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Peregrinos de Aruanda

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Sumário
Dedicatória........................................................................................................................................................ 4
Introdução ......................................................................................................................................................... 5
Porque acreditar no Espiritual? ......................................................................................................................... 6
O Racionalismo e a Fé...................................................................................................................................... 9
A Origem do Tempo e do Espaço.................................................................................................................. 9
A origem da vida ......................................................................................................................................... 10
Fundamentalismo Religioso ........................................................................................................................ 13
Tolerância e relativismo religioso................................................................................................................. 14
Por que a Umbanda? ...................................................................................................................................... 20
Amor, simplicidade e conexão com a natureza............................................................................................ 21
O sincretismo religioso ................................................................................................................................ 25
A Lei do Retorno, a Lei do Carma e o livre arbítrio no plano de evolução ....................................................... 29
Evolução espiritual e evolução biológica ..................................................................................................... 32
O que foi falado até agora? ......................................................................................................................... 34
O ritualismo sagrado da Umbanda .................................................................................................................. 35
Fé e merecimento ....................................................................................................................................... 36
Um só Deus: Zambi ........................................................................................................................................ 40
Orixás na Umbanda: As expressões de Zambi ............................................................................................... 42
Oxalá ........................................................................................................................................................... 42
Iemanjá ....................................................................................................................................................... 43
Xangô .......................................................................................................................................................... 44
Oxum........................................................................................................................................................... 45
Ogum .......................................................................................................................................................... 46
Obaluaê....................................................................................................................................................... 47
Oxóssi ......................................................................................................................................................... 48
Nanã ........................................................................................................................................................... 49
Iansã ........................................................................................................................................................... 50
Ibejada ........................................................................................................................................................ 51
Nossos guias espirituais ................................................................................................................................. 53
Linhas de direita .......................................................................................................................................... 55
Caboclos .................................................................................................................................................. 55
Pretos- Velhos ......................................................................................................................................... 56

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Crianças .................................................................................................................................................. 56
Linhas de esquerda ..................................................................................................................................... 57
Exus......................................................................................................................................................... 58
Pombagira ............................................................................................................................................... 58
Outras linhas de esquerda e direita ............................................................................................................. 59
Espíritos estagnados: Eguns e Quiumbas ................................................................................................... 59
Eguns ...................................................................................................................................................... 59
Quiumbas ................................................................................................................................................ 60
Médiuns de passagem ............................................................................................................................. 61
Como evitar um Quiumba? ...................................................................................................................... 62
Mediunidade ................................................................................................................................................... 63
O médium de umbanda ............................................................................................................................... 66
A raiz de todos os males: a vaidade......................................................................................................... 67
Do terreiro para o mundo ......................................................................................................................... 69
Conclusão ....................................................................................................................................................... 70
Experiências espirituais durante a redação deste livro .................................................................................... 71

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Dedicatória

Quero agradecer a algumas pessoas deste plano material e também a algumas pessoas do plano espiritual.
Certamente, não escrevi este livro sozinho, e falo isso em todos os sentidos.

Na verdade, não existe livro 100% autêntico. Uma frase ou outra pode vir integralmente de inspiração
genuinamente ‘proprietária’, mas 99% das ideias são frutos de conversas trocadas com amigos na mesa do bar,
no refeitório do trabalho, nas leituras do feed no fim do dia, dos livros que lemos etc... Acredito que o melhor
mérito seja o de reinterpretar ou complementar algum conceito inicial.

Nesse sentido, quero agradecer à minha esposa, Tifani Sodré, por me abrir esse mundo maravilhoso da Umbanda,
e aos meus pais, Elio Martins e Aná Célia, por suas orações. Sei que o objetivo deles sempre foi o de restabelecer
minha fé, independentemente de credo ou religião; e, graças a Deus, isso aconteceu.

Quero agradecer aos meus irmãos de curimba, especialmente ao meu amigo e escritor Marcos Andrade por todas
as pílulas de conhecimento que foram fundamentais na redação deste livro.

Por fim, neste plano material, quero agradecer ao Pai Jonas e à Mãe Michele, da Casa do Rei, em Petrópolis,
lugar do meu primeiro contato com a religião de Umbanda e com o sobrenatural. Foram as regras dessa casa que
me deram fundamentos para iniciar esta jornada.

Passando para o plano espiritual, quero agradecer a todos os meus guias, cujos nomes ainda desconheço, mas
que são essenciais neste processo. Sem eles eu já teria desistido no primeiro capítulo.

Louvado seja Zambi em seus sagrados Orixás!

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Introdução

O propósito deste livro não é o de dissertar somente sobre a Umbanda, seus ritos e crenças; não é um trabalho
voltado somente para umbandista e muito menos um discurso proselitista em favor da minha fé, até porque isso
nem combina com a Umbanda.

O livro busca sintetizar a minha faina pessoal por um sentido na vida e para o que vem depois dela. Esse foi um
processo longo e doloroso que me deu condições e tempo para refletir e acumular algum tipo de conhecimento
que, acredito, ainda não terminou, mas que agora encontrou um impulso tão pujante, que, diferentemente de
outras etapas da minha vida, me motivaram a escrever este material. A ideia central é a de apresentar um caminho
em busca da própria paz e felicidade plena. Nesse caminho, muitas vezes podemos encontrar os áridos desertos
do ceticismo, ou mesmo os pântanos do fundamentalismo religioso; mas saiba que, apesar de tais riscos, esse é
apenas o caminho em cujo fim se encontra Aruanda e suas colinas douradas, cheias de vida.

Para a Umbanda, Aruanda é o ideal de paz e felicidade onde o próprio Deus reside. Na verdade, Aruanda pode
não ser um lugar delimitável, mas um estado de espírito no qual bebemos dessa paz diretamente das fontes
inesgotáveis de Zambi.

É também propósito deste livro desmistificar muito do que se pensa da Umbanda, seus fundamentos e ideais. A
intolerância é fruto do desconhecimento e é exatamente essa lacuna que quero ajudar a preencher.
A Umbanda tem muito a oferecer à humanidade que infelizmente acabou se perdendo ao longo da história em
idealizações da felicidade construídas sobre as ruínas da vaidade, orgulho, egoísmo e inveja. Esse ideal
artificialmente criado pelo homem é a causa de muitos dos males humanos, como guerras, injustiças e até mesmo
doenças como a depressão, pois é um ideal efêmero e inalcançável.

Peregrinos desta terra, convido a caminhar comigo nessa via de luz! Levando nossos corações inquietos, cansados
e sedentos de paz, vamos em direção a nosso pai Oxalá, vamos seguindo rumo à Aruanda.

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Porque acreditar no Espiritual?

Esse é ponto de partida para qualquer pessoa que pensa em seguir uma religião ou filosofia de vida.

Por que acreditar no Espiritual?


Até indo mais fundo: Por que acreditar em Deus?

Acho que posso começar contando um pouco da minha história, pois ela tem uma estreita relação com esse
assunto.

Tive a sorte de viver intensamente os dois lados da moeda, uma vida com Deus e uma vida sem Deus. Gosto de
falar ‘’sorte’, porque isso me proporcionou uma liberdade de escolha no seu grau mais elevado. Eu decidi crer
no Espiritual não por falta de conhecimento, ou por repressão social, familiar, medo ou qualquer outro motivo.
Eu decidi voltar a crer no Espiritual porque faz muito mais sentido crer do que não crer.
Venho de uma família muito católica, e naturalmente meus pais me criaram segundo essas regras ditas cristãs,
que praticamente resumem a base moral da sociedade brasileira.

Apesar de muito católicos, meus pais sempre foram pessoas tolerantes, indo contra qualquer tipo de
fundamentalismo religioso. Isso sempre me fez ter uma imensa admiração por eles.

Seguindo algumas correntes pentecostais dentro do catolicismo, em um dado momento da minha caminhada
religiosa eu decidi que deveria me ‘converter’. Esse é um conceito meio estranho para alguns, porque, apesar da
‘conversão’, eu não cheguei a mudar de religião ou sequer mudar de paróquia. Na visão dessas correntes
pentecostais, no momento em que nós nos convertemos, passamos a viver como autênticos católicos, vivenciando
as escrituras e os seus dogmas de uma forma fundamentalista e imparcial. Nesse período, tudo o que era
considerado secular se tornou profano. Para mim, e com certeza para muitos que estavam envolvidos nessa
atmosfera, todos aqueles que não eram católicos fiéis provavelmente estariam condenados ao inferno, e o nosso
dever como “bons cristãos” era tentar salvar essas pobres almas.

Quando você passa por essa fase, seu olhar sobre a conduta alheia torna-se unilateral. Você se sente superior de
algum modo (por mais que você não reconheça publicamente e diga que é um pobre pecador) e acredita
verdadeiramente que os únicos que são agradáveis aos olhos de Deus são aqueles que fazem parte do grupo ao
qual você pertence. Esse é um ponto bem delicado e que vou abordar em outro momento, mas, quando você vive
esse “transe”, boa parte da tua razão fica adormecida e você não consegue enxergar questões básicas da tua fé,
que não se sustentam quando são confrontadas pela Ciência ou por comprovações históricas sobre a humanidade
e outras religiões. Na verdade, você acaba vivendo um isolamento intelectual que te leva a preferir não entender
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outro ponto de vista por causa do medo de que isso possa abalar a fé. A saída mais curta para qualquer
questionamento sem resposta é “ter fé”, porque satanás procura semear a confusão e a dúvida.

Outro ponto interessante é que os eventos da vida acabam recebendo uma interpretação positiva somente para
aqueles que pertencerem ao mesmo grupo religioso. O sofrimento e a dor eram uma prova de fé para quem
pertencesse ao meu grupo religioso, mas eram castigo, ou a voz de Deus pedindo conversão para quem estava
fora dele. O fato é que fiquei tão envolvido nessa ideia, que resolvi dar um passo ainda maior na minha caminhada
religiosa e ingressei em uma comunidade franciscana como membro consagrado. Sem entrar muito em detalhes,
essa fraternidade religiosa seguia uma linha do franciscanismo que procurava resgatar suas origens através de
uma vida de pobreza e penitência austera. Estranhamente foi ali que eu me deparei com meus sentimentos mais
primitivos de intolerância.

Tínhamos um trabalho social muito bonito, mas qualquer ação social ou religiosa fora desse universo ou fora dos
padrões morais adotados pela ordem era extremamente condenável, por exemplo: a caridade realizada pela
Umbanda, ou pelo Espiritismo kardequiano, não era vista com bons olhos. A grande missão para muitos dos
seus colaboradores era a conversão das almas para o verdadeiro catolicismo.

Vivíamos uma obediência cega aos nossos superiores e às leis da igreja. Uma das frases mais citadas entre nossos
confrades era a célebre máxima de Santa Catarina de Sena: “Prefiro errar com a igreja, que acertar sem ela.”

Atualmente, não julgo nenhuma religião, porém é inegociável recusar qualquer tipo de intolerância e preconceito.
Sei que religiões sérias são definitivamente contra qualquer forma de violência e discriminação, contudo, a ideia
de uma ‘exclusividade da salvação’ ainda existe em muitas correntes cristãs e não cristãs, como pode ser nos
casos do protestantismo, islamismo, judaísmo e outras. Acho que o que falta a muitas pessoas é entender que o
fato de suas religiões se autoconsiderarem únicas e verdadeiras não garante que sejam legitimadas como tais aos
olhos de Deus. Mas isso, deixo para outro capítulo.

Essa fase extremista da minha vida durou aproximadamente 5 anos; e antes de renovar meus votos temporários,
decidi sair e seguir minha vida. A motivação da minha saída foi basicamente o desejo de constituir família, já
que isso não era possível como religioso, ou seja, a minha desistência não significou a apostasia da fé; eu
continuei como um fiel convicto por pelo menos dois anos após minha saída.

As coisas começaram a realmente mudar quando ingressei na Escola de Engenharia da Universidade Federal
Fluminense. Naquela época, por volta de 2013, prestei vestibular para o curso de Telecomunicações no campus
de Niterói (Onde a Umbanda nasceu. Coincidência??), e foi ali que um universo até então oculto para mim foi se
descortinando.

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Criei um verdadeiro vício por conhecimento, queria entender como funcionava o Universo, as leis da Natureza,
a Química, Matemática, Física. Eu comecei a ler sobre tudo e sobre todos, incluindo sobre outras filosofias e
religiões. Nesse momento, a dúvida sobre se haveria espaço para Deus na “equação” da minha vida foi lançada
no meu coração. Depois que essa dúvida se estabelece em nós, dificilmente conseguimos retornar... Ao mesmo
tempo em que foi uma fase muito produtiva intelectualmente, foi um momento psicologicamente difícil! Isso
porque, ao passo em que Deus era diminuído na minha vida, em proporção inversa o medo e a angústia
dominavam minha alma. Toda a verdade em que minha vida havia se fundamentado por décadas era
sistematicamente desconstruída. Eu comecei a acreditar que estaria aqui nesta Terra por conta própria, tudo era
fruto do acaso, e não existia mais ninguém olhando por mim lá de cima. Não havia mais um Céu onde todos
aqueles que eu amava estariam em segurança depois que partissem daqui; tudo estaria acabado, como se ninguém
jamais tivesse existido, incluindo minha própria consciência.

Suponho que todo ateu tem pelo menos uma angústia interior, por mais que não admita. Se algum dia ele amou
alguém, a ideia de finitude não é algo fácil de engolir, e nem sei se na verdade isso é possível de aceitar. A ideia
de perder as pessoas que amamos para sempre, mãe, pai, filhos, é algo assustador. Motivado por essa reflexão eu
comecei uma incansável jornada para recuperar alguma ponta de conforto. Comecei examinando algumas ideias
filosóficas clássicas; budismo, agnosticismo etc... O problema era que quando eu pensava ter encontrado a
resposta, lá no fundo eu percebia que estava tentando me agarrar a algo em que nem eu mesmo acreditava de
verdade. Essa jornada durou aproximadamente 12 longos anos e terminou há alguns meses, quando conheci a
Umbanda e seu ideal de amor universal!

Foi na Umbanda que pela primeira vez eu tive um contato concreto com o sobrenatural. Nos braços de uma
Cigana Pombagira e de um Preto Velho, fui capaz de escutar coisas que jamais imaginaria ser possível. Na
verdade, essa foi a cereja do bolo. O que de fato mais me encantou na Umbanda foi sua capacidade de simplificar
a imagem de Deus e seus ideais de evolução. Tudo em que eu sempre acreditei sobre a pessoa de Deus, Suas
ideias, como Ele pensa, estava infalivelmente reunido naquela fraternidade de fé!

Saravá nossa Umbanda!!

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O Racionalismo e a Fé

A Origem do Tempo e do Espaço

Um ponto que sempre gerava discussões animadas nos encontros com os amigos da Escola de Engenharia ou
do trabalho era a posição de algumas religiões em relação ao criacionismo cósmico.
Lembro que em um desses encontros, em 2019, falamos sobre uma então recente teoria do físico britânico
Stephen Hawking, que falecera em 2018. Hawking tentou explicar sua teoria sobre a origem do tempo e do
espaço de forma inteligível para o grande público. Esse é um dos pontos de grande discordância entre as
religiões e a ciência, mas o que de fato tenho percebido é que, quanto a tal assunto, ainda existe bastante coisa
em comum entre esses dois mundos.

Em um programa de TV norte-americano, o astrofísico Neil Tyson perguntou a Hawking: "O que havia antes
do Big Bang?” Hawking respondeu que o que havia antes da grande explosão era fundamentalmente nada.
Mas, calma, isso não significa que não havia matéria. Ele se refere ao fato de que tudo o que existia antes do
começo do Universo não pode ser explicado pela nossa ciência. Para Hawking, nenhuma lei da física vale para
além da ocorrência do Big Bang, e até mesmo a quantidade de matéria no universo pode ser diferente do que
havia antes da explosão, pois a Lei de Conservação da Matéria não se aplicaria ao Big Bang. Até aqui o
cientista britânico havia me surpreendido, pois estava indo exatamente na direção da minha linha de raciocínio
sobre a origem do tempo e do espaço. Mas, como nem tudo é perfeito... na segunda parte da entrevista ele
acabou fazendo uso de um método muito comum quando a comunidade científica não consegue explicar algo:
Enfiar goela abaixo alguma teoria ou ideia não comprovada experimentalmente, baseando-se em matemática
pura e teórica. Além disso, utilizam comparações rasas para ludibriar o público leigo e fazer voltas em torno da
questão principal. Naquele momento ele seguiu dizendo que, de acordo com a Teoria da Relatividade Geral de
Einstein, o espaço e o tempo juntos formam um contínuo de espaço-tempo que não é plano, mas curvo, por
causa da matéria e energia que contém. "Eu adoto o enfoque euclidiano (tridimensional) à gravidade quântica
para descrever o início do Universo, no qual o tempo real e ordinário é substituído pelo tempo imaginário, que
se comporta como uma quarta dimensão do espaço", declarou. "Na interpretação euclidiana, a história do
Universo no tempo imaginário é uma superfície curva em quarta dimensão, como a superfície da Terra, mas
com dimensões adicionais."

Mas o que isso quer dizer?

A forma de explicar isso é imaginarmos que estamos perto do Polo Sul, por exemplo. Se caminharmos um
pouco para o sul, finalmente chegaremos ao polo, mas, uma vez ali, já não poderemos seguir mais ao sul. As

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regras de direção e orientação que nos guiam normalmente na Terra não se aplicam. "Não há nada ao sul do
Polo Sul, portanto, não havia nada antes do Big Bang", disse Hawking. As conclusões do cientista se adequam
à condição "sem fronteiras" do Universo cujo modelo ele formulou em colaboração com James Hartle, da
Universidade da Califórnia. Em outras palavras, o contínuo espaço-tempo é uma superfície fechada, sem fim,
como a superfície da Terra sobre a qual podemos seguir caminhando eternamente sem que caiamos dela.

Sinceramente..., essa teoria mostra mais uma vez que a Ciência está longe de dar uma explicação decente para
o dilema central da questão - Não existia nada, mas ao mesmo tempo existia tudo de uma maneira diferente??
Que explicação magnífica! No fim das contas, para qualquer teoria sobre a origem da matéria sempre caímos
na mesma cilada: Quem veio primeiro, o ovo ou galinha? Ok, a matéria e o tempo podem até se curvar em uma
superfície fechada (ainda que seja uma condição não observável), mas isso não exclui o fato de que a matéria
existe, e só o fato de existir abre margem para acreditarmos em qualquer coisa sobre sua origem. Se você quer
acreditar que a matéria se autocriou, permaneceu em um loop espaço-temporal sem início nem fim, e que o que
aconteceu antes disso é um mistério inalcançável à nossa ciência, seja feliz! Você inclusive tem o direito de não
atribuir a ninguém algum feito que você não consegue entender, se isso te faz sentir-se mais sensato. O que não
faz sentido algum é Deus não existir pelo simples fato de Ele não se adequar a uma fórmula matemática ou de
não ser passível de observação por nossa tecnologia. Inclusive, essa é a única diferença entre a nossa fé e a de
alguns cientistas: Eles têm fé em uma teoria cheia de lacunas, que não pode ser experimentada, observada e
comprovada. Nós temos fé em uma realidade que também não pode ser experimentalmente observada, mas
pode ser experienciada pela mente e pelo coração humano.

Um racionalista sensato sabe que se usamos uma ciência humana com suas limitações humanas para entender
aquilo que não é humano o fracasso é inevitável. Ele entende que a incompreensão não significa inexistência; é
capaz de comprovar aquilo em que até certo nível ele compreende, e tem fé quando ele não é capaz de explicar.
Todas as leis físicas são modelagens humanas, aproximações das forças naturais em equações matemáticas,
teorias que a cada século podem ser revistas e ajustadas. É tua escolha ser ateu, e eu respeito, mas para mim faz
mais sentido aceitar o que posso explicar e ter fé no que só posso sentir.

A origem da vida

Esse é outro ponto religioso bem sensível: Criacionismo X Evolucionismo.

Novamente, vejo a possibilidade de as duas ideias coabitarem, desde de que cada um aceite o seu papel e os seus
limites nessa dinâmica. O que ocorre novamente é que algumas religiões acabam se apegando aos negacionismo
e fundamentalismo, enquanto a Ciência acaba se fechando em teorias naturalistas que se baseiam em
extrapolações desproporcionais à complexidade da origem da vida. Para as religiões, tanto a criação do Universo,
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como a dos seres vivos, tudo está repleto de alegorias e lendas. Normalmente esses fatos constam de escrituras
sagradas ou contos que são passados de geração em geração. É certo que todas essas histórias devem ser
encaradas como um enredo poético, um simbolismo sobre a epopeia de Deus no Seu ato criador. Esse realmente
é um mistério ao qual não sabemos se algum dia teremos acesso. Também é evidente que a vida está em constante
evolução. Nosso organismo pode até certo nível se adaptar às condições do meio, mas afirmar que toda a
complexidade de um organismo foi fruto exclusivo da seleção natural ou do acaso seria cair em um
fundamentalismo naturalista tão prejudicial quanto o fundamentalismo religioso.
Uma Teoria com a qual tenho muita proximidade é a do Design Inteligente (TDI). Em uma carta aberta à revista
de pesquisas biomédicas do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, o cientista brasileiro Everton Fernando Alves
apresenta de uma forma muito clara os conceitos fundamentais da TDI:

“TDI é definida como uma teoria científica que defende que certas características do universo e dos seres
vivos são mais bem explicadas por uma causa inteligente ao invés de processo não direcionado, como a
seleção natural. Também pode ser entendida como o estudo dos padrões na natureza que carregam as marcas
de causalidade inteligente... É importante pontuar que a TDI não tem como foco principal responder questões
sobre a origem da vida e do universo ou sobre a idade da Terra. Por outro lado, os teóricos do design
entendem que os mecanismos propostos pelo atual paradigma para a explicação da origem e evolução dos
seres vivos demonstraram ser inadequados no contexto de justificação teórica... Também é importante
esclarecer que a TDI não nega certo grau de evolução referente à adaptabilidade das espécies, como, por
exemplo, pequenas modificações (microevolução) que geram variações biológicas limitadas dentro da mesma
espécie, e que podem ser observadas tanto na natureza quanto em laboratório. A TDI é uma teoria científica
minimalista sobre sinais de inteligência empiricamente detectados na natureza, propondo que a complexidade
irredutível em sistemas biológicos e a informação complexa especificada (como o DNA) são sinais de
inteligência...”

Acho essa ideia muito compatível com a realidade, e inclusive consigo fazer uma comparação muito
esclarecedora sobre esse tema.

Sou pós-graduado na área de Aprendizado de Máquina e Inteligência Artificial pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, e uma das técnicas computacionais mais promissoras para evolução dos sistemas
autônomos é a técnica de aprendizado por reforço. Aprendizagem por reforço é o treinamento de modelos de
aprendizado de máquina para que ela possa tomar decisões, considerando apenas as entradas recebidas do meio
externo; desse modo, a máquina aprende a atingir uma meta em um ambiente incerto e potencialmente complexo.
No aprendizado por reforço, a máquina, ao enfrentar uma nova situação, utiliza tentativa e erro para encontrar
uma solução para o problema. Para que a máquina faça o que o programador deseja, a inteligência artificial recebe
recompensas ou penalidades pelas ações que executa. Seu objetivo é maximizar a recompensa total. Esse
conceito se baseia na dinâmica de aprendizado do cérebro humano, e acredito que, em alguns anos, tendo como
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base essa técnica, será possível que uma máquina evolua no seu aprendizado “por vontade própria”. A reflexão
que quero provocar com essa ideia é que, mesmo que isso aconteça, seu criador, o homem, foi essencial no
processo. Ele é o ser inteligente que definiu o algoritmo primário da criação e depois deixou a máquina seguir
seu curso de evolução. Esse algoritmo primário jamais seria concebido por processos e ideias aleatórias, mas foi
sistematicamente pensado e criado por um ser inteligente. Para os seres vivos, esse algoritmo primário é o DNA.
A seleção natural ou o acaso jamais seriam capazes de estruturar as bases da vida. Esse feito necessariamente
depende de informação, de um projeto previamente estabelecido, onde cada elemento básico foi
minunciosamente pensado.

Essa questão acaba se tornando ainda mais crítica quando os evolucionistas tentam explicar a origem da primeira
forma viva, de onde teoricamente toda a Vida floresceu.

Uma das tentativas mais contraditórias e fracassadas foi a Teoria da Seleção Química ou a Teoria da Atração
Elemental. Os seus próprios formuladores abandonaram suas linhas de raciocínio, porque a necessidade de
informação para o surgimento de estruturas biológicas consideradas básicas seria imprescindível. A química
elementar não pode ser conduzida pela seleção natural, pois são necessários alguns elementos biológicos mínimos
para que a informação seja transmitida. Sendo assim, a única saída que resta para o evolucionismo darwiniano
é afirmar que o primeiro ser vivo da terra, dotado de uma complexidade genética imensurável, foi resultado de
interações caóticas entre moléculas elementares. Sério, isso?

Vamos fazer um exercício simples de inferência científica que peguei na internet:


Você conhece o monte Rushmore, nos Estados Unidos? Nele foram esculpidos os rostos de quatro presidentes
norte-americanos. Se não houvesse nenhum registro histórico sobre quem foi o autor dessa proeza, o que um
cientista pensaria? Será que ele pensaria: “Isso foi resultado da erosão causada por chuva e ventos ao longo de
alguns milênios.”? Obviamente que não! Ele diria: “Alguém fez isso, só não sabemos quem.” O que levou esse
cientista a pensar dessa forma? O simples fato de que existem padrões na rocha que são completamente
conhecidos pelo homem e que carregam informação inteligível. Essa informação jamais poderia ser concebida
pelo acaso. Podemos parar por aqui.

Assim como o criacionismo cosmológico, cada qual pode nomear no seu interior o autor de tal perfeição sem se
sentir diminuído ou ignorante diante de céticos radicais e racionalistas tendenciosos, pois, até o momento, tudo
é especulação científica e teorias parcialmente baseadas em filosofias naturalistas que não podem ser
completamente observadas e comprovadas. Para nós que cremos em Deus fica evidente quem é o Autor de
tamanhas proeza e perfeição. Sem Ele, o processo evolutivo seria um processo indefinidamente caótico e estéril
e a vida como conhecemos nunca teria existido.

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Fundamentalismo Religioso

Naturalmente, nem todas as questões científicas são inexplicáveis e algumas delas foram incansavelmente
provadas e experimentadas ao longo da história. Infelizmente o fundamentalismo religioso de algumas
doutrinas acabam negligenciando e ignorando tais descobertas. Muitos cientistas da Idade Média, por exemplo,
foram presos e mortos pela igreja Católica simplesmente por tentarem provar que alguns conceitos religiosos
sobre as leis naturais estavam errados. Um exemplo clássico era acreditar que a Terra era plana e que o Sol
girava em torno dela. Apesar de termos avançado nesse assunto, atualmente ainda existe muita confusão.
Algumas religiões ainda negam descobertas cientificamente comprovadas ou tentam explicar eventos
espirituais a partir de conceitos científicos (incluindo a Umbanda). Isso é um grande erro; e precisamos
entender e aceitar nosso papel neste mundo para não desperdiçarmos tempo e energia em assuntos que não são
de nossa competência.

Algumas correntes espiritualistas por exemplo, tentam incluir esses conceitos científicos em suas doutrinas
com o intuito de esclarecer conceitos e elementos espirituais. O problema é que isso é feito sem uma
fundamentação científica decente e quase nunca se sustenta; e por isso acaba gerando constrangimento e falta
de credibilidade para a religião, além de gerar inúmeras dúvidas em seus seguidores. Acredito nas boas
intenções desses movimentos, mas sou muito cético em alguns assuntos como as Físicas Quântica e
Eletromagnética (bases da minha formação acadêmica). Esses setores da Física já foram largamente
experimentados e qualquer afirmação a respeito precisa ser cientificamente provada, já que possuímos
modernos sistemas de medição que são capazes de realizar qualquer tipo de experimento.

Um assunto muito debatido dentro da Umbanda diz respeito ao magnetismo místico e sobre as interações
energéticas.

É certo que não podemos confundir energias espirituais com energias eletromagnéticas, e, por maior que seja o
esforço em tentar explicar o plano espiritual por meio de leis físicas (eletromagnéticas e quânticas), nunca foi
provada tal associação a partir da experimentação científica. Como foi apresentado acima, estamos falando de
eventos sobrenaturais que não podem ser medidos ou entendidos utilizando-se tecnologias naturais. Se por
algum motivo um espírito se manifesta por vias naturais (vozes em rádio, imagens em TV, fotos, etc), isso foi
uma ação exclusiva do espírito, e não teve relação direta com nossa tecnologia. Ele poderia ter se manifestado
em um espelho, em uma imagem de gesso ou em qualquer outro elemento “não tecnológico”.

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Tolerância e relativismo religioso

Esse é um assunto que não deveria ser discutido em um livro como este, pois, na minha visão, todos aqueles
que creem em Deus e na sua lei de amor deveriam se apoiar e se amar. Nossa luta deveria ser no campo
sobrenatural e não no campo natural, mas infelizmente… O que vemos desde que o homem alcançou sua razão
é que a fé sempre foi motivo de guerras, ódio e destruição. A intolerância religiosa é um tema muito crítico na
história do homem; e eu gostaria de me aprofundar e dedicar algum tempo aqui.

Umas das teorias em que me baseio para entender como o sentimento tão abominável da intolerância pode
arrastar milhões de pessoas dentro das igrejas e, ao mesmo tempo, fazer com que elas acreditem que o amor é
tema central de sua fé, tem a ver com os chamados Tipos Ideais, de Max Weber.

Max Weber foi um filósofo/sociólogo alemão que, no auge de seu questionamento sobre os métodos científicos
de sua época, propôs a ferramenta metodológica dos Tipos Ideais para tentar entender como uma ideia pode ser
aceita como verdadeira, mesmo que não existem evidências suficientes para tal. Um exemplo clássico que
ilustra isso é a forma como o sistema político de um país, munido de um Tipo Ideal como o da democracia,
torna-se tendencioso quando ele mesmo tenta se classificar como sendo democrático ou não. Nessa
comparação, ainda que não sejam observadas todas as características de um modelo de democracia, esse
sistema político tende a se considerar democrático se a maior parte de sua organização for condizente com o
Tipo Ideal da democracia. Isso explica como é possível para uma religião apoiar, ou simplesmente ignorar atos
de ódio e intolerância e, ainda assim, sustentar a ideia de que sua doutrina sempre esteve baseada no amor e no
respeito. Enquanto a maior parte dos seus fundamentos doutrinários favorecerem o amor e o respeito (mesmo
que somente dentro da comunidade), algum tipo de intolerância e ódio se tornará aceitável.

Outra questão muito pungente dentro de algumas religiões monoteístas e politeístas é o exclusivismo da
salvação. A premissa imposta para um fiel de uma determinada religião é que sua doutrina é a única verdadeira
e digna de salvação. Cada religião sempre irá analisar as outras a partir da sua visão da verdade. Isso, até certo
nível, faz sentido quando, por exemplo, uma religião monoteísta analisa uma religião politeísta, pois para uma
religião monoteísta a existência de outros deuses acaba levantando complicações teológicas, ameaça ou
deterioração da perfeição e completude da divindade cultuada. Se pregarmos Jeová como único Deus e Senhor,
será inconcebível que outro deus exista ou lhe seja equivalente em grandeza e perfeição. Além disso, essa ideia
acaba trazendo confusão e dúvidas entre os seguidores: “Quem seria o maior? Para qual deles eu deveria
dedicar a primazia do meu amor, devoção e adoração?” Esse é um tema tão fundamental dentro de uma
doutrina monoteísta, que o catolicismo dedicou dois concílios para discutir como seria interpretada a ideia de
um Deus uno e trino: Pai, Filho e Espírito Santo.

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No Concílio de Niceia, que aconteceu no ano de 325, foi discutida a divindade Jesus, e no Concílio de
Constantinopla, no ano de 381, foi discutida a divindade do Espírito Santo. Para católicos e protestantes existe
um único Deus em três pessoas. As três pessoas são distintas, mas compartilham a mesma substância, essência
e natureza. Na umbanda existe algo bem semelhante. Temos um único Deus (Olorum ou Zambi) manifestado
aos homens nas pessoas dos seus Orixás. Por isso essas religiões são ditas ‘monoteístas’, assim como o
Judaísmo, Islamismo entre outras.

Essa é uma definição que foi sincretizada pela Umbanda de outras religiões e que para mim se adequa muito
bem a ideia de Deus.

No politeísmo temos deuses independentes, com interesses e inclinações distintas, mas que também são
dotados de eternidade e onipotência. Sinceramente, para mim isso muito sentido... Estamos falando de deuses
que podem criar e destruir tudo, inclusive uns aos outros, o que não seria algo muito raro já que são pessoas
distintas e com motivações e interesses distintos. Se isso fosse uma realidade, o que ou quem iria garantir o
equilíbrio do universo? Em contrapartida, se um destes deuses, ou um grupo deles não é equivalente em poder
aos seus superiores, ou seja, está subjugado ao poder de um outro deus, esse ser já não pode ser considerado um
deus, já que Deus precisa ser necessariamente onipotente. De modo igual, se um deus foi criado por outro deus,
ele não pode ser Deus, já que Deus precisa ser eterno. Mesmo que Deus tenha assumido a forma humana, sua
essência é onipotente e eterna, caso contrário, ele estaria mais próximo da natureza de um anjo ou um espírito
muito evoluído. Então quem são os Orixás? São a personificação das qualidades de Deus reveladas aos
homens, já que Deus em sua essência não tem forma. Mas falaremos disso mais à frente.

As divergências inter-religiosas não acontecem somente entre religiões monoteísta e religiões politeístas. Na
verdade, as grandes guerras travadas na Idade Média e na Era Moderna aconteceram entre religiões
monoteístas.

É consenso que as algumas das guerras mais sangrentas da humanidade foram travadas por motivações
religiosas, e isso acontece até os dias atuais. Para ilustrar o tamanho da insanidade humana motivada por
ideologias religiosas, quero dar alguns pouco exemplos:

● Guerras cruzadas (Católicos x Mulçumanos - séculos XI e XIII) - Terra Santa


● Guerra dos Camponeses (Católicos x Protestantes- 1524 à 1525) - Alemanha
● Segunda Guerra de Kappel (Católicos x Protestantes-1531)- Suíça
● Guerra de Esmalcalda (Católicos x Protestantes- 1546 à 1547) no Sacro Império Romano-Germânico
● Guerra dos Oitenta Anos (Católicos x Protestantes- 1568 a 1648) - Países Baixos
● Guerras religiosas da França (1562–1598) - França
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● Guerra dos Trinta Anos (Católicos x Protestantes- 1618 a 1648)- afetando o Sacro Império Romano,
incluindo Áustria de Habsburgo e Boêmia, França, Dinamarca e Suécia
● Conflitos da guerra santa (Mulçumanos x Infiéis - 1996 e 2006) - Afeganistão
● Guerra de sharia (Cristãos x Mulçumanos - 2002 até dias atuais) - Nigéria
● Guerra da faixa de Gaza (Judeus x Mulçumanos 1993-2012) - Palestina

Despenderíamos muito tempo enumerando dezenas de conflitos menores que em sua totalidade derramaram
mais sangue que qualquer catástrofe natural ou doença. Toda essa matança teve como maior justificativa a
defesa da fé.

Mas qual fé?

A palavra “fé” foi metodicamente descontextualizada por cada religião. Desde então, a fé não está associada a
um Deus que em teoria deveria ser único em todo o universo, mas está associada a um Deus específico que em
cada religião possui um nome e definiu claramente como deve ser a conduta do homem para que ele alcance a
salvação. Esse código de conduta normalmente é apresentado aos seus fiéis no formato de um livro sagrado que
precisa ser interpretado e ensinado pelos seus líderes religiosos. Ou seja, as várias imagens de Deus dentro cada
religião é formatada a partir dos seus livros sagrados e de suas interpretações particulares. No catolicismo,
temos o Antigo e o Novo testamento, além da tradição católica e seu magistério (interpretação dos livros
sagrados na visão católica). No protestantismo, temos o Novo e uma parte do Antigo Testamento e o magistério
protestante (interpretação dos livros sagrados na visão protestante). No judaísmo, temos o Antigo Testamento e
seu magistério. No Islã, temos parte do Antigo Testamento e o Corão. No, hinduísmo temos os Vedas, e assim
por diante. Essas divergências já são mais que suficientes para entendermos grande parte dos conflitos. Apesar
de uma parte dos livros sagrados de algumas religiões lhes serem em comum (Antigo Testamento), o
magistério ou interpretação desses textos são bem diferentes. Um mesmo versículo pode ter diferentes sentidos
para um católico, ou para um protestante, ou para um judeu, ou para um muçulmano! Essas interpretações
(algumas mais fundamentalistas; outras, menos) acabam modificando o código de conduta adotada por cada
uma delas. Ou seja, o que é pecado para uma religião pode não ser para outra.

Isso traz duas questões interessantes:

1. Em qual religião encontraremos o verdadeiro Deus? Vamos focar nas maiores religiões monoteístas
para facilitar a reflexão.
2. Qual desses códigos de conduta realmente representa a vontade de Deus?

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A primeira pergunta não deveria estar diretamente relacionada à revelação divina. Deus poderia se apresentar
com qualquer nome: Alá, Jeová, Jesus, Olorum, Zambi; inclusive esses nomes poderiam ser substituídos por
alguns de Seus atributos: O Criador, o Todo Poderoso ou somente Deus. O que realmente interessa nesse
sentido é como minha religião enxerga as competências de Deus e suas qualidades. Se ele é perfeito, infinito,
eterno, poderoso, onisciente, onipotente e onipresente ao ponto de ter criado o Universo e ter atuado
diretamente na criação da Vida, quais as chances de estarmos falando da mesma pessoa? Exato! 100%.
Acredito que para muitas religiões monoteístas esse é um conceito relativamente tranquilo de entender e
aceitar. O que ainda pode gerar algum tipo de divergência, é como as religiões interpretam a pessoa de Deus.

Outra questão de grande conflito está relacionada ao segundo ponto.

Uma vez vencidas as barreiras nominais e qualitativas de Deus, precisamos entender quais são suas regras, ou
melhor, o que Lhe agrada e o que Lhe desagrada. Na prática, as regras impostas por Deus dentro dessas
religiões possuem um cunho condicional: Se você seguir minhas regras eu te darei uma recompensa, em caso
contrário eu te darei um castigo. Esse prémio em algumas religiões nós receberemos ainda em vida; em outras,
só após a morte, ou até mesmo nos dois momentos! Não vejo problemas nisso, até porque precisa haver um
equilíbrio no Universo. Existem coisas que podem acontecer e outras que não deveriam acontecer, pois em caso
contrário o Universo e as relações humanas seriam regidos pelo caos, e não estaríamos aqui. O problema é
saber o que de fato é do Seu agrado e o que não. Bom, vamos olhar para o que cada religião tem a nos dizer
sobre esse ponto:

● Judaísmo

No dia do julgamento você será poupado caso tenha vivido segundo o "Mishné Torá", que basicamente
sistematiza a Lei judaica em uma relação de 613 mandamentos, subdivididos em 248 preceitos positivos e 365
preceitos negativos.

Obs: Proclamar Jesus Cristo como Senhor e salvador é blasfêmia para o judaísmo.

Tabelinha da salvação

Judeus fiéis: Salvos


Católicos: Condenados
Protestantes: Condenados
Mulçumanos: Condenados

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● Catolicismo

Você será salvo se você professa Jesus Cristo como Senhor e Salvador, além de não cometer pecados
considerados mortais: Adultério, apostasia, blasfêmia, divórcio, homicídio, fornicação, feitiçaria, sacrilégio,
suicídio, estupro, terrorismo.

Obs: Os pecados da Blasfêmia e da Apostasia incluem negar dogmas presentes na Bíblia e na tradição católica.

Tabelinha da salvação

Judeus: Condenados
Católicos fiéis: Salvos
Protestantes: Condenados
Mulçumanos: Condenados

● Protestantismo

Se você professa que Cristo é o Senhor Salvador de forma "verdadeira", você está salvo. Mas isso é colocado à
prova na vivência das escrituras: Basicamente não cometer os pecados descritos no Antigo e no Novo
Testamentos... Se você comete algum desses pecados, sua profissão de fé não foi genuína e na verdade você
nunca esteve salvo.

Tabelinha da salvação

Judeus: Condenados
Católicos: Condenados
Protestantes fiéis: Salvos
Mulçumanos: Condenados

● Islamismo

Caso você não professe Alá como seu único Deus e Senhor e não viva segundo suas leis (basicamente descritos
no Corão e em alguns livros do Antigo Testamento) você não é digno de salvação.

Tabelinha da salvação

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Judeus: Condenados
Católicos: Condenados
Protestantes: Condenados
Mulçumanos fiéis: Salvos

Total de pessoas salvas por Deus segundo essas religiões: 0

Podemos notar que existe uma falha grave nos sistemas religiosos que aparentemente as pessoas não
conseguem entender (ou não querem).

Não faz sentido páginas e páginas de regras que não convergem a um entendimento em comum. Se existe uma
regra a ser seguida, acredito profundamente que ela possui um propósito suficientemente capaz de manter o
equilíbrio entre as mais diversas formas de pensar e que certamente não iria contra a iniciativa criadora de
Deus.

Reflita comigo: Se Deus teve tanta dedicação em criar o Universo e conduzir pessoalmente a evolução de todos
os seres viventes, por que Ele desejaria a destruição da sua própria criação? Definitivamente Ele não quer! Ele
tem profundo interesse na manutenção e evolução de todo o plano criado, e Ele também nos deu a razão e
inteligência para entender que, se não queremos nossa própria destruição, não devemos destruir o que nos
cerca. Isso inclui outros seres humanos, a natureza e o universo como um todo. Acredito ser possível resumir
essa expectativa de Deus em relação a sua criação em uma palavra bem conhecida em qualquer vocabulário
sobre a terra: O Amor! O Amor que se manifesta como carinho e gratidão ao divino, como caridade ao seu
semelhante, como um sentimento de preservação da criação. Se existe uma regra capaz de expressar o desejo
de Deus é a do amor universal. Todo o resto é invenção humana; interpretações parciais e particulares
enviesadas por cada contexto cultural e temporal.

Mas ainda existe uma questão sobre a qual você pode estar se perguntando: Tudo bem, um teísta que vive o
amor, independentemente de sua religião poderia ser salvo, mas e um ateu? Esse, jamais!
Por que não seria? Conheço ateus que têm um senso de justiça afinadíssimo e uma caridade sem precedentes.
Isso é mais do que suficiente!

A Lei do Amor é muito fácil de ser entendida, mas sabemos que não é simples de ser vivida. Uma das
explanações mais belas sobre essa lei que foi dada por Jesus acabou ganhando um lugar de destaque dentro do
catolicismo, da Umbanda e do kardecismo: “Ame a teu próximo como a ti mesmo e não faça aos outros o que
não queres que faça contigo.”

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Simples, mas extremamente eficiente!

Acredito que um bom começo para que nós possamos seguir em direção à tolerância e ao respeito entre todos
os credos seja o de olhar o passado e aprender com nossos erros. Depois disso, seremos capazes de montar um
panorama completo da fé humana, sem visões parciais e tendenciosas, e iremos a todo momento nos colocar na
posição do outro. Deus se manifesta de formas distintas em cada contexto histórico, cultural e geográfico, mas,
no fim das contas, todas essas religiões buscam se relacionar com Deus e realizar seu único desejo: “Amai-vos
uns aos outros como eu vos amei.”

Por que a Umbanda?

A partir desse ponto, a leitura deste livro nem seria mais necessária. Mas como assim?

Já apresentamos inúmeros argumentos para que você procure sua espiritualidade, mostramos que Deus não está
contido em uma religião e que o nome que damos a Ele não é realmente relevante. O que de fato importa é
reconhecer Suas competências e qualidades e saber que única coisa que Ele quer é o amor universal. O primeiro
capítulo seria mais que suficiente para te entregar essa mensagem. Porém... Se você resolveu continuar lendo,
posso garantir que você vai se apaixonar pela Umbanda e provavelmente irá encontrar nela tudo o que foi exposto
anteriormente de uma forma maravilhosa e encantadora.

Agora, para mim, Alan Henrique, por que a Umbanda?

Porque para a Umbanda só basta simplicidade e amor. Esse é o princípio, meio e fim da Umbanda, seus
fundamentos e alicerces.

Aqui não existe um livro sagrado enumerando o que é pecado e o que é virtude, não existe um ritualismo sagrado
ou profano, não existe dízimo ou fé monetizada. Todo o ritualismo é sagrado desde que seja para sua evolução
no sentido do amor universal com humildade e simplicidade. Não existem tabus ou pecados; tudo o que não te
destrua sistematicamente ou prejudique o outro é bom aos olhos do Divino.

Na Umbanda, tudo o que recebemos vem dos nosso Deus e Criador Zambi, que se manifesta e nos abençoa
através das forças e recursos naturais que são regidos e sustentados por seus sagrados Orixás. Para mim isso faz
todo o sentido, e era exatamente essa a ideia que tinha de Deus. Se tudo o que recebemos para viver recebemos
da natureza, isso significa que, por meio dela, somos concretamente sustentados e agraciados por Deus.

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Zambi é o nome que damos a Deus na Umbanda. Herdamos parte da nossa fé de povos africanos, que, por conta
de suas necessidades culturais, históricas e geográficas, receberam revelações e mistérios da forma como os
conhecemos. A Umbanda sincretizou em sua fé quase que a totalidade desses mistérios, pois eles continuam
extremamente adequados e compatíveis com o propósito de Deus para Sua criação. É fato que Deus se manifestou
de outras formas em diferentes contextos históricos e culturais, e essas revelações são tão válidas quanto as da
Umbanda, mas algo me chama muita atenção nas bases africanas da nossa religião.

Sabemos que o Homo Sapiens, a ramificação dominante de nossa espécie, que foi capaz de desenvolver um
raciocínio sistemático sobre si mesmo e o ambiente que o rodeia, surgiu em solo africano. Seu antigo modo de
vida ainda guarda muitos mistérios, e não podemos afirmar se, ainda na remota origem africana, ele foi capaz de
se questionar sobre questões fundamentais para a evolução espiritual: De onde viemos e para onde vamos depois
que desencarnamos? Existe um plano maior para a criação, ou simplesmente nascemos e, depois da morte,
desaparecemos? Caso exista um plano maior, quem será o seu grande autor e sustentador? Existem pinturas
africanas antigas compostas por elementos da natureza que poderiam representar algum tipo de esforço do
homem em sua comunicação com o Divino. Nem nós e nem mesmo a Ciência podemos afirmar qualquer coisa
sobre isso (somente se algum dia alguém inventar uma máquina do tempo!), mas, baseado nas considerações
acima, não seria nenhum exagero pensar que o homem espiritual também deu seus primeiros passos em solo
africano. Então, sim! A África tem uma enorme autoridade para falar de fé.

Agora vamos falar de alguns pontos chaves que norteiam e dão fundamento a essa religião tão bonita e viva.

Amor, simplicidade e conexão com a natureza

Particularmente, sempre acreditei que o amor, a simplicidade e o culto à natureza são as características mais belas
e coerentes com o propósito divino. Para minha sorte, essas são as bases mais significativas da nossa amada
Umbanda!

Como foi exposto anteriormente, quando uma religião começa a se afastar desses princípios, com toda certeza
Deus fará o mesmo. O problema é que historicamente isso tornou-se muito frequente dentro das religiões, e se
deve ao fato de que a natureza humana é especialista em complicar tudo! Temos a falsa noção de que, quanto
mais complexa, mais válida e embasada é uma ideia. Isso pode até valer para assuntos acadêmicos e científicos,
mas para assuntos espirituais, com certeza não seria uma boa abordagem. Isso por um simples motivo: Deus quer
alcançar a todos! Deus quer alcançar o analfabeto, o deficiente, pessoas de todas as classes sociais, etnias e locais.
Seria ilógico Deus eleger um povo, um período ou local específico para se relacionar. Se fosse assim, quem
estenderia seu domínio sobre outros povos e nações? Outro Deus? Mas não existe um único Deus?

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Em minha jornada de resgate da fé eu tive a oportunidade de ler o livro sagrado de muitas religiões, como
hinduísmo, budismo e cristianismo, e posso afirmar que eles são bem complicados… eram tantas regras que em
alguns casos uma regra acabava contradizendo outra. No capítulo sobre tolerância e relativismo religioso,
fizemos uma análise sobre os postulados de salvação de algumas religiões, e o que percebemos é que, no final de
tudo, a salvação se tornou algo tão específico e engessado, que Deus se tornou inalcançável. Teologia, liturgia,
templos, livros sagrados, leis... Para Deus isso não é o fundamental, pois o que realmente importa é se vivemos
o amor e a simplicidade em nossa religiosidade. O papel de todos aqueles outros detalhes secundários é o de
apoiar de algum modo a prática dos princípios fundamentais. Se o ritualismo em tua religião é tão complexo, ao
ponto de dificultar tua conexão com o Criador, ou se o moralismo religioso é tão denso que te afasta do amor ao
próximo e do sentimento de conservação da criação, saiba que Deus não está satisfeito.

Infelizmente as religiões não querem mais ter como núcleo de sua fé a caridade. Além disso elas tentam a todo
custo diminuir sua parcela de culpa ao negligenciar essa virtude. Por esse motivo, muitas das vezes algumas
religiões substituem a caridade por práticas ritualísticas. É muito mais fácil conversar com uma imagem, se
encher de amuletos e viver de oferendas e preces, ao ter que suportar uma vizinha inconveniente, levar um
prato de comida para um sem teto ou fechar a boca para não falar mal do irmão. E se por acaso eu falhar com a
caridade, é só colocar a culpa no espiritual. Foi tudo culpa do diabo, do encosto, etc... Eu queria fazer, mas ele
me tentou e eu acabei não resistindo. Coitado do diabo...

Doutrina e culpa são invenções do homem para um contexto particular. Definitivamente elas não representam
Deus e não podem ser exigidas com via de salvação ou evolução.

Sobre esse ponto eu sempre uso como exemplo uma questão muito básica: caso Deus exigisse ser nomeado
segundo Seu livro sagrado, ou exigisse ver as regras sendo cumpridas segundo o código moral das suas escrituras,
o que seria daqueles que nasceram no meio das florestas remotas, desertos, montanhas? Alguns ainda
argumentariam: Por isso a importância do trabalho missionário. Mas “péra” aí! Então, quem teve o azar de não
ter encontrado um missionário durante sua vida acabou morrendo em pecado e consequentemente foi condenado?
Ou seja, a salvação é uma loteria?

Um fato histórico muito curioso que foi registrado pelo padre José de Anchieta nas missões inacianas entre os
índios Tupinambás no norte do Brasil, representa muito bem a necessidade de uma relativização do moralismo
religioso.

Segundo Anchieta, o sentimento de ciúme entre as mulheres dentro de um relacionamento poligâmico era algo
inexistente e desconhecido. Então, vamos pensar: Se o ciúme não era causa de sofrimento ou prejuízo nem para
o homem nem para a mulher, como ele poderia ser considerado pecado?

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Certa vez, escutei a história sobre um missionário católico que foi enviado em uma missão evangelizadora entre
tribos isoladas na floresta amazônica. Foi feito um registro sobre os costumes dos indígenas e sua visão sobre a
poligamia. Inicialmente, a descrição oferecida quanto à compreensão das mulheres da tribo sobre esse tema era
a de que o convívio entre as esposas de um mesmo indivíduo no relacionamento poligâmico era de completa
harmonia e paz. As indígenas enxergavam as outras esposas de seu marido como irmãs e cada uma tinha seu
papel na família. Após alguns meses de catequização, algumas indígenas começaram a adoecer. Os missionários,
preocupados com a possibilidade de que alguma doença da civilização houvesse contaminado a tribo, solicitaram
que um corpo médico fosse enviado para o local. Durante a avaliação médica, as indígenas reclamavam de uma
intensa dor na barriga, mas que tinha hora exata para acontecer. A dor só acontecia quando uma das outras esposas
do marido ia se deitar com ele. Os missionários perceberam, então, que não se tratava de uma doença, mas de
uma questão psíquica. As indígenas não entendiam o que era o ciúme, de modo que elas não sabiam como
expressar esse novo sentimento e o consideravam como algum tipo de doença. Depois desse episódio, os
missionários reconheceram que a presença do homem branco estava corrompendo a "inocência" dos costumes
indígenas e solicitaram a seus superiores o fim das missões.

Acredito piamente nessa história, porque, até hoje, vemos que muitas religiões assumem como pecado aquilo
que não faz a menor diferença para os ideais divinos de amor e simplicidade. Por que a homossexualidade,
tatuagens, piercings, o poliamor, meu corte de cabelo, se eu uso ou não uso barba seria condenável aos olhos de
Deus? O que isso influencia na prática do bem e do amor? Insisto em dizer que precisamos ter diante dos nossos
olhos, como um verdadeiro farol no meio da escuridão, a lei maior do amor. É ela que deve guiar nossas ações a
todo momento: Ame ao próximo como a ti mesmo, e não queira para o outro o que não quer para ti. Se o que eu
faço não me prejudica sistematicamente (consumo descontrolado de drogas, trabalho em excesso etc.) e não
prejudica o meu próximo, não existe pecado nisso.

Além disso, vamos supor hipoteticamente que o Deus verdadeiro não seja aquele pregado por tua religião. Nesse
exercício fictício, vamos considerar que o Deus verdadeiro se revelou exclusivamente a uma aldeiazinha no fim
do Mundo. Certo dia, um missionário dessa suposta religião chega até você com a boa nova da salvação e exige
sua conversão. Qual seria a tua resposta? Você que nasceu e viveu por cinquenta anos no cristianismo ou no
Islamismo, qual seria a tua reação? Mesmo que esse suposto deus fizesse um milagre na tua frente, qual seria a
tua interpretação?
“Pois aparecerão falsos profetas que realizarão grandes sinais e maravilhas para, se possível, enganar até os
eleitos” (Mateus 24:24)

Já parou para refletir que todas as outras religiões também possuem esses mesmos mecanismos de defesa que
sustentam a tenacidade e a convicção dos fiéis na sua própria crença? Quanta bobagem…

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Deus é democrático e o campo espiritual não é um nepotismo onde só os conhecidos serão agraciados com a
salvação. Esse é um dos motivos pelo qual a Umbanda não é proselitista. Se a tua religião prega o amor e
simplicidade, você não precisa se converter a umbandista; fique na tua religião, pois você está no caminho certo!
Agora, se você se identifica com a forma como Deus se apresenta na Umbanda, ou se você precisar eventualmente
de uma palavra ou ajuda espiritual que você não encontrou na tua religião em um momento específico da tua
vida, estamos aqui com nossos Guias e Orixás, prontos para te auxiliar. A umbanda acredita na evolução, tanto
dos seres encarnados, como dos seres desencarnados, a partir do amor universal, e todos estão se comunicando e
se ajudando mutuamente. As Entidades, nossos irmãos desencarnados, recebem de nós o amor, carinho e gratidão
materializados por meio de firmezas, preces e oferendas, e desinteressadamente nos ajudam por meio de seus
conselhos, sabedoria e, também, portando a proteção e cura divina.

É certo que o processo de engessamento de uma religião é diretamente proporcional ao seu tempo de vida.
Estruturas mais antigas tendem a acumular mais preceitos e regras, e com a Umbanda não vai ser diferente. Olho
com um pouco de receio algumas vertentes da Umbanda que tendem a complicar nossa religião. Como bom
umbandista, respeito todas elas, mas entendo que não preciso de nada disso para alcançar minha evolução e a
intimidade com meus Orixás e Guias. Se uma pessoa acamada não pode ir ao ponto de força de um Orixá para
fazer uma oferenda, estaria em desvantagem em relação a uma pessoa saudável? Se uma pessoa em condição de
rua não pode comprar o que as entidades pedem, ela será sumariamente ignorada em suas preces? Eu estaria
simplesmente negando tudo o que foi dito até agora se concordasse com uma coisa dessa. Umbanda é amor e
simplicidade, e ponto final!

Uma outra característica da umbanda que na verdade está diretamente ligada ao amor universal e a simplicidade
é a conexão com a natureza.

Uma coisa muito incoerente que eu observo na maior parte das religiões monoteístas é que o culto a natureza
como manifestação de Deus é pouco tratado e até mesmo visto como algo irrelevante.

Lembro que quando estava na fraternidade franciscana, existia uma repulsa inexplicável sobre a visão naturalista
de São Francisco. O foco sempre foi o amor a Deus e ao próximo. Acho que isso tem relação com a forma como
as escrituras abraâmica e cristã se estruturam nesse assunto. Os pontos centrais nessas religiões sempre foram o
amor a Deus. Vejo que a Igreja católica está se movimento para resgatar essa consciência, e isso é realmente
admirável.

Por muitos séculos, a natureza foi vista como um recurso à disposição do homem, que tinha a missão de dominá-
la, explorá-la, sem qualquer tipo de respeito ou reverência, mas toda a matéria, substância e essência veio dela,

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vive dela e retornará a ela! Quando falo de natureza, falo dos elementos naturais (energias naturais e elementos
químicos) e de todos os seres vivos, incluindo os seres humanos. Talvez não tenham percebido, mas toda vez que
me refiro ao amor, me refiro a um amor universal que inclui os elementos e outros seres vivos. Não basta ter
amor ao próximo se você não utiliza os recursos naturais com o amor que, nesse contexto, se expressa como
sentimento de gratidão e conservação.

Somos agraciados com o dom da razão, mas isso traz consigo uma enorme responsabilidade, porque somos
constantemente tentados a utilizar os recursos naturais motivados por ganância e vaidade. Quando falo de
conservação não me refiro à abstenção, até porque não poderíamos sobreviver sem água, ar, minerais e proteínas.
Estamos em um nível trófico da cadeia alimentar que depende necessariamente desses elementos, assim como
dependem os felinos e caninos. No entanto, a motivação desses outros seres vivos é exclusivamente conservar
sua própria espécie. Ou seja, nada do que foi consumido vai além do necessário para sobrevivência. Por que um
homem mata um leão? Simplesmente para expor sua cabeça na sala e se gabar diante dos amigos. Por que
poluímos os rios e o ar? Para sustentar padrões sociais que nós mesmos criamos e definimos como símbolos de
felicidades. Por isso os caboclos são uma das bases da Umbanda. Em boa parte dos casos, as tribos indígenas
entendiam que a relação com natureza deveria ser baseada no equilíbrio. Se eu exigir dela mais do que ela pode
me oferecer, em um determinado momento eu serei o principal prejudicado.

A natureza nos ensina a sermos simples e a entendermos que nossos ideais de felicidade estão doentes e se
baseiam em alegrias fúteis e efêmeras que sempre são insuficientes. A felicidade do homem dito ‘civilizado’ é
inalcançável. Aprenda a ser grato pela fragrância das rosas, pelo sabor complexo e arrebatador das frutas, pelo
calor do sol, pela chuva que faz crescer e pela água que sacia. Fazendo isso, você será realmente feliz.

O sincretismo religioso

Provavelmente todo umbandista conhece a história de nosso amado pai Zélio de Moraes, mas para aqueles que
ainda não são de nossa religião, gostaria de relembrar como tudo aconteceu e, a partir daí, poderemos refletir
alguns tópicos sobre o sincretismo religioso.

Não quero descer a detalhes quanto a uma discussão chata, que está na moda, sobre os verdadeiros fundadores
da Umbanda. Eu sei que muitos falam que Caboclos, por exemplo, já eram incorporados nas macumbas cariocas
bem antes de Zélio de Moraes, ou que o nome Umbanda foi usado uma vez pelo filho do porteiro de Dom Pedro
II, em 1840 etc, etc... Pode até ser, mas é irrefutável que a revelação do Caboclo das Sete Encruzilhadas,
incorporado por Zélio de Moraes, foi o princípio da religião da qual atualmente eu faço parte: A Umbanda. Sobre
esse “batismo”, temos provas históricas, diferentemente do relato sobre o filho do porteiro de Dom Pedro II. Se

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nesse processo de fundação a macumba foi embranquecida (como alguns até corretamente afirmam), acredito
que essa manobra foi estrategicamente influenciada pelo divino, para que as vozes dos espíritos marginalizados
saíssem de seus esconderijos nos guetos da exclusão e definitivamente assumissem suas cadeiras como
protagonistas de uma nova era espiritual.
Também sei que a Umbanda de Zélio não é uma religião imutável e finalizada (seria negar sua própria natureza
sincrética). Ela está aberta a refletir e absorver tudo o que se adequa aos bom senso, simplicidade e caridade.
Hoje, temos diversas casas com interpretações diferentes sobre alguns temas secundários e marginais da religião,
mas o objetivo central, o verdadeiro fundamento da Umbanda, é invariável: caridade e simplicidade.
Naturalmente, qualquer casa que não esteja fundamentada neste objetivo está utilizando indevidamente o nome
sagrado da Umbanda. Agora vamos retomar os relatos.

No dia 15 de novembro de 1908, o jovem Zélio foi convidado a participar da sessão em um centro kardequiano.
O dirigente dos trabalhos espirituais determinou que ocupasse um lugar à mesa. Tomado por uma força estranha
e superior à sua vontade, Zélio se viu contrariando as normas definidas pela federação espírita, que determinava
ser absolutamente proibido se afastar da mesa durante a sessão. O jovem levantou-se dizendo: “Aqui está faltando
uma flor” – e saiu da sala, indo ao jardim, voltando logo depois com uma flor (uma rosa branca) que depositou
no centro da mesa. Essa atitude insólita causou um tumulto, mas, após restabelecidos os trabalhos, manifestaram-
se espíritos que se diziam de pretos escravizados e de indígenas. Como era habitual na época, esses espíritos
foram convidados a se retirarem, advertidos do seu estado de atraso espiritual. Novamente uma força estranha
dominou o jovem Zélio e ele falou, sem saber o que dizia. Ouvia apenas a sua própria voz perguntar o motivo
que levava os dirigentes dos trabalhos a não aceitarem a comunicação desses Espíritos e por que eram
considerados atrasados apenas pela diferença de cor, da classe social que revelavam. Seguiu-se um diálogo
acalorado, e os responsáveis pela sessão procuravam doutrinar e afastar o Espírito desconhecido, que desenvolvia
uma argumentação segura. Um dos médiuns videntes perguntou: “Por que o irmão fala nesses termos,
pretendendo que a direção aceite a manifestação de espíritos que, pelo grau de cultura que tiveram quando
encarnados, são declaradamente atrasados? - Por que fala desse modo, se estou vendo que me dirijo, neste
momento, a um jesuíta e sua veste branca reflete uma aura de luz? - E qual é o seu nome meu Irmão?”

Então, o Espírito que utilizava o jovem Zélio como canal passou a responder:

“Se julgam atrasados os espíritos dos pretos e dos índios, devo dizer que amanhã estarei na casa deste aparelho
para dar início a um culto em que esses pretos e esses índios poderão dar sua mensagem, e assim cumprir a
missão que o Plano Espiritual lhes confiou. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade
que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E se querem saber o meu nome, que seja
este: Caboclo das Sete Encruzilhadas, porque não haverá caminhos fechados para mim.

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“Julga o Irmão que alguém irá assistir ao seu culto?” Perguntou com certa ironia o médium vidente. “Cada
colina de Niterói atuará como porta voz, anunciando o culto que amanhã iniciarei.”

Acredito que essas palavras do Caboclo das Sete Encruzilhadas resumem claramente o propósito de Deus para
nossa religião. A Umbanda nasceu para resgatar a simplicidade e o amor no coração do homem! Nos capítulos
anteriores, discutimos um pouco sobre a regra de ouro de Deus, e depois de ouvir essa história eu posso afirmar
que Ele não vai descansar sem antes se certificar que o seu nome está sendo invocado sobre o lábaro do amor e
simplicidade.

Esse não foi um episódio isolado no surgimento da Umbanda. Historicamente, muitos movimentos surgem como
um grito de alerta, um lembrete dizendo: Voltem para o amor e simplicidade.

A reforma protestante foi um movimento religioso que aconteceu na Europa do século XVI, fomentado pela
insatisfação dos fiéis católicos frente aos excessos doutrinários e acúmulos materiais da igreja. Nessa época, a
monetização da fé e a elitização da salvação chegou a um ponto tão crítico que eram vendidos ‘lotes no céu’, sem
direito a cotas de baixa renda. A grande surpresa é que atualmente algumas linhas protestantes cometem os
mesmos erros que o protestantismo outrora combateu e acabam colocando o dinheiro e a prosperidade financeira
como ponto central da fé. O que me tranquiliza no meio desse mar de oportunismo que estamos vivendo é que
realmente Deus não descansa. Se em alguma religião a fé começa a ser sistematicamente monetizada e o amor
e a simplicidade se tornam elementos meramente decorativos e secundários, pode ter certeza que Deus tomará as
devidas providências! Ele pode provocar reformas e mudanças dentro dessa crença, ou simplesmente inspirar o
nascimento de uma nova religião que vai carregar o que é bom em sua doutrina de origem e deixar para trás
aquilo que não convém.

Essa dinâmica de reformulação das religiões possui um aspecto bem interessante. Não precisamos ignorar tudo
o que aprendemos em nossa religião de base. Na verdade, o que frequentemente acontece ao longo desse processo
(além das inspirações particulares) é um esforço de resgate das origens e uma simplificação da fé. Não existe
erro em absorvermos o que há de bom em outras religiões, pois certamente esses elementos também são
instrumentos que o próprio Deus ofereceu aos homens em algum contexto histórico e cultural.

Uma alegoria que gosto muito de usar para tentar explicar essa condição é o fato de que vários instrumentos
podem tocar uma mesma canção.

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Na Umbanda, habitualmente utilizamos apenas instrumentos de percussão para dar ritmos as músicas durante as
giras, mas naturalmente poderíamos utilizar qualquer recurso musical para esse fim; na verdade, poderíamos usar
um, dois ou até mesmo uma orquestra sinfônica com dezenas de músicos! Porém, se um único instrumento como
o atabaque é capaz de nos conectar com o Divino, esse é o instrumento musical certo para nosso propósito.

Vamos fazer um paralelo entre a ideia dos instrumentos musicais e os elementos espirituais que a Umbanda
absorveu de outras religiões.

Os instrumentos de percussão seriam aqueles que dão cadência e força a nossa fé, esses são os elementos que
recebemos de nossas bases africanas. Além disso, teríamos os instrumentos de sopro, que são como uma voz
comunicando a sabedoria divina por meio dos seus médiuns. Esses elementos, absorvemos de nossos irmãos
kardecistas. Por fim, teríamos instrumentos de corda que enchem o ar de melodia e paz, trazem poesia e
inspiração para vivência do amor por meio dos ensinamentos de Jesus Cristo e dos santos. Esses são os elementos
que absorvemos de nossos irmãos católicos. Temos todos esses elementos à nossa disposição, contudo, quem
decide se vamos usar um, dois ou três instrumentos somos nós, na pessoa do dirigente da casa. Também por conta
disso, até mesmo na Umbanda existem tendências (linhas) distintas, e cada uma delas utiliza os instrumentos
necessários para facilitar esse diálogo de amor entre o criador e seus filhos de fé.

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A Lei do Retorno, a Lei do Carma e o livre arbítrio no plano
de evolução

Alguns dos elementos mais controversos e importantes que a Umbanda absorveu de religiões cristãs e de religiões
que se baseiam na ordem cármica são a Lei do Retorno, a Lei do Carma e o livre arbítrio.

Em minhas pesquisas pessoais, acabei encontrando algumas definições interessantes para esses assuntos.

Alguns autores definiram a Lei do Retorno como uma reação do Universo às nossas ações ainda em vida. Seria
uma reação imediata com intuito de nos alertar e redirecionar nossas ações no sentido da evolução espiritual.

A Lei do Carma já estaria diretamente relacionada à nossa evolução espiritual. O carma é uma espécie de dívida
que os espíritos adquirem ao longo de suas existências quando não vivem a lei maior do amor. Antes de
reencarnar, o espírito é amparado por guias que o ajudam a planejar a próxima existência. Nesse planejamento,
ele tem o livre arbítrio para escolher determinadas situações pelas quais quer passar e que irão contribuir para
seu aprendizado e aperfeiçoamento.

Não encontrei uma definição clara sobre quem é o executor desses mecanismos compensatórios: O próprio Deus?
Algum ser criado por Deus com esse papel? Ou o próprio Universo de algum modo teria consciência para tomar
essa decisão? Para esse ponto, não recebi nenhuma inspiração divina ou revelação, e talvez esse seja um mistério
que, por algum motivo, Deus guardou só para si. Sinceramente, não fico frustrado por não saber as nuances desse
mecanismo divino. Na verdade, minha atenção se volta para outras reflexões que também envolvem esse tema e
que de fato têm uma relevância enorme na forma como nossa humanidade encara o propósito de Deus com a Lei
do Carma e o plano de evolução. Ao meu ver, existe uma questão bem mais fundamental que precisa ser
entendida por aqueles que se propõem a viver a fé na Umbanda. Sem esse entendimento, vamos viver uma fé
sem objetivo, sem uma meta concreta, e até mesmo o papel de Deus na nossa vida fica incompleto. Somos gratos
por Ele nos dar vida, e sei que isso, por si só, já seria algo maravilhoso, mas ele quis nos dar ainda mais, e é aqui
que muitos umbandistas acabam se perdendo. Acredito que você irá entender sobre o que estou falando, depois
que respondermos a duas perguntas:

• Porque precisamos do plano material, se os espíritos também podem trilhar suas vias de evolução sem a
necessidade de encarnarem?
• O que realmente significa evolução espiritual e por que eu deveria desejá-la tanto?

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Não sabemos ao certo qual foi a dinâmica de caridade inicialmente estabelecida por Deus ao criar o plano
espiritual. A única coisa que podemos afirmar é que a criação do espirito precede a criação da matéria. Também
podemos afirmar que os espíritos possuíam pleno conhecimento sobre a existência de Deus, sobre o plano
espiritual e sobre o propósito do Criador para a evolução. Para um espirito não existem barreiras sociais, culturais,
familiares, e todos viveriam uma irmandade plena. Cada um saberia o porquê de todas ações e atitudes de um
outro espirito, de modo que tudo seria justificado e desculpável. Me apoiando em todas essas certezas, ao meu
ver, amar não seria um desafio tão grande assim. Por outro lado, espíritos estagnados que deliberadamente
abandonassem a via da evolução estariam cometendo um erro tão grave, que a recuperação seria extremante
custosa. Isso porque suas decisões estariam sendo tomadas com plena consciência do mundo espiritual e total
conhecimento de causa.

Aqui entra uma inspiração pessoal, um modo de pensar particular que poderia ser revisto ou ajustado. Na minha
percepção, a grande motivação para Deus criar o plano material seria elevar a pratica do amor a um outro patamar.
As condições às quais um espírito está sujeito acabaram tornando a prática do amor incondicional, de certo modo,
incompleta. Nesse sentido, Deus criou o mundo físico e concedeu aos espíritos a permissão de reencarnarem
quantas vezes fosse necessário, mas com uma condição: A cada reencarnação, suas visões e compreensões sobre
a realidade espiritual seriam ofuscadas e todo o conhecimento das vidas passadas seria apagado. Dessa maneira,
agora somos capazes de exercitar um amor que desafia os vínculos fraternos e conhecimento das ações alheias.
Somos desafiados a amar aqueles que não conhecemos, a amar até mesmo aqueles que um dia nos prejudicaram
ainda em vida; somos chamados a vivenciar um amor que é a essência do próprio Deus. Nesse processo, também
foi exigido do homem uma nova virtude que até então era desconhecida pelos espíritos: a virtude da fé. Nós
cremos e entregamos a nossa vida a Alguém que não podemos ver ou entender. Isso é fé.

Um ato de caridade feito ao próximo não seria mais uma consequência do conhecimento e compreensão do outro,
mas seria uma iniciativa desinteressada e genuína. Percebemos que devemos amar os outros, pois, pela fé, nos
sentimos amados por Deus. Percebemos que não devemos desejar ao próximo o que não desejamos a nós
mesmos, pois, pela fé, sabemos que é isso que Deus espera de nós. Um amor motivado pela fé; aqui está o segredo
para uma evolução extraordinária, capaz de nos levar diretamente ao coração de Deus.

Neste momento, um outro conceito extremamente importante começa a ser potencializado: O livre arbítrio.

Pela definição do dicionário Aurélio, “livre arbítrio significa a possibilidade de decidir, escolher em função da
própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante.” Quando vivemos pela fé,
já não somos influenciados nem mesmo pela certeza da causa e efeito de nossas ações. Fazemos porque a fé nos
leva ao amor. Além disso, a recompensa não pode ser vista ou tocada, e de certo modo pode até parecer incerta.

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Ou seja, a recompensa não é a motivação primária das escolhas que fazemos, mas é uma consequência natural e
misteriosa da nossa relação de amor com Deus. Não sabemos ao certo o que virá, mas sentimos interiormente
que é isso que queremos, e vamos apostar todas as nossas fichas nisso.
O conceito do livre arbítrio é tão importante para o plano divino, que nem mesmo Deus (por Sua própria vontade)
quer interferir ou influenciar nossas decisões. Nesse sentido, o livre arbítrio está intimamente ligado à Lei do
Carma e lei do Retorno, pois é a capacidade de poder plantar o que quiser e a Leio do Carma e do Retorno é
colher exatamente o que se plantou.

Agora que entendemos a dinâmica do plano de evolução, resta saber por que ele seria tão desejável, não é mesmo?
Às vezes percebo as pessoas falando de evolução, que somos evoluídos, que o outro não evolui, mas qual a
vantagem de sermos evoluídos? Se fosse simplesmente para garantir a ordem social, não precisaríamos de Deus
ou de religião para isso; bastaria uma consciência ética que, inclusive, muitos ateus já têm. Então, por que
deveríamos acreditar em Deus e buscar viver Sua via de evolução baseada no amor? Sem muitos rodeios eu te
respondo: Simplesmente porque a linha de chegada dessa via de evolução é a felicidade plena e a paz etérea nas
quais só aqueles que vivenciam o amor, poderão se deleitar.

Pensando por essa ótica, fica fácil perceber que a nossa meta não é viver no céu, escutando anjinhos tocando
harpa ou curtindo festas com gente bonita, boa comida e boa bebida, como algumas religiões acabam pregando.
O fato é que, se nós transferirmos nossas expectativas materiais e físicas para o pós-vida, posso garantir que
nossas frustrações serão praticamente as mesmas. Estamos muitos distraídos e entorpecidos com as alegrias
momentâneas que a cada instante vivenciamos, e, por isso, não temos condições (ou interesse) de parar para
refletir que a verdadeira felicidade não pode ser encontrada fora de nós. Quanto mais nós tentamos alcançar esse
estado de satisfação, mais ele parece estar distante, e isso só nos confirma que esse anseio não pode ser saciado
com o que nos rodeia. A verdadeira felicidade que vem de Aruanda só pode ser encontrada em um lugar: dentro
de cada um de nós e ela só poderá ser alcançada por meio da prática do amor.

É comum as pessoas começarem a pensar sobre esses assuntos na velhice ou quando não podem mais fazer as
coisas que faziam antes por conta de uma doença ou acidente. Isso acontece porque, ao contrário das alegrias de
prateleira, a paz e a felicidade plena exigem trabalho, paciência e reflexão. As pessoas querem resultados rápidos,
porque ninguém tem tempo para ter paz. Quando somos forçados a parar, aí, sim, tentamos entender o que seriam
a real felicidade e a paz etérea. Quase sempre aprendemos pela dor... Mas precisamos mudar isso, precisamos
aprender pelo amor! Quem não quer ser feliz verdadeiramente? Todos nós queremos! E isso ninguém pode negar.
Se fosse diferente, não iríamos recorrer com tanta frequência a todo tipo de alegria momentânea que o mundo
tem a oferecer. Meu propósito aqui não é pregar sacrifício, abnegação, renúncia aos bens materiais e aos prazeres
da carne. Umbanda não é isso. Você pode e deve ir às festas, beber e viver todos os prazeres da vida. Somos o
povo mais festeiro do planeta. Porém, precisamos entender que nossa felicidade não está baseada apenas nesses

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momentos; nossa felicidade é muito maior que isso. E se um dia não tivermos condições de irmos a uma festa, o
povo de umbanda não desanima, porque a festa também está dentro, seu interior está repleto de paz e felicidade.

Evolução espiritual e evolução biológica

Agora que sabemos o que representa o último estágio da nossa evolução espiritual, seria natural fazermos uma
última pergunta: E qual seria o primeiro estágio dessa evolução?

Esse conceito pode inclusive trazer novamente complicações para a convivência entre a ideia do evolucionismo
biológico e a do evolucionismo espiritual. Em termos de evolução espiritual, qual a diferença entre o homem
primitivo e o homem moderno? Essa é uma questão que também responderia: Os animais também caminham
nesta senda de evolução espiritual? Ou ainda: Os animais vão para o céu? Antes de explorar minha visão
particular sobre esse ponto, vamos ver o que as outras religiões dizem sobre isso.

Cristianismos:
O cristianismo (católico ou protestante) não tem uma postura concreta diante desse tema. Isso porque não existe
nenhuma passagem bíblica que respalde qualquer afirmação definitiva.

Judaísmo:
Depois que um animal morre, seu ciclo está terminado e, portanto, ele não vai para nenhum lugar específico;
simplesmente deixa de existir.

Islamismo:
Para os muçulmanos, os animais possuem um pós-vida similar ao do homem. “Os bichos serão julgados por Alá
no Juízo Final, conforme realizaram ou não seu propósito na Terra”

Não existe uma codificação desse tema na Umbanda (e nem é para isso que ela se propõe), esse é um tema de
livre interpretação, mas sinceramente, nenhuma daquelas explicações me satisfaz. Então, novamente me abri a
inspiração dos meus queridos Guias e Orixás, e acabei me deparando com um trecho de O Livro dos Espíritos,
de Allan Kardec, que lançou um pouco de luz sobre a questão. O livro diz:

“[A alma animal] é também uma alma se quiserdes pensar assim. É, porém, inferior à do homem. Há entre a
alma dos animais e a do homem uma distância equivalente à alma do homem e Deus.”

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A alma de um animal no plano espiritual seria simplesmente a alma de um animal. Para mim não existe um
tribunal para julgá-lo como pensa o islamismo (pois os atos de um animal são instintivos), ou a completa
inexistência, como pensa o judaísmo (pois se fosse assim um indivíduo não consciente não teria alma). Contudo,
esse animal não estaria ainda capacitado para seguir a senda da evolução espiritual; ele simplesmente retornaria
a esse plano físico da mesma forma que saiu, e seguiria seu curso de evolução biológica.

Essa visão responde muito bem ao nosso primeiro questionamento. O homem primitivo também viveu esses
ciclos de reencarnação, porém seu estado de evolução espiritual se manteve estagnado por um bom tempo. Nesse
sentido, seria razoável pensar que a alma de um ser humano um dia foi a alma de um animal não-consciente, e
esse processo de evolução biológica teve um papel fundamental no plano de evolução espiritual. Isso porque um
animal que ainda não está preparado biologicamente para refletir sobre sua própria origem e destino, que ainda
não foi capaz de meditar sobre um propósito maior para o plano criado, de pensar sobre ideias de felicidade e
paz etérea e de compreender quais seriam os meios necessários para alcançá-la, não teria condições de galgar
esse caminho espiritual. Isso também valeria para uma criança que ainda não alcançou a idade da razão ou de
uma pessoa que infelizmente nasceu com sérios problemas mentais e seria incapaz de raciocinar e se identificar
com ser vivente. Os animais ainda são guiados por instintos que basicamente são lapsos de felicidade efêmera
que dão ritmos à conservação da sua própria existência e de sua espécie.

Veja bem, meu intuito com essa afirmação não é igualar a dignidade de um animal a de um ser humano, ou de
diminuir o valor da vida humana (apesar de existirem animais que demonstram muito mais lealdade e carinho
que alguns seres humanos). Meu objetivo com essa afirmação é reforçar que a evolução espiritual deve ser sempre
baseada em atos conscientes e intencionais. Isso é extremamente importante na manutenção da lei do retorno e
da lei cármica, caso contrário uma pessoa com problemas mentais que cometesse um crime, ou uma criança ainda
em seu estágio de maturação da consciência, deveriam ser penalizados pelas leis humanas e espirituais por suas
ações. Sabemos que isso não faz sentido algum, pois essas crianças e pessoas não possuem razão ou consciência
para serem responsabilizadas. A evolução ou o acumulo de carmas deve partir sempre de atos conscientes e
intencionais, motivados pela razão. É por esse motivo que o sofrimento pelo sofrimento não significa nada. Ele
só tem sentido quando é encarado como um aprendizado consciente, e é vivido com integridade e resiliência. Um
rico que abençoa e agradece evolui, um pobre que só sabe reclamar e amaldiçoa está parado na sua evolução.

Um ponto sobre esse tema que não tenho condições afirmar é como uma pessoa que nasce com problemas mentais
graves (estado vegetativo) poderia ser recompensada no plano de evolução, já que em vida ele não seria capaz
de realizar qualquer ação consciente. Na minha visão pessoal, acredito profundamente que o ato de aceitar tal
situação, objetivando o crescimento espiritual de outra pessoa (a do seu cuidador, por exemplo), já constitui uma
conduta de amor e caridade, uma vez que essa pessoa está abrindo mão da possibilidade de evoluir em terra. Essa
aceitação já seria uma forma de compensação cármica.

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Essa formulação nos remete novamente ao desejo divino de conservar todo o plano criado, mas agora sob uma
perspectiva espiritual. Não sou capaz de dizer por que Deus permite a extinção de algumas espécies; isso faz
parte de um plano maior que só a mente de Deus conhece. Mas mesmo que esses animais não estejam mais aqui
neste mundo físico, sua essência foi conservada no plano espiritual. Deus não desfaz nada que ele criou, pois
seria negar sua própria perfeição.

Aqui temos um fato curioso: A razão e a consciência são de fato importantes para nossa evolução espiritual, mas
definitivamente não são o bastante. Muitas pessoas encarnam e vivem basicamente segundo seus instintos
fisiológicos, conduzem suas vidas conforme o compasso das manadas, sem um mínimo de reflexão sobre a
finitude da vida, sobre o seu papel social, sobre os ideais de felicidade que ultrapassam este plano material, sem
uma vivência espiritual, sem a ideia de Deus. Essas pessoas estão literalmente estagnadas no plano de evolução
espiritual, e, assim como os pássaros, peixes e gatos, saem desta vida da mesma forma como entraram. Não
posso afirmar se algumas espécies animais, daqui a cem mil anos, irão despertar para a razão assim como nós,
mas, se isso acontecer, é possível que eles ultrapassem em sabedoria e maturidade espiritual alguns indivíduos
permanentemente estagnados.

O que foi falado até agora?

Deste ponto em diante somos capazes de organizar mentalmente todas as bases e fundamentos para viver uma
vida espiritual autêntica. Sem alguns desses conceitos, as convenções, os preceitos e os ritualismos de qualquer
religião (incluindo a Umbanda) seriam vazios e não poderiam oferecer a ajuda a que eles se propõem. Ao
término desses capítulos, me sinto muito confiante e tranquilo para falar de oferendas, firmezas, banhos, etc.,
pois agora sabemos exatamente o que Deus espera de nós com tudo isso.

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O ritualismo sagrado da Umbanda

Este é um tema bem delicado dentro de qualquer religião, pois envolve muito tradicionalismo e inspirações
particulares. O que me deixa bem confortável para expor algumas ideias sobre esse assunto é que a Umbanda é
uma religião democrática em última instância, e assim, como eu respeito o ponto de vista de outros irmãos, sei
que serei respeitado.

Na verdade, não existe um conceito absoluto sobre esse tema dentro da Umbanda. Cada casa, cada inspiração,
cada mistério ou movimento foi recebido sob medida para um contexto específico. Então, cada linha ou casa
possui sua forma particular no que diz respeito à doutrina e ritualismo.

Mas, então, como vou saber o que fazer? Simples; procure aquela casa ou linha de Umbanda que mais
favoreçam tua conexão com o divino. E, se ainda não existir esse lugar, abra teu coração e tua mente e deixe
teus Guias e Orixás falarem. Com toda a certeza a revelação e a inspiração virão.

Já sabemos que toda teologia, liturgia, regras, ritualismo quando não são acompanhados de envolvimento e
caridade são vazios para Deus. O que realmente importa é o amor que investimos no processo e que quanto
mais simples melhor, porque ele precisa alcançar a todos.

Como foi dito, na Umbanda não existe um livro sagrado ou um catecismo enumerando os rituais, preceitos e
atos litúrgicos... Todo ritualismo é sagrado, desde que seja ponderado pelos bom senso e simplicidade e tenha
como objetivo a evolução no sentido do amor universal.

Então, meu irmão, você não vai encontrar neste livro métodos e regras sobre oferendas, firmezas,
assentamentos, banhos e afins. Não vou investir meu tempo nisso porque de fato não existe uma fórmula
fechada para esse assunto. Naturalmente, existem alguns elementos básicos que precisamos saber para
favorecer essa conexão com o divino, e isso deve ser extremamente simples. Brincamos que a simplicidade de
Umbanda se resume em saber que não devemos ofereça jujuba para Exus e cachaça para Erês. Longe de mim
desmerecer e diminuir o ritualismo de Umbanda, ou encarar seus rituais como superstição ou algo
desnecessário. O que estou querendo dizer é que o ritualismo, quando não é acompanhado de envolvimento, ou
se dificulta a democratização do sagrado, infelizmente não está convergindo com os planos de Deus.

A prática de rituais espirituais, ou, como alguns gostam de chamar, rituais magísticos, não é algo exclusivo da
Umbanda; e muitas religiões como o catolicismo, o protestantismo e o judaísmos possuem uma grande
variedade de ritos. O próprio Jesus, segundo a Bíblia, teria curado um cego utilizando lama e saliva. Ele
poderia ter simplesmente colocado a mão sobre a pessoa, mas quis concretizar a cura a partir de um ritual
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magístico. Infelizmente, cada religião acaba diminuindo ou desautorizando qualquer ato mágico fora dos
domínios de sua fé. Na verdade, superstição é o nome pejorativo atribuído à ritualística de uma religião no
julgamento e ponto de vista de outra: A magia dentro da minha fé é milagre, fora dela é superstição.

Existem alguns rituais na Umbanda que cumprem papéis importantíssimos nessa conexão com o espiritual.
Vamos falar um pouco sobre eles, agora:

● Assentamento:
Os assentamentos são basicamente locais de oferendas e comunicação de caráter contínuo com
entidades e Orixás. Esse ritual normalmente é realizado com a finalidade de estabelecer a energia que
ali está.

Um sentimento muito ligado aos assentamentos é a gratidão. Todas as vezes que fazemos um
assentamento, seja com comidas, bebidas, velas, pontos riscados, rosas, etc., precisamos sempre
mentalizar que será como a manifestação do nosso agradecimento pelas graças constantemente
recebidas

● Banhos:
Os banhos ritualísticos são rituais nos quais basicamente utilizamos elementos naturais, em uma ordem
específica, com o objetivo de troca de energias espirituais entre o indivíduo e a natureza que é manifestação das
graças divinas. Essa troca garante à pessoa o equilíbrio espiritual, o bloqueio e limpeza contra influências
espirituais negativas, a fim de aumentar a capacidade receptiva do aparelho mediúnico.

● Firmezas:
Firmeza é essencialmente um “assentamento específico”, ou seja, é direcionada para algum pedido em
particular e não será alimentada constantemente. Por exemplo, acender uma vela para Oxóssi pedindo fartura
na mesa, acender velas vermelhas para a Pombagira para que possamos ser melhores pessoas e melhores
amantes.

Fé e merecimento

Os ritualismos de Umbanda são excelentes vias de conexão e trocas de energias com o espiritual, mas
terminantemente eles não são mandatórios para nossa comunicação com Deus. Isso porque Deus precisa
alcançar a todos: os acamados nos hospitais, o miserável que não tem dinheiro nem mesmo para comer, o
sertanejo que não tem de onde tirar água, o idoso que não pode andar. Será que Deus não pode alcançar essas
pessoas basicamente pelo fato de não terem condição de seguir um ritualismo engessado? Obviamente que não!
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Os poderes magísticos e espirituais só dependem de duas coisas: Fé e merecimento (lembra da lei do retorno?).
Sem envolvimento, sem fé e merecimento, a magia é desprovida de poder.

Vamos falar primeiramente sobre a fé.

O próprio ato de oferendar sem dúvidas é um sinal de fé. Ninguém sai no meio da noite para ir a um matagal ou
encruzilhada fazer uma oferenda se não acredita no que está fazendo. No entanto, esse estado interior de
envolvimento e fé precisa ser mantido antes, durante e depois. A pessoa que pede e agradece não pode
simplesmente assistir o ritual, ela precisa participar do ritual. O que isso significa? Significa diálogo com suas
Entidades e Orixás, significa lágrimas, cânticos, sorrisos.

Uma grande lacuna que vejo na Umbanda é a postura intimista entre seus fiéis e a divindade. Acredito que isso
foi sistematicamente acontecendo porque sabemos que em nossa religião quaisquer pessoas (mesmo que não
sejam umbandistas) podem ocasionalmente ir aos nossos terreiros para pedir alguma ajuda ou favor espiritual.
Essas pessoas, muitas das vezes, sequer sabem o que é uma Entidade ou um Orixá e chegam na assistência da
casa com um único objetivo: receber favores. Meu amigo, felizmente não é assim que funciona… se não existe
envolvimento e merecimento, nada feito. Acredito que esse seja o motivo da frustração de muitos consulentes
que acabam perambulando por vários terreiros e igrejas em uma busca interminável por milagres e graças que
quase nunca são atendidas.

Nossos Guias e Orixás não são mercadores baratos que ficam barganhando um milagre em troca de meio litro
de cachaça vagabunda e um punhado de canjica ou farofa. Espíritos doutrinados, aqueles que estão buscando
evoluir, não estão focados nos prazeres carnais, eles ainda podem carregar algum impulso ou vício, mas
definitivamente eles não irão se entregar a eles. Além disso, a utilização destes elementos na maior parte do
tempo possui um caráter ritualístico e não de diversão e lazer como muitos pensam.

O mistério não está na cachaça, mas no amor, no carinho, na fé, na gratidão que aquele item carrega. É isso que
Seu Zé Pelintra espera, é isso que é valioso para ele, pois esses atos de amor e fé são relevantes para seu plano
de evolução. O Orixá ou guia não vai devorar o frango que você colocou na oferenda. No outro dia, o frango
vai estar lá com um monte de urubu em volta; agora, a energia envolvida no tempo de preparo e no ato de
oferendar foi integralmente recebida junto com todas as suas necessidades.

Infelizmente esse é um ponto rodeado de muita confusão, e que por conta disso é bastante explorado por
oportunistas em todos os segmentos religiosos, inclusive na Umbanda. A monetização da fé encontra terreno
fértil nos desesperos e sofrimentos humanos. Se alguém te oferecesse uma oração infalível, um trabalho
garantido para suas mazelas em troca de favores financeiros, você não aceitaria? Certamente sim... E é aí que

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mora o perigo. Pessoas humildes, sem muito conhecimento ou movidas pelo desespero acabam caindo nessa
cilada e investem verdadeiras fortunas para tentar resolver seus problemas. Segundo os charlatões, sempre
existe um encosto, uma demanda pendente ou feitiço a ser quebrado. Estamos vivendo uma verdadeira
terceirização dos nossos problemas, induzidos por pessoas mal-intencionadas que só buscam seus próprios
interesses.

Já parou para pensar que se você está doente provavelmente é por conta das suas más escolhas alimentares, ou
falta de exercício? Se você perdeu o emprego é por que você não estava produzindo, ou por que você não
procurou ter equilíbrio emocional nas relações de trabalho, ou simplesmente por que a empresa está falindo? Se
sua companheira te deixou, será que não é por que você não soube conduzir corretamente seu relacionamento?

Além das questões práticas da vida, também sabemos que estamos sujeitos à Lei do Retorno, e esta é uma via
individual e intransferível.

O mal recebido não pode ser terceirizado, estamos simplesmente colhendo o que plantamos. Tenha certeza de
que ninguém, absolutamente ninguém neste plano físico, tem poder para te fazer mal. Por exemplo, a Lei do
Retorno nos garante que os únicos prejudicados em um ato de feitiçaria que visa o mal para alguém são os
aqueles envolvidos nesse ato (mandantes e executores). A única forma dessa pessoa que seria o alvo se
prejudicar é se ela fizer isso consigo mesma. O medo é o único poder real nesta situação. Então, não dê aos
outros um poder que eles não têm.
Se alguém diz que vai ordenar a um espírito te fazer mal, ignore essa pessoa. Os espíritos não são escravizados
e dominados com magia, como vemos em filmes. A lei do livre arbítrio também vale para eles! Os espíritos não
doutrinados realizam maldades motivados pelo seu próprio ódio e inveja, e não são controlados por homens.
Naturalmente, podem ser bloqueados, esgotados e doutrinados por espíritos de luz, e aí, sim, nossas guias de
proteção, amuletos e outros acessórios consagrados são de vital importância. Se um ser encarnado quer o mal,
ele precisa fazer com suas próprias mãos e por vias naturais.

Da mesma forma, não dependemos de ninguém para interceder por nós junto às nossas Entidades e nossos
Orixás, solicitando proteção. Ao contrário disso, é mandatório que cada ato de fé e caridade seja uma ação feita
por você, não por outro.

Outro mito muito difundido na Umbanda é que as Entidades espancam seus médiuns se a oferenda não for do
seu agrado ou porque você falhou em alguma obrigação. Novamente, nossas Entidades não querem seu cigarro
e cachaça, elas irão exigir outras coisas de você, coisas muita mais importantes: como coragem, determinação,
equilíbrio etc. Exus e Pombagiras são espíritos doutrinados, eles querem exercer a caridade te ajudando a

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vencer na vida e seguir com sua evolução. Eles nunca irão forçar você a nada, pois sabem muito bem que temos
o livre arbítrio para escolher nosso próprio destino.

Se por acaso você ficou roxo enquanto dormia, provavelmente é porque você bateu na cabeceira da cama, se
você perdeu seu emprego ou sua mulher, provavelmente você foi negligente com suas tarefas e com seu
relacionamento. Simples assim.

A única coisa que pode acontecer se você abandonar seus guias é que em respeito à sua decisão, eles irão se
afastar. Naturalmente sem a ajuda deles a vida fica bem mais difícil, mas isso não significa que eles estão te
castigando, significa que você deixou para trás a proteção dos seus guias, e ai sim, o mundo cruel e implacável
irá te castigar.

Deus é a fonte de todos os elementais, de todas energias naturais e sobrenaturais. Como Sua essência é puro
amor e equilíbrio, seria negar Sua própria natureza ser conivente com qualquer desejo de destruição e maldade,
independentemente de quem pediu, ou do que foi oferecido.

Nossa luta não é física, somos todos irmãos e precisamos de uma vez por todas parar de transferir a causa de
nossos insucessos e problemas para o próximo.

Por último, devemos lembrar que tudo que recebemos vem de Deus que se manifesta e nos abençoa através das
forças e recursos da natureza. Por isso não temos o direito de cobrar por nenhuma bênção recebida. Tudo vem
de Zambi. Se Ele não nos cobra, por que deveríamos cobrar?

Agora vamos refletir um pouco sobre o ritualismo e Umbanda na perspectiva do merecimento.

Basicamente, essa é uma extensão da Lei do Retorno, e aqui, queria utilizar um texto muito interessante para
deixar essa ideia ainda mais clara. Nely Valentim escreveu uma bela advertência do porquê de o merecimento
fazer tanto sentido no momento em que pedimos uma graça:
● Não faça oferenda a Xangô se você costuma cometer injustiças.
● Não faça oferenda a Iansã se sua guerra é com seus irmãos.
● Não faça oferenda a Oxum se o seu amor não é o próprio.
● Não faça oferenda Obaluaiê se seu interior está inundado de mágoas e falta de perdão.
● Não faça oferenda a Oxóssi se a sua fartura se tornar em mesquinhez.
● Não faça oferenda a Nanã se você utiliza sua sabedoria para manipular as pessoas.
● Não faça oferenda a Ogum pedindo caminhos abertos se você não tem ação diante das oportunidades da vida.
● Não faça oferenda a Exu se você quer utilizar essa proteção para engrandecer o seu ego.

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● Não faça oferenda a Oxalá se você não está disposto a buscar sua paz interior.

Só faça uma oferenda se você realmente estiver aberto às transformações. Oferenda é um pacto de mudança, é
um compromisso de evolução. Se você não está pronto para se reconstruir, não faça sua oferenda. Isso me faz
lembrar de outra passagem da bíblia cristã: “Se você tem algo contra seu irmão, vai se reconciliar antes de fazer
sua oferta”.

O ritualismo magístico não te trará os benefícios esperados se você não possui um propósito de mudança. Ele
não te trará dinheiro, se você pratica o roubo no seu trabalho ou se você fica o dia todo vendo TV. Ele não te
trará saúde se você contamina os rios de onde você e seu vizinho tiram o sustento. Ele não te trará fartura se você
desperdiça comida e nega um pão a quem tem fome. Uma pessoa que não pratica o bem e a caridade se entrega
à própria sorte, se entrega à aleatoriedade dos eventos da vida. Quando estamos sob proteção de Deus, ou somos
favorecidos por sua graça, burlamos a aleatoriedade dos eventos da vida em favor de uma causa individual que
não prejudique ou penalize a igualdade entre os seres. Por isso, nem adianta pedir os números da mega-sena!

Naturalmente, o merecimento não é uma ciência exata, e a melhor forma de sabermos em que pé estamos é
realizando um bom e demorado exame de consciência. Lembra da regra de ouro? Ame ao próximo como a ti
mesmo, e não queira para o próximo o que não queres para ti. Fácil, né?

É fato que uma pessoa que vive o amor ao próximo de forma espontânea e verdadeira receberá todas as graças
necessárias. Mas até mesmo aqueles que ainda não praticam o bem e a caridade podem alcançar o merecimento,
se no momento da sua oferenda decidirem mudar de vida no sentido do amor universal.

Um só Deus: Zambi

A Umbanda é monoteísta, ou seja, acredita em um único Deus, Zambi, que criou tudo e a todos por meio de seus
Orixás.

Zambi é o Deus supremo no Candomblé bantu, equivalente ao Deus Olorum do candomblé Ketu. Zambi é a
nomenclatura tradicionalmente adotada na Umbanda, mas definitivamente isso é indiferente.
Na Umbanda, Orixás não são deuses, e sim as pessoas de Deus que expressam suas qualidades comunicáveis
(sabedoria, justiça, bondade, etc), suas qualidades não comunicáveis (eternidade, onipotência, onisciência e
onipresença) e que possuem estreita relação com a natureza. Na verdade, essas qualidades comunicáveis estão
impressas na dinâmica e movimentos da natureza, que é o verdadeiro livro sagrado da Umbanda. O importante
aqui é entendermos que Zambi não possui forma humana, não possui características especificas pois ele é o tudo.

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Então, ele se personificou em seus Orixás para expressar suas qualidades a humanidade. Ou seja, Orixá é Deus,
é a personificação e expressão das qualidades de Deus.

Um excelente exemplo para explicar essa condição é a natureza da luz branca.

No ensino médio você já deve ter ouvido falar sobre a decomposição da luz branca no espectro de cores utilizando
um prisma. A decomposição é um fenômeno óptico em que a luz branca é separada em suas diferentes cores
quando refratada através de algum meio transparente. Um exemplo bem conhecido é o arco-íris, que é formado
quando a luz do sol bate nas gotículas de chuva. Então, na verdade, a luz branca é combinação de todas as cores
que compõem o espectro de luz visível. Todas as cores possuem mesma substancia e natureza, mas vibram em
frequências diferentes e, juntas, formam a luz branca. Zambi é a luz branca que carrega consigo toda a plenitude
e eternidade. No entanto, como luz branca, suas qualidades não seriam reveladas à humanidade, e é por isso que
Ele se personificou e se manifestou aos homens em seus sagrados Orixás. Deste modo, na pessoa dos Orixás,
Deus se se manifesta ao mundo em diferentes qualidades ou vibrações.

Nem Zambi nem os Orixás podem ser incorporados em trabalhos de Umbanda, ou em qualquer outra religião em
que haja incorporação; Candomblé, Kardecismo etc… O que incorporamos são entidades que trabalham para as
linhas de cada Orixá, nunca os Orixás.

A única coisa que podemos oferecer a Zambi são os nossos corações puros e cheios de caridade. Não existe
nenhuma outra oferenda a se fazer, pois Deus não precisa de nada, a não ser da nossa boa vontade em ajudar o
próximo. Nem mesmo velas acendemos para Ele. Somos, e podemos dizer que somos, a própria oferenda a Ele.
Sabemos que Ele é de fato o início e fim de tudo e um dia retornaremos para Ele e para junto de seus Orixás.
Como falamos nos tópicos referentes, a via da evolução, a paz etérea e a felicidade plena brotam de Zambi, e é
em direção ao âmago de sua essência que estamos caminhando.

O amor incondicional que Ele tem por nós fica evidente em nosso dia-a-dia quando olhamos para tudo que
recebemos de sua bondade: o dom da vida, a natureza, a força e proteção de seus Orixás, os nos ensinamentos e
conselhos dos guias espirituais quando mais precisamos. Seu amor é invisível, mas completamente perceptível a
todos que têm fé e acreditam na sua onipresença, onisciência e onipotência.

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Orixás na Umbanda: As expressões de Zambi

Como não temos um livro sagrado descrevendo cada Orixá, assim como Jesus foi supostamente descrito pelos
seus apóstolos (digo supostamente pois não existem comprovações históricas sobre os verdadeiros autores dos
livros bíblicos), a Umbanda e o Candomblé ficaram muito restritas as descrições orais através dos Itãs e Orikis,
que são descrições orais da literatura yorubana, lendas simbólicas sobre Zambi e a vida terrena dos Orixás.

Como já havíamos falado, devemos olhar para Itãs e Orikis como uma simbologia, uma bela poesia que descreve
nossos Orixás. Não devemos interpretá-los ao pé da letra e acabar caindo em um fundamentalismo cego, mas
podemos assumir suas referências e inspirações como um excelente direcionamento de como eram as qualidades
de nossos Orixás, isto porque eles estão intimamente ligados à natureza que de fato é nosso livro sagrado.
Naturalmente essa visão pode ser ajustada e complementada por nossos guias. Ninguém melhor que eles, que já
possuem uma visão completa do campo espiritual, para oferecer uma pintura o mais realista possível de nossos
sagrados Orixás.

Naturalmente essa visão pode ser ajustada e complementada por nossos guias. Ninguém melhor que eles, que já
possuem uma visão completa do campo espiritual, para oferecer uma pintura o mais realista possível de nossos
sagrados Orixás.

Oxalá

Oxalá é a luz, é o sol, as estrelas, a fonte da energia vital para o homem e todo o plano criado. Ele recebeu de
Olorum a grande responsabilidade de fazer parte da criação do mundo. Oxalá é o sol na sua perspectiva de
estabilidade. Por esse motivo, ele tem o poder de resgatar a fé de mentes confusas e que se sentem abaladas de
alguma forma.

Sua cor é o branco, pois essa cor representa a plenitude da luz (sem parcialidades). Ele também é o guardião do
amor a Deus (Ágape) e nos ajuda a ter uma relação de amor com nosso divino criador Olorum.
A saudação desse Orixá é Epa Babá! Em alguns centros de Umbanda, seu dia da semana é a sexta-feira, da
mesma forma como nos terreiros de Candomblé, mas, em outros, essa divindade tem o domingo como seu dia.

Um dos mais belos itãs sobre Oxalá e o itã da criação:


Dizem que quando Olorum encarregou Oxalá de fazer o mundo e modelar o ser humano, o orixá tentou vários
caminhos. Tentou fazer o homem de ar, como ele. Não deu certo, pois o homem logo se desvaneceu. Tentou

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fazer de pau, mas a criatura ficou dura. De pedra, ainda a tentativa foi pior. Fez fogo, e o homem se consumiu.
Tentou azeite, água e até vinho de palma, e nada.

Foi então que Nanã Burucu veio em seu socorro. Apontou para o fundo do lago com seu ibiri, seu cetro e arma,
e de lá retirou uma porção de lama. Nanã deu a porção de lama para Oxalá, o barro do fundo da lagoa onde ela
morava, a lama sob as águas, que é Nanã. Oxalá criou o homem, o modelou no barro. Com o sopro de Olorum
ele caminhou. Com a ajuda dos Orixá povoou a Terra. Mas tem um dia em que o homem morre e seu corpo tem
que retornar à terra, voltar à natureza de nanã Burucu. Nanã deu a matéria no começo, mas quer de volta no final
tudo o que é seu.

Epá Bàbá Oxalá!

Iemanjá

Iemanjá é aquela que domina a impetuosidade do mar. É aquela que nos garante a resiliência diante das
dificuldades.

Há momentos em que nos sentimos como se o oceano da vida estivesse nos jogando para trás. Às vezes, nos
devora; outras vezes, nem nos leva. Quando isso acontece, precisamos manter a fé e continuar remando, nos
adequar aos movimentos do mar e continuar remando.

Uma desordem em nossa vida muitas das vezes vem para nos mostrar elementos importantes para promoção da
mudança. A vida quer apenas que alinhemos nossas expectativas com a dela. Às vezes, simplesmente quer que
deixemos algumas coisas de lado; outras vezes, quer que façamos uma nova tentativa.
A coragem e a adaptabilidade que precisamos reunir para enfrentar o mar revolto da vida é enorme, e é Iemanjá
que nos ajuda nesse grande desafio todos os dias.

O mar também é uma grande fonte de riquezas naturais, e assim como Oxóssi, ele manifesta a providência divina
na vida dos homens.

O nome Iemanjá tem origem nos termos do idioma Iorubá “Yèyé omo ejá”, que significa “Mãe cujos filhos são
como peixes”. É considerada a mãe de todos os adultos e a mãe dos orixás, segundo os itãs.
Iemanjá, na verdade, é uma divindade do rio que deságua no mar. O rio que representa Iemanjá e sua história é
o Rio Ogun, localizado no estado de Oxum, na Nigéria.

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Um itã muito conhecido conta que ela era filha de Olokum, soberano dos mares. Quando cresceu, a divindade se
casou com Oduduá, com quem teve dez filhos Orixás. Diz a lenda que seus seios se tornaram maiores e mais
fartos devido a amamentação de todos os seus filhos, característica que nela gerou grande vergonha. Cansada de
seu casamento, Iemanjá decidiu deixar seu esposo e seguir em busca de sua própria felicidade.

Após algum tempo, ela se apaixonou pelo rei Okerê, com quem viveu uma história nada feliz. Contos revelam
que, em um certo dia, após beber demais, Okerê se referiu aos seios de Iemanjá de maneira grosseira, o que fez
com que ela fugisse decepcionada. Para escapar da perseguição de Okerê, Iemanjá fez uso da poção dada por seu
pai. Assim, a Rainha do Mar se transformou em um rio que encontra o mar.
Para recuperar sua esposa, Okerê decidiu interferir no curso do rio, transformando-se em uma montanha, mas,
com a ajuda de seu filho Xangô (que abriu passagem no meio dos vales criados por Okerê), Iemanjá conseguiu
seguir seu caminho, tornando-se, então, a Rainha do Mar.

Odoiá, minha mãe Iemanjá!

Xangô

Xangô é aquele que reina sobre as planícies, aquele que possui uma visão imparcial e completa, pois tudo está
abaixo dele. Ele também é o fogo e o relâmpago na sua perspectiva purificadora. Ele é quem forma no homem o
seu senso de justiça e conduz a humanidade em seu caminho de mudança (pela alegria ou pela dor). Ele nos ajuda
a dar ao sofrimento e à dor um novo sentido, a encarar as provações como um verdadeiro aprendizado. Moldado
pelo sofrimento, o homem egoísta e orgulhoso renasce para uma vida de caridade e simplicidade.

Segundo os Itãs, Xangô teria sido o quarto alafim (rei) de Oió. Ficou órfão muito cedo e não chegou a conhecer
sua mãe, Torossi. Antes dele assumir o trono, o seu pai já havia sido o primeiro Rei. Logo depois, veio o seu
irmão, Dadá Ajacá, porém seu reinado foi mal sucedido. Após isso, o tutor de Xangô foi quem assumiu o trono,
se tornando o terceiro Rei. Porém ele era um governante muito impiedoso, ruim, não gostava de crianças, era
injusto e tinha péssimos planos para Oió. Por fim, o povo implorava para que ele fosse destronado - foi aí que
Xangô tomou o trono e se tornou o quarto rei. Todos comemoravam e pulavam de alegria. Xangô foi um rei
justíssimo, de caráter ímpar, tinha ótimos projetos para a sociedade, era muito elogiado por todos os cidadãos e,
apesar de ser muito sério e carrancudo, ele era um ser muito bondoso. Xangô teve várias divindades como
esposas; as mais conhecidas são: Oiá, Oxum e Obá.

Kaô Kabicilê, meu Rei!

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Oxum

Assim como águas que nascem do seio terra, águas doces que oferecem vida por onde passam, Oxum é a doçura.
De suas cachoeiras recebemos o frescor que sacia nossa sede; do leito de seus rios, recebemos vitalidade.

Oxum é a sensibilidade humana, é aquela que traz poesia para a vida, aguça nosso senso criativo. Ela é a grande
formadora humana sobre assuntos do coração e traz o equilíbrio para as emoções: tristeza, alegria, raiva, amor
próprio (ego), amor romântico (eros), amor para com os amigos (storge) e amor fraternal entre familiares (philia).

Oxum também é quem guarda os sentimentos maternais e acompanha as mulheres durante o período da gestação.
Os itãs de Oxum são de uma sensibilidade tão profunda que normalmente eles viram canções (e não poderia ser
diferente). Eu particularmente sou apaixonado pelo itã que revela a relação de Oxóssi, Oxum e Logun Edé sob a
perspectiva da natureza:

Oxum argumentava junto a Oxóssi que sua água era necessária à irrigação e fertilização da terra, missão que
recebera de Olorun. Odè não lhe dava ouvidos, dizendo que sua caça iria desaparecer com a inundação. Olorun
resolveu intervir nessa guerra, separando bruscamente esses reinados, para tentar apaziguá-los.
A floresta de Odè logo começou a sentir os efeitos da ausência das águas. A vegetação, que era exuberante,
começou a secar, pois a terra não era mais fértil. Os animais não conseguiam encontrar comida e faltava água
para beber. A mata estava morrendo e as caças tornavam-se cada vez mais raras.

Odè não se desesperou, achando que poderia encontrar alimento em outro lugar.

Oxun, por sua vez, sentia-se muito só, sem a companhia das plantas e dos animais da floresta, mas também não
se abalava, pois ainda podia contar com a companhia de seus filhos peixes para confortá-la.
Odè andou pelas matas e florestas da Terra, mas não conseguia encontrar caça em lugar algum. Em todos os
lugares encontrava o mesmo cenário desolador. A floresta estava morrendo e ele não podia fazer nada.
Desesperado, foi até Olorun pedir ajuda para salvar seu reinado, que estava definhando. O maior sábio de todos
explicou-lhe que a falta d’água estava matando a floresta, mas não poderia ajudá-lo, pois o que fizera fora
necessário para acabar com a guerra.

A única salvação era a reconciliação.

Odè, então, colocou seu orgulho de lado e foi procurar Oxun, propondo a ela uma trégua. Como era de costume,
ela não aceitou a proposta na primeira tentativa. Oxun queria que Odé se desculpasse, reconhecendo suas

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qualidades. Ele, então, compreendeu que seus reinos não poderiam sobreviver separados; uniram-se novamente
com a benção de Olorun.
Dessa união nasceu um novo Orixá, um Orixá príncipe, Logun Edé, que iria consolidar esse casamento, bem
como abrandar os ímpetos de seus pais.
Logunedé sempre ficou entre os dois, fixando-se nas margens das águas, onde havia uma vegetação abundante.
Sua intervenção era importante para evitar as cheias, bem como a estiagem prolongada. Ele procurava manter o
equilíbrio da natureza, agindo sempre da melhor maneira para estabelecer a paz e a fertilidade.

Ora iê iê ô, minha mãe Oxum!

Ogum

Ogum é a noite e a lua, é o fogo em sua perspectiva transformadora.

Normalmente as pessoas interpretam a noite como algo ruim: trevas, escuridão, melancolia. Mas a noite tem um
papel tão importante quanto o dia. Sem a noite a vida não poderia existir. O ritmo entre o dia e a noite foram
fundamentais para que a vida se propagasse com tamanha riqueza.

No sono, recuperamos as forças para as batalhas de cada dia. Nesse sentido, Ogum é aquele que nos fortalece,
nos prepara para as batalhas de cada dia.

A lua também revela uma característica importante de Ogum: Ele é a luz que caminha na escuridão.
Dentre todos os Orixás, Ogum possui a primazia nos trabalhos de esquerda, pois ele é o Orixá guerreiro que
lidera os falangeiros desta linha na luta contra o mal.

Outra característica forte de Ogum é a capacidade do arrependimento e da transformação. Assim como o fogo
transforma a matéria: gelo em água, água em vapor, amolece os metais mais duros para que possamos forjar as
espadas para todas as batalhas. Ogum nos ajuda a reconhecer nossos erros, conduz a mudança interior e nos
anima a recomeçar nossa luta de cada dia.

Um itã que fala muita dessa característica de Ogum, à primeira vista pode parecer cruel. Mas o ponto central que
devemos levar em consideração nessa lenda é a capacidade de arrependimento e mudança de Ogum:
Ogum foi o filho mais energético de Odùdùa e tornou-se regente de Ifé quando seu pai ficou cego
temporariamente. Após muitos anos ausente de Irê, decidiu visitar o filho. Quando chegou na cidade, as pessoas
estavam celebrando uma cerimônia em que não podiam falar de forma alguma. O guerreiro estava faminto e com

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sede e viu vários potes de vinho de palma, mas estavam vazios. Os moradores da cidade não o saudaram e nem
mesmo respondiam às suas perguntas. Como estava ausente há muito tempo, não foi reconhecido no local.

Sua paciência era muito pequena e ele se enfureceu com o silêncio das pessoas, considerando como uma ofensa.
Então, começou a quebrar os potes com golpes de sabre e, aumentando sua ira, passou a cortar cabeças daqueles
que estavam próximos, até que seu filho veio até ele e explicou toda a situação. O filho ofereceu suas comidas
favoritas, cabrito e feijão preto com azeite de dendê, além de potes de vinho de palma. Enquanto o guerreiro se
saciava, os moradores de Irê cantavam louvores com menções a Ògúnjajá.

As homenagens dos moradores de Irê para Ogum não cessavam. Eles o vestiram com roupas novas, dançaram e
cantaram para ele, mas o guerreiro estava inconsolável por ter matado os habitantes do local sem nenhum motivo.
Ele não se deu conta de que uma cerimônia tão relevante para o reino estava ocorrendo. Ogum estava abalado e
sentia que não poderia mais ser rei. Ele estava extremamente arrependido por sua intolerância e com vergonha
de sua precipitação. O guerreiro se castigou dia e noite em autopunição.

Seu sofrimento não tinha medidas, nem chances de autocompaixão. Então, ele enfiou sua espada no chão e, em
um instante, a terra se abriu e Ogum foi tragado solo abaixo. O guerreiro estava em Orum. Não era mais um
humano, se tornou um Orixá.

Ogum Yê, meu Pai!

Obaluaê

Obaluaiê sustenta toda a natureza (elementais e seres vivos) na sua perspectiva curadora.
Ele é o Orixá que nos ajuda a manter o equilíbrio mental e físico. Todos que exercem a medicina e a caridade
aos enfermos, de algum modo são auxiliados por Obaluaiê (materialmente e espiritualmente). Por isso ele é o
Orixá que desperta em nós a caridade e a compaixão pelas pessoas e animais.

Ao contrário do que se pensa, ele não é o deus da morte, dos mortos, do cemitério ou das almas que lá habitam.
O que acontece é que, por ser o Orixá que promove a cura para as enfermidades, naturalmente ele está sempre
próximo aos agonizantes, pois ele procura promover a saúde para aqueles que estão perto da morte.
A energia térmica emitida por fontes naturais como fontes termais e gêiseres também são pontos de força
associados a Obaluaiê. Isso porque com a febre o corpo se aquece para acelerar as defesas do organismo contra

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inflamações e infecções, essa é uma ação atribuída a Obaluaiê agindo no corpo humano, assim como o calor que
vem das profundezas da terra.

De acordo com os itãs, Nanã enfeitiçou Oxalá para conseguir seduzi-lo e engravidar dele. Conseguiu. Entretanto,
quando ObaluaIê nasceu, o menino tinha o corpo coberto de feridas e chagas. ObaluaIê nasceu com varíola e seu
corpo era completamente mal formado. Nanã não suportou a ideia de ter dado à luz um bebê daquela maneira e
sem saber o que fazer com ele abandonou-o à beira-mar, para que a maré cheia o levasse. Como se não bastasse
o abandono e a doença, Obaluaiê ainda foi atacado por caranguejos que se encontravam na praia, deixando a
criança ferida e quase morta.

Ao ver a criança sofrendo, Iemanjá saiu do mar e tomou a criança em seus braços. Ela, então, levou-o para uma
gruta e cuidou dele, fazendo curativos com folha de bananeira e alimentando-o com pipocas. Quando o bebê se
recuperou dos graves ferimentos e das doenças, Iemanjá resolveu criá-lo como seu filho.

O corpo de Obaluaiê ficou marcado por cicatrizes muito impressionantes, e, por isso, vivia se escondendo para
quem ninguém o visse. Em um dia de festa em que os Orixás se reuniram, Ogum pergunta por Obaluaê e percebe
que ele não quer aparecer por conta de suas feridas. Então, ele vai ao mato e faz um capuz de palha para cobrir
Obaluaiê dos pés à cabeça. O Orixá, então, aceita aparecer e participar da festa com esse capuz, mas sem dançar,
pois, era uma divindade muito fechada. Iansã aproxima-se dele com o seu vento e sopra o capuz de palha de
Obaluaê. Nesse momento, todas as feridas dele se transformaram em uma chuva de pipocas, revelando o menino
belo, sadio e radiante como o sol.

Atotô, meu Pai Obaluaê!

Oxóssi

Oxóssi governa e sustenta as matas e a terra em sua perspectiva provedora. Ele está relacionado às fartura e
prosperidade na mesa.

Oxóssi também é aquele que ensina simplicidade. Suas falanges de Caboclos nos ensinam uma vida simples e
um contato respeitoso com a natureza. Ele ensina que precisamos valorizar as coisas pequenas e ser grato.
Neste momento, surge outra grande característica de Oxóssi; ele é o grande Orixá da gratidão. Hoje em dia somos
constantemente seduzidos a obter mais e mais e não ser gratos pelo que já temos. O consumismo está diretamente
relacionado à nossa busca por felicidade, que não pode ser encontrada nos bens materiais desta terra.
Oxóssi é o rei das matas e vem nos mostrar que as melhores coisas são de graça. Ele nos conecta novamente com
nossa essência e a natureza.

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Oxóssi também é o Orixá que nos ajuda a estabelecer a concentração e a paciência no aprendizado. Os indígenas
possuem essa qualidade muito bem desenvolvida por conta de sua longa convivência com a natureza. Eles
aprenderam a escutar as florestas com paciência, enxergar os sinais das estações e os rastros dos animais. Com
perícia, manuseiam seus arcos e flechas para garantirem seu sustento.

Em um dos itãs sobre Oxóssi, o Rei de Ifé, diante do seu palácio real, chefiava o seu povo na festa da colheita
dos inhames. Naquele ano a colheita havia sido farta e todos em homenagem deram uma grande festa,
comemorando o acontecido, comendo inhame e bebendo vinho de palma em grande fartura. De repente, um
grande pássaro pousou sobre o palácio, lançando os seus gritos malignos e lançando farpas de fogo com intenção
de destruir tudo o que por ali existia, pelo fato de não terem oferecido uma parte da colheita às feiticeiras Ìyamì
Òsóróngà. Todos se encheram de pavor, prevendo desgraças e catástrofes. O rei, então, mandou buscar
Osotadotá, o caçador das cinquenta flechas, em Ilarê, que, arrogante e cheio de si, errou todas as suas investidas,
desperdiçando suas cinquenta flechas. Chamou desta vez, das terras de Moré, Osotogi, com suas quarenta flechas.
Embriagado, o guerreiro também desperdiçou todas suas investidas contra o grande pássaro. Ainda foi convidado
para a grande façanha de matar o pássaro, das distantes terras de Idô, Osotogum, o guardião das vinte flechas.
Fanfarrão, apesar da sua grande fama e destreza, atirou em vão vinte flechas contra o pássaro encantado, e nada
aconteceu. Por fim, todos já sem esperança, resolveram convocar da cidade de Ireman, Òsotokànsosó, caçador
de apenas uma flecha. Sua mãe sabia que as èlèye viviam em cólera, e nada poderia ser feito para apaziguar sua
fúria, a não ser uma oferenda, uma vez que três dos melhores caçadores falharam em suas tentativas. Ela foi
consultar Ifá para Òsotokànsosó. Os babalaôs disseram para ela preparar oferendas com ekùjébú (grão muito
duro), também um frango òpìpì (frango com as plumas crespas), èkó (massa de milho envolta em folhas de
bananeira) e seis kauris (búzios). A mãe de Òsotokànsosó fez assim. Pediram ainda que oferecesse, colocando
sobre o peito de um pássaro sacrificado em intenção, que oferecesse em uma estrada, e durante a oferenda
recitasse o seguinte: "Que o peito da ave receba esta oferenda". Neste exato momento, o seu filho disparava sua
única flecha em direção ao pássaro; este abriu sua guarda, recebendo a oferenda da mãe do caçador e recebendo
também a flecha certeira e mortal de Òsotokànsosó. Todos após tal ato começaram a dançar e gritar de alegria:
"Oxóssi! Oxóssi!” (caçador do povo). A partir desse dia, todos conheceram o maior guerreiro de todas as terras.
Foi reverenciado com honras e carrega seu título até hoje. Oxóssi.

Oke Arô, rei das matas!

Nanã

Nanã governa os pântanos, lamaçais e lagos; Nanã é a lama na sua perspectiva de maleabilidade e os pântanos
na sua perspectiva de transformação da vida.
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Nosso corpo, após a morte, entra em um estágio de decomposição. Nossa matéria orgânica se mistura a essa terra
ao ponto de nos tornarmos uma coisa só. Da lama viemos, e para lá nós voltaremos.
Nanã é aquela que nos recorda sobre a infalibilidade da morte e a finitude da vida. Por isso ela é Orixá que nos
auxilia a fazer boas escolhas em vida e a agir com sabedoria para não desperdiçarmos nosso tempo sobre essa
terra.

Acredito que o itã que mais representa Nanã é o que já citamos quando falamos sobre Oxalá. Mas gostaria de
resgatar um trecho para fazer um comentário curioso:

“Dizem que quando Olorum encarregou Oxalá de fazer o mundo e modelar o ser humano, o Orixá tentou vários
caminhos. Tentou fazer o homem de ar, como ele. Não deu certo, pois o homem logo se desvaneceu. Tentou fazer
de pau, mas a criatura ficou dura. De pedra, ainda a tentativa foi pior. Fez fogo, e o homem se consumiu. Tentou
azeite, água e até vinho de palma, e nada.”

“Foi então que Nanã Burucu veio em seu socorro. Apontou para o fundo do lago com seu ibiri, seu cetro e arma,
e de lá retirou uma porção de lama. Nanã deu a porção de lama para Oxalá, o barro do fundo da lagoa onde
ela morava, a lama sob as águas, que é Nanã. Oxalá criou o homem e o modelou do barro. “

De acordo com um estudo publicado em 2019 na revista científica Nature, os primeiros Homo Sapiens —
subespécie que originou o homem atual — surgiram na porção norte da Botsuana, país ao sul do continente
africano. Segundo a pesquisa, esses nossos ancestrais teriam aparecido na região há cerca de 200 mil anos e lá
permanecido por mais 70 mil anos. O local abrigava o maior sistema de lagos da época, chamado Makgadikgadi
(aproximadamente do tamanho da Suíça). Uma mudança nos regimes de chuva teria transformado o local em um
pântano onde a biodiversidade aumentou exponencialmente e permitiu o surgimento de diversas espécies, a
exemplo da nossa.

Quanta coincidência, não é mesmo??!

Salubá, minha mãe Nanã!

Iansã

Iansã é a tempestade, é o movimento do ar na sua perspectiva de força e dinamismo. Tais qualidades de Iansã
suscitam em nossos corações valores extremamente contemporâneos.

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Por séculos os povos pretos, as mulheres, os idosos, os analfabetos, os povos indígenas, os pobres e as crianças
foram subjugados por suas supostas inferioridade. O que Iansã vem resgatar é a autoconfiança, a esperança, o
empoderamento e a equidade entre todos os seres humanos. Não podemos mais compactuar com sistemas
patriarcais, racistas, preconceituosos, intolerantes. Iansã está conosco para prover uma confiança inabalável e
palavras acertadas para combater esse mal.

Eparrei, minha mãe!

Para Iansã, prefiro compartilhar um Oriki, um poema em tom de brado de guerra, porque Iansã é o grito guerreiro,
é o grito de libertação!

Ela é grande o bastante para carrega o chifre do búfalo


Oyà, que possui um marido poderoso
Mulher guerreira
Mulher caçadora
Oyà, a charmosa, que dispõe de coragem para morrer com seu marido.
Que tipo de pessoa é Oyà?
O local onde Oyà está pega fogo
Mulher que se quebra ao meio como se fosse uma cabaça
Oyà foi vista por seus inimigos
E eles, assustados, fugiram atirando as bagagens no mato
Eeepa He! Oh, Oyà
És a única pessoa que temo
Vendaval da Morte
A mulher guerreira que carrega sua arma de fogo
Oh, Oyà, à Oyà, respeito e submissão
Ela arruma suas coisas sem demora
Rapidamente Oyà faz suas coisas
Ela vagueia com elegância, como se fosse uma nômade fulani
Quando anda, sua vitalidade é como a do cavalo que trota
Eeepa Oya, que tem nove filhos, eu te saúdo

Ibejada

Ibejada na verdade não é um único Orixá, são Orixás gêmeos que se apresentam como crianças aos homens.
Juntos, eles regem a pureza das nascentes dos rios e a alegria dos jardins, com suas flores, borboletas e pássaros
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nas mais diversas cores, tons e formas. Ibejada é tudo de bom, belo e puro que uma criança pode nos mostrar em
seu sorriso, sua alegria e sua felicidade.

Todos nós temos uma criança dentro de nós, e precisamos deixá-la nos ensinar a redescobrir a vida, como se ela
fosse uma encantadora novidade.

Nos itãs, diz a lenda que Iku decepava antes da hora a vida das pessoas de uma aldeia. Para dar fim a tal ameaça,
os Ibejis foram invocados pelo oráculo de Ifá da região. Ninguém acreditou que duas crianças conseguiriam dar
fim à carnificina de Iku, porém, os Ibejis bolaram um plano para enganar a morte. Enquanto um dos gêmeos
tocava tambor o outro convidava Iku para dançar, que logo se encantou pelo sacolejo dos gêmeos e dançava sem
parar. Iku se desgastava à exaustão enquanto os gêmeos se alternavam na dança para descansar. A brincadeira
foi tão longa que Iku desistiu de continuar sua matança e deixou finalmente a aldeia em paz. Para agradecer o
fim da ameaça da morte, os gêmeos foram presenteados com muitos doces e brinquedos pelos aldeões.

Oni Ibeji!

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Nossos guias espirituais

Uma das principais diferenças entre a Umbanda e o Candomblé é o trabalho através da incorporação de entidades.
Acredito que essa seja uma das peças mais importantes que a Umbanda sincretizou para a concretização da grande
rede de caridade entre seres encarnados e desencarnados. Não podemos incorporar os Orixás por conta da sua
imensa força e energia, seria como querer colocar o oceano em um copo de água. Então, o que incorporamos são
seus colaboradores.

Existem algumas vertentes Umbanda que são completamente focadas em entender as hierarquias intermináveis
das falanges espirituais, suas relações místicas com os elementos, astros, etc. Esse não é o propósito deste livro,
e não existe o menor problema em você não saber sobre isso. Novamente, a mensagem de Deus precisa ser
simples para alcançar a todos. A única coisa que na minha opinião seria importante saber é que existem linhas
de esquerda e direita, e que, a grosso modo, a direita trabalha com fatores irradiadores e a esquerda trabalha com
fatores consumidores. Assim, entidades de esquerda trabalham consumindo e absorvendo os desequilíbrios, as
viciações, os desvirtuamentos e a negatividade, enquanto a direita trabalha reestruturando. Gosto de pensar na
esquerda como um o campo de força ao redor do nosso ser para que a direita possa trabalhar tranquilamente na
reconstrução do próprio ser. Sem a esquerda, a direita não teria a menor condições de trabalhar, já que nossas
vidas e nossas mentes seriam completamente comprometidas e bloqueadas por espíritos estagnados.

Um ponto de debate entre algumas vertentes espiritualistas e a Umbanda é: Por que a Umbanda incorpora Pretos
Velhos, Caboclos e Crianças? Pessoas ditas analfabetas e sem instrução, que seriam incapazes de nos orientar
sobre os desafios da nossa atualidade. Muitas dessas vertentes defendem a importância da incorporação de
engenheiros, médicos e cientistas que estariam mais ‘antenados’ a questões modernas e às mazelas dos nossos
tempos. Muitos dizem: A escravidão acabou, vamos olhar novos desafios.

O primeiro ponto importante aqui é dizer que, um Caboclo, um Preto Velho ou uma Criança quando se apresenta
por um nome como, por exemplo, “Caboclo Pena Branca”, isso não significa que aquele espírito foi
necessariamente o Caboclo Pena Branca em outra encarnação. Isso pode até acontecer (apesar não termos
registros sobre essa condição), mas em muitos casos as entidades utilizam os títulos para evocar os ideais
associados àquele arquétipo: ideais de simplicidade, amor e respeito à natureza com o quais aquela entidade se
identificou em vida. Mas não se engane; o Caboclo Pena Branca pode até se valer da figura – preconceituosa,
diga-se - de um indígena pouco estudado, com linguajar chulo, mas saiba que ele está muito mais inteirado sobre
os desafios dos nossos tempos que você imagina. Além de trazer a carga de conhecimento de todas as suas vidas
passadas, ele é um espírito, né, minha gente! E sendo um espirito ele está entre nós a todo instante e participa das
nossas vidas e seus dramas.

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É claro que, assim como nós, eles podem desconhecer algum assunto ou outro, até porque eles não vão ficar em
uma biblioteca o dia todo para entender sobre assuntos humanos, pois esse não é o propósito deles no plano de
evolução. Conhecer sobre medicina, matemática, química, filosofia e física é papel dos seres encarnados, pois
isso vai favorecer somente o progresso material. O papel daqueles espíritos é na reestruturação dos valores
humanitários, da consciência espiritual, no resgate dos ideais de caridade e simplicidade. Seguindo essa dinâmica,
ambas as partes (encarnados e desencarnados) poderão evoluir juntos.

Um segundo ponto seria: Porque eles se apresentam sobre o arquétipo de um indígena, ou de um preto velho, ou
criança? Simplesmente porque Deus quer focar nossa atenção no tema central do seu plano de evolução: A
caridade! E para ser mais efetivo em seu propósito, ele entregou essa missão àqueles que foram marginalizados
pela sociedade autodeclarada ‘civilizada’, exatamente por não se adequarem aos falsos ideais de felicidade
baseados na vaidade e ganancia. Para falar de amor, respeito, paciência, perdão, esperança, não precisamos de
palavras complicadas, não precisamos de exemplos complexos. Nosso livro sagrado é a natureza, nossos profetas
são as crianças, velhos e indígenas. Quem, diferentemente deles, conseguiria falar com maior propriedade sobre
temas como sinceridade, simplicidade, resiliência, esperança, perdão, empatia?

Obviamente, você não deve ir a uma gira levando questões como a solução matemática do problema do quadrado
inscrito, a projeção do dólar para o próximo trimestre ou sobre as implicações quânticas da teoria das partículas
entrelaçadas. Faça-me o favor, né, minha gente? O que isso tem a ver com nosso plano de evolução? E se você
acha que vai receber a fórmula para a cura da Aids, já que isso seria um ato de caridade para todos os que sofrem
dessa doença, você também está no lugar errado, meu amigo! Você deveria estar em casa, na frente do seu
computador, estudando muito. Os guias têm um papel reestruturante e consumidor. Lembra das características
de Oxóssi? Concentração e paciência no aprendizado. Peça a teus Caboclos o auxílio necessário nos seus estudos
e no seu trabalho, e as maiores moléstias da humanidade serão resolvidas.

Pense nas giras de umbanda como um pit stop de Fórmula 1, só que semanal.

Você vai entrar na gira sem combustível e sem os pneus adequados para as novas condições de pista na qual você
está correndo. Ali dentro, nossos guias irão injetar todo o ânimo e toda a determinação necessários para teus
desafios, vão tirar e bloquear todos os impedimentos espirituais, além de fornecer o caminho ou inspiração que
irão solucionar teus problemas. Você sairá da gira com todas as ferramentas necessárias para cumprir sua missão
aqui neste plano. Então, agora, mãos à obra! Eles não vão te dar o peixe em algumas situações, mas te darão uma
excelente vara para pescar.

Outra pergunta que quase sempre nós fazemos é: Precisamos saber a qual Orixá uma entidade está ligada? Não!
Mas o nome por meio do qual eles se apresentam pode dar pistas sobre essa questão. Por exemplo, o Caboclo

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Águia Branca provavelmente está ligado a Oxóssi, por ser um Caboclo, e também a Oxalá, por trazer a cor branca
em seu nome. Mas, de verdade, não se preocupe com isso, não é realmente importante. No fim das contas, todos
eles possuem um único propósito, que a essa altura do campeonato você já deve ter decorado, certo? Exatamente!
Caridade e simplicidade.

Linhas de direita

Quando falamos de uma linha reestruturante, do que estamos falando exatamente? De forma sucinta, falamos de
entidades que possuem o objetivo de auxiliar o indivíduo em sua transformação moral e reestruturação interior.
Lembra de quando falamos das características dos Orixás manifestados na natureza e do que eles têm a nos
ensinar? É aqui que essa mensagem chega concretamente para nós por intermédio de nossas amadas e queridas
entidades incorporadas ou não. Vamos agora falar um pouco sobre essa linha.

Caboclos

Os Caboclos por definição são mestiços de indígenas que habitam diversos lugares ao redor do mundo. Quando,
porém, nos referimos à Umbanda, estamos falando sobre aqueles indígenas que majoritariamente fizeram parte
de tribos brasileiras.

Falar sobre Caboclos na Umbanda é trazer com riquezas de detalhes a simplicidade e a espiritualidade. Eles
atuam nos terreiros sob diversos títulos, cada um da sua maneira. Esses seres de luz são pessoas que
desencarnaram com o propósito da bondade e do equilíbrio com a natureza. Para isso, devotaram seus serviços à
prática da caridade, prestando auxílio aos homens com seus ensinamentos que são baseados em suas vidas
simples e conectadas às florestas.

Outro ponto importante é a reinterpretação da palavra xamanismo na Umbanda. Apesar da prática da medicina
xamânica ser uma característica marcante entre os Caboclos de todas épocas, principalmente entre comunidades
indígenas norte e mesoamericanas, não são todos os terreiros de Umbanda que estabelecem essa ligação do
tratamento com ervas e plantas.

Caboclos são seres de luz que agem na direita, através da linha de Oxóssi. Por isso, carregam a energia dos
profundos conhecedores das matas, dos que procuram sempre na natureza os recursos necessários para
estabelecer os processos naturais de cura.

Embora qualquer tribo indígena, de qualquer parte do planeta, possa trabalhar nas linhas de Umbanda, é mais
comum notarmos nas giras a presença dos indígenas brasileiros.

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Uma das principais características desses guias é o aconselhamento direto, com a indicação especialmente de
banhos que fazem uso de ervas e plantas. Eles também costumam realizar passes, pitando cachimbos ou charutos.
Em uma conversa com um Caboclos, espere respostas diretas e precisas. Saiba que você receberá conselhos que
puxam o máximo de tua verdadeira essência, procurando sempre o real sentido do que significa ser feliz e viver
em harmonia com a natureza, pois essa é a fonte de todo conhecimento indígena.

Pretos- Velhos

Quem sabe valorizar a sabedoria dos seus pais e avós não terá dificuldade em entender o que essas entidades têm
a nos ensinar. Esses guias são mais do que extraordinários! Além de toda a inteligência de vida que carregam em
seu espírito, eles conseguiram aumentar essa qualidade natural e passaram a atender aqueles que os procuram,
sendo considerados como verdadeiros psicólogos. Portanto, optaram por orientar todos aqueles que confiam em
sua sabedoria e concentram todas as suas energias na abertura dos caminhos para evolução dos encarnados. Por
isso, nunca subestime essa entidade por seus arquétipos de aparência fragilizada e cansada. A energia que
carregam em seu interior os motiva a alcançarem pontos inimagináveis.

O Preto Velho, Preta Velha, ou até mesmo “Preto Veio “, segue majoritariamente a linha de regência de Obaluaiê,
sob a qual trabalham em seus passes a magia divina, manipulando com maestria as ervas e elementos que portam
a cura para seus consulentes. A linha para a qual trabalham está direcionada ao mistério da sabedoria dos mais
velhos e tem como fundamento proporcionar a evolução. Em uma conversa com o Preto Velho, é perceptível a
limpeza mental e espiritual que ele realiza. Além disso, o direcionamento recebido é capaz de nos colocar no
caminho correto para a felicidade e paz interior.

Embora nem todos tenham sido escravos em outras encarnações, a grande maioria provém deste período. As
marcas dessa vida de luta elevaram sua consciência espiritual a um outro nível. O desapego material, desapego
do ego, o exercício da esperança e da resiliência são os pontos fortes. Eles conhecem a verdadeira natureza
humana (boa e ruim), podendo, assim, passar os mais belos, realistas e tocantes conselhos.
Sentados em seus banquinhos e fumando seus cachimbos, os Pretos e Pretas Velhas são sem dúvida essenciais
dentro de um terreiro. Apesar da simplicidade, suas orientações contém uma elevada sabedoria espiritual.

Crianças

Crianças na Umbanda formam uma falange de entidades que se apresenta arquetipicamente com gestuais e
mentalidade infantil. É conhecida também como linha dos Erês.

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Assim como no plano material, durante as incorporações as Crianças não são independentes e precisam ser
tuteladas pelos outros médiuns não incorporados, ou ainda pelos cambonos e cambonas da Casa.

Quando incorporadas, gostam de pular, correr e fazer brincadeiras como qualquer criança. É necessária muita
concentração do médium para não deixar que essas brincadeiras atrapalhem sua mensagem.

Os pedidos feitos a uma Criança incorporada normalmente são atendidos de maneira bastante rápida.
Normalmente as pessoas que participam de giras de Crianças dão pouca credibilidade e atenção devido à
dinâmica estabelecida nessas sessões. O fato é que uma gira de Crianças não deve ser interpretada como uma
brincadeira. A dificuldade reside em que suas giras normalmente são realizadas em dias festivos, e às vezes não
conseguimos conter os risos diante das palavras e atitudes que as Crianças tomam.

Essas entidades, mesmo sendo puras, não são tolas. Elas identificam muito rapidamente nossos erros e falhas, e
com simplicidade e sem rodeios podem nos direcionar e oferecer ensinamentos valiosos.

Linhas de esquerda

A ideia de um Orixá, que é um ser dotado de pura luz, trabalhar em conjunto com espíritos que ainda caminham
pelas trevas e escuridão é uma ideia que pode soar um pouco estranha, principalmente para religiões que não são
baseadas no carma e que consequentemente não acreditam numa segunda chance após a morte. Na Umbanda,
esses irmãos desencarnados possuem um papel muito importante. E qual seria?

Bom, diferentemente do cristianismo, a ideia de inferno para Umbanda não é um local onde estão confinados os
demônios e almas perdidas. Para a Umbanda, o “inferno” é um estado de espírito, é a ausência de paz e felicidade,
e cada espírito vive essa condição em diferentes níveis.

Muitos destes espíritos, que não possuem propósito de mudança e evolução em busca da paz, vivem entre nós e
procuram constantemente brechas e oportunidades para sugar energias espirituais e propagar o mal entre os
encarnados. Felizmente, uma parcela desses espíritos possui o firme propósito de mudança em busca da luz de
Deus, e sob a primazia de Ogum, essas falanges caminham na escuridão, prontas para nos defender das investidas
daqueles espíritos estagnados, e também nos acompanham no caminho de evolução. Por isso essa linha é dita
consumidora, pois trabalha consumindo e absorvendo a negatividade e o mal.

Erroneamente essas entidades foram completamente estigmatizadas e deturpadas pelo catolicismo escravocrata.

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Por conta do seu trabalho em planos mais baixos de evolução, Exus e Pombagiras ainda guardam algum tipo de
ligação com seus vícios e manias, além de alguns apresentarem modos descontraídos e sensuais. Essas
características acabaram levando a mentalidade moralista de uma época mais remota a associar o diabo cristão
(que para Umbanda sequer existe) às figuras dos Exus e Pombagiras. Atualmente, a Umbanda tem um trabalho
imenso na desconstrução desse estigma, pois, ao contrário do que se pensa, Exus e Pombagiras não são o mal,
mas são a linha de frente no combate contra o mal, e devemos nutrir muito amor e gratidão a esses nossos irmãos.

Laroyê a todos!

Exus

Muitas pessoas que não conhecem a Umbanda costumam confundir essas entidades com o Orixá Exu do
Candomblé. Mesmo que não sejam a mesma coisa, eles possuem a mesma função: defender a porteira dos
terreiros e das casas, defender os médiuns e fiéis contra espíritos estagnados.

Os Exus são pessoas que em vida não se comprometeram com a caridade; tiveram apego a bens materiais,
cometeram delitos, ou assassinatos motivados por dinheiro, vingança ou inveja, mas que agora decidiram
trabalhar apenas para a Luz no plano espiritual. Sendo assim, nada mais indicado que um Exu para cuidar das
questões mais materiais dos homens e para protegê-los daqueles outros espíritos que ainda não decidiram
caminhar para o bem e para a luz.

As gargalhadas estridentes e as mudanças faciais podem assustar aqueles que não estão familiarizados com a
força dos Exus na Umbanda. Porém, como tudo nessa religião, há um propósito oculto para isso.
Como essas entidades são guardiões e os protetoras dos médiuns, precisam afastar e espantar o mal que os rodeia,
e fazem isso exatamente utilizando suas gargalhadas potentes, caretas e pisadas bruscas. A conduta de um Exu
vai depender do doutrinamento e das exigências do dirigente da Casa.

Pombagira

A Pombagira muitas vezes é conhecida como Exu do sexo feminino; isso porque ambos atuam do lado esquerdo,
onde há incidência de luz e sombra. Isso causa uma má interpretação sobre as Pombagiras. Por também poderem
ser sombra, muitas pessoas acreditam que elas estão voltadas a intenções más, amarrações de amor, separação
etc... mas esse definitivamente não é o caso dessas entidades.

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As lendas das Pombagiras se diferenciam em cada uma de suas apresentações. Algumas delas foram mulheres
muito sedutoras e que se envolveram em grandes paixões, viveram suas vidas do jeito que sonhavam e não se
importavam com o que os demais achavam ou julgavam. Por essa razão, as Pombagiras são ótimas conselheiras
sobre questões relacionadas ao amor próprio (ego), amor romântico (eros), para com os amigos (storge) e o amor
fraternal entre familiares (philia). Também em questões relacionadas ao empoderamento feminino, intolerância,
preconceitos e assuntos afins.

Outras linhas de esquerda e direita

Além das linhas que descrevemos neste livro, algumas casas podem ainda trabalhar com outras linhas de direita
como Baianos, Boiadeiros e Marinheiros; e outras linhas de esquerda como os Malandros.

O mais importante sobre esse ponto é que, apesar de cada arquétipo possuir variações bem delimitadas, o
propósito central dessas linhas é mantido: direita são linhas de reconstrução e esquerda são linhas de defesa.
Além disso, todas elas estão comprometidas com o ideal maior de caridade e simplicidade.

Espíritos estagnados: Eguns e Quiumbas

Infelizmente, nem todos os espíritos que tiveram uma vida desregrada possuem o propósito de mudança no
sentido do amor universal. Esses espíritos são a maior e única ameaça para os seres encarnados, e precisam ser
fortemente afastados e doutrinados. Existem dois tipos de espíritos estagnados: Eguns e Quiumbas, abaixo vamos
discorrer sobre suas principais características.

Eguns

Eguns são pessoas que quando desencarnam ficam sem um propósito e continuam vagando entre os encarnados.
Eles não são necessariamente espíritos ruins ou mal-intencionados. Por hora, podem simplesmente estar presos
ao mundo carnal, seja por medo, descrença, angústia, revolta ou simplesmente porque não querem deixar as
pessoas amadas que ainda se encontram aqui.
Existem casos de pessoas que desencarnam de forma tão rápida e violenta, que acabam confusos, sem perceber
que desencarnaram. Não podemos esquecer os que ainda estão presos aos vícios do mundo: sexo, álcool, drogas
e outros.

Seja qual for o motivo de estarem nesta situação, precisamos ter muito carinho por esses nossos irmãos,
oferecendo-lhes toda ajuda necessária. Uma das atitudes mais dignas é a de realizar no terreiro o encaminhamento

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desses espíritos. É frequente encontrar terreiros que se destinam quase exclusivamente à doutrinação e
recuperação desses irmãos. Em geral, são definidas giras especiais para esse trabalho. Essa desassociação dos
trabalhos existe para que os guias espirituais da casa possam realizar o encaminhamento daqueles espíritos no
dia marcado para a sessão, evitando que outros espíritos (quiumbas) possam de alguma maneira prejudicá-los.

Quiumbas

Esses são os espíritos mais prejudiciais e perigosos do plano espiritual, pois, ao contrário dos eguns, eles trazem
uma carga de maldade totalmente consciente. São espíritos com grau evolutivo profundamente baixo e são
grandes conhecedores sobre a dores da carne e do sadismo humano. Normalmente são assassinos que matam
com requintes de crueldade, e fazem isso pelo simples prazer de sentir a dor humana ou animal. Esses indivíduos
desencarnam sem propósito de mudança e, com malícia suficiente, conseguem ludibriar as pessoas com quem
têm contato.

Sua influência se dá diretamente sobre o psicológico dos encarnados, mexendo nos pontos mais fracos dos seus
alvos: o ego, a vaidade, o medo, os desejos, a raiva, o ódio e as angústias. Alguns, com mais experiência e astúcia,
conseguem atingir de forma tão precisa suas vítimas, que fica muito difícil para a pessoa se dar conta que está
sendo sugada. Quando um quiumba acompanha uma pessoa, vai aos poucos incutindo pensamentos e desejos
para fazer com que seu alvo possa agir como ele quer. Muitas vezes o quiumba é chamado de encosto e seus
sintomas podem variar desde nervosismo, depressão, angústia, tristeza e raiva; por isso é tão fácil confundir a
ação dos quiumbas com sentimentos corriqueiros.

Em alguns trabalhos de desobssessão, as entidades podem trazer quiumbas para fazer o encaminhamento desses
espíritos antes que eles façam mal a alguma pessoa. Essa é uma situação muito delicada, pois alguns terreiros
sem segurança ou fundamentos acabam deixando esses espíritos se passarem por entidades como, por exemplo,
Exus e Pombagiras. O ponto positivo em uma situação como essa é que acaba sendo fácil identificar esse tipo de
obsessão; isso porque eles agem com arrogância, propõem trabalhos de amarração, fazem pedidos absurdos,
comportam-se de forma desordeira e sem educação, humilhando a pessoa e em algumas raras vezes provocando
acidentes.

Quiumbas são aproveitadores ardilosos. Se encontram uma brecha na corrente mediúnica durante as sessões, vão
trazer desordem e atrapalhar os trabalhos.

Como os quiumbas são espíritos muito pouco evoluídos, sua doutrinação torna-se complexa. Na maioria das
vezes, para serem mais facilmente doutrinados, as entidades de um terreiro precisam que eles tenham uma
passagem em um médium de incorporação. Um ponto extremamente importante é que esse tipo de doutrinamento
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precisa ser bem pensado e preparado. O terreiro que se presta a esse tipo de trabalho precisa estabelecer
corretamente sua estrutura espiritual, verificando se a tronqueira de Exu foi corretamente demarcada e ativada.
Esses procedimentos garantem que os Exus vigiem a todo instante as portas do terreiro e eles não permitirão que
absolutamente nada que possa prejudicar os médiuns passe pelas porteiras. Quando existe permissão para que
algum quiumba passe pelos limites do terreiro, os Exus irão acompanhar cada passo desse espírito até o local de
trabalho. Desse modo, tais espíritos irão incorporar antecipadamente “amarrados”; isso significa que as suas
forças já foram previamente quebradas e que eles ele já se encontra dominados antes da incorporação.

Diferentemente dos eguns, os trabalhos com quiumbas são extremamente densos e perigosos e não devem ser
feitos sem as devidas precauções. Quem já teve a oportunidade de ver um quiumba em terra observou que
habitualmente ele vem com os punhos “amarrados” (punhos próximos ou cruzados, como se a pessoa estivesse
literalmente amarrada com uma corda). A posição das mãos pode ser à frente do corpo, nas costas ou mesmo
com os braços estendidos ao alto, sobre a cabeça. Também é possível observar pessoas com as pernas juntas e os
joelhos dobrados.

Quando um médium cai no chão (lembrando que uma entidade de esquerda ou direita, jamais jogará seu médium
no chão), é comum ouvir a expressão: “derrubada de Quiumba” durante as sessões.
Quando um quiumba recebe passagem de um médium da corrente a pedido de uma entidade ou dirigente dos
trabalhos, a incorporação é rápida (alguns minutos). Por estar amarrado, esse quiumba não consegue colocar em
risco a vida do médium, ou das pessoas à sua volta. O trabalho de encaminhamento de quiumbas não é um
exorcismo, mesmo porque os quiumbas não têm força ou grau de evolução significativa para gerar maiores
transtornos nessa hora.

Médiuns de passagem

Esses médiuns em geral são pessoas com extremo equilíbrio mental e facilidade para administrar energias densas.
Os dirigentes das casas precisam identificar com muita precisão as pessoas capacitadas para esse tipo de trabalho.
O controle mental é um fator importantíssimo, pois como o quiumba age diretamente sobre o psicológico, o
médium necessita de concentração, evitando a interferência do quiumba no processo. Isso não é fácil, pois os
pensamentos nessa hora podem ficar desordenados e confusos, levando o médium a acreditar que o quiumba tem
algum tipo de poder para atingir seu corpo, ou influenciar negativamente sua vida depois dos trabalhos

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Como evitar um Quiumba?

Se um filho de Umbanda levar sua vida de caridade e simplicidade, com certeza evitará os quiumbas. Amor ao
próximo, evitar o uso excessivo de álcool, seguir os ritos e principalmente manter o foco nos trabalhos durante
as giras são de extrema importância. No decorrer das giras a atenção dos médiuns é fundamental para segurança
dos trabalhos. Uma corrente desatenta e dispersa é uma porta aberta para quiumbas.

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Mediunidade

Mediunidade é o nome atribuído à capacidade humana que permite a comunicação entre encarnados e
desencarnados. Essa faculdade se manifesta em todos os indivíduos de forma mais ou menos intensa,
independentemente de religião, condição social ou sexo. Por ser intrínseca ao ser, se manifesta em qualquer
lugar ou hora, se o médium assim permitir. O termo “médium” é usado para definir a pessoa que possui uma
sensibilidade especial ou mais intensa, tornando-se canal de comunicação entre o mundo físico e o espiritual.
Os tipos mais comuns de mediunidade são os fenômenos que sensibilizam diretamente o corpo e os sentidos do
médium. Esses fenômenos podem se apresentar sob várias formas, tais como: Incorporação, Psicofonia,
Xenoglossia, Irradiação, Clarividência, Vidência, Psicografia.

O propósito deste livro não é o de se aprofundar em técnicas facilitadoras de mediunidade, ou o desenvolvimento


desses dons. Na verdade, o ponto central deste capítulo é mostrar que todas as formas de mediunidade têm igual
importância e força na evolução do plano criado.

Atualmente, tenho observado que existe uma verdadeira euforia em torno da incorporação. As pessoas ficam
realmente inquietas por não incorporarem uma entidade durante as giras, e até mesmo se acham inferiores àqueles
que incorporam. Se esse era o teu único objetivo com este livro, fico muito triste… Isso porque já estamos
chegando no último capítulo e provavelmente você ainda não entendeu a mensagem a que o livro se propôs.
Incorporar é um dom maravilhoso, mas o objetivo da incorporação é única e exclusivamente a caridade. Se você
quer viver um cosplay mítico de Pombagiras e Exus, a Umbanda não é o lugar mais apropriado para isso.

Por outro lado, podemos viver os ideais de caridade usando qualquer um dos nossos dons transcendentais ou
naturais. Ou seja, se você ainda não desenvolveu nenhum dom espiritual, isto não é motivo para ficar parado! Vá
entregar uma cesta básica na favela, vá visitar os doentes nos hospitais, vá levar alegria às crianças e aos idosos,
plante árvores, colete o lixo dos parques. A potência desses atos é de mesmo peso ou até maior aos olhos de
Deus.

Agora vamos falar rapidamente de alguns dons mediúnicos.

Incorporação

Incorporação é um termo utilizado para descrever o ato pelo qual um médium permite, consciente ou
inconscientemente, que um espírito se manifeste através de seu corpo.

Não sou a pessoa mais apropriada para descrever a experiência mediúnica de incorporação, até porque eu nunca
incorporei uma entidade antes, mas uma coisa posso afirmar com toda segurança: Não é necessário que o médium
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entenda os processos etéreos da incorporação para poder trabalhar em prol da caridade. Novamente, precisamos
voltar nosso olhar para a simplicidade.

Em uma rápida pesquisa na internet, é possível encontrar diversos cursos de incorporação e de outros dons
mediúnicos com páginas e páginas de explicações, gráficos, figuras, tabelas etc... e no final você ainda tem direito
a diploma e certificado!

Incorporação é diálogo com o divino e convivência com o espiritual. Esse tipo de assunto não pode ser reduzido
a um simples diagrama e uma tabela Excel!

Um idoso, um analfabeto, um adolescente, são capazes de incorporar uma entidade simplesmente porque amam
a Deus e respiram o espiritual. Não porque conhecem os mistérios das vibrações magnéticas e cósmicas do plano
astral e afins Novamente, não estou condenando quem gosta de saber sobre isso, mas não podemos de maneira
nenhuma achar que o desconhecimento sobre esses processos e mistérios desfavoreçam ou coloquem um médium
de Umbanda em desvantagem quando comparado aos médiuns autointitulados “pós-graduados em
incorporação”. Os dons não são de merecimento intelectual, mas estão ligados à fé e a nossa entrega no amor a
Deus e ao próximo.

Existem segredos que não precisam ser desvendados para que se dê credibilidade a uma doutrina ou religião; e
esse tema é definitivamente um deles.

Psicofonia

É o fenômeno mediúnico no qual um espírito se comunica através da voz de um médium. Esse dom pode ser de
duas naturezas:
● Consciente - Quando o médium afirma ter percebido mentalmente ou escutado uma fala proveniente de um
espírito que desejava se comunicar e reproduzido a mensagem com o seu aparelho fonador
● Inconsciente - Quando o médium afirma não saber o que disse, fazendo entender, nesse caso, que o espírito
utilizou sua voz sem o seu próprio conhecimento.

Irradiação

Irradiação é o período de tempo em que as entidades irradiam suas energias espirituais no médium, preparando
seus corpos para posteriores incorporações. Nessa etapa, a entidade dará ao médium uma impressão de como ela
é de como ele a sente.

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O médium pode, nessa fase, captar muitas ideias oriundas das entidades, mas como é um processo recente, é
muito fácil confundir com seus próprios pensamentos. Ele pode sentir uma força que conduz seu andar ou o
conduz à manipulação de alguns objetos. É comum a presença de suor, tremores, mãos frias e molhadas ou
calores repentinos. Também é possível a falta de noção de espaço, visão embaçada, dormência, taquicardia
(palpitações), fraqueza nas pernas, tontura, torpor e dor em determinadas áreas do corpo.

Intuição

O médium intuitivo sente vibrações de seres espirituais, mas não os vê e nem os ouve. As intuições se aproximam
muito das inspirações, que são intuições mais sutis.

Por haver tanta sutileza na manifestação desse tipo de mediunidade, os médiuns não muito experientes podem
ser alvo de entidades malfeitoras, ou até mesmo podem confundir suas próprias intuições com mensagens
espirituais. Isso acaba gerando muitas polêmicas por conta de um desenvolvimento mediúnico superficial. Há
uma linha muito tênue entre mediunidade e animismo, entre emitir pensamentos próprios e mensagens de outros
seres. Por isso, é muito importante silenciar a mente através da meditação e se observar. Saber como seres de luz
e seres de estagnados se comportam, para começar a discernir a presença de cada um.

Clarividência

Clarividência, como o próprio nome diz, é a capacidade de ver com clareza determinados eventos, seres e objetos,
a grandes distâncias físicas ou temporais, sem utilizar os cinco sentidos: tato, visão, olfato, audição e paladar. As
principais faculdade de um clarividente são:

● Você tem a sensação de que outras pessoas estão falando com você, mesmo estando sozinho
● Você sente calafrios quando algo bom ou ruim acontece com pessoas do seu círculo de convivência
● Você consegue identificar e experienciar os sentimentos de outras pessoas que estão ao seu redor
● Seus sonhos normalmente revelam eventos que aconteceram sem seu conhecimento

Psicografia

Segundo o vocabulário espírita, psicografia é a capacidade atribuída a certos médiuns de escreverem mensagens
ditadas por espíritos.

O mecanismo de funcionamento da psicografia ainda pode ser consciente, semiconsciente ou inconsciente.

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O médium de umbanda

A mediunidade é uma graça dada por Deus, que pode salvar ou destruir vidas, e por isso precisa ser praticada e
vivida com grande responsabilidade. Eu, na posição de consulente, vejo como esse dom pode ser devastador,
caso não seja levado a sério.

Certa vez, ouvi o relato de um marido que foi ao centro de Umbanda para saber se sua mulher lhe traía. O
dirigente da casa, por negligência ou pouca experiência, permitiu que um médium iniciante ministrasse consultas
durante as giras. Naquele dia, o médium novato atendeu esse homem e, não sabendo o que falar, resolveu
confirmar que sua mulher vivia em adultério. No dia seguinte, os jornais noticiavam que o homem havia
esfaqueado a própria esposa motivado pela raiva da suspeita traição. O homem foi preso, porém, ao se verificar
o telefone, e-mails e correspondências da mulher, ficou evidente que ela não havia cometido nenhum tipo de
adultério.

Esse foi um episódio trágico, fruto da irresponsabilidade no uso dos dons mediúnicos, quando médiuns
despreparados oferecem consultas indiscriminadamente, trazem riscos aos consulentes e também acabam
depreciando os dons mediúnicos da nossa religião.

Em contrapartida, existem médiuns que se auto sabotam e acabam prejudicando e atrasando o desenvolvimento
de sua mediunidade. O medo, a vergonha e insegurança são as principais causas de bloqueio durante o processo
de desenvolvimento de um médium. Lembro que uma vez o pai da casa que frequento, em Petrópolis, comentou
com seus médiuns que às vezes deixamos de colocar nossos dons à disposição da comunidade pelo simples fato
de esperarmos muito de nós mesmo e esquecermos que quem faz, no fim das contas, são eles, nossos guias.
Por fim, uma última consideração importante sobre a mediunidade é a postura dos médiuns dentro e fora do
terreiro.

Muito se fala sobre a conduta ritualista do médium antes e durante as sessões ou giras, mas quase nada se fala da
conduta moral dos médiuns dentro dos terreiros e fora deles. Quando falo de conduta moral, não estou falando
de regras engessadas e pecados; estou falando única e exclusivamente sobre a nossa lei maior de caridade e
simplicidade.

Vamos começar dentro do domínio dos terreiros…

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A raiz de todos os males: a vaidade

A vaidade é um problema muito frequente entre aqueles que acabam recebendo responsabilidades ritualísticas
dentro de um grupo religioso. A condição de porta voz do espiritual acaba de algum modo confundindo o nosso
senso de caridade, e algumas pessoas acabam se sentido melhores ou privilegiadas em relação aos demais. Falo
isso em primeira pessoa, pois reconheço que muitas das vezes, na minha época de religioso, esquecia que eu
estava ali para servir, e não para ser servido.

A caridade verdadeira precisa ser simples e desinteressada. Quando o médium estufa o peito para de alguma
forma se sentir superior em relação aos outros, é quase como se ele pegasse todas as boas ações que praticou e
as jogasse no lixo.

A vaidade corrompe. Eu já ouvi histórias sobre excelentes trabalhadores que aos poucos deixaram o orgulho
crescer, e seu egocentrismo começou a ofuscar o propósito maior de caridade e simplicidade.
Você pode ter muitos anos de Umbanda, pode trabalhar no terreiro desde que é pequeno, pode conhecer todos os
fundamentos e ter lido todos os livros sobre a religião, mas se você não tiver humildade, não aprendeu nada! Os
fundamentos da nossa Umbanda foram lançados sobre os pilares da humildade e da simplicidade. Essa foi a
principal e única motivação de Deus ao suscitar no coração do pai Zélio a criação dessa nova religião. Ir contra
esses princípios é um erro gravíssimo.

Uma outra questão complicada dentro e fora dos terreiros é a banalização da mediunidade.
Muitos médiuns por questões de vaidade acabam forçando uma incorporação fictícia com intuito de travar
verdadeiras “disputas de santo” dentro das sessões. Eles competem para saber quem dá o melhor conselho, quem
consegue disparar mais incorporações, quem gira mais rápido, quem grita mais alto, quem tem a melhor roupa,
cartola, bebida, etc. Um show de horrores para entidades, um perigo para consulentes e um grande problema para
imagem da Umbanda.

Fora dos terreiros, temos novamente o problema da monetização da fé. Pessoas irresponsáveis que, motivadas
pelo dinheiro, incentivam incorporações fora dos terreiros, fora de seus suportes espirituais e de suas defesas que
foram sistematicamente pensadas e preparadas para segurança dos médiuns. Além disso, o papel presencial do
pai de santo e cambones é essencial no desenvolvimento do médium; isso porque o seu corpo está sendo
conduzido por um espírito, o que pode levá-lo a fazer incomuns.

Resumindo, um médium não é mais evoluído que os outros, nem mais adiantado ou poderoso. Ele é uma pessoa
em aprendizado e evolução como qualquer outra. O desenvolvimento mais importante é o desenvolvimento
interior; sem ele, tudo perde o sentido.

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No final deste tópico, gostaria de compartilhar um documento escrito por Zilméa de Moraes, filha de Zélio
Fernandino de Moraes, endereçado aos jovens médiuns:

“ MENSAGEM AOS JOVENS!

O mais importante é que tenham pureza em seus corações, consciência das dificuldades que os esperam num
caminho que sempre é árduo, no qual, muitas vezes, sua fé será testada.

Procurem ter sabedoria para se desviarem dos falsos mestres:

Aqueles que mistificam os ensinamentos da verdadeira Umbanda na busca de interesses escusos ou simplesmente
por uma questão de vaidade, aqueles que oferecem conhecimento e sabedoria como coisas fáceis de serem
conquistadas, como se houvessem atalhos para o crescimento pessoal e espiritual.

Lembrem-se que na Umbanda, assim como na vida, as coisas devem ser aprendidas num longo e muitas vezes
penoso caminhar.

Tudo tem seu tempo e sua hora.

O sucesso rápido de hoje pode significar o fracasso de amanhã.

Para se construir algo que permaneça firme, principalmente se quisermos que continue a crescer, sempre
necessitaremos de bases sólidas.

Quanto mais fortes melhor.

Devem ainda ter sempre em mente que a Umbanda foi, é, e sempre será baseada na simplicidade, na humildade e
na caridade.

Estes são os verdadeiros ensinamentos da Umbanda, dos quais vocês nunca deverão se afastar.

Usem seus corações como guias.

Façam suas orações pedindo aos seus mestres espirituais a orientação necessária nos momentos de dúvidas, sobre
quais caminhos trilhar e como proceder diante das dificuldades e mesmo das facilidades que a vida nos dá, uma vez
que o caminho mais fácil nem sempre será aquele que nos fará mais feliz.

Tenham fé em Deus, em Oxalá, em nossos guias e protetores espirituais.

Sejam humildes e caridosos, pois esta é própria razão de ser da Umbanda.

Que Deus os abençoe. “

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Do terreiro para o mundo

Outra questão muito importante na Umbanda é que não basta sermos as pessoas mais caridosa do mundo durante
as 48 horas que giram em torno de uma sessão, se fora desse contexto formos pessoas totalmente avessas aos
ideais que tanto aconselhamos aos consulentes.

Precisamos ser umbandistas 24 por 7! E eu que escrevo essas palavras sou o primeiro a me cobrar sobre isso.
Não adianta absolutamente nada banhos, defumadores, preceitos preparatórios para as sessões, se quando as
mesmas terminam, trocamos nossas roupas e achamos que a missão terminou ali.

A Umbanda é uma religião prática, e precisamos ter uma conduta compatível com a nossa religiosidade dentro e
fora do terreiro. As defesas de um terreiro não serão comprometidas pela conduta inconsequente de um dos
médiuns; mas a defesas do próprio médium, sim.

Alguns médiuns, e até mesmo dirigentes, acreditam que preceitos e oferendas substituem uma conduta correta
baseada na caridade e na simplicidade. Não! Isso é um verdadeiro erro! Não há banho, trabalho, preparo,
despacho, oferenda, amaci, que substitua um coração nobre, caridoso, honesto e sincero! Para que os preceitos
de Umbanda surtam efeito é fundamental a coerência entre o que está sendo feito e quem está fazendo ou
recebendo. Lembra dos capítulos anteriores?

Urge que nos tornemos aparelhos melhores; menos preocupados com oferendas e mais com a conduta coerente
com ensinamentos da Umbanda. Aprenda a se tornar uma verdadeira oferenda, como uma vez escutei de um
autor muito sábio: Somos a melhor oferenda para nossos guias e mentores!

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Conclusão

Acredito que este livro já cumpriu sua principal missão, que é a de me ajudar a reunir e relembrar todas as ideias
e sentimentos que atualmente sustentam minha fé e que com certeza me sustentarão até o fim desta recente
passagem pela terra.

Sei que falhei em todas as últimas vezes que estive por aqui. Minha Preta Velha Maria Cambinda do Cruzeiro já
me revelou essa questão. Mas ela também me disse que dessa vez alguma coisa diferente aconteceu, e que eu
tenho tudo o que preciso para dar seguimento à minha evolução espiritual e também contribuir com a evolução
espiritual de todos aqueles que eu conseguir alcançar com minhas palavras.

Então, voem palavras….

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Experiências espirituais durante a redação deste livro

Dia 24/10/2021 - Estava eu no quintal da minha casa. Era uma tarde chuvosa. Com meu laptop aberto, estava
concluindo o tópico sobre sincretismo religioso. Nesse mesmo fim de semana eu estava trabalhando em um
grande desafio da minha empresa, e por vezes algumas questões bloquearam meu senso criativo. Nesse momento
escuto a voz de um homem chamando meu nome. Foi uma única vez e foi completamente audível. Não foi uma
voz interior. Eu nunca passei por uma situação assim antes; aquela voz foi tão real e convincente que eu
prontamente levantei e fui para o portão da minha casa, pensando que era algum vizinho, ou algo assim. Quando
cheguei lá, não havia ninguém contornei o quintal da minha casa, procurando a origem daquele chamado, e não
havia ninguém. Por fim, olhei a câmera de segurança da fachada da casa, e não havia nada na gravação. Nesse
momento eu entendi que não era alguém desse plano, mas meus guias que me chamavam a atenção e como que
me diziam: “Mantenha o foco, Alan! Precisamos de suas mãos para falar.” Depois disso eu continuei a escrever
ininterruptamente até as 23h deste mesmo dia, quando o segundo evento aconteceu.

Dia 24/10/2021 - Agora estava dentro de casa, na cozinha, por volta das 23h, escrevendo sobre o tema do livre
arbítrio. Em um dado momento as palavras começaram a faltar e eu não tinha como continuar. Antes que eu me
distraísse com outros afazeres e me preparasse para dormir, comecei a escutar a TV falando sobre algum
documentário. A TV já estava ligada, mas o tema do documentário que se iniciou é que me chamou atenção.
Corri para sala e aumentei o volume, para escutar melhor. Era um documentário do Canal Curta que estava
falando exatamente sobre o papel do livre arbítrio nas religiões. Depois de ouvir uma única frase desse
documentário, minha mente explodiu em ideias! Novamente eram meus guias me dando suporte em todas as
etapas deste processo. Nesta situação, fiquei escrevendo até concluir o capítulo (aproximadamente às 02:15 do
dia seguinte)

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