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TRANSCRIÇÃO DA AULA DO DIA 13 DE FEVEREIRO DE 2007 DO

PROFESSOR LUIZ GONZAGA DE CARVALHO NETO1

INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

BREVE RESUMO DO JUDAÍSMO

Professor: A última aula do ano passado2 já dá uma indicação, uma


porta de entrada, sobre o que é o Cristianismo. Se vocês lembrarem, os que
estavam presentes na aula sobre o Judaísmo, o Judaísmo consistia no que? O
Judaísmo consistia numa série de meios para preservar uma amizade com
Deus. O que é o Judaísmo? É um conjunto de leis, ritos, textos que existe para
preservar uma amizade originariamente, a amizade de um homem e depois de
uma família e depois de um povo com Deus. Agora, é inevitável que no
decorrer dos séculos alguns judeus perdessem essa relação de amizade. Essa
relação de amizade tinha certas regras. Para que o sujeito pudesse estar
diante de Deus, para que os judeus pudessem estar diante de Deus como um
amigo, eles tinham que sacrificar uma série de coisas na vida deles. Assim
como tratar diante de qualquer amigo, você tem que sacrificar alguma coisa por
aquele amigo. Então é inevitável que no decorrer dos séculos se acumulassem
junto às normas, que determinam as regras daquela amizade, se acumulassem
uma série de costumes sociais que indicavam, davam um índice da sua
amizade. Isto quer dizer o que? A qualquer religião e isto aconteceu claramente
no Judaísmo, se acrescentam às normas intrínsecas da religião os costumes
de geração em geração. Qualquer religião e qualquer instituição humana, no
decorrer das gerações e dos séculos, tende a um número crescente de
determinações. Também é inevitável que estas determinações se tornem mais
e mais exteriores no decorrer das gerações. Vamos fazer um paralelo com as
relações humanas numa única geração, num único sujeito. Então, quando você
está estabelecendo uma amizade com uma pessoa, você tem que olhar o
caráter daquela pessoa, a personalidade, do que ela gosta, do que ela não

1
Transcrição realizada por Valdemir Ezequiel Chiquito. Será revisada por Carlos Eduardo de
Carvalho Vargas. Sem revisão do autor.
2
Aula proferida por Luiz Gonzaga de Carvalho Neto sobre o Judaísmo no dia 12/12/2006 no
IPD.

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gosta e você tem que reagir de maneira mais ou menos espontânea àquele
modo de ser daquela pessoa, de modo que forma uma relação de simpatia. No
decorrer do tempo o que acontece? Você tem na sua mente padrões de
comportamento daquela pessoa e você já sabe, tem certas maneiras regulares
de agir que se eu fizer isto aqui o sujeito gosta, se eu fizer aquilo, ele não
gosta. Aquela relação como num certo nível ela se automatiza. Você já tem
meios quase que mecânicos de se relacionar com aquela pessoa. É claro que
por dentro, o núcleo por trás desses meios mais ou menos mecânicos, pode
ainda estar bastante vivo. Isto quer dizer, os sentimentos, a relação íntima que
você tem com a pessoa pode ser a mesma, mas na prática você tem meios
exteriores mais ou menos automáticos de se comportar. Existem certas
formalidades estabelecidas entre você e aquele amigo. Por exemplo: quando
você quer comunicar uma boa notícia para aquele amigo, você o convida para
o restaurante tal. E no ano seguinte, por acaso, ele te chamou no mesmo
restaurante e vocês passam a celebrar aquela data naquele restaurante. O que
acontece? Este costume de celebrar aquela data neste restaurante é um meio
automático de manutenção da relação. Quer dizer, todo ano, pelo menos uma
vez, vocês vão se encontrar e conversar. Você tem uma preocupação a menos
com relação à manutenção daquela relação, porque você já tem algum meio de
manutenção. Está claro que isto acontece com todas as relações humanas?
Você cria meios automáticos de manter as relações, senão as relações
desaparecem. Se elas ficarem para sempre, no decorrer de anos, na
espontaneidade inicial elas simplesmente desaparecem, você simplesmente
perde contato com aqueles amigos. Por outro lado, esses meios automáticos
não são suficientes para manter uma real amizade, eles são apenas portas.
Pode acontecer de uma hora vocês dois estão se encontrando lá todo ano, e
você nem sabe mais quem é aquele sujeito e aquele sujeito nem sabe mais
quem é você, vocês mudaram tanto e vocês estão fazendo um negócio
automático e um dia o sujeito fala uma coisa e você: “caramba, você é você
mesmo?” e aquela amizade acaba. Quer dizer, esses meios automáticos não
servem, não são suficientes por si para preservar uma amizade, mas eles são
meios ou instrumentos para preservar uma amizade. Até num casamento é
assim. Depois de dois ou três anos de casados, vocês já sabem, por exemplo,
quais são as ocasiões em que você pode falar coisas para sua esposa e quais

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são as ocasiões em que ela fala coisas para você. Este é o momento de falar
se tem algum problema, este é o momento de falar se tem uma boa notícia.
Isso vale para toda e qualquer relação humana. É necessário criar meios para
facilitar a relação. Por quê? Porque o impulso inicial de amizade ou de atração
ou de simpatia ou de amor não consegue se manter de modo vital durante
muito tempo. Porque esse impulso inicial demanda energia física, corpórea, ele
exige algo do seu corpo. Os sentimentos que você tem em relação às pessoas
desgastam o seu corpo, eles tiram o combustível não da sua alma mas do seu
corpo. Por exemplo: você não consegue ficar com raiva durante muito tempo.
Se você ficar muito tempo com raiva você vai querer dormir, você vai ficar
cansado. A alegria mesma coisa e todos os sentimentos. Então é inevitável que
qualquer relação humana que dure tempo suficiente tem que diminuir este
impulso emocional, tem que acalmar este impulso emocional, senão você
morre. E você tem que substituir, esse impulso servia como um meio de
estabelecimento da relação, pois esse meio vai acabar. Então o início de uma
relação humana é como um sujeito que ganhou na loteria, ganhou um monte
de dinheiro, naquele momento ele não tem que pensar em dinheiro. A súbita e
grande entrada de dinheiro tira da cabeça dele todas as preocupações com o
dinheiro, mas daqui a pouco, ele vai ter que voltar a pensar em dinheiro senão
ele vai perder aquele. As relações humanas são a mesma coisa. As emoções
iniciais são como uma entrada de capital, agora não tem preocupação, mas
aquilo vai acabar ou vai diminuir de intensidade. E aí você tem que estabelecer
meios para comunicar-se com aquela outra pessoa, meios para se encontrar
regularmente com ela ou meios para quando se encontra, você poder falar
sobre certos assuntos, sobre outros assuntos e assim por diante. Se vocês
observarem a história de suas relações com outras pessoas, ela é uma história
da criação de meios de comunicação. Para que? Para que quando o impulso
inicial diminuiu a relação continue. Agora, todas as relações prolongadas por
um tempo suficiente, essa é uma outra característica, tendem a se tornar
finalmente relações de amor ou de ódio. Estamos usando a palavra amor aqui
num sentido bastante amplo: amor aqui inclui amor de um amigo para outro ou
de um pai para o filho. Por quê? Porque no início de uma relação qualquer a
ênfase da sua mente está justamente nos sentimentos ou emoções que aquela
outra pessoa causa em você. Veja bem, esses sentimentos e emoções podem

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não ser de natureza sensual ou sexual, pode ser de admiração: “nossa que
sujeito impressionante”, mas isto é um estado emocional. A mente logo se
desvia do objeto, que é a outra pessoa, para este objeto que é a reação
emocional. Quando passa o tempo e a relação continua a ênfase vai ficar cada
vez mais no outro sujeito como ele realmente é, na outra pessoa como ela
realmente é. Então você tende, usando aqueles meios de manutenção da
relação, descobrindo cada vez mais como o outro é. Agora vamos voltar ao
nosso tema. A mesma coisa que acontece numa relação entre uma pessoa
humana e outra numa vida, acontece no decorrer das gerações como uma
tradição. No Judaísmo ele começa justamente como uma amizade pessoal e
carregada de emoção entre um homem e Deus. Esse homem já estabelece
alguns meios de manutenção da relação e a geração seguinte mais alguns e
assim por diante. Passam-se os séculos e você tem acumulado centenas de
costumes que servem para manter aquela relação. Chega um momento que
esse conjunto de costumes pode ser inabarcável por esse ou aquele indivíduo.
Isso aí é como, por exemplo, a ciência escolástica. A ciência escolástica uma
hora cresceu tanto que não dava para um sujeito só saber. Aí o sujeito que
estudava a escolástica passou a perder a visão do conjunto ou como o sujeito
que estuda ciência hoje. Em qualquer ciência hoje, o desenvolvimento dos
diversos ramos dela é tão grande, em qualquer ciência – biologia, física,
química – que é impossível o sujeito ter uma visão de conjunto do que é aquela
ciência. Como a tradição judaica era um meio de manter uma relação de
amizade, se o sujeito perde a visão de conjunto, ele perde essa relação de
amizade. Do mesmo jeito se você olhar só os meios automáticos de
manutenção de uma relação e esquecer o objeto com o qual você está se
relacionando, você perde a relação. Então você preserva todas as regrinhas do
relacionamento mas você não vê quem está do outro lado do relacionamento,
acabou o relacionamento, deixou de existir. Chega um momento que é possível
acontecer para muitos judeus isso aí. O sujeito está lá preservando as regras
mas ele não sabe mais com quem ele está se relacionando. Ele perde de vista
o Deus que era o amigo de Abraão. Mas ele conhece o bastante daquele Deus
para saber que não foi o Deus de Abraão que o abandonou. Em primeiro lugar
é a esse sujeito que é a ovelha desgarrada que o Cristo fala.

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PORTA DE ENTRADA AO CRISTIANISMO

Professor: Cristo fala: “Eu vim para as ovelhas desgarradas da casa de


Israel”. Num outro sentido mais amplo, mais universal, você pode também
entender simbolicamente estas palavras de Cristo que significa o que? Eu
venho apenas para os seres humanos que se desgarraram das suas tradições
espirituais. Eu venho para quem já se perdeu. São Paulo interpreta
imediatamente neste sentido. Quando ele lê o que o Cristo fala: “eu vim para as
ovelhas desgarradas da casa de Israel” ele não pensa: “eu venho só para os
judeus que se perderam”, ele pensa: “não, eu venho para todo mundo que se
perdeu”. Tanto que quanto ele vai pregar aos romanos ele fala: “olha, vocês se
perderam da tradição espiritual que Deus escreveu nos corações dos homens
e é por isso que vocês têm que vir para isso aqui. Vocês são também ovelhas
desgarradas da casa de Israel”. Isto quer dizer que para entender o
Cristianismo, primeiro você tem que entender o que é essa situação. Se vocês
olharem a primeira e a segunda geração do Cristianismo, principalmente quatro
tipos de pessoas se converteram ao Cristianismo. Nos primeiros cinqüenta
anos de história do Cristianismo eram quatro tipos de pessoas:
1º) Os judeus que tinham a consciência de ter pecado de um modo tal
que tinham rompido a relação de amizade com Deus e não tinham como voltar.
Veja bem, para o judeu a noção de pecado era muito clara: pecado era um
negócio que simplesmente, quando você dá uma mancada com um amigo,
pecado é uma mancada com Deus que rompia a relação de amizade. Você
pode fazer algo para um amigo tão grave que você perde a amizade. Pecado
era isso para eles. Era o primeiro tipo de pessoa que se convertia ao
Cristianismo. O judeu que sabia que tinha perdido essa relação de amizade e
queria resgatar essa amizade, recuperar essa amizade no Cristianismo.
2º) As camadas mais pobres da população no Império Romano inteiro.
As pessoas com forte senso de privação. Os pobres e doentes se convertiam
também aos montes para o Cristianismo.
3º) Membros da Aristocracia Romana com forte senso de decadência,
da decadência da sua classe.
4º) Pensadores de cunho helenista, cujo o ambiente todo ali era
helenizado, que tinham uma forte sensação de estar separados do objeto do

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seu conhecimento, uma forte sensação de isolamento. Houve, logo também
nas primeiras gerações, um grande número de filósofos e pensadores que se
converteram ao Cristianismo porque se sentiam por um lado isolado do mundo
que não entendia do que ele estava falando, por outro lado, se sentiam de
modo vital e existencial separados das verdades que eles entendiam.
Professor: Está claro que estes quatro tipos de pessoas tinham algo em
comum? Esses quatro tipos de pessoas, são pessoas que tinham consciência
de um valor específico e a consciência diz estar privado desse valor. Tinha
muitos judeus que sabiam, por exemplo, São Mateus, ele emprestava dinheiro
a juros, era banqueiro e isso aí o excluía da comunidade.
Aluno: Mas não tinha o arrependimento?
Professor: Claro que tem o arrependimento. Mas às vezes o
arrependimento não é suficiente. Sempre tem o arrependimento. Na Bíblia
existem centenas de passagens dizendo: se você se arrepender Deus perdoa,
no antigo testamento também, é cheio. Mas isso não era suficiente, ele nunca
mais seria um membro daquela casa do mesmo jeito e ele sabia disso. Por
quê? Porque se acumularam duas dimensões. Uma dimensão vertical de
relação de amizade com Deus e uma dimensão horizontal de relação com
aquela comunidade. Ser um membro pleno da comunidade era uma garantia
de ser um membro daqueles amigos de Deus. Uma vez que o sujeito tinha
emprestado dinheiro a juros de modo sistemático, não era uma ou duas vezes
porque ele estava precisando, não, mas de um modo sistemático, ele nunca
mais seria um membro igual naquela comunidade. Isto quer dizer, ele nunca
mais teria certeza de estar junto com Deus. O Cristianismo foi a primeira
religião que diz o seguinte: olha, não importa o que você faça, existe um jeito
de você ser perdoado e estar de volta com Deus. Nenhuma religião é assim.
Aluno: E a soberba?
Professor: Exceto a soberba. Mas você pode se arrepender também. Se
você se arrepender, voltou. A diferença entre a soberba e os outros pecados, é
que os outros pecados Deus pode perdoar mesmo que você não tenha parado.
A soberba, este tem que parar primeiro, aí Deus perdoa. Não dá para continuar
soberbo e Deus perdoar. Mas dá para continuar qualquer outra coisa e Deus
perdoar, no Cristianismo. Essa consciência de estar privado de um valor
essencial é indispensável para entender o pensamento cristão e para entender

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a essência mesma do Cristianismo. Por quê? Porque o Cristianismo é para as
ovelhas desgarradas da casa de Israel. Isto quer dizer, é para os indivíduos
humanos conscientes de determinados valores e da privação que eles tem em
relação àqueles valores. Aí o Cristianismo vem com a proposta seguinte: olha,
não adianta você lutar para obter isso aí, você tem que receber uma outra
coisa e essa outra coisa no decorrer do tempo dará realidade a esses valores.
Então o judeu que tinha pecado, perdido a amizade com Deus, o Cristo não
falava para ele: “não, você vai lá, luta que a comunidade vai de aceitar”. Ele
falava: “olha, a comunidade não vai te aceitar porque ela não aceitou sujeitos
melhores que você antes”, mas se você fizer isso, isso e isso, você vai receber
o próprio Deus, o próprio Deus estará contigo, viverá em você. E com isso,
você vai recuperar a verdadeira dignidade na casa de Israel e assim para cada
um daqueles que eram conscientes da privação de um valor, o Cristo não vinha
e pregava que ele deveria conquistar aquele valor. Ele vinha e dizia: “olha, o
fundamento desse valor é a presença divina, venha aqui e eu te dou a
presença divina e ela resgatará esse valor para você”. Então o sujeito vinha
com um problema num plano e o Cristo argumentava em outro plano, ele
respondia num outro plano.
Aluno: Aluno comenta sobre o uso de parábolas por Cristo.
Professor: Para os apóstolos ele falava claramente, para a multidão ele
sempre falava em parábolas. Por quê? Porque Ele estava querendo fazer elas
passassem de um determinado plano de valores para um outro plano. Isso é
um dos fatores que surpreendeu os contemporâneos de Cristo. Como esse
sujeito pode falar o seguinte: “Você não precisa de nada, você precisa só de
Deus”? Ninguém nunca tinha falado isso ali, aliás, ninguém nunca tinha falado
isso. Isso é muito estranho. Nem o próprio Deus tinha falado isso antes. O que
Deus tinha falado antes? Ele tinha falado: “olha, fique do meu lado e eu te
acumularei de bens, eu te protegerei dos seus inimigos, eu te darei riqueza
suficiente, eu te darei uma boa família, descendentes”, Deus não tinha falado
que o sujeito não precisava dessas coisas. O Cristo chega e fala: “não, não
precisa”, tem um outro negócio aqui que é melhor que todas essas coisas
juntas e que é o fundamento delas, que é o alicerce delas. Quer dizer, essa
perspectiva do Cristo, está muito bem resumida naquele momento que ele fala:
“os céus e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”. Ou seja,

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os céus e a terra representam o conjunto de todos os valores positivos reais.
Os céus representam o que? Todos os valores positivos de tipo intelectual,
moral, espiritual; a Terra, todos os valores de tipo material. Todas as riquezas
de todos os tipos. Ele vai falar: “tudo isso vai passar, mas esta coisa que eu
estou afirmando não vai passar”. Ela é o fundamento dos céus e da terra. E se
você tiver isso, você transcende a diferença entre posse e privação. É isso que
levou os contemporâneos do Cristo, aqueles que estavam do lado Dele, a
suspeitar de uma natureza divina, porque só Deus não precisa de nada. Quer
dizer, até o mais espiritual dos homens precisa comer. Mas Ele falava: “não, se
você tiver isso aqui você não precisa comer”. É indiferente comer ou não
comer.

PRIVAÇÃO DE VALORES ESPECÍFICOS

Professor: Os judeus tinham uma consciência muito clara do sentido do


sofrimento, se vocês lembrarem da aula do judaísmo3, os judeus sabiam que
eles sofriam para manter uma amizade com Deus. O Cristo chega e dá outro
sentido ao sofrimento, ele agrega um sentido mais profundo. Por isso que
Cristo não fala para melhorar o mundo, Ele não fala para os pobres tentarem
ganhar dinheiro, para os escravos tentarem se libertar, para os ignorantes
tentarem se tornar ilustrados, Ele não fala nada disso. Ele fala: “o sofrimento e
todos os defeitos do mundo existem para que você tenha a oportunidade de
ouvir esta palavra”. Para que você tenha a oportunidade de receber algo que
transcende todos os valores que você pode conceber. Se você possuir estes
valores que você pode conceber, você jamais seria capaz de receber algo que
transcende estes valores, você não seria capaz de aspirar a isto que
transcende estes valores. É por isso que o Cristo começa o Sermão da
Montanha, que é o sermão que define todo o Cristianismo, com uma série de
bênçãos para os sujeitos que estão privados de alguma coisa fundamental:

“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos


céus!

3
Ver nota Número 02.

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Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra!
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados!
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão
saciados!
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia!
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus!
Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!”4

Professor: Ou seja, todos os que estão precisando de alguma coisa. Por


que Ele conversa com essas pessoas? Quando você está nesta situação você
tem a oportunidade de aspirar algo que transcende todos os valores humanos
possíveis. Se você não estiver privado, não tem como, é impossível. Todo
mundo sabe que tem certos sabores que só a fome capta, que é impossível
apreciar quando estamos saciados. Deus é assim. É impossível desejá-lo
quando você está saciado. Agora, uma coisa é o Cristianismo que se apresenta
para o sujeito que não era cristão. E o sujeito que já nasceu cristão? Chega
uma hora, um monte de gente se converte ao Cristianismo e você nasce lá no
meio, te batizam e você nem sabe o que está fazendo ali. Você nunca teve
consciência de privação nenhuma mas você já está se comprometendo em
receber algo que transcende todos os valores humanos. Como você faz com
esse sujeito que já nasce no seio do Cristianismo tomar consciência do que é
essa mensagem inicial? Só tem um jeito. Só tem um único jeito. Você não pode
garantir que ele vai ser, por exemplo, miserável, pobre miserável. Você não
pode garantir que ele vai ser doente. Você não pode garantir que ele será um
membro virtuoso de uma aristocracia decadente. Você não pode garantir nada
disso. Você não pode causar isso na vida dele. Então você tem que dar para
ele um instrumento de percepção de uma privação. E é para isso, então, que
no Cristianismo se desenvolveu a doutrina do pecado original e a doutrina do
pecado em geral. A doutrina do pecado original existe para que? Existe para
que o sujeito perceba isso. Mesmo que ele não sinta uma aguda privação de
algum valor humano, ele perceberá que a vida humana tem defeitos, os seres
humanos têm defeitos e este mundo tem defeitos também. Às vezes ele quer

4
Conforme Mateus 5, 1-10.

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algumas coisas e elas não acontecem. Às vezes ele fica doente ou alguém que
ele conhece fica doente, ele vai perceber uma série de falhas. O que acontece?
No catecismo vai explicar para ele: essas falhas existem em decorrência do
pecado original, que não é algo que você fez pessoalmente mas é algo que se
fixou na sua estrutura natural. E em última instância este pecado original
causará sua morte. Quer dizer, a doutrina do pecado original serve em grande
parte para recordar o sujeito da inevitabilidade da morte. Porque você pode ter
muitas coisas. Você pode ser um ser humano numa situação ideal: você é
saudável, rico, nobre, virtuoso, admirável pelos seus contemporâneos, mas
uma hora alguém pode te lembrar: você vai morrer! Você vai acabar! Tudo isso
que é tão maravilhoso um dia acaba! É inevitável que quando a consciência da
morte é forte o bastante no sujeito ele vai inevitavelmente se perguntar por
quê? Por que eu tenho que acabar? Olha, não sou tão ruim assim. Aí o
Cristianismo vai dizer o que? Vai dizer: você tem que acabar por um efeito
natural, porque você está desligado do seu fundamento do real. Porque você,
como pessoa, também é um valor existencial que está desgarrado do seu
fundamento. E tudo que está separado da sua causa, desaparece; todo o efeito
quando desconectado da causa, desaparece. Então, já se tem aí a primeira
nota sobre o Cristianismo. É impossível entender o Cristianismo sem entender
claramente essa situação. Essa quinta categoria de cristão. Se você não é nem
um judeu com consciência de pecado, nem o desprivilegiado miserável que
está na casta mais baixa da sociedade, nem o membro virtuoso de uma
aristocracia decadente, nem um pensador consciente das verdades
fundamentais e da ampla ignorância que a humanidade tem dessas mesmas
verdades, você tem que estar muito cônscio da sua mortalidade. Não tem outro
jeito de ser realmente cristão. O Cristianismo é uma porta que se abre para
estas pessoas. Ela só se abre para essas pessoas. Quando você fala que o
Cristianismo é uma religião para todos é porque essa situação é possível para
todos – numa dessas situações, ou em mais de uma. Alguns desses
componentes vão se apresentar para qualquer indivíduo humano. Às vezes
podem não se apresentar com intensidade ou clareza o bastante para que ele
entenda a proposta cristã. Mas a proposta cristã só tem esse sentido para
esses. Porque a proposta cristã não é uma proposta simplesmente de
recuperação dos valores perdidos. O Cristo não vai aproveitar esta

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oportunidade para te ensinar a recuperar aquele valor que você perdeu. Ele vai
aproveitar essa oportunidade para tornar mais profunda sua consciência de
uma perda para te lançar em busca de algo que vai além daquele valor. Ele
mesmo fala: “o objeto desse negócio aqui, o objetivo dessa religião aqui é algo
que o olho não viu, o ouvido não ouviu e o coração do homem nunca
concebeu”. O objetivo disso aqui não é a recuperação desse valor que se
perdeu, mas a recuperação do fundamento real de todo e qualquer valor. Não é
a recuperação de um efeito temporal ou de um fenômeno, mas a recuperação
da causa de todos os fenômenos positivos. E Ele ainda fala: esta causa dos
fenômenos positivos criou os fenômenos negativos ou privativos para que você
tenha oportunidade de buscá-la, de saltar para além dos fenômenos positivos.
Deus criou o sofrimento para que você pudesse buscar o próprio Deus e não o
alívio do sofrimento. Se vocês lembrarem na cosmovisão judaico-cristã o alívio
dos sofrimentos, os fenômenos positivos precedem os fenômenos negativos na
história. Quer dizer, antes do sofrimento, Deus criou o Éden, o qual não tinha
sofrimento. Depois veio o sofrimento. Isto quer dizer que o sofrimento é um
estágio mais avançado, num certo sentido. O sofrimento não existe para você
recuperar o Éden que você já tinha antes de ter o sofrimento, porque isso seria
uma tremenda bobagem. Serve para receber algo que você não tinha antes e
que é só possível conceber na medida da sua sensação de privação, na
medida da percepção de privação. Tudo o mais na vida do Cristo, aliás, tudo na
vida do Cristo é, ou a apresentação desse projeto ou a apresentação das
provas desse projeto na pessoa Dele. Quer dizer, se fosse uma pessoa comum
e Ele falasse isso, as pessoas iam falar: “Ah, está bom, que bobagem é esta,
pare de sonhar”. Ele: “Quer ver como é verdade? Eu vou deixar eles me
privarem de tudo e eu recuperarei tudo de novo e eu permanecerei o mesmo
nas duas situações. O meu eu mais íntimo não mudará em nada!”. Por quê?
Porque o meu eu mais íntimo possui o fundamento da posse e da privação. O
eu mais íntimo Dele era o que? Ele mesmo falou: a própria divindade, que é o
fundamento ou a raiz ontológica da posse e da privação de qualquer valor real.
E é por isso que o Cristo se entrega àquele destino. Para mostrar: “olha só, eu
vou perder cada uma das coisas, cada um dos valores humanos naturais, eu
vou perder no decorrer desse processo e eu vou continuar o mesmo e eu vou
mostrar que no final eu nunca perdi nenhum deles porque não perdi a origem

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deles, eu não perdi a causa deles”. Se vocês observarem no Evangelho, vocês
vão perceber que o Cristo não fez um “a” de esforço para provar o que Ele
estava falando para um sujeito que não era cônscio de estar privado de alguma
coisa. Que quando Ele encontra algum sujeito que é cônscio dos valores que
ele possui, o Cristo o trata com ironia. “Olha, você não tem idéia do que está
perdendo, você está se vangloriando aí de um negocinho que são dois grãos
de areia”. Mas ele não faz um esforço para ser simpático para aquele sujeito e
para explicar para o sujeito do que Ele está falando. Quando os fariseus
falavam com Ele, Ele falava: “Vocês não são filhos de Abraão, são filhos do
demônio”. Isto não é um argumento para tentar convencer ou provar um
negócio para um fariseu. Vocês sabem o que significa fariseu? Hoje em dia
fariseu significa hipócrita, mas naquele tempo fariseu significava justamente o
contrário. Fariseu significava o sujeito que cumpria escrupulosamente todas as
determinações da lei. Quer dizer, era o sujeito, naquela comunidade, mais
cônscio de estar possuidor do principal valor da comunidade. Isto quer dizer,
era o sujeito mais impermeável ao negócio do que o Cristo estava falando. O
Cristo não faz esforço para pregar para ele, para explicar para ele. E o tempo
todo Ele vai dar exemplos de sujeitos privados de valores, mas possuidores de
algo muito melhor.
Professor: Já temos a primeira nota fundamental sobre o Cristianismo,
sem essa sensação de privação é impossível o sujeito entender o Cristianismo.
A segunda nota sobre o Cristianismo é que ele vem não apenas resgatar os
valores perdidos como oferecer um outro valor. O outro valor que o próprio
Cristo diz é supra-humano. Além de resgatar os valores humanos, ele vem te
dar um valor divino. Quer dizer, algo do qual você não está consciente. Qual a
diferença entre os valores humanos e os valores divinos? A diferença entre os
valores humanos e os divinos é simples. Os valores humanos, qualquer ser
humano “são” pode perceber a sua privação. Claro que “são” aqui, entendemos
num sentido bastante completo. Isto quer dizer, psiquicamente são,
espiritualmente são, corporeamente são. Por exemplo: quando você dá uma
mancada com alguém, quando você faz uma coisa que não é boa, você
percebe que aquilo não era a melhor coisa que você poderia fazer. Você está
cônscio da privação daquele valor. Quando você está doente e não pode
andar, você está cônscio de que, puxa vida, seria muito melhor poder andar.

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Todos os valores humanos reais podem ser percebidos diretamente por
qualquer indivíduo humano suficiente são. Quando você é ignorante de alguma
coisa, você percebe. Puxa vida, seria melhor se eu soubesse isso. Os valores
divinos, não. Mesmo que você esteja privado deles, você não sentirá
necessidade deles. Por quê? Porque aquele valor não está contido
potencialmente na sua estrutura ontológica humana. A questão é que: tanto o
Judaísmo quanto o Cristianismo propõem que o ser humano ele é mais do que
humano. Sempre se propôs que o ser humano é filho de Deus e que existe
uma dimensão nele que é supra-humana. E é isso que quer dizer quando no
Gênesis fala que Adão foi criado à imagem e semelhança de Deus5.

SER HUMANO COMO IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS

Professor: Imagem e semelhança significa o seguinte: Imagem significa


que todos os valores humanos positivos são símbolos da realidade divina. As
virtudes, o conhecimento, a riqueza, a saúde, a beleza, tudo isso são símbolos
da realidade divina e o conjunto total desses valores te dá uma idéia do que é
Deus. Quando fala que é semelhança, semelhança já tem o sentido de um
filho para com o pai. Existe uma comunidade de natureza. O filho não é
símbolo do pai, ele é da mesma natureza, um dia ele crescerá e se tornará pai.
Quando se fala isso, que o homem é imagem e semelhança de Deus, quando
fala imagem, ele é símbolo de Deus. Todos os valores positivos nele são
símbolos que servem para recordar Deus. Quando fala que ele é semelhança,
ele é o próprio Deus num certo sentido diminuído. O Cristo vem, o Cristianismo
vem e se apresenta justamente como um meio de realização dessa
semelhança. A aspiração para realizar esta semelhança é muito pequena no
ser humano, justamente porque existe uma tremenda descontinuidade entre o
atributo imagem e o atributo semelhança. Existe uma descontinuidade entre o
psiquismo, a corporalidade individual e a natureza espiritual mais pura própria
do ser humano. São duas coisas incomensuráveis. É difícil para um ser
humano conceber ou imaginar uma vida melhor do que a vida de um ser
humano sábio, virtuoso, rico, belo, poderoso e longevo, cercado de bons

5
Conforme Gênesis 1, 26.

13
amigos, de uma família maravilhosa. Você consegue conceber uma vida
melhor do que esta? É difícil! Essa vida é a imagem de Deus na sua plenitude,
mas só imagem. A vida da semelhança divina é ainda melhor do que essa. E
mais ainda. A vida da semelhança divina dispensa essa. Ela de tal modo
transcende essa que ela dispensa, porque ela inclui em si mesma todas essas
possibilidades. É por isso que desde o começo do Cristianismo existe uma
ênfase na busca do que? Na busca do Reino dos Céus. Uma ênfase que não
existia no Judaísmo. O Reino dos Céus, desde o começo no Cristianismo,
significa duas coisas simultaneamente. O Cristo vai, muitas vezes, fazer
parábolas mostrando que o Reino dos Céus tem um duplo significado. Por
exemplo, quando Ele fala: “O Reino dos Céus é semelhante a um pai de família
que tira do baú coisas novas e velhas”6. O que quer dizer isso aí? Quando Ele
fala: “tira coisas novas e velhas”, Ele está se referindo justamente a esses dois
planos da vida humana. Quando Ele fala: “tira coisas velhas”, Ele está falando:
“tudo o que compõe a imagem divina no homem, ele tira dali”. Isto quer dizer
que o reino dos céus é um estado de vida no qual você recebe em plenitude as
características da imagem divina. A riqueza, a beleza, as virtudes, boa
companhia, isso aí é o céu ou o paraíso que a gente descreve para nossos
filhos. São as coisas velhas que são tiradas do baú. E as coisas novas é
justamente a vida da semelhança divina. E quando Ele chama de “novas” são
coisas novas no sentido de inusitadas, você não sabe o que elas são. Você só
sabe quando você recebe. São coisas que você não concebia antes. Veja bem,
quando você vende o seu carro e compra um carro novo, ele é apenas
relativamente novo para você, porque você já sabe o que é um carro. Existem
muitos componentes na estrutura do novo carro, na estrutura ontológica do
novo carro que são idênticos aos componentes do carro anterior. Nada disso é
novidade para você. Tudo isso aí é velho. Quer dizer, nenhum objeto é
completamente novo para o ser humano, nenhum objeto desse mundo é
completamente novo. Quando você vê os objetos pela primeira vez, eles
compartilham com você alguma semelhança ontológica e você já tinha antes.
Então, quando o Cristo fala de coisas novas, Ele está falando justamente disso:
tem algo aqui que é completamente diferente de tudo que você é e conhece. É

6
Conforme Mateus 13, 52.

14
completamente novo. Essa dualidade, no sentido da expressão Reino dos
Céus, sendo que o Reino dos Céus é o objetivo do Cristianismo,
evidentemente, desde o começo. Quer dizer, o próprio Cristo fala: “buscai em
primeiro lugar o Reino dos Céus e a sua justiça e tudo o mais vos será dado
por acréscimo”7. Esse duplo sentido do Reino dos Céus já divide os cristãos
em duas categorias: aquele cuja mente está voltada para as coisas velhas que
são tiradas do baú e aquele cuja mente está voltada para as coisas novas. Isto
que dizer, se você fala que tem uma coisa que é desejável. Essa coisa tem
dois aspectos diferentes, você pode desejá-la por um ou por outro dos
aspectos. Está aqui uma mulher rica e bonita. Você pode desejá-la porque é
rica ou porque é bonita, tanto faz. É a mesma mulher que você está desejando.
Então o Reino dos Céus também, ele tem duas dimensões. Você pode desejá-
lo por uma da dimensão ou pela outra. Depende do que? Depende da sua
capacidade de concepção. Agora a sua capacidade de concepção depende da
sua consciência de privação. É por isso que os santos buscam privações,
situações de privação, porque eles descobriram aquela essência do
Cristianismo que é como na situação de privação, aproveitar a situação de
privação, para captar algo dessas coisas novas que transcendem a posse e
privação e que você só tem como desejar captar na situação de privação. Isso
já imediatamente cria a possibilidade de se estabilizar, de se estabelecer duas
categorias fundamentais cristãos: um se fixou nas coisas que ele das quais foi
privado; mas ai veio o Cristo e falou: “você vai recuperá-las no reino dos céus”.
Se você não tem saúde aqui não se preocupe, você será saudável lá e viverá
para sempre. Por quê? Porque no reino dos céus você tem a plenitude da
imagem e a saúde é parte da imagem. Mas é como que sua aspiração se fixou
num plano e não passa mais daquele plano. E segundo: o sujeito que não, ele
naquela situação de privação, ele captou – mas Cristo está falando de um outro
negocio. E o que é esse outro negocio? É esse que eu quero. Então logo na
primeira geração ou segunda geração, os Bispos vão dizer: a comunidade
Cristã tem três tipos de pessoas: os santos, os santificados e os hipócritas.
Porque hipócritas sempre os tereis em toda parte. Mas eles estabelecem,
legitimamente existem dois tipos de cristãos: os santos e os santificados. Os

7
Conforme Mateus 6, 33.

15
santificados eles diziam: é o sujeito que receberá a semelhança só no reino
dos céus, porque ele não tem aspiração para ela agora. Mas ele está em
comunhão com os santos. Tudo o que os santos recebem agora, os santos
recebem para todos eles. Todos os dons espirituais que os santos receberam
na história, durante a história do Cristianismo, eles receberam para todos os
cristãos. E nos céus eles estão prontos para partilhar com todos os cristãos.
Mesmo o cristão que não tinha a menor aspiração de santidade, mas somente
a aspiração de ir para o paraíso depois da morte. Isso é outra característica
exclusiva do Cristianismo. Isso é outra característica que diferencia o
Cristianismo das outras religiões. A idéia de comunhão. A idéia de que você
recebe um negócio para o qual você não trabalhou. Quer dizer, em toda
religião você receberá a paga pelas suas ações. No Cristianismo o pagamento
pelas suas ações será modulado pela comunhão que você tem com as ações
dos santos. Os santos, simplesmente, vendo que você não trabalhava para sua
vida espiritual, ele não se perguntou: Por que você não trabalhava? Ele diz:
“não, eu trabalho e posso sustentar ele também”. Por quê? Porque Deus faz
isso comigo.
Aluno: Por isso é mais fácil ir para o paraíso?
Professor: Por isso é que é mais fácil ir para o paraíso, evidentemente.
Tem lá alguns milhares de santos que não fizeram senão viver em vista da
semelhança com Deus e todos eles estão plenamente dispostos a partilhar isso
com qualquer cristão. Existe um mínimo para que você faça parte dos
santificados, para que você não seja um hipócrita. Sou cristão, tenho minha
carteirinha de cristão. Sou batizado no dia tal, vou toda semana na igreja tal, o
padre marca no meu cartão: “foi na igreja”. Se o sujeito só fizer isto ele é
hipócrita.
Aluno: Dúvida sobre os santos e o Reino dos Céus.
Professor: A semelhança com Deus é o Reino dos Céus. O Reino dos
Céus tem duas dimensões: a dimensão da imagem e a dimensão da
semelhança. A semelhança já é o Reino dos Céus. A diferença dos santos e os
outros é que os santos começam a receber o Reino dos Céus neste mundo!

A CARIDADE CRISTÃ

16
Aluno: E a noção de caridade?
Professor: A noção de caridade vem justamente disso. Só tem um porém
para você participar dos santificados. Cristo só falou uma coisa, Ele deu a
chave no final do sermão Dele logo antes de ser crucificado. Ele falou: “Amai-
vos uns aos outros como eu vos amei”8. Isto quer dizer, quando você age
diante do outro, não olhe os méritos do outro. Olhe o que você pode fazer por
ele. Foi isso que eu fiz. É isso que Ele está falando. Ele não fez contas se a
humanidade merecia aquilo ou não. Existem dois requisitos para o sujeito
permanecer na comunhão dos santos: 1) o batismo; 2) que este seja o critério
fundamental de comportamento dele para com os outros, mesmo que isto
muitas vezes fique só na intenção. Veja que isso não se aplica a papéis sociais
humanos. Por exemplo: quando você tem que corrigir seu filho, você não pensa
“não, tem aqui a caridade que cobre uma multidão de pecados, deixa ele matar
o irmãozinho, porque eu perdôo. Não importa o que ele faça eu o perdôo”. Veja
bem, um pai ou uma mãe está cumprindo um papel social. Aquele papel social
tem certas normas que existem para o bem da própria criança e do irmãozinho
também. Ou o policial: “não, tem ali um sujeito roubando um banco, eu não vou
dar um tiro nele porque tem a caridade que cobre uma multidão de pecados,
deixa ele, não importa”. Também aí, ele está cumprindo um papel social. A
caridade se refere às suas ações pessoais, às suas ações como indivíduo
humano. Vem um sujeito e bate sua carteira, o policial o pega. Você pode virar
para o policial e falar: “não, deixa, eu dei a carteira para ele”. Você pode fazer
isso.
Aluno: Mas você não deve.
Professor: Por que você não deve?
Aluno: E o efeito nele?
Professor: A verdade é o seguinte: você não sabe qual será o efeito
disso sobre ele. Você não tem idéia. Às vezes se for uma pessoa que você
conhece, ou cuja personalidade ou caráter você percebe, aí você terá alguma
idéia de qual será o efeito nele. Esse aqui pode ser aquele menino lá do bairro
que está sempre roubando as coisinhas para comprar maconha. Daí você já
sabe: perdoando não vai adiantar nada, ele vai continuar fazendo a mesma

8
Conforme João 15,12.

17
coisa. Mas o fato é que você geralmente não sabe o que vai acontecer se você
perdoar. E se você quer saber, não importa! Quando o cristão faz isso, ele não
faz isso para ter um efeito no outro, ele faz isso porque Deus fez isso por ele.
Ele faz isso, porque isso é a semente mínima de semelhança com Deus. Ele
faz isso baseado no que? Isso aí, é como que uma afirmação existencial total
da fé dele de que o seguinte: eu sou filho de Deus. Se eu fizer isso com esse
cara, ele vai me roubar, ele vai me matar, ele só vai me prejudicar. Isso não vai
mudar em nada, eu continuarei sendo o mesmo sujeito. Percebe que isto é
uma afirmação dessa fé. De que existe uma outra dimensão que transcende
essa, da solução das coisas aqui. Trata-se apenas da afirmação dessa
dimensão. Então, quando o cristão faz isto, ele não está pensando nele, no
mundo, no outro cara, na sociedade, na educação, ele não está pensando em
nada disso. Ele está pensando o seguinte: eu sou filho de Deus e estou
apostando este valor na idéia de que eu sou filho de Deus.
Aluno: E diante de um crime brutal?
Professor: Isto varia de circunstância para circunstância. As
circunstâncias humanas são inúmeras, é impossível descrevê-las. Piora cada
vez mais, piora de geração em geração e esse projeto não se reverterá. Então
é muito difícil. Você tem que pensar na vítima. Diante de um crime hediondo
você tem que pensar na vítima, tem que pensar nos parentes da vítima, tem
que pensar nas outras vítimas potenciais. Mas esse não é o ponto
fundamental, essa não é a situação fundamental. A situação fundamental é a
seguinte: quando você é a vítima? Porque eu sou responsável pelos outros e
se um outro foi a vítima eu sou responsável pela outro que é vítima, eu tenho
que cuidar dele também. Mas quando sou eu a vítima? Eu não lembro qual é a
santa que morreu, o estrupador dela a matou. E ela, antes dele matar, falou: “já
te perdôo”.
Aluno: Acho que foi Maria Goreti.
Professor: Maria Goreti. No final, este ato de perdão ficou tão forte na
cabeça do cara, que ele não conseguiu não se arrepender. Nessa hora ela o
que? Ela fez por ele o que Cristo fez por ela! Quer dizer, ela apostou um valor
numa outra dimensão. Ela não cancelou, objetivamente, o valor. Ela não falou:
“não, olha, você devia estar fazendo isso mesmo, tanto faz o certo ou o
errado”. Ela não falou isso. Ela falou: “existe uma coisa melhor do que o certo e

18
o errado, existe uma coisa que transcende este problema”. Existe, para o
sujeito que vive em plenitude essa vida de semelhança, é como diz São Paulo:
“Tudo é puro”. Para aquele sujeito, aquele sujeito transcendeu essa dicotomia,
porque a semelhança divina transcende isso. Por quê? Porque Deus é o
criador da possa e da privação, é o criador da riqueza e da pobreza, Ele é o
criador da sabedoria e da ignorância, da virtude e do vício. O sujeito que está
com Deus está além disso aí, ele não tem mais esse problema. Você percebe
que a situação humana, quer dizer, a situação da imagem é sempre
problemática. Por quê? Porque ela é sempre dicotômica. Todo ser humano
pode se perguntar: Devo ter mais dinheiro ou menos dinheiro? Não sei. Se ele
se perguntar olhando-se como ser humano completo ele vai dizer: não sei, às
vezes é melhor ter mais e às vezes é melhor ter menos. Qualquer uma das
coisas faz ele perder uma coisa. Devo ser mais virtuoso ou menos virtuoso?
Mais pecador ou mais santo? Tudo é problemático. Para o sujeito que vive na
semelhança divina, tudo deixou de ser problemático. A caridade não busca
nenhum efeito social, externo de qualquer espécie. Ela é apenas a afirmação
pessoal de uma dimensão que transcende os valores humanos. Ela não está
determinada por qualquer regra social ou norma social ou política ou humana.
Às vezes ele pode ser criminosa, às vezes ela pode ser louvada pela
sociedade. O sujeito pode viver numa sociedade que é um crime ser caridoso e
ele é caridoso e não quer nem saber. Os primeiros cristãos, todos viveram
numa sociedade em que era crime ser cristão, eles eram todos criminosos.
Eles não estavam nem aí. Já na Idade Média, na Europa Medieval, os santos
viviam em um ambiente em que a coisa mais excelente era o sujeito viver como
monge, a coisa mais louvável socialmente e eles faziam do mesmo jeito. Fazer
a caridade é dar para ela aquilo que a gente não quer dar. A pessoa não é
referência, a gente que é referência. O ponto fundamental é que a caridade vai
em contrário do seu instinto natural, por mais refinado que ele seja. A caridade
consiste num impor-se voluntariamente, ao mesmo tipo de privação que
conduz o sujeito à percepção da mensagem cristã. A minha carteira estava
aqui com o meu dinheiro, veio o ladrão e roubou, o dinheiro era meu e esse era
um valor positivo. Mas eu dou para o ladrão e quando eu dou para o ladrão eu

19
impus para mim a situação de privação que me conduz à percepção. O Cristo
falou o que? “Ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro”9. Por que ele não
falou “ao Diabo”? O dinheiro é um obstáculo maior do que o Diabo. O Diabo
não está conseguindo vocês de entender esse negócio, mas o dinheiro está.
Você dá o que você quiser. Cristo não falou para dar tudo. Seu objetivo não é
causar um benefício para o outro, é afirmar uma verdade na qual você crê.
Cristo falou: “Dá ao que te pede”10. Ele não falou que era para dar outra coisa.
Aí ele especificou: “O sujeito que te pedir a capa, você dá a capa e o manto”11.
Aí o sujeito pode dar tudo o que ele tem. Se foi com uma outra intenção,
diferente da intenção de afirmar aquela verdade para sua própria consciência,
não foi caridade. Ele pode dar dois reais, se for com essa intenção clara e
consciente, foi um ato de caridade. O Cristianismo é justamente a afirmação
disto: Tudo isso aí que é bom, mau, tudo isso aí é bobagem. A única coisa boa
mesmo é a semelhança divina, é a vida divina. O resto tudo é mais ou menos.
Cristo está falando, tudo o que você faz pode às vezes ajudar o próximo e às
vezes atrapalhar. Ele falou: “os valores humanos são ambíguos”. Eles são
formalmente fixos, mas materialmente ambíguos, porque são humanos, porque
são criados. Por que o Cristo não falou para os seus discípulos: “Dêem tudo o
que vocês tem porque senão não dá. Todo mundo aqui tem que ser pobre e
miserável, senão não vai conseguir entender esse negócio”. Por que Ele não
falou isso? Porque Ele sabe: o ato exterior de dar dinheiro também é ambíguo!
Todo ato externo humano é ambíguo, porque todo valor humano é ambíguo.
Só a caridade não é ambígua. Se você olhar dentro de você e falar: eu estou
fazendo isso por quê? Porque com isso aqui eu estou me sentindo seguro, feliz
e contente. Isso aqui é muito legal, me faz bem. Só isso aqui já está bom.
Agora tem outro sujeito que não tem e eu dou para ele. Por quê? Porque eu
estou afirmando com isso: olha, isso aqui me faz sentir bem, mas sem isto aqui
eu continuo tendo a raiz ontológica disso aqui e do seu contrário e ela é
melhor. Estou dando um testemunho para mim mesmo, na minha consciência.
E isso é ser cristão. Por que o Cristo insiste no dinheiro e nos bens externos? É
simples. Porque quando você dá os bens internos você não os perde. Se você

9
Conforme Lucas 16, 13.
10
Conforme Mateus 5,42.
11
Conforme Mateus 5,40.

20
ensina para alguém alguma coisa que você sabe, você não deixa de saber,
você fica sabendo mais. Partilhar os bens internos não causa nenhuma
privação, não faz falta nenhuma. Essa sensação de privação só pode
acontecer com bens externos. Claro que bens externos não é exclusivamente
dinheiro. Pode ser cuidando dos doentes, é o corpo dele, o tempo dele. Isso aí
são bens externos. Ele perdeu aquele tempo. A essência da caridade consiste
em algo que você perde para testemunhar algo que transcende a perda, para
afirmar algo que transcende a perda. Isso não é possível com os bens internos.
Tanto que o Cristo não chamava de caridade, os primeiros cristãos não
chamavam de caridade a transmissão de bens espirituais ou internos. Eles
chamavam isso de misericórdia. Libertar o outro de uma privação espiritual é
uma excelente obra de misericórdia. A misericórdia é um instrumento de
caridade, mas não é caridade. A caridade implica em sacrifício, em perder12. O
Cristo falou: “se a coisa for cem por cento caridade, você receberá cem vezes
mais”. Outra característica do Cristianismo é: dada a descontinuidade entre
esses dois planos – o plano da imagem e o plano da semelhança – você não
tem como ver ou testemunhar a operação da vida divina no mundo. Ela é
sempre aparentemente descontinua em relação.ao mundo. Não tem um meio
de demonstrar: se você fizer um ato de caridade você receberá cem vezes
mais pelas tais, tais e tais leis naturais. Não tem essas leis naturais, mas a
coisa vai acontecer. É mais certo do que as leis naturais, mas não tem como
demonstrar. A caridade cristã não visa resolver os problemas do mundo. O
Cristo falou: “não se preocupe com os problemas do mundo que um dia eu vou
retornar e resolver este problema”. Deixa comigo, essa é a minha parte. O que
importa? Importa que aquele seja um valor humano positivo, aquilo é realmente
um valor. Por exemplo: dinheiro é realmente um valor, saúde é realmente um
valor, conhecimento é realmente um valor. Então primeiro: seja um valor real.
Segundo: você tem que perder alguma coisa dando aquilo para outro. Terceiro:
você faz isso porque o Cristo fez para você. Isso é caridade, não tem mais
nada, nenhum outro componente para definir como caridade. É evidente que
não pode ser um pseudo-valor. Não posso assassinar alguém. Você pediu para
assassinar sua esposa e eu por caridade a matei. Isso não tem como, porque

12
Conforme Ef 5,2. “Progredi na caridade, segundo o exemplo de Cristo que nos amou e por
nós se entregou a Deus como oferenda e sacrifício de agradável odor.”

21
isso não é um valor humano real. É claro que eu perdi alguma coisa, mas o
valor inicial não era real. A caridade não vai melhorar o mundo. O que o Cristo
está falando, a vida humana tem dois planos13:

Semelhança: valores reais

Consciência

Imagem: valores simbólicos

Professor: O plano da imagem e de todos os valores humanos e o plano


da semelhança. A semelhança e a imagem só têm um único ponto de contato:
a sua consciência, nada mais. Não tem outros pontos de contato. Se tivesse
outros pontos de contato, supõe, por exemplo, que as relações humanas, as
interações humanas fossem um ponto de contato entre a transcendência e a
imanência. Aí o que acontece: você deu um dinheiro para o bem do outro e
imediatamente cria um efeito de tornar o outro melhor, porque aí esse ato é o
ponto de contato entre os valores simbólicos e os valores reais, mas não é. Só
sua consciência é. Quando você faz uma coisa boa por caridade só tem um
efeito que você pode garantir: a sua vida vai ficar melhor, porque você se
tornou mais semelhante a Deus. Essa é a única coisa que você pode garantir,
você não pode garantir mais nada. Agora, veja bem, as duas coisas são
componentes da vida humana. Então todo mundo, mesmo o melhor ser
humano, ele vai equilibrar as duas dimensões. O próprio Cristo equilibrou as
duas dimensões quando chegaram e estavam cobrando um imposto do
Império, lembram? Aí Ele falou: “vai lá pega o peixe, pega a moeda, paga para

13
Conforme imagem desenhada pelo professor Luiz Gonzaga de Carvalho neto em sala de
aula.

22
mim e para você”14. Isso ai foi um ato de caridade? Não, é claro que não. Mas
Ele incluiu um ato de caridade nisso. Ele falou: “paga para mim e para você”. A
moeda era minha, eu sabia qual era o peixe que tinha a moeda. Mas vá lá e
paga para mim e para você. O Cristo pagar o imposto iria tornar o Império
Romano melhor em alguma coisa? Não melhorava em nada e o império
Romano iria matá-lo do mesmo jeito. Essas duas dimensões, quase sempre na
situação externa, são contrarias. Quase sempre, esse é o drama da vida
humana. Por um lado você pensa: esse cara aqui roubou a minha carteira.
Tenho que puni-lo porque senão vai estimular o crime, etc. Às vezes até é
ilegal não puni-lo. E por outro lado, não, eu quero essa outra dimensão. Na
maior parte das vezes elas estão em conflito e você só vai juntá-las na sua
consciência. É só ali não tem como jogar em outra parte. O sonho, o absurdo
do comunismo é imaginar que é possível um mundo, uma imagem que seja
essa semelhança com Deus. Por isso que é o oposto. Não precisa a
semelhança porque a imagem pode ser tão perfeita quanto a semelhança. Não
precisa o simbolizado porque o símbolo pode ser tão perfeito quanto o
simbolizado. É isso que eles propõem. Não adianta melhorar isso ai. Ele está
falando: Qual a única coisa que vai manter isso ai até que eu retorne? A vida
da semelhança porque ela é a raiz disso ai. Existe muito pouco o que a gente
pode fazer para efetivamente ajudar um ser humano, um outro ser humano
pelo nosso esforço. Quer dizer, a ajuda real que a gente dá para os outros
seres humanos depende do nosso esforço e de uma série de circunstâncias e
da personalidade daquele outro sujeito. Quer dizer, depende de tantos
acidentes para que uma coisa que você faz para o próximo seja de fato uma
ajuda para ele, que você não pode dizer que você é o autor daquela ajuda.
Você foi um fator coadjuvante, você foi um componente da ajuda. Mas a
caridade é um negócio que depende exclusivamente de você, ser caridade ou
não depende só de você. Ora você tem que usar uma clave de pensamento, a
clave da imagem, do conjunto dos valores humanos, ora o cristão tem que usar
outra clave. Ele tem que saber: na medida em que eu uso a clave da imagem
eu sou um dos santificados. Na medida em que eu uso a clave da semelhança
eu sou um dos santos. De fato, a caridade não visa melhorar o mundo. O

14
Conforme Mateus 17,26.

23
mundo é cíclico, o mundo é redondo. Ele vai melhorando, depois ele dá um
piorada, uma melhorada, uma piorada, é assim. A gente tem alguma
responsabilidade de oferecer para o próximo as oportunidades de melhorar que
a gente tem na nossa mão. Tenho que oferecer para o próximo isso, as
oportunidades de se tornar uma pessoa melhor. Assim como eu tenho que
oferecer para o próximo a possibilidade que existe, por exemplo, de pequenas
melhoras na sociedade, tudo isso aí. O ponto só do Cristianismo, O Cristo
falou: “você pode fazer tudo isso aí, mas tudo isso aí no final não é tão
importante”. Por quê? Porque o melhor dos mundos as pessoas ainda ficarão
doentes, morrerão, sofrerão, haverá maldade. Porque haverá maldade?
Simples, porque os valores humanos estão contrastados com os valores não
humanos, com os valores inumanos. Os valores inumanos ou eles são supra-
humanos ou infra-humanos, mas todos eles são valores. Todos os valores
bestiais são valores para as bestas, são valores reais. Se você realiza os
valores humanos, você não realizou os bestiais e você vai sentir falta deles.
Então o melhor dos mundos é um mundo cheio de misérias. É um mundo em
que as pessoas sofrerão por não serem um pouco mais. O que o Cristo está
falando é isto. Ele está falando: “olha, só tem um jeito de sair desse problema.
Você tem que buscar uma vida que é a raiz dos valores humanos e não
humanos e nessa raiz você realiza tudo sem se tornar infra-humano”. Quer
dizer, nessa raiz você tem a felicidade que é própria das bestas animais e
seres inferiores, sem se tornar um deles. Por quê? Porque realizar os valores
humanos consiste em privar-se daqueles mesmos valores e numa medida ou
em outra, aqueles outros valores vão faze falta para nós.

CONCLUSÃO

Professor: Acho que pegamos alguns dos pontos fundamentais do


Cristianismo:

1º) Como o Cristianismo se apresenta para o ser humano, para que ser
humano o Cristianismo se apresenta. Para aquele que está cônscio da
privação real de um valor real.

24
2º) O Cristianismo não visa, primariamente, a recuperação deste valor
real. Então, por exemplo: para a totalidade dos seres humanos, o Islamismo
propõe uma via de resgate dos valores humanos reais. A sociedade é ruim por
quê? Porque não tem shariá (????). A educação é ruim por quê? Porque não
tem isso aqui. Então eles propõem um método de recuperação desses valores
na imagem. Você tem lutar para recuperar esses valores e resgatá-los. Disso aí
que tem a origem a noção de Girad no Isla. Quer dizer, existem certos valores
humanos que você tem que preservar na paulada e que tem que recuperar na
paulada, literalmente. O Cristianismo não vem propondo primariamente essa
recuperação. Porque essa recuperação é só assim. Ele fala: “não, busque um
outro negócio e não se preocupe que isso aí vai voltar também”. Busque um
outro valor que é supra-humano e os valores humanos serão recuperados
também no decorrer do tempo sem que você tenha que fazer nenhuma
violência.
Aluno: E quando Cristo veio para separar com uma espada, o que quer
dizer isto? (???????????????????????)
Professor: O que quer dizer isso? Ele veio justamente para separar em
você. Veja bem, o núcleo de semelhança divina que há no indivíduo humano
está lá em você, não está? Mas o que acontece? Ele está junto de tudo o que é
você, todos os componentes do seu ser estão mesclados a ele. Só tem um jeito
de descobrir esse elemento de semelhança em você: você vai ter que separar
de tudo o mais que tem em você. Toda a paz e perdão que o Cristo propõe que
você ponha no exterior, Ele propõe que você retire do interior. Ele fala: a sua
vida interna será uma guerra para limpar este componente até você o
descobrir. Eu acho que temos que fazer uma segunda aula de Cristianismo,
porque esta aqui não é suficiente para descrever. A gente descreveu a entrada
no Cristianismo e porque que entra. E como é a vida cristã? Uma vez que você
aceitou esta proposta, o que é viver como cristão? O que é ser cristão? Quais
são os efeitos disso sobre você?

25

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