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coleção

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A Escolástica
Aula 15

Olavo de Carvalho
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Nascida da necessidade de estruturar
filosoficamente a verdade cristã expressa nas
Sagradas Escrituras, a Escolástica organizou-se como
uma filosofia praticada por uma classe de intelectuais
que compartilhavam de conhecimentos, terminologia
técnica e experiências interiores comuns, o que deu
condições para que se estabelecesse um diálogo
filosófico altamente fértil e especializado.
Formada por homens com uma honestidade
intelectual impressionante, o legado da Escolástica
influenciou profundamente os pensadores que a
sucederam e chega vigoroso até os dias de hoje.

“Olavo de Carvalho é o
mais importante pensador
brasileiro hoje.”
Wagner Carelli

“Filósofo de grande erudição.”


Roberto Campos

“Um gigante.”
Bruno Tolentino

“Olavo de Carvalho se
destaca porque pensa,
reflete, e é de uma
honestidade intelectual
que chega a ser cruel.”
Carlos Heitor Cony

“Louvo a coragem e lucidez


ISBN 05-88062-30-5
de suas idéias e a maneira
admirável com que as expõe.”
Herberto Sales

E sta publicação vem acompanhada de um DVD,


que uão pode ser vendido separadam ente.
: ■.
A Escolástica
Aula 15

por Olavo de Carvalho

coleção

História
Essencial da
Filosofia
A Escolástica
Aula 15
por Olavo de Carvalho

Coleção História Essencial da Filosofia

Acompanha esta publicação um DVD,


que não pode ser vendido separadamente.

Impresso no Brasil, março de 2006


Copyright © 2006 by Olavo de Carvalho

Foto Olavo de Carvalho


Mário Castello

Editor
Edson Manoel de Oliveira Filho

Projeto Gráfico
Monique Schenkels e Dagmar Rizzolo

Diagramação
Dagui Design

Transcrição
Alexander Gieg

Revisão
Tereza Maria Lourenço Pereira

Os direitos autorais dessa edição pertencem à

E Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Lida.


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por qualquer meio ou forma, seja ela eletrónica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer
meio.
A Escolástica
Aula 15

por Olavo de Carvalho

coleção

História
Essencial da
Filosofia

üijE lT vIij
2006
Coleção História Essencial da Filosofia
A Escolástica - Aula 15
por Olavo de Carvalho

Estamos prosseguindo tratando da Escolástica. Seus pressupostos


são dois. Primeiro, a existência dessas vastas compilações de questões
que acabaram tomando o título de livros de sentenças, dos quais o
mais famoso foi o de um sujeito chamado Pedro Lombardo, em que as
afirmações dos primeiros padres da Igreja eram compiladas e cotejadas
para se encontrar c resolver todas as contradições e dúvidas, caso
sc pudesse. Esse livro de Pedro Lombardo já pode ser considerado a
culminação desse longo trabalho de compilação e cotejo. Sem isto não
teria sido possível a Escolástica.
A segunda condição foi justamente o sistema de ensino que vai se
afirmando sobretudo a partir do Império de Carlos Magno, quando
um monge chamado Alcuíno organiza um sistema dc ensino com a
pretensão de ser o primeiro grande projeto de alfabetização universal,
mas que, evidentemente, falhou. Com esta organização se forma então
a Escolástica, precisamente como filosofia de escola, isto é, a filosofia
praticada dentro de uma determinada instituição por uma classe de
intelectuais profissionais que tinham uma educação mais ou menos
uniforme e compartilhavam de conhecimentos comu ns, de terminologia
lécnica, c que tinham, portanto, condições para um diálogo filosófico
iilt.amente especializado.
A Escolástica não pode ser estudada como estudamos os filósofos
modernos, ou seja, por autores: a filosofia de Kant, a filosofia de
1legei, etc. Na Escolástica não pode ser assim, pois é uma espécie
de trabalho único que se desenvolve dentro de uma coletividade
intelectual organizada ao longo dc alguns séculos. Desse modo, não se
pode entender nenhum deles sem referência aus outros. Essa dimensão
autoral, caracteristicamente moderna, não existe.

[Aluno: Isso era só em convento ou também (...)?]

Era sobretudo nas universidades. Temos duas fases. A primeira é


quando se formam as chamadas escolas paroquiais, conventuais ou
catedrais, conforme fossem anexadas a uma paróquia, a um convento
ou a uma catedral, mas isso ainda era ensino médio. A partir da hora
em que se tem esse sistema montado, começa a Escolástica, que
alcança uma culminação... Sua fase maior é dependente de uma outra
instituição, que são justamente as grandes universidades, já a partir do
século XII.
O que hoje nos atrai a atenção, sobretudo, é esta última fase, ou
melhor, esta segunda fase (não é a última, pois a Escolástica na verdade
prossegue até hoje), na qual aparecem os grandes sistemas integrais
com Santo Alberto, Santo Tomás, São Boaventura. Como tudo isto
era muito dialogado - e o diálogo se dava dentro de uma comunidade
relativamente pequena de pessoas, dentro pelo menos de uma classe
limitada em que todos se conheciam e acompanhavam o trabalho de
todo mundo, sendo sempre uma discussão pública -, acho que esse
princípio autoral que usamos para descrever as filosofias modernas
fica um pouco complicado. É como, por exemplo, o próprio trabalho
de Platão e Aristóteles, que também é desenvolvido num sistema de
diálogo comunitário, e então às vezes fica meio difícil saber quem foi
que disse o quê. Os antigos estavam sempre conscientes disso, pois os
medievais nunca discutiam com Platão ou com Aristóteles; sempre se
referiam à Academia, sabiam estar sc referindo mais a um grupo de
pessoas do que a um “autor”.
Isto parece entrar um pouco em contradição com a própria definição
de filosofia, que é a da busca da unidade do conhecimento na unidade

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da consciência, e vice-versa, o que supõe que seja sempre um esforço
individual. Mesmo dentro desse contexto de um diálogo comunitário,
continua sendo um esforço individual a ser compartilhado com pessoas
que lêm mais ou menos a mesma formação e as mesmas experiências
interiores. Essas experiências geralmente se remetem, de algum modo,
a um contexto simbólico comum, seja de ordem religiosa, ritual, seja
pelo menos de ordem social. É necessário ter um grupo com uma
experiência, uma vivência da realidade mais ou menos em comum, e
com o mesmo grau de individualização da consciência, para que esse
diálogo possa ser possível. Mas a partir do momento em que se cumpre
esta condição, a individualidade dos sistemas acabados se torna um
pouco fluída.
Entre a obra de Santo Alberto e a de Santo Tomás, por exemplo, é
difícil saber onde termina uma e começa a outra. A pretensão inicial
de Santo Alberto foi simplesmente organizar o aristotelismo; ele não
queria fazer uma filosofia própria, nem havia muito esta noção de
“filosofia própria”, como houve depois. E Santo Tomás, quando começa
a trabalhar, sua única pretensão é corrigir e completar o trabalho de
Santo Alberto. Embora a síntese se opere no nível da consciência
individual, sua expressão e sua elaboração doutrinal explícita são um
trabalho sempre coletivo, sempre compartilhado. É por isso que, nessas
aulas sobre a Escolástica, não estou dividindo: a filosofia de Santo
Alberto, a filosofia de Santo Tomás, a filosofia de Fulano... A coisa não
c bem assim. Essas diferenças aparecem, mas mesmo as divergências
não são tão individualizadas, são geralmente conflitos de grupos.
O primeiro conflito de grupo que aparece é o seguinte: como a
Escolástica era uma investigação filosófica baseada num material
textual prévio (que é por um lado o Evangelho, ou melhor, as Sagradas
Escrituras inteiras, e por outro lado as sentenças dos primeiros padres,
os depoimentos dos apóstolos), e como tudo se faz com base neste

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material, então existe desde o começo uma espécie de pressuposto
embutido de que tudo isto é verdadeiro não só em seu conteúdo,
mas também em sua expressão verbal. Isto é, a expressão verbal
do Evangelho, tida como inspirada pelo próprio Deus, é veraz não
somente cm seu conteúdo profundo; a própria seleção das palavras é
de ordem divina, existe um toque de Deus ali, ainda que haja um autor
humano.
Acontece que esse pressuposto, embora seja de ordem filológica,
tem uma consequência filosófica imediata, que é a de que as palavras
correspondem às coisas, no sentido em que dizia Santo Tomás: nós
falamos com palavras, mas Deus fala com as palavras e com as coisas,
e os fatos consumados são obras divinas. Se o Evangelho é obra
divina, ele é uma espécie de fato consumado, então tem de haver uma
correspondência entre palavras e coisas. Isso implicava uma adesão à
proposta do chamado “realismo filosófico”, que é a de que os conceitos
universais correspondem a realidades no mundo exterior.
Ora, isto é um pressuposto filosófico, sendo assim ele pode ser
discutido a qualquer momento. Então, no século XII, já se tem o
primeiro dos chamados nominalistas, um sujeito chamado Roscelino
de Compiégne, que afirma taxativamente que as palavras que enunciam
conceitos gerais, que enunciam conceitos de espécie, são apenas
produtos da mente. Desde que você não tem nenhuma experiência
sensível das espécies, mas tão-só dos seus indivíduos, quando se refere
a uma delas no sentido universal, quando a designa pelo nome de
espécie, está acrescentando à realidade percebida algo que foi criado
por sua mente. Ou seja, é sua mente que cria o universal no qual se
agrupam as várias espécies.
De imediato, isto é respondido por um sujeito chamado Guilherme de
Champeaux, que afirma de modo taxativo que os universais correspondem
à própria estrutura da realidade e que eles existem objetivamente no

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mesmo sentido em que, para Platão, existiam objetivamente suas
famosas formas ou idéias. Quando ele se refere a triângulos, por
exemplo, não existem só os triângulos, mas de fato a espécie triângulo,
com as propriedades que a definem c que serão reencontradas em todos
os triângulos possíveis. Aí já se tem uma primeira divergência, mas não
se pode dizer que isto seja urna discussão entre Roscelino e Guilherme
de Charnpcaux, pois era um grupo para cá e outro para lá, quer dizer,
formam todo um estilo.
No meio dessa discussão, entra o famoso Pedro Abelardo, que
vai criar uma solução intermediária que obteve um certo sucesso na
época. Abelardo resolve a questão pelo método caracteristicamente
aristotélico de não discutir os conceitos de modo direto, tal como eles
se apresentam, mas de sondar o que está neles implícito, isto é, aquilo
que se está quase que inconscientemente querendo declarar a partir da
experiência real, c então discernir no mesmo conceito vários sentidos.
Para perguntar se os universais existem objetivamente ou se eles
são criações da mente humana, seria preciso, primeiro, perceber que
a própria palavra “universal” não é um conceito unívoco, mas que
significa coisas diferentes. Às vezes, estão usando o mesmo termo, mas
estão designando, mais ou menos sem perceber, realidades diferentes.
A essas três ordens de realidades - que atendiam pelo mesmo nome de
“universal” -Abelardo designa, então, com os termos latinos(1) universaiia
unte rem (universais antes das coisas),(2) universaiia in re (universais na
coisa) e 13) universaiia post rem (universais depois da coisa).
Isto significa que, como ele diz, quando se fala em "‘universais”
pode-se estar querendo se referir aos arquétipos das realidades
existentes, ou seja, a modelos ou formas eternas tal como existem na
mente de Deus. Este seria o <’>universaiia ante rem, o “universal antes
da coisa”: anles mesmo de criar uma espécie, Deus tem o seu modelo.
Existe ainda o (2) universaiia in re, o “universal na coisa”, ou seja, o

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traço da espécie tal como está presente no indivíduo singular. Para
encontrar a espécie, basta separar no mesmo indivíduo singular o que
é acidental e o que ele tem em comum com outros membros da mesma
espécie, então se verá que este traço universal está de fato presente
nele. Um gato, além de ter as características que o singularizam, tem
uma série de traços em comum com outros gatos, traços esses que
estão efetivamente nele. Este é o “universal na coisa”. Em terceiro,
diz Abelardo, há o universal como conceito ou como coisa pensada,
o r,) universalia post rem, o “universal depois da coisa”, que já não
depende dela e que é, este sim, uma criação da nossa mente.
Abelardo tem essa feliz intervenção na discussão, o que permite
mostrar o universal “sob certo aspecto” . Essa expressão - “sob certo
aspecto” - é caracteristicamente aristotclica. Aristóteles resolve
quase todas as questões assim, distinguindo dentro da questão vários
aspectos c dizendo: “Sob certos aspectos é assim, sob outros aspectos
c assado...”. Esse é o procedimento dialético característico. Então, com
essa intervenção de Pedro Abelardo, pode-se perceber que o universal
às vezes c uma realidade, às vezes é um produto da mente, às vezes é
uma mistura das duas coisas.
Abelardo tem ainda uma outra característica que o torna
singularmcnte importante para nós. Todo mundo conhece a história.
O sujeito comeu a aluna e depois tentou fugir com ela. Enquanto ele
estava comendo a aluna, ninguém achou nada de mal, pois era mais
ou menos um costume, mas... Geralmcnte as pessoas imaginam essa
história ao contrário, pensam que o sujeito foi punido porque estava
comendo a aluna, mas não é nada disso. Estava comendo a menina
fazia tempo, e ninguém dizia nada. Daí, como cie era um sujeito muito
cristão, começou a ficar arrependido daquilo e achou que tinha que
casar. Nessa hora complicou, pois a família não queria, já que ele era
um pobretão. Então o sujeito fugiu com a mocinha para casar, aí o

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pegaram e o caparam. E isto foi um benefício, pois daí ele não podia
mais se dedicar a tarefas eróticas e teve que se trancar num mosteiro,
íicar estudando, e deu todas essas contribuições à filosofia universal.
Abelardo, por causa das circunstâncias da sua vida, não deixa de
ser um filósofo autobiográfico no mesmo sentido de Santo Agostinho,
se bem que não com a mesma perfeição. Em Agostinho, sua meditação
autobiográfica, seu exame de consciência, é o fundamento dc toda a
filosofia que ele constrói depois. E há uma perfeita continuidade desde
a autoconsciência individual - entendida no sentido cristão de assumir
a responsabilidade pela própria vida, pelos próprios atos. confessar os
pecados e, através da confissão, transcendê-los - até o sistema filosófico
completo, com toda a metafísica e a filosofia da História. Em tudo isto
existe uma perfeita continuidade - não se pode separar as partes da
filosofia de Agostinho.
Em Abelardo, a coisa já não é tão coesa assim: existe um lado
autobiográfico e também uma série de polêmicas filosóficas nas quais
cie sc meteu, havendo alguma conexão. Não se consegue compreender
direito Abelardo sem ter cm vista seu lado autobiográfico, mas cie
não consegue fazer aquela síntese tão perfeita que, para mim, torna
Agostinho o mais filosófico dos filósofos, na verdade.
Agostinho é o filósofo por excelência, pois realiza essa definição
da unidade do conhecimento na unidade da consciência, e vice-
versa. A unidade do conhecimento não é separável da unidade
da consciência - entendida não no sentido psicológico, abstrato, da
consciência em geral, mas no sentido biográfico concreto da “minha”
consciência. Quando ele estava contando a sacanagem que fez,
ou explicando a Santíssima Trindade, ou explicando as seis etapas
da História, etc., estava fazendo a mesma coisa. Tudo isto cra uma
perfeita continuidade. É como Sócrates, cm quem o aspecto de sua
autoconsciência pessoal, sua dúvida pessoal, seus problemas pessoais

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não são separáveis da meditação que ele está fazendo. Sócrates nunca
está colocando, para outros, problemas que dc certo modo não o
perturbem pessoalmente, então o lado “experiência real humana” e o
lado “teoria” estão muito coesos.
Em outros filósofos, essa coesão não aparece. Por quê? Porque o
lado experiência pessoal não é narrado, não é exposto, então, por trás do
sistema montado, Lemos que escavar para saber qual foi a experiência.
Isso não quer dizer que eles estejam ocultando, não é isto. Em Abelardo
ainda aparece bastante a conexão entre as duas coisas, já quando se
chega em Santo Alberto, on em Santo Tomás, não é fácil, pois eles
escrevem e expõem impessoalmente. Por quê? Porque já eram filósofos
profissionais no sentido medieval da coisa.
A Escolástica, por um lado, na medida em que monta a casta
profissional dos filósofos e a dota de uma terminologia técnica, de um
conjunto de procedimentos metodológicos comuns a Ioda a classe, cria
um benefício que acelera a discussão. Por outro lado, ela como que
apaga a pista da ligação entre os sistemas, enlre as idéias filosóficas e a
experiência pessoal que está no fundo, então nos obriga a escavar para
descobrir. Mas nós não podemos esquecer que é com a Escolástica que
começa o problema que vou chamar de “paralaxe” .
A paralaxe vai ser o total deslocamento entre o eixo da
experiência real e o eixo da construção teorética. Não que já se
observe a paralaxe na Escolástica - não, pois aqueles homens eram
de uma sinceridade brutal -, mas, na medida em que o progresso da
técnica du discurso filosófico permite uma espécie de uniformização
do vocabulário filosófico e a criação de um diálogo padronizado,
como acontece em qualquer comunidade científica, a referência
à experiência concreta pode ficar implícita, e, na medida em que
ela pode ficar implícita, aos poucos essa experiência pessoal
pode sumir embaixo.
Quando surge esse problema da disputa dos universais, se eles
correspondem ou não à realidade exterior, surge junto, e quase que
automaticamente, urna polêmica pró-Aristóteles e anti-Aristóteles, c
com isso uma polêmica pró-filosofia e antifilosofia. O mais curioso de
tudo é que o mesmo fenômeno-de que, por um lado, estão se formando
sistemas filosóficos integrais mais ou menos inspirados em Aristóteles
e, por outro lado, surgem reações de ordem mística que dizem que tudo
isso é coisa do capeta, leva para o Inferno, que é preciso ir para a vida
contemplativa - aparece igualmente nas três comunidades religiosas:
na cristã, na islâmica e na judaica.
Vamos encontrar um tipo filosófico e urn tipo místico radical nas
três, na mesma época, e isto independentemente de contatos. Isto
não se pode explicar nem pelo difusionismo, nem pelo funcionalismo,
nem pelo estruturalismo, nem por coisa alguma. Explica-sc pela
própria natureza da questão, que tão logo aparece já se perfilam
automaticamente as duas atitudes possíveis. No momento em
que esses grandes sistemas filosóficos começam a se articular, que
começa a ser possível expô-los c torná-los objeto da discussão num
círculo de intelectuais dotados da mesma qualificação e da mesma
formação, alguns percebem que existe nisso um perigo, que eles
não sabem exatamente no que consiste. Eu não estava lá para avisá-
los de que isto que cies temiam era o que se chamava “paralaxe”,
ou seja, o deslocamento entre o intelecto construtivo teorético e a
consciência pessoal. Era esle o problema. Mas para que se tornasse
possível enunciá-lo era preciso que a coisa tivesse se desenrolado c se
manifestado lotalmente, e na época estava em germe.
Três místicos - São Bernardo de Clairvaux, Ai-Ghazali, no mundo
islâmico, e Yehuda Ha-Levi, entre os judeus - protestam então de
imediato, dizendo que a filosofia estava colocada infinitamente abaixo
da contemplação, e que aquilo que interessava cra o conhecimento

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contemplativo. Acontece que, na hora em que colocam isto, eles de certo
modo têm razão. Mas, ao se colocar filosofia versus contemplação, está-
se colocando as duas no mesmo nível como meios de conhecimento, e
na verdade isso não é assim. A vida contemplativa não é um meio de
conhecimento, é um modo de ser - ela não faz parte da teoria, mas da
realidade.
Existe um desnível entre os dois. É claro que qualquer teoria está
subordinada à realidade, a qual, por definição, tem o primado sobre
qualquer teoria. Não é que exista uma teoria chamada “realidade”
contra outra chamada “teoria”, não é isto. E na hora em que esses
três começam a protestar contra a teoria filosófica em nome da vida
contemplativa, por um lado o protesto é justo, por outro lado eles estão
transformando a contemplação num modo de conhecimento ou numa
espécie de teoria. Estão coisificando também: “Existe aqui a escola dc
pensamento mística, contemplativa, e existe a escola de pensamento
filosófica, racional, teorética”. Hoje entendemos que essa colocação é
absolutamente falsa.

[Aluno: Essa escola contemplativa é puramente intuitiva? No que


consistia essa experiência?]

Não, esses três não se interessavam pela formulação teorética.


Eles achavam que o próprio fato dc o sujeito se dedicar à formulação
teorética do sistema seria, em grande parle, uma perda de tempo, se
não fosse concedida a prioridade à vida religiosa e contemplativa. Essa
prioridade de fato existe, pois a vida contemplativa não diz respeito às
idéias que o sujeito tem, mas a quem ele é. Ela c a própria formação,
a própria realidade da vida da alma, o próprio estatuto real que se tem
perante Deus.
Não se pode dizer, então, que sejam dois modos de conhecimento.

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Não, a vida contemplativa não é propriamente conhecimento, é um
modo de ser, e de certo modo a primeira condição para que exista
inteligência é que exista a vida contemplativa. Se, em vez de se dedicar
à vida contemplativa, o sujeito ficar só construindo ideias, ele está
fugindo da realidade para um mundo de sua própria construção.
Entre a contemplação e a teoria, a vida intelectual construtiva,
existe uma hierarquia, que é a da realidade para o seu reflexo, para a sua
imagem. Então, sempre que esses camaradas protestavam eles tinham
razão, com a ressalva de que, ao fazerem isso, estavam transformando
numa polêmica intelectual, e como que num confronto de escolas, algo
que não cra um confronto de escolas de maneira alguma.

[Aluno: Por que, ao fazerem isso, eles estavam transformando a


vida contemplativa em uma espéciede teoria ou escola depensamento?
Eles não poderiam estar simplesmente negando a necessidade da
teoria?]

Não, eles não podiam negar, pois todo mundo sabe que isso não é
defensável. Ter uma atitude anticicntífica não é possível. Eles estavam
tentando restabelecer uma hierarquia, mas, na hora em que formulam
isso, como é que eles fazem? Teoreticamente também, criando uma
hierarquia de conhecimentos: “Olha, a contemplação está em cima”.

[Aluira: Não pode haver também um certo engano entre


contemplação e observação? Observação como aquele primeiro passo
do conhecimento? (...)]

A observação faz parte da contemplação de algum modo... Ela não


passa dc uma limitação do conceito de contemplação, pois vai scr
observação de fatos da natureza. No aspecto contemplativo, o fato da
natureza não interessa em si mesmo, só interessa como índice ou sinal

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de realidades espirituais, como veremos em São Boaventura.
O que eu quero dizer é que contemplação não é uma via de
conhecimento. É um estado de ser, um modo de ser. Contemplação
significa simplesmente estar na realidade ainda que não se saiba
enunciá-la.

[Aluno: Essas práticas meditativas, elas... essa é uma escola...]

Toda disciplina ascética e mística é um modo de ser, e não uma


via de conhecimento. O conhecimento é somente um dos aspectos da
vida contemplativa, e a vida contemplativa é um caminho de salvação.
Então, se nesta via você não conseguir enunciar, não conseguir dizer
nada do que foi percebendo, intuindo e amadurecendo nesse ponto,
não interessa, os resultados íorain obtidos. É por isso que digo que
a vida contemplativa não é um modo dc conhecimento que possa ser
comparado com a atividade filosófico-científica nos mesmos termos.
O protesto desses três - Al-Ghazali, Ychuda Ha-Levi e São
Bernardo - em favor da vida contemplativa é legítimo em si. O erro
está ern equacioná-la como se ela própria fosse uma teoria. Mas
na época tudo se fazia assim. Por quê? Porque tudo era discutido
colctivamente, tudo tinha que ser formulado de maneira doutrinal para
poder ser discutido. O que quer que se dissesse era automaticamente
entendido como uma nova doutrina, não apenas como a afirmação de
uma prioridade pessoal, por assim dizer. É nisso que vejo, já nesta
etapa, a introdução do elemento “paralaxe”.
Isso quer dizer que mesmo o apelo mais óbvio, - do sujeito que
diz. “A contemplação leni um primado sobre a investigação filosófico-
científica” ele está dizendo que a realidade tem um primado sobre
qualquer teoria que se faça a respeito dela. Se a realidade não é
constituída só do Universo físico, mas também de Deus, dos anjos, etc.,

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então você tem que viver no meio disto, tern que ter a experiência real
disto, quer disto obtenha alguma ciência, quer disto obtenha apenas a
salvação da própria alma.
Nesse sentido, a vida religiosa e contemplativa tinha um primado
óbvio sobre qualquer outra atividade, mas esse primado não era, por
sua vez, de ordem doutrinal. A própria existência dc doutrinas fazia
parte de um contexto existencial criado pela vida contemplativa, então
não se colocavam num mesmo plano. E se você monta uma discussão
doutrinal em torno disto, você está, de certo modo, querendo que
a própria existência real, que é o fundo dentro do qual é possível a
atividade teorética, se torne por sua vez uma teoria. Aí já está fazendo
urna espécie dc “efeito Eseher’: a mão que se desenha a si mesma.
Em princípio, nenhum filósofo tem o direito de protestar contra as
condições que permitem a atividade filosófica; a própria existência dele
é uma delas. Existem coisas que ficam fora da especulação teorética,
porque elas são a própria condição existencial para que seja possível
a atividade teorética, então não podem ser conlestadas por aquilo
mesmo que ela possibilita. Ou seja, um filósofo não tem o direito dc
protestar contra a realidade. Ele tem o direito de protestar contra
outra teoria, mas não contra a realidade - contra o fundo existencial,
isso ninguém pode, já é uma atividade de louco. Isso quer dizer que,
quando o sujeito faz isso, ele está protestando contra o próprio fato de
estar protestando. Isso é uma loucura moderna, caracteristicarnente.
Vê-se que nesta discussão já tinha entrado uma pontinha disto, na
medida em que o primado da realidade fundamental sobre as teorias
se transforma, por sua vez, numa teoria, sendo discutido como tal.
Na verdade, qualquer filósofo contra o qual urn desses três, Yehuda Ha-
Levi, Al-Al-Ghazali ou São Bernardo, apresentasse objeções, ele teria
todo o direito de responder: “Sim, você tem toda a razão, só que isto
não interfere em nada nas teorias que estou fazendo. Uma coisa não
tem nada a ver com a outra. A própria possibilidade da existência da
minha teoria depende disso que você está dizendo”.

[Aluno: “Você não está me contestando, está me dando uma


condição para eu... ”]

Claro! Então, a partir daí, introduz-se uma espécie de maluquice,


que é tentar fazer a própria realidade que possibilita o discurso entrar
dentro do próprio discurso. E é isto que, mais tarde, vai eclodir sob a
forma de paralaxe, ou seja, um discurso que já não tem absolutamente
nada a ver com as condições que o possibilitam, e que até as nega,
transformando boa parte da filosofia numa expressão do famoso
paradoxo do mentiroso: “O sujeito que diz que é mentiroso está
mentindo ou dizendo a verdade?” .
Esses três, então, com toda a sua boa intenção, já possibilitaram que
o germe da paralaxe entrasse, que a primeira rachadura ainda muito
pequena mais tarde fosse se alargar. Ao mesmo tempo, prosseguiam a
formação e o aperfeiçoamento da linguagem filosófica que permitiria
que a atividade teorctica e científica adquirisse uma aparente
independência cm relação a seu fundo existencial. Isso quer dizer que,
se o indivíduo pode discutir teorias filosóficas independentemente
de quem ele seja, e dc qual é sua experiência real, então a unidade
agostiniana está rompida. Isto significa que a consciência pessoal do
indivíduo é colocada entre parênteses e fora da discussão filosófica.
Só interessa o enunciado tcorético. É a partir do enunciado teorético
que começa a discussão; a experiência real que está subentendida não
se discute mais.
Nesta sucessiva formação da linguagem, da terminologia filosófica,
tem muita importância um cidadão chamado Gilbert de la Porrée, que
é quem estabelece a chamada “nova lógica”. Até uma certa época, no


Ocidente, só se liam alguns dos escritos lógicos de Aristóteles, que
eram os Tópicos, as Categorias, etc. E nessa época, então, através dos
árabes, chega a tradução das duas Analíticas, que são propriamente
a teoria do silogismo. Esse Gilbert de la Porrée é, então, um dos
camaradas importantes na formulação da nova lógica, que permitiria
que, idealmente, todas as discussões daí para adiante tomassem a
fornia de deduções silogísticas.
Mais ou menos na mesma época, chegam os escritos de alguns
filósofos islâmicos, cspecialmente de Al-Farabi, Averróis e Avicena,
cuja contribuição entra de imediato nas discussões locais. E todos eles,
de algum modo, estão fortalecendo a formação da tecnologia filosófica
e a corrente aristotélica, que tendia a formar um sistema das ciências.
É curioso que Al-Farabi é um filósofo do século X, cujos escritos
chegam aqui por volta do século XII, Embora ele fosse um aristotélico,
era um antiaristotélico num ponto muito importante: acreditava
que os conceitos universais- chegam a nós por iluminação divina,
exatamente como Santo Agostinho. Lembrem-se de que Agostinho
dizia o seguinte: “Nós só temos experiência dos seres singulares.
Então, de onde tiramos essas grandes noções universais? De onde
tiramos até o conceito de igualdade?”. Ele dizia: “É porque existe no
intelecto humano algo de supra-humano”. Este algo supra-humano é
uma assistência que recebemos do intelecto divino, que nos permite
conceber coisas que estão infinitamente além da nossa experiência.
A isto os aristotélicos stricto sensu observarão que não é assim, que
obtemos os conceitos universais, mas que os obtemos por comparação
de características comuns entre vários entes singulares.
Nesta discussão introduz-se também uma confusão que o próprio
Aristóteles, se estivesse vivo, resolveria, creio eu, da seguinte maneira:
ele diria que o fato de obtermos os conceitos universais por abstração,
isto é, por comparação de indivíduos singulares, não impede que para

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isso seja necessária a ajuda do intelecto divino. Por quê? Porque,
quando você compara dois seres singulares para pegar o que eles têm
em comum, o que precisamente você comparou dc um com o outro?
Já dei uma aula sobre isso, dizendo: sc você vai comparar uru gato
com outro gato, com outro gato, com outro gato, para obter no final
o conceito universal “galo”, é necessário que os traços observados no
primeiro galo sejam os mesmos observados no segundo. Se num você
observou a cor, no outro observou o peso, no terceiro observou a posição,
no quarto observou a ação, se ele estava dormindo ou acordado, andando
ou parado, no final você não vai obter nada. A própria possibilidade da
comparação já subentende uma certa unidade da forma que você capta
em cada um dos seres singulares.
O processo abstrativo é então necessário, ou seja. a comparação
para captar os elementos comuns é um processo necessário, mas ele
não seria possível se você já não estivesse, dc certo modo, pré-orientado
por uma espécie de pressentimento de quais são os elementos que você
deve comparar entre um e outro. Se você fizesse a comparação por
partes, jamais chegaria a nada. Por exemplo, aqui você pega um gato,
que é marrom; do lado tem uma bola marrom - então, nesse sentido,
o gato e a bola são a mesma coisa. E depois tem um gato preto, e esse
gato preto, sob esse aspecto, é enormemente diferente do gato marrom
e da bola marrom - então cic vai entrar numa outra espécie. Como é
que você conseguiría formar os conceitos das espécies se sua atenção
já não estivesse voltada para aquele esquema comum que os vários
objetos têm uns com os outros e que permite que sua mente perceba o
agrupamento deles numa espécie?
O velho Aristóteles, se estivesse vivo naquele momento - ora, ele
seria um pouco menos aristotélíco do que os aristotélicos medievais
diria: “Você obtém os conceitos universais por abstração, com
alguma ajuda da iluminação divina, como dizia Agostinho” . Essas

20
duas correntes não são, então, realmente opostas, mas na época
pareceram opostas.
Também não deixa de ser interessante que a mesma solução que
Abelardo havia articulado ao problema dos universais apareça na obra
de Avicena, outro camarada que vive no século X para o XI. Com
relação aos universais, ele diz: “De fato, os universais são criações
da mente humana, porém a eles corresponde, na esfera da realidade,
a essência de cada espécie, que está na espécie e não na nossa mente.
Portanto, o universal é ao mesmo tempo invenção da mente humana e
um traço efetivo da realidade, algo que está presente na realidade”. Sua
solução é bastante semelhante à dc Pedro Abelardo, e eles a obtiveram
de maneira totalmente independente.
Também na mesma época chegam aqui as obras de Averróis,
um sujeito que não foi importante no contexto islâmico - onde foi
esquecido logo depois de morto mas que no Ocidente teve utn efeito
arrasador, criando aqui, pelos séculos seguintes, uma visão totalmente
errada do que teria sido a evolução do pensamento islâmico. Para os
ocidentais ou latinos, Averróis estava no centro dos acontecimentos;
e, para os islâmicos mesmos, Averróis nem estava lá.
Ele tinha duas teorias que no meio islâmico foram consideradas
altamente heréticas. Uma delas é a de que a verdadeira religião é mesmo
a filosofia; somente a filosofia permite o acesso às verdades universais
principais, e a religião, com todo o seu aparato de símbolos, mitos,
rituais, etc,, não é senão uma espécie de expressão exótica ou floreada
das mesmas verdades que a filosofia capta por outro meio. A segunda
teoria explica o conhecimento dos conceitos universais; segundo ele,
a parte superior da inteligência humana, ou seja, aquela que capta os
conceitos universais, é uma só em todos os seres humanos.
Nessa época, dividia-se o intelecto humano em dois aspectos: o
intelecto agente, que é aquele que fornece a verdade; c o intelecto

21
possível, que é aquele que a recebe. Averróis disse: “O intelecto
agente, que é a parte divina da inteligência humana, é um só para
todos; e o intelecto possível é um para cada um. Então, quando você
percebe um conceito universal, o que está agindo em você é o mesmo
que está agindo em mim”. Acontece que isso criava um problema
teológico, pois, se é assim, se o intelecto agente, a parte mais nobre da
alma humana, é uni só cm todos, somente esta parte é que pode ser
salva quando o sujeito morre, não havendo propriamente a salvação
individual. O intelecto agente, que veio do Céu, volta para o Céu, e nós
todos vamos para o buraco. Evidentemente, os muçulmanos ficaram
muito revoltados, e os cristãos também, quando ouviram falar disto.
Surge, então, toda uma discussão, principalmente com Santo Tomás
de Aquino. Ele até fará uma polémica com Averróis sobre este ponto, e
seus argumentos são absolutamente devastadores.
Na época, junto com o interesse pelos universais, começa a surgir
uma outra questão, que é o problema da individualização. Ele se
formula mais ou menos da seguinte maneira: se na mente de Deus os
universais, ou seja, as idéias, as essências das espécies, precedem a
criação dessas espécies, e se formalmente, portanto, todos os membros
de uma espécie são o mesmo, pois obedecem ao mesmo esquema geral,
o que os diferencia individualmente? De onde surgem os indivíduos,
de onde vem a diferença individual?
Aí surgem duas hipóteses. A primeira é a seguinte: a diferença
individual está apenas na matéria. É como se você tivesse um mesmo
molde. Por exemplo, a espécie humana: tem um molde chamado
“humanidade”. Conforme esse molde foi aplicado, hoje nós diriamos,
num grupo de moléculas de carbono que estava localizado na cidade
de Campinas, cm 1947, no dia tal, no Hospital da Beneficência
Portuguesa, virou eu. E se o mesmo molde foi aplicado em outro
pedaço de matéria que estava em outro lugar, daqui a pouco virou

22
você, você, você... Essa é a teoria de Santo Tomás, de que a diferença
individual é exclusivamente material. Ao que alguns objetavam: sc a
diferença individual c apenas material, então, também, como é possível
a salvação da alma? Por que um pedaço de matéria há de ser salvo?
Surge uma outra escola que diz que a individualidade não pode
estar só na matéria, deve estar na forma. Há diferença essencial de
indivíduo para indivíduo. Existe uma espécie de essência individual,
que mais tarde John Duns Scot chamará de esseidade. A esseidade é a
minha essência, a sua essência, a dele... Há uma para cada um.
Esta mesma coisa que surgirá no século X I11 com Duns Scot já
havia sido expressa (vamos dar uma olhadinha no século XI) por
um filósofo judeu, Ibn Gabirol, que alguns chamaram de Avicebron.
E Avicebron dizia que a alma, a própria alma, que estaria com relação
ao corpo como a forma está para a matéria, ela própria não é forma, é
também composta de forma c matéria. Ele dizia que existe uma matéria
da qual são feitas as almas. E esta matéria, por sua vez, na criação
dos entes concretos, subdivide-se numa “matéria espiritual” (como se
fosse o software do indivíduo) e numa “matéria material”, que seria
o seu corpo. Então lbn Gabirol já tinha mais ou menos apreendido o
princípio da solução que mais tarde Duns Scot dará ao problema da
individualidade.
Nesta época, também se difunde muito o conhecimento de
outro filósofo judeu importante, que é Moisés Maimônides, que
toma decididamente o partido da corrente aristotélica afirmando
taxativamente que o conhecimento racional c científico é até um dever
religioso. Isso deixará uma marca muito importante no pensamento
judaico pelos séculos seguintes. Embora aceitando integralmente o
conteúdo das Escrituras, ele dirá que, na interpretação deles, o que
predomina é realmente a razão, Onde houver um conflito direto,
onde uma afirmação das Escrituras contradiz frontalmente a razão,

23
sem possibilidade de conciliação, nesses casos a Escritura deve ser
interpretada alegoricamente ou simbolicamente. Nunca se vai fazer
com que a Escritura em si predomine sobre a razão, porque a razão
6 o único meio que se tem de interpretá-la. Seria uma espécie de
curto-circuito. Maimônides não aceita esse curto-circuito, então diz:
“A Escritura predomina, mas ela mesma exige a interpretação racional.
E onde for confrontada com a razão, significa que não se entendeu,
então aquilo tem um outro sentido”.
Note bem: contra indivíduos como Ibn Gabirol e M aimônides,
aparece Yehuda Ha-Levi; contra Averróis e Avicena, aparece
Al-Ghazali; e contra os aristotélicos ocidentais todos, Pedro Abelardo
e outros, aparece São Bernardo. Esses três fenômenos são mais ou
menos concomitantes. Isso mostra que essa questão é de certo modo
estrutural, Onde existir um desenvolvimento de urna filosofia dentro
de um contexto religioso, aparecerá esse problema da contemplação
versus a construção teorética e a construção científica. E, nos três
casos, o problema será mal equacionado pelos partidários da vida
contemplativa, mal equacionado a uni ponto em que São Bernardo
cria uma verdadeira obsessão anti-Abelardo. Eram amigos de infância,
mas ele vivia cismado com Abelardo e - todo dia ia procurar alguma
coisa herética nos seus escritos, c nunca encontrava. Ele dizia: “Esse
negócio deve ser herético...”, daí revirava. Mas nunca conseguiu
provar efetivamente nada. Esta espécie de obsessão anti-herética já
mostra que havia alguma coisa errada na formulação de uma outra
que era profundamente verdadeira. No primado da contemplação,
São Bernardo estava montado na razão, mas, caso se transformasse o
primado da contemplação, por sua vez, numa teoria, então ela entrava
em confronto com outra teoria.
Note que para Agostinho nada disso fazia o menor sentido. É a
contemplação que lhe permitia ter a consciência de si, da qual ele tirava

24
a filosofia, então nem sc discute. “Prímum vivere, deindephilosophare”
(“primeiro viver, depois filosofar”), este é o sentido. Quer dizer que
a vida, não se trata da vida prática, não - “Primeiro eu vou ganhar
meu dinheiro, depois vou filosofar”, - não é disso que ele está falando.
Está falando da vida no sentido de existência real, E a existência
real é existência não só no mundo material, mas no mundo material
dentro do imenso contexto da infinitude espiritual que o cerca. A vida
contemplativa c simplesmente a abertura da alma para a infinitude da
realidade, e é claro que isto precede qualquer elaboração teórica.
Sc na esfera da discussão filosófica havia esses problemas dos
universais, da individualidade, etc., pelo lado dos místicos também
havia alguns problemas, e na verdade problemas até mais graves.
Porque toda e qualquer atividade mística, seja na esfera cristã, seja na
islâmica ou na judaica, oferece dois riscos.
O primeiro risco é o chamado “egoísmo espiritual” : o sujeito está tão
imbuído da sua busca mística que se esquece da humanidade e cuida só
de si mesmo. Claro que ele está dedicado a unia atividade muito nobre,
mas especificamente no contexto cristão isto é condenado. Pelo quê?
Pelo 2UMandamento. O sujeito está praticando o Io Mandamento: ele
ama a Deus sobre todas as coisas, então só pensa nele 24 horas por
dia. Mas como é a maneira concreta de você amar a Deus sobre todas
as coisas? Deus não precisa de você para absolutamente nada. O que
você pode fazer em favor dele? Nada. Então, o amor concreto a Deus se
manifesta no 2° Mandamento: “Ama a teu próximo como a ti mesmo”.
A mística é, então, muitas vezes, a fuga ao dever da caridade.
Em segundo lugar: a vida mística levando ao conhecimento dos
mundos espirituais e, em última análise, ao conhecimento de Deus.
Como o conhecimento dentro de um contexto medieval é sempre
identificação entre o sujeito cognoscente e a coisa conhecida, ele levava
a uma espécie de identificação do sujeito com Deus. Dessa maneira, o

25
sujeito já não sabia mais quem ele era individualmente, podendo dizer,
como São Paulo Apóstolo: “Já não sou mais eu quem falo, é Cristo que
fala por mim”. Bom, em termos. Porque sempre tem aquele negócio do
Diabo. O padre estava fazendo um exorcismo c dizendo assim: “Em
nome de Jesus Cristo, saí daí”. E o Diabo diz: “De Jesus Cristo eu já ouvi
falar, mas você quem é?”. Esta diferença entre o Criador e a criatura
é então irredutível, sempre permanece. Sc existe uma identificação,
essa identificação é one way: c você que é absorvido em Deus, não
Deus que é absorvido em você. O místico em transe de identificação
com Deus pode fazer, então, como aquele famoso Al Hallaj, o místico
islâmico, que um dia saiu em praça pública e disse: “Ana ai Haqq”
(“Eu sou Deus”). E imediatamente lhe cortaram a cabeça - o que, se
ele era Deus, não teria lhe feito mal algum.
Esses dois riscos - o primeiro dc ordem ética e o segundo de ordem
cognitiva foi contra isto que São Francisco de Assis funda a sua
ordem. A ordem de São Francisco é baseada essencialmente na prática
do amor ao próximo, então aí não há perigo nem do egoísmo místico
nem da identificação de Criador e criatura.

[Aluno: Tem a oração também, não é? A oração da paz, na Ordem


de São Francisco.]

Não, a Ordem de São Francisco é essencial mente o amor, o socorro


ao próximo.

[Aluno: E a oração também, não é?]

Não. A oração está em todas, não é o característico. O característico


éisto mesmo: os franciscanos vivem de ajudar uns aos outros e de ajudar
os demais. E para isso vale tudo. Justamente nesta identificação, neste
amor, neste socorro às criaturas, eles não param no ser humano, se

26
estendem ao mundo animal e até vegetal. Este processo da identificação
com Deu.s e do egoísmo místico, que no mundo islâmico virará uma
verdadeira epidemia, no mundo ocidental é então cortado pela
interferência providencial dc São Francisco, que será o pai intelectual
de um grande filósofo, que é São Boaventura.
A Ordem Franciscana foi fundada para isto, o amor ao próximo,
a caridade. A Ordem Dominicana, ao contrário, era de frades
intelectuais e pregadores. Você tem a dos frades mendicantes, que
eram os franciscanos, e frades pregadores, que eram os dominicanos.
E eles se tornam os dois pólos da discussão filosófica, gerando algumas
diferenças absolutamente fantásticas, maravilhosas, entre o mundo de
Santo Tomás de Aquino e o dc São Boaventura, que talvez nós não
consigamos expor agora.
Como eu disse, o centro da discussão intelectual nesse período, na
fase áurea da Escolástica, são então as universidades, particularmente a
Universidade de Paris, onde, numa abadia, que existe ainda em ruínas,
um abade chamado Siger de Brabante adere, de uma só vez, a todos
os pressupostos filosóficos aristotélicos os mais heréticos possíveis.
Isso foi uma vantagem, pois de certo modo fez da Universidade o
pólo arislolélico dessa discussão. Ele adere até à noção aristotelica
da eternidade do mundo, dizendo: “Se está em Aristóteles, deve ser
verdade de alguma maneira”. Vai contra o próprio princípio da criação
do mundo, - pois, se o mundo é eterno, ele não foi criado nunca; - no
entanto, na Bíblia está dito que não é eterno.
Siger adere também ao monopsiquismo - a teoria do Averróis de que
o intelecto agente é um só em todos os seres humanos - e, evidentemente,
quando chega cm contradições, com isso admite que pode haver duas
verdades totalmente contraditórias: há uma verdade teológica, que
se deduz da Bíblia, e uma outra verdade filosófica, que se deduz da
observação e de Aristóteles. Não tem problema, pode-se perfeitamente

27
viver com esta contradição. A coisa em si é absurda, mas como princípio
estruturador da vida universitária é muito bom, pois permile a convivência
e o diálogo das duas. Já que não se tem a solução do problema, admite-se,
pelo menos provisoriamente, a existência de ambas.
Atitude similar aparecerá no século XX com um filósofo muito
estranho, um italiano chamado Ugo Spirito, que criará uma filosofia a
que vai chamar de “problcmaticismo” . Ele coloca um monte de dúvidas
filosóficas e diz: “Olha, eu não digo que elas não tenham solução; elas
talvez até tenham, mas eu não conheço nenhuma. Então, enquanto
isso, vamos ficando com os problemas”.
Na discussão pró e anti-Aristóteles, evidentemente, a primeira coisa
que acontece quando se começa a divulgar os escritos aristotélicos é
a repulsa total. Vai logo haver um Concílio que condena 28 teses de
Aristóteles, ao mesmo tempo em que uma outra parte, como o próprio
Sigcr, aderia por completo, enfrentando claramentc o Concílio.
O pessoal pensa que na Idade Média era assim: o Papa falava, todo
mundo obedecia servilmente. Imaginam que a Idade Media era uma
espécie de Partido Comunista, que havia o Comitê Central que decidia e
todo mundo, ate o último, tinha que repetir. Não, aquilo era exatamente
o contrário, um saco de gatos e uma discussão permanente. Então, uma
instituição importantíssima, como a Universidade dc Paris, era dirigida
por um sujeito que enfrentava ostensivamente o Concílio - muito mais
do que qualquer Leonardo Boff hoje. A divergência era muito mais
profunda. Leonardo Boff não tem nenhuma divergência filosófica
com ninguém, não é capaz de compreender essas coisas, mas Siger de
Brabante sabia perfeitamente com o que estava lidando. No entanto,
não houve punição nem perseguição. Por quê? Porque não era matéria
decidida ainda, isso estava em discussão.

28
[Aluno: Mesmo com um Concílio deliberando que aquilo está
errado?]

Bom, está errado, mas se se pudesse argumentar... Ve[a, nessa época,


a argumentação era tudo. O pessoal hoje não consegue imaginar o
respeito que a Idade Média linha pela argumentação. Se o sujeito pode
provar o que está dizendo, vai tudo bem. Tanto é assim que, mesmo nos
processos de heresia, antes de chegar ao processo formal, o inquisidor
era obrigado a discutir com o suspeito, durante anos se fosse preciso.
Se o suspeito conseguisse convencê-lo, ele dizia: “Então não é herético.
Herético sou eu”. Daí tinha que voltar para trás e dizer: “Olha, deu
errado” . Isto aconteceu muitas vezes. Você vai acusar o cara, e ele
prova que está certo. E foi exatamente o que aconteceu aqui.
Quando estavam nessa discussão entre a rejeição total de Aristóteles
e a adesão total, surge então duas tentativas de conciliação, ambas
muito bem-sucedidas: uma franciscana, com São Boavcntura. e outra
dominicana, com Santo Alberto Magno e Santo Tomás de Aquino.
Boaventura é um camarada que tem uma tal simplicidade, uma
tal candura para explicar as coisas, uma tal boa-fc que ele desarma
qualquer um. Seu livro principal, que se chama Itinerário da mente
para Deus,' é um dos grandes livros da humanidade que todo mundo
devia ler. Boaventura diz o seguinte: todo e qualquer conhecimento de
toda e qualquer coisa é, em última análise, um conhecimento analógico
de algo que, em última instância, remete a Deus. Estude você o que for,
Deus está por trás de tudo, é universal, onipresente, tem o primado
metafísico absoluto e, pensando bem, Ele é o próprio Ser, a própria
existência, fale você do que for... Não importa do que você está falando,
em última análise está falando dc Deus, não tem como escapar.
Sem negar totalmente o princípio da abstração, Boaventura diz
a coisa mais óbvia do mundo: “ Olha, sem Deus não poderíamos
1 BOAVENTURA, Itinerário da mente para Deus. In: BOAVENTURA DE RAGNOREGIO.
Fscritos fUosófico-teológicas. Porto Alegre: Edipucrs/IPAN, 1998. v. I. (Col. Pensamento
Fran eis cano).
ter nem percepção sensível” . Existe iluminação divina até quando
um gato vê uma lagartixa. A mim isto parece supremamente óbvio.
Ou o infinito abarca e transcende o finito, - e não só em torno, mas
dentro dele mesmo, ou seja, todos os interstícios, todos os hiatos do
finito são preenchidos pelo infinito ou Deus é onipresente, ou Ele
não é coisíssima nenhuma.

[Aluno: (...) eu já li um budista que dizia assim: que urna vaca


pastando é iluminada, ela só não sabe.]

É o que diz Boaventura: a iluminação divina está presente em


qualquer ato cognitivo, por mais modesto que seja. Ele não está presente
dc maneira direta e evidente, está presente dc maneira encoberta.
Então ele diz que existem três etapas no conhecimento de Deus. Você
conhece Deus na sua sombra. O que é a sombra? É o universo visível.
Então tem essa sombra de Deus. Depois que você conhece o universo
visível, daí começa a conhecer Deus na sua imagem. O que é a imagem
de Deus? É a sua própria alma, o conhecimento interior. Depois que
você conhece a sua alma, aí conhece Deus em Si mesmo, cm sua
realidade.
Nos três casos, é a mesma coisa que você está conhecendo, e
nesse sentido Boaventura adere à teoria do Sto. Agostinho - de que
a própria estrutura da alma humana é uma imagem da Santíssima
Trindade. A alma humana, primeiro, e alguma coisa, tem o ser -
portanto, expressa a onipotência divina. Deus Pai. Segundo, tem o dom
de conhecer, é inteligente e inteligível - portanto, reflete o Filho, que é
o Logos, a inteligência de Deus. Terceiro, ela tem o amor. Ser, conhecer
c amar são os três aspectos que correspondem ao Pai, ao Filho e ao
Espírito Santo, ou a onipotência, a onissapiência e a bondade de Deus.
Quando você vai apreendendo que a estrutura da alma consiste em

30
ser, conhecer e amar, está pegando a própria Santíssima Trindade em
analogia, em microcosmo.
Isso quer dizer que Boaventura vê o universo todo como uma série
de esferas das quais uma é imagem da outra; as mais inferiores são
imagens indiretas e, por assim dizer, encobertas das superiores. Isto
significa que ele contorna o problema dos universais de uma maneira
absolutamente genial, pois você só coloca esse problema dos universais
se esquecer esse aspecto simbólico e analógico, que uma esfera remete
à outra. Então, o que quer que você diga numa certa esfera é de certo
modo inexato, porque só na esfera superior c que tem a explicação
daquilo, só quando chegar em Deus é que daí fecha a pirâmide toda.
fsto significa que, em todos os debates filosóficos parciais, em
nenhum deles você vai ter certeza absoluta, pois sempre vai depender
de você subir na escala, E é justamente esta ascensão, este itinerário
da mente a Deus que é a própria filosofia. Na verdade, a solução dos
problemas filosóficos parciais não étão importante assim, pois qualquer
esfera de realidade que você esteja tratando é somente uma imagem de
uma esfera superior. O que interessa não é resolver o problema aqui,
mas subir para a esfera seguinte, e ir subindo, subindo, até chegar a
Deus. Isto quer dizer que, em Boaventura, não existe diferença entre
a filosofia e a mística: são exatamente a mesma coisa, apenas nomes
diversos da mesma coisa.

[Aluno: Hierarquia. ]

Hierarquia. Boaventura compreende então que, se no Evangelho,


nas Sagradas Escrituras, há muita coisa dita em modo simbólico, isto é
porque a própria realidade é simbólica. Não existe essa diferença entre
a expressão, quer dizer, uma coisa não pode ser literal ou simbólica,
pode ser apenas um pouco mais literal ou um pouco mais simbólica,

3)
mas será simbólica nos dois casos. E também a partir daí Boaventura
desenvolve uma certa filosofia da história parecida com a de Santo
Agostinho; e dá um desenvolvimento da história humana em seis
etapas, que refletem os seis dias da Criação, o que significa que ele
aceita inteiramente o famoso simbolismo dos números.
Acho esse Boaventura uma figura absolutamente fascinante,
maravilhosa. Tudo o que para os outros é problema, para ele não é
problema dc maneira alguma, pois vai com a maior simplicidade resolver
tudo. Ele diz; ‘’Olha, vocês estão discutindo porque estáo tomando
isso dc maneira demasiado literal, como se essas questões, se referindo
a dimensões da realidade que estão abaixo de Deus, pudessem ter uma
solução definitiva. Mas só Deus é definitivo, então essa questão será
resolvida de maneira parcial e provisória só para que dela você possa
subir um degrau na escala". Isso quer dizer que todas as discussões
filosóficas em Boaventura se transformam em etapas, em degraus de
uma ascensão mística a Deus.

[Aluno: Esses degraus, que o senhor está explicando que


Boaventura percebe, eles parecem como que a estrutura real à qual se
contrapõe a estrutura da percepção individual que Santo Agostinho
estabelece nos degraus de racionalidade. Santo Agostinho dizia que
eu começo num nível de percepção muito básico, os meus sentidos,
etc., e posso me fechar nisso. Vou ser um cético. Mas eu posso aceitar
elementos... ]

Depende, é abertura ou fechamento da alma?

[Aluno: (...) em várias etapas. Então eu aceito uma certa


abertura do tipo “confiar no que as outras pessoas falam ”, mas
eu mesmo não vi, e isso já amplia minha capacidade de elaborar

n
correlações e conhecer o mundo. Ai tem uma etapa extra, porque
essa segunda etapa... \

Mas no fundo ele está dizendo a mesma coisa que Boaventura,


apenas está dizendo pelo lado oposto. Agostinho está descrevendo o
caminho da alma para fora, por ampliações sucessivas. Já Boaventura
não está falando a partir da alma, mas a partir do cosmos, da realidade.
A realidade visível é apenas uma esfera que está dentro de outra esfera,
que está dentro de outra esfera, que está dentro de outra esfera, e assim
subindo até Deus. Fde não começa a descrição a partir da sua própria
alma, mas da experiência do mundo sensível.
Note que, no caso de Boaventura, a distinção entre o universo
teórico e a experiência viva não aparece. Ela está exatamente como em
Agostinho, pois está muito claro que, em cada enunciado filosófico, ele
está falando de sua experiência mística. No instante em que percebe
que atrás de cada elemento do mundo sensível está a própria presença
de Deus, isso não é uma teoria, isso é vida contemplativa.
Boaventura seria, para mim, dentro desta ordem, como um
modelo de filósofo. Depois de Sócrates - e quando digo Sócrates já
estão embutidos aí Platão e Aristóteles - e de Agostinho, tenho este
Boaventura como exemplo do filósofo que realiza perfeitamente, tanto
em sua pessoa quanto em sua obra, esta definição da filosofia como
unidade do conhecimento na unidade da consciência pessoal real e vice-
versa. Não é possível você distinguir o que é a filosofia de Boaventura
do que é a alma de Boaventura, é a mesma coisa nos dois lados.
Já em Santo Tomás de Aquino a coisa não é bem assim... Ele era
muito amigo de Boaventura, mas tinha lá essa divergência. Santo
Tomás dizia que a Santíssima Trindade só podia ser compreendida por
analogia, por exemplo, com a alma humana. Só que, quando ele via que
estava conhecendo uma coisa por analogia, achava que isto era um sinal

33
TT

de que não se tem um conhecimento perfeito, mas um conhecimento


imperfeito. Se você só conhece uma coisa por comparação com outra,
então não está conhecendo bem. A analogia, para ele, era um sinal da
limitação dc nossos conhecimentos. Já Boaventura dizia: ‘ Isto não é
limitação alguma. Não é que você só conhece por analogia por não
poder conhecer de uma maneira melhor, é o Universo que é construído
assim. O Universo é constituído de esferas, em que uma é análoga
à outra. Ou seja, você não está tendo um conhecimento inexato; a
analogia nesse sentido é perfeitamente exala, pois ela é a própria
ordem de construção da"realidade”. Esse debate é importantíssimo, e
acho que Boaventura linha razão.

[Aluna: (...) certos filósofos chegam num determinado ponto e aí


eles mesmos se complicam. Não sei se eles ficam angustiados (...). |

Não é que complicam, depende do problema que o sujeito está


ten tando resolver. Veja, Santo Tomás dc Aquino estava tentando resolver
um problema que era o mesmo de Santo Alberto, que é a construção de
um sistema explicativo universal, o sistema integral das ciências. Esse
sistema das ciências não é somente a solução de um problema pessoal
e dc um problema filosófico: é a solução dc um problema civilizacional
e social, na verdade. Eles têm que fazer um sistema das ciências que
possa ordenar a sociedade inteira, afinal de contas - ordenar o ensino,
a prática científica, as leis, etc. E São Boaventura? Ele não estava
fazendo nada disso, estava apenas tentando explicar o que captava da
realidade. Da sua perspectiva, ele diz: “Olha, eu considero que, se você
chegou nesta analogia, está perfeitamente explicado. Sc o que interessa
é o itinerário da alma até Deus, está resolvido o problema. Você chegou
na analogia c mais do que isso você não vai conseguir”. Muito bem, mas
como transformar isso num sistema científico socialmente válido?

I 34
O que Santo Tomás de Aquino estava procurando cra outra coisa.
É como se dissesse: “Boaventura estava filosofando para si mesmo, e
Santo Tomás dc Aquino estava filosofando para a civilização inteira” .
O problema é então diferente. Do ponto de vista da ascensão da alma,
da salvação, o que Boaventura está dizendo é mais do que suficiente.
Você já entendeu a pirâmide que vai indo até Deus, vai subindo, e tem
uma série de questões filosóficas que serão resolvidas imperfeitamente,
pois o próprio mundo é imperfeito, e é imperfeito porque cada degrau
é somente analogia ou símbolo do seguinte, então só tem solução
quando chegar em Deus. Muito bem, digo eu, suponha que você tenha
chegado lá. Como é que vai fazer a pirâmide de volta? Como é que
vai organizar o mundo humano e o mundo do conhecimento? Este
segundo problema era o de Santo Tomás de Aquino. Então, por um
lado, eles estão se contradizendo, como se diz aristotelicamente: sob
certo aspecto, estão se contradizendo, mas sob outro aspecto não há
contradição, mas apenas uma diferença de objetivo.
Isto significa que em Boaventura se reafiza mais perfeitamente
aquilo que nós definimos como essência da filosofia. A filosofia será
uma organização da unidade do conhecimento, mas na escala da
consciência individual. Ou então aquela resposta serve para aquele
indivíduo e para aqueles que têm uma vivência da realidade parecida ou
similar à dele -portanto, não tem validade social. Se passa a ter validade
social, c porque já é a filosofia c algo mais. O que entendemos hoje, na
modernidade, por ciência é algo que tem validade social. Por exemplo,
num tribunal, você pode alegar um argumento científico. Você quer
proibir as pessoas de fumar, então diz: “Olha, cicntificamcnte, dizem
que faz mal, que as pessoas morrem. Está aí o Olavo, que já morreu faz
vinte anos...". Esse é um argumento científico. Filosoficamente, isso
não faz o menor sentido, pois a filosofia só é válida para indivíduos que
têm uma vivência da realidade similar. A filosofia, nesse sentido, não

35
tem autoridade externa, não pode ser imposta. Só pode usar do quê?
Da persuasão racional. Mas a persuasão racional pode falhar.

[Aluno: Então, segundo um grupo, fumar não é problema, e para


o outro grupo é problema?]

Dependendo da persuasão que você consiga. No caso do fumo, cu


dei o exemplo porque esse negócio não tem nada de científico, é tudo
furado, é furadézimo. Vocês nem queiram saber! Eu nunca quis falar...
porque vão dizer que estou falando em causa própria. Mas um dia eu
vou falar, c vocês vão ver a desgraça que vou fazer. É tudo furado, é
uma fraude monstruosa. Fumar não faz mal algum! É mesmo!

jAluno: Tem toda razão.]

As estatísticas todas, todas, são furadíssimas. Algumas delas já foram


até judicialmentc condenadas como fraude. No entanto...
Então a filosofia tem o fundamento racional, mas sua racionalidade,
embora seja universalmente válida, não o é socialmente, não pode ser
imposta. Se imposta, parou de ser filosofia e começou a ser outra coisa.
Por exemplo, a autoridade do filósofo se exerce sobre aqueles que são
capazes de compreendê-la, e ele não tem o direito de a impor a quem não
a compreende. Já um governo não pode agir assim. O filósofo ensina, ele
explica, etc. Se o su jeito não entendeu o que se disse, ele não é obrigado
a aceitar. E um governo? Ele vai dizer: “Esta lei aqui é obrigatória para
os que a compreendam”? Não é possível. Veja que quando você entra na
esfera do exercício do poder, e não apenas da autoridade (a autoridade é
intrínseca, mas o poder é extrínseco), está agindo fora da filosofia.
Ora, Santo Tbmás é um sujeito que foi cogitado para ser Papa, e ele
tem muitos trabalhos que são uma espécie de aconselhamento para o
governo das coisas nesse mundo, inclusive coisas de uma sabedoria

36
absolutamente formidável. Além de ser um filósofo, clc era uma
espécie de administrador do mundo. Isso quer dizer que, deste ponto
de vista - que cra mais externo e já não se tratava da ascensão até
Deus, mas da descida até Deus, do governo do mundo a analogia já
não bastava. Ele precisava de algo mais, queria uma prova. Mas como
no mundo não mandamos nada mesmo, e eu estou pouco me lixando
para o governo do mundo, então eu fico com São Boavcntura.
Santo Tomás tem coisas, por exemplo, de filosofia política, que são
de uma veracidade permanente. Pode ser base do governo do mundo
mesmo; o governante que seguir aquilo vai dar certo. Ele teoriza, por
exemplo, em favor da democracia, isto é, diz que para haver a ordem
social é necessário que todos participem do exercício do poder, todos.
Quem são “todos”? São as três classes: os optimates, os aristocratas;
o pessoal que não é aristocrata, mas tem dinheiro; e o povinho. Todo
mundo tem que participar. Advoga a favor da democracia, mas diz:
“A democracia não é absoluta, não é um valor absoluto, é relativa.
Às vezes cfa sc transforma numa coisa má, quando se instaura a
ditadura dos de baixo”. E daí ele pergunta: “Quais são os sintomas
de que se instaurou uma ditadura dos de baixo?”. Primeiro, é que os
bens dos ricos são tomados; segundo, é que começa a se introduzir
a corrupção nas eleições, os caras são comprados; terceiro, é que se
elegem pessoas ineptas. É o Brasil! Entendem? Ele diz que, quando a
democracia virou uma ditadura dos de baixo, então tem que haver uma
reação aristocrática para botar as coisas cm ordem dc novo.

[Aluno: Porque temos hoje (...) linha da opinião pública também,


não é?)

Mas não é? Esse tipo de coisa... Vocc vc que, onde aconteça isso,
essas três condições se manifestam: é o voto comprado, é a corrupção

37
financeira, e, quando o fator financeiro começa a interferir gravemente
na eleição, começa esse negócio de os caras de baixo tomarem os bens
dos ricos. Começam a invadir fazenda, começam a fazer não sei o quê.
E começam a eleger o Luiz Inácio Lula da Silva. O negócio, segundo
Santo Tomás, ficou brabo, e seria de alia conveniência,., Ah, Santo
Tomás já explicou tudo isso. Os sintomas da ditadura de baixo são
esses três, os três estão aí manifestos!
Nestes assuntos São Boavcntura nunca nem se meteu. Ele estava
lá pensando: “Como é que vamos fazer para usar as investigações
filosóficas como um meio de chegar até Deus?”. Então, por um lado,
vê-se que em São Boaventura o conflito entre mística e filosofia (que
em alguns casos deu até em morte) simplesmente não existia. E note
bem que ele não teoriza a unidade das duas coisas, simplesmente a
pratica. Demonstra o movimento andando, demonstra que não existe
conflito mostrando que. na pessoa dele, não há conflito algum. Acho
que esses dois de certo modo se complementam.

|Aluna: O senhor não acha que vão sempre existir esses dois?\

Esses dois modelos? Certamente. Mas Santo Tomás já não é só um


filósofo, é uma espécie de governante, como Platão.

[Aluna: Já é um homem de ação.}


Claro. E por Isso que o cogitaram para Papa. O Para não pode ficar
só filosofando. O que ele faz? Ele fica só rezando e indo,.,? Não, ele
tem que agir dentro do mundo.

[Aluna: (...) é até bom, então, para a humanidade que haja esses...]

É, esses são tipos eternos, vão sempre existir. (...) Platão e


Aristóteles, isso é característico. Aristóteles é o sábio puramente...
Essa diferença entre São Boaventura e Santo Tomás não é teórica, é
uma diferença de objetivos vitais e do que estavam fazendo rcalmcnte.
Sobre Santo Tomás veremos depois.

[Aluno: Essa distinção e estrutural também no judaísmo? Você


tem os profetas e tem os sacerdotes. \

Sem sombra de dúvida! Isto é universal. Veja que metade das


chamadas divergências de Platão com Aristóteles advém disto: Platão
era um reformador social, não era somente um filósofo no sentido
aristotélico. Não é que um tem razão c o outro não: as perspectivas
são diferentes.

[Aluno: O senhor falou sobre a questão da filosofia não poder se


tornar social, como critério social, não é?\

Não, ela pode. O que ela não pode é reivindicar para si essa
autoridade, como vai fazer na Revolução Francesa.

[Aluno: Mas a proposta da... as técnicas de redução fenomenológica do


Husserl e outras não têm o objetivo de tomar tão amplamente difundido...]

Husserl também é um chefe de escola, também é um reformador


das ciências, e ele também pretendia inaugurar uma forma coletiva
de investigação. Era um novo Platão, e não um novo Aristóteles.
Mas faz parte da essência da filosofia esta ausência de poder externo.
Ela age essencialmcntc pela persuasão racional. Portanto, é válida
para quem seja capaz de acompanhá-la; os outros não têm obrigação
nenhuma. É por isso que Sócrates dará razão a seus carrascos. Embora
ele estivesse seguro de que estava certo, com a razão, diz: “Eles não
estão me entendendo, nem têm a obrigação de entender. Quer saber?
Têm que me mandar mesmo para o belclcu".

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| Aluno: Mas Aristóteles também não fez um movimento de
organizar as ciências e as (...)?]

Sim, mas a pretensão dele ficou muito mais aquém.

[Aluno: Ele não tinha isso como objetivo então?]

Não, ele mesmo, quando estudava a ciência política, a organização


do Estado, procedia como um cientista puro e simples, não estava
propondo coisa alguma.

[Aluno: Por assim dizer; talvez fosse uma organização com vistas
ao próprio conhecimento (...) e não com vistas a ser socialmente...]

Claro, dele e do seu grupo, Você deixa aquilo para a sociedade, e


usa quem quer. Mas, se você já tem uma espécie de responsabilidade de
governo, a perspectiva já é outra. Platão queria esta responsabilidade e
tenta interferir efetivamente, e Santo Tomás de Aquino era consultado
com frequência pelos governantes e pelo Vaticano.

[Aluno: E Kantse encaixa como (...)?]

Kant é um reformador mesmo. Ele é o inventor da ONU! Essa tal dessa


“paz perpétua”! É como dizem, é o pai da porcaria. Eu odeio Kant!

[Aluno; Mas num sentido ele era “lighE’, pois falava: “Deixa do
jeito que está, não mexe”. O princípio dele era basicamente esse:
“Está assim, não mude”.]

Kant não era liidrófobo, mas o número de idéias erradas que


ele legou para a humanidade dificilmente algum outro conseguiu.
Praticamente ludo está errado em Kant: a pergunta está errada, o

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método está errado, a resposta está errada c as conseqüências estão
erradas. Está todo errado. No entanto, como diziam, ele era um homem
bem-intencionado.

[Aluno: E ficaram estudando durante séculos o debate que (...) em


nome dele, não é?\

Mas estou falando: a ONU é filhote dele. Há um livro do padre


Michel Schooyans, La face cachée de 1’ONIP (“A face oculta da
ONU”), em que ele demonstra que através do Kant veio Kelsen, e daí
vem essa coisa da '‘paz perpétua”, da Nova Ordem Mundial.

[Aluna: O ordenamento jurídico a partir (...) a Constituição...?]

É, isso é kantiano, como o Kelsen. Então nós estamos vivendo


dentro de um mundo kantiano.

[Aluno: Será que é por isso que é difícil entender?]

Não, é difícil de entender só porque Kant é um filósofo técnico,


corno também os escolásticos. Não é fácil ler um escolástico, porque há
toda a terminologia técnica. Se não fosse assim, não teriam conseguido
escrever. Por exemplo, um livro dc Kant, para ser exposto em linguagem
não técnica, teria que serem dez volumes. Já dizia Horácio: “A brevidade
sc opõe à clareza”. É preciso então dominar a terminologia técnica de
qualquer maneira, senão nem adianta se aventurar aí. Se você vai ler
o Kant sem isso, a cada termo novo vai ter que pegar o dicionário de
filosofia, vai ter que estudar a história daquele conceito. Então vai dar
um trabalho. Mas sempre valerá a pena, porque é melhor entender do
que não entender.

■'Michel SCHOOYANS, Lu lace cachcc dc VONU. Paris- Samicnt. 2000.


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[Aluno: O risco de ele ter sido mal entendido é alto, não é?]

Não, acho que Kant foi muito bem entendido, muito bem
compreendido, isso é que é o pior de tudo. Porque os caras não só
entenderam, como estão fazendo o que ele disse para fazer.

[Aluno: Entenderam Kant, mas não entenderam nada do que...]

Entenderam o Kant, mas não entenderam a realidade. Só


entenderam o Kant!

[Aluno: Mas ele achou que era uma incompatibilidade.]

É incompatibilidade: se entende um, não entende o outro. Se você


entende algo da realidade, percebe que o Kant é incompreensível.
Se você entendeu o Kant, nunca mais vai entender a realidade.
Já no século XIX, começa a aparecer tanta idéia estúpida, uma
atrás da outra, então os caras faziam umas interpretações. Você quer
explicar um fenômeno social, o fenômeno totêmico, por exemplo: por
que as tribos têm totem, etc. Então aparece um camarada que solta
uma teoria, c essa teoria faz sucesso e fica como explicação válida até o
século XX, quando um sujeito, um judeu, devastou, isto é, arrasou com
esse negócio na década de 1920. Era uma explicação evolucionista que
dizia o seguinte: “Certos animais eram economicamente importantes,
então, para que não os matassem, eles transformavam em totem”. Mas
transformar em totem? Não c muito mais fácil proibir de matar, falar:
“Isso aqui você não mata”, pronto, acabou?

|Aluno. (...) tabu?]

É. Então ele vai explicar isto como necessidade, e todo mundo engole.
É uma explicação perfeitamente imbecil! Até que, na década de 1920,

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chegou um camarada que foi pegando item por item, demonstrando por
que isso era urna impossibilidade absoluta. Daí trataram de inventar
outra explicação idiota. E, se ele lesse São Boaventura, entenderia por
que tem o totem, como entenderia todos os rituais, símbolos, etc.
Veja, a ideia de que, por exemplo, se possa explicar o mito... Você
pega um antropólogo moderno, como Lévi-Strauss e outros. Muito
bem, vamos raciocinar agostinianamente. Se você não conhece a si
mesmo, não vai entender é nada. Você já percebeu qual c a função
do elemento mítico cm sua vida? Quanto da sua vida é baseada em
elemento mítico? Se entendeu isso, talvez entenda o mito... Mas,
se não entende nem em você mesmo, não vai entender nada lá fora.
Ninguém exigiu isto do Lévi-Strauss. Quer dizer que o sujeito forma
uma teoria para explicar o universo inteiro, mas essa teoria não explica
ele mesmo. E isto o que é? Paralaxe. Do Lévi-Strauss, para não falar
dos antropólogos evolucionistas.
É curioso que a antropologia evolucionista já caiu, está totalmente
desmoralizada há mais de um século, no entanto a teoria da evolução
continua cm pé. Mas, sc ela é tão boa assim, deve ser aplicada em
antropologia. Por que a aplicação à antropologia deu errado? Deve ter
algo furado nela mesmo. Isso não quer dizer que o fenômeno evolução
não exista. Pode ser até que exista, mas o fato é que não sabemos.
E uma coisa que não sabemos não pode servir cie base para explicar
outra que também não sabemos.
Esse negócio da paralaxe, que começa mais no século XII,
vai abrindo, abrindo, até que chega um ponto em que o filósofo
realmente não sabe mais o que está dizendo, não tem mais a menor
idéia do que eslá dizendo. Está no mundo da lua, completamente. E o
pior é que ninguém acha isso ruim.

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[Aluno 1: Sobre a questão do Kant, que se você entende a realidade
não entende o Kant e vice-versa, eu lembro que quando eu tive a
primeira aula com o Giannotti na USP...]

Esse é pior ainda. Se entender o Giannotti voeê está...

|Al uno 2: Aula do Giannotti sobre o Kant na USP? Eu não quero

É trem-fanlasma!

[Aluno 1: Mas olha que interessante. Tinha uma aluna na classe


que não conseguia entender de jeito nenhum aquilo que ele estava
explicando. Elu fazia as perguntas, até que chegou uma hora em que
ele olhou para ela e falou: “Não, você não consegue entender isso”.
Não foram exatamente as palavras, mas o conceito. “Porque a sua
cabeça ê realista, então isso aqui você não vai pegar mesmo.”]

“Basta você abdicar da realidade e entenderá tudo o que estou


dizendo." É isso mesmo, é disto que se trata.

[Aluno 2: Ele foi honesto, hein?]

Chega um ponto cm que as pessoas não fazem mais nenhuma


questão da realidade. Ele já acha que isto é inteiramente normal.

44
Leituras sugeridas

DEMPF, Alois. La concepción de! mundo en la F.dad Media, Madri: Gredos, 1958.

GILSO N , Etienne. La philosophie au Moyen-Âge. 2.ed. rev. e a m i Paris: Payot, 1988.

LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Média. Lisboa: Gradiva, 1984.

RUBENSTE1N, Richard E. Aristotle’s Children: How Christians, Muslims and jews


Rediscovered Ancient Wisdom and Illuminated lhe Dark Ages.
New York: Harcourt, 2003.

WOODS JR., Thomas E. How the Catholic Church Built Western Civilization.
Washington: Regnery, 2005.

45
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Carvalho, Olavo de
A Escolástica : aula 15 /
por Olavo de Carvalho - São Paulo: É Realizações, 2006.
(Coleção história essencial da filosofia)

Inclui um DVD.
Conteúdo: aula 8: Advento do cristianismo -
aula 9: Filosofia patrística e escolática - aula 10: Santo Agostinho -
aula 11: Tomás de Aquino c Duns Scott - aula 12 : Filosofia islâmica -
aula 13: Filosofia cristã - aula: 14: Idéia versus realidade - aula: 15: A escolástica,

1, Filosofia - Estudo e ensino 2, Filosofia -


História I. Título. 11, Série.

06-0905 CDD-109

índices para catálogo sistemático:


1. Filosofia: História 109

Este livro é a transcrição da aula que


foi gravada no dia 11/07/2003 na
É Realizações em São Paulo - SP Brasil.

Impresso março de 2006 para a


É Realizações, pela Prol.
Os tipos usados são da família Dutch.
O papel é Chamois Bullt 90 g/m2 para
o miolo e supremo 250 g/m2 para a capa.
coleção

História
Essencial da
Filosofia
Aula 1:
História das Histórias
da Filosofia
Aula 2:
O Projeto. Socrático
Aula 3:
Sócrates c Platão
Aula 4:
Aristóteles
Aula 5:
Pré-Socráticos
Aula 6:
Período Hckmístico 1
Aula 7:
Período Helcnístico 11
Aula 8:
Advento do Cristianismo
Aula 9:
Filosofia Patrística e
Escolástica
Aula 30:
Santo Agostinho
Aula lt:
São 'Ibmás dc Àquino e
Duns Scott
Aula 12:
Filosofia Islâmica
Aula 13:
Filosofia Cristã
Aula 14:
Idéia versus Realidade
Aula 15:
A Escolástica

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