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Prefácio

Existe um sentimento coletivo de que a Escola precisa de mudanças significativas para que a
sua função social seja coerente com a prerrogativa de que a Escola prepara a Sociedade.

Apesar do questionamento da verdadeira função da Escola neste tempo global mesclado de


cultura, objetivos e estratégias em que os agentes educativos formais perderam boa parte da
sua eficácia a favor de agentes não formais e informais em que se destacam o vídeo e a
Internet, continuamos a querer trazer a instituição Escolar para o centro decisório da formação
do cidadão.

São inúmeras as iniciativas governamentais e privadas que visam ampliar o espectro da


influência das tecnologias na Escola e nas atividades de aprendizagem. Primitivamente, a
ênfase apontava às Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (CTEM, em inglês STEM
– Science, Technology, Engineering and Mathmatics), como pilares essenciais do
desenvolvimento para o século XXI, mais recentemente assinala-se a associação das Artes a
este menu da aprendizagem moderna (CTEAM, em inglês - STEAM – Science, Technology,
Engineering, Arts and Mathmatics).

O movimento Maker, por exemplo, ensaia uma abordagem bricoleur, tornando os aprendizes
em verdadeiros faz-tudo capazes de idealizar e realizar os projetos mais fantásticos que
poderemos imaginar. Desde a montagem peça-a-peça de robôs com diferentes graus de
sofisticação, direcionados a todas as idades, até à construção de circuitos elétricos e
eletrónicos de significativa complexidade, sem esquecer a impressão tridimensional
doméstica de pequenos objetos, nós e as nossas crianças somos confrontados com um novo
mundo de estímulos, que forçosamente mudarão a Escola. Esperamos! Na mesma onda de
expectativas, a indústria educacional, longe de inocente ou desinteressada deste movimento
convergente de construcionismos, concorre com uma variedade de abordagens e kits que nos
desafiam a criar.

A combinação de ferramentas digitais e recursos tecnologicamente inovadores e a adoção de


metodologias mais adequadas a modelos de autoaprendizagem parece fornecer o caldo
adequado à concretização desta ideia poderosa de que os robôs oferecem às crianças a
concretização das experiências científicas e matemáticas que apenas a computação possibilita.

A escolarização, alerta Neil Postman, tanto pode ser subversiva como conservadora, mas é,
certamente, circunscrita e subordinada à prática dialética com a realidade, avisa Paulo Freire.

Nesta obra, a aprendizagem em geral e a robótica educacional em particular, são abordadas


com propostas de atividades lúdicas em sala de aula, atividades que consistem em trabalho
sério para alunos e professores. Esta perspetiva bifacial da atividade: lúdica e trabalho, é uma
metaforização da aprendizagem que buscamos desde sempre, fugindo à conotação
etimológica de uma e outra expressão, ou extraindo delas um sentido diferente. Pois, se a
ludus associávamos o sentido de divertimento, agora associamos motivação. Se tripalium,
possível étimo de trabalho, nos lembrar instrumento punitivo ou ferramenta, tendo por isso

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aplicação e valor oposto, procurámos dignificámo-lo ao não considerar vítima nem carrasco
quem tripaliare - trabalhar.

A atividade lúdica proposta com a finalidade de realizar trabalho, leia-se aprender, é um


objetivo nuclear que a escola anuncia desde que o vemos escrito. Assim era, por volta de
1650, quando J. Comenius apresentou “Orbis Sensualium Pictus”, o primeiro livro instrutivo
para crianças. O livro começa com um pequeno diálogo onde o mestre convida um jovem a ir
à escola para se tornar sábio, definindo o “ser sábio” como “compreender, fazer e dizer
corretamente tudo o que é necessário”. Ora, a escola ainda é isto, não é? Na essência, um
lugar onde se procura compreender, fazer e expressar tudo o que é necessário à integração do
ser humano na sua comunidade, na sociedade.
É nesta perspetiva que os autores prefaciados nos encaminham ao longo das próximas
páginas.

O diagnóstico de falsas premissas construídas sobre o processo de ensino-aprendizagem que


ainda hoje se observa na Escola e, escandalosamente, nas políticas educativas públicas, é bem
evidenciado no primeiro capítulo, onde os autores se debruçam sobre a aprendizagem e a
robótica e a dialética da dinâmica que se estabelece nas atividades práticas e nas experiências
desenvolvidas ao longo dos anos. Esse capítulo é bem crítico da ação educativa que se foca no
trabalho do professor, que se suporta num amontoado de livros didáticos, demasiado próxima
da primitiva lógica Comeniana, defendendo que a robótica educacional ganha dimensão ao
promover o envolvimento coletivo na resolução de problemas, conduzindo ao sucesso através
do trabalho de equipa onde os alunos se tornam protagonistas da sua própria aprendizagem.
Os autores destacam aqui um certo protagonismo feminino num campo do saber em que
normalmente as meninas se consideram afastadas culturalmente e realçam o papel do
professor como mediador da aprendizagem. Mediar não exige do professor o domínio de
todos os aspetos da robótica, embora seja reconhecido como crucial uma certa paixão pela
experiência e pelo desafio. O professor que compreende os benefícios que as ferramentas
digitais aportam aos processos de aprendizagem, quer ao nível dos conteúdos quer dos
processos cognitivos significativos, reconhece que os alunos vão ganhando confiança e vão
aprendendo a fazer fazendo e a argumentar argumentando através das suas próprias práticas.

A tecnologia e a pedagogia, frequentemente em palco na discussão sobre o caminho que a


escola da era digital deve seguir, assumem-se inseparáveis para o sucesso educativo. Os
exemplos que nos trazem os projetos que combinam inovação pedagógica com tecnologia
atual evidenciam os fatores de sucesso na ação pedagógica. Contudo, equipar
tecnologicamente as escolas não é suficiente, é preciso também capacitar os professores na
apropriação das tecnologias e das práticas inovadoras e, nesse campo, os responsáveis pelas
políticas públicas de apetrechamento das escolas devem dar melhor atenção à formação
continuada de professores nomeadamente em relação à duração, às modalidades, à qualidade
e objetividade e à eficiência pedagógica.

Um pouco por todo o Mundo têm despontado iniciativas que estimulam a incorporação da
robótica na pedagogia escolar, acompanhando uma tendência generalizada de desmistificação
da robótica como elemento puramente ficcional e inatingível, colocam desafios sérios a todos

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os atores da Educação, quer pela multidisciplinaridade que implicam quer pela dificuldade de
ajuste curricular. Na verdade, a robótica pedagógica posiciona-se numa etapa da construção
de conhecimento que requer reflexão e articulação entre os diferentes protagonistas do
processo de aprendizagem, apelando a metodologias diferenciadoras, a diferente organização
dos espaços de aprendizagem e ao desenvolvimento de trabalho colaborativo e inclusivo
baseado em projetos. Vista de uma perspetiva positiva, a robótica educativa tanto pode ser
veículo de concretização de conceitos científicos e de aprendizagens disciplinares específicas
como considerada elemento de meta-aprendizagem no ensino de programação, em fases
precoces do desenvolvimento cognitivo humano. Mas, se adotarmos uma perspetiva mais
cética, também realista, a pouca reflexão em redor das implicações das tecnologias na
aprendizagem pode escamotear os fatores construtivistas e construcionistas destacados por
Piaget e Papert e, em vez de transformar o ambiente escolar, incrementa o descrédito das
novas tecnologias nos processos de ensino e de aprendizagem.

A montante destes processos, podemos identificar os professores como público-alvo


privilegiado de ações que visam: a) aprender a aprender, combinando uma ampla cultura geral
com a possibilidade de aprofundar conhecimentos especializados e aproveitando as
oportunidades que a Educação oferece ao longo da vida; b) aprender a fazer, com o objetivo
de adquirir algo mais do que uma qualificação profissional ou uma competência, capacitando
o indivíduo para enfrentar diferentes situações e trabalhar colaborativamente e; c) aprender a
ser, para que enriqueça a sua própria personalidade, alicerçando o processo de formação de
professores nas premissas do século XXI e nos postulados pedagógicos de Freire, Piaget,
Papert e Vergnaud.

Considerando que a evolução tecnológica modifica a forma como nos relacionamos entre nós
e a forma como nos relacionamos com o conhecimento, sua construção e convocação
quotidiana, os artefactos tecnológicos evidenciam-se cada vez mais como elementos não
neutrais. Desse modo, computadores, robôs e outros dispositivos que usamos no dia-a-dia
conformam a nossa vida, o nosso modo de ver, de pensar e de agir em sociedade. Logo,
também interferem na forma como desempenhamos os nossos papéis na Escola e, a este nível,
a tentação de transpor metodologias antigas para a utilização de tecnologias novas, supera
quase sempre a nossa capacidade racional. Papert, já nos tinha alertado para este risco, ao
enfatizar os aspetos sociais e motivacionais da aprendizagem, riscos que, no entanto, podemos
controlar através de projetos próprios das crianças, permitindo que escolham os temas que
querem investigar, adotando ferramentas que favoreçam a flexibilidade curricular e
proporcionando uma maior variedade de experiências e oportunidades de aprendizagem,
suscitando a adaptação dos conceitos aprendidos a novos cenários.

Muitas vezes, a flexibilização do currículo patente é encarada como figura de retórica,


principalmente devido ao nosso secular mindset livresco. Contudo, a flexibilização curricular
poderá contribuir para a mudança da Escola. Nessa perspetiva, a robótica, não só apresenta
potencialidades incríveis de flexibilização nos ritmos e nos conteúdos de estudo, como
constitui um fator de enriquecimento que não pode ser negligenciado. Nos dias de hoje, os
robôs, para além de gozarem de uma atratividade natural por parte das crianças, são fatores de
humanização e de inclusão de crianças com necessidades educativas especiais, reconhecíveis

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em experiências centradas nas capacidades, nos interesses, nos estilos de aprendizagem e nas
formas prediletas de expressão.

A concluir, assumimos que o processo de ensino não acontece desconectado da realidade dos
alunos, exigindo práticas contextualizadas em que os alunos reconheçam nelas mais-valias
para o seu processo de aprendizagem. A literacia digital é, por isso, imprescindível para a
inclusão do cidadão no mundo e, desse ponto de vista, ao criar espaços enriquecedores da
aprendizagem estaremos a contribuir para a formação integral de cidadãos que compreendem
e refletem sobre a sociedade digital. A robótica educativa revela, neste movimento, um
infinito potencial na educação integral do Homo Sapiens Digitalis.

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