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É munido dessa preocupação que – depois de ter relutado por muito tempo –
decidi escrever esse texto. Um dos agentes culturais mais relevantes no quadro
do catolicismo brasileiro é o Instituto Lux et Sapientia fundado pelos filhos do
professor Olavo de Carvalho: Tales de Carvalho e Luiz Gonzaga de Carvalho (o
Gugu). Eu fui aluno deles durante anos, fiz muitas aulas, conheci pessoalmente
os professores do instituto, fiz consultas particulares com o Gugu, participei de
alguns encontros presenciais e até hoje mantenho contato próximo com muitos
dos seus alunos. De maneira que meu contato com o ICLS não foi superficial e
as reflexões e observações que coloco nesse texto são fruto de pelo menos dois
anos de intensa meditação minha e de contato com bons sacerdotes católicos
que me ajudaram a refletir muitos ensinamentos que eu estava recebendo do
Instituto.
Antes de descer aos pontos centrais, eu preciso justificar duas coisas: a origem
das minhas percepções e a gravidade do problema. Tudo que vou escrever aqui
tem como origem minha análise pessoal do guiamento que eu estava recebendo
a partir das consultas particulares e do contato com as aulas do Gugu, mas
principalmente da consequência que essas aulas e consultas estavam tendo na
minha vida religiosa e na vida de inúmeras pessoas à minha volta que também
estavam tomando (ou tomaram) o mesmo rumo. Como o conteúdo do ICLS não
está organizado em livros e seus professores não desenvolvem suas ideias e
propostas de maneira muito formalizadas, isso me obriga a ater-me ao meu
testemunho pessoal e à observação da vida de outras pessoas que entraram em
contato com o instituto. Falo de dezenas de pessoas que conheço pessoalmente
e certamente existem centenas de outras na mesma situação.
Para quem não conhece de perto, o clima interno do ICLS é de uma veneração
à figura do Gugu e, em menor escala, à figura do Tales. De maneira que é muito
difícil levantar questionamentos mais horizontais aos seus ensinamentos dentro
dos grupos de alunos. Parece que dentro dessas esferas existe também “o
fenômeno da “proibição de perguntar”, que Eric Voegelin discerniu nas
ideologias de massa”- como aponta o professor Olavo no seu artigo As garras
da Esfinge (que irei mencionar mais adiante). Porém, dos alunos que notei um
certo estranhamento a respeito do guiamento das aulas e consultas do Gugu,
todos que abordei relataram a mesma percepção que eu estava tendo: estamos
nos afastando da Igreja Católica. O primeiro indício das consequências do
instituto é esta: muitas pessoas saindo da Igreja Católica e indo para a Igreja
ortodoxa, sendo que um punhado considerável (geralmente os mais próximos do
Gugu e do Tales) opta pela conversão ao islamismo. Eu sei que o próprio Tales
há uns 2 anos atrás escreveu no seu Facebook que só se sabia de 2 conversões
ao islã de alunos do instituto, mas hoje eu sei que há mais gente convertida pelo
contato próximo ao Tales, inclusive conheço pessoalmente alguns, e há muitos
outros considerando uma conversão mesmo sem contato tão próximo. De
qualquer forma, mesmo que fossem pouquíssimas pessoas, a conversão de uns
poucos ao islã e o abandono de outros tantos da Igreja já são motivos
suficientes para um cuidado mais minucioso e uma análise mais atenciosa a
respeito do ambiente do ICLS e da condução pedagógica de seus professores.
Percepções iniciais
Antes de mais nada é importante dizer que esse afastamento da Igreja não se
dá porque o Gugu ou o Tales antagonizam abertamente o cristianismo. O Gugu,
como exímio professor de religiões comparadas, tem uma compreensão do
cristianismo e do catolicismo muito profunda. Seu conhecimento - considerado
em si mesmo - é admirável e sua capacidade de exposição é belíssima. No
contato inicial com suas aulas e consultas a sensação que temos é de um
aprofundamento muito intenso a respeito dos símbolos e das figuras (mas quase
nunca da doutrina) do catolicismo. É um movimento inebriante que parece
expandir sua compreensão simbólica e te coloca em um estado quase catártico
a respeito da riqueza da religião. Porém, como é possível existir sábios não
cristãos, pouco há pouco alguns princípios incutidos em suas aulas e consultas
vão arrefecendo nossa piedade católica popular, nosso apego aos sacramentos
vai se relativizando – sempre com justificativas requintadas – e a autoridade da
Igreja e da sua doutrina vai sendo minada. Nos sentimos tão extasiados pelo
conhecimento do Gugu e do Tales que desconsideramos os pontos mais
básicos da doutrina católica e começamos a ter uma visão mais “aberta” ao
mundo de outras religiões. E se essa abertura existe no plano metafísico, ela
pode existir também em nossas escolhas pessoais de maneira que uma saída
da Igreja Católica e uma conversão ao islã são considerados com movimentos
aceitáveis e até mesmo bons para os indivíduos. Quando menos se espera
estamos imersos em um relativismo highbrow, diferente do relativismo água com
açúcar presente na cultura de massas.
E cabe com isso perguntar qual seria a inconveniência para os alunos do ICLS
se o Gugu fosse católico ou ortodoxo? Não haveria nenhum escândalo, eles não
perderiam alunos e todos interpretariam com muita naturalidade se assim o
fosse. Agora, não poderíamos dizer o mesmo caso ele professasse abertamente
ser um muçulmano como o seu irmão. Nesse caso certamente haveria uma
ruptura de muitos alunos, muitos outros deixariam de fazer consultas e teriam
um contato mais periférico e o próprio instituto seria mais marginalizado pois não
é recomendado a um cristão receber guiamento espiritual de um muçulmano. Ao
que podemos concluir que o mistério a respeito da religião professada pelo
Gugu no momento só se justifica caso ele seja muçulmano.
Cabe também outra pergunta: caso ele seja de fato muçulmano, qual seria a
justificativa para esconder isso? Não seria para dar maior liberdade de
guiamento aos católicos evitando seu “preconceito religioso” e com isso ter uma
influência mais profunda e ostensiva sobre os seguidores?
Como se pode ver, a relação entre aluno e professor vai muito além das
relações normais que temos com outros professores, inclusive com pessoas que
consideramos grandes mestres como o professor Olavo de Carvalho. Aqui
precisamos estabelecer alguns paralelos entre a postura do professor Olavo
comparando com a de seus filhos.
Pais e filhos
Porém, dentro da esfera do ICLS temos uma situação curiosa: todas posições
do Olavo que vão contra os ensinamentos dos seus filhos não só não podem ser
mencionadas como são constantemente vistas como uma posição menor de um
estudioso que não entendeu tão profundamente o fenômeno da religião quanto o
Tales e o Gugu. Ora, só porque Olavo não se posiciona como diretor espiritual –
e não o faz de propósito – não quer dizer que sua compreensão a respeito da
religião seja inferior. A coisa fica ainda mais esquisita quando vemos
comentários do Tales dizendo que já bateu em um aluno que levantou objeções
citando seu pai – uma atitude até cômica para um muçulmano que tenta provar
que sua religião não tem ligação com a violência e o terrorismo.
2 – Toda vez que se levanta uma objeção ao islamismo feita por um santo
católico como São Tomás de Aquino, os professores e alunos do ICLS justificam
que o santo não tinha compreensão suficiente sobre a religião. Porém, quando
um religioso católico tem alguma aproximação com a religião islâmica ele é
automaticamente visto com bons olhos como Tomas Merton e São João Paulo II
– pouco importa as ponderações que essas figuras tenham feito ao islamismo e
ao diálogo inter-religioso em outras ocasiões. Importa somente isso: quando a
visão é favorável ao islamismo, então ela é correta. Quando é uma ressalva ou
uma crítica elas não devem ser consideradas. A coisa é tão patente e descarada
que os mais ferrenhos alunos defensores da “sociedade e da cosmovisão
tradicional” são os primeiros a ceder às compreensões mais modernas e
ecumênicas do Concílio Vaticano II e dos movimentos de diálogo inter-religioso.
Quando convém, as tendências da modernidade – com sua cosmovisão
neutoniana, sua crise da ciência moderna, sua Igreja em apostasia, seu ateísmo
– são levadas em bom grado.
Antidoutrinarismo
Outro ponto que deriva dos dois pesos e duas medidas é a visão que grande
parte dos alunos do ICLS tem a respeito da doutrina católica. Incutida pelos
seus professores, há uma sugestão implícita de que a doutrina católica é um
elemento de menor importância caso você queira conhecer de fato a religião.
Para eles, a religião deve ser preferencialmente apreendida pelo convívio com
os santos daquela religião. E aqui temos um probleminha: de acordo com a
visão de seus professores, como a Igreja Católica está em crise e é muito difícil
encontrar santos vivos nela, você deve procurar a vertente da santidade na
Igreja Ortodoxa ou até mesmo no islã para conhecer de fato o que é santidade.
Compreensão consideravelmente sacana, não é mesmo?
É claro que pode haver nuances de aplicação da doutrina, mas esse argumento
é altamente questionável por dois motivos: (1) antes da revelação dos 10
mandamentos, as Escrituras nos apresentam a revelação divina de uma longa
lista de regras de conduta e detalhes para a construção do templo onde em
muitas regras a pessoa era condenada a morte por descumprimento e (2)
Moisés reuniu a tribo de Levi para matar os infiéis exatamente porque eles não
estavam cumprindo os preceitos e mandamentos dados por Deus. Vemos que é
justamente o contrário: é pelo afrouxamento no respeito à doutrina que aquele
povo foi condenado.
Orientalismo romântico
Aqui é importante fazermos duas ressalvas. Sabe-se que existem bons padres
católicos e ortodoxos que circundam o ambiente do ICLS – muitas vezes a
presença deles é usada pelos professores para provar que o local é seguro para
os católicos. Eu mesmo conheço pessoalmente alguns deles. Mas isso pouco
importa já que dentro dos mais variados ambientes heterodoxos à fé sempre é
possível que existam sacerdotes, muitas vezes sendo usados como massa de
manobra pela sua atitude concedente e bondosa. Em minha experiência pessoal
sei de outros padres que notaram esses traços de afastamento da Igreja no
instituto e também optaram por se desvincular dele. A presença de padres, por
melhores que sejam, não invalida os problemas do instituto – inclusive desconfio
que esses sacerdotes não sabem desses problemas.
Testemunho
Conclusão
Minha intenção com essa exposição é em primeiro lugar esclarecer para mim
mesmo o que percebi e as mudanças que notei em mim e nas pessoas à minha
volta quando estive envolvido com o ICLS. Depois de uns bons meses refletindo
sobre essas questões, achei necessário descrever o que estou percebendo para
outras pessoas. Não tenho intenção nenhuma de expor pecados pessoais ou
fazer falsas acusações – peço perdão caso tenha soado algo nesse sentido ou
caso eu tenha feito isso sem perceber. Gugu e Tales são figuras públicas com
uma influência profunda na vida de inúmeras pessoas, de maneira que seus
ensinamentos e exposições estão sujeitos a críticas e questionamentos. Esses
questionamentos preferencialmente devem vir de pessoas que ouviram suas
aulas, participaram dos ambientes do seu instituto, conviveram com seus alunos,
colocaram em prática seus ensinamentos, etc. Esse é exatamente o meu caso.
As exposições que fiz aqui são as que julguei mais problemáticas, mas seria
possível destacar outros problemas no guiamento dado pelo Gugu e pelo Tales
aos católicos como: a proposta de formação de uma elite espiritual que
funcionaria como uma casta de sacerdotes capazes de ensinar os mistérios da
religião (seja ela qual for), a excessiva condução que os professores dão para a
vida pessoal e familiar dos seus alunos (e aqui devemos considerar por exemplo
os aconselhamentos sobre casamento dados pelo Tales aos católicos
considerando que ele tem mais de uma esposa), a ênfase em uma técnica para
ser santo que na prática acaba excluindo a ação da Graça, o evidente
gnosticismo que entende o desenvolvimento espiritual como o conhecimento da
religião ou o conhecimento dos atributos de Deus (algo consideravelmente
alheio à fé católica que prega o ápice do desenvolvimento espiritual como a
união esponsal da alma humana com Cristo. Deus é uma pessoa, o
conhecimento dos Seus atributos ajuda a alma no relacionamento com Ele e em
alguma medida a prepara para essa união esponsal, mas não a garante), a
lacuna biográfica dos professores onde não sabemos qual a origem dos seus
conhecimentos e da sua formação – algo imprescindível para se acompanhar
em um filósofo ou mestre espiritual (inclusive algo que o professor Olavo deixa
muito claro em suas aulas).