Você está na página 1de 25

TRANSCRIÇÃO1 DA AULA DE 13 DE AGOSTO DE 2006 –

PROFESSOR LUIZ GONZAGA DE CARVALHO NETO

OS SETE DIAS DA CRIAÇÃO

INTRODUÇÃO

Professor: Vocês sugeriram que fizéssemos uma breve introdução ao livro do


Gênesis. Talvez seja melhor fazer esta introdução agora e depois a retomar o tema
que estávamos tratando antes2. Seria interessante porque o tema que ficou prometido
para esta aula seria justamente a evolução mais detalhada dessas duas dimensões da
vida humana. Na realidade, a realização dessas duas dimensões, a vertical e a
horizontal, é o tema da Bíblia inteira. A Bíblia inteira somente trata disso. Mesmo
quando não parece, é disso que ela está tratando3.

O RELATO DA CRIAÇÃO DO MUNDO4 (GÊNESIS 1, 1-31)

“1.No princípio, Deus criou os céus e a terra. 2.A terra estava informe e vazia; as
trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. 3.Deus disse:
"Faça-se a luz!" E a luz foi feita. 4.Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas.
5.Deus chamou à luz DIA, e às trevas NOITE. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o
primeiro dia. 6.Deus disse: "Faça-se um firmamento entre as águas, e separe ele umas das
outras". 7.Deus fez o firmamento e separou as águas que estavam debaixo do firmamento
daquelas que estavam por cima. 8.E assim se fez. Deus chamou ao firmamento CÉUS.
Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o segundo dia. 9.Deus disse: "Que as águas que
1
Transcrição, títulos, notas e trechos entre colchetes feitos por Carlos Eduardo de Carvalho Vargas em maio
de 2006. Versão não revista pelo autor da aula [N.T.].
2
O último tema era a regeneração espiritual humana a partir das tragédias de Shakespeare (especialmente Rei
Lear e Hamlet) e do Evangelho (especialmente o episódio do jovem rico).
3
Até mesmo naquelas longas genealogias bíblicas (cf. Mt 1).
4
Este texto não foi lido com a turma no momento da aula, mas é conveniente acrescentá-lo a esta transcrição,
para facilitar a consulta dos leitores. Os números antes de cada frase indicam os versículos, deste que é o
primeiro capítulo do Gênesis (e da própria Bíblia). Esta citação é da edição “Ave Maria”. O professor, às
vezes, cita de cabeça outras traduções, mas isto não traz contradições para as suas conclusões.
estão debaixo dos céus se ajuntem num mesmo lugar, e apareça o elemento árido." E assim
se fez. 10.Deus chamou ao elemento árido TERRA, e ao ajuntamento das águas MAR. E
Deus viu que isso era bom. 11.Deus disse: "Produza a terra plantas, ervas que contenham
semente e árvores frutíferas que dêem fruto segundo a sua espécie e o fruto contenha a sua
semente." E assim foi feito. 12.A terra produziu plantas, ervas que contêm semente segundo
a sua espécie, e árvores que produzem fruto segundo a sua espécie, contendo o fruto a sua
semente. E Deus viu que isso era bom. 13.Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o
terceiro dia. 14.Deus disse: "Façam-se luzeiros no firmamento dos céus para separar o dia
da noite; sirvam eles de sinais e marquem o tempo, os dias e os anos, 15.e resplandeçam
no firmamento dos céus para iluminar a terra". E assim se fez. 16.Deus fez os dois grandes
luzeiros: o maior para presidir ao dia, e o menor para presidir à noite; e fez também as
estrelas. 17.Deus colocou-os no firmamento dos céus para que iluminassem a terra,
18.presidissem ao dia e à noite, e separassem a luz das trevas. E Deus viu que isso era
bom. 19.Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o quarto dia. 20.Deus disse: "Pululem as
águas de uma multidão de seres vivos, e voem aves sobre a terra, debaixo do firmamento
dos céus." 21.Deus criou os monstros marinhos e toda a multidão de seres vivos que
enchem as águas, segundo a sua espécie, e todas as aves segundo a sua espécie. E Deus
viu que isso era bom. 22.E Deus os abençoou: "Frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, e
enchei as águas do mar, e que as aves se multipliquem sobre a terra." 23.Sobreveio a tarde
e depois a manhã: foi o quinto dia. 24.Deus disse: "Produza a terra seres vivos segundo a
sua espécie: animais domésticos, répteis e animais selvagens, segundo a sua espécie." E
assim se fez. 25.Deus fez os animais selvagens segundo a sua espécie, os animais
domésticos igualmente, e da mesma forma todos os animais, que se arrastam sobre a terra.
E Deus viu que isso era bom. 26.Então Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem e
semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais
domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastem sobre a terra."
27.Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a
mulher. 28.Deus os abençoou: "Frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e
submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os
animais que se arrastam sobre a terra." 29.Deus disse: "Eis que eu vos dou toda a erva
que dá semente sobre a terra, e todas as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua
semente, para que vos sirvam de alimento. 30.E a todos os animais da terra, a todas as
aves dos céus, a tudo o que se arrasta sobre a terra, e em que haja sopro de vida, eu dou
toda erva verde por alimento." E assim se fez. 31.Deus contemplou toda a sua obra, e viu
que tudo era muito bom. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o sexto dia” (Gn 1, 1-31).

O SENTIDO LITERAL DO GÊNESIS

Professor: Então, a primeira coisa que a gente tem que esquecer a respeito do
Gênesis é a questão se ele deve ou não ser interpretado literalmente ou não. O
Gênesis começa com um relato da origem do mundo. A primeira coisa que se sente
ao ler o Gênesis é uma estranheza: “como é possível que o mundo tenha sido feito
em seis dias?” “Como existia dia antes do sol ter sido criado?” É preciso entender
que o Gênesis, mesmo quando é entendido literalmente 5, ele não é um relato dos
fatos. Ele não tem uma função histórica ou de um relato histórico. Por que ele não
tem essa função? Primeiramente porque o autor ou, pelo menos, o instrumento de
Deus, que foi Moisés, ele não testemunhou aqueles fatos. Moisés não estava lá na
criação do mundo e não testemunhou o momento em que Deus fez [o mundo].
Segundo, para que um texto possa ser analisado como um relato de fatos históricos,
ele precisa incluir componente de discurso que vem de fora do texto e que
confirmam o que é relatado no texto.Você imagina que vamos escrever uma
“história da segunda guerra mundial”. Junto com esse texto você tem que inserir
um conjunto de elementos preexistentes ao texto, que se referem à segunda guerra
mundial: outros textos sobre a segunda guerra mundial, documentos que sobraram
da época, relatos de testemunhas, fotografias de objetos ou de lugares, etc. Para que
o texto de “história da segunda guerra mundial” não seja apenas o relato de uma
história qualquer que poderia ou não ter acontecido, ele precisa ser acompanhado de
outros fatores6. O Gênesis em nenhum momento oferece esses outros fatores. Em
5
De acordo com a teoria tradicional, que aparece em Dante e Hugo de São Vítor, mas que remonta aos Padres
da Igreja, o texto bíblico possui quatro sentidos: literal, moral, alegórico e anagógico.
6
Estes outros fatores agregam verossimilhança ao discurso fazendo com que ele passe do critério imaginável
do discurso poético para o retórico. Conferir a esse respeito, a teoria dos quatro discursos do professor Olavo
nenhum momento o Gênesis argumenta em seu próprio favor. Em nenhum momento
o Gênesis justifica que o mundo foi criado em 6 dias ou que em determinado dia
aconteceu tal coisa porque temos o relato de fulano ou porque temos aqui uma prova
científica A, B ou C porque fizemos algum exame em laboratório. Ele não apresenta
nada disso. Isso quer dizer que o texto não tem como ter uma função histórica. O
texto mesmo não pode ter uma função histórica. Porque para ser histórico, o texto
precisaria destas referências7. Sem isso seria impossível distinguir um relato
histórico de uma ficção. [Por exemplo,] pegue um relato histórico e tire todas as
referências que não tem sua origem no próprio texto e você não poderá saber se
aquilo é um relato histórico ou ficção. O Gênesis como relato da criação do mundo
pode ser tomado literalmente. Você pode dizer que foi exatamente isso. Mas o
próprio relato do Gênesis dá alguns indícios de que isso não é razoável. Então, por
exemplo, quando se lê que “houve uma tarde e uma manhã e foi o primeiro dia”,
(Gn 1, 5), esta palavra [dia] não significa uma relação entre o Sol e a Terra porque
no primeiro dia não havia nem o Sol nem a Terra. Então ele já está nesta
interpretação literal indicando que a palavra dia, aqui, não significa um dia comum,
como a gente entende usualmente.
Aluno: Ele quer dizer que há uma sucessão, a qual é chamada de dia.
Professor: Evidentemente há uma sucessão, que possui alguma analogia com
um dia, mas o próprio texto já descarta a interpretação da palavra dia no sentido
literal. Mesmo para quem tivesse uma visão geocêntrica do universo, isto é, para
quem o Sol gira ao redor da Terra, já está impossível esta interpretação literal porque
ele lerá que o Sol apenas foi criado no quarto dia.
Então qual é a única maneira de se ler o Gênesis?
(a) Primeiro, o Gênesis já indica pela própria letra que é um texto simbólico.
(b) Segundo, você não tem meios de o compara-lo com os fatos que ocorreram
na origem do universo. Os elementos que do começo do universo que ainda restam
de Carvalho, pai do professor Luiz Gonzaga.
7
O professor não está renunciando ao sentido literal do texto, mas está mostrando que a própria elaboração do
discurso bíblico indica que a sua finalidade (primordial) não pode ser histórica, a não ser que o sentido de
história seja alterado completamente.
no universo elementos, dos quais temos um conhecimento, são poucos. Então, para
entender o sentido literal do Gênesis, é preciso fazer como os escolásticos faziam, é
preciso ver qual é a estrutura permanente do Gênesis, quais são os componentes que
existem no mundo e que dão ao mundo a estrutura perene e ver como estes
elementos estão descritos no Gênesis.
Aluno: Isso é o sentido simbólico?
Professor: Este é o sentido literal. Aqueles dois primeiros capítulos sobre os
dias da criação devem ser entendidos como modelos de estruturas permanentes da
realidade. Por quê? Porque a partir do momento em que esta estrutura existir, isso
forma um mundo. Não sabemos qual é o processo químico, nem sabemos quanto
tempo isso dura porque ele. O Gênesis não fala nisso. Até tentar compará-lo com
alguns dados da natureza é descabido. Por exemplo, as ciências naturais abarcam
uma área ou um campo da realidade 8 A biologia estuda uma área, a matemática
estuda outra, mas tudo isso aí faz parte do mundo.

A CONTINGÊNCIA DO MUNDO

Então, [o primeiro passo para entender o mundo é perceber que] o mundo é


feito de coisas contingentes, isto é, que podem ou não existir. Qualquer coisa no
mundo podia não ter acontecido. Uma primeira conclusão sobre o mundo é que ele,
como um todo, é contingente. Assim, ele depende de algo que não é ele mesmo.
Segundo passo é: “no princípio Deus criou o céu e a terra”, isto é, o mundo
depende de uma outra coisa.
[Aluno pergunta sobre o sentido de contingência.]
Professor: qualquer coisa do mundo pode não ter acontecido. Qualquer um de
nós poderia não ter nascido e qualquer um de nós deixará de existir em algum
momento. Em algum momento você ainda não existia e depois você não vai existir

8
O que parece se remeter às ontologias regionais de Husserl, tantas vezes citadas pelo professor Olavo de
Carvalho nos seminários de filosofia em Curitiba.
mais. Isso vale para o mundo inteiro. O fato é que cada um dos elementos do mundo
é contingente, isto é, não tem em si mesmo sua causa.
[Aluno faz uma pergunta sobre a criação.]
Professor: cada um destes elementos possuía a possibilidade de ser, mas essa
possibilidade nele é um ato que precisa de uma outra coisa em ato que passa essa
possibilidade para o ato. Em algum momento é preciso que houvesse uma causa que
não estivesse em potência9. Se os componentes de uma série são dependentes dos
componentes anteriores, ela é dependente. Imagine um sujeito que está pendurado
em um sujeito, o qual está pendurado em outro, que, por sua vez,está pendurado em
outro e assim por diante.Para que o primeiro não caia é preciso que a série inteira
esteja pendurada em algo.
Aluno: Como acontece em desenhos animados.
Professor: Se em uma série qualquer todos elementos são dependentes, a série
inteira é dependente de uma outra coisa que não pertence à série ou de alguma coisa
que não é dependente.
[Alunos fazem algumas perguntas sobre esta dependência dos elementos do
mundo. O professor responde e conclui:]
Professor: O mundo é todo contingente. Então, a primeira coisa que se sabe do
mundo é que ele depende de alguma coisa que não é mundo10.

A INTELIGÊNCIA ABSTRATA E O MUNDO

O PRIMEIRO DIA DA CRIAÇÃO

Qual é a segunda coisa que sabemos do mundo? É que existe uma inteligência
abstrata que se pergunta: ‘o que é o mundo?” e que essa não é mundo. Então, a
inteligência abstrata é o segundo componente do mundo. Então é por isso que no
9
O professor está retomando com os alunos um raciocínio que São Tomás de Aquino fez a partir das noções
de ato e potência de Aristóteles. Isto é explicado mais detalhadamente por Mário Ferreira dos Santos, por
exemplo, no livro (esgotado há décadas) “O homem perante o infinito”.
10
E, por isso mesmo, essa primeira coisa ficará afirmada no primeiro dia da criação do mundo.
primeiro dia Deus disse “faça-se a luz e a luz se fez” (Gn 1,3). A luz aqui simboliza
a inteligência abstrata.
[Aluno pergunta sobre a criação do mundo.]
Professor: [Esta contingência] é a primeira coisa que você sabe a respeito do
mundo. Antes disso, qualquer coisa que você saiba um pouco já manifesta mais ou
menos da sua contingência. Você descobre que você mesmo é uma inteligência
abstrata que percebe o mundo.
Esta é a interpretação literal do Gênesis de São Tomás de Aquino. A
inteligência abstrata não está separada de um psiquismo, mas existe em um
psiquismo. Ela existe em uma mente que possui tensões não-intelectuais. Ora ela se
volta para uma atividade da inteligência, ora ela se volta para uma atividade do
corpo.

O SEGUNDO DIA DA CRIAÇÃO

A terceira coisa que você percebe é que na sua mente existem duas funções. E
isto está simbolizado no segundo dia “Deus criou o firmamento no meio das águas,
que separa as águas superiores das águas inferiores” (Gn 1,7). A água simboliza
aqui justamente o psiquismo ou a psique11 ou natureza anímica, o qual possui
tensões descendentes e tensões ascendentes. Por exemplo: você tem inclinações que
lhe movem à satisfação das necessidades corporais e, por outro lado, você tem
inclinações que lhe movem para as necessidades espirituais.
Quando o Gênesis refere-se ao firmamento no meio das águas, ele está se
referindo à natureza do psiquismo. As águas simbolizam o psiquismo e o
firmamento representa a consciência que ora tende às águas superiores e ora tende às
águas inferiores. Ele está sempre no meio do caminho.
A quarta coisa é que você percebe que as necessidades das satisfações
intelectuais se dirigem à satisfação de objetivos que você não percebe de antemão.

11
Conferir aula do professor Olavo de Carvalho sobre a definição da psique.
Quando você quer investigar o que é Deus, você não sabe o que é o objeto, pois este
é impalpável. Quando você sente uma necessidade espiritual você não sabe até onde
ela quer ir ou até onde ela vai levar-lhe. Mas quando você vai satisfazer as
necessidades corporais é assim? Quando você come você não sabe se aquilo vai lhe
levar? Você sabe exatamente aonde ela vai levar-lhe? Ela indica o objeto para o qual
tende. Essa tensão psíquica se dirige a um objeto definido. Então, além de existir o
mundo da inteligência abstrata12, além do mundo do psiquismo13, existe o mundo
corpóreo.
É interessante que a única prova da existência do mundo físico não seja física
nem corpórea, mas são as suas inclinações em relação a ele. Quando não se sabe se o
mundo físico é real ou não14, a única prova que existe é a nossa tensão em relação a
ele. Vamos ver o que ele come. Esta é a única prova de que você sabe que o mundo
físico existe e sabe o que ele é. Então, no terceiro dia, Deus disse: “unam-se as
águas debaixo do firmamento em uma só massa e façam surgir o elemento seco”
(Gn 1,9). Este elemento seco representa justamente esta pré-definição do mundo
corpóreo. Corresponde assim ao próprio mundo corpóreo ou a corporalidade como
um todo.
[Aluno pergunta sobre a prova da existência do mundo corpóreo.]
Professor: A prova15 que você tem do mundo corpóreo é a necessidade que
você possui dele. Na hora em que você come isso e não aquilo. Não se opta por um
12
Esta dimensão da inteligência abstrata estava simbolizado pela luz.
13
Simbolizado pela água.
14
Este problema da realidade das coisas é o que na filosofia se chama de problema ontológico e remonta aos a
Parmênides e aos demais pré-socráticos da escola eleática que, desconfiando dos dados sensíveis imediatos,
agregaram a afirmação intelectual da unidade do “ser” às reflexões cosmológicas da escola jônica de Tales de
Mileto e seus discípulos. Uma boa e simples introdução à história da filosofia, incluindo estas questões, pode
ser encontrada no livro (esgotado há décadas) “Convite à Filosofia” de Mário Ferreira dos Santos.
15
Esta idéia de demonstração ou de prova também é fundamental na filosofia, embora muitos filósofos
pareçam não passar por esta etapa, como se percebe naqueles que mantém atitudes céticas ou relativistas e
sequer descobrem o poder da demonstração científica, tema da lógica pura como doutrina da ciência de
Edmund Husserl, por exemplo. Mário Ferreira dos Santos criticou estes erros no livro “Origem dos grandes
erros filosóficos” e explicou o que é demonstração nos seus livros sobre lógica e dialética, especialmente
“Métodos lógicos e dialéticos”, volume 1, mas também escreveu um verbete sobre o assunto no seu
“Dicionário de filosofia e ciências culturais”, que deve ser a melhor e maior obra do gênero escrita em
português. Sem entender o valor e a importância dos procedimentos demonstrativos, sejam lógico ou
dialéticos, a pessoa também fica alienada do próprio discurso humano, nas suas formas dialéticas e analíticas,
no sentido da citada teoria dos quatro discursos de Olavo de Carvalho.
alimento e recusa-se o que não é alimento simplesmente por uma preferência
subjetiva, mas por uma propriedade objetiva do alimento em questão 16. Há uma
propriedade que está no alimento e não está na pedra, fazendo com que aquele seja
comestível e essa não. A prova da existência do mundo corpóreo não vai ser
encontrada nele, mas vai ser encontrada na estrutura interna do ser humano.
[Aluno pergunta sobre a noção de prova.]
Professor: Você somente pode provar o que é necessário, o que não tem como
não ser17.
Existem duas maneiras de você descrever a estrutura do mundo 18. Uma é
partindo do senso comum. É aquilo que Aristóteles 19 faz, por exemplo. Todo mundo
sabe que o mundo corpóreo existe. Todos aceitam essa tese. Então, a partir daí
vamos provar que existe a inteligência abstrata e o primeiro motor, que é o motor
imóvel. Mas esta explicação sempre carece de fundamentação. Ela pressupõe que
você aceita que o mundo corpóreo existe. A outra maneira de demonstrar a partir do
senso comum, mas a partir do que você mesmo [como sujeito] sabe:
(a) A primeira coisa que eu sei que existe é a minha inteligência.
(b) A segunda coisa é que essa inteligência existe em um psiquismo, tendo
tensões para a inteligência e tendo tensões para outra coisa.
(c) A terceira coisa que eu sei é que o objeto da inteligência é indefinido, mas
este outro objeto é definido de antemão.
Esta é uma descrição do universo de cima para baixo. Assim você tem o
universo na sua estrutura e na sua hierarquia real.

O QUARTO DIA DA CRIAÇÃO

16
O professor explicou este assunto na aula deste curso sobre Kant.
17
Esta é a lição dos “Segundo Analíticos” de Aristóteles, que também aparece em sua Metafísica e que pode
ser considerada como um “patamar filosófico” no sentido de Olavo de Carvalho.
18
Mário Ferreira dos Santos chama estas duas formas de “ascendente” e “descendente”.
19
De fato, Aristóteles inicia suas obras retomando as opiniões relevantes sobre o objeto em questão.
Professor: Aqui se completam as coisas que formam o mundo, mas Moisés vai
um pouco adiante. Ele vai para o quarto dia. A que se referem estes três 20 outros dias
da criação? Até o terceiro dia já havia sido criado tudo, mas os outros dias, a partir
do quarto, referem-se à perfeição destas coisas 21 [criadas antes]. No quarto dia o
Gênesis afirmará a perfeição daquilo que foi criado no primeiro dia. Em uma das
aulas anteriores, havíamos explicado que a todo objeto corresponde um modelo de
perfeição22. Por exemplo: toda maçã tende a corresponder a um modelo de maçã e
assim cada uma das coisas. Moisés, no Gênesis, dirá quais são as perfeições que
estas criações tendem a realizar. Então, o Gênesis relata que “Deus criou o Sol e a
Lua, o Sol para iluminar o dia e a Lua para iluminar a noite” (Gn 1, 16). É claro
que, pela própria letra do Gênesis, que este dia e esta noite do texto não são aquilo
que usualmente chamamos de dia e noite. É claro que, literalmente, não se pode
conceber dia e noite sem o Sol e a Lua para iluminá-los. Quando o Gênesis trata de
Dia e Noite, refere-se a planos diferentes. Ao mesmo tempo em que se usou a luz
como símbolo da inteligência, o dia será usado como o plano do real co-natural com
a inteligência. Ao dia pertence as coisas que são necessárias ou impossíveis porque
este é o plano próprio da inteligência. Este é o seu plano próprio: o conhecimento do
necessário e do impossível. O dia representa este campo: o conjunto de
conhecimentos necessários ou impossíveis. O Sol foi criado para iluminar o dia. Sol
é uma fonte de luz. A luz é a inteligência. O Sol é uma fonte de luz sem a qual não
vive nenhuma forma de vida. Se a Luz representa a inteligência, o Sol representa o
conhecimento das coisas necessárias e impossíveis.
Aluno: Que possuem o grau da certeza.

20
O professor fala de mais três dias, totalizando seis, porque o sétimo é o dia do “descanso”, no sentido que
será explicado na continuação da aula.
21
Neste sentido, há uma correspondência unívoca entre os três primeiros dias com os três dias seguintes. Para
cada criação dos primeiros há uma respectiva perfeição no conjunto dos dias posteriores.
22
O qual foi chamado de intencionalidade e que parece relacionar-se com a idéia de “tímesis parabólica” de
Mário Ferreira dos Santos, que é explicada, por exemplo, no livro “Teoria do Conhecimento”.
Professor: Exatamente, o dia representa o campo da certeza 23 e o Sol representa
o conhecimento das coisas certas.
[Aluno pergunta sobre o necessário e o impossível.]
Professor: Conhecendo as coisas necessárias, o contrário, ou melhor, o
contraditório24 delas é o impossível25. Então, é o mesmo campo.
[Aluno pergunta sobre o que é o necessário.]
Professor: Necessário é o que não pode ser diferente do que é.
Aluno: [Como, por exemplo, o juízo] “o círculo é circular”.
Professor: Exatamente. Se existe algo contingente, existe algo do qual este
contingente depende, Isto é necessário, mesmo que você não esteja captando a causa
pela qual o efeito aconteceu, você sabe que é necessário [utilizando sua
inteligência].
Aluno: [O necessário é o que] não dá para ser de outra forma.
Professor: Exatamente: [aquilo que é necessário] não pode ser diferente do que
é.
E Deus criou a Lua para iluminar a noite. Esta consiste justamente no domínio
do contingente. Por que este campo é iluminado pela Lua? Porque é um
conhecimento maior ou menor. Nunca se tem um conhecimento total e absoluto do
contingente26.
Às vezes o conhecimento provável é incrivelmente semelhante ao
conhecimento certo, como a Lua quando está cheia. Às vezes você não sabe nada
23
Aqui o professor está pensando em termos da teoria dos quatro graus de certeza que remonta ao diálogo
platônico “República” e aos tratados lógicos do Órganon aristotélico. Olavo de Carvalho explicou este
assunto em seus seminários de filosofia, no livro “Aristóteles em nova perspectiva” e no artigo “Vacina
contra a estupidez”, no qual cita o professor Luiz Gonzaga.
24
Em lógica se distingue o “contrário”, que é a negação de um juízo dado, do “contraditório”, que pode
invalidar um raciocínio ou argumento. Por exemplo: o juízo contrário ao juízo “o professor ministra o curso”
é “o professor ministra o curso” e a contraditória do juízo “todo metal é corpo” é “algum metal não é corpo”.
Dois juízos contraditórios não podem ser verdadeiros simultaneamente de acordo com o princípio da não-
contradição. Tudo isto está explicado, por exemplo, em “Lógica e Dialética” de Mário Ferreira dos Santos.
25
Um exemplo retirado da matemática básica: se é necessário que o quadrado tenha quatro lados iguais, é
impossível que um quadrado tenha um lado diferente dos outros. No mesmo caso: se é necessário que o
quadrado tenha quatro ângulos retos, é impossível que ele tenha um ângulo curvo.
26
Tema repisado pelo filósofo Olavo de Carvalho em seus seminários de filosofia, mas que remonta a
Aristóteles e foi bem desenvolvido por Husserl, especialmente nos prolegômenos das “Investigações
Lógicas”, que foi tema de um curso do filósofo citado no começo desta nota.
sobre aquilo [como acontece na Lua minguante]. A inteligência humana pode se
aplicar tanto ao campo do necessário como ao campo do contingente, mas ela não
irá funcionar da mesma maneira nos dois campos. Ela não irá iluminar o campo do
contingente como ela ilumina o campo do necessário.
O que o Gênesis estava dizendo aí é o que resumidamente todos os místicos
sempre disseram: você pode ter certeza absoluta de que Deus existe, mas você não
pode ter a certeza absoluta de que Deus existe. Porque o mundo existe agora de um
jeito e daqui a cinco minutos ele existirá de um outro; ele pode estar de um jeito
como pode estar de outro. É o campo do mutável. Toda a descrição do mundo é tão
mutável quanto o mundo.

A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ÁS ARTES

Como aplicar isso ao campo moral? A gente pode ter certeza absoluta de alguns
princípios27 no campo da moral28, mas você não pode ter certeza absoluta de que a
cada momento a sua avaliação sobre a situação está correta. Aí entra em jogo os
fatores que você não tem como conhecer. Às vezes cai na sua mão um número de
fatores para você fazer uma avaliação precisa da situação; às vezes faltam fatores
fundamentais e você faz uma avaliação coerente, mas errônea. O mesmo quadro
pode ser encontrado em áreas diferentes. Por exemplo: Newton juntou um monte de
fatos sobre o mundo natural e montou a teoria da gravitação.
[Aluno compara rapidamente a física newtoniana e einsteniana].
[Aluno pergunta sobre os princípios certos da economia.]
Professor: É simples. Pense o seguinte: qual é o princípio básico do
enriquecimento?
27
O professor desenvolve a partir daqui alguns exemplos sobre os princípios. O texto clássico sobre os
princípios é a “Metafísica” de Aristóteles. Uma explicação básica sobre a importância dos princípios para o
conhecimento científico e filosófico pode ser encontrada no verbete sobre isto do “Dicionário de Filosofia e
Ciências Culturais” de Mário Ferreira dos Santos. Este mesmo filósofo fez uma explicação mais aprofundada
sobre este assunto no livro “Sabedoria dos Princípios”.
28
Alguns desses princípios certos da moral foram apresentados por Olavo de Carvalho no livro “Dialética
Simbólica”, a ser publicado brevemente pela Érealizações. No inédito “Ser e Poder”, o mesmo filósofo
apresentou princípios certos para a Filosofia Política.
Aluno: Acumular bens.
Professor: Como você acumula alguma coisa?
Aluno: Ganhando mais do que perde.
Professor: Resumindo: [acumula-se bens] comprando barato e vendendo caro.
Um negócio é melhor se você puder gastar um valor menor, do que em outra
circunstância em que você tiver que comprar por um valor maior. Se você
sistematicamente comprar mais caro e vender mais barato, você vai enriquecer?
Aluno: Não.
Aluno: Mas não é apenas isso, tem mais coisas [a fazer para enriquecer].
Professor: Mas esse é o princípio básico. Somente por este princípio se em
cada caso você tem uma oportunidade real de comprar barato e vender mais caro?
Você consegue demonstrar absolutamente para cada caso, que aquele será um
processo de enriquecimento? Não, Porque são dois planos. Um é o plano do aspecto
necessário para o processo do enriquecimento. Outro é o plano do contingente:
objetivamente os valores econômicos das coisas dependem de fatores
circunstanciais.
[Aluno pergunta sobre um caso particular.]
Professor: Também há. É uma avaliação mais ampla e mais elaborada do
campo do contingente.
Professor: Mas os princípios pertencem à ordem natural.
[Aluno oferece um exemplo de princípio perto da moral.]
Professor: Exatamente. Para que uma ação tenha um caráter moral ela precisa
ser imputada com ordem. É preciso ter responsabilidade pela ação. É um princípio.
Sempre é assim. Sempre você tem como saber se uma ação é imputável a um agente
concreto? Não. Existem inúmeros fatores circunstanciais que permitirão uma
avaliação da situação.
Todo objeto real é regido pelo princípio29. Ele é regido pelo princípio, mas o
princípio não explica todo o comportamento daquilo. Você somente sabe que para
29
No “Tratado de Simbólica”, Mário Ferreira dos Santos afirma que “tudo é símbolo”. Um dos sentidos desta
frase é que cada fato é símbolo da lei que o rege. Por exemplo: a maçã que cai é símbolo da lei da gravidade.
acontecer é preciso que o princípio esteja lá. Para que haja um fato qualquer, o
princípio daquilo terá que estar lá. Para que haja um aperfeiçoamento moral
qualquer, os princípios do desenvolvimento moral terão que estar lá. Para que haja
um fato qualquer, os princípios da Física têm que estar lá. Mas você não pode
simplesmente deduzir dos princípios os comportamentos das coisas. Dos princípios
não procede o conhecimento necessário do campo contingente. Seria impossível.
Seria contra a própria natureza do mundo contingente. O campo do contingente
possui um componente de indefinição.
[Aluno faz mais uma pergunta sobre este assunto.]
Professor: Exatamente. Isso seria estranho à própria natureza do objeto
contingente. Tanto que em qualquer processo de uma arte qualquer, mesmo o mestre
de uma arte errará algumas vezes.
[Aluno comenta sobre a perfeição em determinada arte relatada no livro "A arte
cavalheiresca do arqueiro Zen” de Eugen Herrigel.]
Professor: Pois é, há algumas vezes que o mestre acertará sempre. Vocês já
ouviram falar em Eugen Herrigel? Ele era alemão e foi estudar a arte zen da
arquearia no Japão. O mestre zen lhe ensinou que um bom arqueiro acerta muitas
vezes, mas há uma maneira de não errar nunca. Ele explicou que isso é possível
porque na arquearia zen não é você que atira. Mas este é um caso excepcional.
Aluno: Isto é inventado ou é real?
Professor: Isto é real, é o relato de um sujeito mesmo. E ele mesmo aprendeu a
não errar nunca. Até hoje há gente que faz isso. Eu mesmo conheci um sujeito que
mandava a mulher ficar do outro lado e acertava uma aspirina na cabeça dela. Não é
brincadeira, existe filmagem disto. E perguntaram para ele como é que ele mira? Ele
respondeu que não sabia como.
O fato pode ser impossível para a inteligência humana, mas isso não quer dizer
que não esteja abarcado pela inteligência divina. E o próprio indivíduo humano
como um todo pode ser veículo da ação da inteligência divina. Pode ser um veículo
mesmo.
Aluno: O indivíduo como um todo como acontece na santidade30.
Professor: Se você perguntar a um santo: “como é que você consegue fazer
tanta ascese, como é que você consegue?” Ele diria: “não sou eu que faço, mas é
Deus que faz para mim”31. (...) sinal (>..) em um mundo contingente. Se (...) não
abarca tudo, existe algo que abarca tudo.
Este é um livro interessante para quem quiser ler. Chama-se: livro "A arte
cavalheiresca do arqueiro Zen" de Eugen Herrigel. Não somente existe gente até
hoje que faz isso,como tem gente que nasce com uma inclinação natural para isso.
Como dizia Aristóteles, não há arte que não tenha sido antecedida por um sujeito
que tinha um talento excepcional para aquela arte. As artes surgiram da observação
dos sujeitos excepcionalmente talentosos.
Voltando ao assunto: o conhecimento que a inteligência humana pode ter do
campo certo é exato, mas o conhecimento do contingente é sempre uma
aproximação. Esta pode ser maior ou menor dependendo das circunstâncias do fato
concreto. Qualquer que seja a profissão do sujeito, ele pode aprender todos os
princípios daquela arte, mas ele não pode avaliar todas as circunstâncias
completamente. Daí que a gente conclui que “errar é humano”. Quando você tem
que fazer repetidamente alguma coisa você fica escrupulosamente procurando
alguma maneira de fazer aquilo de maneira perfeita. Então, você descobre uma
exceção e um mês depois você descobre um caso que inverte todo o sentido daquilo.
Isso quer dizer que o conhecimento do contingente é sempre aproximado. Estes
casos como o da arquearia e da santidade não são exceções. Por isso que há a
insistência dele [o mestre perfeito] em dizer que não é ele mesmo que faz, mas
apenas cede a ele. Se fosse ele mesmo que tivesse [pelo seu próprio mérito] essa
capacidade de acertar sempre, seria exceção. Mas aqui se diz que não foi a própria
pessoa que fez32.

30
Em cursos anteriores, o professor já havia explicado a concepção de santidade em São Tomás de uma forma
que ia ao encontro desta explicação.
31
A exemplo do que escreveu São Paulo Apóstolo em uma de suas epistolas: “já não sou eu que vivo, mas
Cristo que vive em mim”.
32
Assim, o santo renuncia ao mérito pessoal pela sua santidade.
[Aluno comenta sobre a avaliação estimativa para os casos particulares da
arte.]
Professor: [Qual é o segredo do mestre?] O que a pessoa muito habilidosa em
uma arte fez? Ele simplesmente aprendeu a avaliar muito bem quais são as
circunstâncias em que ele não sabe o que fazer [de acordo com os princípios da
arte]. Ele aprendeu que não deve fazer nada nos casos em que não sabe como
resolver: “aqui não vamos agir porque eu ignoro esse campo; nessas circunstâncias
eu não sei o que vai acontecer”.
Estes são os dois planos em que ocorre a perfeição da inteligência.

QUINTO DIA DA CRIAÇÃO – AS PERFEIÇÕES DO PSIQUISMO

Professor: E o quinto dia se refere às perfeições da substância psíquica ou da


sua psique como um todo. No quinto dia, “Deus criou as aves para povoar o céu e
os peixes para povoar as águas” (Gn 1, 20). No segundo dia Deus havia separado as
águas superiores das águas inferiores. E no quinto dia, o que Ele fez? Ele povoa: nas
águas superiores cria as aves e nas águas inferiores cria peixes. Então, isso se refere
às perfeições da alma ou psique como um todo. Então, por um lado temos os peixes
que se referem às virtudes ou às inclinações morais das inclinações corpóreas. Se
você tem uma inclinação para o sono, para o sexo, para comer, etc., existe uma
maneira melhor de fazer isso. Existem maneiras mais nobres e maneiras mais vis de
realizar as coisas. Então, os peixes simbolizam as virtudes em relação às
necessidades corporais.
E as aves representam as virtudes em relação às inclinações espirituais ou as
inclinações da alma. Se existem virtudes para as inclinações mais nobres, elas estão
relacionadas com a eficiência. Existem maneiras mais eficientes de você realizar a s
necessidades espirituais e maneiras menos eficientes. Os pássaros representam as
maneiras menos eficientes. E existem mais nobres e maneiras mais vis de realizar as
necessidades corporais. Os peixes representam as maneiras mais nobres.
[Aluno comenta sobre esse simbolismo dos peixes e das aves no simbolismo
das artes tradicionais33.]

SEXTO DIA DA CRIAÇÃO – AS PERFEIÇÕES DO MUNDO CORPÓREO

Professor: E no sexto dia, Ele criou as perfeições do mundo corpóreo 34. O que é
a perfeição do mundo corpóreo? Os seres vivos e, entre eles, o próprio ser humano.
No mundo corpóreo, qual é a coisa mais excelente que existe?
Aluno: O homem.
[Alunos fazem comentários bem humorados sobre a ordem da perfeição entre
os diversos seres corpóreos.]
Professor: É evidente que, para os seres corpóreos, a vida é o bem mais
excelente. Somos capazes de sacrificar muita coisa para nos manter vivos. A
perfeição do mundo corpóreo é a vida orgânica.

SÉTIMO DIA DA CRIAÇÃO

“1.Assim foram acabados os céus, a terra e todo seu exército. 2.Tendo Deus
terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, descansou do seu trabalho. 3.Ele abençoou
o sétimo dia e o consagrou, porque nesse dia repousara de toda a obra da Criação. 4.Tal é
a história da criação dos céus e da terra.” (Gn 2,1-4).

Professor: E no sétimo dia, Deus olhou o mundo como um todo e viu que era
muito bom. E Ele descansou35. Isso aí, apesar de ser um pouco difícil de explicar
agora, embora possamos explicar mais adiante, refere-se a essa possibilidade do ser
humano de ser um veículo direto da própria inteligência divina. O que acontece

33
No sentido de Tradição concebido por René Guénon.
34
Conferir Gn 1, 24-31.
35
Conferir Gn 2,3.
quando você percebe algo como muito bom? Quando você diz que algo é muito
bom? Algo de uma perfeição há naquilo.
Quando se fala que Deus descansou nas suas obras, não é porque Deus
estivesse cansado, mas é porque Ele o esmera de modo especial. Se o arqueiro-
mestre diz que não é ele que acerta, mesmo assim, alguma coisa é feita por ele. A
flecha não se lança sozinha. É simples: você faz alguma coisa que o próprio Deus
olha e diz que foi muito bom. Então ele acerta para você. O sétimo dia é justamente
isso. Representa a abertura que todas as coisas têm para o sobrenatural.
[Aluno comenta sobre a perfeição de uma planta bela: além das suas potências
vegetais36, ela possui uma potência que ultrapassa as suas características estritamente
biológicas. O aluno argumentou ad absurdum dizendo que se a beleza de uma planta
fosse uma qualidades estritamente biológica, os biólogos deveriam especializar-se
em estética37.]
Professor: Exatamente, é uma perfeição a mais. [Esta harmonia ou beleza] é
uma perfeição a mais que não aparece em todas as plantas, mas somente nas mais
perfeitas.
[Aluno comenta sobre a noção de perfeição dos seres corporais.]
Professor: O que é um ser perfeito? Quando o mundo passou a existir
[completamente criado], o que passou a existir? Esta perfeição! Não se relata o
como38 e o quando aconteceu, mas se relata o que aconteceu39.
Deste ponto, ele [o autor divinamente inspirado] passa para um relato mais
detalhado acerca do homem: a criação de Adão e Eva, a colocação deles no Paraíso e
a Queda. Novamente não se está falando dos primeiros fatos históricos, mas dos
primeiros fatos humanos.

36
Conferir aulas anteriores do professor Luiz Gonzaga. Estas potências são as seguintes: nutrir-se, crescer e
multiplicar a espécie.
37
A qual, por sua vez, é uma disciplina filosófica.
38
No sentido de descrever detalhada ou cientificamente a causa eficiente e a causa material, no sentido
aristotélico.
39
Enfatizando o aspecto substancial, o que corresponde à categoria ontológica primordial na concepção
aristotélica: a substância. Conferir volume introdutório de Giovanni Reale sobre a Metafísica de Aristóteles.
[Aluno comenta sobre a impossibilidade de se comprovar um relato sobre o
primeiro ser humano40.]
Professor: Trata-se de algo que é válido para qualquer vida humana41.

A CRIAÇÃO DO HOMEM

Professor: Depois do relato da criação do mundo, o Gênesis passa para o relato


da criação do homem42:

“No tempo em que o Senhor Deus fez a terra e os céus, não existia ainda sobre a
terra nenhum arbusto nos campos, e nenhuma erva havia ainda brotado nos campos,
porque o Senhor Deus não tinha feito chover sobre a terra, nem havia homem que a
cultivasse; 6.mas subia da terra um vapor que regava toda a sua superfície. 7.O Senhor
Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de
vida e o homem se tornou um ser vivente. 8.Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim
no Éden, do lado do oriente, e colocou nele o homem que havia criado. 9.O Senhor Deus
fez brotar da terra toda sorte de árvores, de aspecto agradável, e de frutos bons para
comer; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal.
10.Um rio saía do Éden para regar o jardim, e dividia-se em seguida em quatro braços:
18.O Senhor Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que
lhe seja adequada.” 19.Tendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todos os animais dos
campos, e todas as aves dos céus, levou-os ao homem, para ver como ele os havia de
chamar; e todo o nome que o homem pôs aos animais vivos, esse é o seu verdadeiro nome.
20.O homem pôs nomes a todos os animais, a todas as aves dos céus e a todos os animais
dos campos; mas não se achava para ele uma ajuda que lhe fosse adequada. 21.Então o
40
Rosenstock-Huessy faz alguns comentários sobre este problema da origem em “A origem da linguagem”.
41
O que parece ser correlato à causa formal no sentido aristotélico. Aristóteles explica as suas quatro causas
na “Metafísica”.
42
Aqui é interessante, na perspectiva teológica, citar o comentário que aparece na edição da “Bíblia de
Jerusalém”, elaborado a partir das descobertas antropológicas a respeito do texto bíblico: “[este trecho do
capítulo 2] não é como se diz freqüentemente uma ‘segunda narrativa da criação’ seguida de uma ‘narrativa
da queda’; são duas narrativas combinadas que utilizam tradições diversas: uma narrativa da criação do
homem, distinta da criação do mundo que só se completa com a criação da mulher e com o aparecimento do
primeiro casal humano, e uma narrativa do paraíso perdido, da queda e do castigo, a qual começa em 2, 9-
17 e continua em 3, 1-24”.
Senhor Deus mandou ao homem um profundo sono; e enquanto ele dormia, tomou-lhe uma
costela e fechou com carne o seu lugar. 22.E da costela que tinha tomado do homem, o
Senhor Deus fez uma mulher, e levou-a para junto do homem. 23.“Eis agora aqui, disse o
homem, o osso de meus ossos e a carne de minha carne; ela se chamará mulher, porque foi
tomada do homem.” 24.Por isso o homem deixa o seu pai e sua mãe para se unir à sua
mulher; e já não são mais que uma só carne. 25.O homem e a mulher estavam nus, e não
se envergonhavam.” (Gn 2, 5-10. 18-25).

É interessante que seja assim43, porque ele já havia criado o homem no sexto
dia. Relata-se que criou o homem macho e fêmea (Gn 1, 27), mas isso não implica
que se refere ao homem como forma corpórea e biológica. A criação de Adão e Eva
refere-se à estrutura propriamente humana, a qual se refere aos atos humanos.

A CRIAÇÃO DE ADÃO E O SIMBOLISMO DA INTELIGÊNCIA


ENCARNADA

Primeiro foi criado Adão e deste foi criada Eva. Como se fez para criar Adão?
Primeiro Ele deu forma ao barro e sopra ou insufla seu espírito no barro (Gn 2, 7).
Assim, Adão se torna uma alma vivente. A própria palavra espírito indica que não se
trata de qualquer ser vivo, mas de um ser vivo especial, que recebe o próprio espírito
divino. Mas quando ele cria Eva não insufla espírito nenhum 44. O objetivo aqui não
é descrever a criação do homem e da mulher, porque isso já aconteceu no sexto dia.
Quando o Gênesis relata que Adão é uma alma vivente, movido pelo próprio espírito
divino, ele descreve a criação da estrutura propriamente humana. Ele está se
referindo a algo no ser humano que é sempre medido pelo espírito divino. Está se
referindo à parte humana que é imortal. É algo que já estava presente no sexto dia,
quando se disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn 1, 26),
mas neste trecho o relato será mais detalhado [em relação a esses aspectos
43
Esta aparente incoerência no sentido literal sugere fortemente que há um sentido espiritual latente neste
relato.
44
Conferir Gn 2, 21-22.
estruturais da ação humana]. Assim ele explica o que é este homem feito a imagem e
semelhança de Deus.
Então, quando Ele cria Adão, não é exatamente o ser humano ou o homem, mas
o princípio humano que é medido conforme o espírito divino. Por que ele criou do
barro? O que é o barro? Quais são as suas características? O barro é feito de terra e
água. No mundo a terra e a água são os dois elementos que tendem para baixo, ao
contrário do ar e do fogo45. Assim, o Gênesis descreve os elementos da inteligência
humana em operação. Trata-se desta capacidade de “descer”. A inteligência humana
somente opera na base da humildade46.
O segundo aspecto é que a água, ao ser misturada com o barro, forma um
composto completamente maleável. Isto simboliza que a inteligência humana 47 pode
apreender qualquer forma. A forma da inteligência humana é o próprio ser. Esta
possui uma tensão na direção do ser. Cada potência ou faculdade natural possui uma
tensão na direção de um objeto específico. Somente a inteligência é capaz de
assumir qualquer forma porque ela tem uma tensão na direção do ser. A inteligência
não tem uma natureza própria ou específica, [mas tem uma natureza conforme ao
próprio ser, podendo assumir qualquer forma do ser ao inteligir]. Se tivesse uma
forma específica, somente seria capaz de receber aquela forma específica
correspondente. Por exemplo: o corpo do organismo humano pode receber
modificações que o alterem até certo ponto, a partir do qual ele deixaria de ser um
organismo humano48. A mesma coisa vale para os outros objetos corporais: todas
elas possuem um limite, a partir do qual elas passam a operar de modo contrário à
sua própria natureza. Somente a inteligência não é assim, mas pode receber qualquer
coisa e continuar a ser ela mesma. Qualquer objeto real pode ser objeto da
inteligência. Esta pode receber qualquer forma [real] porque ela não possui forma
45
O professor está raciocinando nos termos da física aristotélica.
46
Coerente com este princípio, é na humildade que se baseia a pedagogia cristã de Hugo de São Vítor.
47
As explicações seguintes, de maneira abreviada, retomam as reflexões medievais sobre o intelecto humano.
O professor está se referindo implicitamente à filosofia de filósofos e teólogos como Dietrich de Freiberg
("Tractatus de intellectu et inteligibili").
48
Esta abordagem filosófica da matéria, do corpo e do organismo humano foram aprofundadas, por exemplo,
no inédito “Tratado de esquematologia” (dois tomos) de Mário Ferreira dos Santos.
própria. A inteligência pode se amoldar a qualquer coisa. A inteligência é capaz de
receber qualquer forma sem se corromper. A estupidez não é uma corrupção da
inteligência, mas é uma inatividade dela. A estupidez ocorre quando o psiquismo
predomina sobre a inteligência ou sobre [a dimensão] espiritual, quando a sua
imaginação predomina sobre a sua inteligência.
[Aluno pergunta sobre o “erro da inteligência”.]
Professor: O erro está na atividade. Você pode se equivocar ao aplicar a
inteligência, mas a inteligência não [erra]. A inteligência concede essa possibilidade
de [supremacia momentânea] das outras atividades [como se dissesse]: “está bem,
se você quer tanto esse objeto, pode ficar com ele”.
[Aluno comenta sobre Santo Agostinho, para quem o erro não existia
propriamente, de maneira análoga ao mal, que também não existe propriamente. Um
exemplo disso é que o erro deixa de existir na mente como erro, quando você
percebe que ele é apenas um erro].
Professor:Exatamente, a inteligência não pode errar. Você é que pode não saber,
mas não dá para saber errado, pois saber errado é não saber. Você não pode saber
errado. Você pode ter uma opinião errada. Esta opinião errada pode vir por um
defeito imaginativos, ou um defeito da memória, ou um defeito dos sentimentos ou
até por um conjunto de defeitos das paixões da alma49.
Aluno: Pode faltar informações.
Professor: Ou é possível que se tenha informações demais e você não consiga
organizá-las50. O único defeito da inteligência, por assim dizer, é que ela pode não
operar51. A inteligência, por si mesma, é infalível. Quando opera, opera
corretamente. A inteligência é infalível nos seguintes sentidos:

49
No sentido da psicologia aristotélica. Conferir “Da Psique”.
50
Uma descrição completa dos erros possíveis está na lista das 28 disfunções cognitivas descritas por Reuven
Feuerstein, que podem ser encontrada, por exemplo no site www.icelp.org , onde também há a descrição do
Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) de Feuerstein, uma técnica elaborada para realizar a correção
sistemática destas falhas. O autor destas notas aplica o PEI há dois anos.
51
Em outro curso, ministrado em 2005, na ABRH-PR, o professor ofereceu algumas recomendações para se
criar condições psíquicas para o funcionamento adequado da inteligência. O autor destas notas resumiu aquela
aula em um trabalho entitulado “O papel da ascese socrática na vida intelectual”.
a) quando você sabe que sabe,
b) e porque, quando você não sabe, você pode saber que não sabe52.
Cada um pode se enganar, confundindo a inteligência com outras
faculdades cognitivas. Por exemplo: achar que entendeu alguma coisa, quando
apenas sentiu ou se emocionou com algo, confundindo a inteligência com o
sentimento de ter entendido algo. A inteligência é distinta inclusive da consciência.
Esta é simbolizada pelo firmamento enquanto aquela é simbolizada pela luz. O
firmamento não é feito de luz. Pela metade do tempo, o firmamento é algo escuro
com alguns pontinhos luminosos. Dizer que a inteligência é infalível não implica
que nós, [seres humanos], sejamos infalíveis. Eu mesmo posso pensar que algo está
na minha inteligência quando é apenas imaginação. Mas a inteligência mesma é
infalível. Distinguir o que é e o que não é inteligência é uma arte, que pode exigir
muito tempo [no seu desenvolvimento].
Ao criar o homem do barro,o Gênesis também está significando que isto é
uma inteligência que existe no corpo. Por quê? Porque a terra, sendo sólida, e é
usada para simbolizar a corporeidade em geral. Ela não está na terra, mas no céu. A
inteligência humana opera a partir daquilo que ela é capaz de perceber, a partir dos
dados dos sentidos. Se não houvesse essa percepção dos sentidos, nossas
inteligências não operaria. O campo do corpóreo é um campo definido. A
inteligência vai operar a partir deste campo definido e passará para o campo do
indefinido.

A CRIAÇÃO DE EVA E O SIMBOLISMO DA AFETIVIDADE

Como a inteligência opera a partir dos sentidos, fica muito difícil para ela
perceber as realidades puramente espirituais. É muito difícil para ela saber como
Deus é ou, mesmo, como os anjos são ou como a própria inteligência pura é. Todos

52
Os itens (a) e (b) correspondem à definição de honestidade intelectual do filósofo Olavo de Carvalho. O
professor Luiz tratou desta qualidade na aula que ficou resumida, pelo autor destas notas, como “ A estrutura
vital humana para a atividade filosófica”.
objetos puramente espirituais oferecem dificuldades notáveis para serem captados e
entendidos porque a inteligência opera a partir da percepção sensorial. É isso o que o
Gênesis significa quando relata que Adão estava só53. Então Deus criou uma auxiliar
para a inteligência. Uma inteligência que dependa da corporalidade não conseguirá
captar sozinha a inteligência [puramente espiritual]. Ela precisa de um instrumento
auxiliar. Qual é este instrumento? É justamente a afetividade 54 em geral, a
capacidade de perceber o que são as coisas antes de saber o que elas são. A gente
gosta ou não das coisas antes mesmo de saber o que elas são.
[O limite da afetividade] é que somente por gostar de algo não implica que
este seja bom ou mal55, pois às vezes nos enganamos a este respeito. Os sentimentos,
às vezes, nos dirigem a gostar do maléfico e a não gostar do benéfico. E outra coisa:
os sentimentos vêm [em termos de psicologia genética] antes da inteligência 56. E
pode se enganar diante das coisas concretas. Ela não existe para dar suporte ao
entendimento das coisas concretas, mas para dar suporte ao conhecimento do que é
puramente espiritual. Em relação à avaliação das coisas concretas, ela será neutra:
ajudará tanto quanto atrapalhará. Se você, por acaso, gostar do que é bom, ela
ajudar-lhe-á, mas se, por acaso, gostar do que é mal, ela atrapalhará 57. Em relação às
coisas concretas, a afetividade somente auxilia a médio ou longo prazo. Quando
você passa por vários objetos diferentes em relação ao mesmo objeto, você o
começa a entender melhor. É isto que se costuma chamar de experiência de vida.
Você percebe que já experimentou a gama completa de sentimentos possíveis a
respeito do objeto e chega a uma conclusão sobre a natureza dele, se ele pesa mais
para o positivou ou para o negativo. Você conclui se aquele objeto, de modo geral é
melhor ou é pior para você, ou se ele, de modo geral, melhorou ou piorou a sua
53
Conferir Gênesis 2, 18.
54
Sobre a afetividade e a inteligência, conferir o inédito “Olho do Sol” de Olavo de Carvalho. Conferir
também o capítulo da “Grande tríade” de René Guénon sobre este assunto.
55
Em aulas anteriores deste curso, o professor explicou que perceber se um objeto é bom ou mal não é uma
função do sentimento, mas é da inteligência.
56
A criança já vive sob o primado do sentimento antes de ter um domínio da arte de utilizar adequadamente a
própria inteligência. Lembremo-nos de nossa infância!
57
O professor Luiz já tratou da educação dos sentimentos como instrumento de aperfeiçoamento moral no
curso de Ética (na PUC-PR). O autor destas notas resumiu duas daquelas aulas.
vida. Para compreender as coisas contingentes, é melhor que você seja, em certa
medida, indiferente a elas ou que você tenha uma ampla experiência de vida para ter
entendido aquele objeto.
Os sentimentos, de modo geral, atrapalham ou adiam a compreensão das
coisas contingentes. No entanto, ele facilita a compreensão das coisas
transcendentes. É justamente no momento de extremo da afetividade que se percebe
o que está além das coisas. Quando você possui um sentimento muito intenso
(quando ama muito ou odeia muito ou está muito feliz com um objeto ou muito
triste com ele), é nessa hora que você percebe este limite. Tanto é assim que você ira
mudar para outro sentimento no momento seguinte. Aquele sentimento não descreve
objetivamente a sua relação com aquele objeto, mas somente um momento desta
relação. Suponha, então, que, neste momento de emoção intensa, você percebe que
não é com este objeto que você está triste assim porque nada neste mundo é tão bom
ou tão ruim assim [para justificar este sentimento intenso]. Separe o componente que
causa este amor ou esta alegria do objeto concreto e tente entender este componente.
Este componente revela algo sobre a ordem transcendente ao universo. Revela
pouco sobre o objeto, mas revela muito sobre algo que está além do objeto.
Por exemplo, todos aqui já tiveram uma paixão na adolescência, parecia que
o objeto era excepcionalmente bom. O objeto concreto era proporcional a este
sentimento? Observando agora, após a passagem do tempo, o objeto era
proporcional a este sentimento? Se fosse proporcional, você manteria aquele
sentimento em relação àquele objeto constantemente! No entanto, algo causou este
sentimento, pois todo efeito é proporcional à causa. Algo era provocado por este
objeto, mas algo que era apenas indicado por ele em determinado momento.
Percebem em que sentido a afetividade é o suporte da inteligência?
[O professor terminou a aula com mais algumas explicações sobre a relação
entre inteligência e afetividade58, as quais serão acrescentadas na transcrição, a qual
ficou marcada para o dia 17 de setembro de 2006.]
58
As quais parecem ir ao encontro das conclusões de Olavo de Carvalho no inédito “Metodologia das
ciências humanas”.

Você também pode gostar