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Capítulo 3

Ensinamentos da Igreja sobre


matrimônio e educação

S
endo a educação dos filhos uma responsabilidade inerente à vocação
matrimonial, é fundamental compreendermos os ensinamentos da Igre-
ja Católica acerca do matrimônio e da educação.
A Igreja Católica ensina de forma clara e absoluta que o matrimônio foi
promovido a Sacramento por Jesus. Isto se baseia no Evangelho de São Ma-
teus, capítulo 19, versículos 4 a 9:
Não lestes que o Criador, no começo, fez o homem e a mulher e disse: Por
isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e os dois
formarão uma só carne? Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto,
não separe o homem o que Deus uniu.

Exatamente as mesmas palavras de Jesus aparecem no Evangelho de Marcos,


capítulo 10, versículos 2 a 12. É interessante notar que, nos dois Evangelhos, a
tais palavras de Jesus se segue a cena em que as crianças O cercam. “As crianci-
nhas foram levadas até Ele... e os discípulos censuraram aqueles que as haviam
levado.” Não é mera coincidência que as crianças, que são a finalidade primeiro
do casamento, tenham sido apresentadas a Jesus imediatamente após Sua fala
sobre matrimônio. Os pais levam seus filhos até Jesus para que Ele os abençoe.
MARY KAY CLARK

É óbvio que Jesus deseja que os casais tenham filhos e os levem até Ele
não apenas física, mas também espiritualmente – o que é o próprio funda-
mento de nossa responsabilidade como educadores, inerente a nossa voca-
ção matrimonial.
Não foi por acaso que o primeiro milagre de Jesus ocorreu durante uma
festa de casamento, nem que a realização do milagre em questão tenha sido
um pedido de Sua própria Mãe. Jesus deseja que compreendamos que o
matrimônio é uma vocação sagrada e um Sacramento, e que se cumprirmos
Sua vontade no que diz respeito às responsabilidades da união matrimonial,
receberemos uma abundância de graças e bênçãos, muitas delas pela interse-
ção de Sua Mãe Santíssima.
De acordo com a Igreja Católica, a finalidade primeira do casamento
consiste em duas responsabilidades equivalentes: a procriação e a educação
da prole.
São responsabilidades equivalentes.
São igualmente importantes.
A educação dos filhos é um dever dos pais, uma grave responsabilidade
que emana da vocação para o Sacramento do Matrimônio. Por meio de
diversos escritos papais, sabemos que esta educação abrange a formação
diária das crianças, cuja finalidade é que sejam bons católicos, porém os pais
também devem garantir que, na educação acadêmica de seus filhos, seja em
casa ou na escola, a Fé Católica “permeie todos os ramos do conhecimento”.
É disso que se trata o homeschooling.
O homeschooling é uma reafirmação do casamento entre marido e mu-
lher. É um estilo de vida que pode trazer muitas mudanças positivas a casa-
mentos nos quais, por exemplo, a esposa andava distante.
Esta afirmação pode parecer absurda, mas é absolutamente verdadeira. É
verdadeira porque, quando os esposos se valem de suas graças sacramentais
para cumprir a vocação matrimonial de ensinar seus filhos, eles recebem novas
graças, tanto santificantes quanto atuais. Essas graças lhes permitem vivenciar
um casamento e uma vida familiar autenticamente católicos. Eles passam a en-
tender melhor suas crenças e valores religiosos ao transmiti-los aos seus filhos.
O comprometimento e o sacrifício diário ajudam os pais homeschoolers
a crescer espiritualmente. O ato de educar os próprios filhos mantém ínti-
mo vínculo com os objetivos do matrimônio, com a vocação matrimonial.
Quanto mais nos dedicamos a ensinar nossos filhos, melhor compreendemos
nossa vocação e maiores são as chances de sermos bem-sucedidos como edu-
cadores.

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Um testemunho público

Todo casamento católico é um testemunho público de que obedecemos


aos ensinamentos de Cristo em nossa vivência do matrimônio. Cada bebê
nascido em uma família católica é um testemunho público, em nossa socie-
dade pagã, de que obedecemos ao mandamento de Deus para crescermos e
multiplicarmo-nos, gerando almas para o Seu reino. Toda família católica
homeschooler é um testemunho de que assumimos a responsabilidade que
nos foi dada por Deus, e a levamos muito a sério.
Assim como Jesus é fiel à Sua Igreja, que é Sua noiva, e será fiel a cada um
de nós enquanto membros de Seu Corpo Místico, também nós seremos fieis
a Ele, obedecendo aos seus comandos. Seguir a Cristo significa sermos fieis
às nossas esposas no casamento e aos nossos filhos em sua educação católica.
Infelizmente, em nossos dias, influenciados pela sociedade ultra materialista
que nos cerca, é comum que jovens adultos católicos tenham uma visão huma-
nista sobre o amor e o casamento. Mesmo alguns cursos pré-nupciais, obrigató-
rios antes da celebração de matrimônios na Igreja, têm abordado principalmente
questões relativas à convivência dos futuros esposos e à prevenção de gestações,
omitindo-se a respeito das responsabilidades inerentes à vocação matrimonial.
Na sociedade americana de hoje, a maioria dos casais, católicos e não ca-
tólicos, desconhecem integralmente o sentido da vocação ao Sacramento do
Matrimônio e as responsabilidades que dele advêm. As exceções são as fa-
mílias que tomam contato com o homeschooling e atividades pró-vida, que
por este meio acabam conhecendo católicos que lhes dão bons exemplos,
instigando-as a ler e aprender sobre sua vocação matrimonial.
Para aqueles que desejam conhecer os ensinamentos da Igreja Católica
acerca do matrimônio, há abundantes materiais. A Igreja, ciente da impor-
tância da família, tem constantemente orientado seus filhos a esse respeito.
A encíclica mais importante destinada aos católicos casados chama-se Casti
Connubii (Acerca do Matrimônio Cristão, em português). É o documento
básico que todos os católicos casados ou considerando contrair matrimônio
devem ler e estudar.

Casti Connubii
Nesta encíclica, o Papa Pio XI, inspirado pelo Espírito Santo, instrui os
casais cristãos a respeito das graças que recebemos pelo Sacramento do Ma-
trimônio, que nos auxiliam a obedecer aos deveres da vocação matrimonial.

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Tais graças vêm nos ajudar a cumprir as funções do estado conjugal, a


primeira das quais é cooperar com Deus gerando filhos, e a segunda, educar
nossos filhos para uma vida cristã virtuosa.
O Papa Pio XI afirma que
quando os fiéis prestam esse consentimento sinceramente, abrem para si mes-
mos o tesouro da graça sacramental, onde podem haurir as forças sobrenatu-
rais para cumprir a sua missão e os seus deveres fielmente, santamente, com
perseverança, até a morte. É que este sacramento (...) não só aumenta a graça
santificante, mas lhe acrescenta, ainda, outros dons especiais, disposições e
germes de graça; aumenta e aperfeiçoa as forças da natureza.1

Assim, a Igreja Católica ensina que podemos obter o tesouro da graça


sacramental a partir do Sacramento do Matrimônio. E, deste tesouro, po-
demos haurir forças sobrenaturais. Estas forças nos ajudarão a cumprir
fielmente os direitos e deveres do estado conjugal. Podemos cumpri-los de
forma santa; e conseguiremos perseverar, desde que não descuidemos de
nossas responsabilidades. Com as graças do Matrimônio, somos capazes
de lutar até à morte!
A Igreja Católica ensina que recebemos mais graças santificantes à medi-
da que cumprimos nossos deveres, e podemos receber inclusive dons extras,
como certas disposições ou graças, para elevar e aperfeiçoar características
naturais que já possuímos. As habilidades naturais dos pais, em todas as áre-
as, são aprimoradas conforme eles cumprem com sua obrigação e dedicam-
-se aos seus filhos. Pio XI continua:
[É obra de tais dons que] os cônjuges possam não só compreender bem mas
sentir intimamente, apreciar com firme convicção e resoluta vontade, e prati-
car tudo o que se refere ao estado conjugal e aos seus fins e deveres; para tal
efeito confere-lhes, enfim, direito ao auxílio da graça todas as vezes que dele
precisam para cumprir as obrigações deste estado2. (Ênfase da autora)

A Igreja Católica afirma que podemos obter a graça de Deus sempre


que dela precisarmos, bastando estarmos em dia com as responsabilidades
do estado conjugal. Se acreditamos em Jesus, se acreditamos em Sua Igreja,
se acreditamos na infalibilidade do Papa enquanto Vigário de Jesus Cristo,
como podemos duvidar, por um minuto que seja, de que teremos as graças e
a capacidade necessárias para educar nossos próprios filhos?

1 Versão em português disponível em: http://www.capela.org.br/Magisterio/conubii1.htm


2 Idem.

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Alguns pais têm pouca confiança em sua capacidade como educadores.


Porém, não é em nossa própria capacidade que devemos ter confiança, mas
em Jesus Cristo! Devemos confiar em Sua Palavra, preservada na Bíblia, e
nos documentos infalíveis da Igreja, proclamados pelo Vigário de Cristo.
Devemos confiar nas graças que Ele nos deu e continua a nos dar sempre,
conforme educamos nossos filhos e cumprimos as obrigações inerentes à
vocação do Sacramento do Matrimônio.

Por que alguns pais homeschoolers não são bem sucedidos

Pio XI prossegue explicando por que alguns pais não conseguem cumprir
com seus deveres:
Assim como é lei da providência divina, na ordem sobrenatural, que o ho-
mem não colha o fruto completo dos Sacramentos, recebidos depois do uso
da razão, se não cooperar com a graça, assim também a graça própria do
matrimônio permaneceria em grande parte talento inútil sepultado na terra
se os cônjuges não aproveitassem as forças sobrenaturais, cuidando de culti-
var e fazer frutificar as preciosas sementes da graça. Mas, se, ao contrário, se
esforçam quanto podem por ser dóceis à graça, poderão suportar os encargos
do seu próprio estado, cumprir os deveres e sentir-se-ão, por virtude de tão
grande Sacramento, fortificados, santificados e como que consagrados.3 (Ên-
fase da autora)

O poder de educar

Continuando a encíclica sobre o matrimônio cristão, o Papa Pio XI repe-


te um antigo ensinamento da Igreja:
O bem dos filhos não termina certamente no benefício da procriação; é preci-
so que se lhe junte outro, que consiste na devida educação da prole. Apesar de
toda a sua sabedoria, Deus teria provido deficientemente a sorte dos filhos e
de todo o gênero humano se àqueles a quem deu o poder e o direito de gerar
não tivesse dado também o dever e o direito de educar. Ninguém efetivamente
pode ignorar que o filho não pode bastar-se e prover-se a si mesmo, nem se-
quer no que respeita à vida natural nem, muito menos, no que se refere à vida
sobrenatural, mas precisa por muitos anos do auxílio de outrem, de formação
a educação. É, aliás, evidente que, conforme as exigências da natureza e a
ordem divina, este dever e direito de educação da prole pertence em primeiro
lugar àqueles que começaram pela geração a obra da natureza e aos quais é

3 Idem.

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proibido expor a que se perca a obra começada, deixando-a imperfeita. Ora,


a esta tão necessária educação dos filhos provê do melhor modo possível o
matrimônio em que, estando os pais ligados entre si por vínculo indissolúvel,
sempre se coadjuvem e auxiliem mutuamente.4

E então Pio XI cita novamente o Código de Direito Canônico de 1917:


“O fim primário do matrimônio é a procriação e a educação da prole.”

Educação: o dever de longo prazo

Em nossa sociedade abortista e violadora de crianças, é importante que


os bons católicos enfatizem sua convicção de que os filhos são um dom de
Deus, permanecendo abertos à vida na união conjugal. O fato é que a obri-
gação de longo prazo dos pais, a obrigação do dia-a-dia, do minuto-a-minu-
to, e que dura muitos, muitos anos, não é simplesmente procriar, mas educar.
É curioso como os cursos pré-nupciais desperdiçam um precioso tempo
de suas palestras tratando dos aspectos físicos do casamento, discutindo se
este ou aquele método contraceptivo é permitido e coisas do tipo. É uma
omissão séria ignorar as graças do Sacramento e calar-se sobre o processo de
crescimento espiritual que a educação dos filhos proporciona aos membros
da família.

Palavras do Pe. Hardon sobre casamento

No verão de 1991, o Pe. John Hardon, que foi um grande teólogo cató-
lico, deu um curso de verão no Christendom College sobre o Sacramento
do Matrimônio, onde tratou dos princípios cristãos básicos acerca do tema.
Sua exposição foi tão bela, que todos que a ouviram sentiram uma profunda
gratidão a Deus por tamanho dom.
Pe. Hardon começou falando sobre a Lei Divina segundo a qual todo
casamento deve ser monogâmico, ou seja, o homem deve ter apenas uma es-
posa e a mulher, apenas um marido, até que um dos dois morra. E todo casa-
mento entre pessoas batizadas é intrinsecamente indissolúvel. Não importa
o quanto vociferem os não cristãos, os ortodoxos orientais, os protestantes
ou mesmo os católicos – não pode haver e jamais haverá qualquer mudança
nesta Lei Divina. A unidade e indissolubilidade do matrimônio foi sempre
um ensinamento universal da Igreja de Jesus Cristo.

4 Idem.

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Isto significa que os casais precisam resolver seus problemas familiares e


buscar soluções juntos, ao invés de fugir de seus cônjuges. Só assim o am-
biente familiar será estável e propício à educação dos filhos em casa.
Uma mãe infeliz em seu casamento certamente encontrará consolo na
interação pedagógica diária com seus filhos. Ela se alegrará ao dedicar-se à
tarefa de professora do lar, educando seus filhos por meio da oração e do
bom exemplo, além dos demais métodos formais.

Graças

A fala do Pe. Hardon sobre as Graças do Matrimônio Cristão foi de


especial interesse aos homeschoolers. Sabemos, pelo nosso catecismo, que
recebemos tanto a graça santificante quanto a graça sacramental quando
recebemos cada Sacramento.
O que a maioria de nós não percebe é que essa palavra de duas sílabas,
graça, tem um significado gigantesco para nossa vocação matrimonial. A
graça sacramental, segundo ensina o catecismo, ajuda nossos intelectos a co-
nhecer a vontade de Deus e compreender melhor como cumpri-la diante de
certos eventos de nossas vidas. Ela nos ajuda a obedecer à vontade de Deus.
A graça sacramental do matrimônio nos auxilia a aplicar nosso intelecto e
nossa vontade às situações relativas à nossa vocação matrimonial.
Segundo o Pe. Hardon, ao mesmo tempo em que precisamos dessas
graças como um auxílio ao nosso intelecto e à nossa vontade, sua fina-
lidade primeira é ajudar cada esposo a ser um instrumento da graça ao
outro! O dever primordial do marido enquanto marido é ser um instru-
mento da graça à sua esposa, ajudando a santificá-la; e o dever primeiro
da esposa é ser um instrumento da graça ao seu marido, ajudando a
santificá-lo.
Além disso, os casais recebem graças sacramentais especialmente vincula-
das ao Sacramento do Matrimônio, pelas quais devem servir de instrumen-
tos da graça aos seus filhos. E, sem dúvida, todos os pais e mães sabem que
nossos filhos também são instrumentos da graça a nós, seus pais.
As instruções que Deus deu a Moisés, segundo as quais os pais devem
educar seus filhos e servir de exemplo a eles, seja quando estiverem sentados
ou caminhando, ao levantar-se e ao deitar-se, claramente mostram que deve-
mos ser “instrumentos” para o ensino dos Dez Mandamentos. Com a insti-
tuição do Sacramento do Matrimônio por Jesus, essa responsabilidade pode
ser cumprida com maior facilidade, devido às graças sacramentais recebidas.

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E já não se resume aos deveres listados nos Dez Mandamentos, incluindo


também a vivência familiar do autêntico catolicismo.
A obrigação de ajudar a salvar as almas dos membros de nossa família é
colossal, é verdadeiramente gigantesca. É óbvio que, sem uma abundância de
graças sacramentais, seria uma tarefa impossível.
O fundamental é que devemos ser bons. Devemos ser obedientes, não
apenas porque amamos a Deus, não apenas para salvar nossas próprias al-
mas, mas também porque precisamos servir de exemplo a nossos cônjuges e
nossos filhos.
Depois de lhes lavar os pés e tomar as suas vestes, sentou-se novamente à
mesa e perguntou-lhes: Sabeis o que vos fiz? Vós me chamais Mestre e Senhor,
e dizeis bem, porque eu o sou. Logo, se eu, vosso Senhor e Mestre, vos lavei
os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo
para que, como eu vos fiz, assim façais também vós. (João 13, 12-15)

Cooperar com a graça

Nós recebemos essas graças pelo Sacramento do Matrimônio, mas


também precisamos trabalhar constantemente para nos valer delas. Eis
uma combinação imbatível para o nosso fortalecimento pessoal contra
os ataques diários e incessantes do inimigo espiritual: oração diária, es-
pecialmente o Rosário, Missa diária, se possível, e confissão ao menos
uma vez ao mês.
Ao cooperarmos com a graça, podemos ir além das meras responsabi-
lidades de nossa vocação, não apenas por reconhecer que podemos fazer
mais, mas para que o cumprimento de nossos deveres não se justifique
pela simples obrigatoriedade. O Pe. Hardon dizia que a graça nos ajuda a
“ser apostólicos” no convívio com nossos cônjuges, nossos filhos e nossas
famílias.
O cardeal Édouard Gagnon, do Pontifício Conselho para a Família, dis-
se-me certa vez, em uma conferência na Filadélfia, que os pais americanos
precisam evangelizar suas próprias famílias. O cardeal acreditava que o ho-
meschooling era vital para a evangelização das próximas gerações. A perda
da fé entre os católicos de hoje pode ser atribuída ao fato de os pais terem,
no passado, negligenciado sua obrigação de educar seus filhos e confiado nas
escolas, segundo o cardeal.

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HOMESCHOOLING CATÓLICO

O casamento é permanente

Nenhuma autoridade humana pode dissolver um casamento válido, sa-


cramental e consumado. Este princípio merece atenção especial, dado o co-
lapso quase universal do casamento e da família em “países materialmente
superdesenvolvidos”, nas palavras de Pe. Hardon. As atitudes vigentes com
relação à liberdade individual levam muitas pessoas a pensar que o casamen-
to é uma simples relação de conveniência, não um pacto entre cada esposo e
Deus. Em consequência, tem-se a perda do comprometimento de milhões de
pessoas para com seus casamentos e suas famílias.
O homeschooling representa o extremo oposto dessas tendências moder-
nas. Os pais homeschoolers estão dispostos a assumir compromissos cujo
fundamento é Deus, compromissos com a família, com o cônjuge e com os
filhos, vínculos sérios que demandam tempo, energia e sacrifício.

O casamento fortalece a sociedade

Os pais homeschoolers compreendem que o fortalecimento do casamen-


to e da família também fortalece a sociedade. Seu compromisso de criar
filhos católicos reflete sua crença de que seus valores religiosos deverão, em
última análise, “dominar o mundo”. Pais homeschoolers veem claramente
que a máxima liberdade, para si mesmos e seus filhos, está nas recompensas
eternas. O homeschooling será responsável pela considerável desaceleração
da tendência nacional ao divórcio e às segundas uniões, na presente geração
como na próxima.
Jesus tornou-se Homem para redimir a raça humana, e não apenas as
pessoas individuais, mas também as sociedades, especialmente a unidade bá-
sica da sociedade humana, a família. As famílias são chamadas a santificar-se
enquanto famílias, e “os méritos de Jesus providenciarão as graças de que
elas necessitam para santificar-se nessa vida”, nas palavras do Pe. Hardon.
Este é “um tema que percorre todo o Novo Testamento, o fato de que Cristo
redimiu a raça humana não apenas individual, mas coletivamente, não ape-
nas pessoal, mas socialmente.”
Diz a nossa tradição católica que Deus designou certos anjos como guar-
diões de cidades, igrejas, prefeituras, nações e povos. Consequentemente,
não é difícil concluir que, se as famílias são chamadas a ser santas, e se Cristo
morreu para redimi-las enquanto famílias, então cada família decerto possui
um anjo da guarda.

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Na cerimônia de casamento do Rito Bizantino da Igreja Católica, tanto


a noiva quanto o noivo usam uma coroa, simbolizando o início de um novo
“reino” para Deus. Com cada nova família que inicia uma vida cristã, não
apenas seus filhos virão povoar o reino de Deus, como uma segunda geração
virá a Cristo e depois uma terceira. Isto reflete os comandos do Êxodo, em
que Moisés mandou o povo a ensinar os Mandamentos de Deus aos seus
filhos e aos filhos de seus filhos.
Meus pais têm nove filhos vivos, oito casados. Têm 43 netos vivos e mui-
tos bisnetos. Eis o que quero dizer com reino familiar!

Caridade sobre-humana

Jesus exige esforços “sobre-humanos” das pessoas casadas e de suas fa-


mílias, demandando, sobretudo, que tenham uma caridade sobre-humana
umas com as outras. É sobre-humano lidar dia após dia com os defeitos
do seu cônjuge. É sobre-humano, especialmente na sociedade atual, quando
todos somos tão influenciados pela mídia que nos bombardeia com slogans
do tipo “faça o que você gosta”, “seja você mesmo” ou, como na música de
Frank Sinatra, “vou fazer tudo do MEU jeito”.
“Seja verdadeiro consigo mesmo” tem hoje um novo significado: “Eu
primeiro!” Assim, ser fiel a alguém pela vida inteira, convivendo com seus
defeitos todos os dias, e abrir mão de nossos desejos e vontades pessoais pelo
bem do cônjuge, pelo bem da família, pela glória de Deus, demanda de fato
um esforço sobre-humano. O único modo de cumprir com essas exigências
sobre-humanas que Deus nos faz é com o auxílio “da luz e da força sobre-
naturais que resultam da morte redentora de Cristo no Calvário.” Tantos sa-
crifícios pessoais e sobre-humanos só são possíveis se pudermos contar com
a graça santificante, a graça sacramental e as graças atuais, que recebemos
pelo Sacramento do Matrimônio e outros Sacramentos.

Em termos práticos

Pessoas casadas sabem muito bem que não é fácil obedecer ao comando
de Cristo de “dar a outra face”. O difícil não é perdoar nossos inimigos: o
difícil é perdoar nosso cônjuge! E às vezes nossos filhos!
O Pe. Hardon dizia que o segredo para se ter um casamento e uma vida
familiar pacíficos e felizes é perceber que nossos cônjuges, nossos filhos, nos-
sos pais e demais familiares são todos potenciais veículos da graça para nós.

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Não há outras criaturas que nos sejam mais próximas, mais constantes e
mais providenciais. Não importa quão difíceis ou exigentes sejam nossos
familiares, eles são um dom de Deus, um dom de Sua amável providência,
uma oportunidade para que cresçamos espiritualmente.
Contudo, perceber qual a vontade de Deus e escolher cumpri-la requer
oração constante e diária. O Pe. Hardon nos lembrava que, além de viver
uma vida santa em nossa vocação para o casamento católico, nossa fa-
mília deve, em meio à sociedade pagã atual, dar o testemunho de Cristo
e Seus ensinamentos. Em um mundo que “abandonou Cristo, O ignora
e chega a confrontá-Lo abertamente”, nós e nossas famílias devemos ser
uma fonte de graça para nossa sociedade, que está “literalmente lutando
para sobreviver”. Nosso apostolado evangelizador deve agir de família
para família.

Humanae Vitae

Na carta encíclica do Papa Paulo VI, Humanae Vitae, ou Da Vida Hu-


mana, os ensinamentos da Igreja Católica acerca do matrimônio e da ge-
ração de filhos são cuidadosamente explicados. Nesta encíclica, o Papa
repete os ensinamentos eclesiásticos sobre a importância da educação en-
quanto parte essencial da vocação matrimonial e sobre nossa colaboração
com Deus “na geração e educação de novas vidas”. E afirma que “O ma-
trimônio e o amor conjugal têm por fim natural a geração e a educação
dos filhos.”
O Papa Paulo VI declara que
Os esposos cristãos, portanto, lembrem-se de que a sua vocação cristã, inicia-
da com o Batismo, se especificou ulteriormente e se reforçou com o sacramen-
to do Matrimônio. Por ele os cônjuges são fortalecidos e como que consagra-
dos para o cumprimento fiel dos próprios deveres e para a atuação da própria
vocação para a perfeição e para o testemunho cristão próprio deles, que têm
de dar frente ao mundo.5

Note-se, mais uma vez, que o Papa enfatiza o fato de que maridos e espo-
sas, tendo recebido o Sacramento do Matrimônio, são consagrados para que
cumpram os deveres próprios do estado conjugal.

5 http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_huma-
nae-vitae.html

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A vocação dos pais para a educação

Nas décadas de 1960 e 1970, os pais católicos começaram a praticar o


homeschooling porque acreditavam ser esse o único modo de protegerem
seus filhos. Eles estudaram as Escrituras e os ensinamentos da Igreja para
determinar se o homeschooling era permitido. Ora, não apenas as Escrituras
e a Igreja apoiam o homeschooling, como em diversas situações chegam a
recomendá-lo.
Histórica, tradicional e doutrinalmente, a Igreja Católica não apenas apoia,
como recomenda fortemente que os pais eduquem seus próprios filhos.
Em 1875, o Vaticano enviou “Instruções” aos bispos dos Estados Unidos,
concernentes às crianças católicas matriculadas em escolas públicas.

Instruções do Santo Ofício aos Bispos dos


Estados Unidos, 24 de novembro de 1875

À Sagrada Congregação, este método (de educação pública) afigura-se intrin-


secamente perigoso e absolutamente contrário ao Catolicismo. Pelo fato de
o programa adotado por essas escolas excluir qualquer instrução religiosa,
os alunos não absorvem os elementos da fé, e tampouco são instruídos nos
preceitos da Igreja, sendo assim privados do que há de mais essencial ao co-
nhecimento humano e sem o qual é impossível viver de forma cristã.
O fato de nessas escolas, ou ao menos em sua maioria, os adolescentes de
ambos os sexos frequentarem as mesmas salas de aula, com moças e rapazes
dividindo os mesmos bancos, os expõe à corrupção. O resultado de tudo isso
é que a juventude encontra-se, infelizmente, sob o risco de perder a fé, ao
mesmo tempo em que sua boa moral é ameaçada.
Se este perigo, que beira a perversão, não for combatido, tais escolas não
podem ser frequentadas sem peso na consciência. Proclamam-no as próprias
leis divinas e naturais.
Isto foi claramente exposto pelo Santo Padre quando, em 14 de julho de
1864, escreveu ao Arcebispo de Friburgo: “Em todos os lugares, em todos os
países onde formula-se ou, pior ainda, põe-se em prática este plano pernicioso
de retirar da Igreja sua autoridade sobre as escolas, expondo a juventude ao
perigo de perder a fé, é o dever da Igreja tomar todas as medidas, não apenas
para garantir que os jovens recebam educação religiosa e instrução básica,
mas principalmente no sentido de advertir os fiéis e deixar-lhes claro que não
é possível frequentar escolas que se opõem à Igreja Católica.”
Estas palavras, fundamentadas na lei divina e natural, afirmam de forma de-
finitiva um princípio geral, têm validade universal e aplicam-se a todos os

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países onde tal método pernicioso de instrução da juventude infelizmente foi


ou será introduzido.
É, portanto, absolutamente necessário que todos os bispos apliquem-se ao
máximo para assegurar que o rebanho a eles confiado evite qualquer tipo de
contato com as escolas públicas.

Se as escolas públicas do século passado eram moralmente inaceitáveis,


que se dirá das de hoje?
A Instrução continua:
Esta instrução, bem como a necessária educação cristã das crianças, têm sido
negligenciadas pelos pais que permitem que seus filhos frequentem escolas
onde a perda das almas é inevitável, e também por aqueles que, malgrado a
existência de alguma escola católica pelas redondezas ou a possibilidade de
educar as crianças em uma escola católica em outra vizinhança, mandam-nas
às escolas públicas sem razão suficiente e sem tomar as precauções necessárias
para evitar o perigo de perversão; é um fato bem conhecido que, segundo o
ensinamento moral católico, estes pais, caso persistam em sua atitude, não
podem receber a absolvição no Sacramento da Penitência.
Há até mesmo escolas que se denominam “católicas” sem proclamar em sua
totalidade a fé católica. Os pais não devem tomar por certo que a palavra
“católica” no letreiro ou na fachada de uma escola seja sinônimo de fidelida-
de à Igreja.

Não fossem os problemas nas escolas, provavelmente nem teria ocorrido


aos pais católicos educar seus filhos em casa. E assim, consequentemente,
eles também não teriam descoberto as alegrias de se viver a autêntica vida
católica, tendo todos os aspectos de suas vidas permeados pela fé.

Escolas do governo

Quando as escolas públicas governamentais surgiram, após a Guerra Ci-


vil, não eram ministradas aulas de “religião” protestante. Ainda assim, a fi-
losofia e os valores protestantes permeavam os livros didáticos e o currículo;
os professores eram protestantes e as crianças católicas eram influenciadas
por eles.
Na Carta sobre Educação de Blumenfeld, de setembro de 1990, o Sr.
Blumenfeld citou um excerto de um autor católico do século XIX acerca das
escolas públicas americanas:
No que diz respeito aos católicos, o sistema de Escolas Públicas deste país é
uma monstruosa engrenagem de injustiça e tirania. Na prática, ele opera um

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gigantesco esquema de proselitismo (...) a fé de nossas crianças é gradualmen-


te minada (...) Apesar de se dizer religioso, é um sistema anticatólico, e apesar
de se dizer secular, é pagão.

Hoje, muitas crianças católicas frequentam escolas do governo ou escolas


“católicas” onde aprendem valores seculares. Apesar de se dizerem religio-
sas, são escolas anticatólicas, e apesar de se dizerem seculares, são pagãs.
O tradicional programa educativo de Confraternidade da Doutrina Cris-
tã (CDC), mesmo que ensine ideias católicas tradicionais, não pode competir
com as sete horas diárias e cinco dias por semana durante os quais as crian-
ças católicas frequentam o campo do inimigo da Igreja Católica. As escolas
estão afastando as almas das crianças do amor de Deus, do amor pela famí-
lia, do amor pelo país, do amor por nossa Fé Católica.
Na encíclica a seguir, o Papa Leão XIII declara que os chefes das famílias
têm a obrigação proteger seus filhos de escolas onde não haja devoção e
reverência a Deus.

Encíclica Sapientiae Christianae, de 10 de janeiro de 1890

Neste momento, é oportuno exortarmos os chefes de família a governar seus


lares de acordo com estes preceitos, educando seus filhos desde a mais tenra
idade. A família pode ser considerada o berço da sociedade civil, pois é em
grande medida de dentro do círculo da vida familiar que nasce o destino do
Estado. Consequentemente, aqueles que se apartarem da disciplina cristã es-
tarão contribuindo com a corrupção da família e sua total destruição, desde
a raiz. Não os dissuade de tal objetivo profano o fato de estarem ultrajando
cruelmente os pais, que detêm o direito natural de educar aqueles que gera-
ram, um direito ao qual se soma o dever de harmonizar instrução e educação
com a finalidade para a qual a bondade de Deus lhes deu filhos.
Cabe, portanto, aos pais não medir esforços para resistir a ataques nesse sen-
tido e reivindicar a qualquer custo o direito à educação de sua prole, de modo
apropriado e de maneira cristã; e, antes de tudo, proteger seus filhos de esco-
las onde correm o risco de ser infectados com o veneno da impiedade.
No que diz respeito à correta educação da juventude, nenhum esforço é de-
masiado. Neste quesito há muitos católicos, de diversas nações, a quem de-
vemos louvar pelo trabalho árduo e notável zelo para com a educação das
crianças. Desejamos que este nobre exemplo seja seguido, conforme a neces-
sidade dos tempos.
No entanto, que não haja dúvidas, primeiramente, de que as mentes das crian-
ças são melhor formadas pela educação que recebem no lar. Se, em seus anos
de crescimento, elas assimilarem, no seio do lar, o modelo de uma vida correta

92
HOMESCHOOLING CATÓLICO

e o exercício da virtude cristã, assegurar-se-á em grande medida a salvação


da sociedade.

O programa de ensino deve ser piedoso

Em 1897, na encíclica Militantis Ecclesiae, o Papa Leão XIII afirma que o


programa de ensino pelo qual se educam as crianças deve ser, em sua integri-
dade, permeado pelo “senso de piedade cristã”, isto é, pelo senso de devoção
e reverência a Deus e às doutrinas ensinadas por Jesus Cristo.

Encíclica Militantis Ecclesiae, de 1 de agosto de 1897

No que toca ao assunto em questão, deve-se prestar atenção especial aos


seguintes pontos. Primeiramente, os católicos não devem frequentar escolas
“mistas” [aquelas para católicos e não católicos], em especial as crianças pe-
quenas. Os católicos devem ter suas próprias escolas e selecionar professores
excelentes e confiáveis. Uma educação eivada de equívocos religiosos ou da
qual seja banida a religião é muito perigosa: e isto é o que mais acontece nas
escolas a que chamamos “mistas”. Que ninguém se permita persuadir de que
a piedade pode ser impunemente separada da instrução.
De fato, em nenhum momento da vida, seja em assuntos públicos ou privados,
pode-se dispensar a religião, e muito menos pode aquela idade inexperiente,
cheia de vida, ainda cercada por tantas tentações corruptoras, escusar-se das
obrigações religiosas.
Aquele, portanto, que estabelecer um programa educativo desprovido de con-
tato com a religião estará destruindo a beleza e a honestidade em sua raiz,
e ao invés de ajudar a nação estará contribuindo com a deterioração e a ex-
tinção da raça humana. Pois, eliminado Deus, quem fará com que os jovens
tomem ciência de seus deveres ou redimirá aqueles que se tiverem desviado do
reto caminho da virtude e caído no abismo do vício?
A religião não deve ser ensinada à juventude apenas durante algumas horas;
o sistema educacional em sua totalidade deve ser permeado pelo senso da
piedade cristã. Se assim não for feito, se este espírito de santidade não pene-
trar e inflamar as almas de alunos e professores, pouco benefício se obterá da
tentativa de educar; e ao invés se causará dano.
Quase todos os métodos educativos têm seus riscos, e é sempre dificultoso
proteger deles a juventude, em especial se o controle divino estiver ausente
para coibir as mentes e vontades dos jovens. Deve-se, portanto, tomar grande
cuidado, de modo a não relegar a segundo plano o que é em verdade essencial,
a saber, a busca da justiça e da piedade, evitando que se confine a juventude
ao mundo visível e assim se deixe às traças seu potencial vital para a virtude;
e que, deste modo, se assegure que jamais os professores, ao dedicar-se ardu-

93
MARY KAY CLARK

amente ao ensino mesmo das disciplinas mais maçantes, negligenciem aquela


verdadeira sabedoria, cujo princípio é o temor ao Senhor e cujos preceitos
demandam obediência em todas as circunstâncias da vida.
Uma instrução profunda deve seguir de mãos dadas com o zelo pelo progres-
so espiritual; a religião deve permear e dirigir todos os ramos do conheci-
mento, qualquer que seja a natureza deste, e por sua doçura e majestade deve
deixar uma impressão tão grandiosa nas mentes dos jovens, que os incite cada
vez mais a coisas melhores.
Como foi sempre a intenção da Igreja que todas as áreas do conhecimento
sirvam à formação religiosa da juventude, afirmamos que não basta à religião
ter seu lugar, ainda que lugar principal; é necessário que a ninguém se atribua
a função de professor, sem que antes seja considerado à altura do cargo se-
gundo o julgamento e a autoridade da Igreja. (Papa Leão XIII)

Acerca da Educação Cristã da Juventude

Outra grande encíclica católica sobre educação chama-se Acerca da Edu-


cação Cristã da Juventude, ou, em latim, Divini Illius Magistri, publicada em
1929 pelo Papa Pio XI.
Esta encíclica é o mais poderoso documento da Igreja Católica onde se
afirma a obrigação parental de educar as crianças. Pio XI cita o Código de
Direito Canônico de 1917, Cânon 1113:
Aos pais cabe a grave responsabilidade de cuidar da educação moral e religio-
sa de seus filhos, não menos que de sua educação civil e física, na medida de
suas possibilidades, e prover, ademais, seu bem-estar temporal.

O Papa Leão XIII é citado extensamente nesta encíclica:


Por natureza os pais têm direito à formação dos filhos, com esta obrigação a
mais, que a educação e instrução da criança esteja de harmonia com o fim em
virtude do qual, por benefício de Deus, tiveram prole. Devem portanto os pais
esforçar-se e trabalhar energicamente por impedir qualquer atentado nesta
matéria, e assegurar de um modo absoluto que lhes fique o poder de educar
cristãmente os filhos, como é da sua obrigação, e principalmente o poder de
negá-los àquelas escolas em que há o perigo de beberem o triste veneno da
impiedade.6 (Ênfase da autora)

O Papa Pio XI continua a citar Leão XIII: “...a obrigação da família


compreende a educação religiosa e moral, bem como física e cívica, princi-

6 In: http://w2.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_di-
vini-illius-magistri.html

94
HOMESCHOOLING CATÓLICO

palmente enquanto estas têm relação com a religião e a moral..” Esta é uma
fala importante, que os pais devem trazer na memória, pois nos lembra que
as graças sacramentais vêm sempre ao auxílio dos pais-professores em todas
as disciplinas acadêmicas.

Educação familiar

Prossegue o Papa Pio XI em Acerca da Educação Cristã da Juventude:


Queremos porém chamar dum modo especial a vossa atenção, Veneráveis
Irmãos e amados Filhos, sobre a lastimável decadência hodierna da educação
familiar. Para os ofícios e profissões da vida temporal e terrena, com certeza
de menor importância, fazem-se longos estudos e uma cuidadosa preparação,
quando, para o ofício e dever fundamental da educação dos filhos, estão hoje
pouco ou nada preparados muitos pais demasiadamente absorvidos pelos cui-
dados temporais.
Para enervar a influência do ambiente familiar, acresce hoje o facto de que,
quase por toda a parte, se tende a afastar cada vez mais da família a juventu-
de, desde os mais tenros anos (...) e há regiões aonde se arrancam as crianças
do seio da família para as formar ou com mais verdade para as deformar
e depravar em associações e escolas sem Deus, na irreligiosidade, no ódio,
segundo as avançadas teorias socialistas, repetindo-se um novo e mais horro-
roso massacre dos inocentes.7 (Ênfase da autora)

Estas são palavras fortes proferidas pelo Papa. Quando as crianças são
deformadas e corrompidas em escolas sem Deus, trata-se de uma versão
mais real e mais terrível do massacre dos inocentes narrado na Bíblia, diz o
Papa. Vale notar que essa fala data de muito antes de que crianças da quinta
série aprendessem a colocar camisinhas em bananas em sala de aula.
Seguem-se, nas próximas páginas, trechos da encíclica Acerca da Educa-
ção da Juventude, do Papa Pio XI.
É portanto da máxima importância não errar na educação, como não errar na
direção para o fim ultimo com o qual está conexa intima e necessariamente
toda a obra da educação. Na verdade, consistindo a educação essencialmente
na formação do homem como ele deve ser e portar-se, nesta vida terrena, em
ordem a alcançar o fim sublime para que foi criado, é claro que, assim como
não se pode dar verdadeira educação sem que esta seja ordenada para o fim

7 Nas próximas páginas, a autora citará longamente a encíclica Divini Illius Magistri. A tradu-
ção em português de todos os trechos citados consta como documento oficial no site da Santa
Sé: http://w2.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divi-
ni-illius-magistri.html

95
MARY KAY CLARK

último, assim na ordem actual da Providencia, isto é, depois que Deus se nos
revelou no Seu Filho Unigênito que é o único « caminho, verdade e vida »,
não pode dar-se educação adequada e perfeita senão a cristã.

A educação cristã é necessária à sociedade humana

Daqui ressalta, com evidencia, a importância suprema da educação cristã, não


só para cada um dos indivíduos, mas também para as famílias e para toda
a sociedade humana, visto que a perfeição desta, resulta necessariamente da
perfeição dos elementos que a compõem. Dos princípios indicados aparece,
de modo semelhante, clara e manifesta, a excelência (que bem pode dizer-se
insuperável) da obra da educação cristã, como aquela que tem em vista, em
última análise, assegurar o Sumo Bem, Deus, às almas dos educandos, e a má-
xima felicidade possível, neste mundo, à sociedade humana. E isto no modo
mais eficaz que é possível ao homem, isto é, cooperando com Deus para o
aperfeiçoamento dos indivíduos e da sociedade, enquanto a educação impri-
me nos espíritos a primeira, a mais poderosa e duradoura direção na vida, se-
gundo a sentença muito conhecida do Sábio: “o jovem mesmo ao envelhecer,
não se afastará do caminho trilhado na sua juventude.”

Os direitos educacionais da família são prioritários


relativamente à sociedade civil

A educação é obra necessariamente social e não singular. Ora, são três as


sociedades necessárias, distintas e também unidas harmonicamente por Deus,
no meio das quais nasce o homem: duas sociedades de ordem natural, que
são a família e a sociedade civil; a terceira, a Igreja, de ordem sobrenatural.
Primeiramente a família, instituída imediatamente por Deus para o seu fim
próprio que é a procriação e a educação da prole, a qual por isso tem a prio-
ridade de natureza, e portanto uma prioridade de direitos relativamente à
sociedade civil.

Todas as ações devem se dar à luz do sobrenatural

É isto mesmo que Pio X, de s. m., declara com esta límpida sentença:
“Em tudo o que fizer o cristão, não lhe é licito desprezar os bens sobrenatu-
rais, antes, segundo os ensinamentos da sabedoria cristã, deve dirigir todas as
coisas ao bem supremo como a fim último: além disso todas as suas ações,

96
HOMESCHOOLING CATÓLICO

enquanto são boas ou más em ordem aos bons costumes, isto é, enquanto
concordam ou não com o direito natural e divino, estão sujeitas ao juízo e à
jurisdição da Igreja.”

Os direitos educacionais da família não podem ser violados

A família recebe portanto imediatamente do Criador a missão e consequen-


temente o direito de educar a prole, direito inalienável porque inseparavel-
mente unido com a obrigação rigorosa, direito anterior a qualquer direito da
sociedade civil e do Estado, e por isso inviolável da parte de todo e qualquer
poder terreno.
A razão da inviolabilidade deste direito é-nos dada pelo Angélico: “De facto
o filho é naturalmente alguma coisa do pai... daí o ser de direito natural que
o filho antes do uso da razão esteja sob os cuidados do pai. Seria portanto
contra a justiça natural subtrair a criança antes do uso da razão ao cuidado
dos pais, ou de algum modo dispor dela contra a sua vontade.” E porque a
obrigação do cuidado da parte dos pais continua até que a prole esteja em
condições de cuidar de si, também o mesmo inviolável direito educativo dos
pais perdura. “Pois que a natureza não tem em vista somente a geração da
prole, mas também o seu desenvolvimento e progresso até ao perfeito estado
de homem, enquanto homem, isto é, até ao estado de virtude”, diz o mesmo
Doutor Angélico.

Obrigação parental

Portanto a sabedoria jurídica da Igreja, assim se exprime, tratando desta ma-


téria com precisão e clareza sintética no Código de Direito Canônico, cân.
1113: “os pais são gravemente obrigados a cuidar por todos os meios possí-
veis da educação, quer religiosa e moral quer física e civil, da prole, e também
a prover ao bem temporal da mesma”.

Os filhos pertencem à família

Sobre este ponto é de tal modo unânime o sentir comum do gênero humano
que estariam em aberta contradição com ele, quantos ousassem sustentar que
a prole pertence primeiro ao Estado do que à família, e que o Estado tenha
sobre a educação direito absoluto. Insubsistente é pois a razão que estes adu-
zem, dizendo que o homem nasce cidadão e por isso pertence primeiramente

97
MARY KAY CLARK

ao Estado, não reflectindo que o homem, antes de ser cidadão, deve primeiro
existir, e a existência não a recebe do Estado mas dos pais, como sabiamente
declara Leão XIII: “os filhos são alguma coisa do pai e como que uma exten-
são da pessoa paterna: e se quisermos falar com rigor, não por si mesmos, mas
mediante a comunidade doméstica no seio da qual foram gerados, começam
eles a fazer parte da sociedade civil”.
Portanto: “o poder dos pais é de tal natureza que não pode ser nem suprimido
nem absorvido pelo Estado, porque tem o mesmo princípio comum com a
mesma vida dos homens”, diz na mesma Encíclica Leão XIII.

A educação deve estar de acordo com


o propósito da existência humana

Do que porém não se segue que o direito educativo dos pais seja absoluto ou
despótico, pois que está inseparavelmente subordinado ao fim último e à lei
natural e divina, como declara o mesmo Leão XIII noutra memorável Encí-
clica “sobre os principais deveres dos cidadãos Cristãos”, onde assim expõe
em síntese a súmula dos direitos e deveres dos pais: “Por natureza os pais têm
direito à formação dos filhos, com esta obrigação a mais, que a educação e
instrução da criança esteja de harmonia com o fim em virtude do qual, por
benefício de Deus, tiveram prole.”

Os pais devem ter controle sobre a educação

Devem portanto os pais esforçar-se e trabalhar energicamente por impedir


qualquer atentado nesta matéria, e assegurar de um modo absoluto que lhes
fique o poder de educar cristãmente os filhos, como é da sua obrigação, e
principalmente o poder de negá-los àquelas escolas em que há o perigo de
beberem o triste veneno da impiedade.

Obrigação relativamente à educação


religiosa, moral, física e cívica

Importa notar, além disso, que a educação da família compreende não só a


educação religiosa e moral, mas também a física e civil, principalmente en-
quanto têm relação com a religião e a moral.

98
HOMESCHOOLING CATÓLICO

As leis do Estado devem proteger os


direitos educacionais da família

Portanto relativamente à educação, é direito, ou melhor, é dever do Estado


proteger com as suas leis o direito anterior da família sobre a educação cristã
da prole, como acima indicamos, e por consequência respeitar o direito sobre-
natural da Igreja a tal educação cristã.

A educação cristã diz respeito à totalidade do homem

Com efeito nunca deve perder-se de vista que o sujeito da educação cristã é
o homem, o homem todo, espírito unido ao corpo em unidade de natureza,
com todas as suas faculdades naturais e sobrenaturais, como no-lo dão a
conhecer a recta razão e a Revelação: por isso o homem decaído do estado
original, mas remido por Cristo, e reintegrado na condição sobrenatural
de filho de Deus, ainda que o não tenha sido nos privilégios preternaturais
da imortalidade do corpo e da integridade ou equilíbrio das suas incli-
nações. Permanecem portanto na natureza humana os efeitos do pecado
original, particularmente o enfraquecimento da vontade e as tendências
desordenadas.

A mente deve ser iluminada e a vontade, fortalecida

“A estultícia está no coração da criança e a vara da disciplina dali a ex-


pulsará”. Devem-se portanto corrigir as inclinações desordenadas, excitar
e ordenar as boas, desde a mais tenra infância, e sobretudo deve iluminar-
-se a inteligência e fortalecer-se a vontade com as verdades sobrenaturais e
os auxílios da graça, sem a qual não se pode, nem dominar as inclinações
perversas, nem conseguir a devida perfeição educativa da Igreja, perfeita e
completamente dotada por Cristo com a divina doutrina e os Sacramentos,
meios eficazes da Graça.

Educação sexual nas escolas: um grave perigo

Mormente perigoso é portanto aquele naturalismo que, em nossos tempos,

99
MARY KAY CLARK

invade o campo da educação em matéria delicadíssima como é a honestidade


dos costumes. Assaz difuso é o erro dos que, com pretensões perigosas e más
palavras, promovem a pretendida educação sexual, julgando erradamente po-
derem precaver os jovens contra os perigos da sensualidade, com meios pu-
ramente naturais, tais como uma temerária iniciação e instrução preventiva,
indistintamente para todos, e até publicamente, e pior ainda, expondo-os por
algum tempo às ocasiões para os acostumar, como dizem, e quase fortalecer-
-lhes o espírito contra aqueles perigos.

O mal resulta da fraqueza da vontade

Estes erram gravemente, não querendo reconhecer a natural fragilidade hu-


mana e a lei de que fala o Apóstolo: contrária à lei do espírito, e desprezando
até a própria experiência dos factos, da qual consta que, nomeadamente nos
jovens, as culpas contra os bons costumes são efeito, não tanto da ignorância
intelectual, quanto e principalmente da fraqueza da vontade, exposta às oca-
siões e não sustentada pelos meios da Graça.

A educação em família é mais eficiente e duradoura

O primeiro ambiente natural e necessário da educação é a família, precisa-


mente a isto destinada pelo Criador. De modo que, em geral, a educação mais
eficaz e duradoira é aquela que se recebe numa família cristã bem ordenada e
disciplinada, tanto mais eficaz quanto mais clara e constantemente aí brilhar
sobretudo o bom exemplo dos pais e dos outros domésticos.

O lamentável declínio da educação familiar

Queremos porém chamar dum modo especial a vossa atenção, Veneráveis


Irmãos e amados Filhos, sobre a lastimável decadência hodierna da educação
familiar. Para os ofícios e profissões da vida temporal e terrena, com certeza
de menor importância, fazem-se longos estudos e uma cuidadosa preparação,
quando, para o ofício e dever fundamental da educação dos filhos, estão hoje
pouco ou nada preparados muitos pais demasiadamente absorvidos pelos cui-
dados temporais.

100
HOMESCHOOLING CATÓLICO

Filhos cada vez mais afastados de casa

Para enervar a influência do ambiente familiar, acresce hoje o facto de que,


quase por toda a parte, se tende a afastar cada vez mais da família a juventude,
desde os mais tenros anos, sob vários pretextos, quer económicos, industriais
ou comerciais, quer mesmo políticos; e há regiões aonde se arrancam as crian-
ças do seio da família para as formar ou com mais verdade para as deformar
e depravar em associações e escolas sem Deus, na irreligiosidade, no ódio, se-
gundo as avançadas teorias socialistas, repetindo-se um novo e mais horroroso
massacre dos inocentes.

Os sacerdotes devem auxiliar os pais


na educação de seus filhos

Portanto rogamos instantemente, pelas entranhas de Jesus Cristo, aos Pas-


tores de almas, que nas instruções e catequeses, pela palavra e por escritos
largamente divulgados, empreguem todos os meios para recordar aos pais
cristãos as suas gravíssimas obrigações não só teórica ou genericamente, mas
também praticamente e em particular cada uma das suas obrigações relativas
à educação religiosa, moral e civil dos filhos e os métodos mais apropriados
para atuá-la eficazmente, além do exemplo da sua vida.

Pais, sejam pacientes, mas disciplinem seus filhos

A tais instruções práticas não desdenhou descer o Apóstolo das gentes nas
suas epístolas, particularmente naquela aos Efésios onde, entre outras coisas,
adverte: “O’ pais, não provoqueis à ira os vossos filhos”, o que é efeito não
tanto de excessiva severidade quanto principalmente da impaciência, da igno-
rância dos modos mais adequados à frutuosa correcção e ainda do já dema-
siado e comum relaxamento da disciplina familiar, aonde crescem indómitas
as paixões dos adolescentes.

Os pais são vigários – ou representantes – de Deus

Cuidem por isso os pais e com eles todos os educadores, de usar retamente da
autoridade a eles dada por Deus, de Quem são verdadeiramente vigários, não
para vantagem própria, mas para a reta educação dos filhos no santo e filial «

101
MARY KAY CLARK

temor de Deus, principio da sabedoria » sobre o qual se funda exclusiva e so-


lidamente o respeito à autoridade, sem o qual não pode subsistir nem ordem,
nem tranquilidade, nem bem-estar algum na família e na sociedade.

Os pais estão proibidos de enviar seus


filhos a escolas irreligiosas

Daqui resulta precisamente que a escola chamada neutra ou laica, donde é


excluída a religião, é contrária aos princípios fundamentais da educação. De
resto uma tal escola é praticamente impossível, porque de fato torna-se ir-
religiosa. Não ocorre repetir aqui quanto acerca deste assunto disseram os
Nossos Predecessores, nomeadamente Pio IX e Leão XIII, em cujos tempos
começou particularmente a dominar o laicismo na escola pública.
Nós renovamos e confirmamos as suas declarações, (48) e juntamente as pres-
crições dos Sagrados Cânones pelas quais é proibida aos jovens católicos a
freqüência de escolas acatólicas, neutras ou mistas, isto é, daquelas que são
abertas indiferentemente para católicos e não católicos, sem distinção, e só
pode tolerar-se tal freqüência unicamente em determinadas circunstâncias de
lugar e de tempo, e sob especiais cautelas de que é juiz o Ordinário. E não
pode admitir-se para os católicos a escola mista (pior se única e obrigatória
para todos), na qual, dando-se-lhes em separado a instrução religiosa, eles
recebem o resto do ensino em comum com os alunos não católicos de profes-
sores acatólicos.

Definição de uma autêntica escola católica

Pois que uma escola não se torna conforme aos direitos da Igreja e da família
cristã e digna da freqüência dos alunos católicos, pelo simples fato de que
nela se ministra a instrução religiosa, e muitas vezes com bastante parcimô-
nia. Para este efeito é indispensável que todo o ensino e toda a organização
da escola: mestres, programas, livros, em todas as disciplinas, sejam regidos
pelo espírito cristão, sob a direção e vigilância maternal da Igreja católica,
de modo que a Religião seja verdadeiramente fundamento e coroa de toda a
instrução, em todos os graus, não só elementar, mas também media e superior.
“É mister, para Nos servirmos das palavras de Leão XIII, que não só em
determinadas horas se ensine aos jovens a religião, mas que toda a restante
formação respire a fragrância da piedade cristã. Porque, se isto falta, se este
hálito sagrado não penetra e rescalda os ânimos dos mestres e dos discípulos,
muito pouca utilidade se poderá tirar de qualquer doutrina; pelo contrário,
virão daí danos e não pequenos”.

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HOMESCHOOLING CATÓLICO

O homem sobrenatural é produto da educação cristã

O fim próprio e imediato da educação cristã é cooperar com a graça divina na


formação do verdadeiro e perfeito cristão, isto é, formar o mesmo Cristo nos
regenerados pelo Baptismo, segundo a viva expressão do Apóstolo: “Meus
filhinhos, a quem eu trago no meu coração até que seja formado em vós Cris-
to”. Pois que o verdadeiro cristão deve viver a vida sobrenatural em Cristo:
“Cristo que é a vossa vida”, e manifestá-la em todas as suas acções: “a fim
que também a vida de Jesus se manifeste na vossa carne mortal ”.
Precisamente por isso a educação cristã abraça toda a extensão da vida huma-
na, sensível, espiritual, intelectual e moral, individual, doméstica e social, não
para diminuí-la de qualquer maneira, mas para a elevar, regular e aperfeiçoar
segundo os exemplos e doutrina de Cristo.
Por isso o verdadeiro cristão, fruto da verdadeira educação cristã, é o homem
sobrenatural que pensa, julga e opera constantemente e coerentemente, se-
gundo a sã razão iluminada pela luz sobrenatural dos exemplos e doutrina
de Cristo.

O homem católico aperfeiçoa o natural


por meio do sobrenatural

Por conseqüência o verdadeiro cristão, em vez de renunciar às obras da vida


terrena ou diminuir as suas faculdades naturais, antes as desenvolve e aperfei-
çoa, coordenando-as com a vida sobrenatural, de modo a enobrecer a mesma
vida natural, e a procurar-lhe utilidade mais eficaz, não só de ordem espiritual
e eterna, mas também material e temporal.

A educação cristã enobrece e beneficia a sociedade humana

Isto é provado por toda a história do cristianismo e das suas instituições, a


qual se identifica com a história da verdadeira civilização e do genuíno pro-
gresso até aos nossos dias; e particularmente pelos Santos de que é fecundís-
sima a Igreja, e só ela, os quais conseguiram em grau perfeitíssimo, o fim ou
escopo da educação cristã, e enobreceram e elevaram a convivência humana
em toda a espécie de bens. De facto, os Santos foram, são e serão sempre os
maiores benfeitores da sociedade humana.

103
MARY KAY CLARK

A educação cristã beneficia todas as instituições sociais

E que dizer da imensa obra, mesmo em prol da felicidade temporal, dos mis-
sionários evangélicos que juntamente com a luz da fé levaram elevam aos
povos bárbaros os bens da civilização, dos fundadores de muitas e variadas
obras de caridade e de assistência social, da interminável série de santos edu-
cadores e santas educadoras que perpetuaram e multiplicaram a sua obra,
nas suas fecundas instituições de educação cristã, para auxílio das famílias e
benefício inapreciável das nações?
São estes os frutos benéficos sobre todos os aspectos da educação cristã,
precisamente pela vida e virtude sobrenatural em Cristo que ela desenvolve
e forma no homem; pois que Jesus Cristo, Nosso Senhor, Mestre Divino, é
igualmente fonte e dador de tal vida e virtude, e ao mesmo tempo modelo uni-
versal e acessível a todas as condições do gênero humano, com o seu exemplo,
particularmente à juventude, no período da sua vida oculta, laboriosa, obe-
diente, aureolada de todas as virtudes individuais, domesticas e sociais, diante
de Deus e dos homens. (Acerca da Educação Cristã da Juventude)

Os ensinamentos ainda são válidos

O conteúdo da encíclica Acerca da Educação Cristã da Juventude tem


sido repetidamente reforçado por outros documentos papais e encíclicas. Em
1955, em uma carta papal ao Cardeal de Malines, o Papa Pio XII escreveu a
respeito desta encíclica:
Os princípios invioláveis afirmados por este documento, com relação à Igreja,
à família e ao papel do Estado no que toca à educação, baseiam-se na própria
natureza das coisas e na verdade revelada. Não podem ser modificados pelo
ir e vir dos eventos. Quanto às regras fundamentais ali prescritas, tampouco
elas estão sujeitas ao desgaste temporal, pois são apenas o eco fiel do Divino
Mestre, Cujas palavras jamais expiram. Esta encíclica é uma verdadeira Carta
Magna da educação cristã, “fora da qual nenhuma educação pode ser com-
pleta e perfeita.”

Mais adiante, na mesma carta, o Papa repete o ensinamento de que a


família tem “prioridade de direitos em questões de educação, relativamente
ao Estado.” A Igreja, porém, tem o direito e o dever de ensinar “as mais altas
verdades e leis da vida religiosa e moral.” E o Papa conclui que
O Estado, portanto, tem o dever de respeitar os direitos primários da família
e da Igreja no tocante à educação, inclusive protegendo-os contra violações

104
HOMESCHOOLING CATÓLICO

desses direitos. Se o Estado “monopolizasse a educação”, isto violaria os di-


reitos dos membros individuais da família e da Igreja.

A responsabilidade divina

Na encíclica Mit Brennender Sorge, de 1937, o Papa Pio XI dirigiu pala-


vras fortes aos administradores de falsas escolas católicas:
A preservação formal da instrução religiosa, especialmente quando controla-
da e saqueada por pessoas incompetentes, e em meio à atmosfera de uma es-
cola que, no ensino de outras matérias, trabalha sistemática e maliciosamente
contra a religião, não pode jamais servir de justificativa a que um cristão de fé
aprove esta escola cujo objetivo é destruir a religião.
...tenham isto em mente: nenhum poder terreno pode destituí-los da respon-
sabilidade divina que une vocês aos seus filhos. Nenhum destes que hoje bus-
cam privá-los de seus direitos educacionais, fingindo libertá-los de um pesado
fardo, poderá jamais responder a Deus em seu lugar quando Ele perguntar:
“Onde estão aqueles que confiei a ti?” Desejo que cada um de vocês possa
responder: “Eu não perdi nenhum daqueles que me confiastes.” (João 18, 9)

Summi Pontificatus8, 20 de outubro de 1939

A missão que Deus confiou aos pais de se interessarem pelo bem material e
espiritual da sua prole e de dar a ela uma formação harmônica e repassada de
verdadeiro espírito religioso, não lhes poderá ser arrebatada sem grave lesão
do direito.
Esta formação deve certamente ter por finalidade também preparar a juventu-
de para cumprir com inteligência, consciência e galhardia aqueles deveres de
patriotismo que dá à pátria terrestre a devida medida de amor, de dedicação e
colaboração. Mas por outra parte, uma formação que se esqueça, ou, o que é
pior ainda, propositalmente descure de dirigir os olhos e o coração da juven-
tude para a pátria sobrenatural, seria uma injustiça contra a juventude, uma
injustiça contra os inalienáveis deveres e direitos da família cristã, um excesso
a que se deve remediar também em favor do bem público e do Estado. (...)
As almas dos filhos que Deus deu aos pais, assinaladas no batismo com o selo
real de Cristo, são um depósito sagrado por Deus vigiado com cioso amor.
O mesmo Cristo que disse “deixai que as crianças venham a mim”, ameaçou

8 Versão em língua portuguesa: http://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/


hf_p-xii_enc_20101939_summi-pontificatus.html

105
MARY KAY CLARK

também, não obstante sua bondade e misericórdia, terríveis males àqueles que
escandalizam os prediletos do seu coração. (...)
De tudo o que existe sobre a terra, somente a alma tem vida imortal. Um sis-
tema de educação que não respeitasse o recinto sagrado da família, protegido
pela santa lei de Deus, que procurasse minar-lhe os alicerces, que fechasse à
juventude o caminho que conduz a Deus, às fontes de vida e de alegria do Sal-
vador (Is 12, 3), que considerasse o apostatar Cristo e a Igreja como símbolo
de fidelidade ao povo ou a uma determinada classe, pronunciaria contra si
mesmo a sentença de condenação, e experimentaria, a seu tempo, a inelutável
verdade das palavras do profeta: “Aqueles que se afastam de ti serão escritos
na terra” (Jr 17, 13).

Discurso aos professores

Em um discurso a professores secundários, feito em 1949, o Papa Pio XII


afirmou que o “Trono de Pedro” sempre defendeu os direitos dos pais. O
Trono de Pedro
jamais consentirá em deixar a Igreja, que recebeu este direito [de guardar o
bem das almas] por um mandado divino, ou a família, que o reclama por jus-
tiça natural, serem privadas do exercício efetivo deste direito natural.

Concílio Vaticano II

Na Declaração sobre a Educação Cristã9, do Concílio Vaticano II, de ou-


tubro de 1965, muitas das citações acima se repetem, reiterando e exaltando
o ensinamento tradicional da Igreja. Na verdade, as palavras do Concílio são
até mais fortes do que as precedentes:
Os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação
de educar a prole e, por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e
principais educadores. Esta função educativa é de tanto peso que, onde não
existir, dificilmente poderá ser suprida. Com efeito, é dever dos pais criar um
ambiente de tal modo animado pelo amor e pela piedade para com Deus e
para com os homens que favoreça a completa educação pessoal e social dos
filhos.
A família é, portanto, a primeira escola das virtudes sociais de que as socie-

9 Versão em língua portuguesa da Declaração: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/


ii_vatican_council/documents/vat-ii_decl_19651028_gravissimum-educationis_po.html

106
HOMESCHOOLING CATÓLICO

dades têm necessidade. Mas, é sobretudo, na família cristã, ornada da graça


e do dever do sacramento do Matrimónio, que devem ser ensinados os filhos
desde os primeiros anos, segundo a fé recebida no Baptismo a conhecer e a
adorar Deus e a amar o próximo; é aí que eles encontram a primeira expe-
riência quer da sã sociedade humana quer da Igreja; é pela família, enfim,
que eles são pouco a pouco introduzidos no consórcio civil dos homens e no
Povo de Deus. Caiam, portanto, os pais na conta da importância da família
verdadeiramente cristã na vida e progresso do próprio Povo de Deus. (Ênfase
da autora)

No Decreto sobre o Apostolado dos Leigos10, o papa e os bispos ensi-


nam, no Parágrafo 11, que os pais cristãos
são os primeiros que anunciam aos filhos a fé e os educam. Formam-nos, pela
palavra e pelo exemplo, para a vida cristã e apostólica. (...) [deve-se] afirmar
vigorosamente o direito e o dever próprio dos pais e tutores de educar cristã-
mente os filhos.
Foi a própria família que recebeu de Deus a missão de ser a primeira célula
vital da sociedade. Cumprirá essa missão se se mostrar, pela piedade mútua
dos seus membros e pela oração feita a Deus em comum, como que o santuá-
rio doméstico da Igreja; se toda a família se inserir no culto litúrgico da Igreja
e, finalmente, se a família exercer uma hospitalidade actuante e promover a
justiça e outras boas obras em serviço de todos os irmãos quê sofrem neces-
sidade.
As famílias cristãs, pela coerência de toda a sua vida com o Evangelho e pelo
exemplo que mostram do matrimónio cristão, oferecem ao mundo um pre-
ciosíssimo testemunho de Cristo, sempre e em toda a parte, mas sobretudo
naquelas regiões em que se lançam as primeiras sementes do Evangelho ou em
que a Igreja está nos começos ou atravessa alguma crise grave.

Do decreto “Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Atual”11, o


Concílio declarou:
Por sua própria índole, a instituição matrimonial e o amor conjugal estão
ordenados para a procriação e educação da prole, que constituem como que
a sua coroa. (...) Quanto aos esposos, revestidos com a dignidade e o encargo
da paternidade e maternidade, cumprirão diligentemente o seu dever de edu-
cação, sobretudo religiosa, que a eles cabe em primeiro lugar. (n. 48)
O matrimónio e o amor conjugal ordenam-se por sua própria natureza à ge-

10 Versão em língua portuguesa: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_coun-


cil/documents/vat-ii_decree_19651118_apostolicam-actuositatem_po.html
11 Versão em língua portuguesa: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_coun-
cil/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html

107
MARY KAY CLARK

ração e educação da prole. (...) Os esposos sabem que no dever de transmitir


e educar a vida humana - dever que deve ser considerado como a sua missão
específica - eles são os cooperadores do amor de Deus criador e como que os
seus intérpretes. (n. 50)

O Papa Paulo VI, dirigindo-se ao Comitê da Família, em 1974, falou


sobre as virtudes que devem ser promovidas pela família:
(...) O lar é a morada privilegiada do amor, da comunhão profunda entre as
pessoas, do aprendizado que se dá a partir da doação total e incessante dos
esposos um para o outro. (...) Esse amor necessariamente pressupõe a ternura,
o autocontrole, a compreensão paciente, a piedade e a generosidade.

E ainda: “...o amor conjugal não deve apenas conter seus instintos, mas
superar seus egoísmos incessantemente.”

Catechesi Tradendae12

Em Catechesi Tradendae (em português, Sobre a Catequese do Nosso


Tempo), uma Exortação Apostólica promulgada em 1979, o Papa João Pau-
lo II recorda os ensinamentos tradicionais da Igreja com relação ao ensino
do catecismo:
A acção catequética da família tem um carácter particular e, em certo sentido,
insubstituível, justificadamente posto em evidência pela Igreja, de modo espe-
cial pelo Concílio Vaticano II.

As notas de rodapé acrescentadas a esta afirmação apontam que os con-


cílios da Igreja têm “insistido na responsabilidade dos pais no tocante à edu-
cação na fé.” São citados o Sexto Concílio de Arles, o Concílio de Mainz, o
Sexto Concílio de Paris, documentos de Pio XI, os “numerosos discursos e
mensagens de Pio XII” e diversos documentos do Concílio Vaticano II.
Vejamos, a seguir, um trecho de Catechesi Tradendae que explica por que
o homeschooling católico funciona:
A educação para a fé, feita pelos pais — a começar desde a mais tenra idade
das crianças — já se realiza quando os membros de determinada família se
ajudam uns aos outros a crescer na fé, graças ao próprio testemunho de vida
cristã muitas vezes silencioso, mas perseverante, no desenrolar da vida de to-

12 Versão em português: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/docu-


ments/hf_jp-ii_exh_16101979_catechesi-tradendae.html

108
HOMESCHOOLING CATÓLICO

dos os dias, vivida segundo o Evangelho. Torna-se ainda mais marcante quan-
do, ao ritmo dos acontecimentos familiares — como por exemplo a recepção
dos Sacramentos, a celebração de grandes festas litúrgicas, o nascimento de
um filho, um luto — se tem o cuidado de explicar em família o conteúdo cris-
tão ou religioso de tais acontecimentos.

O Papa João Paulo II prossegue afirmando que, em alguns lugares,


onde uma legislação anti-religiosa pretende impedir a educação para a fé, e
onde a incredulidade difundida ou o secularismo avassalador tornam pratica-
mente impossível um verdadeiro crescimento religioso, a família, essa «como
que Igreja doméstica», acaba por ser o único meio onde as crianças e os jovens
poderão receber uma autêntica catequese. Sendo assim, nunca serão demais os
esforços que fizerem os pais cristãos para se prepararem para este ministério
de catequistas de seus próprios filhos e para o exercerem com zelo infatigável.

Note-se a expressão “Igreja doméstica”, que é similar às expressões pa-


pais anteriores, como “Igreja do lar” e “santuário do lar”.

Código de Direito Canônico13

O Código de Direito Canônico de 1983 declara firmemente o direito e a


responsabilidade dos pais quanto à educação de seus filhos, em todas as ma-
térias, e especialmente quando se trata de educação religiosa e da preparação
das crianças para a recepção dos Sacramentos.

Cânon 226.2:
Os pais, já que deram a vida aos filhos, têm a obrigação gravíssima e o
direito de os educar; por consequência, aos pais cristãos compete primaria-
mente cuidar da educação cristã dos filhos, segundo a doutrina da Igreja.

Cânon 774.2:
Antes de todos, os pais têm obrigação de, com a palavra e o exemplo, for-
mar os filhos na fé e na prática da vida cristã; semelhante obrigação impende
sobre aqueles que fazem as vezes dos pais e sobre os padrinhos.

O Cânon 776 declara: “Promova e fomente o papel dos pais na catequese


familiar, a que se refere o cân. 774, § 2.”

13 Versão digital integral: http://www.vatican.va/archive/cod-iuris-canonici/portuguese/codex-


-iuris-canonici_po.pdf

109
MARY KAY CLARK

O Cânon 793.1 afirma:


Os pais, e os que fazem as suas vezes, têm a obrigação e gozam do direito
de educar os filhos; os pais católicos, além disso, têm o dever e o direito de
escolher os meios e as instituições com que, segundo as circunstâncias dos
lugares, possam providenciar melhor à educação católica dos filhos. (Ênfase
da autora)

Cânon 835.4:
Também os demais fiéis, ao participarem activamente, a seu modo, nas
celebrações litúrgicas, sobretudo na eucarística, têm uma parte que lhes é
própria no múnus santificador; de modo peculiar participam neste múnus
os pais, vivendo em espírito cristão a vida conjugal e cuidando da educação
cristã dos filhos.

O Cânon 1055.1 declara: “O pacto matrimonial (...) é ordenado por sua


índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole.”

O Cânon 1134 afirma: “Do matrimónio válido origina-se entre os cônju-


ges um vínculo de sua natureza perpétuo e exclusivo; no matrimónio cristão,
além disso, são os cônjuges robustecidos e como que consagrados por um
sacramento peculiar para os deveres e dignidade do seu estado.”

O Cânon 1136, da seção “Dos Efeitos do Matrimônio”, afirma:


Os pais têm o dever gravíssimo e o direito primário de, na medida das
suas forças, darem aos filhos educação tanto física, social e cultural, como
moral e religiosa. (Ênfase da autora)

O Cânon 1366 declara:


Os pais ou quem faz as suas vezes, que entregam os filhos para serem
baptizados ou educados numa religião acatólica, sejam punidos com uma
censura ou outra pena justa.

Em Homeschooling e o Novo Código de Direito Canônico, o advogado


canônico Edward N. Peters escreve:
Os direitos canônicos dos pais sobre a educação de seus filhos são fortemen-
te afirmados pelo Código de Direito Canônico de 1983. Portanto, qualquer
tentativa, seja da parte de autoridades eclesiásticas ou quaisquer outras, de
restringir o exercício prudente destes direitos educacionais (inclusive, con-

110
HOMESCHOOLING CATÓLICO

forme argumentaremos em breve, a decisão parental de ensinar os filhos em


casa) deve, mediante a lei canônica, ser estritamente investigada, para que não
se impeça injustamente o exercício deste direito. (...) O que importa perceber,
contudo, é que questões relativas à prática do homeschooling afetam não
apenas o direito da criança à educação, mas em última instância a identidade
e a missão sacramentais da família e de cada um de seus membros.

A Exortação Apostólica Familiaris


Consortio14, do Papa João Paulo II

O mais importante documento moderno dirigido às famílias homescho-


olers é a exortação apostólica O Papel da Família Cristã no Mundo Mo-
derno, ou Familiaris Consortio, publicada em 1981. Esta encíclica merece
ser estudada mais profundamente pelos pais católicos homeschoolers, para
ampliarmos nosso nível de compreensão do Sacramento do Matrimônio e
das graças e obrigações do estado conjugal.
O Papa João Paulo II afirma que
O dever de educar mergulha as raízes na vocação primordial dos cônjuges
à participação na obra criadora de Deus: gerando no amor e por amor uma
nova pessoa, que traz em si a vocação ao crescimento e ao desenvolvimento,
os pais assumem por isso mesmo o dever de a ajudar eficazmente a viver uma
vida plenamente humana. (...) A família é, portanto, a primeira escola das
virtudes sociais de que as sociedades têm necessidade.
O direito-dever educativo dos pais qualifica-se como essencial, ligado como
está à transmissão da vida humana; como original e primário, em relação ao
dever de educar dos outros, pela unicidade da relação de amor que subsiste
entre pais e filhos; como insubstituível e inalienável, e portanto, não delegável
totalmente a outros ou por outros usurpável.
Para além destas características, não se pode esquecer que o elemento mais
radical, que qualifica o dever de educar dos pais é o amor paterno e mater-
no, o qual encontra na obra educativa o seu cumprimento ao tornar pleno e
perfeito o serviço à vida: o amor dos pais de fonte torna-se alma e, portanto,
norma, que inspira e guia toda a acção educativa concreta, enriquecendo-a
com aqueles valores de docilidade, constância, bondade, serviço, desinteresse,
espírito de sacrifício, que são o fruto mais precioso do amor.

É óbvio que os pais homeschoolers precisam ter a certeza de estarem cul-

14 Versão em língua portuguesa: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhorta-


tions/documents/hf_jp-ii_exh_19811122_familiaris-consortio.html

111
MARY KAY CLARK

tivando essas virtudes cristãs em si próprios, assim como seus filhos. O Papa
João Paulo II prossegue sua Exortação ressaltando o direito educacional
prioritário dos pais, chamando-o de “missão”:
Para os pais cristãos a missão educativa, radicada como já se disse na sua
participação na obra criadora de Deus, tem uma nova e específica fonte no
sacramento do matrimónio, que os consagra para a educação propriamente
cristã dos filhos, isto é, que os chama a participar da mesma autoridade e do
mesmo amor de Deus Pai e de Cristo Pastor, como também do amor materno
da Igreja, e os enriquece de sabedoria, conselho, fortaleza e de todos os outros
dons do Espírito Santo para ajudarem os filhos no seu crescimento humano
e cristão.
O dever educativo recebe do sacramento do matrimónio a dignidade e a vo-
cação de ser um verdadeiro e próprio “ministério” da Igreja ao serviço da
edificação dos seus membros. Tal é a grandeza e o esplendor do ministério
educativo dos pais cristãos, que Santo Tomás não hesita em compará-lo ao
ministério dos sacerdotes. (...)
A consciência viva e atenta da missão recebida no sacramento do matrimónio
ajudará os pais cristãos a dedicarem-se com grande serenidade e confiança ao
serviço de educar os filhos e, ao mesmo tempo, com sentido de responsabili-
dade diante de Deus.

Carta dos Direitos da Família15

Em 1983, o Papa João Paulo II publicou a Carta dos Direitos da Família,


visando sobretudo a apoiar o direito dos pais de opor-se aos programas de
educação sexual nas escolas. O Papa ressalta novamente o papel insubstituí-
vel da família enquanto fonte primária de educação para as crianças:
A família constitui, mais que uma unidade jurídica, social ou económica, uma
comunidade de amor e de solidariedade insubstituível para o ensino e trans-
missão dos valores culturais, éticos, sociais, espirituais e religiosos, essenciais
para o desenvolvimento e bem-estar de seus próprios membros e da socieda-
de.
A família é o lugar onde se encontram diferentes gerações e onde se ajudam
mutuamente para crescer em sabedoria humana e harmonizar os direitos in-
dividuais com as outras exigências da vida social.
Os pais devem, por terem dado a vida aos filhos, ter o direito primeiro e ina-
lienável de educá-los; por isto devem ser reconhecidos como os primeiros e

15 Versão em língua portuguesa: http://diocesedecoimbra.pt/sdpfamiliar/documentocartadosdi


reitosdafamilia.htm

112
HOMESCHOOLING CATÓLICO

principais educadores dos seus filhos.


Os pais têm o direito de educar os seus filhos de acordo com suas convicções
morais e religiosas, levando em consideração as tradições culturais da família.
(...)
Os pais têm o direito de escolher livremente as escolas ou outros meios neces-
sários para educar seus filhos, em conformidade com as suas convicções. (...)
Os pais têm o direito de obter que seus filhos não sejam obrigados a receber
ensinamentos que não estejam de acordo com suas convicções morais e reli-
giosas – particularmente na educação sexual. (...)
Os direitos dos pais são violados quando o Estado impõe um sistema de edu-
cação obrigatório, no qual se exclui a educação religiosa.

É óbvio que o plano de Deus para as famílias cristãs é que os pais edu-
quem seus filhos. Não se trata de uma missão fortuita, mas de um trabalho
em tempo integral, um dever e uma ordem, que necessita ser cumprido dia
após dia. Ele abrange primeiramente a educação religiosa e a preparação
para os Sacramentos, mas também inclui a devida supervisão para que toda
a instrução se dê segundo a perspectiva católica.
Alguns pais optam pelo homeschooling por motivos acadêmicos e com
frequência julgam a tarefa demasiado difícil. Porém, aqueles comprometidos
com a Fé e com os autênticos valores católicos encontram forças para sofrer
todas as pressões e carregar tão pesadas cruzes, impostas inclusive por mem-
bros da família.
Párocos, bispos e outros religiosos devem apoiar os pais que se dispõem
a fazer tantos sacrifícios para cumprir sua missão e seu dever de educar seus
filhos em casa. O Papa João Paulo I, em setembro de 1978, falando a um
grupo de arcebispos e bispos americanos, recordou a importância da oração
em família. Ele afirmou que a igreja do lar, através da oração em família, é
capaz de liderar a renovação da Igreja e a transformação de todo o mundo.
“Um apostolado extremamente relevante” para o século XX, acreditava ele,
é a transmissão do amor de Deus de pais para filhos e o bom exemplo dos
pais como uma forma de incentivar a fé das novas gerações.
Em conclusão, o Papa João Paulo I implorou aos bispos americanos:
Queridos irmãos, queremos que vocês conheçam nossas prioridades. Preci-
samos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance em prol da família cristã,
para que nosso povo possa cumprir sua grande vocação com alegria cristã e
compartilhar de forma íntima e efetiva da missão salvadora da Igreja, que é
a missão de Cristo.

113
MARY KAY CLARK

Carta às Famílias16

O Papa João Paulo II declarou 1994 o Ano da Família e o iniciou com


um documento chamado Carta às Famílias. Nele, a Igreja repete seus ensina-
mentos de longa data acerca dos direitos e responsabilidades de pais e filhos.
O Papa inicia escrevendo: “A celebração do Ano da Família oferece-me o fe-
liz ensejo de bater à porta da vossa casa, no desejo de vos apresentar as mais
afectuosas saudações e conversar convosco.” Ele enfatiza que Deus deu Seu
único Filho ao mundo, porém escolheu fazê-Lo entrar “na história humana
através da família. (...) O divino mistério da Encarnação do Verbo tem assim
uma conexão íntima com a família humana.”
A primeira seção deste documento é muito importante, pois ensina mais
uma vez qual o significado do casamento e por que Deus instituiu o sacra-
mento do matrimônio. Com o subtítulo A Civilização do Amor, o Papa fala
sobre A Aliança Conjugal, A União dos Dois, O Bem Comum do Matrimô-
nio e da Família, O Dom Sincero de Si, Paternidade e Maternidade Respon-
sáveis e O Amor é Exigente.
Ao fim desta seção (seção 16), o Papa escreve sobre a educação na família
e afirma que os pais, no processo de educar seus filhos, doam-se a eles.
Em que consiste a educação? Para responder a esta questão, há que recordar
duas verdades fundamentais: a primeira é que o homem é chamado a viver na
verdade e no amor; a segunda é que cada homem realiza-se através do dom
sincero de si. Isto vale tanto para quem educa, como para quem é educado.
Assim, a educação constitui um processo singular, no qual a recíproca comu-
nhão das pessoas aparece impregnada de grande significado. O educador é
uma pessoa que “gera” em sentido espiritual. Nesta perspectiva, a educação
pode ser considerada um verdadeiro e próprio apostolado. É uma comunica-
ção vital, que não só constrói uma relação profunda entre educador e educan-
do, mas fá-los ambos participar na verdade e no amor, meta final à qual cada
homem é chamado por Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

Que consolo e privilégio para os pais saber que a Igreja considera seu
trabalho de educadores como um genuíno apostolado!
Após alguns parágrafos lidando com o fato de a educação ser um dom
do ser e afirmando que “a educação é, portanto, antes de tudo, uma ‘oferta’
recíproca da parte de ambos os pais”, diz o Papa:

16 Versão em língua portuguesa: https://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/letters/1994/do-


cuments/hf_jp-ii_let_02021994_families.html

114
HOMESCHOOLING CATÓLICO

Com razão, pois, pergunta a Igreja durante o rito do matrimónio: “Estais


dispostos a receber amorosamente da mão de Deus os filhos e a educá-los se-
gundo a lei de Cristo e da Igreja?”. O amor conjugal exprime-se na educação
como verdadeiro amor de pais. A “comunhão de pessoas”, que ao início da
família se manifesta como amor conjugal, completa-se e aperfeiçoa-se quando
se estende aos filhos com a educação. A potencial riqueza, constituída por
cada homem que nasce e cresce na família, deve ser responsavelmente assu-
mida de modo que não degenere nem se dissipe, mas, ao contrário, se realize
numa humanidade cada vez mais madura. Também este é um dinamismo de
reciprocidade, no qual os pais-educadores são, por sua vez, em certa medida
educados. Mestres de humanidade dos próprios filhos, também a aprendem
deles. Aqui emerge com destaque a estrutura orgânica da família e revela-se o
sentido fundamental do quarto mandamento.

A Igreja reconhece que, no processo de educar nossos filhos, nós ama-


durecemos e aprendemos com eles. Quantos de nós já não modificaram um
ponto de vista após um comentário feito por um filho?
Se os pais, ao darem a vida, tomam parte na obra criadora de Deus, pela
educação tornam-se participantes da sua pedagogia conjuntamente paterna e
materna. A paternidade divina, segundo S. Paulo, constitui o modelo originá-
rio de toda a paternidade e maternidade no cosmos (cf. Ef 3, 14-15), especial-
mente da maternidade e paternidade humana. Sobre a pedagogia divina nos
instruiu plenamente o Verbo eterno do Pai que, ao encarnar-se, revelou ao ho-
mem a verdadeira e integral dimensão da sua vocação: a filiação divina. E re-
velou assim também qual é o verdadeiro significado da educação do homem.
Por meio de Cristo, toda a educação, na família e fora dela, é inserida na di-
mensão salvífica da pedagogia divina, que se dirige aos homens e às famílias
e culmina no mistério pascal da morte e ressurreição do Senhor. Daqui, do
“coração” da nossa redenção parte todo o processo de educação cristã que,
ao mesmo tempo, é sempre educação para a plena humanidade.

Nós, pais, somos parte do plano de Deus, designados para instruir nossos
filhos e ajudá-los a alcançar a eterna felicidade com Ele no paraíso. Desde
o momento em que concebemos os filhos criados por Deus e passamos a
criá-los com o propósito de que alcancem a eternidade com Ele, recebemos
graças que nos qualificam a ensinar-lhes tudo o que precisam saber para
obter a salvação eterna.
Os pais são os primeiros e principais educadores dos próprios filhos e têm
também neste campo uma competência fundamental: são educadores porque
pais. Eles partilham a sua missão educadora com outras pessoas e institui-
ções, tais como a Igreja e o Estado; todavia, isto deve verificar-se sempre na
correcta aplicação do princípio da subsidiariedade. Este implica a legitimida-

115
MARY KAY CLARK

de e mesmo o ónus de oferecer uma ajuda aos pais, mas encontra no direito
prevalecente deles e nas suas efectivas possibilidades o seu limite intrínseco
e intransponível. O princípio da subsidiariedade põe-se, assim, ao serviço do
amor dos pais, indo ao encontro do bem do núcleo familiar. Na verdade, os
pais não são capazes de satisfazer por si sós a todas as exigências do processo
educativo inteiro, especialmente no que toca à instrução e ao amplo sector da
sociabilização. A subsidiariedade completa assim o amor paterno e materno,
confirmando o seu carácter fundamental, porque qualquer outro participante
no processo educativo não pode operar senão em nome dos pais, com o seu
consenso e, em certa medida, até mesmo por seu encargo.
A família é chamada a cumprir a sua tarefa educativa na Igreja, participando
assim na vida e missão eclesial. A Igreja deseja educar sobretudo através da
família, para isso habilitada pelo sacramento do matrimónio com a “graça de
estado” que dele se obtém e o específico “carisma” que é próprio da inteira
comunidade familiar.

Como é estimulante ver que a Igreja deseja que os pais assumam a tarefa
de educar seus filhos! A Igreja afirma que, pelo Sacramento do Matrimônio,
os pais tornam-se capazes dessa tarefa.
Um dos campos onde a família é insubstituível, é certamente o da educação
religiosa, graças à qual a família cresce como “igreja doméstica”. A educação
religiosa e a catequese dos filhos colocam a família no âmbito da Igreja como
um verdadeiro sujeito de evangelização e de apostolado. Trata-se de um di-
reito intimamente conexo com o princípio da liberdade religiosa. As famílias
e, mais em concreto, os pais têm a faculdade de livremente escolherem para
os seus filhos um determinado modelo de educação religiosa e moral segundo
as próprias convicções. Mas ainda quando eles confiam tais obrigações a ins-
tituições eclesiásticas ou a escolas geridas por pessoal religioso, é necessário
que a sua presença educativa continue a ser constante e activa.

Não há nada de errado com aulas de educação religiosa ministradas fora


de casa, para os pais que desejem utilizá-las, porém cabe a eles “o direito de
escolher” para seus filhos uma paróquia ou escola local, ou optar por seu
próprio programa de educação religiosa domiciliar, desde que alinhado, é
claro, com os ensinamentos da Igreja.
O evangelho do amor é a fonte inexaurível de tudo quanto se nutre a família
humana como “comunhão de pessoas”. No amor, encontra apoio e sentido
definitivo todo o processo educativo, como fruto maduro da recíproca doação
dos pais. Mediante as canseiras, os sofrimentos e as desilusões, que acompa-
nham a educação da pessoa, o amor não cessa de estar sujeito a uma contínua
avaliação. Para superar este exame, requer-se um manancial de força espiritual
que se encontra apenas n’Aquele que “amou até ao fim” (Jo 13, 1). Assim, a

116
HOMESCHOOLING CATÓLICO

educação coloca-se plenamente no horizonte da “civilização do amor”; desta


depende e, em grande medida, contribui para a sua construção.
A assídua e confiante oração da Igreja, durante o Ano da Família, é oferecida
pela educação do homem, para que as famílias perseverem no compromisso
educativo com coragem, confiança e esperança, não obstantes as dificuldades
às vezes tão graves que parecem insuperáveis. A Igreja reza para que vençam as
forças da “civilização do amor”, que jorram da fonte do amor de Deus; forças
que a Igreja emprega sem descanso em benefício da inteira família humana.

Sexualidade Humana: Verdade e Significado17

O Pontifício Conselho para a Família publicou este documento em 1995,


com o subtítulo “Orientações educativas em família”. É endereçado especi-
ficamente aos pais, como se nota no comentário introdutório feito pelo Car-
deal Trujillo, que liderava o Pontifício Conselho para a Família. O Cardeal
preocupa-se sobretudo com a exposição das crianças a programas de educa-
ção sexual, porém o documento também enfoca os direitos educacionais dos
pais. Em um artigo explicando por que o Conselho publicou o documento,
o Cardeal Trujillo escreveu:
O direito dos pais enquanto primeiros educadores de seus filhos, em especial
durante a infância e a adolescência, é uma exigência da ordem natural e é
constantemente ressaltada nos ensinamentos da Igreja. A Carta às Famílias
comenta: “...os pais têm a riqueza de um potencial educativo que só eles pos-
suem. De forma única, eles conhecem seus próprios filhos; conhecem-nos em
sua identidade irrepetível, e por experiência possuem os segredos e os recur-
sos do amor verdadeiro.” (n. 7)
Evidentemente, o Pontifício Conselho para a Família sabe que nem todas as
famílias têm ciência destes direitos e deveres que são seus e insubstituíveis,
em circunstâncias normais. As famílias às vezes deixam essa tarefa de lado,
relegando-a à influência indireta mas quase sempre insalubre do acaso, da te-
levisão, da escola... Deste modo, um tipo de expropriação tem sido praticado
pelas escolas, ou antes pelos pedagogos que não estão em harmonia com os
pais, pois utilizam métodos com que as famílias não concordam e que, muitas
vezes, têm como única preocupação a promoção de seus próprios conceitos
ideológicos ou pragmáticos...
Além disso, não podemos ignorar o fato de que as organizações que apoiam
o planejamento familiar, guiadas pelo preceito do anti-natalismo, conse-

17 Versão em língua portuguesa: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/family/


documents/rc_pc_family_doc_08121995_hman-sexuality_po.html

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