera.
—Meutrajenupcial,senhor .
—Então,vaiscasar-te?
—Sim,meusenhor ,comavossapermissão.
Nessaépoca, nenhumcamponêspodia casar-sesem a licença de
seusenhor .
— Dar- te-eia licençasobuma condição. Vês aquelas urtigasaltas
que crescem nostúmulos docemitério? Vai, colhe e fiadoisbelos
trajes.Um será tuaveste nupcial, o outro, minhamortalha. Pois
casar-te-ás nodiaem queeuforbaixado à cova– e o conde retirou-
secomumrisozombeteiro.
Renelde estremeceu. Nunca, em toda Locquignol, se ouvira tal
coisacomofiarurtigas.
Além disso, o conde parecia serdeferro e tinha
muito orgulho de
seuvigor; muitas vezes, vangloriava- deseque viveriaatéos cem
anos.
Todanoite, quando terminava o trabalho,
Guilbertiavisitara futura
noiva.N essanoite,foivisitá-lacomodecostume, e Renelde contou-
lheoqueBurcharddissera.
— Gostarias que espreitasse o Lobo e partisse-o lhecrânio com
umgolpedemachado?
— N ão– resp ondeuRenelde –, nãodevehaver sangueem meu
buquê de casamento. Porisso,nãodevemos ferir
o conde.Lembra-
tedecomoacondessafoiboaparaminhamãe.
Nessem omento, uma mulhermuito,
muito velha,
falou
– eraa mãe
da avó de Reneldee tinhamaisde noventa anos.Passavao dia
inteiro
sentada nacadeira,
balançando a cabeçae nuncadiziauma
sópalavra.
— Meus filhos– disse
ela–, durantetodososanosquevivi neste
mundo, nuncaouvifalarde um trajede urtigas;
mas o que Deus
ordena,ohomempodefazer .PorqueReneldenãotenta?
IV
Renelde tentou, e, parasuagrande surpresa,
as urtigas,quando
prensadase preparadas, pro duziamum bom fio, macio,leve e fino.
Em pouco tem po, ela fiara a primeira veste,queeraparao próprio
casamento.Fioue terminou imediatamente, naesperança dequeo
condenãoa forçasse a começara fiaro outro traje.Assim que
terminoudefiá-lo,Burchard, o Lobo,passouporlá.
—Bem–disseele–,comovãoostrajes?
— Aqui, meu senhor , estáo meu vestido de noiva – respondeu
Renelde,mostrando-o lhe
tra je,queerao maisbelo e o maisalvo já
visto.
Ocondeempalideceu,masrespondeucomrudeza:
—Muitobom.Agoracomeçaooutro.
A fiand
eirapôs-se a trabalhar . Ao retornar ao castelo,um arrepio
frio spassou-o,e o Lobo sentiu,
tran como diz o ditado,que alguém
andava sobresuacova.Tentou jantar
, mas nãoconseguia; foipara
a cama tremendo de febre,mas nãodormiu e, pelamanhã, não
conseguiulevantar-se.
Essa enfermidade súbita, que a cadamomento piorava,deixou-o
muitoapreens ivo. Não haviadúvida de que a rocade fiarde
Renelde tinharelação com isso.Não seria necessário que o seu
corpo, bem como a mortalha, estivessem prontos para o
sepultamento?
A primeira
coisa queBurchar d fez foienviar um recado a Renelde,
afimdequeparassedefiar .
Reneldeobedeceue,naquelanoite,Guilbertperguntou-lhe:
—Ocondedeuoconsentimentoparanossocasamento?
—Não–afirmouRenelde.
— Continua a trabalhar , quer ida.É a única maneira deconsegui-lo.
Sabesqueelemesmotedisseisso.
V
Na manhãseguinte, assimquecolocou a casaem ordem,a moça
sentou-separa.Duas fiarhorasdepoischegaramalgunssoldadose,
quando a viram a fiar
, agarra ram-na, amarraram-lhe osbraços e as
pernas e levaram-na paraa beira do rio,que estava cheiopelas
últimaschuvas.
Ao alcançarem a margem, lançaram-na à água e assistiram-na
submergir; depois disso,partiram. No entanto, Renelde subiuà
superfície e, emboranãopudessenadar , fez um grande esforço
parachegarà terra. Foi imediatamente paracasa, sentou-se e
começouafiar .
Mais uma vez, chegaramdoissoldados ao chalé,prenderam a
moça e carregaram-na para a margemdorio,amarraram uma pedra
aoseupescoçoelançaram-naàságuas.
No mom ento em quederamascostas, a pedra soltou-se.
Renelde
vadeouatéobaixiodorio,voltouparaochaléesentou- . separafi
Dessa vez, o próprio conderesolveu ira Locquignol, mas, como
estava muito fraco e impossib ilitado
decaminhar , foilevadoem uma
liteira.Eafiandeirafiava.
Quando a viu, atirou nela,como teria atirado em uma fera
selvagem.A balaricochete ou sem ferir a fiandeira, que ainda
continuavaa . fiar
Burchard ficoutão enraivecido quequasemorreu.Quebr ou a roca
em milpedaços e depois caiudesmaiado no chão. Foi levado de
voltaaocastelo,inconsciente.
No diaseguint e, a roca foiconsertada e a fiandeira sentou-se para
fiar. Ao sentir que enquanto a moça fiavaelemorria,o conde
ordenou que as mãos delafossem amarradas e que não a
perdessemdevistanemporuminstante.
Entretanto, osguardas caíramnosono,asamarras afrouxaram-se
e a fiandeira continuou a fiar
. Burchard fez com quetodas asurtigas
fossem arranc adasem um perímetro de trêsléguas.Mal eram
arrancadas
do solo,as sementescaíam e cresciamdiante dos
olhos.Brotava
m atémesmo do pisopavimentadodo chalée, tão
logoeramarrancadas,a ro
ca atraía
parasi um suprimento de
urtigas,prensadas,preparadaseprontas . parafiar
EacadadiaBurchardpioravaeviaseufimaproximar-se.
VI
Movidapor compaixãopelomarido,a condessa,finalmente,
descobriu a causada enferm idade e pediu-lhe
que permitisse
ser
curado. No entanto, o conde,pororgulho, recusou-se,
maisdoque
nunca,aconsentircomocasamento.
Entãoa dama resolveu, sem que o condesoubesse,implorar
misericórdia à fiandeira e, em nome da finada mãe de Renelde,
pediu-lhe que nãofiasse mais. Renelde deusua palavra, mas, à
noite, Guilbert foiao chalé.Ao verque o traje nãoestava mais
adiantado que na noite anterior
, perguntou o motivo.Renelde
confessou que a condessa imploraraque nãodeixasse o marido
morrer .
—Eleconsentirácomonossocasamento?
—Não.
—Deixaquemorra.
—Masoquediráacondessa?
— A condess a compreende rá que nãofoi portuaculpa;só o
condeéculpadopelaprópriamorte.
— Aguardemosum pouco. Talvez seu coraçãopossa se
enternecer .
Aguardaram, então, porum m ês, pordois,porseis,porum ano. A
fiandeira nãofiava mais. O conde deixaradepersegui-la,
mas ainda
serecusavaaconsentircomocasamento.Guilbertimpaciento
A pobremoça amava-odetodo o coraçãoe estavamaisinfeliz
do
que jamais estivera,mais do que quandoBurchard atormentava
apenasseucorpo.
—T erminemoscomisso–disseGuilbert.
—Esperaumpoucoainda–suplicouRenelde.
O rapaz, no entanto, foificando cansado.Mais raramente iaa
Locquignol e, logo,nãoiamais. Renelde sentia
como seo coração
fossepartir-se,masmanteve-sefirme.
Um dia,a moça encontrouo conde.Juntou
asmãos, comoqueem
prece,ebradou:
—Meusenhor,tendepiedade!
Burchard,o Lobo,virouacaraeseguiuadiante.
Ela poderia ter abrandado-lheo orgulho,
casotivesse voltado
novamenteparaarocade ,mas
fiar
nãofeznadadotipo.
Não muito tempo depois,soubeque Guilbertdeixara
a província.
Elenem mesmo apareceu paradespedir-dela;
se contudo, soubeo
diae a horade suapartida e escondeu-sena estrada
paravê-lo
maisumavez.
Quandovoltou, pôs a rocadefiarparadaem um canto e chorou
portrêsdiasetrêsnoites.
VII
Assim, maisum anosepassou.Nessaaltura, o conde ficoudoente
e a condess a supôs que Renelde cansara-se de esperar e
começara a fiarnovamente , mas, quandochegouao chalépara
verificar
,viuarocaparada.
Entretanto, o conde ficava cadavez pior , atéquefoidesenganado
pelos m édicos.Soaramo dobre definados e, em repouso, esperava
a m orte chegar . A morte,to davia,nãoestava tão próximaquanto
pensavamosmédicoseaindaficoudoentepormuitotempo.
Parecia estar em uma condição desesperadora, mas nãoficava
melhoroupior .Nãovivianemmorria;sofriahorrivelmenteeclamav
alto pela morte paraque pusessefim às suasdores.Nesseponto
extremo, recordou-se doquedissera à fiandeira havia muito tempo.
Se a morte tardava tanto, eraporque elenãoestava prontopara
segui-lapornãotermortalhaparaofuneral.
Mandou que trouxessem Renelde,colocou-aà cabeceira e
ordenou-lhequeimediatamentefiassesuamortalha.
Mala fiandeira começara o trabalho, o conde começoua sentir as
doresdiminuírem.
Nessemomento,finalmente, seucoração compadeceu-e;s estava
arrependido de todo o malque fizerapororgulho e imploroua
Renelde queo perdoasse. Então,Renelde perdoou-e o continuou
a
fiardiaenoite.
Quandoo fiode urtigas estava pronto,fiou-ocom a rocae depois
cortouamortalhaecomeçouacosturá-la.
E, comoantes, quando ela costurava,o conde sentiamenosdores
e a vida esvair-se. Quandoa agulha deuo último ponto, eledeuo
últimosuspiro.
VIII
Na mesma horaGuilbert
voltou à província
e, como nuncadeixara
deamarRenelde,casou-secomamoçaoitodiasdepois.
Perdera
doisanosdefelicidade, mas confortava- ao
sepensarque
suaesposaera uma fiandeirasábiae, o que eramuito maisraro,
umamulhercorajosae[boa.
35]

[35] Ch.Denlin.
OFazendeiro
Barbatempo

RAUMAVEZ um homem e uma mulher que tinhamum filho


únicoe elese chamavaJacó. A mulher pensava ser
dever dofilhotomar um ofícioe disseao marido que o
levasseaalgumlugar .
— Deves arranjar- umlhe
bom lugar ondesetorne mestre detodos
osm estres– disseela.Então,pôs paraeles um bocado decomida
eumrolodetabacoemumasacola.
Bem, eles visitaram
muitos grandes mestres,mas todos diziam
quepoderiam tornar
o rapazem alguémtão bom quanto eles,mas,
melhor, ninguémpoderia fazê-lo. Quandoo homem voltou paraa
casaecontouàvelhamulheressaresposta,eladisse:
— Ficarei igualmentesatisfeita com o que querque façasa ele,
maseisoquedigo,tensdetorná-loomestredetodososmestres
Ditoisto,maisuma vez pôs um bocado decomidae um rolo de
tabacoemumasacola,eohomemeofilhopartiramnovamente.
Depoisdepercorrerem certa distância,
chegaram a um localgélido
e lá encontrar
am um homem em uma carruagem guiadaporum
cavalonegro.
—Aondevais?–perguntouohomemqueguiavaacarruagem.
— Tenhodele varmeu filho paraseraprendiz dealguémcapazde
ensinar-lhe um ofício,poisminhavelha vem defamília abastadae
insisteque ele sejafeito o mestre detodos osmestres – respondeu
ohomem.
— Não foide todo malo nossoencontro – disse o homem que
guiavaa carruagem –, visto que souo tipo de homem que pode
fazerissoe, j ustamente estou procurando tal aprendiz
. Sobe na
traseira da carruagem – ordenou ao rapaz. E o cavalo partiu,
subindopelosares.
— N ão! Não! Esperai um pouco– gritou o paidorapaz.– Tenhode
saberqualéovossonomeeondeviveis.
— Oh! Estouem casatanto noNorte como noSul, noLe ste como
no Oestee sou chamadode fazendeiro Barbatempo – disseo
mestre. – Podesretornar daquia um anoe te direi
seo rapazfoi-me
apropriado.
Ditoisto,partiramnovamenteedesapareceram.
Quandoo homem voltou para casa,a mulher perguntou o quefora
feitodofilho.
— Ah! Só Deus sabeo quelhe aconteceu! – respondeu o homem.
– A lçaram voo pelos ares– e então, contou à mulher o que
acontecera.
Entretanto,quandoa mulh er ouviuaquilo e descobriu que o
homem nadasabia a respeito do término do aprendizado ou para
ondetinha idoo filho, ela o pôs devolta naestrada paradescobrir
isso e deu-lhe uma sacola decomida e um rolodetabaco para levar
consigo.
Após caminhar poralgumtempo,o homem chegoua um bosque
enormeque se estendia diante deleportodo um diade jornada.
Quandoa noite começoua cair , viuuma grande luze foiem sua
direção. Depoisde muito,muito tempo,chegoua uma cabaninha
aospés deum rochedo. Foradacabana estava uma anciã a tirar
águadopoçocomseunariz,queeramuitocomprido.
—Boanoite,mãezinha!–saudouohomem.
— Boanoite paratitambém!– respondeu a anciã.– Ninguém me
chamoudemãezinhanosúltimoscemanos.
—Possoabrigar-meaquiporestanoite?–perguntouohomem.
— Não – disse a anciã.No entanto, o homem pegouo rolo de
tabaco, acendeu um punhado e, então,
ofereceu-lheum bocado.Ela
ficoutã o satisfeita
que começoua dançar e, assim, o homem
conseguiu passaralia noite. Não demoroumuitoantes que
perguntassesobreofazendeiroBarbatempo.
Ela disse que nadasabiaa respeito, mas que regiatodos os
animaisdequatropatasealgunsdelesdeveriamconhecê-lo.Ass
reuniu todos ao soprar um apito que trazia consigoe lhes
questionou, porém, nenhumdeles sabiacoisaalgumaa respeito do
fazendeiroBarbatempo.
— Bem – disse a anciã –, somos três irmãs;podeserque uma
delas saibaondedeveis encontrá-lo.Toma emprestado o meu
cavalo e a carruagem e assimchegarásà noite, mas a casadela
ficaa unscinc o quilômetros de distânciadaqui.Vaipelo caminho
maiscurtoquepuderes.
O homem partiu e chegouà noite ao local.
Ao chegar , essaoutra
anciãtambémestavatirandoáguadopoçocomonariz.
—Boanoite,mãezinha!–saudouohomem.
— Boanoite parati!– respondeu a anciã.– Ninguém jamais me
chamoudemãezinhanosúltimoscemanos.
—Possoabrigar-meaquiporestanoite?–perguntouohomem.
—Não–disseaanciã.
Então,ele pegouo rolo detabaco,deuuma baforada e pôs uma
pitada de rapénodorso damão daanciã.Elaficoutão encantada
que começoua dançar , e o homem conseguiu permissão para
passar toda a noiteali.Não demorou muito antesquecomeçasse a
perguntarpelofazendeiroBarbatempo.
Ela nada sabiaa respeito dele,mas disse reinarsobre todosos
peixese, talvez,
alguns deles soubessem dealgumacoisa.Ditoisto,
reuniu todosos peixesaosoprar um apitoquetraziaconsigoe lhes
perguntou, mas nãohavia um quesoubesse algo sobreo fazendeiro
Barbatempo.
— Bem – disse a anciã –, tenhooutra irmã;podeserque saiba
algumacoisaa respeito. Ela moraa dez quilômetros daqui,mas,
tomam eu cavaloe a carrua gem, e assimchegaráslá ao cair da
noite.
Assim,ohomempartiueláchegouaoanoitecer .Aanciãestavade
pé, revolvendo a fogueira e o faziacom o nariz,detão longo que
era.
—Boanoite,mãezinha!–saudouohomem.
— Boanoite parati!– respo ndeua anciã.– Ninguém me chamou
demãezinhanessesúltimoscemanos.
—Possoabrigar-meaquiestanoite?–perguntouohomem.
—Não–disseaanciã.
Novamente o homem pegouo rolo detabaco, encheu o cachimbo
com um punhado,e deuà velha rapésuficiente
paracobrir o dorso
da mão da anciã.Nessa altura, elaficoutãoencantada que
começoua dançar , e o homem conseguiu permissão paraficarna
casa. Não tardou muitoatéque perguntasse pelofazendeiro
Barbatempo. Eladisse nadasaber a respeitodele,mas regia todos
ospássaros;então, osreuniu com seuapito.Questionou a todos.A
águia não estava presente, mas chegou depoise, quando
perguntada, disseter acabado de voltar
da casado fazendeiro
Barbatempo. Então,a anciã disseque a águia deveria guiaro
homem atéo fazendeiro, mas a águia tinhadecomeralg uma coisa
antes e, então, esperar atéo diaseguinte,poisestava cansada pela
longajornadaequasenãoeracapazdeerguer-sedosolo.
Após a águia ter comido e descansado bastante, a velhatirouuma
penade sua caudae pôs o homem no lugar da pena. Assim, o
pássaro partiu com ele,mas nãochegaram até a casadofazendeiro
Barbatemposenãoàmeia-noite.
Aochegar ,aáguiadisse:
— H á muitos corpos mortos estendidos dolado deforadaporta,
mas não tepreocupes com eles.As pessoas que estão dentro da
casaestão tãoaferradas nosonoquenãoseráfácilacordá-las. No
entanto, deves irdiretoaoaparador e pegartrês nacos depãoe, se
ouvires alguéma roncar , tira trêspenasda cabeçado fazendeiro;
elenãoseráacordadoporisso.
O homem assimo fez. Após ter pegoos nacosdepão, puxou a
primeirapena.
—Ui!–gritouofazendeiroBarbatempo.
Então,o homem retirou outra pena,e aí o fazendeiro deuum grito
agudonovamente. Entretanto, quando o homem puxou a terceira, o
fazendeiro Barbatempo berrou tãoalto queo homem pens ouqueos
tijolose o cimento se separariam, mas apesar disso,continuava a
dormir. Nessemomento a águia disse ao homem o que fazera
seguir e eleo fez. Foi atéa porta doestábulo e lá sedeparou com
uma pedradur a. Elea pegoue debaixo dela estavam trêslascas de
madeira, quetambémguardo u consigo.Bateu naporta doestábulo
e esta se abriuimediatament e. Lançouostrês nacosdepãoe uma
lebre apareceu e os comeu. Capturou a lebre. Feito ist
o, a águia
ordenou-lhe que tirasse três penasde suacaudae col ocasseno
lugar delas:a lebre, a pedra,as lascas de madeira e elemesmo.
Assimelaseriacapazdelevá-lostodosparacasa.
Após a águia t erpercorrido uma boadistância, pousaram em uma
rocha.
—Vêsalgumacoisa?–perguntouaáguia.
— S im, vejo um bandode gralhas voandoem nossoencalço –
disseohomem.
— Entãofaremosbem se voarmosum poucomais adiante –
respondeu a águia, levantando
voo. Poucotempo depois,perguntou
maisumavez:
—Vêsalgumacoisaagora?
— Sim, agorao bandode gralhas estábem atrás– disseo
homem.
— Entã o, lança astrêspenasquetiraste
dacabeçadofazendeiro
–ordenouaáguia.
O homem assimo fez, e tão logoas lançoufora, as penasse
transformaram em um bandodecorvos,queespantaram asgralhas.
Depoisdisso,a águia vooubem maisadiante com o homem, mas, a
certaaltura,pousaramnoutrarochaporumtempo.
Logo,perguntounovamente:
—Vêsalgumacoisa?
— Não estou bem certo– disseo homem –, mas creioquevejo, à
distância,algovindo.
— Entã o devemosseguir voando maisum pouco– respondeu a
águia,epartiram.
Passadoalgumtempo,aáguiaperguntou:
—Vêsalgumacoisaagora?
—Sim,estãobempertodenósagora–respondeuohomem.
— Entã o, lança as lascas de madeira que pegaste debaixoda
pedra cinzenta pertoda porta do estábulo– ordenou a águia. O
homem assim o fez, e logoque as lançoufora, elasse
transformaram em um bosquemuitoespessoe o fazendeiro
Barbatempo teve de voltar
à casae pegaro machadoparaabrir
caminhoporentre o bosque. Assim, a águia voouuma grande
distânciaatéqueficoucansadaepousouemumpinheiro.
—Vêsalgumacoisa?
— Não estou bem certo– disse o homem –, mas creioque posso
vislumbraralgumacoisabemlonge.
— Entãofaremosbem em seguirvoandoum poucomais –
respondeuaáguia,epartiunovamente.
Umtempodepois,perguntoudenovo:
—Agoravêsalgumacoisa?
—Sim,agoraestãobematrásdenós–respondeuohomem.
— Então,deveslançar a pedra que tiraste
da portaestábulo –
disseaáguia.
Assim fez o homem, e a pedra se transformouem uma grande
montanha de pedra que o fazendeiro Barbatempo tevede rachar
antes que pudesse segui-lo
s. Contudo,ao chegarna metade da
montanha, o fazendeiro
quebrouuma daspernas, demodo queteve
devoltarparacasademodoacolocá-la. nolugar
Enquanto o fazendeiro fazia isso,a águia voouparaa casado
homem com ele e a lebre. A o chegarem casa, o homem foiatéo
adro daigreja, pegouum punhado deterra cristãe a pôs sobre a
lebre,quesetransformounoseufilhoJacó.
Ao chegara épocadafeira,o rapaztransformou- em seum cavalo
decorclaraelevouopaiaomercado.
— Se alguémvier e quisercomprar-me– disse o rapaz–, dizque
valhocem dinheiros, mas nãodeves esquecer-te detirar o cabresto,
poisse nãoo fizeresnunc a mais serei capaz de liv rar-medo
fazendeiro Barbatempo, visto que eleé o homem que virá me
comprar.
E assimaconteceu. Surgiuum comprador de cavalos que tinha
grande apreço porcomprar um cavalo e o homem conseguiu cem
dinheirosporele.Após a compra,o paideJacó recebeu a quantia,
masocompradorqueriaficarcomocabresto.
— Issonãofaziaparte denossotrato – afirmou o homem –, e não
terásocabresto,poistenhooutroscavalos . paravender
Cadaum seguiuseucaminho.O comprador decavalos, todavia,
nãoandoumuito com Jacó atéque o rapazvoltasse a assumir a
antigaformae, quando o homem chegouem casa, o rapazestava
sentadoemumbancoàbeiradofogão.
No diaseguint e, o rapaztran sformou-se em um cavalo castanho e
disseaopaiqueestavaprontoparapartiremjuntosparaome
— Casoalguémvenhacomprar-me– disse Jacó –, dize-lhe que
queres duzentos dinheiros, poisissoele te dará, alémdete agraciar
com um convite, mas o quequerqueele tedê parabebere o que
querqueele faça, nãote esqueças detirar-me o cabresto, oununca
maismeverásnovamente.
E assimaconteceu. O homem pagou duzentos dinheiros pelo
cavalo e ganhouuma cortesia. Quandose separaram, esforçou-se
porlem brarderetirar o cabresto.No entanto, o comprado rnãofora
muitolonge antes queo jovem recobrasse a formamaisuma vez e,
quandoo homem chegou à casa, Jacó já estava sentado no
banquinhoaoladodofogão.
No terceiro diatudo aconteceu da mesma maneira.O jovem
transformou- em
seum enorme corcelnegro e disseao paique, se
viesseum homem e lhe oferecesse trezentos
dinheiros,e o tratasse
bem e fossem uito generoso nanegociação, queele lhevendesse,
mas o quequerqueo compr ador fizesseou o quanto bebesse,que
o painãose esquecesse de tirar o cabresto,casocontrário, ele
nuncaselibertariadofazendeiroBarbatempoenquantovive
—Não–respondeuohomem–,nãoesquecerei.
Quando chegou ao mercado, o homem recebeutrezentos
dinheiros,
mas o fazendeiro Barbatempo o tratoutão bem que ele
bem esqueceu detirar o cabresto, demodoqueo fazendeiro partiu
comocavalo.
Ao chegara certa altura,o fazendeiroteve deira uma estalagem
paracomprar maisconhaque, demodoqueamarrou um barrilcheio
depregosquentes debaixo das fuçasdocavalo e um cochocheio
deaveiaatrás dacauda.Após amarrar bem o cabresto no gancho,
entrouna estalagem. Lá ficouo cavalo, batendo as patas,dando
coices,bufando e empinando, quando surgiuuma moça queachava
serumpecadoeumavergonhatratarumcavalotãomalassim.
— Ah, pobre criatura!Que donodevester paratratar- assim!
te –
disseela,retirando o cabres todo gancho,de modo que o cavalo
pudessesevirarecomeraaveia.
— Cá estou eu! – gritou de maneira estridente o fazendeiro
Barbatempo, saindoapressadamente porta afora. O cavalo,
contudo,já havia se desvencilhado docabresto e se arremessado
em um laguinho de gansos,ondetransformou-em se peixinho.O
fazendeiroBarbatempo foi atrásdele,tomando a forma de um
grandelúcio.Assim, Jacó transformou-em se uma pomba e o
fazendeiroBarbatempo, em um falcão quevoouatrás dapombae a
atingiu.
Entretanto,uma princesa estavana janela do palácioreal
assistindoàluta.
— S e soubesses apenas o que sei,tanto quanto sei,voarias em
minhadireçãopelajanela–disseaprincesaàpomba.
Assim, a pomba vooupela janela e transformou-de senovoem
Jacó,contando-lhetudooqueacontecera.
— Tran sforma-te em um anel de ouroe põe-teno meu dedo–
pediuaprincesa.
— N ão, nãoo farei– respondeu Jacó –, senãoo Fazendeiro
Barbatempo fará o reificardoente e ninguémpoderátrazê-lo de
volta à saúdeatéque o fazendeiro retorne e o curee, paraisso,
exigiráoaneldeouro.
— Direique erademinhamãe e que nãoiria apartar- emdele –
afirmou a princesa.Assim, Jacó transformou- em
seum anel deouro
e sepôs nodedodaprincesa. O fazendeiro Barbatempo nãopodia
chegaratéeleali.Entretanto, tudo o que o rapazprevira veioa
acontecer .
O re i ficoudoente e nãohavia médicoque pudesse curá-lo, até
quechegou o fazendeiro Barbatempo e exigiuo anel queestava na
mão da princesa como recompensa.Então,o reienviouum
mensageiro parapedir o anelà princesa. Ela, noentanto, recusou-
sea entregá-lo, poiso havia herdado desuamãe. Ao serinformado
disso,o reisofreu um acess o deirae disse que possuiria o anel,
tivesseelaherdadodequemfosse.
— Bem, nãoadianta que vosirriteis a esserespeito – disse a
princesa –, poisnãopossoretirá-lo. Se o quiserdes, terei
s detiraro
dedotambém!
— Tentarei, e muito em bre ve o anel sairádo dedo– afirmou o
fazendeiroBarbatempo.
— Não, muito obrigada, tenta
reieumesma – disse a princesa,que
foiatéalareiraecolocouumpoucodecinzasobreoanel.
Destamaneiraoanelsaiu,masperdeu-seporentreascinzas.
O fazendeiro Barbatempo transformou-em se uma lebre,que
arranhou e raspou a lareiraem buscadoanel até queestivesse com
cinzasatéas orelhas. Entretanto,Jacó transformou-em se uma
raposa
e arrancou
a cabeçadalebre,
e seo fazendeiro
Barbatempo
estava
possuíd
o pelodemônio,agora
tudoestava acabado
para
ele.
[36]

[36] P .C.Asbjornsen.
SenhoraHolle

RA UMA VEZ uma viúvaque tinha duasfilhas. Uma delas


erabonita e bem disposta; a outra, feiae preguiçosa.
Todavia,como a feiaerasua filha legítima, estimava
muito m aisa esta,e a bonita tinha de fazertodos os
afazeres domésticos – erana verdade a empregada responsável
portodo o trabalho.Diariame ntetinhadepostar-se juntoaopoçoda
estrada e fiaratéque seusdedosestivessem feridos a ponto de
sangrar. Um dia,algumasgotas de sanguecaíramno fuso, e ela
mergulhou-no o poçoa fim de lavá-lo,mas, sem querer , deixou-o
escapulir dasmãose cair . Correuaté a madrasta e contou-lhe o que
acontecera, mas esta a repreendeu severamente e, sem dó nem
piedade,dissefuriosa:
— O ra,sederrubaste o fuso, tens deiratrásdele, e nãoquero ver
tuacaraatéqueotragacontigo.
A pobre menina voltouaopoçoe, sem saber o queestava prestes
a fazer
, em desespero e aflição, saltouno poçoe desceuatéo
fundo.Perdeu a consciência poralgumtempo e, quando voltou a si,
estava numa campinaador ável, com o sola brilhar-lhe sobrea
cabeçae com milhares defloresbrotando a seuspés. Le vantou-se
e ficou passeando por aquelelugarencantado, atéque se
aproximou deum forno chei
o depães,que gritavam enquanto ela
passava:
— Tira-nos daqui,tira-nos daquiou queimaremos! Já estamos
assadososuficiente!
Elarap idamente se voltouparao forno e tiroutodos os pães,um
decadavez.
Em seguida,um poucoadiante, a meninaaproximou-se de uma
árvorecarregada de maçãsvermelhinhas e, enquanto passava,a
macieiragritou:
— Oh, porfavor , sacode-me , sacode-me.Minhasmaçãsjá estão
bemmaduras.
Fez o quelhe forapedido e chacoalhou a árvore até queasmaçãs
caíssemcomo chuvae nãorestasse mais nenhumapendurada.
Quandoasjuntou todas numa pilha, voltou a seguir seucaminho e
finalmente chegoua uma casinha, à porta daqualestava sentada
uma velhinha. A velha senhora tinha dentes tão grandes que a
meninatevemedoepensouem,mas fugiravelhachamou-a:
— De quetens medo, queridinha? Ficacomigoe sê minhacriada.
Se fizeres bem teu trabalho, serásgenerosamente recom pensada.
Mas tens desermuito zelosa aofazerminhacama: deves sacudi-la
bem, atéque voem as penas;então as pessoas verão neveno
mundo,porqueeusouaSenhoraHolle.
Ela faloucom tanta gentileza que tocou o coração da menina,e
esta prontamente aceitou o serviço. Fez o melhor que pôde para
agradar à velha,e sacudia-lhe a cama com tanta vonta de que as
penasvoavamcomo flocos de neve. Levavauma vidatranquila,
nuncaerarepreendida e vivianobem-bom. Mas, depois depassar
certo tempo com a Senhora Holle,começoua ficar triste e deprimida
e a princípionãoentendia qual erao problema. Enfim sedeuconta
dequeestava com saudades decasa.Dirigiu-se à Senho raHollee
disse:
— Seiquevivo milvezesmelhor aquidoquejamais viviem toda a
minhavida, mas, apesar disso, sinto muitasaudade de casa,
mas o garotodisse que nãosabia,nem conseguia explicar
como
forapar
arali.Contudo,imploroudofundodeseucoração queo rei
o acolhesseem seupalácio. Se nãohouvesse trabalhoparaele,
apanharialenhae água paraa cozinheira,
e issofoi-lhe
permitido
fazer
.
Ao adentrar
o palácio,Minnikin
notouque tudoestava coberto
de
negro,de cimaa baixo. Perguntouà cozinheira
o que significava
aquilo.

— Oh, contar-te-o ei
quesepassa– respondeu a cozinheira.– Há
muitotempo,a filha do reifoiprometidaa três trolls. Na próxima
quinta-feira,
à noitinha,um delesvirábuscá-la. Ritter Red prometeu
quea libertaria
, mas quem sabeseele serácapazdetal coisa?Por
isso,podesimaginaratristezaeaperturbaçãoemqueestamos.
Chegadaa quinta-feira, à noitinha,RitterRed acompanhou a
princesaatéa praia.Ela deveriaencontrar- se o troll naquele
com
lugar
,eRitterRedtinhaaincumbênciadepermaneceraoseulado
protegê-la.
Entretanto, eram uito
improvável que elerepresentasse
algumperigopara troll,
opois,malsentou-seaprincesaàbeira- , mar
Ritter Red subiuno alto de uma árvoree escondeu-se tão bem
quantopôdeentreosgalhos.
Chorando, a Princesa implorou que elenãoa abandona sse, mas
osapeloscaíramemouvidossurdos.
—Melhormorrerumdoquedois–disseele.
Nesseentrementes, Minnikin suplicou à cozinheira que lhedesse
permissãoparairàbeira- ,dizendo
mar quenãosedemoraria.
— Que hás de fazerna pra ia? – perguntou a cozinheira. – Não
tensnadaquefazerlá.
— Oh, minhasenhora, apena s deixa-meir– respondeu Minnikin. –
Querotantodivertir-mecomasoutrascrianças!
— Bem, bem, seé assim,vai! – disse a cozinheira. – Mas aideti
senãovoltares a tempo decolocar a panela nofogopara o jantar
, e
oassadonoespeto,ecuidadetrazerbastantelenhaparaofogo
Minnikin prome teuque o far iae saiuem disparada rumoà praia.
No exato instante em quechegou aolocal ondeestava a filha
dorei,
o troll se aproximava.Vinhaafoi to,silvando e roncando; de tão
grande e corpulento, erade fato uma visão terrível,
e tinha cinco
cabeças.
—Ataca!–guinchouotroll.
—Atacaprimeiro!–disseMinnikin.
—Sabeslutar?–rugiutroll. o
—Possoaprender–replicouMinnikin.
Então o troll mirou-lheum golpe com sua enorme clava deferro,
mas ati ngiuapenaso solo – e com tanta força,que a relva voou
cincometrosacimadochão.
— É isto o melhor que consegues? – disse Minnikin. – Não é lá
muitoimpressionante.Agora,conhecerásumdemeusgolpes.
Empunhou a espadaque a bruxa lhederae atingiu o troll,
cortando-de lheuma só vez as cinco cabeças,que saíramvoando
pelosaresecaíramnaareiadapraia.
Ao ver-seliber tada,a princesa ficoutão felizque, sem perceber o
quefazia,começouasaltareadançar .
— Vem e descansa tuacabeçaem meu colo – disse a Minnikin.
Assimqueelepegounosono,elavestiu-odeouro.
Entretanto,quandoRitter Red percebeu que já nãohaviamais
perigo,desce u da árvoresem demora.Ameaçou de morte a
princesa,atéque ela porfim prometeu dizer a todos ter sido eleo
responsável porseu resgate. Arrancou ao troll os pulmõese a
língua,guardo u-os nolenço deseubolso e conduziu a princesa de
voltaaopalácioreal.
Se antes tudo lhefaltava noque concerne à honra,agorajá não
faltavanada,poiso rei nãosabiacomo melhor exaltá-lo, e namesa
tinha-osempreàsuadireita.
Quanto a Minnikin,primeiroadentrou o naviodotroll e delá retirou
uma enorme quantidade deargolas deouroe prata; depois, voltou
aopaláciodorei.
A cozin
heira, muitosurpresa aovertodo aquele ouroe toda aquela
prata,disse:
— Meu querid o Minnikin,ondearranjaste todas essascoisas?–
poistemiaqueastivesseobtidopormeiosdesonestos.
— O h – respondeu Minnikin –, estive em minhacasa, e essas
argolascaíramdenossosbaldes,entãoeuastrouxeparati.
Quandoa cozinheira ouviuisso,nadamaisindagou acerca do
assunto. Agradeceu a Minnikin, e num instante tudo voltouao
normal.
Na quin
ta-feira seguinte,
à noitinha, tudo sepassou como daoutra
vez, e todosestavam tristese aflitos.Todavia,RitterRed disse que,
assimcomo libertara a filhadoreideum dostrolls, estava pronto
paralibertá-de laoutro,e então conduziu-aà praia.Ma s elenão
representaria, desta vez como da outra, nenhumperigo , pois,ao
aproximar-se o momento em que o troll devia aparecer , repetiu o
que dissera antes: “Melhor morrer um do que dois”,e subiuna
árvorenovamente.
Uma vez mais, Minnikin suplicou à cozinheira que o deixasseirà
praia,dizendoquenãosedemoraria.
—Masquehásdefazerlá?–perguntouacozinheira.
— Minha senhora, deixa-me ir! – disse Minnikin. – Querotanto
divertir-mecomasoutrascrianças!
Também desta vez obteve permissão parapartir , mas nãosem
antes promete r que estaria de volta quandoo assado estivesse
pronto,equetrariabastantelenha.
Pouco depois de chegarà praia,o troll aproximou-se,afoito,
silvandoe roncando. Era duasvezesmaiorque o anter ior
, e tinha
dezcabeças.
—Ataca!–guinchouotroll.
—Atacaprimeiro!–disseMinnikin.
—Sabeslutar?–rugiutroll. o
—Possoaprender–replicouMinnikin.
Então o troll mirou-he
l um golpe com suaclava deferro– queera
aindam aior doquea doprimeiro troll –, mas atingiu o solo,e a relva
vooudezmetrosacimadochão.
— É isto o melhor que consegues? – disse Minnikin.
– Não é lá
muitoimpressionante.Agora,conhecerásumdemeusgolpes.
Então,empunh ou a espada e atingiu o troll, arrancandosuasdez
cabeças,querolarampelaareiadapraia.
Maisuma vez, a filha dorei lhedisse:“Dorme um pouconomeu
colo”,e, enquanto Minnikin dormia,elacobriu-ocom vestes de
prata.
Assim que Ritter Red percebeu que já nãohaviamais perigo,
desceuda árvoree ameaçoua princesa, atéque finalmente ela
prometeu dizer a todos ter sido ele o responsável porseuresgate.
Ele ent
ãoarrancou a língua e os pulmõesao troll, guardou-os no
lençode seubolso e conduziu a princesa devolta aopalácio.Foram
recebidos com muita alegria e regozijo, como sepodeimaginar , eo
reinãosecansavadeprestarhonrasereverênciasaRitterRe
Minnikin,porsuavez, voltou carregado deargolas deouro e prata,
que pilhara ao navio do troll. Ao adentrar o palácio,a cozinheira
bateu palmasde contentamento e indagou ondeelepoderia ter
obtidotantoouroetantaprata,masMinnikinrespondeuque
em casa, e que aquelas argolas haviamcaídodealguns baldes,e
queeleastrouxeraparaacozinheira.
Na terceira quinta-feira,à noitinha, tudo se passouexatamente
como dasoutras duasvezes. No palácio real, cobriram-sedepreto
todas as coisas,e todos est avam aflitos e consternados. Contudo,
RitterR eddisse-lhes que nãotemessem – ele resgataraa filha
do
Reidedois trolls,epoderiafacilmentefazê-loumaterceiravez.
Conduziu-aatéa praia, mas, chegada a horadeo troll aproximar-
se,escalouaárvoreeescondeu-se.
A princesa chorou e instou-aopermanecer juntodela,mas em
vão.Fielaoquedisseraantes,elerespondeu:
—Antesperder-seumavidadoqueduas.
Tambémnessanoite,Minnikinimploroupermissãoparairàprai
—Oh,quehásdefazerporlá?–disseacozinheira.
Entretanto, eleinsistiu atéobter permissão de partir
, mas foi
obrigado a prometer queestaria devolta quando o assadoestivesse
pronto.
Poucodepois dechegarà praia,o troll aproximou-se,silvando e
roncando. Era muito,muito maiorque os doisanteriores, e tinha
quinzecabeças.
—Ataca!–rugiuo troll.
—Atacaprimeiro!–disseMinnikin.
—Sabeslutar?–gritou troll.o
—Possoaprender–replicouMinnikin.
— Heideensi nar-te!– gritou o troll, e tentou acertar-lhe
um golpe
com suaclave deferro,fazendoa relva voarquinzemetros acima
dochão.
— É isto o melhor que consegues? – disse Minnikin.– Não foi
nadamuitoimpressionante.Agora,conhecerásumdemeusgolpes
Empunhoua espada e atingiu decheio o troll, fazendosuasquinze
cabeçasrolarempelaareiadapraia.
Estava assima princesa libertada,
e ela agradeceu-e oabençoou-
oporsalvá-la.
— Dorm e um poucoem m eu colo – disse-lhe, e, enquanto ele
dormia,elacobriu-ocomvestesdebronze.
— Como daremos a conhecerque foste tuque me salvaste? –
perguntouafilhadorei.
— Dir-t
e-eicomo – respondeu Minnikin.– QuandoRitter Red tiver
teconduzido atéo palácioe contado a todos que foieleque te
salvou, terá,como sabes,tua mão poresposa e metade doreino.
Porém, quand o teindagarem, no diado teucasame nto,quem
haverá de encheras taça s de vinho,devesdizer: “O garoto
maltrapilho que estánacozinha,que carrega lenha e água paraa
cozinheira”. Qu andoeu estiver enchendo vossas taças, derramarei
uma gota sobre o prato
dele,mas nenhuma sobre o teu,e então ele
ficaráir
ritado e me acertará.
Issoacontecerá três vezes. Na terceira
vez, devesdizer: “Deviaserater vergonha poragredir o querido de
meu coração.Foi ele quem libertou-do metroll, e é com ele quehei
demecasar”.
Então,Minnikin correudevolta aopalácio,como fizeradasoutras
vezes; antes, porém, foia bordo do navio do troll e tom ou uma
enormequant idade de ouro,prata e outros benspreciosos, dos
quais,maisumavez,umaparteficoucomacozinheira.
Assimquepercebeu quenãohavia maisperigo, Ritter Red desceu
da árvoree ameaçoua filha do rei,atéque elapromet essedizer
queforaelequemasalvara.Conduziu-aassimdevoltaaopalácio.
Se, atéentão, nãolhetinham sidoprestadas todas as honras,
certamente o foramagora,poiso rei em nadamaispensava doque
namelhor maneira derecompensar o homem quesalvara suafilha
dostrês trolls. Ficou decididoque Ritter Red deveria desposar a
princesaerecebermetadedoreino.
No diadocasa mento,entreta
nto,a princesa suplicou queo garoto
que tra balhava na cozinha, carregando lenhae águ a paraa
cozinheira,servisseastaçasdevinhonobanquetedocasament
— Oh, que poderias tuquerer com aquele garoto imundoe
maltrapilho? – disse Ritter Red. Mas a princesa insistiuem tê-lo
como servente, afirmando quenãoaceitaria maisninguém . Porfim,
conseguiu o quedesejava, e tudo sepassou comocombinado entre
a princ esae Minnikin. Ele derramou uma gotasobreo prato de
Ritter Red, e nenhumasobre o prato daprincesa; cadavez que o
fazia, RitterRed irritava- eseacertava-lhe um golpe.Desferido o
primeiro golpe,ostrajes esfarrapados decozinha foramarrancados
deMinnikin. O segundo golpe arrancou-lhe os trajes debronze.O
terceiro,osdeprata, e assimficouvestido apenas com ostrajes de
ouro,tãobrilhanteseesplêndidos,quereluziam.
Então,disseafilhadorei:
— D evias erater vergonha poragredir o querido demeu coração.
Foielequemlibertou-me troll,
do eécomelequeheidemecasar .
Ritter Red jurou tersidoeleo homem que a salvara, m as o rei
disse:
— A quele quesalvou minhafilha deveapresentar algumaprova de
queofez.
Ritter Red foiimediatamente buscar o lenço em que guardara os
pulmõese a língua dotroll, enquanto Minnikin apresentou o ouro,a
prata e osbens preciosos quepilhara aosnavios dostrolls, e cada
qualapresentousuasprovasdiantedorei.
— O que possui os benspreciosos deouro,prata e diamantes –
disse o rei– deveseraquele quematou o troll, poistaiscoisas não
se encontram em nenhumoutro lugar. Então,Ritter Red foiatirado
no poço de serpentes, e Minnikin obteve a mão da princesa e
metadedoreino.
Certo dia, o reisaiuparaum passeio com Minnikin, e este
perguntou-lhesealgumaveztiveraoutrosfilhos.
— S im – disse o rei–, tive outra filha, mas o troll levou-a embora,
poisnãohavia ninguémpara salvá-la. Haverásdedesposar uma de
minhasfilhas, mas, se puderes libertar a outra, que foilevada pelo
troll, conse ntirei
em que tambéma tenhas, e a outra metade do
reino.
— Tent arei
minhasorte – respondeu Minnikin –, mas paraisso
preciso de um cabode aço de quinhentos metros, e quinhentos
homensque me acompanhem,e provisões paracincosemanas,
poisaviagemserálonga.
O rei garantiu-lhequeteria tudoisso,mas receava nãopossuir um
naviograndeobastanteparatransportaratodos.
— Tenhoo meu próprio navio– disse Minnikin, tirandodobolso o
navio que a bruxa lhedera.O rei começoua rir e penso u tratar-se
de mais um de seusgrac ejos,mas Minnikin insistiuque seus
pedidos fossematendidos, dizendo queo rei teriauma surpresa. O
rei m andou trazertudoqueMinnikin pedira e ordenou queo cabode
açofossecolocado nonavio , mas ninguémeracapaz de erguê-lo.
Além disso,só havia espaçobastante paraum ou dois homenspor
vez naquele navio tão pequeno.Então,Minnikin agarrou o caboe
colocou uma parte dele no navio;à medida que puxavao caboa
bordo,o navio aumentava detamanho, tornando- cada
se vez maior ,
atéque atingiu proporções descomunais, acomodando com folgao
cabo,osquinhentoshomenseMinnikin.
— Vaie navegaporágua docee porágua salgada, porsobre
colinas e valesprofundos, e nãotedetenhas atéchegare s aolugar
ondeestáa filha do rei– ordenou Minnikin ao navio,que no
momento seguintenavegava porsobre terra e água, cortando os
ventos que sopravam,assoviavame gemiam ao chocarem-se
contraocasco.
Depoisdenavegar pormuito, muito tempo,o navio parou nomeio
domar .
— Chegamos – disse Minnikin.– Como faremosparavoltar , é
outrahistória.
Pegouocaboeenlaçouumadesuaspontasemvoltadocorpo.
— D evodescer atéo fundo– disse –, mas, quando euderum forte
puxãoe quiser emergir, deveispuxar-me a bordo como se fôsseis
umsóhomem;docontrário,tudoestaráacabadoparasempre,tant
paramim como paravós. Tão logopronunciou essaspalavras,
lançou-se naságuas, e uma espumaamarelada formou-seem volta
dele.D esceue desceu,atéatingir o fundo.Aliavistou uma enorme
colina ondehavia uma porta, pela qual entrou.Lá dentro, encontrou
a outra princesa,queestava sentada a costurar
. Quandoseusolhos
pousaramemMinnikin,bateupalmasdecontentamento.
— Os céussejam louvados! – exclamou.– É a primeira vez que
vejoumhomemcristãodesdequechegueiaqui.
—V imbuscar-te–disseMinnikin.
— Ai demim! Não seráscapaz deresgatar-me – disse a filha
do
rei.–Tentaréemvão;setroll o tedescobreaqui,seráoteufim.
— Cont a-me m aissobre ele – disse Minnikin. – Ondeestá?Seria
divertidoencontrar-mecomele.
A filha do reicontou a Minnikin que o troll saíraem buscade
alguémcapaz defabricar centenas delitros decerveja deuma só
vez, poishaveria um banquete na residência dostrolls, e seria
precisobebidaàfarta.
—Issoeuseifazer–disseMinnikin.
— Ah, seo troll nãofossetão raivoso, eu bem poderia dizer isso
a
ele – respondeu a princesa –, mas ele temo gêniodocãoe há de
fazer-teem picadinhos assim que voltar . Bem, pensarei em uma
maneira.. Que tal teesconderes neste armário?Vejamos o que
acontece.
Minnikin assimo fez, e, tãologo escondeu-se noarmário , entrouo
trollpelaporta.
—Af f!Estácheirandoahomemcristãoaqui!–disse.
— Sim, um pássaroentrou pelo telhado carregando no bicoum
ossode homem cristão e deixou-o cairem nossachaminé–
respondeu a princesa.– Apressei-meem enxotá-lo,mas podeser
issoqueestárecendendoasanguedecristão..
—Sim,deveserisso–disseo troll.
A princesa então perguntou se elearranjara alguémcapaz de
fabricarcentenasdelitrosdecervejadeumasóvez.
—Não,ninguémsabefazê-lo–respondeuo troll.
— H á poucoentrou aquium homem dizendo quesabia.. – disse a
filhadorei.
— Esperta, como sempre!– disse o troll. – Como pudeste deixá-lo
irembora?Dev iassaber queeu estava justamente à procura deum
homemassim.
— Bem, mas nãoo deixei partir
, afinal – respondeu a princesa.–
Porém, o senhor é tão raivoso, que o escondi no armário.Se o
senhor nãotiver encontrado ninguémmais, o homem ainda estálá
dentro.
—Deixa-osair–ordenouotroll.
QuandoMinnikin apareceu, o troll perguntou-lhe se eraverdade
quepodiafabricarcentenasdelitrosdecervejadeumasóvez.
—Sim–respondeuMinnikin–,éverdade.
— F oibom te r teencontrado – afirmouo troll. – Põe-te agora
mesmo ao trabalho. Mas, se falhares em fermentar a cerveja bem
forte,queoscéusteajudem!
— Ah, ficarásaborosa – disse Minnikin, pondo-seimediatamente
ao trab alho.– Porém, precis o demaistrolls par a carregar o que é
necessário–emendou.–Essesaquinãoservemparanada.
Vierammaistrolls, e eramtantos, que logohaviauma multidão
deles,e a fabricação pross eguiu. Quandoo mostoficoupronto,
naturalmente todos quiseram prová-lo– primeiro o troll, depoisos
outros. Mas Minnikin fizera-otão extraordinariamente forte,que, ao
tomar uma só gota,todos caírammortos, bem comoasm oscasque
tocaram na bebida.Porfim, já nãorestava ninguém, exceto uma
velhabruxaqueestavasentadaatrásdofogão.
—Ah,pobrecriatura!–disseMinnikin.–Merecesprovarumpouco
demosto,como os outros. M innikin então mergulhou uma concha
no fund o da tina,tirou um poucode mosto,colocou-o numa
panelinha e deupara a velhabeber, livrando- assim
se até doúltimo
deles.
Parado ondeestava e olhandoà suavolta, Minnikin avistou uma
enorme arca.Encheu-a deouroe prata, e depois amarr ou o cabo
em volta de si, da princesae da arca.Imprimiu no caboum forte
puxão,aoqueoshomenscomeçaramaiçá-los,echegaramabordo
sãosesalvos.
Devoltaaonavio,Minnikinordenou:
— Vaie navegaporágua docee porágua salgada, porsobre
colinase vales profundos,e nãotedetenhas atéchegares ao
paláciodo rei.Em um instante, o navio pôs-se em movimento, a
todavelocidade,formandoumtornodesiumaespumaamarelada
Quando os cortesãos do paláciodo reiavistaram o navio,
precipitaram- sem
se demorapararecepcioná-lo com festejos e
música.receberam a Minniki
n com grande alegria,mas o maisfeliz
detodoseraorei,quetinhadevoltasuaoutrafilha.
Minnikin,porém, nãoestava feliz,poisagoraambasas princesas
queriam casar-se com ele,mas ele nãoqueria outrasenão aquela a
quem primeiro salvara,e estaeraa maisnova.Porisso,ele agora
andava deum lado parao outro,pensando em uma formadeobter
suaamada,semofenderaoutrairmã.
Certo dia, enquanto andava paralá e paracá pensando na
questão, ocorreu-lheque, setivesse seuirmão consigo,ReiPippin,
em tudo a ele tãosemelhante queninguémconseguiria di
stingui-los,
o irmãopoderi a casar-secom a princesa maisvelha e obtermetade
doreino; quanto a ele,bastava-lhe a outrametade. Tãologoesse
pensamento ocorreu-lhe,dirigiu-se
paraforado palácio e chamou
porReiPippin,mas ninguémapareceu. Chamouuma segunda vez,
um poucomaisalto, e nada!Chamou então uma terceira vez, com
todaa forçadeseuspulmões,e num instante seuirmão estava ao
seulado.
— D eixeibem claro que deviasinvocar-me somente em casode
extrema necessidade – diss
e a Minnikin –, e nãohá aquisequer
uma mosca que possatefazer mal! – e desferiu um golpetão
tremendocontraMinnikin,queelesaiurolandopelogramado.
— Devias envergonhar-por te me bater! – disseMinnikin. –
Primeiro,conq uisteiuma princesa e metade do reino, e depoisa
outraprincesa e a outrametadedoreino; e justo agora,quando eu
pensava em conceder-uma te dasprincesas e uma dasmetades do
reino,pensasquepodesmeofender?
Ao ouvir isso,Rei Pippinpediu desculpas ao irmão,e os doisse
reconciliaram.
— A gora, como sabes– dis se Minnikin–, somostão parecidos,
que ninguémpoderia notara diferença.
Troquemos nossas vestes:
hás deentrar no palácio,
e entãoasprincesas pensarão tratar-de
se
mim. Aquela queprimeiro tebeijarserátua,e eu ficarei com a outra
– poiselesabia quea princesamaisvelha eraa maisforte, e assim
adivinhavacomotudosedaria.
ReiPippinconcordouprontamentecomorocou arranjo.asvestes
T
com o irmãoe entrou no palácio.Ao adentrar o aposento das
princesas, elasacreditaram tratar-dese Minnikin,e ambas
acorreram atéeleimediatam ente;mas a maisvelha,que eramais
altae maisforte, empurrou a irmãparao lado,atirando os braços
em volt
a dopescoço deReiP ippine beijando- Assim,
o. eletevesua
esposa,e Minnikin ficoucom a irmãmais nova. Não é difícil
imaginarque houve então dois casamentos, e foram tão
esplêndidos,quepelossetereinosforamcomentados. [38]

[38] J.Moe.
ANoiva-arbusto

RA UMA VEZ, há muito tempo,um viúvo quetinha um filho


e uma filha do primeiro
casamento. Ambos eramboas
criançase amavam-se de todo o coração.Depois de
passado algumtempo,o homem casou-sede novoe
escolheuuma viúva com uma filhaqueerafeiae malvada, e a mãe
tambémerafeiae malvada. Desde o primeiro diaem que a nova
mulherchegouà casanãohouvepaz paraos filhos dohomem, e
nem um cantinho ondepude ssemdescansar . Desse modo, o rapaz
achouque a melhor coisa quepoderiafazererasair mundoafora e
tentarganharoprópriosustento.
Após vagarporum tempo,chegouaopalácio dorei,ondeobteve
um postonaestrebaria e, como eramuito vivoe ativo,os cavalos
quecuidavaficaramtãocevadoselustrosos,quevoltaram . abr
A ir
mã, todavia, ainda em casa, estava cadavez pior . Tanto a
madrastacomoa irmã decriaçãosempre encontravam nela defeito.
O que querque fizessee ondequerque fosse,repreendiam-ena
insultavam- de
na
modoquenunca tinha uma hora depaz. Fizeram-
na realizar
todas as tarefas pesadase diziam-lhe muita
s palavras
duras,de manhãe de noite,mas complementadas porpouca
comida.
Um dia, enviaram-naao riachoparapegarum poucode água,
quandouma cabeçadisform e e medonhaemergiudaságuas e
disse:
—Limpa-me,garota!
— Limpar-te-eicom prazer– respondeu
a menina,e começoua
lavare esfregar
o rosto
hediondo,mas nãopodiadeixar depensar
queeraum tra balho
deverasdesagradável.
Ao terminar
, e fê-lo bem
feito,outracabeçasurgiudaságuas;esta,aindamaisfeia.

—Escova-me,garota!–disseacabeça.
— Escovar-te-eicom prazer– respondeua menina.Pôs-se a
escovaros cabelos embaraçados e, como podemosfacilmente
imaginar
, essatambém nãoera, de modo algum, uma tarefa
agradável.
Ao terminar
, uma outracabe
ça, e deaparência
muito
maisfeiae
odiosa,emergiudaságuas.
—Beija-me,garota!–disseacabeça.
— Sim, beijar-te- – ei
respondeu a filha
do viúvo,e assimo fez,
mas pensouseresseo pior trabalho quejamais realizaraem toda a
vida.
Em seguida,todas as cabeçascomeçarama conversar e a se
perguntaremoquepoderiamfazerporaquelamoçatãobondosa.
— Será a moça maisbela que já existiu,
formosa e clara como o
dia–disseaprimeiracabeça.
— Gota s de ourocairão doscabelos sempreque os escovar –
disseasegunda.
— Moedasdeouro sairão desuabocasempre quefalar – dissea
terceiracabeça.
Assim, quando a filhado viúvochegouem casa, bela e radiante
comoo dia,a madrasta e suafilha ficarammaismal-humoradas. Foi
ainda piorquandoa moça começoua falar e moeda s de ouro
caíramdesuaboca. A madr asta encolerizou-desetal maneira que
mandoua filha doviúvopar a o chiqueiro– ficaria
lá com seubelo
espetáculo deouro,disse a madrasta, mas nãopoderia pôr ospés
nacasa.
Não tardou muito paraque a madrasta desejasse que a própria
filhafosseaoriachobuscarágua.
Quandolá chegoucom os baldes, a primeira
cabeçaemergiu da
água,pertodamargemdorio.
—Limpa-me,garota!–ordenou-lhe.
—Limpa-teatimesma!–respondeuafilhadamadrasta.
Então,apareceuasegundacabeça.
—Escova-me,garota!–exigiuacabeça.
—Escova-teatimesma!–retorquiuafilhadamadrasta.
Assimqueessacabeçaimergiu,umaterceiracabeçaapareceu.
—Beija-me,garota!–disseacabeça.
— Ah! Como seeu fossebeijar essabocahorrorosa! – respondeu
amoça.
Assim, maisuma vez, as cabeçasconversaram entre sisobre o
que fariam com essamoça tão mal-humorada e tão cheiade si.
Concordaram que eladeve riater um narizde quatro varasde
comprimento, um queixode trêsvaras,um arbusto de abeto no
meiodatestaetodavezquefalasse,cinzascairiamdesuaboca.
Quandoa moça voltou aochalé com osbaldes, gritou
à mãe, que
estavaemcasa:
—Abreaporta!
—Abretumesma,queridafilha!–respondeuamãe.
— N ãoconsigo aproximar-em porcausadomeu nariz – replicoua
filha.
Quandoa mãe chegouà porta e viusua filha,podeis imaginar
comoficoue como gritou e la
mentou; porém, o nariz
e o queixonão
diminuíramnemumpouquinhoporcausadisso.
Ora, o irmão,que estava a trabalharnopalácio dorei,fizeraum
retrato da irmãe o levara consigo.Todasas manhãse noites,
ajoelhava-sediantedeleerezavapelairmã,tamanhoardorco
aamava.
Os outros cocheiros ouviram-no fazerisso,então, olharam pelo
buraco dafechadura doquar todorapaze viram-no ajoelh
adodiante
dagravura, demodoquecontaram a todosquetodas asmanhãse
noites o rapazajoelhava- ese
rezava a um ídolo.Porfim, chegaram
aopróprio reie suplicaram queele tambémespiasse pelo buraco da
fechadura e visse com os próprios olhos o que faziao jovem.No
início,o reinão acreditara,mas depois de muito,muito tempo,os
rapazes levaram a melhore o rei encaminhou-se, napontinha dos
pés, paraa porta. Espioupela fechadura e viuo rapazde joelhos,
comasmãospostas,diantedeumagravurapenduradanaparede
—Abreaporta!–bradouorei,masojovemnãoescutou.
Então,o reichamou-lhenovamente, mas o jovemrezavacom
tantofervorquetambémnãooouviudessavez.
— A brea porta, ordeno-te!– vociferouo reinovamente. – Sou eu!
Desejoentrar!
Desse modo, o rapazcorreu atéa porta e a destrancou, mas, na
pressa,esqueceu-sedeesconderagravura.
Quandoo reientrou e viua gravura, ficouparalisado, como se
estivesse com grilhões e nãopudesse sair dolugar, poisa pintura
parecia-lhedemasiadobela.
— Não há em lugar algumdaTerra mulher tãobela quanto esta!–
afirmouorei.
O jo vem, no entanto, disse-lhe que erasua irmãe que elea
pintara, e casonãofosseainda maisbela quenagravura, nãoera,
demodoalgum,maisfeia.
— Bem, seé bela assim,a tomarei porminharainha – disseo rei,
e or denou queo jovem voltassepara casae a trouxesse sem tardar
um só momento e que nãoperdesse tempo ao regressar. O rapaz
prometeu fazertudo o maisrápidopossível e partiudocastelo do
rei.
Quandoo irmão chegouà casapara buscar a irmã,a madrasta ea
irmãdecriação disseram que tambémiriam com ele.Assim, todos
foramjuntos. A filhadoviúvo levou o baúem queguardava o ouroe
um cão zinhochamadoFlocodeNeve. Essasduascoisas eramtudo
o queela herdara damãe. Após viajarem poralgumtempo,tiveram
decruzaro mar. O irmão tomou o leme,e a madrasta e as irmãs
foram na parte da frente do navio.Velejaram pormuito,muito
tempo,atéque,porfim,avistaramaterra.
— Vejama faixa branca adiante;lá quedevemos aportar – disseo
irmão,apontandoparaooutrolado . domar
—Oquemeuirmãoestáadizer?–perguntouafilhadoviúvo.
—Dizquejoguesoteubaúaomar–respondeuamadrasta.
— Bem, se meu irmão assimo diz, devofazê-lo – resp ondeua
filhadoviúvo,elançouobaúao. mar
Após velejarem maisum pouco,o irmão,novamente, apontou para
alémdomar .
—Alipodeisveropalácioparaondedevemosir–disseele.
—Oquemeuirmãoestáadizer?–perguntouafilhadoviúvo.
— A goradizque deves lançarteu cãozinho aomar– res pondeu a
madrasta.
A filhado viúv o chorou e ficoumuito preocupada, poisFlocode
Neve eraa coisa maisquerida que possuíanafacedaTerra.Por
fim,contudo,elaolançouao . mar
— Se meu irmão assimo diz, devofazê-lo, mas Deus sabecomo
nãodesejolançar-tefora,FlocodeNeve!–disseamoça.
Assim,velejaramadiantepormaisalgumtempo.
— L á deveis poder vero reivindo ao vossoencontro – disse o
irmão,apontandoparaacosta.
— O que meu irmão estáa dizer?– perguntou a irmã,m aisuma
vez.
— Agora diz que devesapressar-te e lançar-te ao mar –
respondeuamadrasta.
A moça choroue lamentou-se, mas como o irmãodissera,
pensavaquetinhadefazer;assim,lançou-se. aomar
Quandochegaram ao palácioe o reipôs os olhos na noiva
horrenda com um nariz dequatro varasdecomprimento, um queixo
de três varas e uma fronte que trazia,no meio, um arb usto,ficou
aterrorizado.No entanto, o banquete de núpciasjá estava pronto,
com cervejas e assados, e os convidados já sentados, a esperar.
Assim,feiacomoera,oreifoiforçadoatomá-laemcasamento.
Entretanto,ele estava muito irado e ninguémpoderia culpá-lo por
isso;dessamaneira, fez com queo irmão fosseatiradoem um poço
cheiodeserpentes.
Na primeira noite dequinta-feira apósessesacontecimentos, uma
bela donzelachegouà cozinha dopalácio e implorouà criada quelá
dormia que lheemprestasse uma escova.Ela suplicou com tanta
gentileza queconseguiu. Então,escovou oscabelos e começaram a
despejardelesgotasde razia
ouro.um
T cãozinhoeelalhedisse:
—Sai,FlocodeNeve,vêselogojánasceodia!
Ela disse issotrês vezes, e, na terceira,quandoordenou que o
cachorro verificasse,
a alvorada estavamuito próxima. Foi forçada,
então,apartir,masaosair,disse:
Por ti, horrenda noiva-arbusto,
Que tem ao lado do rei um sono justo,
Na areia e nas pedras meu leito se faz;
e, com cobras frias, meu irmão jaz
Sem perdão, sem pranto.
Duas vezes virei, por encanto,
E, depois, nunca mais.
Pelamanhã,a criada dacozinha relatou o quevira e ouvira, e o rei
disseque na próximanoite de quinta-feira, elemesmo ficaria de
guardana cozinhae verificaria se issoeraverdade. Ao anoitecer ,
dirigiu-se
à cozinhaparavera moça, mas emboraesfregasse os
olhose fizessetudo o que podia paramanter-se acordado, seus
esforçosforamem vão, poisa noiva-arbusto cantou e cantou até
queseus olhos rapidamente secerrassem. Quandoa beladonzela
chegou,eleestavaemsonoprofundoeroncava.
Também dessavez, como antes,elapegou emprestada uma
escova,penteo u oscabelos e o ourojorrava aofazê-lo. Novamente,
mandouo cãosair trêsvezes e, quandoalvoreceu, partiu, mas
antesdesair disse o mesmo quedissera antes, só que“Uma outra
vezvirei,porencanto,/E,depois,nuncamais”.
Na terceiranoite de quinta-feira,
o reiinsistiu maisuma vez em
mantera guarda.Mandou, então, dois homenssegurá-lo:cadaum
deveriapegarem um braço,sacudi-lo e puxá-lo pelo braço sempre
que parecesse que ele fossecair nosono;e colocou dois homens
paratomar conta da noiva-arbusto.No entanto, no transcorrer da
noite,
a noiva-arbusto voltoua cantar
, demodoqueosolhos dorei
começaram a fechar e a cabeçapendeu para o lado.Entã o, chegou
a donzelaadorável, pegoua escova e penteou os cabel os atéque
delejor
rasse ouro.Depoisenviou FlocodeNeve paraverse logo
amanheceria, e fez issoportrês vezes. Na terceira vez, o diaestava
quaseraiando,quandoeladisse:
Por ti, horrenda noiva-arbusto,
Que tem ao lado do rei um sono justo,
Na areia e nas pedras meu leito se faz;
e, com cobras frias, meu irmão jaz
Sem perdão, sem pranto.
Agora, nunca mais virei.
Ao dizerisso, virou-separa sair , mas os doishomens que
seguravam o reipelos braços agarraram e puseram uma facanas
mãos do reie fizeram-nodarum pequenocorte no dedinho da
moça,obastanteparafazê-losangrar .
Dessa maneira, a verdadeira noiva foilibertada.
O reiacordou e
elalhedisse o que acontecera e como a madrasta e a irmãde
criaçãotraíram-na.Assim, o irmãofoiimediatamente retiradodo
poçodeserpentes – asserpentes nuncao tocaram – e a madrasta
eairmãdecriaçãoforamlançadasnopoço.
Ninguém podedescrever quãosatisfeito ficouo rei
porlivrar-seda
odiosanoiva-arbusto,e conseguir uma rainha que eraformosae
claracomooprópriodia.
Nessa ocasião, foi realizado o verdadeiro casamento, e de tal
maneiraque ouviu-se falar
dele em todos os setereinos
. O reiea
noivadirigiram-seà igrejae Flocode Neve tambémestava na
carruagem.Depois da bênção, voltaram paracasanovamente e,
depoisdisso,nãoosvimais. [39]

[39] J.Moe.
BrancadeNeve

R A UMA VEZuma rainha,que, num diadeinverno em que


os flocosde nevecaíam como plumassobrea terra,
costurava sentada juntoa uma janela de caixilhode
ébanonegro. E enquanto costuravae fitava a alva
paisagem,picou-se nodedocom a agulha e três
gotas desangue
caíram sobrea neve do ladode fora. E como o vermelho
contrastavatãobemcomobranco,elapensouconsigomesma:
— O h, daria tudo parater uma criança branca como a neve,
vermelhacomoosangueenegracomooébano!
E seudesejo lhefoiconcedido,porque,nãomuito tempo depois,
deu à luz uma filhinha de pelebranca como a neve, lábiose
bochechas vermelhos como o sanguee cabelos negros como o
ébano.Chamaram-naBranca deNeve, e poucotempo depoisque
elanasceu,arainhamorreu.
Um anodepois , o rei
casou-se denovo.Sua novaesposa erauma
mulherbela,mas tão orgulhosae arrogante que nãosuportava a
existência
deninguémqueri valizassecom suabeleza.Possuíaum
espelhomágico e costumava perguntar-lhe,
enquanto admirava seu
próprioreflexo:
— Espelho,espelho meu, há nomundomulher maisbela doque
eu?
Aoqueoespelhosemprerespondia:
— Bela senhora, rainha preciosa,soisneste mundoa maisbela e
formosa.
Comissomuitosealegrava,poissabiaqueoespelhosempredizi
averdade.
Branca deNeves, noentanto, crescia e tornava-mais
se bonita a
cadadi a, e quando completou sete anosdeidade,alcançou beleza
sem par , maior quea daprópria rainha. Porisso,um dia , quando a
monarcafezaoespelhoaperguntahabitual,estelheresponde
— Senhorarainha,vossabelezaé, de fato,espantosa. Mas
BrancadeNeveéaindamuitomaisformosa.
Ao ouvirtal coisa,a rainha cedeuà maisterrível daspaixões, e
fez-se verde de inveja. A partirdessemomento,passo u a odiar
BrancadeNevecomosevenenofosse.Eacadadiasuainveja,seu
ódioe suamalícia cresciam m ais,poisa inveja e o ciúmesãocomo
ervasdaninhas que brotam no coração e vão cres cendoaté
estrangulá-Por lo. fim, já nãopodia maissuportar a presençada
menina,demodoquemandouchamarumcaçadorelhedisse:
— Leva a criança paraa floresta, que nuncamaisquerovoltar a
vê-la. Deves matá-lae trazer-me o pulmão e o fígadodela paraque
eutenhacertezadequeestámorta.
O caçador obedeceu e embrenhou-se nafloresta levando Branca
de Neve consigo paramatá-la. Porém, no momento em que ele
sacouda faca e estava prestes a trespassá-la,elacomeçoua
chorardizendo:
— Ai, bom caçador , poupaminhavidae prometo-te sumirpela
florestaadentroenuncamais . voltar
Eporqueeratãojovemebela,ocaçadorsentiupenadelaediss
—V aientão,pobrecriança.
Embora pensasse consigo que, de qualquer modo, os animais
selvagens logoa comeriam,em seucoração sentiu-se aliviadopor
nãoter dematá-laelemesmo. E nocaminho devolta, avistou um
filhote de javaliem corrida, m atou-o com um tiro e levouseupulmão
e seu fígadoparaa rainha como prova de que Branca de Neve
estava mesmo morta.A malvada mandouque cozinhassem os
órgãos com sal e comeu-os, julgando queassimsetinha livradoda
meninaparasempre.
Ora, quandoa pobrecriança se viu sozinhanaquela grande
floresta,ondeatémesmo as árvores à sua volta lhepareciam
assumir formasestranhas, sentiu-se tãoassustada quenãosabia o
quefazer . Desatou entãoa correr porsobre aspedras afiadase os
arbustos de espinheiros, e os animais selvagens cruzavam-lhe o
caminhodisparados, mas não lhefaziam mal. Correu tão longe
quanto seuspésa podiam levar , e quando a noitejáseaproximava,
viuumacasinhaenelaentrouparadescansar .
Lá dentro, tudo erabem pequeno,porémmaislimpo e arrumado
doque qualquer casaque podeis imaginar. No meiodasala havia
uma m esinha.Estava cobertacom uma toalha de mesa branca e
sobre ela sedispunham sete pratinhos e, aolado decada pratinho,
um garfinho,uma colherzinha , uma faquinha e um copinho.Junto à
parede, alinha vam-se sete caminhas cobertas com lençóisbrancos
como a neve.Branca deNeveestava tão faminta e tinha
tanta sede
queacabou comendo um pedacinho depãoe um poucodemingau
de cadaprato e bebendo um golede vinhode cadacopinho.
Depois, sentindo-cansada
se e sonolenta, deitou-seem uma das
camas, mas nãoestava confortável; então experimentou todas as
outras,uma a uma, porémnenhumalheservia. Umas eramlongas
demais,outras , demasiado curtas. Atéque, porfim, a sétima lhe
serviu perfeitamente. Nela, portanto, deitou-se, disse suaspreces
comoumaboameninaedormiuquasedeimediato.
Quandojá eranoite escura , os donosda casinha regressaram.
Eram sete anões e trabalha vam nasminasque ficavambem lá
embaixo,nocoração damontanha. Acenderam suassete pequenas
lamparinas e, assim que seus olhosse acostumaram com a
claridade, viram quealguémestivera ali,poisascoisas não estavam
todasarrumadascomoelesashaviamdeixado.
—Quemsesentounaminhacadeirinha?–disseoprimeiroanão.
—Quemcomeudomeupãozinho?–disseosegundo.
—Quemprovoudomeumingau?–disseoterceiro.
—Quemcomeunomeupratinho?–disseoquarto.
—Quemespetoucomomeugarfinho?–disseoquinto.
—Quemcortoucomaminhafaquinha?–disseosexto.
—Quembebeudomeucopinho?–disseosétimo.
Então,o primeiroanãozinhoolhouem voltae, vendo uma saliência
nolençoldasuacama,perguntoudenovo:
—Quemsedeitounaminhacama?
Logo, os outros vieramcorrendoe, quandoviramsuascamas,
bradaramemuníssono:
—Alguémsedeitounasnossastambém.
Mas o sétimo,quandoolhou parasuacama, recuou espantado,
poisnelaviuBranca de Neve adormecida. Depois chamou os
outros,queapontaram suaslâmpadas diretopara a camae, quando
viramBranca de Neve deitada sobreela,quasedesmaiaram de
surpresa.
—SantoDeus!–exclamaram.–Quemeninamaislinda!
E ficaramtãoencantados com a belezadela quenãoa acordaram,
mas deixaram que continuassedormindo na caminha.O sétimo
anãodormiu uma horana cama de cadaum doscompanheiros e
assimpassouanoite.
Pelamanhã, Branca de Neve se levantoue, quando viuos sete
anõezinhos,ficoumuitoassustada.Mas eles foramtão amigáveise
lheperguntaram seunome com tanta delicadeza que elaacabou
respondendo:
—EusouaBrancadeNeve.
—Porqueviesteànossacasa?–continuaramosanões.
E então ela
lhes contouquesuamadrasta a quiseramandar matar
,
mas o caçador poupara-lhea vidae elacorrera o diainteiroaté
chegarà casinha deles.
Os anões, ao ouvirem tão triste
história,
perguntaram:
— Queresficar e cuidar dacasaparanós, e cozinhar , arrumar as
camas, lavar , costurare tric
otar? Se foresboazinha e mantiveres
tudoarrumadoelimpo,nãotefaltaránada.
— Sim – respo ndeuBranca deNeve–, farei debom grado tudo o
quemepedis.
E assimosanõezinhos deramguarida a Branca deNeve. Todasas
manhãseles partiamem direção à montanha paracavar em busca
deouro e à noite,
quando regressavam, Branca deNevesempre os
esperava com o jantar à m esa. Durante o dia, porém, a menina
ficavasozinha.Porisso,osanõeslheavisaram:
— Cuidado com a tuamadrasta. Maiscedoou maistarde, elavai
descobrir que estásaqui. Portanto, haja o que houver , nãodeixes
ninguémentrarnacasa.
Ora, a rainha,depoisquecomera o quejulgava seremo pulmão e
o fígado de Branca de Neve, nem sonhava que pudesse haver
ainda,no mundo, alguémmaisbonita do que ela.Um dia,então,
pôs-seemfrenteaoespelhoeperguntou:
— Espelho,espelho meu, há nomundomulher maisbela doque
eu?
Eoespelhorespondeu:
— Senhorarainha,vossabelezaé, de fato,espantosa. Mas
Branca deNeveé ainda muitomaisformosa.Branca deNeve, que
com ossete homenzinhos viv
e agora,é duasvezesmaisbela quea
senhora.
Quandoouviu estaspalavras, a rainhaquaseemudeceu dehorror,
poiso espelho semprediziaa verdade, e agoraelasabiaque o
caçador a haviaenganado e queBranca deNeveainda estava viva.
Desde então, pôs-se a refletir
diae noite sobrecomo faria para
acabar com a ela,porque,enquanto tivesseuma rival no mundo,
seucoração invejosonãolhe daria descanso. Porfim, concebeuum
plano.Pintou a carae vestiu-se como uma vendedora de
bugigangas,de maneira a tornar-praticamente
se irreconhecível.
Assimdisfarça da, atravessou setes colinas,atéchegarà casados
seteanões. E uma vez ali,bateuà porta,
aomesmo tempo em que
bradava:
—V endocoisasboasebaratas!Coisasboasebaratas!
BrancadeNeveespreitoupelajanelaedisse:
—Bomdia,boamulher .Oqueéquetensparavender?
— Coisasboas, coisas de qualidade.
Cordõesde espartilho
de
todasas cores e detodos os tipos– respondeu
ela,erguendo
nas
mãosumadaspeças,queerafeitadeumafinasedacolorida.
— Decerto nãohá problema em deixar
entrar
essaboamulher –
pensouBrancadeNeve.
Demodoquedestrancouaportaecomprou-lheobelocordão.
— S anto Deus, filha! – disse a anciã.– Que aparência te
ns. Vem,
queteapertareioespartilhocomo . deveser
Branca de Neve, sem susp eitarde nada,pôs-se de pé ante a
mulher e deixouque elaarr umasseseuespartilho. Mas a velha o
apertoutão rápidoe tão forte que Branca deNeve ficousem are
caiunochãocomomorta.
— P ronto! Já nãoés a maisbela – disse a malvada, e fugiuàs
pressas.
À noite,ossete anõesvoltaram paracasa,e já podeis imaginaro
sustoque tomaram quandoviramsua querida Branca de Neve
estiradano chão, imóvelcomo se morta estivesse.
Ergueram-na
com delicadeza e, quando viram quãoapertado estavao espartilho,
cortaram-lhe os cordões.Elacomeçoua respirar um bocadinho e,
aospoucos,voltou a si. Quandoos anõesouviram o que havia
acontecido,disseram:
— P odester certeza deque a vendedora debugigangas era,na
verdade, a rainha. De agoraem diante, tens de cuidar paranão
deixaresninguémentrarquandonãoestivermos.
Assimque chegouem casa , a rainha rumoudireto ao espelho e
perguntou:
— Espelho,espelho meu, há nomundomulher maisbela doque
eu?
Eoespelholherespondeucomoantes:
— Senhorarainha,vossabelezaé, de fato,espantosa. Mas
Branca deNeveé ainda muitomaisformosa.Branca deNeve, que
com ossete homenzinhos viv
e agora,é duasvezesmaisbela quea
senhora.
Quandoouviuisso,a rainha ficoupálida como um cadáver , pois
logosoubequeBranca deNeveainda estava viva.Então dissea si
mesma:
— D esta vez, heidepensar em algo queme livre dela deuma vez
portodas.
E fazendousoda bruxaria que tão bem conhecia, fez um pente
envenenado. D epois,vestiu
-se toda e assumiua formade outra
anciã.E atravessou as sete colinas,atéchegarà casadossete
anões,ondebateuàporta,exclamando:
—Coisasboasàvenda!
BrancadeNeveespreitoupelajanelaedisse:
—Devesirembora,poisnãopossodeixarninguémentrar .
— M asdecerto nãoestásproibida deolhar , estás?– disse a velha
mulher,enquantoerguiaopenteenvenenadoparaqueelaovisse
Branca deNevegostou tanto dopente quedeixou-aapro ximar-se
e abriu-lhe
a porta.Quandoterminaram denegociar o preço, a anciã
disse:
— Agora, deixa-me pentear- teo cabelo como deveser , paraque
aprendascomosefaz.
A pobre Branca deNeve pensou que nadademallhesucederia,
mas, assimqueo pente toco u seucabelo, o veneno fez efeito e ela
caiunochão,inconsciente.
— Agorasim, mocinha garbosa. Destavez estás liquidada – disse
amalvada,eevadiu-setãorápidoquantopodia.
Felizmente, já seaproximava a noitee ossete anõesregressaram
a casa. Quandovirambran ca de nevedesfalecida no chão, de
imediato suspeitaramquea madrasta malvada tinhafeito maisuma
dassuas. Entã o, olharamem volta e viram o penteenvenenado. No
instante em que o retiraram do cabelo de Branca de Neve, ela
recuperouossentidoselhescontouoqueacontecera.
A ra inha, quandochegouem casa, foi direto ao seu espelho
mágicoeperguntou:
— Espelho,espelho meu, há nomundomulher maisbela doque
eu?
— Senhorarainha,vossabelezaé, de fato,espantosa. Mas
Branca deNeveé ainda muitomaisformosa.Branca deNeve, que
com ossete homenzinhos viv e agora,é duasvezesmaisbela quea
senhora.
Quandoouviuessaspalavras, elaestremeceu e estrebuchou-se
deraiva,literalmente.
— Bran ca deNevehá demorrer – berroua malvada. – Sim! Nem
queissomecusteavida!
Então,dirigiu-sea uma câmarasecreta que só elaconh eciae lá
fabricouuma maçã venenos a. Porfora,a fruta eralinda: metade
branca,metad e avermelhada. Quem querque a visse,tinha logo
vontade decomê-la. Se o fizesse,porém, decerto morreria nahora.
Terminada a maçã, a rainha pintou a carae disfarçou-se de
camponesa.E assimdisfarçada, atravessou as sete colinasatéa
casados sete anões. Lá chegando,bateu à porta, como sempre,
mas Branca de Neve pôs a cabeçado lado de forada janela e
exclamou:
—Nãopossodeixarninguémentrar .Osseteanõesmoproibiram.
— Estáscom medodeveneno? – perguntou a anciã.– Olha,vou
cortarestamaçãaomeio. Eu como a metade branca e tucomesa
vermelha.
Mas a maçã forafeita com tanta arteque apenasa metade
vermelha eravenenosa. Brancade Neve queria muito prová-la,e
quandoviuque a campone sa a estava comendo,nãoconseguiu
mais resistirà tentação: esticou o braçoe pegou a metade
envenenada. Mas, assimqueo primeiro pedaço dafruta passou por
seuslábios,elacaiumorta no chão.Brilharam dejúbilo,então, os
olhosdarainha,quesoltouumagargalhadasinistraeexclamou
— Branca como a neve,vermelha como o sanguee negra como o
ébano! Destavez, os anõesnãoconseguirão trazer-te
de volta à
vida.
Equandochegouasuacasa,perguntouaoespelho:
— Espelho,espelho meu, há nomundomulher maisbela doque
eu?
Eoespelhoenfimrespondeu:
— Bela senhora,rainha preciosa,soisneste mundoa maisbela e
formosa.
Então,finalmente, seu cora ção invejoso encontrou a paz – ao
menos, tanta paz quanto é possívela um coraçãoenvenenado pela
inveja.
Quandoos anõezinhos voltaram paracasaà noite, encontraram
Branca de Neve estendida no chão, e elanãorespirav a nem se
mexianomaismínimoquefosse. Então,ergueram-na e olharam em
volta à procura dequalquer coisa que pudesse estar envenenada.
Desapertaram-lhe o espartilho,pentearam-lheo cabelo,lavaram-na
com ág ua e vinho,mas de nadaserviu: a menina estava mortae
morta seguiu.Depois, deitaram-na num ataúde, sentaram-se em
torno – todos os sete anões– e choraram desconsolados portrês
dias a fio. Porfim, convenceram-de sequedeveriam enterrá-la,
mas
suaaparência aindaeraviço sa, como se estivesse viva,e tinha
as
bochechasaindarosadas.Porisso,disseram:
—Nãopodemosocultá-lanasprofundezasdaterraescura.
De modo que construíram um caixãode vidro transparente,
puseram-nalá dentro e, sobrea tampa,escreveram em letras
douradas que elaerauma princesa. Depois, depositaram o caixão
no topoda montanha, ondeum dosanõesficavasempreao seu
lado,avelá-la.
E atéos pássaros do céu vinhamchorar a morte de Branca de
Neve. Primeiro , veiouma coruja, depoisum corvo e, porúltimo,uma
pombinha.
Branca deNevepermaneceu alideitadanocaixão pormuito, muito
tempo,sem jamais perder o viço. Parecia estar dormindo,pois
seguiabranca como a nevee vermelha como o sangue,e seus
cabeloscontinuavamnegroscomooébano.
Masumdiaaconteceuqueumpríncipeentrounaflorestaepass
pelacasadosanões. Quandoviuo caixãono alto da colina,e
dentro dele a linda Branca de Neve, e leua inscrição em letras
douradas,opríncipedisseaosanões:
— Deixai-me ficar com este caixãoe, em troca, vosdarei o que
quiserdes.
Masosanõesresponderam:
—Nãonossepararíamosdele,nemportodooourodomundo.
— Muito bem, oferecei-moentão depresente,poisnãopossoviver
sem Branca deNeve. Heideacalentá-e laamá-la como meu bem
maisprecioso.
Suaspalavras soavamtão tristes
queosanõessentiram penadele
e lhederamo caixão,e o prí
ncipe mandouseuscriados levarem-no
dalisobreos ombros. Mas aconteceu que, quandoestavam
descendo a colina,
oshomens tropeçaram num arbusto e sacudiram
o caixãocom tanta violênciaque o pedacinho de maçã venenosa
queBranca deNevehavia comido lhesaltoudagarganta. Bem aos
poucos,então, elaabriuos olhos.Depois levantou a tampado
ataúdeesentou-se,vivinha,vivinha.
—Ai,meuDeus!Ondeestou?–indagouaprincesa.
Opríncipe,felizdavida,respondeu:
—Estáscomigo.
Econtou-lhetudooqueacontecera,acrescentando:
— A mo-temaisquetudo nes te mundo.Venscomigoaopalácio de
meupaiparaseresminhaesposa?
Branca deNeveconsentiu e foicom ele.O casamento celebrou-se
commuitapompaecircunstância.
E aconteceu que a madras tade Branca de Neve tam bém foi
convidada paraa festa.
Assim, depois devestir-magnificamente
se
paraaocasião,amalvadapôs-seemfrenteaoespelhoedisse:
— Espelho,espelho meu, há nomundomulher maisbela doque
eu?
Eoespelhorespondeu:
— Senhorarainha,vossabelezaé, de fato,espantosa. Mas
BrancadeNeveéaindamuitomaisformosa.
Ao ouvirtaispalavras,a mulher praguejoue ficouforade si, de
tanta raivae desgosto.De início,quismesmo desistir de irao
casamento. Ao mesmo tempo,porém, sentiu que jamais ficaria
satisfeita
se nãovissea jovemrainha com seuspróprios olhos.
Quando elaentrou,Branca de Neve a reconheceu e quase
desmaioudetantomedo. M as a velha
rainha
ganhoude presente
uns sapatos
de ferroaindaem brasa,que haviamsidofeitos
especialmente
paraela.E obrigaram-na
a calçá-los
e a dançar
com
elesatécairmortano [40]
chão.

[40] IrmãosGrimm.
OGansodeOuro

RA UMA VEZ um homem que tinha trêsfil


hos. O maisnovo
chamava-seJoãoBobo,e aspessoas nãoperdiam uma
oportunidade de ridicularizá-escarnecê-
lo, lo
e humilhá-
lo.Certo dia,ocorreu ao maisvelho irà florestacortar
lenha,e suamãe deu-lhe um pãode excelente qualidade e uma
garrafade vinho,paraque nãotivesse fome nem sededurante a
viagem.
Quandochegouà floresta, encontrou um homenzinhojá bem
grisalhoquelhedesejou“bomdia”edisse:
— Porfavor , dá-me um peda ço dopãoque trazes nobolso e um
bocadodevinho.Estoufamintoecomtantasede!
Masessefilho,argutocomoera,respondeu:
— Se eu tedermeu pãoe meu vinho,nadame restará. Passar
bem.
Despediuassimovelhinhoeembrenhou-semaisfundonaflorest
Começoua cortar uma árvore,mas dentro em poucoo machado
escapou-lhedamãoe feriu-lhe o braço tãogravemente, quetevede
voltarparacasaeenfaixá-lo.
Então o segundo filho
decidiu irà floresta,
e suamãe deu-lhe um
pãomuito bom e uma garra fa de vinho,como havia feit
o ao mais
velho.Chegandoà mata, tambémeleencontrou o homenzinho
grisalho,quelheimplorouumbocadodepãoeumgoledevinho.
Porém,comsensatezigualàdoirmão,respondeu:
— S e dou a ti,privo
a mim mesmo. É melhor iresandando;passar
bem.
Masapuniçãonãodemorouachegar:apósalgunsgolpesemuma
árvore,o machadoacertou-lhe a perna,abrindo uma feridatão
profunda,quetevedesercarregadoatéemcasa.
EntãofoiavezdeJoãoBobodizer:
—Pai,deixa-meirbuscarlenha.
Aoqueopairespondeu:
— Teus doisirmãos se feri
ram. Melhordeixaresde ideias;não
entendesnadadessascoisas.
MasJoãoBobotantoinsistiu,queopaidisseporfim:
— M uito bem, então podesir. Quandotiveres teferid
o, talvez
aprendasaterjuízo.
Sua mãe deu-lheapenasum pedaçode pão à based’água,
assadoemcinzas,eumagarrafadecervejaazeda.
Quando chegou à floresta, encontrou o velhinho, que o
cumprimentouedisse:
— Dá-me um pedaço depãoe um goledevinho.Estoufaminto e
comtantasede!
JoãoBoborespondeu:
— Tenhoapenas um pãoassado em cinzase um poucode cerveja
azeda.Sequiseres,podemossentar-nose. comer
Assimfizeram.QuandoJoãoBobodesembrulhou o pobrepãoque
trazia, notou que haviase transformado em pão de excelente
qualidade, e que a cervej a azeda se transformara em vinho.
Comeramebeberam;quandoterminaram,ohomenzinhodisse:
— Vou tetrazer sorte,poistens bom coração e estásdispostoa
compartilhar o que possuis. Aliestáuma árvore velha:
cortao seu
tronco.Háalgoparatientreasraízes.
Eohomenzinhopartiu.
JoãoBobopôs-se imediatamente ao trabalho e, quando derrubou
a árvore, encontrou entre as raízesum gansocujas penaseram
feitasdo maispuroouro.Tomou-o nasmãose levou-o consigo atéa
hospedariaondetencionavapassaranoite.
O estalajadeiro
tinhatrês filhas,que, ao veremo gansodeouro,
ficarammuitointrigadas com o fabuloso pássaroe desejaram
possuirumadesuaspenasdouradas.
A maisvelha pensou consigo: “Dareilogo um jeito dearrancaruma
dessas penas”.Assim, naprimeira oportunidade, tendoJoãoBobo
saídodo quarto, a moça atirou-sobrese gansoe agarro u uma de
suasasas.Mas, vejam só: seusdedos ficaram colados e, pormais
quetentasse,nãoconseguiaremoveramão!
Logo depois,a segunda filha apareceu e quisarrancar uma pena
doganso, mas bastou tocar nairmãparaficar pegadaa ela,sem
conseguir se soltar
. Por fim, veioa terceira irmãcom o mesmo
intento,mas as outras duasgritaram: “Afasta-te! PorDeus, afasta-
te!”
A irmãmaisnovanãofaziaideia de porque deveria obedecer ,
pensando consigo:“Ora, se ambas estão aqui, porque eu não
possoestar?”
Tocouem uma dasirmãs e imediatamente ficoupresa.Tiveramas
três,assim,depassaranoitetodajuntoaoganso.
Namanhãseguinte,JoãoBobometeuoanimaldebaixodobraçoe
foi-seembora,sem seincomodar nomínimoquefossecom astrês
moçasqueo seguiam,agarradas umas às outras e aoganso.Pois
se nãohaviaremédio senãoacompanhar-lhe os passos,paraa
direitaou paraa esquerda, o melhor que pudessem!N o meiodo
caminho, cruzaramcom o vigário, que, ao ver a procissão,
exclamou:
— É muita falta
de decoro dassenhoritas, correratrá s de um
jovemdestamaneira!Julgaisqueissosãomodos?
Tendodito isso,agarrou a irmãmais novapelamão e tentou
arrastá-la,
noqueficouele mesmo preso,tendo deacompanhá-las
nacarreira.
Dalia pouco,o sacristão
apareceu
e ficoumuito
surpreso
aovero
vigáriocorrendocomasmoças.
— A ondevaiVossaReverendíssima com tanta pressa? – gritou.–
Nãováseesquecerdobatizadodehoje!
Disparouentão atrásdo vigárioe agarrou-o pelopunho, não
conseguindomaissesoltar .
Foram assimtrotando pelocaminho,os cincoatropela damente,
quandoapareceram doiscamponeses que voltavamdo trabalho,
carregando suas enxadas.Ao vê-los, o vigárioimplorou que o
resgatassem, a elee também ao sacristão. Mas, ora! Bastou
tocarem neste últimoparaficaram igualmente pregados. E, assim,
eramagoraseteacorreratrásdeJoãoBoboeseuganso.
Algum tempo depois,chegar am a uma cidade governada porum
rei cuja
filhaeratão sisuda e gravequeninguémconseg uiafazê-la
rir. O reihavia decretado que quem conseguisse arrancar damoça
umsorrisohaveriadecasar-secomela.
JoãoBoboouviuanotíciaemarchouatéaprincesacomogansoe
seuatra palhado séquito.Qu andoa moça bateu os olhos em coisa
tão insó
lita– ossete trombando unscontraosoutros,sem sesoltar
–, explodiu em uma gargalha dae nãoparou maisderir. JoãoBobo
declarou- sua
a noiva,mas o rei,que nãogostara daideia detê-lo
como genro, inventou todo tipode objeções,dizendo-lhe que,
primeiro, deveria encontrar um homem capazdebeber todo o vinho
desuaadega.
João Bobo lembrou-se do homenzinho grisalho,
que certamente
poderia ajudá-lo,e partiu rumoà floresta.No mesmo local onde
haviacortado a árvore,encontrou um homem sentado com uma
expressão deprofundo desal ento.Perguntou qualerao problema, e
ohomemrespondeu:
— Não seicomo saciar a terrívelsedeque me consome,poisde
nadam e vale água pura.Esvazieium barril inteiro
devinho,mas o
queéumagotaempedraescaldante?
— Creio quepossoajudar-–te disseJoãoBobo.– Vem comigo, e
hásdebeberàvontade.
Conduziu-oassim atéa adegadorei.O homem sentou- se diante
dosenormes barris
e bebeu,bebeu,até esgotar todoo conteúdo da
adegaantesqueanoitecaísse.
Então JoãoBobopediu nova mente a noiva,mas o rei ficoumuito
aborrecido com a ideia de um sujeito estúpido,que as pessoas
chamavam de “JoãoBobo” , desposar-lhe a filha,e começoua
inventar novascondições.Pediuqueencontrasse um homem capaz
decomeruma montanha depães.JoãoBobonãohesitou : foidireto
à florestae, no mesmo lo calde antes,encontrou um homem
apertando uma faixa bem justa em torno da cintura, com uma
expressãopungentede ,quedor
entãodisse:
— Comi uma fornada inteira de pães,mas que vantage m é isso
paraal guém com a minhafome? Poisdigo: meu estômagoestá
vazio!Edevoapertarbastanteocintoparanãomorrerdeinani
Muitocontente,JoãoBobofalou:
— Levanta e vem comigo.Terásmuito o quecomer– e conduziu-o
atéacorte.
O reiordenara que buscassem toda a farinhadoreino, e que se
preparasse uma montanha de pães. Mas o homem da floresta
simplesmente sentou-see começoua comer , e em um únicodia
tudofoiconsumido.
João Bobopediuentão a noivapelaterceira vez, mas o rei
novamente recorreua evasiv ase exigiuquelhe trouxesse um navio
“capazdenavegar porágua e porterra! Quandovieres navegando
emtalnavio”,disse,“terásminhafilhasemmaisdemora”.
Mais uma vez, João Bobotomouo caminhoda flore sta,e lá
encontrouovelhinhocomquemrepartiraopão,quelhedisse:
— Comie bebiporti,e agora terás
o navio.Fiz tudo isso poisfoste
bomemisericordiosocomigo.
Deu a JoãoBoboum navio capazdenavegar porágua e porterra.
Quandoo rei viuo navio,concluiu quenãomaispoderia recusar-se
aentregar-lheafilha.
Entãocelebraramocasamentocommuitasfestividades.Depoi
morte
do rei,JoãoBobosucedeu-o
notrono,e viveu
felizcom sua
esposapelosmuitosanosqueseseguiram.
[41]

[41] IrmãosGrimm.
OsSetePotrinhos

RA UMA VEZ um casal que viviaem uma pobre choupana


no ermo da floresta,longe de tudo e de todos.Viviam
em penúria, remediando-comse o poucoquepossuíam,
encontrando aténissodificuldade. Tinhamtrêsfilhos,
sendo o maisnovochamadodeCinzento, porpassar os dias sem
nenhumaocupação,arevirarcinzas.
Um dia, o filhomaisvelho anunciou que sairiapelomundopara
ganhara vida.Tãologo obte
veo consentimento dopai– o quenão
tardoua acontecer –, partiu.
Caminhouo diatodo, sem descanso;
anoiteciaquandochegoua um palácio. O rei,queestava dolado de
fora,sobreasescadas,perguntou-lheaondeia.
— Proc uromeu lugar no m undo, meu senhor – respondeu o
jovem.
— Esta riasdisposto a servir-me
e cuidar demeus sete potros? –
indagouo rei.– Se fores capazdepastoreá-los porum diainteiro e
relatar-àmenoite o que comerame beberam,terása mão da
princesa e metade do meu reino.Se falhares, porém, mandarei
arrancar-tetrêstirasdecourodascostas.
O rapazjulgou quepastorear ospotros seriabastantefácil,e que
nãoencontrarianissoamenordificuldade.
No diaseguinte, aonascer dosol,o chefedacavalaria re aldeixou
saíremossete potros, quedispararam – o jovem em seuencalço –
porsobre montes e vales,
porentre bosques e pântanos. Depoisde
acompanhá-los nesseritmo pormuito tempo,o rapazcomeçoua
sentir-cansado;
se dentroem pouco,estava francamente exausto de
pastorearosanimais. Próximo dalihavia uma gruta em um rochedo,
ondeuma velha,sentada a uma rodade fiar , ocupava-seno
trabalhode tecer . Tão logoavistou o rapazcorrendo atrásdos
potros,osuoraensopar-lheorosto,elaochamou:
—V emcá,vemcá,meumenino,edeixa-mepentearteuscabelos.
Como a oferta o agradasse, sentou-se aospés da velh a bruxa,
repousando a cabeçaem seusjoelhos. Rendeu-seinteiramente à
indolência, enquanto ela penteava seus cabelos.E assim
transcorreutodoodia.
Quandocomeçouaanoitecer ,orapazquisirembora.
— É melhor voltar direto
paracasa– disse ele–, poisde nada
adiantaapresentar-mediantedorei.
— A guarda a noite cair
– disse a velha bruxa. – Os potr os dorei
passarão poraquinovamente, e então poderásconduzi-los atéo
palácio.Ninguém jamais desconfiará de que passaste o diatodo
deitadoaqui,emvezdepastoreá-los.
Quandoos potros voltaram, a velha entregou-lhe uma garrafa
d’águae um bocadodemusgo, dizendo que, aoserindagado pelo
reisobre o que os potros haviamcomidoe bebido,eraissoque
deviaapresentar .
— P astoreaste fielmenteospotros durante todo o dia?– perguntou
orei,quandoorapazapresentou-seànoitinha.
—Sim,Alteza!–respondeu.
— Entã o podesdizer-meo que meus sete potros comerame
beberam–replicouorei.
O rapaz mostrou a garrafa d’água e o bocadode musgo que
receberadavelha,dizendo:
—T endesaquioquecomeram,eaquioquebeberam.
O rei,compree ndendo perfeitamente o quesepassara, foitomado
detal ira,queordenou aoscapatazes queconduzissem o rapazde
volta paracasa. Antes,porém, deveriam arrancar-lhetrês tirasde
couroà s costas e cobrir de salas feridas. Qualquer um pode
imaginar o estado de espírito do rapazao voltar paracasa. Saíra
paraencontrar seulugar nomundo, disse ele,mas jamais repetiria
talcoisa.
No diaseguint e, o segundo filho anunciou que sairiapelo mundo
em busca deseudestino. O paie a mãe o instaram a desistirdetal
ideia,a olhar paraascostas doirmão,mas o rapaznãosedeixava
convencer , estava irredutível.
Depoisdemuito, muitotempo,obteve
permissãoparapartir ,eassimofez.
Depoisdeter andado o diatodo, tambémele chegouaopalácio. O
rei estavadolado defora,sobreasescadas, e perguntou-lhe aonde
ia. O jovem res pondeu queestava em buscadeseudestino, aoque
o reiindagou se desejava servi-lo e pastorear seussete potros,
prometendo-a lhe
mesma punição e a mesma recompensa que ao
irmão.
O jo vem concordou imediatamente e começoua servir o rei,pois
acreditou quepastorear ospotros e relataro quecomerame o que
beberamseriacoisafácilde . fazer
À primeira luzda manhã, o chefeda cavalaria deixousaíremos
sete potros, que mais uma vez dispararam porsobremontes e
vales.O rapazdisparou em seguida,a acompanhá-los.Todavia,
repetiu-com se eleo que sucedera ao irmão.Depoisde seguir os
potros pormuito, muito tempo,sentiu-se extremamente cansado. Ao
passar poruma gruta em um rochedo, uma velha,sentada a uma
rodadefiar ,chamou-o:
—V emcá,vemcá,meumenino,edeixa-mepentearteuscabelos.
Como a oferta tambémo agradasse, desistiude acompanhar os
potros, deixando-os correrporondebem entendessem, e sentou-se
aospés davel ha bruxa, repousando a cabeçaem seucolo.Passou
assimtodoosantodia,entregueàmaisperfeitaindolência.
Ospotrosvoltaramànoite,eeleentãorecebeudasmãosdabr
um bocado demusgo e uma garrafa d’águaparaapresen taraorei.
Mas, quando o reiperguntou: “És capaz de dizer-meo que meus
sete potroscomerame beberam?”,e o jovem mostrou-lhe o bocado
demusgo e a garrafa d’água, dizendo:“Poisnão:aquiestáo que
comeram, e aquio que beberam”,o reimais uma vez irou-se:
ordenou que arrancassem tr
ês tiras de couro às costas do rapaz,
quecobrissemdesalasferidas,equeomandassemembora.
Quandochegouem casa,contou tudo o quesepassara. Talqualo
irmão,alegou quesaíra em buscadeum lugar nomundo , mas que
jamaisfariatalcoisanovamente.
No terceirodia,Cinzento desejou partir
, poisqueria pastorear os
setepotros.Osdoisirmãosriramezombaramdele.
— S e conosco tudo se deutão mal, supõesque contigo seria
diferente?Atéparece quetuconseguirias! Nuncafizeste nadaalém
dedescansarerevirarumascinzas!–disseram.
—Irei,sim–replicouCinzento–,poisestoudecidido.
Os doisirmãos riram-sedele, e os paisimploraram que ele
desistissedaideia,mas em vão,e então Cinzento partiu.Depoisde
ter anda
doo diainteiro,também ele chegouaopalácio dorei aocair
danoite. O reiestava parado naescadaria e perguntou-lhe aonde
ia.
— Vou poraí em buscado meu lugar no mundo– respondeu
Cinzento.
— D e ondevens? – inquiriuo rei,pois,desta vez, queria saberum
poucomaisantesdetomaralguémaseuserviço.
Cinzento contou-lhede ondevinha,e que erairmão dos outros
doisque haviampastoreado os sete potros do rei.Indagouem
seguida se poderia tentar
suasorte nodiaseguinte, cuidando dos
potros.
— D eviamenvergonhar-–se! disse o rei,tomado deódiosó dese
lembrar dosdoisrapazes.– Se és irmão deles, nãodevesservir
paramuitacoisa.Estoufartodegentedessaqualidade.
— Bem, mas, já que estou aqui, poderíeis
ao menosdeixar-me
tentar–replicouCinzento.
— Ora, se est ás decidido a ter as costasesfoladas, assimseja;
serácomoquiseres–disseorei.
—Preferiaemvezdissoteramãodaprincesa–disseCinzento.
No raiardamanhãseguinte, o chefedacavalaria deixousaíremos
setepotros novamente, que dispararam porsobre montes e vales,
porentre bosquese pântanos; Cinzentoseguia-osna carreira.
Correu pormuito,muito tempo,atéalcançar a gruta no rochedo,
ondea velha bruxa, sentada à sua rodade fiar , ocupava-seno
trabalhodetecer .Elaentãochamoupelorapaz:
—V emcá,vemcá,meumenino,edeixa-mepentearteuscabelos.
— Vem atémim, então; vem atémim! – respondeu Cinzento,
ao
passarsaltandoecorrendo,semperderdevistaoscavalos.
Depoisqueultrapassou a gruta norochedo,o potro maisjovem lhe
disse:
—Monta-me,poistemosumlongocaminhopelafrente.
Cinzentoobedeceu,epercorreramassimumadistânciaimensa
—Vêsalgumacoisaagora?–perguntouopotro.
—Não–respondeuCinzento.
Continuaramemfrentealgumtempomais.
—Vêsalgumacoisaagora?–indagouopotro.
—Não–disseCinzento.
Continuaram em frente porum bom tempo,atéque o potro
perguntoumaisumavez:
—Vêsalgumacoisaagora?
— Sim, agoravejo qualquer coisabranca – disse Cinzento.

Pareceotroncodeumabétulabojudaegigantesca.
—Sim;éláqueentraremos–disseopotro.
Aproximaram-se dotronco,e o potromaisvelho quebrou-o em um
doslados. Viramentão uma porta nolugarondeantes erguia-se
o
tronco.Ao abri-la, entraramem um pequeno cômodo ondesó havia
uma lareira e alguns bancos.Atrásdaporta, porém, penduravam-se
umabelaespadajáenferrujadaeumpequenojarro.
—Podesempunharaquelaespada?–perguntouopotro.
Cinzento tentou, mas nãoconseguiu. Teveentão debeber um gole
do jarro, e depoisoutro gole, e depois outro ainda,e porfim
conseguiuempunhareespadacomfacilidade.
— M uito bem – disseo potro –, agoradeveslevar a espada
contigo e, com ela,cortarás a cabeçadossete de nós, no diado
casamento; então nos tornaremos príncipesnovamente, como
éramos outrora. Pois somos irmãosda princesa com quem
desposarás, depoisque disser ao reio que comemos e o que
bebemos.Um troll maligno lançou uma maldiçã o sobrenós. Quando
tiveres cortado nossas cabeças, trata de posicioná-las
cuidadosamente sobreascaudas dosrespectivos corpos,e entãoa
maldiçãodo trollperderátodoopoder .
Cinzentoprometeuqueassimofaria,eseguiramadiante.
Depoisdepercorreremumlongocaminho,opotroindagou:
—Vêsalgumacoisaagora?
—Não–respondeuCinzento.
Continuaramemfrente,percorrendolongadistância.
—Eagora?–perguntouopotro.–Vêsalgumacoisa?
—Oh..não–respondeuCinzento.
Viajarammuitasmilhasmais,porsobremontesevales.
—Agora–disseopotro–,conseguesveralgumacoisa?
—Sim–respondeuCinzento–,vejoalgocomoumriachoazulado,
muito,muitolonge.
—Éumrio–disseopotro–,edevemoscruzá-lo.
Sobreo rioestendia-uma se ponte muitoelegantee comprida.
Depois de chegaremao outro lado,percorreram ainda um longo
caminho,e novamente o potroindagou se eleviaalgu ma coisa.
Sim, desta vez ele viualgonegro,muito, muitodistante,
queparecia
seratorredeumaigreja.
—Sim–disseopotro–,entraremoslá.
Quando os potros chegaram ao cemitério junto à igreja,
transformaram- em
sehomenscuja aparênciaerade filh
os de um
rei,e suasrou paseramtão magníficasque luziamde esplendor.
Entraram na igrejae receberam pãoe vinho do sacerdote,de pé
diantedoaltar . Cinzento
entrou também.Os príncipes receberam a
bênção das mãos do sace rdote e saíramda igreja. Cinzento
tambémsaiu,mas levou consigoum frasco dovinho e um poucodo
pãoconsagrado. Assimqueossete príncipes
voltaramaocemitério,
tornaram-sepotrosoutravez.Cinzentomontousobreomaisnov
então voltaram pelomesmo caminho – mas viajarammuito,muito
maisrápido.
Primeiro, atravessarama ponte, depoispassaram pelotronco de
bétula,e então pela
velhabruxa, sentadaà suaroda defiarnagruta
do roc hedo. Iam tãorápido, que Cinzento não pôde sequer
compreender os guinchosdavelha atrásdeles,
mas percebeu que
elaestavaextremamenteirritada.
Era noitinha
quandose apre
sentaramao rei,que os esperava
no
pátio.
— P astoreaste
fielmente
dur
ante todo
o dia?– o reiper guntou
a
Cinzento.
—Fizomelhorquepude–respondeu.
— És então
capazdedizer-meo quemeussete potroscomerame
beberam?–indagou.
Cinzentoapresentou-lheopãoconsagradoeofrascodevinho.
—Eisaquioquecomeram,eaquioquebeberam–respondeu.
— Sim, pastoreaste fielmentee com zelo– disse o rei
–, e terás a
mãodaprincesaemetadedemeureino.
Fizeram-se então os prepa rativosparao casamento, e o rei
ordenou que o acontecimento fossetão festejado com tamanha
pompae imponência, que todo o mundoouviria falardele,e todos
indagariamarespeito.
Mas, durante o banquete docasamento, o noivo levantou-ese foi
atéo estábulo , alegando que precisavabuscar qualquer coisa.Ao
chegarlá, fez conforme os potros haviampedido, corta
ndo-lhes a
cabeça. Começou pelopotro mais velho,depoispassouao
segundo,e assimpordiante, conformesuasidades.Posicionou
cuidadosamente as cabeçassobreas caudase, assim que
terminou,ospotrostransformaram-seempríncipesnovamente
Quandovoltou aobanquete acompanhado dossete prínci
pes, o rei
ficoutão feliz,queabraçou e beijouCinzento.A noiva,porsuavez,
estavamaissatisfeitadoquenuncacomseuesposo.
— Metade domeu reino já é teu– disse
o rei –, e a outrametade
será tua depois de minham orte, poismeus filhos podemarranjar
terrasereinosporsipróprios,agoraquevoltaramaserprínci
E assim, como os senhores podem imaginar , o casamento
transcorreurepletodejúbiloecontentamento. [42]

[42] J.Moe.
OMúsicoProdigioso

RAUMAVEZ ummúsicoprodigioso.Umdia,elecaminhava
poruma floresta completamente sozinhoe pensava
nisto
e naquilo e nisto e naquilo,
atéque nãosobrou
maisnadaem que pudesse pensar. Então,disseaos
seusbotões:
— O tempo pesa-me muito sobre osombros quando estousozinho
nafloresta. enho
T dearranjarumcompanheirodeviagem.
Depois, tiroudacaixasuara becae saiurabecando melodiasaté
que os ecosacordaram e saíramecoando pelaflorestaafora.
Passado algumtempo,um lo bo surgiu domeiodafolhagem e veio
trotandonadireçãodomúsico.
— Ah, é um lobo o que aí vem, é? – disse o sujeito.
– Poisnão
tenhoamenorvontadedetravarrelaçõescomele.
Masoloboaproximou-seedisse:
— Oh, meu caromúsico, como tocas bem! Seria tãobom se me
ensinassesatocarassim..
— É fácil– disse o rabequeiro. – Bastafazeresexatamente o que
eutedisser.
— Cert amente – respondeu o lobo.– Garanto-te que em mim
descobrirásumpupiloexemplar .
Assim, na companhia um do outro, continuarama caminhar até
que, passado algumtempo,chegarama um velho carvalho cujo
troncoestavaocoetinhaumafendanomeio.
— Olhasó – disse o músico–, se queres aprender a artedos
rabequeiros, eisa tua chance.Pousaaspatas dianteiras
sobre esta
fissura.
O lobo obedeceu, e então o músicocatou nochãouma pedra e
enfiou-aentre as patas dian
teirasdo lobo,calçando-as com tanta
forçanafendaqueobichoficouali,repentinamenteaprisionad
— A gora, espera aí atéque eu retorne – disseo rabe quista,e
seguiucaminho.
Algumtempodepois,disseaosseusbotõesnovamente:
— O tempo pesa-me muito sobre osombros quando estou sozinho
nafloresta. enho
T dearranjarumcompanheirodeviagem.
Depois, tirou da caixa sua rabecae saiurabecando efusivas
melodias. Logo apareceu uma raposa furtiva
a espreitar
deentre as
árvores.
— A-há! O quetemos aquisenão uma raposa? – disseo músico.–
Eisumacompanhiaque,definitivamente,nãomeapetece.
Masaraposafoitercomeleedisse:
— Meu caroamigo, como tocas bem a rabeca!Gostaria de
aprenderatocarassim.
— Nadamaisfácil– disse o músico–, desde que prometas fazer
exatamenteoqueeutedisser .
—Comcerteza–respondeuaraposa.–Bastadaresotom.
—Muitobem,entãomesegue–respondeuorabequista.
Depoisdeandarem um bocado,os dois chegarama uma vereda
cercada de árvores muito altas de ambosos lados. Ali
, o músico
deteve-se, dobrou contra o chãoum galhobem grossode uma
avelaneira queestava à beira docaminhoe pôs o pé naponta dele
parafirmá-locontra o solo.Depois, dobrou outrogalhodo lado
contráriodocaminhoedisse:
— Dá-m e tuapata dianteira esquerda, cararaposinha,
se é que
desejasmesmoaprendera . tocar
A raposa obedeceue o músico atou-lhe a pata
à ponta
deum dos
galhos.
—Agora,amiguinha–continuou–dá-metuapatadireita.
Esta,o músicoamarrou-a aooutro galho.E depoisdeverificar
se
os nós estava
m bem firmes,tirou os pés decimadosgalhos,que
então se elevaram
deixando a raposa suspensanomeiodavereda,
comaspataspresasaosdoisgalhosopostos.
— Agora, bastaficares aí à espera atéque eu volte
– disse o
músico,eseguiucaminhodenovo.
Umavezmais,disseparaconsigo:
— O tempo pesa-me muitosobre osombros quando estou sozinho
nafloresta. enho
T dearranjarumcompanheirodeviagem.
Depois, tirou dacaixaa rabec a e saiutocando entusiasmado como
sempre.Destavez,amelodiaatraiuumapequenalebre.
— Ai, ai! Lá vem uma lebre – disse o músico.– Nãotenho a menor
vontadedetravarrelaçõescomela.
— Como tocas bem, caroSr. Rabequeiro! – disse a lebrezinha. –
Gostariadeaprenderatocarassim.
— É fácildeaprender – disse o músico.– Basta fazereso queeu
mandar .
— H ei de fazê-lo – dissea lebre. – Em mim encont rarásum
aprendizdosmaisatentos.
Caminharam, então,um bocado,atéchegarem a uma clareira da
floresta ondecrescia um álamo. Ali,o músicoatou uma corda bem
comprida em voltadopesco ço dalebre e prendeu a outra ponta à
árvore.
— Agora, querida amiguinha saltitante– disse o músico–, corre
vintevezesaoredordaárvore.
A lebrezinha obedeceu e correu vinte vezesao redor do álamo,
fazendoa corda darvinte voltas no tronco da árvore,de maneira
que o pobreanimalzinho acabouficando presoe, pormais que
puxassee repuxasse, nãoconseguia libertar- pois
se, a corda,só o
quefaziaeracortar-lheaindamaisodelicadopescoço.
— Espera-me aí atéque eu volte – disse-lheo músico, e seguiu
seucaminho.
Nessemeio-tempo,o lobo,depois de muito empurrar , morder e
arranhar a pedra,conseguira finalmente soltaraspatas dafendada
árvore.Fulodavida,desatou a correr atrásdomúsico,determinado
afazê-loempedaçosquandooencontrasse.Aoverolobo ,apassar
raposagritoucomtodasassuasforças:
—Ajuda-me,irmãolobo!Omúsicomeenganoutambém.
O lo
bo, então, puxouosgalhos para baixo,rompeua corda com os
dentes e libertou a raposa.E seguiramjuntos, ambos jurando
vingança ao músico.Maisadiante, encontraram a pobre lebrezinha
aprisionada, quetambémlibe rtaram, e partiram ostrês em buscado
inimigocomum.
Enquanto aconteciam todas estas coisas,o músico,como sempre,
saíratocandosuarabecae,destavez,tiveramaissorte.Osacord
chegaram aosouvidos deum pobre lenhador, quedepronto largou
seutrabalho e, levando o machadodebaixo dobraço,foi escutar a
música.
— A téque enfim consegui um companheiro adequado – disseo
músico.– Era issoo queeu queria desde o início: um serhumano,
nãoumanimalselvagem.
E pô s-se a tocar, e com tant o encanto tocou que o pobr e homem
ficoual i parado, como que enfeitiçado, e seucoração palpitava
de
felicidade ao som damúsica . E assimcontinuava quando o lobo,a
raposa e a lebrechegaram.Mas elelogopercebeu que os três
estavammal-intencionados. Por isso, ergueu seu machado
reluzente e pôs-se entre eles e o músico,como sedissesse: “Quem
lhetoca rum só cabelo dacabeça, quesecuide,porque haveráde
severcomigo”.
Osanimais,então,seassustaramecorreramdevoltaparaamat
Como sinal de gratidão, o músicotocou parao lenhad oruma de
suasmelhorescanções,edepoisseguiucaminho. [43]

[43] IrmãosGrimm.
AHistóriadeSigurd

Esta é uma história muito antiga: os dinamarqueses que


costumavam lutar com os ingleses no tempo do rei Alfredo
conheciam a história. Talharam em figuras de pedra algumas das
coisas que aconteceram na narrativa, e essas esculturas ainda
podem ser vistas. Por ser muito antiga e bela, a história é contada
novamente aqui, mas tem um final triste – realmente muito triste,
sobre lutas e mortes, como era de se esperar dos dinamarqueses.

houveum rei
Á MUIT O TEMPO noNorte queganhoumuitas
guerras,mas agoraestava velho. No entanto, casou-se
com uma novamulher e, então, outro príncipe,
que
gostariade ter-se
casado com ela,bateu-se contraele
com um grande exército.
O velhoreireagiue lutoubravamente, mas
ao fim sua espadase partiu, elefoi ferido e seus homens
debandaram. À noite,
contudo,quando a batalha estava terminada,
a jovemesposasaiua procurá-lo entre os feridos e, enfim,
encontrou- e perguntou
o seele poderiasercurado. Ele, entretanto,
disse“não”:suasorte acabara, a espada se partirae eledeveria
morrer
. Disse-lheque elateria um filho e este seria um grande
guerreiroe o vingaria do outro rei, seu inimigo.Exigiu que
guardasse as partes da espadaparafazerum novogládioparao
filho,ealâminasechamariaGram.
Depoisdisso,morreu.Amulherchamouacriadaedisse-lhe:
— Troquemosnossas roupa
s e seráschamadapelo meu nomee
eu,peloteu,paraqueoinimigonãonosencontre.
Assim foi feito.Esconderam-seem um bosque, mas alguns
forasteiros
encontraram-nas e levaram-nas consigo em um navio
paraa Dinamarca.Quandochegaram à presença dorei,ele achou
que a criada parecia uma rainha, e a rainha, uma criada. Então,
perguntouàrainha:
— Como sabes,naescuridão danoite, ashoras quefaltam para a
manhã?
Eeladisse:
— Sei porque,quando eramaisjovem,costumava levantarpara
acenderasfogueiraseaindaacordonomesmohorário.
“Éumarainhacuriosaestaqueacendefogueiras”,pensouorei.
Entãoperguntouàrainha,queestavavestidacomocriada:
— Como sabes, na escuridão da noite, que a alvorada se
aproxima?
— Meu paideu-me um anel de ouro – disse ela–, e sempre,antes
doalvorecer,elegelavaemmeudedo.
— Uma casarica,ondecriad asusam ouro– declarou o rei.– Na
verdade,nãoésumacriada,masafilhadorei!
Destem odo, tratou- com
a realeza e, com o passar dotempo,ela
teve um filhochamadoSigur d, um menino beloe muito forte.Tinha
consigoumpreceptore,certavez,esteordenou-lhequefosseaor
epedisseumcavalo.
— E scolheparati
um cavalo – disseo rei.Sigurd foiparao bosque
eláencontrouumanciãodebarbabrancaeordenou:
—V em!Ajuda-meaescolherumcavalo.
Ovelhohomemaconselhou:
— Guia todos oscavalos para o rioe escolheaquele queo cruzar
anado.
Assim, Sigurdconduziu-os,e somente um cruzouo rio.Sigurd
escolheu-seu o: nomeeraGranie provinha dalinhagem deSleipnir;
erao melhor cavalo domundo, poisSleipnir erao cavalo deOdin, o
deusdoNorte,rápidocomoovento.
Entretanto,passadosumoudoisdias,opreceptordisseaSigur
— H á uma enormereserva de ouroescondida nãomuito longe
daquietudevesresgatá-la.
Noentanto,Sigurdrespondeu:
— Ouvihistória s a respeito dessetesouro. Seiqueo dragão Fáfnir
o protege e ele é tão imenso e perverso quenenhumhomem ousa
aproximar-sedele.
— N ãoé maiorqueosoutro s dragões– afirmou o preceptor –, e,
seéstãovalentequantoteupai,nãootemerás.
— Não soucovarde – afirmou Sigurd.– Porque queres que lute
comessedragão?
Então o preceptor , cujonomeeraRegin, contou-lhe quetodaessa
grande reserva deouro acobreado outrora pertenceraaopaidele. O
paitive ratrês filhos:o primeiro eraFáfnir, o dragão;o segundoera
Otr, quepodia transformar- emselontraquando quisesse, e o outro
eraelemesmo,Regin,umgrandeferreiroeforjadordeespadas.
Ora,naqueletempohaviaumanãochamadoAndvari,queviviaem
uma lagoadebaixode uma cascata e lá escondera uma grande
quantidade deouro.Um dia,Otrestivera pescando porlá, abatera
um salm ão, comera-o,e estava dormindo, naformadelontra, sobre
uma pedra.Foi quando alguémapareceu, arremessou uma pedra
nalontr a e matou-a.Tirou-lhe a pelee levou-a paraa casadopaide
Otr . Estesoube, então, que o filho estava morto e, parapunir a
pessoa que o assassinara, disse-lhe que a peledeOtrdeveria ser
recheada de ouroe recob erta de ourovermelho ou as coisas
piorariam paraele.Em seguida,a pessoaque matouOtrsaiu,
capturouoanãodonodotesouroetomou-lhetudo.
Restou somen teum anel, que o anão usava,e mesmo este lhe foi
tirado.
Nessaaltura, o pobreanãoestava muito zangadoe rogouque
aquele ouronunca trouxesse nadasenão má sorte aohomem queo
possuísse,parasempre.
Então,a peleda lontra foitoda recheada e recoberta de ouro,
exceto porum pelo,e este foirecobertocom o último aneldopobre
anão.
Entretanto, o ouronãotrouxe boa sorte a ninguém. Primeiro,
Fáfnir, o dragão, matou o própriopai,e então chafurdou- esnoouro,
não deixandonadaparao irmão, e nenhum homem ousou
aproximar-se.
QuandoSigurdouviuahistória,disseaRegin:
—Faze-meumaboaespadaquematareiessedragão.
Destafeita, Regin fez uma espada,e Sigurdtestou- com
a um
golpeemumabigorna.Aespadapartiu-se.
Outraespadafoiconfeccionada,eSigurdapartiutambém.
Então,Sigurd foiter com a m ãee pediu ospedaços daespada do
paie lhos deua Regin. Eleos malhou e forjou uma novaespada,
tãoafiadaqueofogopareciaarderaolongodosgumes.
Sigurd testouessalâmina nopedaço deferro e elanãoquebrou,
mas partiu a bigorna em duas.Lançou, a seguir , um fardo delãno
rioe, quandoeste boioucontra a espada,foi cortado em duas
partes. Assim, Sigurddisse que a espada serviria,mas, antesde
partir contrao dragão,levou um exército paralutar contraos
homensque mataram seupai, assassinou o reideles, tomou-lhes
todasasriquezasevoltouparacasa.
Já esta va em casahá algun s diasquando cavalgou com Regin,
em uma manhã, parao urzalondeo dragão costumava repousar
.
Então,viuo rastro que o dragão deixouquandosubiuem uma
colina parabeber . O rastro eracomo seum grande rio
tivessefluído
ecriadoumvaleprofundo.
Nessaocasião, Sigurdentrou naquele localfundo,cavoumuitas
covase em uma delas escondeu-se com a espada em punho.Lá
aguardou e, poucotempodepois,a terra começoua estremecer
com o pesododragão a rastejar
atéa água. Uma nuvemdeveneno
pairavaadianteenquanto bufavae rugia,demodoqueseriaa morte
ficardiantedele.
No entanto,
Sigurd aguardou atéquemetade dodragão
rastejasse
porsobrea cova; então, cravoua espadaGram direto em seu
coração.
Em seguida,o dragãomoveua caudacomoum chicote atéqueas
pedras se quebrassem e as árvores caíssemsobreele.Então,
enquantomorria,declarou:
— Quem querquetenha me matado,este ouroseráa tua ruína e
aruínadetodosqueopossuírem.
Sigurddisse:
— Não tocarei em nadase, ao abrirmão detudo,jamais morrer.
Contudo, todosos homensmorreme nãohá homem valente que
deixea morte intimidar
seudesejo. Morre,Fáfnir! – e logoFáfnir
morreu.
Depoisdisso,Sigurdfoichamadode“aperdição deFáfn ir”e deo
matadordedragão.
Nessaaltura, Sigurdvoltoue encontrou-comse Regin, e Regin
pediuqueassasseocoraçãodeFáfnireodeixasseprová-lo.
Assim, Sigurd
colocou o cora
çãodeFáfnirem um espeto e assou-
o, m asaconteceudetocá-locom o dedoe sequeimar . En tão,pôs o
dedonabocaeacabouporprovarocoraçãode . Fáfnir
Aí, imediatamente,
compreendeu a língua
dospássaros e ouviu os
pica-pausfalarem:
— Lá estáSigurdassando o coraçãodeFáfnirparaoutra pessoa,
quandoelemesmo deveria experimentá-loe sorver todaa
sabedoria.
Ooutropássarodisse:
—LáestáRegin,prontoparatrairSigurd,queneleconfia.
Oterceiropássarodeclarou:
— D eixemosquecorte a cabeçadeRegine fiquecom todo o ouro
parasi.
Oquartopássaroafirmou:
—Deixemosqueofaçae,aí,váatéHindarfell,olugarondedorme
Brynhild.
QuandoSigurdouviuissoe como Reginconspirava paratraí-lo,
cortouacabeçadeRegincomumsógolpedaespadaGram.
Nessaaltura,todosospássaroscomeçaramacantar:
Conhecemos uma bela dama, uma bela dama adormecida;
Não temas, Sigurd, conquista o que aguarda tua sina.
Acima de Hindarfell arde rubra chama, lá habita a dama
Ela, que muito te amará, domina.
Dormirá até que chegues para despertá-la
Levanta-te e vai, pois certamente fará, destemida,
A promessa que não será rompida.
Foi então que Sigurdrecordou-se da históriade que em algum
lugar bem distante havia uma bela donzela encantada. Estava sob
um feitiço, de modo que permanecia adormecida em um castelo
cercado porum fogo flamejante; ali deveriadormir atéque viesse
um cavaleiro que galopas se com elaatravés do fogo e a
despertasse. Estavadecidido a ir, mas, primeiro, desceupela
horrenda trilha de Fáfnir. O dragão vivera em uma caverna com
portas de ferro, uma furna escavada bem nomeiodaterra , cheiade
braceletes deouro,coroas, anéise ali,também,Sigurd encontrou o
Elmo doMedo, um capacete dourado quetornaria invisível quem o
usasse.Empilhoutodas essascoisas no lombodo bom corcel,
Grani,eentãorumouparaoSul,paraHindarfell.
Era denoite e, noalto dacolina, Sigurd viuum fogo rubro ardendo
rumoaos céuse, dentro daschamas, um castelo e uma flâmula na
torre m aisalta . Lançouo cavalo Graniem direção ao fogo e este
saltou com facilidade, como se estivesse transpondo uma urze.
Assim, Sigurd cruzoua porta docastelo e, aí, viualguéma dormir ,
trajando armadura completa. Tirou,então, o elmoda cabeçada
pessoa adormecida e eisqueeraa maisbela dama. Elaacordou e
disse:
— Ah! És Sigurd,filho de S igmund, que quebraste o encanto e
finalmenteviestemedespertar?
O feitiç
o recaíra sobre elaquando um espinho daárvore dosono
arranhou sua mão, haviamuitotempo,como puniçã o porter
desagradado Odin, o deus.Haviamuito tempo,também, ela jurara
nuncase casarcom um homem que temesse e nãoousasse
cavalgar porsobre o cercode chamasardentes. Ela mesma fora
uma guerreira e saíaarmada paraa batalhacomo um homem, mas
agoraelae S igurdse amavam, prometeram serverdadeiros um
com o outro e eledeu-lhe um anel,o último anel tirado do anão
Andvari. Então , Sigurdpartiu e foiatéa casade um re i que tinha
uma belafilha.O nomedamoça eraGudrun,e suamãe erauma
feiticeira.
Ora, Gudrunapaixonou-se porSigurd,mas este sempre
falava de Bryn hild,
de como erabela e querida.Assim, um dia,a
mãe-feiticeiradeGudrunpôs papoula e drogasdeesquecimento em
uma taçamágica e mandou Sigurdbrindar à sua saúde.
Instantaneamente esqueceu- se dapobre Brynhild,amou Gudrun,e
casaram-secommuitosfestejos.
Ora, a feiticeira,mãe deGu drun,queria que seufilho G unnar se
casasse com Brynhild, e ordenou que saíssea cavalo com Sigurd,
fosseaté lá e a cortejasse.Então,dirigiram-atése a casadopaida
moça. Brynhild jáhavia saídodospensamentos deSigurd porcausa
do vinho da feiticeira,
mas elaainda se lembrava dele e ainda o
amava. Nessaaltura, o paideBrynhild contoua Gunnarqueela não
se casaria com ninguém,senãocom aquele que pudesse cruzara
cavalo as chamasdiante datorre encantada, e paralá galoparam.
Gunnarlançou o cavalo às chamas, mas o animal nãoasenfrentou.
Em seguida Gunnartestou o cavalodeSigurd,Grani,mas, montado
porGunnar , ele nãosemoveu. Foi aí queGunnarrecordo u o feitiço
quea mãelhe ensinarae fez, pormágica, queSigurd ficasse com a
sua aparência e eleficou exatamente como Gunnar . Nesse
momento,Sigurd, com a formadeGunnare com a suaarmadura,
montou em Granie o cavalo saltouo cercodefogo. Sigurdentrou e
encontrou Brynhild,mas ain danãose lembrava dela porconta da
poçãodoesquecimentonataçadevinhodafeiticeira.
AgoraBrynhild nãotinha saídasenãoprometer que seria sua
mulher, a esposade Gunnar, como supunha,poisSigurdtrazia a
formade Gunnare elapro metera casar-secom quem querque
cavalgasseporentreaschamas.Elelhedeuumaneleeladevolv
oanelquelheforaoferecidoantes,quandotraziaaformadeSigu
o último anel dopobre anãoAndvari. Sigurd saiu,mudoudeforma
com Gu nnar e cadaum volt ou a serquem era.Foram paracasa,
paraa rainha -feiticeira,e Sigurddeu o anel do anãoparasua
mulher ,Gudrun.
Brynhild foiaté o paie disse queum rei chamadoGunnarforaaté
ela,cruzaraofogoeelateriadecasar-secomele.
— A credito, porém– ela afirmou –, que homem algum, a nãoser
Sigurd,“aperdiçãodeFáfnir”,poderiarealizaressefeito;elequeé
meu verdadeiro amor . No entanto, ele esqueceu-se demim e devo
serfielaminhapromessa.
Assim, Gunnare Brynhild secasaram,emboranãofosseGunnar ,
masSigurdnaformadeGunnar ,quemcruzaraofogo.
E, quandoterminou o casamento e toda a festança, aí, a mágica
dovinh o dafeiticeira esvaiu-sedamente deSigurd e ele recordou-
sedetudo. Le mbrou-sedecomo tinha libertado Brynhild dofeitiço,
decomo elaerao seuverd adeiro amor , decomo esquecera e se
casara com outra mulher e decomo conquistara Brynhild para sera
mulherdeoutrohomem.
Entretanto,eracorajoso,nãodisseumasópalavraarespeit
com outras pessoas paranãoas deixar infelizes.Aindaassim,não
podia afastar- esda maldição que recairia sobre todo aquele que
possuísseotesourodoanãoAndvarieseufunestoaneldeouro
E a maldição logorecaiu sobretodos eles.Um dia, quando
Brynhild e Gudrunestavam se banhando, Brynhild nadouparaum
ponto m aisdis tantedorio e disse ter feito issoparamostrar como
eramelhor que Gudrun, visto que seumarido,afirmou,cavalgara
atravésdaschamasquandonenhumoutrohomemousarafazê-lo.
Nessaaltura, Gudrunficoumuito aborrecida e dissequefoiSigurd,
e nãoGunnar , quem cruzara as chamase recebera deBrynhild o
anel fat al,o anel do anãoA ndvari. Então,Brynhild viuo anel que
Sigurd deraparaGudrun,reconheceu-eocompreendeu tudo; ficou
pálida como um cadáver e voltou para casa.Não falou durante toda
a noite. No diaseguinte, disse a Gunnar , seumarido,que eraum
covarde e um mentiroso, poisnuncacruzaraas chamas, mas
mandara Sigurdfazê-lo em seu lugar , fingindoque elemesmo o
tinhafeito.Disse que elenuncamais a veria felizno salão do
palácioreal, nuncamaisbeberia vinho,nuncamaisjogaria xadrez,
nuncamaisbordaria com fiosdourados, nuncamaispronunciaria
palavrasgentis . Pôs delado o bordado e caiuem prantos, demodo
quetod osnacasaa ouviram. Estava decoração partidoe seubrio
seferiranomesmo momento.Perdera o verdadeiro amor, Sigurd,o
matadordeFáfnir ,esecasaracomumhomemmentiroso.
Sigurdchegou , em seguida,e tentou confortá-la,mas elanãoo
ouviae disseque desejava que a espadatranspassasse
rapidamenteocoraçãodele.
— Não tardes poresperar – disseele–, atéque a espada
pungente cruze, veloz,o meu coração, e nãoviverás muito quando
eu estiver morto.No entanto, querida Brynhild,
vivee conforta-te,
ama Gunnar , teumarido,e dar-te-ei todo o ouro,o t esouro do
dragãoFáfnir .
DisseBrynhild:
—T ardedemais.
Então Sigurdficoutão entristecido e seucoração tãoinchado no
peito,querompeuoselosdemetaldesuacotademalha.
Sigurd retirou-ese Brynhilddecidiu assassiná-lo. Misturouveneno
deserpente e carne delobo e serviu um prato disso aoirmão caçula
deseumarido. Ao provar , o rapazenlouqueceu. Dirigiu-se aoquarto
de Sigurdenquanto este dormia e cravou-ona cama com uma
espada.Sigurd, contudo, acordou,empunhoua espadaGram,
arremessou- noa rapazem fuga e a espada cortou-emo dois.Assim
morreu Sigurd , “a perdição de Fáfnir”, a quem nem dez homens
poderiam ter matado em uma luta justa. Nessa altura, Gudrun
acordou, o viumorto e lamentou-aos se brados. Brynhildouviu-os e
gargalhou; mas o bondoso corcel, Grani, deitou-se e morreu de
desgosto. Entã o, Brynhild caiuem prantos atéque seucoração se
rompeu.Vestiram Sigurdem uma armadura dourada, construíram
uma grande fogueira
a bordode um barcoe, durante a noite,
lançaram-lhe
os corpossem vidade Sigurd,Brynhilde do bom
cavalo,
Grani, ateando-lhes
fogo. O ventoos levou,ar
dendoem
chamas, parao maralto,
flamejando naescuridão.
Assim, Sigurd
e
Brynhild
foramcremados juntos
e cumpriu-sea maldiçã
o do anão
Andvari.
[4]

[4] AsagadeVölsung.

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