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12/10/2021 15:07 A missão civilizatória de Otto Maria Carpeaux

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A missão civilizatória de Otto Maria


Carpeaux
A reedição da obra do ensaísta austrobrasileiro, resgata oscholar por trás do jornalista e instaura
mais uma polêmica do filósofo Olavo de Carvalho.

por José Maria e Silva

Publicado no Jornal Opção de Goiânia, 8 de agosto de 1999

Numa tacanha reedição do autopreconceito que norteava a corte de Dom Pedro II, sempre voltada
para as idéias importadas de Paris, a universidade brasileira, com seus cursos de mestrado e
doutorado, ainda não descobriu verdadeiramente o Brasil. As idéias que proliferam na academia
são quase todas importadas e — mais grave — sequer são traduzidas (primeira condição para se
assimilar e disseminar qualquer cultura estrangeira). Mestres e doutores preferem ler o mundo em
inglês, como se algumas idéias da humanidade só pudessem ser expressadas nesse novo latim, a
língua do deus-mercado. Só isso explica o descaso quase total com que a universidade trata a obra
de um intelectual como Otto Maria Carpeaux, um dos grandes humanistas que marcaram a cultura
brasileira neste século.

Felizmente, a obra de Carpeaux está voltando à cena. A Faculdade da Cidade, do Rio de Janeiro, e
a Editora Topbooks estão lançando os Ensaios Reunidos de Otto Maria Carpeaux, organizados pelo
filósofo Olavo de Carvalho. A obra sairá em dez volumes. O primeiro, que já está chegando ao
mercado, reunirá os ensaios que vão de A Cinza do Purgatório, seu primeiro livro publicado no
Brasil, em 1942, até Livros sobre a Mesa. Os dois volumes seguintes serão dedicados aos ensaios
dispersos, recolhidos por Olavo de Carvalho e pela equipe que comandou. Obras históricas
breves é o tema do quarto volume e os Ensaios políticos ocuparão o quinto e o sexto volumes. A
seguir, do volume sétimo ao décimo, será reeditada um monumento de Carpeaux — sua História
da Literatura Ocidental.

Todo esse ambicioso empreendimento editorial nasceu de um projeto de pesquisa coordenado pelo
filósofo Olavo de Carvalho e financiado pela Faculdade da Cidade. Entretanto, por ser tão
combativo hoje quanto Carpeaux o foi em seu tempo, Olavo de Carvalho não vem recebendo os
devidos créditos por seu trabalho. Folha de S. Paulo, Gazeta Mercantil e O Globo, mesmo
reconhecendo a importância da edição dos ensaios de Carpeaux, a ponto de concederem-lhe fartura
de páginas e fotos, limitaram-se a mencionar, de passagem, o nome de Olavo de Carvalho,
desconhecendo o brilhante estudo introdutório que o filósofo escreveu para a reedição dos ensaios
de Carpeaux. Nesse ensaio, disponível na Internet, Olavo de Carvalho dimensiona, com agudeza
crítica, o humanista e o militante, o erudito e o panfletário.

O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony foi um dos poucos a reconhecer o trabalho realizado por
Olavo de Carvalho. A respeito, escreveu: “Curiosamente, Carpeaux e Olavo não se conheceram.
Um dos desencontros que eu considero mais cruéis do destino, uma vez que os dois, guardadas as
posições radicalmente pessoais de cada um, tinham um approach idêntico da condição humana. Até
mesmo na capacidade da exaltação e da polêmica. De minha parte, considero-me redimido por
encontrar na presente edição das obras de Carpeaux o sonho que persegui durante anos mas para a
qual não tive tempo e competência para realizá-lo”. Já o editor Daniel Piza, da Gazeta Mercantil, e
o ensaísta Nelson Ascher, da Folha de S. Paulo, estão sendo chamados por Olavo de Carvalho,
respectivamente, de Nelson Ascha Kessab e Daniel Piza Nabolla. Os dois subestimaram o trabalho
realizado pelo filósofo paulista.
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12/10/2021 15:07 A missão civilizatória de Otto Maria Carpeaux

Em seu estudo sobre Carpeaux, Olavo de Carvalho tenta compreender o quase esquecimento a que
sua obra vinha sendo relegada, apesar do enorme sucesso que fez em vida de seu autor. Para
Carvalho, isso se deve a complexa personalidade intelectual de Carpeaux. “As dificuldades
aparecem quando começamos a comparar um escrito com outro, em busca da unidade de
pensamento que subentendem”, escreve o filósofo. “Aí descobrimos, por exemplo, que esse
militante da esquerda, perseguido e censurado pela ditadura reacionária, compartilhava das
temerosas reservas de Ortega y Gasset ante a rebelión de las masas; que esse apologista da
revolução cubana tinha horror da politização geral da cultura; que esse denunciador das mazelas do
capitalismo fazia a apologia do economista Friedrich Hayek, precursor do neoliberalismo; que esse
ídolo dos estudantes brasileiros sentia o mais fundo desprezo pelo “proletariado intelectual”, as
massas de bacharéis que as universidades despejam todo ano na atividade cultural e política, vazios
de cultura superior e intoxicados de slogans demagógicos”.

Apesar de ter-se tornado um ídolo da juventude de esquerda, protagonizando, já sexagenário, o


combate de rua ao regime militar, Carpeaux, para Olavo de Carvalho, é “exatamente o avesso de
um marxista: não acreditava na primazia do econômico, enfatizava a importância dos fatores
espirituais e identificava mesmo de vez em quando, nos movimentos da História universal, sinais
misteriosos de uma intervenção da Providência, o que o tornava mais próximo de Bossuet que de
Marx”. Mesmo afirmando que, com o passar dos anos, Carpeaux foi afetado “atmosfera brasileira
dominada pelo marxismo”, Olavo de Carvalho sustenta que, “em seus últimos ensaios críticos —
contemporâneos de suas mais violentas polêmicas antiamericanas — ele mostra um senso da
supratemporalidade que só pode ser diagnosticado como idealista ou como cristão e que é estranho
a toda sensibilidade marxista”.

Olavo de Carvalho argumenta que, para Carpeaux, o “passado é o juiz do presente”, que o crítico
austrobrasileiro tinha uma devoção quase religiosa pelos monumentos literários inscritos na
tradição. Entretanto, acrescenta o filósofo que “o passado, para Carpeaux, não tinha jamais a
pompa venerável e inofensiva de um leão empalhado”. E observa: “Levado por sua formação e pela
contínua meditação da história à tranqüilidade compassiva de uma contemplação que tudo perdoa
porque tudo compreende, Carpeaux continuou no entanto, por temperamento, um homem
combativo, inflamado, capaz de arrebatamentos de cólera na defesa de posições que para ele
tinham significação menos política do que moral”.

Acerca da revolução operada na vida de Otto Maria Carpeaux, com sua mudança para o Brasil,
onde teve que aprender o idioma desconhecido aos 40 anos, Olavo de Carvalho conclui: “Seus
primeiros ensaios mostram o intuito evidente de transportar para o Brasil o legado dessa visão
essencialmente austríaca de uma unidade civilizacional anterior — ou posterior — à fragmentação
moderna. Essa visão indicava claramente o sentido de uma nova paideia, que poderia ter sido a
matriz de uma nova e mais poderosa cultura brasileira. Poderia ter sido, mas não foi. Os elevados
propósitos de Carpeaux pairavam muito acima das cabeças do seu auditório. Reconheceram nele
apenas o mais visível, o exterior: a erudição germânica, a introdução de novos autores até então
desconhecidos no meio brasileiro”. Para Olavo de Carvalho, a visão universal que Carpeaux
oferecia ao país foi apagadas por arraigadas “filosofias provincianas”, que reduziram Carpeaux
apenas um “interessante divulgador jornalístico”, fazendo que nunca ele fosse enxergado “por
inteiro”. Quem sabe, agora, com os Ensaios Reunidos, isso seja possível.

Quem foi Carpeaux

Otto Maria Karpfen nasceu em 1900, em Viena, filho do advogado e pianista Max Karpfen e da
violonista Gizela Schmelz Karpfen. Aos 20 anos, ingressou na Faculdade de Direito, que
abandonou para estudar química, física e matemática e filosofia e letras, na Universidade de
Viena. Em 1925, obtém o título de doutor e começa a trabalhar como jornalista. Casou-se, em
1930, com Helena Silberherz. Em 1939, com a eclosão da Segunda Guerra, mudou-se para o
Brasil, naturalizando-se brasileiro cinco anos depois. Carpeaux exerceu o jornalismo no lendário
Correio da Manhã, onde trabalhavam intelectuais como Graciliano Ramos e Aurélio Buarque de
Holanda, e foi diretor da biblioteca da Faculdade Nacional de Filosofia e da biblioteca da
Fundação Getúlio Vargas. Crítico do regime militar, chegou a ser preso, por algumas horas, em
1967. Morreu no dia 3 de fevereiro de 1978, vítima de infarto.
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