Você está na página 1de 169

2

Sistemas

Sistemas de Produção
de Produção
e Processos
de Trabalho
no Campo

Ministério
da Educação 2 Caderno Pedagógico Educandas e Educandos
ProJovem Campo - Saberes da Terra

Capa_Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_16_03_10.indd 2 05/04/2010 14:18:42


Coleção Cadernos Pedagógicos
ProJovem Campo-Saberes da Terra

Sistemas
de Produção
e Processos
de Trabalho
no Campo

Caderno Pedagógico Educandas e Educandos

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 1 08/04/2010 13:55:41


Ministério da Educação/SECAD
Esplanada dos Ministérios
Bloco L - Edifício Sede
2o andar - sala 200
Ministério CEP 70.047-900
da Educação BRASÍLIA - DF

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 2 08/04/2010 13:55:41


Coleção Cadernos Pedagógicos
ProJovem Campo-Saberes da Terra

Sistemas
de Produção
e Processos
de Trabalho
no Campo

Caderno Pedagógico Educandas e Educandos

Ministério
BRASÍLIA | DF | 2010 da Educação

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 3 08/04/2010 13:55:42


©2010. SECAD/MEC

Ministério da Educação
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Diretoria de Educação para a Diversidade
Coordenação Geral de Educação do Campo

Coordenação
Armênio Bello Schmidt
Sara de Oliveira Silva Lima
Wanessa Zavarese Sechim

Equipe Técnica Pedagógica – SECAD/MEC

Eduardo D’Albergaria de Freitas


Eduardo Góis de Oliveira
Gilson da Silva Costa
João Staub Neto
José Roberto Rodrigues de Oliveira
Lisânia de Giacometti
Michiele Morais de Medeiros Delamôra
Oscar Ferreira de Barros

Equipe Técnica Pedagógica - UFPE/NUPEP

João Francisco de Souza (In Memorian)


Zélia Granja Porto
Karla Tereza Amélia Fornari de Souza
Rigoberto Fúlvio Melo Arantes
Maria Fernanda Alencar
Almeri Freitas de Souza

Equipe Técnica Pedagógica - UFPA

Jaqueline Cunha da Serra Freire


Evandro Medeiros
Romier da Paixão Souza
Evanildo Estumano

Editoração de comunicação
Dirceu Tavares de Carvalho Lima Filho

Projeto gráfico
Adrianna Rabelo Coutinho

Ilustração
Henrique Koblitz Essinger

Revisão
Antônio Neto das Neves

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Centro de Informação e Biblioteca em Educação (CIBEC)

Sistema de produção e processos de trabalho no campo : caderno pedagógico educandas e educandos / Coordenação: Armênio Bello
Schmidt, Sara de Oliveira Silva Lima, Wanessa Zavarese Sechim. – Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2010.

168 p. il. - (Coleção Cadernos Pedagógicos do ProJovem Campo-Saberes da Terra).


ISBN 978-85-60731-63-6
1. Educação popular. 2. Agricultura familiar. 3. Educação de Jovens e Adultos. 4. Educação no Campo. I. Brasil. Ministério da Educação.
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. II. Schmidt, Armênio Bello. III. Lima, Sara de Oliveira Silva. IV. Sechim,
Wanessa Zavarese.

CDU 374.71

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 4 08/04/2010 13:55:42


Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 5 08/04/2010 13:55:42
Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 6 08/04/2010 13:55:42
7

Sumário

Carta às educandas e educandos 15

Tecendo Idéias... 17

1. Sistemas de Produção e Relações de Trabalho 19

Texto 1 - Agroecologia e a perspectiva da formação integrada 21

Texto 2 - Sistemas de Produção e Agriculturas Familiares 28

Texto 3 - Relações de Trabalho no Campo 35

2. Conhecendo os ECOSSISTEMAS onde vivemos 45

2.1 Dialogando sobre o ecossistema 46

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 7 08/04/2010 13:55:46


8

2.2. Objetivo 46

2.3. Um olhar sobre os ecossistemas no Brasil 46

2.4. Construindo um olhar sobre nossa realidade 49

2.5. Balaio de Textos 51

Texto 4 - Ecossistema 51

Texto 5 – Ecossistema - O que é ecossistema, 57


importância, componentes bióticos, ambiente

2.6. Sínteses Provisórias 62

3. Relações de Trabalho e Práticas Culturais 65


nos Estabelecimentos Familiares

3.1. Dialogando sobre as Relações de Trabalho e Práticas Cultu- 66


rais nos Estabelecimentos Familiares

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 8 08/04/2010 13:55:46


9

3.2. Objetivo 66

3.3. Um olhar sobre as Relações de Trabalho e Práticas Culturais 66

3.4. Construindo um olhar sobre nossa realidade 67

3.5. Balaio de Textos 68

Texto 6 – Introdução ao tema Trabalho 68

3.6. Sínteses Provisórias 71

4. Agroecossistemas: diálogos de saberes e experiências 73

4.1 Dialogando sobre o Agroecossistema 74

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 9 08/04/2010 13:55:49


10

4.2. Objetivos 74

4.3. Um olhar sobre o agroecossistema no Brasil 75

4.4. Construindo um olhar sobre nossa realidade 76

4.5. Balaio de Textos 78

Texto 7 – Agroecologia e Agricultura Familiar 78

Texto 8 – Resgate e valorização da sabedoria popular 82


sobre o uso de ervas medicinais no Baixo Tocantins (PA)

Texto 9 - Revalorizando as pequenas criações 86


na agricultura familiar capixaba

Texto 10 - Abelhas sem-ferrão: a biodiversidade invisível 93

Texto 11 - Cabrito ecológico da caatinga: um projeto em movimento 99


Texto 12 - Manejo comunitário de camarões de água doce 102
por ribeirinhos na Amazônia

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 10 08/04/2010 13:55:49


11

Texto 13 - Resumos do II Congresso Brasileiro de Agroecologia - 107


Agroextrativismo familiar: a consolidação
de uma alternativa sustentável para a região do Mearim

Texto 14 - Frutas nativas: de testemunhos da fome 111


a iguarias na mesa

Texto 15 - Bolsas artesanais do vale do Bajo Mayo: uma iniciativa 117


bem-sucedida de beneficiamento do algodão nativo

Texto 16 - Remando contra a corrente: Projeto Reca e a busca 119


da sustentabilidade na Amazônia

4.6. Sínteses Provisórias 123

5. Políticas Agrárias e Agrícolas 125

5.1. Dialogando sobre Políticas Agrárias e Agrícolas 126

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 11 08/04/2010 13:55:50


12

5.2. Objetivo 126

5.3. Um olhar sobre as Políticas Agrárias e Agrícolas no Brasil 126

5.4. Construindo um olhar sobre nossa realidade 129

5.5. Balaio de textos 131

Textos 17 - A Transição Agroecológica das Políticas 131


de Crédito Voltadas para a Agricultura Familiar

Textos 18 - Projetos demonstrativos e políticas públicas: 135


os desafios da invenção do presente

5.6. Sínteses Provisórias 140

6. Partilha de Saberes 143

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 12 08/04/2010 13:55:51


13

6.1. Objetivos 145

6.2. Construindo um olhar sobre nossa realidade 145

Tecendo Projetos Demonstrativos... 149

6.3. Balaio de Textos 170 151

Texto 19 - Gestão econômica da transição agroecológica – 151


ensinamentos de um caso na região centro-sul do Paraná

Texto 20 - Manejando insetos-praga com a diversificação de plantas 157

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 13 08/04/2010 13:55:51


14

Participação dos sujeitos do campo nas políticas

“O processo de formação do conhecimento humano tem estreita rela-


ção com o processo de produção e reprodução das condições efetivas
do trabalho humano. Grande parcela do conhecimento é gerada no
exercício do trabalho, toma corpo, autonomiza-se e passa, então, a se
realimentar, voltando a adequar o trabalho às necessidades e inte-
resses de quem o produziu, o homem e a mulher. A partir daí gera-se
novo ciclo de conhecimento/relações sociais e de trabalho em um
movimento de realimentação sem fim”.

José Carlos Pereira Peliano

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 14 08/04/2010 13:55:51


15

Carta
À EDUCANDA E AO EDUCANDO

públicas, fortalecendo a agricultura familiar.


Querido (a) Jovem, A educação, sob esse enfoque, quando
relacionada ao trabalho, à ciência, à tecno-
Animados pelo convite de dar continuida- logia e à vida, está estreitamente inserida
de à busca do conhecimento que brota da no contexto social e nas suas transforma-
relação dialógica entre os sujeitos educa- ções, objetivo que impulsiona ao trabalho,
tivos do campo, no processo de formação a utopia.
individual e coletiva, inicia-se uma nova
caminhada. É fundamental não perder-se Este Caderno é seu!
de vista o percurso vivido, sentido e cons-
truído até aqui, o qual nos traz a este se- Aproprie-se dele, experimente, provoque,
gundo movimento de troca e apropriação questione, problematize afinal você é o
de novos saberes. sujeito dessa história, construindo a trans-
formação da sua realidade e do mundo,
O foco do Caderno Pedagógico do Eixo Te- não esquecendo que sem a curiosidade
mático Sistemas de Produção e Processos que nos move, que nos inquieta, que nos
de Trabalho no Campo busca problemati- insere na busca, não aprendemos nem
zar o Eixo Articulador Agricultura Familiar ensinamos. A educação necessita da for-
e Sustentabilidade a partir da ênfase nos mação técnica e científica como de sonhos
Agroecossistemas. e utopias, como diz o nosso amado mestre
Paulo Freire.
Identidade, Gênero, Etnia, Educação do
Campo... Sistemas de Produção, são linhas Que possamos experienciar nessas páginas
que se cruzam, entrelaçam, expandem, ternura e pão... Sonho e realidade.
criando e recriando uma nova “trama” de
relações educativas que surgem a partir do
acontecer diário dos jovens que vivenciam
a realidade do campo. Bom percurso formativo!

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 15 08/04/2010 13:55:52


16

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 16 08/04/2010 13:55:52


17

Tecendo Idéias...
Escrever é sempre um ato de criação e partilha, envolvendo processos de
reflexão, diálogo e sistematização de idéias.

A partir das suas vivências no Programa ProJovem Campo – Saberes da


Terra, elabore um texto compartilhando questões importantes desse per-
curso, suas descobertas e perspectivas nesta nova trajetória de estudos
que se inicia aqui.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 17 08/04/2010 13:55:52


18

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 18 08/04/2010 13:55:52


19

Sistemas de Produção
e Processos de Trabalho
no Campo
1

RIZOMA
Um rizoma não começa, não encerra.
Rompido, quebrado, reconfigurado,
modificado, não importa, é fato:

Não perde a essência!

Constrói-se e se reconstrói
para além do caos em aparência,
em inter-ações de singular tessitura,
em cortes à óbvia estrutura,
um lanho sinuoso no princípio-meio-fim,
subversão da ordem, ruptura em si,
num contínuo refazer do percurso
num redesenhar corrente
de suas possibilidades existentes
[como nos vários sons do ser gente].

Rizoma... é multi, pluri, vário, diverso,


novelo sem finitude,
linha sem começo,
trançado que vira
a razão pelo avesso.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 19 08/04/2010 13:55:52


20

Aprender o mundo em rizoma


é olhar o homem pelo meio [da vida]
em seu meio [inteiro].
Com olho arguto e transversal,
sem temporalidade e espaço linear
[superar o posto verdadeiro]
[transcender o material]
compreender e repensar
num emaranhado de relações,
suas várias teias e conexões,
ramificadas de sentidos,
matizes, compassos, cenas
[palcos, atos, atores, atrizes]
e deles, escrever síntese em poemas.

Construção de saberes em rizoma


é infinita latência,
efervescência que se descobre
na prática,
na experiência
do perguntar, do dialogar, do trocar,
do recriar o criado,
na razão o avesso buscar
e não se contentar com o pronto e acabado.

É aprender
num vai e vem de idéias,
em diálogo com os possíveis
diferentes
e seus significantes,
é reescrever a si próprio
num reconhecer-se de maneira humana
e humanizante.

(Rosilene Cordeiro e Evandro Medeiros em


colaboração rizomática)

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 20 08/04/2010 13:55:56


21

Texto 1
Agroecologia e a perspectiva da formação integrada

A consciência ecológica levanta-nos um problema duma pro-


fundidade e duma vastidão extraordinárias. Temos de defron-
tar ao mesmo tempo o problema da Vida no planeta Terra, o
problema da sociedade moderna e o problema do destino do
homem. Isto nos obriga a repor em questão a própria orienta-
ção da civilização ocidental. Na aurora do terceiro milênio, é
Agroecologia no RS. Fonte MDS. preciso compreender que revolucionar, desenvolver, inventar,
sobreviver, viver, morrer, anda tudo inseparavelmente ligado.
Edgar Morin, 1994.

A agricultura embora tenha sido sempre um processo de intervenção dos


seres humanos no meio ambiente, visando à produção de alimentos, foi
somente nos últimos 100 anos que se levou às últimas conseqüências a
idéia de se controlar os fatores naturais que interferem na produção agrí-
cola (VON DER WEID, 2006).

A Ciência Agronômica, pouco a pouco, passou a interferir no crescimento


das plantas; no controle de pragas e doenças com produtos fabricados
artificialmente (Agrotóxicos); na utilização de fertilizantes químicos, trans-
formando o solo, fator primordial da agricultura desde sua origem, como
mero suporte físico das plantas; utilizando a moto-mecanização na tenta-
tiva de melhorar a capacidade de produção em larga escala.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 21 08/04/2010 13:55:59


22

A utilização de cada vez mais insumos externos ao ambiente natural, ele-


varam os custos de produção por unidade de área, necessitando assim,
da utilização de grandes áreas para produção agropecuária moderna,
aumentando ainda mais a concentração de terras.

Passados cerca de 40 anos do início do chamado processo de “moderni-


zação” da agricultura no Brasil, há evidências claras de que seus efeitos
sobre o mundo rural, em particular, e sobre a sociedade em geral foram
desastrosos. Os impactos negativos nos planos sociais e ambientais estão
substantivamente documentados1. Para muitos autores, este modelo de
1
Para aprofunda- agricultura desenvolvido ficou conhecido como modernização conserva-
mento consultar
CAPORAL & COS- dora, em função do impacto nocivo na vida de milhares de agricultores
TABEBER (2007).
familiares no país (GT-CCA/ANA, 2007). A Figura 01 sintetiza tais impactos.

FIGURA 01 – Síntese dos problemas com a Modernização da Agricultura

Os problemas com a “modernização”


• Empobrecimento da Agricultura Familiar
• Êxodo Rural
• Violência no Campo
• Produção de alimentos contaminados produzidos
por produtos tóxicos
• Degradação ambiental
• Concentração Fundiária
• A perda de recursos genéticos
• Fome, etc.
Fonte: Benjamin, 2008

Muitas críticas ao modelo hegemônico de agricultura foram geradas nos


últimos anos por um segmento expressivo da sociedade e, em particular,
por inúmeros grupos sociais do campo, que passaram a experimentar
diversas formas “alternativas” de desenvolvimento.

No final dos anos 1980 foi introduzido o conceito de Agroecologia no Bra-
sil, numa perspectiva de unificar as diversas formas de trabalho no cam-
po, com base em princípios ecológicos, sociais, econômicos, ambientais
e políticos, diferenciando-se, assim, dos até então praticados pela agri-
cultura “modernizante”. Do ponto de vista dos saberes dos agricultores e
agricultoras familiares a Agroecologia é uma prática centenária. Contudo,
em relação à Ciência a Agroecologia é muito recente.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 22 08/04/2010 13:56:04


23

A Agroecologia aqui é entendida como um enfoque científico destinado a


apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agri-
culturas convencionais, para estilos de desenvolvimento rural e de agricul-
turas sustentáveis (CAPORAL; COSTABEBER, 2002).

O movimento agroecológico esteve focado inicialmente nas tecnologias e
depois em problemas identificados a partir de leituras da realidade rural.
Portanto, os meios e as metodologias de intervenção, visando à ampliação
do enfoque agroecológico como estratégia de desenvolvimento vêm pas-
sando, eles próprios, por uma mudança gradual (FIGURA 02).

FIGURA 02 – Avanço da concepção metodológica da Agroecologia

1ª fase 2ª fase 3ª fase


Ênfase em tecnologias; Intervenções a partir da Abordagem sistêmica2;
Predomínio do conheci- leitura (diagnóstico) da Avanço da Agroecologia 2
Ver texto sobre
mento técnico; realidade e identificação de como processo social; Sistemas de Pro-
dução e Agricul-
Intervenções que seguem problemas e temas consi- Intervenções na forma de turas Familiares
a lógica da transferência derados prioritários; facilitação de processos; na pag. 23 deste
Caderno.
de saber dos técnicos para Experimentação e visão Valorização dos fluxos de
os agricultores; mais integrada das práticas saber entre os próprios
agroecológicas; agricultores.

Fonte: Adaptado de SANTOS, 2007.

Ao analisarmos os documentos e reflexões realizadas por diversas inicia-


tivas do campo agroecológico é possível visualizarmos uma diversidade
de caminhos e de escolhas feitas pelas organizações, na promoção da
Agroecologia e que, em maior ou menor grau, confirmam a tendência
expressa na Figura acima. Por se tratar de um processo dinâmico, a cons-
trução do conhecimento agroecológico avança, na medida em que são
superados e reinventados os modelos de intervenção das organizações
(SANTOS, 2007).

Concordamos com uma das premissas utilizadas pela AS-PTA (Assessoria
a Projetos e Tecnologias Alternativas), descritas por Silveira et al (2002)
sobre a ciência da Agroecologia. Esta premissa fornece os princípios,
conceituais e metodológicos, apropriados para o desenvolvimento de
inovações compatíveis com o desafio de intensificar os sistemas agrí-
colas em bases sustentáveis, contribuindo, assim, para responder às
questões referentes ao Eixo Articulador do Programa ProJovem Campo
– Saberes da Terra.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 23 08/04/2010 13:56:04


24

As propostas de intervenção, construídas para o campo a partir do


ensino moldado por uma educação de pacotes tecnológicos homoge-
neizados, traduzem uma incompatibilidade com a realidade da maioria
dos agricultores familiares (ALTIERI, 1989). Portanto, há um desafio a ser
trilhado no sentido de rever a matriz formadora de técnicos extensionis-
tas e jovens agricultores, reconstruindo diretrizes curriculares na pers-
pectiva de uma formação mais integral, que considere aspectos sociais,
culturais, políticos, ambientais e econômicos, que venham contribuir de
fato para a melhoria da qualidade de vida dos camponeses (FAVACHO &
SOUSA, 2006).

A Agroecologia se baseia no estudo sistêmico dos agroecossistemas


(ALTIERI, 1994). Seus princípios apontam caminhos que evidenciam uma
perspectiva clara de construção de uma concepção de sustentabilidade,
abrindo as portas para novas opções de manejo na agricultura e pecuária.
Para Hecht (2002) não se pode conceber a Agroecologia como uma disci-
plina científica, mas como uma nítida integração de idéias e métodos, de
vários sub-campos de conhecimento. Neste sentido, a pesquisa científica
deve tomar dimensões que incluam as mais complexas interações e dinâ-
micas, com relação aos ciclos naturais presentes nos ecossistemas.

A ciência tem suas raízes nos métodos e práticas tradicionais de manejo


produtivo dos ecossistemas, que se baseiam na valorização dos recur-
sos naturais disponíveis em cada localidade. Na Agroecologia não existe
pacote tecnológico, porque há de se levar em conta a história, a realida-
de específica de cada lugar. Ela se opõe aos processos tecnológicos do
agronegócio impostos aos camponeses, considerando que desqualifi-
cam suas sabedorias e inovações.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 24 08/04/2010 13:56:09


25

Ao se apoiar nos conhecimentos acumulados ao longo de gerações


pelos agricultores familiares, em estreita convivência com os meios
naturais em que vivem e produzem, a construção do conhecimento
agroecológico exige o estabelecimento de diálogos entre agricultores e
cientistas, através de processos participativos de experimentação local
(GT-CCA, 2005).

Neste sentido há necessidade de se estabelecer espaços de diálogos
para esta construção. A transição agroecológica pode ser uma das for-
mas de buscar esta mudança. Entendida aqui como o processo gradual
de mudança através do tempo, nas formas de manejo e gestão dos
agroecossistemas, a transição agroecológica tem como meta a passa-
gem de um sistema de produção convencional (que pode ser mais ou
menos intensivo em insumos externos) a outro sistema de produção
que incorpore princípios, métodos e tecnologias com base ecológica
(CAPORAL; COSTABEBER, 2007).

Ainda segundo Caporal & Costabeber (2007), citando Gliessman, existem


três níveis de transição agroecológica:

a) o incremento da eficiência das práticas convencionais para reduzir o uso


e o consumo de insumos caros, escassos e daninhos ao meio ambiente;

b) a substituição de insumos e práticas convencionais por práticas alternati-


vas; e

c) o redesenho do agroecossistema para que funcione com base em um


novo conjunto de processos ecológicos.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 25 08/04/2010 13:56:11


26

Pesca artesanal, Ponta de Pedras-PE. Foto Dirceu Tavares

Estas mudanças devem ser entendidas não apenas como mudanças téc-
nicas no estabelecimento familiar, mas numa perspectiva de revisão das
formas de relações sociais no campo, incluindo neste processo uma nova
concepção de sociedade onde vivemos e trabalhamos, fortalecendo assim
a agricultura familiar no país.

Como ciência integradora a Agroecologia reconhece e se nutre dos sabe-
res, conhecimentos e experiências de agricultores, dos povos indígenas,
dos povos da floresta, dos pescadores, das comunidades quilombolas,
bem como dos demais atores sociais envolvidos em processos de desen-
volvimento rural, incorporando o potencial endógeno, isto é, presente no
local (CAPORAL ET Al, 2006).

Desta forma, Agroecologia é mais que simplesmente tratar sobre o mane-
jo ecologicamente responsável dos recursos naturais, constitui-se em um
campo do conhecimento cientifico que, partindo de um enfoque holístico
e uma abordagem sistêmica, pretende contribuir para que as sociedades
repensem a perspectiva de futuro das gerações atuais e futuras, nas suas
múltiplas dimensões (CAPORAL ET AL, 2006).

Assim, a Agroecologia é enfocada no presente Caderno Pedagógico como
uma possibilidade de tecer reflexões e possibilidades de uma agricultura
familiar sustentável.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 26 08/04/2010 13:56:15


27

Referências Bibliográficas

ALTIERI, Miguel A. A base epistemológica GT-CCA/ANA. Construção do Conhecimen-
da agroecologia. In: ALTIERI, M. A, Agroe- to Agroecológico: Novos Papéis, Novas
cologia: as bases científicas da agricultura Identidades. Rio de Janeiro: GT-CCA/Articu-
alternativa. Rio de Janeiro, FASE/PTA, p. lação Nacional de Agroecologia, 2007.
43-48, 1989.
GT-CCA. Sistematização de Abordagens
ALTIERI, M A & YURJEVIC, A. A agroecolo- Metodológicas Empregadas na Promoção
gia e o desenvolvimento rural sustentável da Agroecologia. Rio de Janeiro: GT-CCA/
na América Latina. Agroecologia e desen- ANA, 2005.
volvimento. Rio de Janeiro: CLADES/AS-
PTA, 1994. HECHT, S. B. A evolução do pensamento
agroecológico. In: ALTIERI, M. A, Agroeco-
BENJAMIN, Aldrin. Agroecologia. Apresen- logia; as bases cientificas para uma agricul-
tação no Mini-Curso em Agroecologia na tura sustentável. Rio de Janeiro, FASE/PTA,
EAFC-PA. Belém: GTNA, 2008 (meio digital). 2002.

CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroe- MORIN, E. Introdución al pessamiento


cologia: enfoque científico e estratégico complejo. Barcelona: Gedisa, 1994.
para apoiar o desenvolvimento rural sus-
tentável. Porto Alegre: EMATER/RS, 2002. SANTOS, Ailton Dias dos. Construção do
conhecimento agroecológico: síntese de
_______________________. Agroecologia dez experiências desenvolvidas por orga-
e Extensão Rural: contribuições para a nizações vinculadas à Articulação Nacional
promoção do desenvolvimento rural sus- de Agroecologia. IN: GT-CCA/ANA. Cons-
tentável. Brasília, MDA/SAF/DATER – 2007. trução do Conhecimento Agroecológico:
Novos Papéis, Novas Identidades. Rio de
CAPORAL, Francisco Roberto; COSTABEBER, Janeiro: GT-CCA/Articulação Nacional de
José A.; PAULUS, Gervásio. Agroecologia: Agroecologia, 2007.
matriz disciplinar ou novo paradigma para
o desenvolvimento rural sustentável. Bra- SILVEIRA, Luciano; PETERSEN, Paulo; SA-
sília: SAF/MDA, 2006. BOURIN, Eric. Agricultura Familiar e Agroe-
cologia no semi-árido: avanços a partir do
FAVACHO, Fernando Sarmento; SOUSA, Agreste da Paraíba. Rio de Janeiro: ASPTA,
Romier da P. A formação Profissional de 2002.
Técnico em Agropecuária com ênfase em
Agroecologia: Atualidade e Desafios da VON DER WEID, Jean Marc. Desenvolvi-
Escola Agrotécnica Federal de Castanhal mento Agroecológico: como promove-lo?.
– Pará. Belém: NEAF/UFPA, 2006 (Textos Disponível em www.mda.gov.br. Acesso em
do NEAF nº 17). 25 de maio de 2006.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 27 08/04/2010 13:56:15


28

Texto 2
Sistemas de produção e agriculturas familiares
Antonio Carlos é
3

Técnico de Exten-
A grande dificuldade, ainda é o pessoal entender a integração do siste-
são Rural. Trabalha ma de produção como um todo. Quando eles vêem um trabalho nosso
na COOPATIORO que é a Apicultura dar certo, querem trabalhar só apicultura, não vêm
(Cooperativa de que isso está integrado dentro do sistema conjunto. Então essa ainda é
Serviços e Apoio
ao Desenvolvi-
a grande dificuldade do sistema convencional: se eu crio abelhas, obri-
mento Humano gatoriamente vai ser apicultor. Se eu crio peixe, vai ser agora piscicul-
e Sustentável tor. E a filosofia não é essa. A idéia é entender a integração do sistema
Atiorô). de produção vendo a importância da segurança alimentar... A filosofia
4
Vídeo educativo
é que no seu lote, você tenha apicultura, tenha piscicultura, mas que
produzido pelo sejam atividades que ao todo elas se integram e que você seja agricul-
GTNA (Grupo de tor familiar e não irresponsável que trabalhe só com um ramo, dentro
Assessoria em da lógica da monocultura.
Agroecologia
na Amazônia),
intitulado Banco
(Antônio Carlos, Técnico em Agropecuária no município de Conceição
de Assessores. do Araguaia/Pará)
Utilizaremos
5

o conceito de
INRA-SAD (1998)
para caracterizar
família-estabe-
lecimento, como
sendo “o conjunto O fragmento da intervenção de Antônio Carlos3 no vídeo4 é significativo para
constituído pelo
agricultor e a introdução da discussão sobre Sistemas de Produção e Agriculturas Familia-
pela agricultora, res.
sua família e o
estabelecimento.
Este conceito
permite estudar o
O Técnico traz na sua fala uma reflexão importante sobre a forma como os
funcionamento do agricultores familiares muitas vezes vão sendo organizados, a partir de uma
estabelecimento,
integrando a famí- lógica de mercado, no sentido da especialização do seu sistema produtivo.
lia do agricultor e
agricultora e seus
planos. É muito comum utilizar-se o termo sistema de produção para designar os
plantios ou criações no sistema família-estabelecimento5, de maneira frag-
mentada, conforme demonstra Antônio Carlos. Esta maneira de definir os sis-
temas de produção o simplifica e reduz a apenas uma parte do conjunto do
qual o mesmo é constituído. Tal lógica explicativa está baseada no paradigma
6
Aristóteles (384
a.C. - 322 a.C.).
predominante em nossa sociedade atual, denominado de mecanicista.
Filósofo grego,
discípulo de
Platão, é consi- Nos séculos XVI e XVII, a visão teológica de mundo, predominante no perí-
derado um dos odo medieval, baseada na filosofia aristotélica6, sofreu profundas transfor-
maiores pensa-
dores de todos os mações. A noção de universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela
tempos e criador noção do mundo como uma máquina, e a máquina do mundo tornou-se a
do pensamento
lógico. metáfora dominante da era moderna.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 28 08/04/2010 13:56:15


29

7
Nicolau Copérnico Essa mudança radical foi realizada pelas novas descobertas nas ciências,
(1473-1543), astrô-
nomo e matemá-
em particular na física e na matemática, conhecida como Revolução
tico polonês que Científica e associadas aos nomes de Copérnico, Galileu, Descartes, Ba-
desenvolveu a teoria
heliocêntrica do Sis- con e Newton, cientistas e filósofos deste período7. Considerado o “pai
tema Solar; Galileu da ciência moderna”, Galileu Galilei concebeu a ciência como o estudo
Galilei (1564-1642),
físico, matemático, dos fenômenos que podiam ser medidos e quantificados. (CHAUÍ, 1997)
astrônomo e filósofo
italiano que teve um
papel prepoderante René Descartes criou o método cartesiano que sinteticamente con-
na Revolução cien-
tífica; Francis Bacon
siste num pensamento analítico que concebe dividir fenômenos
(1561-1626), político, complexos em fragmentos, a fim de compreender o comportamento
filósofo e ensaísta in-
glês; René Descartes
do todo a partir das propriedades das suas partes, em que as tarefas
(1596-1650), filósofo, básicas são verificar, analisar, sintetizar e enumerar.
físico e matemá-
tico francês; Isaac
Newton (1643-1727), O arquétipo conceptual criado por Galileu e Descartes - o mundo como
cientista inglês, mais
reconhecido como uma máquina perfeita, governada por leis matemáticas exatas - foi
físico e matemático,
embora tenha sido
completado por Isaac Newton, cuja grande síntese, a chamada mecâ-
também astrônomo, nica newtoniana, orientou a ciência ocidental moderna do século XVII
alquimista e filósofo
natural.
(CAPRA, 1996).

A ênfase nas partes tem sido o, de holística, organísmica ou ecológica.


chamada de mecanicista, reducionista ou atomística; a ênfase no todo.

Isaac Newton -
Nicolau Copérnico - Galileu Galilei - cientista inglês, mais
astrônomo e físico, matemático, reconhecido como físico
matemático polonês astrônomo e filósofo e matemático, embora
que desenvolveu italiano que teve um papel tenha sido também
a teoria heliocêntrica prepoderante na astrônomo, alquimista
do Sistema Solar Revolução científica e filósofo natural.

(384 a.C. - 322 a.C.). (1561-1626) (1596-1650)

(1473-1543) (1564-1642) (1643-1727)

Aristóteles - Francis Bacon - René Descartes -


Filósofo grego, discípulo político, filósofo filósofo, físico
de Platão, é considerado e ensaísta inglês e matemático
um dos maiores pensadores francês;
de todos os tempos
e criador do pensamento
lógico.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 29 08/04/2010 13:56:19


30

8
A Psicologia da forma Na ciência do século XX, a perspectiva holística
ou Gestaltismo ou
psicologia da gestalt,
tornou-se conhecida como sistêmica e a maneira
é um dos muito ramos de pensar que ela implica passou a ser conhecida
da Psicologia. Desen-
volveu-se a partir de
como “pensamento sistêmico”. Uma distinção
1912, pela necessi- entre o que é uma visão holística (interesse pelo
dade da existência
de uma teoria que todo) e uma visão sistêmica (interesse pelo todo,
salientasse sobretudo pelas partes e pela relação entre as partes e o
o aspecto global da
realidade psicológica, todo) fica claro em Capra (1999), entre outros au-
não esquecendo o tores.
valor e a necessidade
da experimentação
científica.
Os pioneiros do pensamento sistêmico foram os
biólogos, que enfatizavam a concepção dos orga-
nismos vivos como totalidades integradas. Poste-
riormente, enriquecido pela corrente da Psicolo-
gia, a Gestalt8, e pela nova ciência – a Ecologia.

Ecologia vem do grego oikos, que


significa morada, e de lo-
gos, que significa ciência. É uma ciência que pode
sinteticamente ser definida como o
estudo das complexas inter-relações
entre os organismos e o seu meio,
assim concebido por Ernest Haeckel
em 1870, conhecido como o “pai da
ecologia”.

O pensamento sistêmico busca explicar os fenô-


menos considerando o seu contexto, ou seja, expli-
cá-los considerando o meio ambiente. Neste sen-
tido, pode-se dizer que o pensamento sistêmico
se ancora no entendimento da totalidade do meio
ambiente onde vivemos.

A crença, segundo a qual em todo sistema comple-


xo o comportamento do todo pode ser entendido
inteiramente a partir das propriedades de suas
partes, é fundamental no paradigma cartesiano,
base do mecanicismo. Essa abordagem analítica,
reducionista, requer para o entendimento redu-
ções contínuas sem preocupar-se com a sua con-
textualização, com o todo ao qual pertencem.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 30 08/04/2010 13:56:29


31

O Sistemismo, por outro lado, para Capra (1999) “repre-


sentou uma profunda revolução na história do pensamen-
to cientifico ocidental”. No pensamento sistêmico, para se
entender os fenômenos da natureza e suas transforma-
ções pelos seres humanos, é necessário entendê-la num
determinado contexto maior, ou seja, como componente
de um sistema maior. A Figura 1 é demonstrativa dessas
formas de pensamento e de conceber o meio.

Esta perspectiva de ver a realidade a partir de uma vi-


são contextualizada e histórica foi trabalhada por muitos
teóricos, buscando explicar os sistemas de produção da
agricultura familiar9. Sugiram assim os sistemas agrários,
9
Ver ALBALADEJO entendidos como um modo de exploração do meio histo-
(2000); SIMÕES
(2003).
ricamente constituído, um sistema de forças de produção,
um sistema técnico adaptado às condições bioclimáticas
de um espaço determinado, que responde às condições e
às necessidades sociais do momento (MAZOYER, 1987).

SILVA NETO (2005) desenvolve uma reflexão sobre os sis-


temas agrários com base na abordagem sistêmica numa
perspectiva histórica e da diferenciação da agricultura. O
referido autor propõe uma divisão dos sistemas agrários
em dois conjuntos: os agroecossistemas e o sistema social
produtivo.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 31 08/04/2010 13:56:30


32

Sistema de Cultivo Os agroecossistemas, ou ecossistemas cul-


tivados, correspondem às formas como se
organizam os constituintes físicos, quími-
cos e biológicos de um sistema agrário. Um
agroecossistema corresponde às modifica-
ções impostas aos ecossistemas naturais,
para que a sociedade humana nele insta-
lada obtenha produtos de seu interesse.
Portanto, um agroecossistema é um ecos-
sistema historicamente construído através
da sua exploração e da sua renovação pela
sociedade (SILVA NETO, 2005).

O sistema social produtivo, por sua vez,


corresponde aos aspectos técnicos, eco-
nômicos e sociais de um sistema agrário.
Produção de cenoura agroecológica.
Fonte www. jie.itaipu.gov O sistema social produtivo constitui-se de
um conjunto de unidades de produção,
Sistema de Criação
caracterizadas pela categoria social dos
agricultores e pelos sistemas de produção
por eles praticados.

A grande variabilidade dos processos eco-


lógicos na produção agrícola e sua forte
inter-relação com os fatores sociais, cul-
turais, políticos e econômicos fazem com
que os agroecossistemas se diferenciem
localmente (SILVEIRA et al., 2002). Neste
sentido, torna-se indispensável o estu-
do dos estabelecimentos familiares para
entender as dinâmicas dos sistemas de
criação de gado. Fonte MDS.
produção nos municípios onde o Programa
ProJovem Campo – Saberes da Terra está
Sistema de beneficiamento de Farinha presente.

No Texto Agricultura Familiar: história,


diversidade e autonomia constante no
Caderno do Eixo Temático Agricultura Fa-
miliar: Identidade, Cultura, Gênero e Etnia,
o conceito de agricultura familiar baseia-se
na estreita relação família-estabelecimento
(SOUSA et al., 2008). Daí a necessidade de
pesquisar sobre os sistemas de produção
numa perspectiva histórica, tendo como
centro da unidade de produção a família e
as relações de trabalho na transformação
Tecnico do governo venezuelano observa tecnica tradiconal
www.ma.gov dos ecossistemas naturais.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 32 08/04/2010 13:56:33


33

Neste contexto, o sistema de produção


pode ser definido como uma combinação
(no tempo e no espaço) dos recursos dis-
poníveis para a obtenção das produções
vegetais e animais. Ele pode também ser
concebido como uma combinação mais ou
menos coerente de diversos subsistemas
produtivos: os sistemas de cultivos cultu-
rais; os sistemas de criação; os sistemas
de processamento ou beneficiamento dos
produtos agrícolas no estabelecimento;
os produtos extraídos dos ecossistemas
naturais, como caça, pesca, frutas, resinas,
http://fotohugo.blogspot.com Caça etc.; as atividades anexas ou não-agrícolas
(DUFUMIER, 1996).

Esses SUBSISTEMAS formam um SISTEMA


Caça DE PRODUÇÃO de um estabelecimento
como se fosse um “TIPO IDEAL”. Na prática
http://fotohugo.blogspot.com/2007/02/ndios-aw-guaj.html
cada sistema se diferencia, em função, das
características do contexto sociocultural
das famílias.

Como construir conhecimentos sobre os


sistemas de produção da Agricultura Fa-
miliar? Como estudá-los, contextualizando
historicamente as formas de transformação
dos ecossistemas em Agroecossistemas?
Como pensar a melhoria das condições
atuais dos sistemas de produção dos/as
educandos/as a partir de uma abordagem
http://www.ipam.org.br/ Pesca que leve em conta as dimensões sociais,
econômicas, culturais, políticas e ambien-
Pesca
tais? Essas e outras questões objetivam
http://www.ipam.org.br/web/programas/manejo/manejo_clip_image002.jpg
inspirar os sujeitos educativos no momen-
to de estudar este caderno do Programa
ProJovem Campo – Saberes da Terra.

(Sugestão de inserir fotos de diferentes


subsistemas como foi definido por Du-
fumier (1996): sistemas de cultivos; os
sistemas de criação; os sistemas de proces-
samento ou beneficiamento dos produtos
agrícolas no estabelecimento; os produtos
extraídos dos ecossistemas naturais, como
caça, pesca, frutas, resinas, etc.; as ativida-
http://www.sct.embrapa.br
Coleta do açaí des anexas ou não-agrícolas)

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 33 08/04/2010 13:56:33


34

Referências Bibliográficas

ALBALADEJO, Chistophe. O Diálogo para interação entre os


saberes dos agricultores e os saberes dos técnicos: uma
utopia necessária.

IN: HEBETTE, Jean; NAVEGANTES, Raul. CAT - Ano décimo:


etnografia de uma utopia. Belém: UFPA/CAT, 2000

CAPRA, A. Teia da Vida: uma nova compreensão cien-


tífica dos sistemas vivos. Tradução Newton Roberval
Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996. 256 p. Título Origi-
nal: the web of life: a new scientific understanding of
living systems.

CAPRA, F. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e


a cultura emergente. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1999.

DUFUMIER, M. Les projets de développement agricole.


Paris: Karthala et CTA, 1996.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. SãoPaulo: Ática,
1997.

INRA SAD. (Org.). Gestion des exploitations agricoles


et des ressources rurales. Paris: INRA-SAD, 1998.

MAZOYER, M. Rapport de synthèse, Colloque “Dynami-


que des systèmes agraires”. Paris, 1987. (datilografa-
do).

SILVA NETO, Benedito; BASSO, David (orgs). Sistemas


agrários do Rio Grande do Sul: análise e recomendações
de políticas. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005. 312 p.

SILVEIRA, Luciano; PETERSEN, Paulo; SABOURIN, Eric.


Agricultura Familiar e Agroecologia no semi-árido:
avanços a partir do Agreste da Paraíba. Rio de Janeiro: ASP-
TA, 2002

SIMÕES, Aquiles (Org.) . Coleta Amazônica: iniciativas


em pesquisa, formação e apoio ao desenvolvimen-
to rural sustentavel na Amazônia. Belém: UFPA/CA/
NEAF:SBSP, 2003. v. 500. 326 p.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 34 08/04/2010 13:56:33


35

Texto 3
Relações de Trabalho no Campo

“A aranha realiza operações que lembram o


tecelão, e as caixas suspensas que as abelhas
constroem envergonham o trabalho de mui-
tos arquitetos. Mas até mesmo o pior dos
arquitetos difere de início da mais hábil das
abelhas, pelo fato de que antes de fazer uma
caixa de madeira, ele já a construiu men-
talmente. No final do processo do trabalho,
ele obtém um resultado que já existia em
sua mente antes de começar a construção.
O arquiteto não só modifica a forma que lhe
foi dada pela natureza como também reali-
za um plano que lhe é próprio, definindo os
meios, e o caráter da atividade aos quais ele
deve subordinar sua vontade.”

(Karl Marx, O Capital, 1968)

Karl Marx, nascido em 25 de maio de 1818 em


Treir, na Alemanha, e falecido 1883 em Lon-
dres, Inglaterra, foi um dos mais importantes
intelectuais da humanidade no campo das ci-
ências humanas e sociais. Economista, Soció-
logo e Filósofo, Marx se destaca ainda atual-
mente pela genialidade e vastidão de sua obra, sendo O Capital
uma das obras mais conhecidas e importantes.

Karl Marx, em sua obra Contribuição à Crítica da Econo-


mia Política inicia afirmando que os indivíduos só produ-
zem em sociedade, por isso a produção é feita por indiví-
duos sociais (MARX, 1968).

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 35 08/04/2010 13:56:44


36

Agricultura familiar no Rio Grande do Sul. Fonte MDS

Como a sociedade é dinâmica, isto é, está sempre se modificando, a pro-


dução também deve ser entendida como algo dinâmico. Por isso quando
se fala da produção é importante precisar: em que grau de desenvolvi-
mento social ela está ocorrendo, ou seja, em que momento histórico ela
está situada; qual o nível de desenvolvimento dos instrumentos e técnicas
de produção; quais as relações sociais que os diferentes indivíduos estabe-
lecem entre si.

Nessa perspectiva, Marx concorda que existem alguns elementos comuns à


produção de todas as épocas, o que configuraria uma “produção em geral”.

Essa abordagem sendo trazida para o contexto da agricultura pode-se di-


zer que, em qualquer tempo na história, a produção vegetal começa com
as mesmas características: o preparo do solo e a semeadura.

Aliás, é essa capacidade de realizar um trabalho consciente, ou seja, de pla-


nejar e imaginar previamente aonde quer chegar com seu trabalho, que tipo
de objeto quer produzir, que faz a diferença entre os seres humanos e os
animais (ANTUNES, 2004). Foi por isso que Marx afirmou que não se pode
comparar ”o pior arquiteto com a melhor das abelhas”, pois o arquiteto faz
um trabalho consciente, enquanto a abelha faz um trabalho instintivo.

Se o conceito de ”produção em geral”, no entanto, é importante para


evidenciar certos traços comuns a todas as épocas, ela também é uma
abstração, pois justamente deixa de mostrar o que há de concreto na pro-
dução de cada momento histórico.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 36 08/04/2010 13:56:48


37

Retomando o exemplo da agricultura: se é certo afirmar que a produção


vegetal começa com o preparo do solo e com a semeadura, não podemos
ignorar que existe uma grande diferença entre realizar essas operações
utilizando o fogo e a semeadura manual e usar grandes tratores, arados,
grades e semeadouras mecânicas.

Da mesma forma, existe grande diferença entre uma família de agricultores


realizar essas operações para produzir para si, em sua própria terra, e uma
equipe fazer esse trabalho nas terras de outros, em troca de um salário. Por
isso, para entender a produção social, temos que compreender como são os
processos e as condições que predominam naquele momento histórico, mas
também, como elas são no caso específico que está em análise.

É oportuno, no bojo dessas reflexões, recorrer mais uma vez a Marx


(1968), que chama atenção para a questão da propriedade. É certo que,
de uma maneira geral, toda produção pressupõe apropriação da natureza,
por isso propriedade (apropriação) é uma condição da produção. Mas,
pensando historicamente, não podemos achar que toda forma de proprie-
dade seja a que predomina hoje, ou seja, a propriedade privada.

Em outras épocas, predominaram diferentes formas de propriedade co-


munais, familiares, etc. e ainda hoje essas formas de propriedade existem,
tributárias da resistência e das lutas dos indígenas e dos diversos tipos de
agricultores familiares, pela manutenção de suas terras tradicionalmente
ocupadas ou pela conquista de novas terras.

A propriedade privada, no entanto, é a forma que se consolidou e predo-


minou com o capitalismo. O mais importante de se observar, quando hou-

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 37 08/04/2010 13:56:50


38

Trabalhador em Canavial. www.sescsp.org.br

Trabalhador
ve uma generalização emdeCanavial
dessa forma propriedade, é que, ao garantir que
Fonte:http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_
alguns sejam proprietários de tudo o que dá condições de produzir (terra,
instrumentos de trabalho, matérias-primas, conhecimentos científicos,
sesc/pb/Images/6engenho346.jpg
dinheiro), muitas outras pessoas ficaram sem condições de produzir por
conta própria. Esses só tiveram uma opção: passaram a vender sua força
de trabalho em troca de um salário, estabelecendo assim, nesse momen-
to da história, a predominância das relações de trabalho assalariadas, que
são típicas do capitalismo10.
10
No caso do Bra-
sil, ver Garcia Jr., Marx chama a atenção para o longo período entre os séculos XVI e XVIII, na
Afrânio Raul. Terra
de Trabalho. Rio
Europa, quando se deu um processo de divisão da sociedade em classes, ou
de Janeiro: Paz e seja, aquelas classes possuidoras dos meios de produção, que passariam a
Terra, 1983
ter condições de viver não mais de seu próprio trabalho, mas da exploração
do trabalho daquelas classes que não teriam mais condições de viver do
próprio trabalho, pois não tinham mais a propriedade dos meios de produ-
ção, e que deveriam passar a vender sua força de trabalho para outros.

Esse período, que Marx (1968) chama de fase da acumulação primitiva,


não ocorreu naturalmente. Ao contrário, essa separação só pôde ocorrer
através de mecanismos violentos de expropriação das terras dos campo-
neses europeus. Uma vez ‘sem-terra’, esses camponeses não tinham mais
condições de produzir para eles mesmos, tendo que passar para a condi-
ção de assalariados.

Fora da Europa, por exemplo, na colonização da América, não havia con-


dições de se fazer a mesma coisa, ou seja, separar os trabalhadores da
terra, pois existiam muitas terras livres. Foi por isso que, nesse caso, o
capitalismo europeu nascente re-inventou a escravidão, trazendo milhões

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 38 08/04/2010 13:56:50


39

Taguatinga (DF) - Massae Watanabe, pioneira na agricultura orgânica


Foto Antônio CruzABr - www.agenciabrasil.gov.br

de africanos para serem escravos neste continente, inclusive no Brasil,


como a história demonstra. Ou seja, já que os capitalistas não conseguiam
‘aprisionar’ as terras, tinham que ‘aprisionar’ os trabalhadores.

Chesnay & Serfati (2003), acrescentam que essa forma de acumulação


mantém-se até hoje, por meio da expropriação dos camponeses, em pro-
veito de formas concentradas de exploração da terra, como os grandes
desmatamentos, as grandes plantações, a pecuária extensiva, etc. Essas
atividades produtivas estão direcionadas à exportação para os países ca-
pitalistas centrais, configurando uma acumulação primitiva permanente e
uma forte associação entre a questão social e a questão ecológica.

Esses autores mostram que o capital só se interessa por um recurso natural se


ele puder ser ‘multiplicado’, produzido com lucro ou gerar renda, em função
da sua apropriação privada e/ou controle do seu acesso. Por isso, do ponto
de vista social, a expropriação das formas familiares e comunitárias de pro-
dução no campo têm, na sua raiz, a busca, tanto da apropriação privada da
natureza, como da eliminação do controle pelos produtores diretos de suas
condições de produção, transformando-os em força de trabalho assalariada.

Por isso, pode-se dizer que as diferentes formas que representam a produ-
ção familiar no campo possuem em comum, tanto uma luta de resistência
11
Ver Garcia Jr., à expropriação (luta social), como uma luta por manter uma forma distinta
Afrânio Raul. Terra
de Trabalho. Rio de relacionamento com a natureza (luta ecológica).
de Janeiro : Paz
e Terra. Especial-
mente o capítulo Essa dupla resistência no campo – social e ecológica – está diretamente li-
2: Trabalho Fami- gada às relações de trabalho que ela permite estabelecer, ou seja, a busca
liar no Roçado,
1983. da permanência das relações comunitárias e/ou familiares de produção11.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 39 08/04/2010 13:56:59


40

Plano de Desenv. Rural de Maracanaú - www.maracanau.ce.gov

A conquista da terra e do território permite à família e/ou à comunidade


trabalhar para si própria, sem precisar vender sua força de trabalho. Ao
poder trabalhar para si própria, essa família/comunidade pode colocar no
centro de suas preocupações a sua própria reprodução, diferenciando-se
da empresa capitalista, que coloca no centro de suas preocupações a bus-
ca do máximo lucro possível. Dessa forma, enquanto a empresa capitalista
super-explora o trabalhador e a natureza para maximizar seu lucro, a agri-
cultura familiar pode organizar o trabalho de modo mais sustentável para
a família e para a própria natureza.

No início do século XX, um economista russo chamado Alexander Chayanov,


estudou a fundo a centralidade do trabalho familiar na organização dos es-
tabelecimentos camponeses de seu país. Chayanov (1974) chegou a formu-
lar uma teoria que mostrava que a decisão da família de como organizar sua
produção era influenciada, por um lado, pelas necessidades de consumo
daquela família e, por outro, pelo esforço que representava o trabalho ne-
cessário para se atingir aquela produção. Dessa forma, esse autor mostrou
que a reprodução da família e não a busca do lucro máximo está no cerne
da racionalidade dos estabelecimentos familiares no campo.

Por isso, a agricultura familiar procura sempre otimizar o trabalho da famí-


lia, para garantir da melhor forma a satisfação de suas necessidades. Não
é como no caso do trabalho assalariado, em que o comprador da força de
trabalho procura explorar ao máximo a mercadoria que ele comprou, ou
seja, a capacidade de trabalho do trabalhador.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 40 08/04/2010 13:57:00


41

Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAFMDA) financia cerca de 5 mil agricul-
tores familiares da agricultua organica - www.mda.gov.br
12
WOORTMANN, A família tende a organizar e a distribuir as tarefas produtivas, de maneira
Ellen F. & WO- a melhor aproveitar as potencialidades de todos os seus membros e a mi-
ORTMANN, Klaas.
O Trabalho da nimizar seus esforços. Por isso, há uma tendência da agricultura familiar
terra: a lógica e a
simbólica da La-
para diversificar mais as atividades produtivas, para melhor distribuir o
voura camponesa. trabalho da família ao longo do ano. Com isso, ela apresenta também uma
Brasília: Edunb,
1997. possibilidade de ser mais sustentável do ponto de vista ecológico12.

Costa (2005) concorda com essa noção de que o estabelecimento fami-


liar apresenta um caráter indissociável entre a esfera da produção e do
consumo, associado a um balanço entre as necessidades da família e a
sua disponibilidade interna de trabalho, e também concorda que isso o
diferencia das estruturas produtivas capitalistas. No entanto, esse autor
chama a atenção de que, embora essa racionalidade interna do estabe-
lecimento familiar seja diferenciada, este se reproduz na realidade social
do capitalismo. Enfim, na relação com a sociedade mais geral, o estabele-
cimento familiar pode encontrar situações mais ou menos favoráveis que
tensionam sua capacidade de se reproduzir.

Esse tensionamento significa que sempre há um risco da agricultura fa-


miliar perder sua capacidade de produzir de maneira relativamente au-
tônoma. Isso pode implicar na perda total dos seus meios de produção,
transformando os membros da família em trabalhadores assalariados no
campo ou na cidade ou ainda a perda parcial de sua capacidade, manten-

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 41 08/04/2010 13:57:05


42

13
Tudo isto do-se em seu estabelecimento, mas produzindo de maneira totalmente
está no bojo da
discussão das
subordinada à lógica de produção capitalista13.
possibilidades do
campesinato se
manter na socie-
Por isso, os desafios de aprimoramento dos sistemas de produção familia-
dade capitalista. res e sua comercialização são importantes, pois significam uma forma de
Estudos já mos-
traram que eles se luta pela garantia de seu caráter relativamente autônomo de trabalho. Ao
transformam, mas mesmo tempo, também são fundamentais as demais formas de luta da
se mantêm no
mundo capitalista. agricultura familiar pela transformação das condições mais gerais de pro-
As possibilidades dução e comercialização, como a luta pela reforma agrária e por acesso
de transformação
do campesinato àquelas políticas públicas que ajudam a construir um ambiente econômi-
no Brasil parece
bastante ampla.
co e social mais favorável à sua (re)existência.
É importante
enfatizar que esse
processo tem par- O que se quer reforçar com essas reflexões é que não se pode compreen-
ticularidades de der a agricultura familiar atual isolada da realidade social do capitalismo,
acordo com cada
região do país. O onde predominam determinadas relações sociais de propriedade e de
conjunto de fato- trabalho, que tensionam a própria existência da agricultura familiar. Ao
res pode produzir
efeitos diferentes mesmo tempo, não se podem fazer generalizações tão amplas, como se
em função das
características da
todas as relações de propriedade e de trabalho fossem semelhantes.
organização da
sociedade local.

Meu avô para pagar Quando a família


os custos do sítio, Eu prefiro ganhar
precisar, pode ser
trabalhava três dias como menos, mas não trabalho
necessário trabalhar
empregado dos outros para os outros, por que
um tempo pros outros.
e quatro para o apurado não gosto de ter alguém
Não é Beto?
da nossa família. mandando em mim.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 42 08/04/2010 13:57:05


43

A agricultura familiar, em toda a sua diversidade, é um bom exemplo


disso. Em que medida as relações de trabalho na agricultura familiar se
diferenciam das relações assalariadas típicas do período histórico atual?
Que implicações isso tem para a forma como se produz e para como se
distribui o que se produziu? Que efeitos isso traz para a relação com a
natureza? Como a agricultura familiar pode manter suas especificidades
e se fortalecer? São questões que entendemos como orientadoras da for-
mação e construção de conhecimentos neste Eixo Temático.

Referências Bibliográficas

ANTUNES, R. (org). A Dialética do Trabalho. São Paulo: Expressão


Popular. 2004.

CHAYANOV, A. V. La organización de la unidad económica campesina.


Buenos Aires:Nueva Visión, 1974.

CHESNAIS, F. e SERFATI, C. ““Ecologia” e condições físicas de reprodução


social: alguns fios condutores marxistas”. Revista Crítica Marxista. São
Paulo: Boitempo Editorial, número 16 -2003.

COSTA, Rogério. Por um novo conceito de comunidade: redes


sociais, comunidades pessoas, inteligência competitiva. Interface -
Comunicação, Saúde e Educação, v.9, n.17, p.235-48, mar./ago. 2005.

MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1968.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 43 08/04/2010 13:57:06


44

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 44 08/04/2010 13:57:06


45

2
Conhecendo
os ECOSSISTEMAS
onde vivemos

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 45 08/04/2010 13:57:09


46

2.1. Dialogando sobre o Ecossistema


“Transformar a prática de sala de aula numa prática dialógica
Significa dar voz aos alunos e alunas, não apenas para que
reproduzam as ‘respostas certas’do professor ou da professora,
Mas que expressem sua própria visão de mundo,
sua própria voz” .
( MORTIMER, 1998, P. 115) 14

Nossa vida não pode ser pensada fora do espaço de


relações que criamos ou que nos acolheu. Esse espaço não
é apenas uma realização humana, mas também natural, 14
MORTIMER,
E.F.; SCOTT, P.
isso significa que antes de ocuparmos e vivermos em um Atividades discur-
dado lugar já existe no mesmo diversas outras relações sivas nas salas de
aula de ciências:
– entre os seres vivos e o meio que não podemos ignorar, uma ferramenta
afinal, na medida em que nos apropriamos de um dado sociocultural para
analisar e planejar
espaço, construindo nossas casas, roçando, plantando, o ensino. Investi-
gações no ensino
colhendo, transformando, estaremos alterando todo um de ciências 3. Uni-
conjunto de relações e que dizem respeito diretamente a versidade Federal
do Rio Grande do
nós, seja pela nossa responsabilidade em manter nosso Sul: Porto Alegre,
próprio lugar, seja porque o modo como agimos nele terá 2002.

consequências sobre nós.

Para compreender melhor esta dinâmica – entre natureza


e seres humanos, nos dedicaremos a estudar este espaço
onde a vida, inclusive a nossa, irá se produzir e reproduzir:
o ecossistema.

2.2. Objetivo
Compreender os ecossistemas dos estabelecimentos
familiares, das localidades e das comunidades, suas
características biofísicas (clima, solo, cobertura vegetal,
fauna) e as transformações provocadas pela ação humana.

2.3. Um olhar sobre os ecossistemas


no Brasil
Os Ecossistemas brasileiros são vários, vivenciados

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 46 08/04/2010 13:57:09


47

e representados de diversas formas. A seguir temos representações


diferentes de alguns destes ecossistemas.

Preceitos ecológicos do Padre Cícero de Juazeiro do Norte

• Não derrube o mato, nem mesmo um só pé de pau...

• Não toque fogo no roçado nem na caatinga...

• Não cace mais e deixe os bichos viverem...

• Não crie o boi nem o bode soltos; faça cercados com pastos, plantando:
palma, leucena e muitos outros, e deixe o pasto descansar para se refazer...

• Não plante de serra acima nem faça roçado em ladeira muito em pé,
deixe o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se
perca sua riqueza...

• Aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a


favela e a jurema, elas podem ajudar você a conviver com a seca...

• Se o sertanejo obedecer estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando,


o gado melhorando e o povo terá sempre o que comer... mas se não
obedecer, dentro de pouco tempo, o sertão todo vai virar um deserto só...
Fonte: (bp2.blogger.com/.../s200/PB374cordel.jpg in http://fuleiragem.typepad.com/ de
Gorete, de João Passoa)

Mapa da Mata Atlântica

http://static.hsw.com.br/gif/mata-atlantica-mapa.jpg

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 47 08/04/2010 13:57:09


48

Boi Caprichoso - Amazonas do Nosso Amor_2005


(by Chiba/Simão Assayag)

O estridor dos ventos era tudo que se ouvia neste chão


A selva era como um grande lar
E os filhos do sol em harmonia viviam livremente
Na floresta nua
Os deuses encantados suplicavam ao senhor da criação
Não deixe dizimarem esse meu chão

Mas o nativo defensor com bravura resistiu


Contra a força do arcabuz por um futuro mais feliz
E me deixaram esse manto verdejante que floriu
Danças,e crenças,ritos,lendas e canções
Refugio e encontro de raças
Vasta liberdade onde a vida é mais feliz
(...)
Amazônia de mistério, seus encantos, meu cantar
Labirinto que envolve o pescador
Amazonas nosso amor
Minha estrela,meu lugar
Teu cenário embeleza o meu Brasil

Fonte: http://portalamazonia.globo.com/letrasdemusica.
php?idM=1848

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 48 08/04/2010 13:57:10


49

Ecossistema E você, como representaria o seu Ecossistema?

2.4. Construindo um olhar sobre nossa realidade


Educação é um encontro com o mundo, com seus problemas e belezas,
com sua vida e desigualdades, com suas certezas e dúvidas, portanto,
não se realiza apenas no espaço escolar, mas no seu dia-a-dia, onde
aprendemos desde as verdades de nossos pais até as transformações da
vida ao nosso redor.

A pesquisa de campo nos possibilita um encontro com este mundo


– agora com o olhar mais atento de um observador informado e
preocupado com sua realidade, sua vida e seu coletivo.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 49 08/04/2010 13:57:12


50

Considerando a reflexão inicial apresentada como problematização do


Eixo Temático, propõem-se algumas questões de pesquisa para serem
desenvolvidas no Tempo Comunidade, objetivando o levantamento
de informações sobre o Ecossistema15 em que está inserido o
estabelecimento familiar.

Questões de Pesquisa
• Quais as características da paisagem (relevo, solos, hidrografia,
vegetação, fauna, etc) da localidade onde você vive?

• Quais as características climáticas e dos ciclos de chuvas e dos rios-


marés das terras de sua localidade?

• Que alterações significativas ocorreram na paisagem ao longo da história


de ocupação na localidade que você vive?

Um plano estabelece os caminhos a percorrer para encontrar respostas


sobre a realidade. A pesquisa é um processo de ensino-aprendizagem que
objetiva articular teoria e prática para a (re)construção do conhecimento,
na produção de um novo saber.

A partir do que foi estudado até aqui, organize um plano de pesquisa no


intuito de aprofundar seu conhecimento e do grupo sobre o assunto em
questão. Registre abaixo questões para construção de um novo olhar
sobre a sua realidade

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 50 08/04/2010 13:57:13


51

2.5. Balaio de Textos

Texto 4
Ecossistema
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Ecossistema (grego oykos, casa + σύστημα) designa o conjunto formado


por todos os fatores bióticos e abióticos que atuam simultaneamente
sobre determinada região. Considerando como fatores bióticos as
diversas populações de animais, plantas e bactérias e os abióticos os
fatores externos como a água, o sol, o solo, o gelo, o vento. São chamados
agroecossistemas quando além destes fatores, atua ao menos uma
população agrícola. A alteração de um único elemento costuma causar
modificações em todo o sistema, podendo ocorrer a perda do equilíbrio
existente. Todos os ecossistemas do mundo formam a Biosfera.

De maneira breve podemos dizer que a Biosfera é formada por três


camadas: Atmosfera (a camada de ar); a Litosfera (a camada de solo e
também sub-solo) e a Hidrosfera (a camada de águas do planeta).

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 51 08/04/2010 13:57:14


52

Funcionamento
A base de um ecossistema são os produtores que são os organismos
capazes de fazer fotossíntese ou quimiossíntese. Produzem e acumulam
energia através de processos bioquímicos utilizando como matéria prima
a água, gás carbônico e luz. Em ambientes afóticos (sem luz), também
existem produtores, mas neste caso a fonte utilizada para a síntese de
matéria orgânica não é luz, mas a energia liberada nas reações químicas
de oxidação efetuadas nas células (como por exemplo em reações
de oxidação de compostos de enxofre). Este processo denominado
quimiossíntese é realizado por muitas bactérias terrestres e aquáticas.
Dentro de um ecossistema existem vários tipos de consumidores, que
juntos formam uma cadeia alimentar, destacam-se:

Consumidores primários:
São os animais que se alimentam dos produtores, ou
seja, são as espécies herbívoras. Milhares de espécies
presentes em terra ou na água, se adaptaram para
consumir vegetais, sem dúvida a maior fonte de alimento
do planeta. Os consumidores primários podem ser desde
microscópicas larvas planctônicas, ou invertebrados
bentônicos (de fundo) pastadores, até grandes mamíferos
terrestres como a girafa e o elefante.

Consumidores secundários:
São os animais que se alimentam dos herbívoros, a
primeira categoria de animais carnívoros.

Consumidores terciários:
São os grandes predadores como os tubarões, orcas
e leões, os quais capturam grandes presas, sendo
considerados os predadores de topo de cadeia. Tem
como característica, normalmente, o grande tamanho e
menores densidades populacionais.

Decompositores ou biorredutores:
São os organismos responsáveis pela decomposição da
matéria orgânica, transformando-a em nutrientes minerais
que se tornam novamente disponíveis no ambiente. Os
decompositores, representados pelas bactérias e fungos,
são o último elo da cadeia trófica, fechando o ciclo. A
seqüência de organismos relacionados pela predação
constitui uma cadeia alimentar, cuja estrutura é simples,
unidirecional e não ramificada.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 52 08/04/2010 13:57:17


53

todos seres vivos são importan-


hahaha. Mariinha diz que tes para o desenvolvimento uns
Na cadeia alimentar todo animal é
todo animal é importante, dos outros. Não quer dizer que
igualmente importante para o equilíbrio
mas ela é a presidenta da o homem não controle os que
da natureza, tanto uma águia, como o
comissão de combate ao transmitem doenças. Isso leva a
homem, ou um mosquito.
mosquito da dengue. uma superpopulação humana, que
temos a obrigação de educar para
não destruir a espaçonave Terra.

Pirâmide ecológica
O fluxo de matéria e energia nos ecossistemas pode ser representado por
meio de pirâmides, que poderão ser de energia, de biomassa (matéria)
ou de números. Nas pirâmides ecológicas, a base é quase sempre mais
larga que o topo. A quantidade de matéria (biomassa) e de energia
transferível de um nível trófico para outro sofre um decréscimo de 1/10 a
cada passagem, ou seja, cada organismo transfere apenas um décimo da
matéria e da energia que absorveu.

http://www.kalipedia.com

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 53 08/04/2010 13:57:18


54

Ecossistemas Terrestres

Amazônia Caatinga - Sertão Nordestino

Mata Atlântica - Litoral brasileiro Campos

Pantanal - Centro-Oeste brasileiro Campos do Sul do Brasil


e outros países

Cerrado Mata de Araucárias do Brasil

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 54 08/04/2010 13:57:21


55

Ecossistemas aquáticos

Costeiros

Restingas

Manguezais

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 55 08/04/2010 13:57:24


56

Como se relacionam os factores


bióticos e abióticos?
Fatores abióticos afetam a estrutura e as características da comunidade,
mas a comunidade pode também alterar os componentes abióticos do
Ecossistema.

Fatores bióticos afetam as diferentes populações da comunidade e


as trocas de energia e matéria destas com o ambiente. Assim, fatores
abióticos e seres vivos estão em permanente ligação sistêmica.

Algumas áreas vulneráveis do mundo



Floresta Atlântica (lato sensu)16;
16
Lato sensu é

uma expressão Floresta Amazônica (lato sensu);
que em latim que
significa literal-
mente em sentido Florestas das Ilhas do Pacífico Sul;
amplo.
Florestas Úmidas de Nga-Manpuri-Chin
(em Bangladesh, Índia e Myamar);

Florestas Úmidas das ilhas Salomão-Vanuatu-Bismarck;

Florestas das Terras Altas de Camarões,
Guinea Equatorial e Nigéria;

Mangues do Golfo da Guiné;

Mangues de Madagascar;

Florestas Úmidas de Palawan (Filipinas);

Florestas de Terra Firme do México e Guatemala;

Mangues da África Oriental.

O texto desta página está sob a GNU Free Documentation License.

Os direitos autorais de todas as contribuições para a Wikipédia pertencem


aos seus respectivos autores (mais informações em direitos autorais).
Política de privacidade Sobre a Wikipédia e Avisos gerais.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 56 08/04/2010 13:57:24


57

Texto 5
Ecossistema
O que é ecossistema, importância,
componentes bióticos, ambiente

http://educar.sc.usp.br/ciencias/ecologia/fig16.JPG

Ecossistema é uma comunidade


de organismos que
interagem entre si e com o meio ambiente ao qual
pertencem. Podemos citar como exemplo de meio
ambiente: lago, floresta, savana, tundra, etc.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 57 08/04/2010 13:57:30


58

Entendendo o Ecossistema

Também fazem parte de um sistema todos os componentes abióticos


(sem vida), como, por exemplo, minerais, íons, compostos orgânicos e
clima (temperatura, precipitações e outros fatores físicos).

Os componentes bióticos (seres vivos) são representados em vários
níveis, eles estão classificados da seguinte forma:

Produtores: são seres vivos capazes de


produzir seu próprio alimento através
de substâncias inorgânicas, como, por
exemplo, as plantas que realizam a
fotossíntese através da luz solar. Ex:
autótrofos

Consumidores: São seres que se


alimentam de outros seres, pois, ao
contrário dos autótrofos, não são
capazes de produzir seu próprio
alimento. Dentro desta classificação,
incluem-se todos os animais, a maioria
dos fungos e algumas plantas. Ex:
heterótrofos

Decompositores: organismos que


se alimentam de outros organismos
em estágio de decomposição. Dentre
eles estão os fungos e as bactérias. É
importante sabermos que dentro desta
classificação, um organismo depende o
outro, pois, após passar por seu “último
ciclo”, os compostos orgânicos são
utilizados dentro do ecossistema como
nutriente para os produtores, iniciando-
se assim, um novo ciclo. Ex: saprófitos

http://www.ambientebr
asil.com.br/images/nat
ural/fungos.jpg

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 58 08/04/2010 13:57:30


59

Principais Regiões Fitogeográficas do Brasil

Cerrado

Caatinga

Floresta Amazônica

Outras Formações

Mata Atlântica Potencial

Complexo do Pantanal


A Amazônia

A Floresta Amazônica ocupa a Região Norte do Brasil,


abrangendo cerca de 47% do território nacional. É a
maior formação florestal do planeta, condicionada
pelo clima equatorial úmido. Esta possui uma grande
variedade de fisionomias vegetais, desde as florestas
densas até os campos. Florestas densas são representadas
pelas florestas de terra firme, as florestas de várzea,
periodicamente alagadas, e as florestas de igapó,
permanentemente inundadas e ocorrem na por quase
toda a Amazônia central. Os campos de Roraima ocorrem
sobre solos pobres no extremo setentrional da bacia do
Rio Branco. As campinaranas desenvolvem-se sobre solos
arenosos, espalhando-se em manchas ao longo da bacia
do Rio Negro. Ocorrem ainda áreas de cerrado isoladas do
ecossistema do Cerrado do planalto central brasileiro.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 59 08/04/2010 13:57:34


60

O Semi-árido (Caatinga)

A área nuclear do Semi-Árido compreende todos os estados


do Nordeste brasileiro, além do norte de Minas Gerais,
ocupando cerca de 11% do território nacional. Seu interior,
o Sertão Nordestino, é caracterizado pela ocorrência da
vegetação mais rala do Semi-árido, a Caatinga. As áreas
mais elevadas sujeitas a secas menos intensas, localizadas
mais próximas do litoral, são chamadas de Agreste. A área
de transição entre a Caatinga e a Amazônia é conhecida
como Meio-norte ou Zona dos cocais. Grande parte do
http://www.vilaboadegoias.com.br/mei
o%20ambiente/caatinga%201.jpg Sertão nordestino sofre alto risco de desertificação devido à
(CAATINGA); degradação da cobertura vegetal e do solo.


O Cerrado

O Cerrado ocupa a região do Planalto Central brasileiro.


A área nuclear contínua do Cerrado corresponde a cerca
de 22% do território nacional, sendo que há grandes
manchas desta fisionomia na Amazônia e algumas
menores na Caatinga e na Mata Atlântica. Seu clima é
particularmente marcante, apresentando duas estações
bem definidas. O Cerrado apresenta fisionomias variadas,
indo desde campos limpos desprovidos de vegetação
lenhosa a cerradão, uma formação arbórea densa. Esta
http://www.unb.br/ib/zoo/grcolli/jalapa região é permeada por matas ciliares e veredas, que
acompanham os cursos d’água.
o/images/Cerrado25.jpg

A Mata Atlântica

A Mata Atlântica, incluindo as florestas estacionais


semideciduais, originalmente foi a floresta com a maior
extensão latitudinal do planeta, indo de cerca de 6 a
32oS. Esta já cobriu cerca de 11% do território nacional.
Hoje, porém a Mata Atlântica possui apenas 4% da
cobertura original. A variabilidade climática ao longo de
sua distribuição é grande, indo desde climas temperados
super úmidos no extremo sul a tropical úmido e semi-
árido no nordeste. O relevo acidentado da zona costeira
http://www.mata- adiciona ainda mais variabilidade a este ecossistema.
atlantica.ufz.de/images/mata-atlantica.jpg Nos vales geralmente as árvores se desenvolvem muito,
formando uma floresta densa. Nas enconstas esta floresta
é menos densa, devido à freqüente queda de árvores. Nos
topos dos morros geralmente aparecem áreas de campos
rupestres. No extremo sul a Mata Atlântica gradualmente
se mescla com a floresta de Araucárias.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 60 08/04/2010 13:57:34


61

O Pantanal Mato-Grossense

O Pantanal mato-grossense é a maior planície de


inundação contínua do planeta, coberta por vegetação
predominantemente aberta e que ocupa 1,8% do
território nacional. Este ecossistema é formado por
terrenos em grande parte arenosos, cobertos de
diferentes fisionomias devido a variedade de microrelevos
e regimes de inundação. Como área transicional entre
Cerrado e Amazônia, o Pantanal ostenta um mosaico de
ecossistemas terrestres com afinidades sobretudo com o
Cerrado.
www.impactotour.com.br/pi/admin
/uploads/gallery/303_thumb_scree
n4-pantanal.jpg (PANTANAL)
Outras Formações

Os Campos do Sul (Pampas)

No clima temperado do extremo sul do país desenvolvem-


se os campos do sul ou pampas, que já representaram
2,4% da cobertura vegetal do país. Os terrenos planos
das planícies e planaltos gaúchos e as coxilhas, de relevo
suave-ondulado, são colonizados por espécies pioneiras
campestres que formam uma vegetação tipo savana
aberta. Há ainda áreas de florestas estacionais e de
campos de cobertura gramíneo-lenhosa.
http://www.photografos.com.br/users/M
Franco/normal_35744_photo.jpg
(PAMPAS) A Mata de Araucárias (Região dos Pinheirais)

No Planalto Meridional Brasileiro, com altitudes


superiores a 500m, destaca-se a área de dispersão do
pinheiro-do-paraná, Araucária angustifolia, que já ocupou
cerca de 2,6% do território nacional. Nestas florestas
coexistem representantes da flora tropical e temperada
do Brasil, sendo dominadas, no entanto, pelo pinheiro-
do-paraná. As florestas variam em densidade arbórea e
altura da vegetação e podem ser classificadas de acordo
http://www.opabrasil.org.br/Ecossis com aspectos de solo, como aluviais, ao longo dos
temas_clip_image004_0003.jpg rios, submontanas, que já inexistem, e montanas, que
dominavam a paisagem. A vegetação aberta dos campos
gramíneo-lenhosos ocorre sobre solos rasos. Devido
ao seu alto valor econômico a Mata de Araucária vêm
sofrendo forte pressão de desmatamento.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 61 08/04/2010 13:57:35


62

Ecossistemas costeiros e insulares



Os ecossistemas costeiros geralmente estão associados
à Mata Atlântica devido a sua proximidade. Nos solos
arenosos dos cordões litorâneos e dunas, desenvolvem-se
as restingas, que pode ocorrer desde a forma rastejante
até a forma arbórea. Os manguezais e os campos salinos de
origem fluvio-marinha desenvolvem-se sobre solos salinos.
No terreno plano arenoso ou lamacento da Plataforma
Continental desenvolvem-se os ecossistemas bênticos. Na
zona das marés destacam-se as praias e os rochedos, estes
http://baixaki.ig.com.br/imagens/wpapers/BXK colonizados por algas. As ilhas e os recifes constituem-se
16237_mangue-tatajuba-ce800.jpg acidentes geográficos marcantes da paisagem superficial.
As personagens poderiam aparecer falando da beleza ou
diversidade de cada um destes Ecossistemas.

Nota: As informações aqui disponibilizadas foram extraídas
do site do Ibama (www.ibama.gov.br)

2.6. Sínteses Provisórias


No meio da página escrevo ao acaso a palavra MENINA


e à sua magia, um caminho abre-se
para ela andar.

E como houvesse brotado aos seus pés um arroio espiador


uma ponte estendeu-se
para ela atravessar.

Mas a menina
agora parou
e do meio da ponte namora encantadamente nas águas
a graça inacabada de seu pequenino rosto feito às pressas.

Às pressas...
(nem tive tempo de lhe dar um nome)

A vida é assim,
meninazinha sem nome...

A vida nem dá tempo para a vida!



(Poema Desenhado - Mario Quintana)

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 62 08/04/2010 13:57:36


63

Agora que você já apre(e)ndeu informações fundamentais e observou a


própria realidade à luz destas, é oportuno criar uma forma de expressar
seu conhecimento. Você é livre para construí-la, pode ser como painel,
textos, poesia, teatro, ou outra maneira que possa desenvolver para
comunicar sua criação – fruto da relação entre o que você refletiu,
pesquisou e vivenciou.

Todo mundo está


convidado para o Festival de
Arte da escola.
Inscrevam a sua banda de
música, peça de teatro, jogral,
pintura, fotografia, artesanato,
declamação...

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 63 08/04/2010 13:57:36


64

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 64 08/04/2010 13:57:36


65

3
Relações de trabalho
e práticas culturais nos
ESTABELECIMENTOS
FAMILIARES

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 65 08/04/2010 13:57:40


66

3.1. Dialogando sobre 3.3. Um olhar sobre as


as Relações de Trabalho Relações de Trabalho
e Práticas Culturais e Práticas Culturais
nos Estabelecimentos
Familiares
SAGA
A família é a base de grande parte
das relações de produção no campo.
Reconhecer o papel de cada membro da
família – ou próximo a ela – dentro do
Estabelecimento, significa compreender
os diferentes papéis que juntos dão
conta da produção, que não é apenas
de feijão, milho, farinha, arroz, etc., mas
também produção da vida e de culturas
e comportamentos que identificam o
homem e a mulher do campo. A família
e aqueles que a compõem direta ou Família Guajá: Ao longo de sua vida, tanto um homem quanto
indiretamente, dessa forma, é diretamente uma mulher podem ter vários matrimônios.

responsável pelo seu espaço de relações


e pela garantia de continuar vivendo na
própria terra e da própria terra.
(...) PAI, MÃE E FILHO (em coro)
Seguimos a secura dessa vinha
3.2. Objetivo Alternando-nos em um ciclo eterno
Primaveras e outras estações
Refletir sobre os estabelecimentos a mais dolorosa é o in(v)(f)erno
familiares e as diferentes relações de estação que contrasta à alegria
trabalho que os sujeitos da agricultura Que simples sinais diferencia
familiar desenvolvem, relacionando-as pois um deles mais tempo prevalece
com suas práticas sociais e manifestações fome, fuga, fogo, fuba
culturais. Paraíso logo desvanece
Na flor de chique-chique e marmeleiro
Um disfarça a dor, outro entristece
Seguimos um caminho de esperança
Por isso estamos em constante prece.

Manoel Messias Belizário Neto. João Pessoa - PB


- por correio eletrônico

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 66 08/04/2010 13:57:40


67

3.4. Construindo um olhar


sobre nossa realidade

Considerando a reflexão inicial apresentada como


problematização do Eixo Temático, sugerimos a partir
de agora questões relativas à pesquisa de campo sobre
o Estabelecimento Familiar, relações de trabalho e
práticas culturais dos educandos e suas famílias, a ser
desenvolvida através do Plano de Pesquisa durante o
Tempo Comunidade.

Questões de Pesquisa
• Quem são os moradores do estabelecimento familiar? Desses, quem
são os membros da família que moram no estabelecimento familiar?

• Como são divididas as atividades de trabalho entre os homens, mulhe-


res, jovens e crianças?

• Que práticas culturais influenciam no planejamento das atividades no


estabelecimento familiar (ex: plantio em época de lua cheia, influências
dos santos, manifestações culturais, etc.)?

A partir do acúmulo de sua Turma e da dinâmica pedagógica já vivenciada,


registre outras Questões de Pesquisa significativas:

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 67 08/04/2010 13:57:44


68

3.5. Balaio de Texto

TEXTO 6
Introdução ao Tema Trabalho17
Tecendo a Manhã “O trabalho é uma relação
do ser humano com
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos. a natureza, uma ação
De um que apanhe esse grito que ele criativa de transformação da
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
natureza, que cria relações
e o lance a outro; e de outros galos sociais determinadas
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
e que, nesse processo,
para que a manhã, desde uma teia tênue, transforma os próprios
se vá tecendo, entre todos os galos. seres humanos”.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos, Vamos abordar nesta unidade de ensino
se entretendendo para todos, no toldo alguns aspectos que definem o que é
(a manhã) que plana livre de armação. trabalho18 e como está organizado na
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo agricultura familiar e, principalmente, o Trabalho: este
tema será ainda
que, tecido, se eleva por si: luz balão. trabalho como fator de grande potencial aprofundado na
(João Cabral de Melo Neto) no desenvolvimento da agricultura próxima unidade,
na qual abor-
familiar, demonstrando condições daremos o eixo
temático “sistema
Trabalho é o processo onde são aplicadas melhores na geração de emprego na de produção e
forças ou faculdades humanas para agricultura familiar patronal. processo de tra-
balho”; portanto,
alcançar um determinado fim, ou seja, estaremos apenas
atividades coordenadas, de caráter introduzindo o

físico e/ou intelectual, necessárias à O que podemos dizer sobre tema “trabalho”
nesse material.
realização de qualquer tarefa, serviço ou a palavra trabalho?
empreendimento.
No nosso dia-a-dia, utilizamos a palavra
Na agricultura familiar como em vários trabalho de muitas maneiras: “ir para
setores da sociedade, o trabalho é um o trabalho na roça”; “a máquina está
dos fatores mais importantes para o trabalhando”; “a madeira da porta
desenvolvimento. A geração de riquezas trabalhou”; “o mel vem do trabalho
é uma ação e também está estreitamente das abelhas”. Nesses casos, seres
vinculada ao trabalho. humanos, máquinas, madeira e abelhas
compartilham a mesma característica:
capacidade de “trabalhar”.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 68 08/04/2010 13:57:44


69

www.maracanau.ce.gov

Projeto Meu Sítio Produtivo oferece orientação e distribuição de mudas aos sítios do município de Maracanau CE

No entanto, o trabalho tem um significado especial para os seres


humanos. Antes de tudo, o trabalho é uma relação do ser humano com a
natureza, tendo em vista a criação das condições para sua existência, para
sua reprodução enquanto ser humano. Nessa relação com a natureza
o ser humano altera seu estado natural, estabelecendo nesse processo
relações com os outros seres humanos e consigo mesmo.

O ser humano possui a característica específica de alterar


conscientemente a natureza, isto é, tem a capacidade de imaginar antes
de realizar as atividades.

Um cientista social alemão do século passado, Karl MARX, destaca esta


diferença entre o trabalho humano e o resultado do trabalho instintivo
dos animais. No processo de produção, o trabalhador constrói primeiro
em sua cabeça antes de construir de fato. Ele tem em mente seu objetivo
antes de exercer a atividade, ele trabalha orientado a um fim, enquanto o
trabalho dos outros animais é instintivo.

“Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence


exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações
semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha muito o arquiteto
coma construção dos favos de suas colméias. Mas o que distingue,
de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o
favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo
de trabalho, obtém-se um resultado que desde o início existiu na
imaginação do trabalhador e, portanto, idealmente” (MARX, Karl. O
capital: crítica de economia política, volume 1, livro 1, São Paulo, Abril
Cultural, 1983, p. 149).

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 69 08/04/2010 13:57:45


70

www.agronet-pe.gov

aula no campo de agroecologia


Assim, o trabalho é uma relação do ser humano com
a natureza, é a ação criativa do ser humano sobre a
natureza, sendo que, ao transformar a natureza, o ser
humano também se transforma. Pelo trabalho, o ser
humano se autoproduz, alterando a visão que tem do
mundo e de si mesmo. Ou seja:

“Na produção, os homens agem não só sobre a


natureza, mas ainda uns sobre os outros. Não podem
produzir sem colaborar de maneira determinada e
sem estabelecer um intercâmbio de atividades. Para
produzir, os homens contraem determinados vínculos
e relações uns com os outros, e é através desses
vínculos e relações sociais que se estabelece a sua
ação sobre a natureza, que se efetua a produção”
(MARX, Karl. Trabalho Assalariado e Capital, São Paulo,
Global Editora, 1987).

Assim o trabalho é uma relação do ser humano com


a natureza, uma ação criativa de transformação da
natureza, que cria relações sociais determinadas e que,
nesse processo, transforma os próprios seres humanos.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 70 08/04/2010 13:57:45


71

3.6. Sínteses Provisórias


Escrever é elaborar. A sistematização de idéias revela o que foi possível
aprender numa determinada trajetória de estudos. Agora é a sua hora de
organizar as descobertas acerca do assunto.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 71 08/04/2010 13:57:45


72

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 72 08/04/2010 13:57:46


73

4
Agroecossistemas:
diálogos de saberes
e experiências

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 73 08/04/2010 13:57:49


74

4.1. Dialogando sobre 4.2. Objetivos


o Agroecossistema
• Caracterizar os
agroecossistemas dos
O menino assovia chamando estabelecimentos familiares e
Pro vento soprando limpar esses grãos as formas de uso dos recursos
Eu quero ver a colheita bem pura naturais nas atividades
Na mesa fartura de flores e pão. relativas ao cultivo, à criação
Lavadeira, minha querida animal, à aqüicultura,
A roupa estendida precisa secar ao extrativismo e ao
O mesmo vento que sopra na roupa beneficiamento da produção.
Retira tua touca e faz teu cabelo voar! (...)
• Refletir sobre as atividades
Zé Vicente de cultivo, de criação animal,
de aqüicultura e extrativistas
que os/as agricultores/as
Um agroecossistema é um ecossistema familiares desenvolvem,
artificializado pelas práticas humanas relacionando-as com a
ligadas à agricultura, sendo esta entendida organização mais geral
como um conjunto de valores, relações do seu sistema família-
sociais, políticas, culturais, econômicas, estabelecimento e com sua
tecnológicas e ambientais. Portanto, sustentabilidade econômica e
quando fazemos agricultura, pecuária e ecológica.
aqüicultura, estamos “transformando”
o nosso ambiente natural (ecossistema), • Conhecer os processos de
alterando seu equilíbrio ecológico e beneficiamento da produção
criando um agroecossistema. familiar, bem como refletir
sobre a influência das grandes
Assim, pode-se também definir que um agroindústrias que estão
agroecossistema é um local de produção instaladas na região;
agrícola – uma propriedade agrícola, por
exemplo. Seu conceito proporciona uma • Investigar as atividades
estrutura com a qual podemos analisar não agrícolas desenvolvidas
os sistemas de produção de alimentos pelas famílias dos/as
como um todo, incluindo seus conjuntos educandos/as e a influência
complexos de insumos e produtos e as no financiamento do sistema
inter-relações entre as partes que os de produção.
compõem.

O desafio de criar agroecossistemas


sustentáveis é o de alcançar características
semelhantes às de ecossistemas naturais,
mantendo uma produção para ser colhida
(GLIESSMAN, 2005).

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 74 08/04/2010 13:57:49


75

4.3. Um olhar sobre o agroecossistema no Brasil


As múltiplas linguagens a seguir abordam diferentes formas de expressão
sobre agroecossistemas encontrados no Brasil.

Asa Branca
Composição: Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira

Quando olhei a terra ardendo


Qua fogueira de São João
Eu preguntei a Deus do céu, uai
Por que tamanha judiação

Que braseiro, que fornaia


Nem um pé de prantação
Por farta d’água perdi meu gado
Moreu de sede meu alazão

Inté mesmo a asa branca


Bateu asas do sertão
“Intonce” eu disse a deus Rosinha
Guarda contigo meu coração

Hoje longe muitas léguas


Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Para eu voltar pro meu sertão

Quando o verde dos teus oio


Se espalhar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 75 08/04/2010 13:57:49


76

Filho da floresta, água e madeira

Filho da floresta,
água e madeira
vão na luz dos meus olhos,
e explicam este jeito meu de amar as estrelas
e de carregar nos ombros a esperança

Um lanho injusto, lama na madeira,


a água forte de infância chega e lava.

Me fiz gente no meio de madeira,


as achas encharcadas, lenha verde,
minha mãe reclamava da fumaça.

Na verdade abri os olhos vendo madeira,


o belo madeirame de itaúba
da casa do meu avô no Bom Socorro,
onde meu pai nasceu
e onde eu também nasci. (...)

Thiago de Melo
www.agronet-pe.gov

Irrigaçao por gotejamento é econômica e não degrada o solo

4.4. Construindo um olhar sobre nossa realidade


Pesquisar sobre algo é aumentar suas possibilidades de conhecer, avançar e
reinventar. Não é possível opinar sem aprofundamento, sem investigação.

Somente quando realmente sabemos profundamente sobre algo é que


temos condições de defender ou refutar. Caso contrário, qualquer assunto

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 76 08/04/2010 13:57:49


77

que seja não passa de mera informação. Pesquisar também é ir em busca


do mesmo assunto, em outras situações de vida. É saber que os assuntos
se entrelaçam e criam novas formas, pois alguém resolveu pesquisá-los e
desenvolvê-los. Entende-se que se trata de uma incessante (im)paciência
pedagógica de que nosso Mestre Paulo Freire dizia ao se querer saber
mais sobre alguma coisa. Uma inquietação permanente que precisa ser
despertada em quem se propõe aprender.

Questões de Pesquisa
• Quais são as atividades ligadas à produção vegetal e à
criação animal praticadas por sua família?

• Que instrumentos, ferramentas, implementos, técnicas


agrícolas, etc, são empregadas no desenvolvimento dessas
atividades produtivas?

• Qual a avaliação dos agricultores sobre os processos e os


resultados do sistema produtivo do seu estabelecimento?

A partir do aprendizado de sua Turma e da dinâmica


pedagógica já vivenciada, registre outras Questões de
Pesquisa significativas:

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 77 08/04/2010 13:57:53


78

4.5. Balaio de Textos

Texto 7
AGROECOLOGIA E AGRICULTURA FAMILIAR
Ana Primavesi (Novembro/2000)

Os alimentos, os solos e a saúde

www.mds.gov

Familia de jaqueline_de_souza_arruda programa Programa de Hortas Comunitárias


nos terrenos baldios dos municipios

Antigamente, cada região comia os alimentos que produzia. No Brasil, o


Sul produzia trigo e gado e comia-se pão e carne. No Centro Sul, como,
por exemplo, em São Paulo, produzia-se especialmente milho, arroz e
feijão. E a base da comida era fubá, arroz e feijão. No Nordeste, a base
era inhame, que se comia em lugar de pão, e no Norte era “farinha de
água”, ou seja, farinha de mandioca grossa, com suco de açaí. Mas com
os supermercados, que são multinacionais e hoje existem em qualquer
lugar do mundo, veio a nivelação mundial da alimentação. Todos têm de
comer a mesma coisa. E, se pelo transporte o alimento ficou muito caro,
como, por exemplo, as batatinhas em Manaus, as pessoas não as podem
comprar mais e passam fome.

Embora no mundo existam mais de 1.200 plantas alimentícias, nos


supermercados se vendem basicamente 15. Na produção desses
15 alimentos ninguém cuida mais da qualidade. O que importa é
a quantidade. Na medida plantas são cada vez mais atacadas por
pragas e doenças. E o uso de defensivos ou agrotóxicos aumenta
assustadoramente. No alface, pulveriza-se cada vez mais veneno; nas

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 78 08/04/2010 13:57:56


79

www.ecodebate.com
Aplicaçao de agrotoxico que
entre outros males acarreta
declínio na proporção de
nascimentos de homens.

uvas, até duas vezes por dia (equivalente a 120 vezes para cada colheita);
na maçã e goiaba chega-se a 72 pulverizações; no feijão há 15; e até
no milho já se usam até cinco passadas de veneno. Assim, a agricultura
fica muito cara e não dá mais lucro. E fora isso, meio milhão de pessoas
anualmente ou morrem ou ficam inválidas para o resto da vida, devido ao
uso de agrotóxicos.

Nos Estados Unidos e na Europa se subvenciona a agricultura porque


quem tem o lucro é a indústria que produz os adubos e agrotóxicos. Por
sua vez, esta indústria paga impostos, que parte é devolvida à agricultura
pelo Governo na forma de subsídios. No Brasil, pasmem, este rodízio
não existe. Isso acontece simplesmente porque o lucro é das indústrias
estrangeiras e não pode voltar para a agricultura brasileira.

Na Austrália, onde os indígenas em parte ainda são antropófagos


(apreciando de vez em quando carne humana) acontece uma coisa muito
curiosa e emblemática. Esses índios não comem mais carne humana. E o
motivo não é a humanidade ou aculturação. Deixaram de comer porque
dizem ser o homem branco muito venenoso. Nos países ao redor do
Mar Mediterrâneo, onde já faz 40 anos que os defensivos clorados são
proibidos, a partir do ano 2000 proibiu-se o uso de defensivos fosforados,
tanto em lavouras (por exemplo, Malathion), como no gado (por exemplo,
Neguvon). Por que isso aconteceu? Os clorados provocam câncer e os
fosforados dissolvem as proteções dos nervos. Com isso, as pessoas são
cada vez mais “atacados dos nervos”. Nos Estados Unidos, de cada quatro
pessoas, três procuram o psicanalista regularmente. E o quarto talvez
não o faça porque lhe falte dinheiro. Na Inglaterra, dizem que a vaca
louca tem a ver com os fosforados e nos Estado Unidos os ovinos loucos
provavelmente também.

Existe uma antiga sabedoria que diz: “solo doente, planta doente, homem
doente”. No esforço de produzir cada vez mais, destrói-se o solo. Em
solos decaídos, as plantas são doentes. Todos sabem que em terra recém-

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 79 08/04/2010 13:57:56


www.agenciabrasil.gov 80

Ministerio da Agricultura monitora nivel de agrotoxico em 15 hortaliças

desbravada, onde se derrubou a capoeira ou as matas, as culturas são


sadias e rendem muito mais. Mas com a aração, o adubo químico e a
especialização em uma única cultura, as plantas se tornam doentes. E elas
estão doentes antes que as pragas e os fungos as ataquem. São doentes
quando lhes falta algum nutriente dos 45 que necessitam. Aí, não podem
mais formar suas substâncias. Produtos semi-acabados circulam na seiva e
exalam um cheiro que também atrai os inimigos naturais dos parasitas.

Quando, por exemplo, uma pessoa tem medo, seu corpo produz
adrenalina, que os animais cheiram e detestam. Por isso cachorros ou
touros ficam bravos e atacam. Cada substância tem seu cheiro. Somente
nós não reparamos.

Na Índia, dizem: “quando pragas atacam suas lavouras, elas vêm somente
como mensageiros do céu para avisar-lhe que seu solo está doente”. E
na Austrália, quando aparece uma praga perguntam: “o que fiz de errado
com meu solo?” Em solo sadio somente vingam e se desenvolvem culturas
sadias. Por isso, quando se limpa as plantas dos parasitas, tanto faz usar
agrotóxicos, qualquer calda orgânica ou inimigos naturais, a planta não
sara. Ela continua doente, mesmo com o parasita controlado. O problema
está no solo.

O mesmo vale para as plantas transgênicas, em que um gene do


Bacillus Thuringiniensis foi implantado (variedades Bt). Agora, as plantas
produzem uma proteína tóxica que mata larvas e insetos que querem
comer as folhas. Mas isso não impede que a planta continue doente. Por
exemplo: o milho foi atacado pelo lagarto do cartucho porque falta boro
na sua alimentação. Na variedade Bt, com sua proteína tóxica, o lagarto
não tem mais possibilidade de comer o broto do milho. Mas o milho
continua deficiente em boro (portanto doente). E a pessoa que o come
recebe um alimento deficiente e ainda com uma substância tóxica. O que
aparentemente para o produtor é uma vantagem, para o consumidor não
é vantagem nenhuma.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 80 08/04/2010 13:57:58


81

O mesmo ocorre com a soja transgênica (RR). Pode-se matar, por


exemplo, o amendoim bravo que infesta o campo. A qualquer época
se pode aplicar o Roundup. A lavoura está limpinha. Mas o amendoim
bravo indicou a deficiência de molibdênio. Agora se matou o mensageiro,
como se mataram na antiguidade os embaixadores que traziam notícias
indesejadas. Mas a situação não melhorou. Assim o solo permanece
deficiente em molibdênio e a deficiência se agrava mais a cada colheita,
embora o “mensageiro” tenha sido extinto.

Constataram que alimentos produzidos com excesso de nitrogênio não


somente são atacados pelos mais diversos fungos, mas trazem consigo
a deficiência de cobre, que existe em equilíbrio com o nitrogênio. Para
cada 1.250 partes de nitrogênio, precisa-se uma parte de cobre. Se esta
parte não existe na alimentação da mãe, em ovinos a lã fica grossa e lisa
e os cordeiros têm um cérebro subdesenvolvido, de modo que nascem
paralíticos. E em mães humanas, quando faltar esta parte de cobre
para as 1.250 de nitrogênio, o centro motor do cérebro do bebê não se
desenvolve e a criança nasce paraplégica. Ou se a lavoura recebeu uma
calagem elevada e agora faltar o manganês para as plantas, frangos,
cachorros e bebês nascem aleijados, com os ossos deformados.

Por isso, não se pode simplesmente adubar com algo que alguém
recomendou. Nada na natureza existe de maneira isolada. Ela não é uma
prateleira com peças sobressalentes que se pode modificar a gosto. Mas
é um enredamento intenso. Tudo depende dos outros e nada é isolado.
A planta vive tanto acima da terra como abaixo dela e aqui depende dos
micróbios e insetos. Um agricultor prudente cuida tanto de seu gado
acima da terra como de seu microgado abaixo da terra. Se este não recebe
alimento suficiente, ou seja, matéria orgânica, ele morre, o solo decai,
perde seus poros, fica duro, a água escorre, causa erosão, as culturas são
cada vez mais atacadas por doenças e pragas... Tudo vai mal.

E o pior é que as pessoas que comem agora essas colheitas comem


plantas doentes e também se tornam doentes. Uma planta deficiente

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 81 08/04/2010 13:58:01


82

somente pode gerar um homem deficiente e deficiência sempre significa doença. Por
isso precisa-se a cada ano mais leitos hospitalares. Doenças nunca vistas aparecem,
especialmente de vírus, como também nas plantas as pragas e doenças aumentam ano
por ano. Na década de 1970, existiam no Brasil 193 pragas. Atualmente, são 624. De
onde vieram? Bactérias, fungos, vírus e insetos que antes eram pacíficos e até benéficos
agora se tornam parasitas. Por quê? Porque as plantas são doentes nos solos doentes. E o
solo é doente quando perde sua vida, sua porosidade, seu equilíbrio em nutrientes.

De quatro coisas um solo necessita para ficar com saúde: 1) uma superfície bem grumosa
e porosa, protegida contra o sol e o impacto da chuva e que não pode ser revolvida para
baixo; 2) o retorno regular de matéria orgânica, que nutre sua vida e que não pode ser nem
queimada nem dada para o gado; 3) uma proteção contra o vento, que pode aumentar em
até cinco vezes a colheita em anos secos; e 4) variedades adaptadas ao solo e ao clima. Em
solos sadios, muitos problemas desaparecem. As culturas são sadias e os alimentos de alto
valor nutritivo. Nesses solos, as colheitas não baixam. Ao contrário, aumentam quando as
plantas conseguem desenvolver suas raízes abundantemente. Pergunte ao solo e à raiz para
saber se o seu trabalho, na agricultura, é correto ou errado.

TEXTO 8
Resgate e valorização da sabedoria
popular sobre o uso de ervas
medicinais no Baixo Tocantins (PA)
Agriculturas - v. 4 - no 4 - dezembro de
2007 15

Na região do Baixo Tocantins, estado


do Pará, entre 50 e 80% da população
é constituída por pessoas que moram e
produzem ao longo das margens dos rios.
Para obterem acesso aos serviços públicos
de saúde, os ribeirinhos precisam viajar
até as sedes municipais em pequenos
barcos. Dependendo da localizarão das
comunidades, essas viagens podem durar
Erosão do solo: até 10 horas. É nesse contexto que o uso
http://static.hsw.com.br/gif/irriga das ervas medicinais exerce um papel
essencial, na medida em que assegura a
tion-soil-erosion.jpg
essa população autonomia no tratamento
de enfermidades chegando muitas vezes a
salvar vidas.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 82 08/04/2010 13:58:01


83

Desde o ano 2000, o Programa de Desenvolvimento Sustentável na


Agricultura Familiar do Baixo Tocantins, executado pela Associação
Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (Apacc) , passou a integrar
ações de saúde preventiva em suas estratégias. As atividades do programa
nesse campo foram desenhadas para atender as demandas da população
local, principalmente aquelas relacionas a doenças corriqueiras, tais
como diarréia, ferimentos por cortes, picadas da arraia, de cobra, gripes,
resfriados e infecções do aparelho reprodutor feminino.

O resgate da sabedoria popular

O trabalho se iniciou com a realização de um diagnóstico sobre as


necessidades e oportunidades da população em relação à saúde
preventiva. Participaram desse processo principalmente mulheres, mas
também agricultores e jovens agroextrativistas de 54 comunidades dos
municípios de Limoeiro do Ajuru, Cametá e Oeiras do Pará.

A partir do diagnóstico, foi elaborado um plano de formação composto


por 15 cursos para grupos de 20 a 30 pessoas das comunidades
envolvidas. Os cursos abordaram temas como direito à saúde; origem
das doenças; conhecimento do organismo humano; prevenção de
câncer no útero e na mama; doenças sexualmente transmissíveis e Aids;
planejamento familiar; cuidados com a água; primeiros socorros, etc.

Embora o diagnóstico tenha revelado o grande domínio de conhecimentos


da população ribeirinha, particularmente das parteiras e bezendeiras, sobre
a valorização da biodiversidade regional no tratamento de doenças, foi
possível identificar também que o uso de plantas medicinais não vinha sendo
realizado de forma adequada por muitas famílias, o que levou à iniciativa de
incorporação do tema entre os conteúdos do processo de formação. Assim,
os cursos sobre ervas tiveram como objetivo resgatar, incentivar, bem com
aprimorar os conhecimentos da cultura popular nesse campo.

Nome da Erva Uso Nome Científico Grupo que Número de Famílias


possui a Erva que possuem a Erva

Catinga Convulsão, cólica menstrual, Tanacetum vulgare Moquém 03 famílias


de Mulata febre em crianças, Nova América 02 famílias
gripe e asma

Jaborandi Dor, febre, gripe queda Pilocarpus microphyllus Caracuru 02 famílias


de cabelos

Hortelãzinho ou Cólica intestinal, diarréia Mentha piperita Moquém 02 famílias


hortelã de folha e cólica mestrual Caracuru 02 famílias
miúda

Erva Cidreira Insônia, calmante Melissa officinalis São Raimundo 07 famílias


e pressão alta

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 83 08/04/2010 13:58:01


84

Quadro 1. Exemplo de sistematização do conhecimento sobre plantas


medicinais para elaboração do álbum de erva.

Os cursos sobre ervas compreenderam três fases. A primeira foi dedicada à


realização de diagnósticos comunitários sobre o uso de plantas medicinais.
Por meio deles, buscou-se detalhar, na escola das comunidades, os
conhecimentos levantados no diagnóstico mais abrangente realizado
anteriormente. Esses diagnósticos resgataram o histórico do uso dos
remédios caseiros e a situação atual dessa prática, enfocando em particular
a disponibilidade das plantas, suas formas de uso e os mecanismos de
repasse dos conhecimentos associados à fitoterapia popular.

Na segunda etapa, de caráter mais prático, foram aprofundados


conhecimentos relacionados às plantas medicinais e suas partes.
Amostras de plantas utilizadas em receitas de remédios caseiros foram
expostas e manuseadas, assim como foi feita a catalogação das espécies
mais utilizadas pelas comunidades. As receitas caseiras locais foram
sistematizadas e incentivou-se a implementação de viveiros de mudas de
plantas medicinais em vias de extinção e de hortas medicinais caseiras.
Foram ainda elaborados álbuns de ervas para ficarem à disposição dos
grupos comunitários e seus assessores locais.

Os álbuns de ervas apresentam as informações sistematizadas sobre as


plantas empregadas em cada comunidade. Neles estão registrados os
nomes populares e científicos de cada espécie, as comunidades em que
as ervam podem ser encontradas e o número de famílias que possuem as
plantas. Além disso, trazem os principais usos e formas de aproveitamento
da plantas (ver quadro 1). Esses álbuns se tornaram um instrumento
importante para dinamizar o trabalho de preservação da cultura popular
facilitando o repasse das informações sobre as plantas dentro e entre
gerações.

A última etapa do curso concentrou-se no preparo dos remédios


caseiros. Foram trocados conhecimentos sobre cuidados no preparo, na
organização do ambiente e realizadas atividades práticas de elaboração
dos remédios mais demandados pelas comunidades.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 84 08/04/2010 13:58:03


85

A Produção dos Remédios Caseiros

Os debates realizados durante os cursos giram em torno da importância


dos remédios caseiros na prevenção e cura das principais doenças que
cometem a família e da valorização e reconhecimento da produção
caseira como alternativa aos tratamentos convencionais.

Cabe ressaltar que toda matéria-prima utilizada na fabricação dos


remédios, inclusive essências florestais de uso medicinal, foi coletada nas
próprias comunidades. Muitas espécies que correm risco de extinção,
como a sucuúba (Himatanthus sucuuba), a copaíba (Cpaifera officinalis) e
a andiroba (Carapa guianensis), vem sendo preservadas e plantadas pelas
famílias.

Grupos de mulheres e várias pessoas individualmente passaram também


a produzir e comercializar remédios em suas próprias comunidades, em
outros municípios e na feira de produtos da agricultura familiar realizada
em Cametá. Dessa forma, o conhecimento vem contribuindo não só para
melhoria da saúde, mas também para a geração de renda das famílias.

Um Jardim de Hortas Medicinais

Com o esforço e a participação das multiplicadoras e multiplicadores em


saúde preventiva, formados durante os cursos de ervas, muitas famílias já
possuem seu jirau ou canteiro com as plantas medicinais mais utilizadas.

As plantas, seu uso e manejo são, sem dúvida, parte da cultura de um


povo. No Baixo Tocantins, com a valorização e o reconhecimento do saber
e do trabalho sobre a biodiversidade local, vivenciou-se a reconstrução de
autonomia no tratamento da saúde familiar e, mais do que isso, assistiu-
se também à valorização do trabalho da mulher.

Por fim, a consciência sobre a importância do uso sustentado


desses recursos da natureza foi assim expressa por Maria Aparecida,
multiplicadora em saúde preventiva de Oeiras do Pará: Não podemos
deixar que essa riqueza se perca, uma vez que os remédios feitos das
plantas medicinais além de serem nossos primeiros-socorros nos lugares
mais distantes do meio rural, curam de forma que não causam danos aos
nossos órgãos e são de custo algum, se não para a natureza se tirado de
forma inconsciente.

Maria Cristiane Lobo Pompeu


Pedagoga e educadora em saúde preventiva pela
Apacc-Baixo Tocantins
pompeucristiane@yahoo.com.br

*Educadoras da APACC contribuem efetivamente para o deenvolvimento da experiência.


São elas: Maria das Graças de Sousa Savino, Jailme Gonçalves Bandeira, Elizabeth
Marques de Souza, Silviane Barreiro Ribeiro, Cláudia Carvalho Mácola e Luciana Ataíde
da Costa.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 85 08/04/2010 13:58:03


86

TEXTO 9
Revalorizando as pequenas criações na agricultura familiar
capixaba
Marcia Neves Guelber Sales,
Ricardo Bezerra Hoffmann,
Rogério Durães de Oliveira e
Eduardo Ferreira Sales*

A criação de pequenos animais pelos agricultores familiares do estado do


Espírito Santo é uma atividade tradicional. Eles a conduzem de forma a
adaptá-la estrategicamente às flutuações inerentes aos ciclos da natureza
e às diferenças entre os agroecossistemas. Um exemplo dessas práticas de
ajuste do manejo às condições de conjuntura é a redução do número de
animais e de espécies criadas nos períodos de escassez, principalmente
em ciclos de anos secos, e a posterior recomposição dos plantéis nas
épocas de abundância. A flexibilidade no sistema de criação de pequenos
animais é o que o assegura como elemento estrutural permanente nos
agroecossistemas, por ser capaz de cumprir diferenciadas funções em
diferentes momentos. Em alguns locais ou em períodos de restrição,
atende fundamentalmente às necessidades de autoconsumo das famílias.
Já em épocas do ano mais favoráveis, constitui-se numa importante
atividade geradora de renda monetária.

Para apresentar o contexto no qual a pequena criação se insere nos


sistemas produtivos do estado, destacaremos dois momentos recentes na
trajetória da agricultura familiar capixaba.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 86 08/04/2010 13:58:03


87

O primeiro compreende as décadas de 1980 e 1990. Foi caracterizado


pelas intensas transformações dos sistemas produtivos familiares,
orientadas segundo os moldes da lógica econômica empresarial, ou seja,
pela tendência à especialização produtiva por meio de monocultivos,
o que conduziu ao estreitamento da agrobiodiversidade, até então
preservada e manejada nos agroecossistemas.

A criação de animais nos sistemas produtivos foi a atividade mais afetada


nos períodos em que a monocultura do café, a principal cultura do estado,
predominou mais fortemente, provocando uma redução das áreas de
plantio de gêneros voltados para o autoconsumo das famílias, como
o milho e a mandioca, que também têm grande importância na base
alimentar das criações. Com esse processo, a manutenção de criações na
propriedade foi comprometida, levando muitas famílias, sobretudo a dos
meeiros, a adquirirem os produtos de origem animal no mercado.

Foi nesse contexto que os Centros Estaduais Integrados de Educação


Rural (Ceier) e as Escolas Família Agrícola (EFA) se inseriram. Ambos
correspondem a modelos de educação rural diferenciada, já que se
orientam a partir das necessidades efetivas da agricultura familiar, tendo
como referência o desenvolvimento de uma agricultura alternativa ao
padrão agroquímico, monocultor e socialmente excludente.

Desde 1982, com a implantação do primeiro Ceier, a criação de pequenos


animais mostrou ser uma prática essencial para a integração das
atividades agrícolas desenvolvidas nos Centros. Consolidou-se também
como importante estratégia para a apropriação de práticas agroecológicas
pelos agricultores, como os quebraventos, emprego de leguminosas como
adubos verdes e a compostagem, que são fundamentais na conservação
e recuperação dos solos já depauperados da região. Muitas espécies
empregadas como adubos verdes e quebra-ventos também fazem parte
das opções para a alimentação animal, o que contribuiu bastante para
a sua melhor aceitação. Além disso, a visibilidade dos efeitos dessas
práticas se dá em prazo mais longo do que a criação de pequenos
animais, que proporciona retornos mais imediatos e constantes para a
alimentação da família e para a geração de renda.

Nas escolas, a criação de pequenos animais integra a experimentação de


várias práticas agroecológicas, como o processamento de alimentos para
a fabricação de rações caseiras, a zoofitoterapia e o uso da cerca elétrica
no manejo dos animais em campo. Ao envolver a participação direta de
alunos, professores, estagiários e pais, essas criações podem ser analisadas
a partir das múltiplas funções que cumprem nos sistemas de produção, o
que favorece o exercício da interdisciplinaridade e do enfoque sistêmico
no processo educacional. Além da função que desempenha no processo
de formação dos alunos, a manutenção desses criatórios vem se revelando
como o meio mais econômico e saudável para fornecer carne, ovos, leite e
mel para as cerca de 150 crianças que estudam em cada Centro anualmente.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 87 08/04/2010 13:58:04


88

O papel dos Centros no estímulo à criação de pequenos animais talvez


tenha sido mais efetivo quando as comunidades do entorno eram
diretamente envolvidas. As principais ações desenvolvidas para esse fim
foram os repasses de matrizes e reprodutores, de ovos galados e pintos
de um dia mediante a venda a preços acessíveis ou à base de troca com
as famílias interessadas. Outro importante meio adotado foi a formação
dos agricultores – homens, mulheres e jovens – por meio de palestras,
oficinas, cartilhas, cursos e mutirões. Esses processos de capacitação
forneceram informações fundamentais que, junto com os repasses de
animais, se constituíram em um grande apoio às famílias na condução da
criação de forma sustentável e econômica.

Pólos de reprodução
da raça Sorocaba

Desde o princípio de seus trabalhos nesse campo, as escolas tinham claro


que a estratégia, orientada para a revalorização da criação de pequenos
animais pelas famílias agricultoras, deveria ir além da disseminação de
práticas inovadoras de manejo alimentar e sanitário. A adoção de raças
puras, rústicas e produtivas seria também um componente essencial
para que as famílias obtivessem maior autonomia tecnológica, com a
possibilidade de reproduzirem seus próprios animais e de aproveitarem
resíduos de outros subsistemas para o suprimento alimentar dos plantéis.

Introduzido pelos Centros em 1987, o porco Sorocaba vem sendo


mantido e repassado aos agricultores e a outras instituições, que vêem
em suas características de rusticidade, prolificidade, qualidade de carne
e facilidade de manejo as condições ideais para a criação de suínos
com base nos recursos da propriedade. O interesse dos agricultores
pela raça motivou a Associação Escola Comunidade do Ceier de Boa
Esperança a desenvolver, em 1993, o projeto “Pólos de Reprodução da
Raça Sorocaba”. Os Pólos, que a princípio foram três, eram constituídos
por grupos de seis a dez famílias. Para cada uma delas era repassada
uma matriz. O reprodutor atendia ao grupo de matrizes e as despesas
com sua manutenção eram divididas pelas famílias. Os plantéis dos Pólos
eram formados evitando-se relações de parentesco entre as matrizes e
o reprodutor. Para tanto, os descendentes eram marcados de forma a
orientar o monitoramento dos futuros acasalamentos.

Os Pólos permitiram que as famílias que deles participavam iniciassem a


criação de suínos ou aperfeiçoassem o sistema de produção já existente.
Além da melhoria da qualidade da alimentação das próprias famílias, essa
estratégia contribuiu para o repasse de leitões para a formação de novos
Pólos, já que cada beneficiário inicial assumia o compromisso de devolver
ao projeto quatro leitões, sendo dois em cada cria. Com a qualidade
genética garantida, as famílias aumentaram a rentabilidade da criação de
suínos, na medida em que reprodutores e matrizes puros alcançam preços

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 88 08/04/2010 13:58:04


89

bastante superiores aos dos leitões destinados ao abate. Com o passar


do tempo, esse processo favoreceu a disseminação da raça em outros
municípios do Estado. No final de 1996, havia seis pólos implantados e
52 famílias participando, cada qual com uma matriz. Destas, 36 já haviam
reproduzido e desmamado 668 leitões (Guelber Sales, 1996).

Avicultura agroecológica: redescobrindo funções

No final da década de 1990, verificou-se um processo de revalorização


da agricultura familiar e do seu modo de produção. Com isso, houve um
despertar para a necessidade de alteração nos rumos da condução dos
sistemas agrícolas e da concepção das políticas voltadas para esse setor.
A partir daí, torna-se crescente o número de agricultores que promovem
a transição de seus agroecossistemas para padrões da agricultura de base
ecológica. A diversificação de atividades para a geração de renda passa a
ser uma busca contínua, sobretudo como forma de garantir rendimentos
mais distribuídos ao longo do ano. Exemplo disso, é a produção orgânica,
mais valorizada pela sociedade.

Foi nesse contexto que um projeto voltado para o desenvolvimento da


criação de galinhas em sistemas sustentáveis foi implementado pelo
Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural
(Incaper), pelos Ceier e pela Associação de Programas em Tecnologias
Alternativas (APTA).
20
A parceria é
composta pelo
Incaper, o Ceier O município de Vila Pavão foi onde as ações do projeto tiveram maior
de Vila Pavão, a visibilidade. O Grupo Cocoricó, formado por nove famílias assessoradas
Fundação Lute-
rana Sementes, pela Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente, em parceria
o Sindicato dos com entidades governamentais e da sociedade civil20, se organizou e
Trabalhadores
Rurais e o Conse- se capacitou, em 2003, para a implantação de sistemas de produção
lho Municipal de comercial de ovos do tipo caipira. Atualmente, cada família cria em média
Desenvolvimento
Rural Sustentável. mil galinhas da linhagem Isa Brown.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 89 08/04/2010 13:58:04


90

Desde então, a avicultura de base ecológica passou a ser percebida como


opção viável para a diversificação da renda na agricultura familiar. Além
da demanda crescente por frangos e ovos do tipo caipira ou orgânico nos
mercados, a atividade é facilmente assimilada pela maioria das famílias
agricultoras, inclusive por aquelas que têm restrições em termos de área
ou de oferta alimentar para sustentar criações de espécies de maior
porte, como, por exemplo, de suínos.

A atividade proporcionou melhoria efetiva na qualidade de vida e na renda


das famílias envolvidas. Segundo a agricultora Neuvina Tressmann Ramlow,
“o trabalho com galinhas está sendo bom porque a gente pode trabalhar
na sombra”. Ela, o esposo Lourival e boa parte dos moradores de Vila Pavão
são descendentes de pomeranos, um grupo altamente suscetível ao câncer
de pele devido aos efeitos do sol inclemente na região.

O bem-sucedido trabalho dessas famílias de Vila Pavão vem estimulando


em todo o estado o desenvolvimento da atividade por outras famílias,
individualmente ou reunidas em grupos.

Outro fator favorável à criação de aves tem sido o reconhecimento


das múltiplas funções que a galinha desempenha nos sistemas em
processo de reconversão agroecológica. A avicultura caipira e orgânica
se integra bastante bem a outras importantes atividades produtivas
nas propriedades da agricultura familiar no Espírito Santo, tais como a
fruticultura, a olericultura e a cafeicultura. Além de fornecer esterco aos
cultivos, a avicultura é subsidiada pelo aproveitamento dos restos de
plantios e dos refugos de frutas e hortaliças comercializadas. Assim, a
atividade que tradicionalmente é administrada pelas mulheres e jovens
agricultores passa a ter o seu papel reconhecido na geração de renda e
valorizada como forma de ocupação.

Há ainda outras vantagens


da associação de galinhas
com lavouras que têm
despertado o interesse
dos agricultores. Ao adotarem o
sistema “trator de galinhas”, as famílias
tiram partido dos “serviços” ecológicos
prestados pelas aves, seja por “capinarem” as
roças ou por controlarem brocas, lesmas e outros
insetos nas lavouras (Guelber Sales, 2005).

O “trator de galinhas” e sua grande aliada, a cerca


elétrica, empregados em cafezais, são práticas que vêm
sendo apresentadas por meio de capacitações e oficinas
realizadas em todo o estado pelo Incaper, em parceria com
prefeituras e organizações ligadas aos movimentos sociais. Para

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 90 08/04/2010 13:58:05


91

o agricultor Ailton Manzolli, do Grupo de Agricultura Familiar Orgânica


“Koomaya”, do município de Jaguaré, “se os frangos fizerem a capina
do café, eu já fico satisfeito”. Ailton reservou em sua propriedade um
hectare de café para conduzir, juntamente com outros companheiros
e companheiras, uma Unidade de Experimentação Participativa desse
sistema. No momento, a área abriga o segundo lote de criação de frangos
de corte.

Outro grupo que vem desenvolvendo experiências com a criação de


galinhas é o dos agricultores orgânicos de Santa Maria de Jetibá, na
região serrana. O agricultor Admir Rossmann, membro da Associação
de Certificação de Produtos Orgânicos Chão Vivo, mais uma parceira
do Incaper na realização desse trabalho, utiliza a cerca elétrica e outras
práticas agroecológicas voltadas para a alimentação de 250 aves
de postura em conversão para o sistema orgânico. Admir já obteve
a certificação orgânica da cultura do café, atividade que também
desenvolve em sua propriedade de 17,1 hectares. Agora, busca a
certificação da criação animal, atividade de grande importância para sua
estratégia de diversificação da renda e de sustentabilidade econômica da
propriedade.

Cumprindo etapas e superando desafios

A cada etapa cumprida, são novos os desafios colocados para o alcance


de maiores níveis de sustentabilidade dos sistemas de criação da
agricultura familiar capixaba. A alimentação apresenta-se como um dos
principais desafios para a criação de pequenos animais. No caso das aves
e dos suínos, a questão é particularmente difícil nas regiões do estado
que enfrentam adversidades climáticas mais agudas. Para lidar com o
problema, o tamanho dos plantéis é um dos fatores a ser considerado.
Embora a atividade seja lucrativa, ela não deve permanecer dependente
de insumos externos. Portanto, o (re)dimensionamento da criação deve
levar em conta a capacidade dos sistemas produtivos de
proporcionar a alimentação necessária, se quisermos
caminhar na direção da sustentabilidade.

Outro desafio a ser enfrentado está relacionado ao


acesso das famílias a recursos genéticos de animais
adaptados, produtivos e de baixo custo. Apesar dos
esforços que vêm sendo realizados pelos Ceier e
outras instituições, como o Centro de Ciências Agrárias
da Universidade Federal do Espírito Santo (CAA-UFES) e
o Grupo de Agricultura Ecológica Kapi’xawa, e do crescente
interesse dos agricultores, expresso nas listas de espera por
leitões nos Ceier, perdura o risco de desaparição da raça sorocaba
em razão das limitadas taxas de renovação de reprodutores e

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 91 08/04/2010 13:58:05


92

matrizes (Siqueira, 2005).

No caso da avicultura, tanto de corte como de postura, a questão é


mais complexa. As linhagens adotadas nos sistemas agroecológicos,
embora adaptadas a esse enfoque de produção, são híbridas e, como tal,
devem ser adquiridas a cada renovação de plantel. Esse fato gera total
dependência dos agricultores, que atualmente pagam entre R$ 1,50 a R$
2,00 pelo pinto de um dia.

Como podemos observar, as experiências ora apresentadas não são


estanques, mas seguem uma dinâmica própria. Os diferentes níveis dessa
transição exigem reflexão e avaliação contínuas dos agricultores e das
instituições que os acompanham nessa caminhada. De certo modo, esta
reflexão tem sido feita e conduz a novos passos, mesmo que sejam para
a correção de rumos.

A despeito da importante contribuição que as instituições aqui


referenciadas vêm dando para o desenvolvimento sustentável da criação
de pequenos animais no estado, acreditamos que a existência de uma
educação rural diferenciada e de qualidade foi e será decisiva para
que as pequenas criações estejam sempre presentes na trajetória dos
agricultores familiares.

*Marcia Neves Guelber Sales : pesquisadora do Incaper


mguelber@incaper.es.gov.br
Ricardo Bezerra Hoffmann: professor de zootecnia do Ceier de Boa Esperança
ricardobhs@hotmail.com
Rogério Durães de Oliveira: extensionista do Incaper
vilapavao@incaper.es.gov.br
Eduardo Ferreira Sales: -pesquisador do Incaper
edufsales@incaper.es.gov.br

Referências

GUELBER SALES, M.N. Sistematização das experiências dos PRRS -


Pólos de reprodução da raça Sorocaba. Vitória: Incaper, 1996. 18 p.
Mimeografado.
__________________. Criação de galinhas em sistemas agroecológicos.
Vitória: Incaper, 2005.

SIQUEIRA, H.M. et al. Sustentabilidade da agricultura familiar e


formação profissional no CCAUFES. In: III CONGRESSO BRASILEIRO DE
AGROECOLOGIA, 2005, Florianópolis, SC.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 92 08/04/2010 13:58:05


93

Texto 10
Abelhas sem-ferrão: a biodiversidade invisível
Marcio Lopes,
João Batista Ferreira e
Gilberto dos Santos*

Quando se fala em abelhas, o que normalmente vem à cabeça são as


produtoras de mel da espécie Apis mellifera L., introduzidas no Brasil a
partir da Europa e África e que, atualmente, respondem pela maior parte
do mel produzido no país.

No entanto, o mundo das abelhas é bem mais vasto. Há espécies solitárias


como as mangangavas (Xylocopa sp), muito vistas nas flores de maracujá,
que se destacam pelo importante papel na polinização das plantas. Outras
vivem em colônias e, além de serem vitais na polinização de várias plantas,
produzem mel a partir da extração do néctar das flores. Entre as abelhas
sociais, além da conhecida A. mellifera, estão as da tribo Meliponini, que
agrupa vários gêneros de abelhas sem-ferrão.

As abelhas sem-ferrão foram as únicas espécies produtoras de mel


empregadas até 1838, antes da introdução da abelha européia (Kerr et al,
2005). Como o ferrão dessas abelhas é atrofiado, elas não ferroam. Daí o
nome “abelha sem-ferrão”. Por ser tradicionalmente manejada por povos
indígenas, também é chamada de “abelha indígena”.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 93 08/04/2010 13:58:09


94

as abelhas com
ferrão exigem o
gasto com trajes
e apetrechos
especiais

Existem no Brasil inúmeras espécies de abelhas sem-ferrão e ainda há


muito trabalho de pesquisa a ser feito para conhecer essa diversidade.
Há aquelas que produzem mel só para o consumo da colméia. Outras
produzem excedentes que podem ser aproveitados para o consumo
humano. Entre as mais conhecidas, estão as abelhas mandaçaia (Melipona
quadrifasciata Lep.), jataí (Tetragonisca angustula Latreielle), jandaíra
(Melipona subnitida Ducke), mirim (Plebeia sp), rajada (Melipona asilvae),
canudo (Scaptotrigona sp) e uruçu (Meliponasp). Algumas, como a jataí,
são amplamente distribuídas. Outras são específicas de determinados
ambientes, como a jandaíra, que habita a caatinga (Figura 1).

Porém, as abelhas sem-ferrão encontram-se em processo acelerado de


desaparecimento, provocado principalmente pelo desmatamento de
florestas nativas, ambiente preferencial dessas espécies. Como produzem
uma quantidade de mel menor do que a A. mellifera, os produtores de mel
para o mercado não se interessam pelo manejo racional de abelhas sem-
ferrão – a meliponicultura –, o que explica a limitada oferta desse produto.
Conseqüentemente, em algumas regiões, como o Sudeste e Sul, poucos
conhecem os sabores do mel das nossas abelhas nativas, o que faz desse
produto uma verdadeira iguaria, apresentando cores, gostos e aromas
incomparáveis. Quem já provou sabe. Hoje em dia, apenas as pessoas mais
velhas reconhecem seu grande valor medicinal.

A importância do conhecimento tradicional no


desenvolvimento da meliponicultura

Embora sejam poucos os que se dedicam comercialmente à


meliponicultura, o uso e manejo dessas abelhas ainda é prática corrente
entre povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas, em
particular nas regiões Norte e Nordeste.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 94 08/04/2010 13:58:13


95

O meliponicultor João Batista Ferreira, do município de Belterra, Pará, é


um testemunho vivo da importância do conhecimento tradicional para o
uso e conservação dessas espécies (Ferreira et al, 2005). Desde os 14 anos
de idade, ele fazia capturas de abelhas na mata e transferia para o bambu.
Posteriormente, passou a transferi-las para a chamada “caixa cabocla”,
confeccionada com recursos locais. O amor pelas abelhinhas, além de uma
boa dose de curiosidade e criatividade, levou esse agricultor a aprimorar
as caixas, desenvolvendo tecnologias de manejo específicas para as
diferentes espécies que trabalha.

Hoje, com 30 anos de meliponicultura, o sr. João é procurado por


pesquisadores, estudantes e outros agricultores interessados em aprender
os mistérios das abelhas sem-ferrão. Em 2004, orientou a implantação
de um projeto de meliponicultura voltado para a população tradicional
residente na Floresta Nacional do Tapajós, Unidade de Conservação
Federal.

O Dr. Gabriel Melo, taxonomista de abelhas da Universidade Federal do


Paraná (UFPR), já identificou seis diferentes gêneros de abelhas (Tabela
1). Atualmente, o sr. João maneja 23 espécies de abelhas sem-ferrão
com produção média, entre elas, variando de 0,5 kg a 5 kg por caixa/ano.
(Fig.2). A meliponicultura contribui com parte significativa da renda de sua
família e essa contribuição só não é maior devido a limitações de acesso
ao mercado.

Tabela 1: Classificação de alguns tipos de abelhas semferrão manejadas


pelo meliponicultor sr. João Ferreira (Belterra-PA)

Nome Comum Gênero Espécie


Abelha-esperta Trigona Clipes
Arapuá-vermelha Trigona Dallatorreana
Cacho-de-uva Frisiomelitta Cfr. Longipes
Canudo Scaptotrigona Sp.3
Canudo-preto Partamona Sp.1
Cu-de-vaca preta Melipona Gregaria
Jandaíra-loira Melipona Flavolineata
Jandaíra-rajadona Tetragona Compressipes
Lombo-de-porco Tetragona Goettei
Moça-branca Tetragona Clavipes
Mosquitão Trigona Williana
Pinto-caído Scaptotrigona p.2
Uruçu-boi Trigona Truculenta
Uruçu-de-canudo Melipona Pernigra
Uruçu-sem-canudo Melipona Melanoventer

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 95 08/04/2010 13:58:16


96

De qualquer maneira, a experiência do sr. João demonstra o grande


potencial das abelhas sem-ferrão para o uso e manejo sustentado do
ambiente florestal.

No semi-árido brasileiro, o extrativismo de mel de abelha nativa é uma


prática tradicional dos sertanejos. O agricultor Gilberto dos Santos,
de Jandaíra, Rio Grande do Norte, é um experiente “caçador” de mel.
Andando com ele pela caatinga, pode-se observar sua técnica apurada
de localização de enxames e seu grande conhecimento sobre os hábitos
de cada espécie de abelha, incluindo as árvores preferidas por elas para
moradia. A sua habilidade em abrir um oco de árvore com machado é
tal que consegue fazê-lo sem danificar as colméias. Infelizmente, esse
não é o caso de extrativistas ocasionais, que extraem o mel às custas do
sacrifício dos enxames.

Depois de um período vivendo do extrativismo de mel, aos poucos o sr.


Gilberto tem se estruturado para instalar um meliponário. A expectativa
dele é não precisar mais caçar enxames e consolidar uma criação racional
em caixas padronizadas perto de casa (Figura 3), o que vai permitir o
abastecimento de mel para a família e um excedente para a comercialização.
Além disso, o fortalecimento de uma associação local é uma das estratégias
que o sr. Gilberto vislumbra para vencer os obstáculos da comercialização e
ter nas abelhas sem-ferrão uma fonte de renda garantida.

O sr. Gilberto maneja as espécies jandaíra, rajada, mosquitinha e cupira,


mas tem carinho especial pela última (Partamona sp), abelha que dá
na caatinga em cupinzeiro de terra vermelha. Ele atribui grande poder
medicinal ao mel dessa espécie, usada localmente para “problemas

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 96 08/04/2010 13:58:19


97

na vista”. O desenvolvimento de manejo adequado da cupira é um dos


desafios que o sr. Gilberto espera superar em breve.

Desafios

As experiências do sr. João na Amazônia e do sr. Gilberto na caatinga são


apenas exemplos do potencial das abelhas sem-ferrão para o manejo
sustentado da biodiversidade e para a geração de renda. Com certeza, há
inúmeros casos semelhantes protagonizados por outros Joões, Gilbertos,
Josés, Marias, Glorinhas, guardiões das abelhas sem-ferrão nos diversos
ecossistemas brasileiros que, infelizmente, permanecem invisíveis como
as próprias abelhinhas.

A criação de abelhas sem-ferrão, ao contrário do que ocorre no caso da


A. mellifera, sofre de um vazio legal, particularmente na parte sanitária, o
que dificulta a ampliação do mercado desse produto. As normas sanitárias
exigem que, para ser comercializado, o mel deve ter no máximo 18% de
umidade, valor inferior ao normalmente encontrado no mel produzido por
abelhas sem-ferrão. Analisando a composição do mel de cinco espécies de
abelhas sem-ferrão do gênero Melipona produzido na região de Itacoatira e
Manaus, no Amazonas, Souza (2004) encontrou umidade média de 28,6%,
variando entre 23,9% para a uruçu boca-de-ralo (Melipona rufiventris
paraensis Ducke) e 34,6% para jupará (Melipona compressipes Fab.). No
sertão paraibano, Evangelista Rodrigues (2005) identificou teor de umidade
em torno de 25% no mel da abelha uruçu (Melipona scutellaris Lat.). Esses
dados ressaltam a necessidade do desenvolvimento de normas específicas
para as abelhas sem-ferrão.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 97 08/04/2010 13:58:23


98

A parte de manejo e criadouros vem sendo objeto de discussão de órgãos


da área ambiental. Em agosto de 2004, o Conselho Nacional de Meio
Ambiente (Conama) aprovou a Resolução 346, definindo normas para o
manejo de abelhas sem-ferrão, enquanto o I Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) atua na regulamentação
da criação e do comércio de abelhas nativas. As normas são importantes
para evitar a depredação dos enxames na natureza e coibir práticas
criminosas, como o transporte de enxames entre diferentes ecossistemas.
Todavia, é importante estar atento para que a regulamentação não venha
impor procedimentos excludentes aos pequenos produtores.

Indagado sobre o que acredita ser necessário para melhorar a atividade,


o sr. Gilberto ressalta que a falta de apoio financeiro é um obstáculo para
que a meliponicultura se consolide como uma alternativa de renda no
semi-árido. Em suas palavras: “Se tivesse condições, todo mundo passaria
os enxames do toco para caixas padronizadas para extrair mel com mais
sucesso.” Em muitos casos, o extrativismo e a venda de enxames ainda é
a única opção para que as famílias possam levantar algum dinheiro para
comprar comida, especialmente nos anos em que a seca é mais severa.
O sr. João lá da Amazônia alerta para a necessidade de ter “governantes
mais interessados em apoiar os meliponicultores e que reconheçam estas
abelhas como um patrimônio do país”.

* Marcio Lopes: técnico em apicultura e meliponicultura / mlopesmel@uol.com.br


João Batista Ferreira e Gilberto dos Santos: agricultores e meliponicultores

Referências:

EVANGELISTA-RODRIGUES, A. et al. Análise físico-química dos méis das


abelhas Apis mellifera e Melipona scutellaris produzidos em duas regiões
no estado da Paraíba. Ciência Rural, v. 35, n.5, p.1166-1171, 2005.

FERREIRA, J.B.; REBELLO, J.F.S. Belterra: o paraíso das abelhas indígenas


sem-ferrão. Mensagem Doce, v. 83, n.23, 2005.

KERR, W.E. et al. Aspectos pouco mencionados da biodiversidade


amazônica. Mensagem Doce, n. 80, 2005.

SOUZA, R.C.S. et al. Valor nutricional do mel e pólen de abelhas sem-


ferrão da região amazônica. Acta Amazônica, v. 34, n. 2, p. 333-336, 2004.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 98 08/04/2010 13:58:26


99

Texto 11
Cabrito ecológico da caatinga: um projeto em movimento
Evandro Vasconcelos Holanda Júnior*

Historicamente, no semi-árido brasileiro, a combinação de policultivos


e criação animal contribuiu para a produção e a reprodução social da
agricultura familiar. A redução da renda proveniente da agricultura e
das áreas de pastoreio coletivo e a implantação de monoculturas de
palma forrageira (Opuntia fícus-indica Mill) e capim buffel (Cenchrus sp.)
geraram processos de degradação dos solos e dos recursos forrageiros
da caatinga, estabelecendo um círculo vicioso de insustentabilidade
ambiental, econômica, social e política.

Para contribuir com o enfrentamento dessa realidade, a Embrapa


Semi-árido, em Petrolina (PE), deu início a um projeto de pesquisa e
desenvolvimento de um sistema tecnológico e de uma cadeia produtiva
piloto para a criação e comercialização do “Cabrito Ecológico da
21
O projeto conta
com apoio finan- Caatinga”21. A iniciativa visa promover a economia do sistema familiar
ceiro do Fundo com base no uso sustentado dos recursos naturais, na conservação da
de Desenvolvi-
mento Científico riqueza cultural das comunidades locais e no aumento da quantidade e da
e Tecnológico
(Fundeci)/Banco
qualidade dos alimentos consumidos pela população do sertão baiano e
do Nordeste. pernambucano do São Francisco.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 99 08/04/2010 13:58:28


100

Referências para a produção do “Cabrito Ecológico da


Caatinga”

A criação de caprinos é uma alternativa produtiva ajustada à agricultura


familiar do semi-árido do Nordeste brasileiro. Além de se adequar às
condições ambientais e socioculturais da região, não exige grandes
investimentos para ser estabelecida e permite a geração segura de renda
mesmo quando praticada em pequena escala, já que oferece produtos
cada vez mais valorizados nos mercados. Para tirar partido dessas
potencialidades, os sistemas inovadores de produção de caprinos devem
prezar pela biodiversidade e saber aproveitar os espaços produtivos nas
propriedades de forma a aumentar a estabilidade e a resistência dos
agroecossistemas e minimizar os impactos dos períodos de seca.

O projeto original previa a implementação de um modelo de produção


orgânica de caprinos no Campo Experimental da Embrapa Semi-árido.
Instalado no início de 2003, esse modelo reunia práticas já adotadas pelos
produtores e tecnologias geradas pelo Sistema Nacional de Pesquisa
Agropecuária. Com essa combinação, pretendia-se estabelecer um sistema
inovador que estivesse ajustado às condições socioeconômicas e agrícolas
da maioria dos agricultores da região. Embora a reprodução da realidade
dos agricultores seja uma tarefa impossível em uma estação experimental,
o modelo permitiu gerar referências técnicas para a produção agroecológica
de caprinos no semi-árido. Entre outros fatores, demonstrou potencial para
aumentar de forma considerável a produção de caprinos pelos agricultores
familiares, já que prepara animais para a venda a uma taxa anual de 1,43
cabritos por matriz exposta contra os 0,12 cabritos por matriz exposta nos
sistemas tradicionais da região.

De unidades de validação a espaços de desenvolvimento


participativo de tecnologias

Além da unidade instalada na área experimental da Embrapa, o projeto


previa a implantação de duas unidades de validação em propriedades
da região. A escolha dos locais para a instalação dessas unidades foi
realizada juntamente com as organizações de produtores e contou com
apoio do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA).
Corroborando com Hecht (2002), as disparidades entre as condições físicas
e socioeconômicas da estação experimental e as das famílias agricultoras
inviabilizaram a reprodução integral do modelo nas unidades produtivas
selecionadas.

Diante dessa constatação, foram realizados ajustes metodológicos


no projeto, com o objetivo de incrementar a efetiva participação
dos agricultores na análise da realidade, na seleção das alternativas
tecnológicas, na execução das ações, na construção de novos
conhecimentos e na disseminação das inovações. Assim, as unidades de

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 100 08/04/2010 13:58:28


101

validação passaram a representar espaços físicos para o desenvolvimento


participativo de tecnologias agroecológicas, propiciando a apropriação
das tecnologias pelos produtores, a caracterização funcional dos sistemas
de produção, a validação técnico-econômica e social das tecnologias e o
registro da evolução dos sistemas de produção.

Antes da implantação dessas unidades, foram realizadas visitas técnicas e


ministrados cursos sobre diversos temas: tecnologias para o aproveitamento
sustentável dos recursos naturais da caatinga; reserva estratégica de
forrageiras tolerantes à seca; conservação de forragens; conservação e
manejo de solos; e uso de fitoterápicos, de produtos homeopáticos e de
métodos e práticas ecológicas no tratamento e prevenção das doenças dos
animais, assim como no manejo geral do rebanho.

Três aspectos puderam ser percebidos logo no primeiro ano da adoção


dessa metodologia. Em primeiro lugar, a revalorização, por parte dos
produtores, das forrageiras nativas da caatinga, o que tem contribuído
para o aproveitamento racional desses recursos e, por conseguinte, para
sua preservação. Nota-se também o efeito dessa prática sobre o aumento
do estoque forrageiro nas propriedades. Finalmente, ressalta-se uma
maior confiança dos produtores quanto à eficiência da fitoterapia e da
homeopatia para controle das verminoses.

Próximos passos

O processo de desenvolvimento participativo de tecnologias agroecológicas,


que se iniciou em 2004 em duas unidades produtivas de Pernambuco,
será ampliado, em 2006, para outros estados do Nordeste. Isso permitirá a
instalação de uma rede de referências e de acúmulo de experiências sobre a
criação agroecológica de caprinos no semi-árido brasileiro.

Até o momento, as experiências acumuladas demonstram que as


múltiplas e complexas realidades dos sistemas de produção do semi-árido
exigem inovações tecnológicas que privilegiem a diversificação produtiva
e a complementaridade das criações animais e dos cultivos, bem como
promovam a revalorização da biodiversidade como instrumento para a
construção da sustentabilidade ambiental, social, econômica, cultural e
política. São esses caminhos que esperamos seguir...

*Evandro Vasconcelos Holanda Júnior: pesquisador da Embrapa - Sistema de Produção


Animal
evandro@cpatsa.embrapa.br ou evandroholanda@msn.com

Referência:

HECHT, S. B. A evolução do pensamento agroecológico. In: ALTIERI, M.


Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável.
Guaíba: Editora Agropecuária, Rio de Janeiro: AS-PTA, 2002. p. 47-51.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 101 08/04/2010 13:58:29


102

TEXTO 12
Manejo comunitário de camarões de água doce
por ribeirinhos na Amazônia

www.idam.am.gov

Tanques de psicultura nos rios da amazonia.


Jorge Pinto*

No estuário do rio Amazonas, conhecido como região das ilhas, as


comunidades rurais se encontram em elevado grau de isolamento.
O trânsito entre uma comunidade e outra é realizado de barco e dura pelo
menos três horas. É nessa região, mais particularmente no município de
Gurupá (PA), que está localizada a Ilha das Cinzas. A cidade mais próxima,
Santana (AP), está a cerca de cinco horas de barco.

Uma viagem da ilha até a cidade de Gurupá demanda entre 15 e 18 horas.


A população do município é de 26 mil habitantes (em torno de duas mil
famílias) e é constituída majoritariamente por ribeirinhos.

Em razão dos fluxos da maré, que na região tem dois ciclos diários, o nível
da água pode sofrer uma variação de até quatro metros entre a baixa-mar
e a preamar. Por esse motivo, as casas são construídas sobre palafitas e
a agricultura não é realizada. As principais atividades econômicas são o
extrativismo florestal, principalmente do fruto, da madeira e do palmito
do açaí (Euterpe oleraceae Mart.), e o extrativismo aquático, sobretudo a
pesca de camarão. Esta atividade contribui com cerca da metade da renda
das famílias ribeirinhas.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 102 08/04/2010 13:58:29


103

Estudos socioambientais no município de Gurupá, encomendados em


1997 pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
(Fase), ressaltaram limitações e oportunidades para o desenvolvimento
das práticas de pesca pelas comunidades ribeirinhas.

O projeto voltado para o aprimoramento dessas práticas, em particular


da pesca do camarão de água doce (Macrobrachium amazonicum),
foi um desdobramento direto desses estudos. Entre outros aspectos,
foram identificadas iniciativas inovadoras dos próprios pescadores que
poderiam ser desenvolvidas e disseminadas. Dentre elas, destaca-se o
“armazenamento” dos camarões em pequenos viveiros flutuantes, com
a finalidade de “esperar o comprador” do produto in natura e minimizar
as perdas advindas da excessiva mortandade decorrente do precário
acondicionamento nos viveiros tradicionais22, da superpopulação e da
falta de oxigenação na água.

Durante o seminário de restituição dos resultados dos estudos, foi


definido um experimento voltado para a estocagem dos camarões vivos
capturados no final da safra (dezembro), visando o alcance de melhores
preços na entressafra (fevereiro a maio). A experiência foi realizada
durante o ano de 1998 e envolveu diretamente seis famílias. Por motivos
que hoje nos parecem óbvios, o experimento não foi bem-sucedido.
Ao invés de aumentar, o peso total dos camarões armazenados nos
viveiros se reduziu. Após algum tempo de observações, concluiu-se que o
principal motivo foi a autofagia que ocorreu no período da ecdise (troca
do exoesqueleto dos crustáceos). Verificou-se também que não ocorreu
perdas significativas de peso quando os camarões ficam até oito dias no
cativeiro.

Diante disso, e sendo o baixo preço pago um dos principais gargalos


da atividade, foi elaborada, juntamente com a comunidade, uma
estratégia que em essência estava voltada para a melhoria da qualidade
e da padronização da produção local. Afinal, animais grandes e bem
apresentados são mais valorizados nos mercados. Para implementar essa
estratégia, a partir de dezembro de 1998 foi realizado um trabalho de
ajuste dos instrumentos de captura (matapi) e de estocagem (viveiros).
O tamanho
22
Simultaneamente, deu-se início a um processo sistemático de capacitação
dos viveiros
tradicionais era voltado para qualificar as práticas de processamento do camarão, de
muito pequeno gestão financeira, de implantação de unidades de beneficiamento mais
(em torno de 1
m3). Os viveiros adequadas, de comercialização conjunta através da cooperativa, entre
inovadores têm
um volume maior
outras atividades de educação ambiental. Assim nasceu o projeto de
(6,5 m3). manejo de camarão.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 103 08/04/2010 13:58:29


104

Princípios do manejo inovador

O manejo inovador fundamenta-se na idéia de que mais vale capturar um


camarão grande do que um punhado de camarões pequenos. Ele consiste
nas seguintes etapas:

1. Captura com matapis – O matapi é uma armadilha feita de


fibras vegetais. É como uma gaiola de formato cilíndrico, com 40 cm
de comprimento e 25 cm de diâmetro. Nas extremidades, apresenta
uma espécie de funil que facilita a entrada dos camarões e dificulta
a saída. Para atrair os camarões, é empregada a “poqueca”, uma isca
elaborada com farelo de babaçu ou outro farelo vegetal (milho ou
arroz) e “embrulhada” em folhas de cupuçurana (Matisia paraensis
Huber) ou plástico (Fig. 1). Pelo sistema tradicional de captura, os
espaços entre as “talas” do matapi são bastante estreitos, impedindo
que os camarões de menores dimensões passem por eles. Já nos
matapis adaptados, os espaços são alargados de forma a reter apenas
os camarões maiores. Esse trabalho de adaptação é realizado pelas
mulheres das comunidades (Fig. 2).

2. Estocagem em viveiros flutuantes – Após a captura, os


camarões são colocados em viveiros, onde permanecem por até
oito dias (Fig. 3). Em seguida, são beneficiados ou comercializados
in natura. Esse tempo de enviveiramento é o prazo ideal para que
seja feita a “apuração” do tamanho e da aparência da produção. Os
camarões menores têm tempo suficiente para escapar. Já os maiores,
que permanecem no viveiro, têm seus estômagos esvaziados,
fato esse que confere ao produto melhor aparência depois de
processado. Durante esses oito dias, o pescador tem a possibilidade
de reunir bons volumes de produção antes do processamento e/ou
da comercialização, o que racionaliza seus esforços nessas atividades,
uma vez que não necessita mais realizá-las diariamente.

3. Beneficiamento – Consiste no cozimento, durante 20


minutos, em uma mistura de água e sal (utiliza-se a relação 10 kg de
camarão/1 kg de sal). Há outras formas de processamento, mas não
são aplicadas pelas comunidades locais.

4. Comercialização – Pode ser feita na própria comunidade ou


mesmo nos centros urbanos mais próximos, para comerciantes
intermediários (Fig. 5).

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 104 08/04/2010 13:58:29


105

Uma proposta de muitos impactos e que se irradia pela região

Os benefícios desse manejo para o meio ambiente e para a população


envolvida são evidentes. Do ponto de vista ambiental, verificou-se a
redução do número de armadilhas utilizadas por família e a diminuição
da produção total por família por safra, mas sem comprometer os
ganhos econômicos. O aumento do tamanho do camarão comercializado
é indicativo de que os camarões pequenos não foram capturados,
favorecendo, portanto, a manutenção dos estoques naturais.

Outra contribuição foi a preservação da vegetação ciliar, que protege


as margens dos “furos”, cursos d’água que separam as ilhas locais que
servem de abrigo para peixes e camarões. No que se refere ao impacto
econômico, identificou- se um preço maior por quilo de camarão vendido.

Apesar da diminuição significativa do número de animais capturados


entre 1997 e 2004, o incremento no valor do produto tem resultado no
aumento sistemático da renda provinda da pesca de camarões por parte
das famílias envolvidas (Quadro 1). Contudo, os benefícios sociais vão
além da elevação da renda. Inserido em um trabalho mais abrangente de
desenvolvimento comunitário, o projeto proporcionou melhorias mais
amplas na qualidade de vida da população. Dentre elas, destacam-se o
fortalecimento dos processos organizativos, a participação em sindicatos
e na colônia de pescadores, o acesso a serviços públicos, ao transporte, à
comunicação, à educação etc.

Inicialmente, o projeto foi desenvolvido em parceria com a Associação


dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (Ataic) e com o
Grupo de Mulheres em Ação da Ilha das Cinzas, envolvendo diretamente
40 famílias. Posteriormente, o manejo foi adotado por outras oito
comunidades e, espontaneamente, está sendo difundido. Atualmente,
envolve cerca de 200 famílias pescadoras só no município de Gurupá.

O sistema já vem sendo implantado em outros três municípios da região do


baixo Tocantins (Abaetetuba, Igarapé Mirim e Cametá), no baixo Amazonas
(Santarém) e no estado do Amazonas (Parintins). A produção de uma cartilha
e de um documentário em vídeo (em fase de edição) sobre a iniciativa
contribuirá para a ampla divulgação dessa experiência.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 105 08/04/2010 13:58:29


106

Quadro 1 – Indicadores da evolução do manejo


comunitário de camarões de água doce no período entre
1997 e 2004.
INDICADORES 1997* 2000 2002 2004
Períodos (dias) 150 150 150 150
Nº de matapis / família 150 75 74 74
Nº de camarões / Kg 400 230 195 210
Tamanho do camarão (cm) 4,5 8,7 8,9 10,4
Produção / família / safra (kg) 800 562 592 620
Preço médio recebido / kg 0,8 1,35 1,6 2,5
Renda mensal / família (R$) 128 152 189 310
* Dados coletados no estudo inicial

O governo do estado do Pará tem reconhecido a importância desse


trabalho e pretende transformá-lo em política de governo, inserindo-o
no programa Pará Rural, financiado pelo Banco Mundial. A iniciativa
concorreu com 658 experiências e ganhou o Prêmio tecnologia Social
2005, categoria Região Norte, promovido pela Fundação Banco do Brasil.

O desafio da comercialização

De forma geral, a etapa da comercialização apresenta-se como um dos


principais desafios para a sustentabilidade econômica das populações
amazônicas, que baseiam seus meios de vida em sistemas extrativistas.
A presença de forte cultura do aviamento, na qual o “patrão” financia o
extrator, desvalorizando seu produto, é um dos principais obstáculos a
serem superados. Mesmo com os resultados já demonstrados pelo projeto,
algumas pessoas se mantêm desconfiadas com relação aos potenciais
benefícios financeiros do manejo inovador e continuam vendendo sua
produção a atravessadores, que pagam o mesmo preço pelos camarões,
independentemente do tamanho. Já aquelas que vêm participando das
dinâmicas locais de inovação estão tranqüilas, despreocupadas, aproveitando
as vantagens que o sistema oferece, inclusive o ganho nas horas trabalhadas.

Há pessoas nas comunidades que recebem melhor por suas produções


porque desenvolveram a prática de barganha com os atravessadores,
mas a comercialização em conjunto é ainda um grande desafio. Além de
exigir capital de giro para o pagamento à vista, envolve a necessidade de
alterações de práticas já bastante enraizadas na cultura regional.

*Jorge Pinto:
engenheiro agrônomo da Fase / gurufase@amazon.com.br

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 106 08/04/2010 13:58:30


107

TEXTO 13
Resumos do II Congresso Brasileiro de Agroecologia
AGROEXTRATIVISMO FAMILIAR: A CONSOLIDAÇÃO DE UMA
ALTERNATIVA SUSTENTÁVEL PARA A REGIÃO DO MEARIM
23
Ronaldo Carneiro de Sousa;
24
Jaime Conrado de Oliveira;
25
Valderez Costa Sales.

INTRODUÇÃO: A Associação em Áreas de


Assentamentos no Estado do Maranhão
– ASSEMA vem desenvolvendo uma
proposta de agroextrativismo na Região
do Mearim, como uma alternativa para
a produção familiar que seja sustentável
a médio e longo prazo, praticando e
utilizando os princípios agroecológicos,
visando assim, a diversificação de
alimentos, aumento da produtividade dos
produtos da produção familiar e o seu
autoabastecimento.

23
Técnico em DESENVOLVIMENTO: A ASSEMA vem desenvolvendo há 15 anos
Agropecuária da uma proposta de agroextrativismo que consorcia agropecuária com
ASSEMA: Rua
Ciro Rego nº 218 extrativismo do coco babaçu nos municípios de Lago do Junco, Lago do
Centro, Pedrei-
ras (MA) CEP.:
Rodrigues, Esperantinopólis, São Luís Gonzaga, Lima Campos e Peritoró,
65725000 e-mail: situados na Região do Médio Mearim, onde ocorre a maior concentração
assemaprodu-
cao@assema.org. dos babaçuais do Estado do Maranhão. Essa região vivenciou nos anos
br; ronaldocsou- 80 intensos conflitos agrários e após a conquista da terra e inclusão no
sa@ig.com.br
Plano Nacional de Reforma Agrária, diversos grupos de famílias passaram
Técnico Agrícola
24
a enfrentar outros problemas com a falta de condições para a produção e
da ASSEMA: : Rua
Ciro Rego nº 218 escoamento. Historicamente, esse problema tem causado o êxodo rural
Centro, Pedrei-
ras (MA) CEP.:
em várias regiões do país, aumentando os bolsões de pobreza nas zonas
65725000 e-mail: urbanas. Para superar tais problemas, as famílias agroextrativistas do
assemaprodu-
cao@assema.
Médio Mearim partiram para a organização em forma de associações e
org.br cooperativas, buscando saídas coletivas para a produção, comercialização
25
Técnico em e políticas públicas para esta região, surge então neste cenário a ASSEMA
Agropecuária da com o objetivo de apoiar e prestar assessoria técnica, jurídica e política
ASSEMA: Rua
Ciro Rego nº 218 para que estas famílias possam se fortalecer na busca por iniciativas
Centro, Pedrei- econômicas sustentáveis e por políticas públicas que contribuam para a
ras (MA) CEP.:
65725000 e-mail: melhoria das condições de vida no campo. Atualmente a ASSEMA, por
assemaprodu-
cao@assema.
meio de seus programas: Produção Agroextrativista; Comercialização
org.br Solidária; Políticas Públicas e Desenvolvimento Local; Organização das

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 107 08/04/2010 13:58:30


108

Mulheres; Plano de Comunicação e de Mobilização dos Recursos Locais,


vem envolvendo neste sistema agroextrativista familiar um público
constituído por trabalhadores e trabalhadoras rurais e quebradeiras
de coco babaçu, distribuídos em 24 comunidades de 17 áreas de
assentamento desta região, perfazendo um total de 860 famílias
beneficiando diretamente e indiretamente 3.440 pessoas, dos quais 30%
são mulheres, 20% jovens e 50% homens.

Os princípios básicos adotados na implementação do sistema


agroextrativismo familiar envolve a adoção das seguintes técnicas: a)
preparo de área sem utilização do fogo, de agrotóxicos, de máquinas
pesadas e adubos químicos solúveis; b) local fixo para a prática
da agricultura: as áreas para consórcio são definidas tendo como
base àquelas onde as roças foram fixadas por um longo período de
plantio, favorecendo assim a recuperação da fertilidade dos solos; c)
consórcio de culturas anuais, fruticultura, plantas madeireiras, animais
(de pequeno, médio e grande porte) e plantas adubadeiras com o
extrativismo do babaçu, obedecendo a critérios técnicos , cultural
e social, de tal forma que os elementos que compõem o consórcio
favoreçam à biodiversidade e à recuperação da produtividade dos
produtos da agricultura familiar; d) adoção de técnicas participativas e
insumos adequados à agricultura familiar: todas as técnicas alternativas
e os insumos utilizados no sistema agroextrativista devem estar
adequados às condições de manejo dos agricultores e agricultoras
familiares, levando em conta o saber local acumulado; e) rotação de
culturas: com plantio de espécies de famílias diferentes, cujas raízes
exploram diferentes camadas dos solos.

Este sistema agroextrativista familiar vem sendo desenvolvido a partir


de uma profunda discussão sobre o uso dos recursos naturais de forma
sustentável e sobre a agregação de valor a esses recursos, por outro
lado, tem possibilitado ainda um amadurecimento nas discussões sobre
a questão de gênero na agricultura familiar, tendo em vista que tais

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 108 08/04/2010 13:58:30


109

atividades envolvem o trabalho do homem e da mulher e que a economia


do babaçu é uma atividade predominantemente desenvolvida pelas
mulheres quebradeiras de coco babaçu.

Por outro lado, todo esse trabalho vem sendo desenvolvido de forma
coletiva, reforçando o associativismo e o cooperativismo na região.
Por meio dessa forma de organização, hoje a região do Médio Mearim
vem se colocando como referência nas questões que tratam do
agroextrativismo e da economia do babaçu, e tem possibilitado ainda o
surgimento e fortalecimento de outras organizações que estão investindo
na colocação dos seus produtos no comércio justo e solidário, como a
COPPALJ – Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de
Lago do Junco que produz o óleo orgânico de babaçu que atualmente
recebe a certificação do IBD (Instituto Biodinâmico) e já atinge o mercado
internacional, sendo comercializado na Inglaterra e Estados Unidos;
COPPAESP – Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de
Esperantinopólis, que produz a farinha do mesocarpo do babaçu; AMTR
– Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais, que produz o sabonete
Babaçu Livre e papel reciclado), é válido ressaltar que o sabonete Babaçu
Livre já atinge o mercado nacional e internacional, chegando a exportar
uma média de 10 mil unidades de sabonetes por ano. Tem-se ainda outras
organizações como a Associação dos Agricultores da Gleba Riachuelo, que
produz frutas desidratadas e o Grupo de Mulheres de Santana que produz
compotas, geléias de frutas e licor.

O acompanhamento deste sistema agroextrativista é realizado por meio de avaliações


internas, coordenados pelas famílias, seguindo as seguintes etapas:

a) planejamento anual, com a participação direta das famílias;

b) planejamento do calendário agrícola, visitas técnicas sistemáticas de campo


acompanhadas pelos trabalhadores considerados multiplicadores da proposta
(metodologia camponesa de trabalhador para trabalhador);

c) observação direta; reuniões periódicas para estudo da produção


agroextrativista, núcleos de geração de renda;

d) grupo de estudos das quebradeiras de coco babaçu; seminários de relação de


gênero ligado a produção.

A transferência desta experiência tem se dado por meio de palestras,


seminários, oficinas, cursos práticos, divulgação das ações da ASSEMA
em documentos e cadernos de práticas alternativas dentro do
agroextrativismo e da produção de materiais educativos.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 109 08/04/2010 13:58:31


110

Resultados:

As famílias associadas a ASSEMA totalizam 23,5 ha de roças orgânicas


com as culturas anuais (arroz, milho, feijão e mandioca), fruticultura
tropical (caju, abacaxi, Resumos do II Congresso Brasileiro de
Agroecologia banana, jaca), árvores madeireiras nativas e essências
florestais, hortaliças, plantas medicinais e criação de pequenos animais
como caprinos e ovinos. Todos esses itens são consorciados com a
palmeira do babaçu.

Implementação de leis municipais Babaçu Livre, que garante a


preservação do babaçu, por meio da proibição de queimadas, de
agrotóxicos e de derrubadas;

Conhecimento das práticas alternativas por parte das famílias


proporcionando o crescimento da produção de grãos e de frutas a cada
ano sem agroquímicos;

Redução dos conflitos entre homens e mulheres sobre a preservação


dos babaçuais em áreas de plantios de culturas anuais;

Fortalecimento das famílias nas discussões e proposições de políticas


públicas;

Inserção dos jovens nas discussões sobre o agroextrativismo e


cooperativismo;

Desenvolvimento da linha de produtos “Babaçu Livre” com a colocação


e inserção dessas famílias no mercado justo e solidário, proporcionando
uma valorização do preço dos produtos Babaçu Livre e aumento na
renda dessas famílias, que passam a contar com a venda das amêndoas
do babaçu a preços acima do concorrente e a dispor das sobras das
cooperativas, conforme a produção de cada família, melhorando,
conseqüentemente a qualidade de vida;

Conquista de um selo de certificação orgânica, agregando valor


ao produto (óleo de babaçu), possibilitando a conquista de novos
mercados. ( o mais importante, é que fazemos uma certificação de
processo e não apenas do produto).

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 110 08/04/2010 13:58:31


111

TEXTO 14
Frutas nativas: de testemunhos da fome a iguarias na mesa
Guillermo Gamarra-Rojas, Adriana Galvão Freire,
João Macedo Moreira e Paula Almeida*

Beneficiamento da castanha do cajú

No agreste da Paraíba, as frutas nativas são mantidas e utilizadas de


variadas formas pelas famílias de agricultores. De forma geral, se fazem
presentes pela grande importância que têm na dieta alimentar das
comunidades situadas na porção territorial mais úmida, conhecida
como Brejo. Já nas regiões do Curimataú e do Cariri, áreas mais secas e
mais à oeste do estado, essas espécies são, à exceção do umbu (Spondis
tuberosa), culturalmente marginalizadas. O consumo dessas frutas é
fortemente associado aos longos períodos de estiagem, quando se
tornam uma das poucas alternativas alimentares disponíveis.

São, nesse sentido, testemunhos da fome. Assim, o consumo de frutas


do cardeiro (Cereus jamacaru), do xique-xique (Pilosocereus gounellei)
ou da cumbeba (Opuntia inamoena) simboliza uma situação de extrema
penúria, ainda mais pelo fato de algumas dessas plantas também
serem empregadas como fontes de forragem. Agravando a percepção
depreciativa socialmente construída em torno do uso alimentício dessas
plantas, os programas governamentais sempre atuaram em momentos de
crise alimentar no semi-árido distribuindo cestas básicas compostas por
produtos vindos do Sul do país. Portanto, além de não enfrentar de forma

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 111 08/04/2010 13:58:34


112

estrutural as causas que conduzem à vulnerabilidade alimentar na região,


esses programas terminam por induzir o desenvolvimento de um padrão
de consumo baseado em alimentos que não são passíveis de serem
produzidos localmente. Todo esse processo leva a uma gradativa erosão
dos conhecimentos associados à rica vegetação da caatinga, em particular
ao potencial alimentício de suas espécies frutíferas.

Diante desse contexto, um grupo de agricultores, agricultoras e


lideranças do Pólo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar
da Borbo-rema realizou um diagnóstico a fim de resgatar e valorizar o
conhecimento sobre o uso das frutas nativas na alimentação das famílias,
bem como identificar técnicas e estratégias de manejo, beneficiamento e
comercialização de frutas ainda presentes no cotidiano das comunidades.

Assessorado pela AS-PTA e pela Associação de Plantas do ordeste


(APNE), esse diagnóstico foi realizado em sete municípios da região,
contemplando desde as regiões mais úmidas até as mais secas.

A noção de fruta nativa

A primeira etapa do diagnóstico foi dedicada a uma reflexão coletiva


voltada para precisar o conceito de fruta nativa. Após um amplo debate
chegou-se a dois conceitos: “fruta nativa-do-mato”, concepção local
próxima da noção de fruta nativa silvestre, ou seja, aquela espécie que
“nasce pela própria natureza” no meio da vegetação local ou nos quintais
e que “não precisa educar, mas que pode ser educada”; e “fruta nativa-
naturalizada”, indicando espécies e variedades introduzidas que estão
adaptadas às condições locais, como algumas espécies de Annona,
Spondias e algumas variedades de banana e Citrus. As demais frutíferas
estão contidas numa terceira categoria de frutas, as “não-nativas”. Entre
estas últimas estão incluídas espécies e variedades de introdução recente,
geralmente exigentes em insumos e em cuidados fitossanitários.

Elas podem ser resultado tanto de melhoramento de espécies ativas,


como variedades nanicas de Anacardium, quanto de enxertos intra (p.e.
Coqueiro – A occidentale) e interespecíficos (Cazajeiro – S. mombim).

A fruta nativa e seus significados para a agricultura familiar

Durante a realização do diagnóstico, o relevante papel que as frutas


nativas cumprem e seu enorme potencial alimentar foram amplamente
ressaltados pelas agricultoras e agricultores envolvidos. O grupo de
estudo das frutas identificou 44 espécies diferentes, das quais 29 foram
consideradas de alta preferência devido à sua diversidade de usos e
funções, corroborando o valor das espécies de propósito múltiplo nas
estratégias da agricultura familiar.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 112 08/04/2010 13:58:34


113

Muitas dessas frutas se encontram de forma dispersa


Essas categorias estão di-
nas unidades familiares e, como nascem de forma
retamente relacionadas às
espontânea, não requerem tratos culturais. Assim,
percepções locais que podem
nas áreas mais preservadas, cumprem importante
ser representadas em um
função ecológica como alimento e abrigo para
gradiente decrescente de
animais silvestres. Contudo, algumas espécies como
adaptabilidade ou rusticida-
a ubaia (Eugenia uvalha) e o jatobá (Hymenaea
de, da “nativa-do-mato” para
courbaril) estão se tornando raras em algumas
a “não- nativa”. A reflexão
comunidades devido ao desmatamento generalizado
sobre a resistência das plan-
ocorrido durante os grandes ciclos das monoculturas
tas nos agroecossitemas tem
de algodão e agave.
implicações importantes no
manejo das frutas. Os agricul-
Já nas regiões mais úmidas, essa escassez ocorre
tores e agricultoras possuem
porque estão sendo substituídas por frutas
um claro entendimento, por
comercialmente mais valorizadas nos mercados,
exemplo, de que, apesar de
como a laranja e a banana.
as “nativas-do-mato” apre-
sentarem vantagens adaptati-
Nas propriedades familiares, algumas espécies estão
vas sobre as frutas introduzi-
presentes nos quintais domésticos, nos cercados de
das, apenas poucas alcançam
palma forrageira (Opuntia ficus) ou são utilizadas
os mercados.
como cercas vivas (cajá, cumbeba). A localização das
frutíferas obedece à lógica de otimizar o espaço, o
Por outro lado, observamos
esforço de trabalho e os recursos disponíveis, como
que algumas frutíferas nati-
o reaproveitamento da água de uso doméstico para
vas são preservadas mesmo
a irrigação das plantas dos quintais próximos às
em áreas de maior densidade
moradias nas regiões e épocas mais secas. Embora
de ocupação humana, sendo
todos os membros das famílias colham frutas
o umbu na área mais seca e
nativas, s crianças são as mais envolvidas nessa
o cajá na área mais úmida
atividade.
exemplos disso. As múltiplas
funções dessas espécies são
Por terem sido “plantadas por Deus”, é comum a
os motivos atribuídos para
sua colheita se dar também em terra de terceiros,
que sejam mantidas nos sis-
principalmente quando a fruta em questão não
temas produtivos. Além das
possui valor comercial. Caso contrário, só o dono da
frutas que são consumidas
terra ou um vizinho, mediante acordo prévio, tem o
pelas famílias ou comerciali-
direito de colhê-las e vendê-las. A comercialização
zadas, essas plantas propor-
é limitada tanto no que se refere à quantidade do
cionam sombra, adubo para
produto quanto ao número de espécies. Apesar de o
o solo, madeira, estacas, cer-
cajá, do umbu e da jaboticabeira serem bem aceitos
cas vivas, lenha, medicamen-
no mercado, os agricultores enfrentam dificuldades
tos e alimento para abelhas
na venda dessas frutas em função dos baixos
e criações. Apenas uma das
volumes de produção e da falta de informação
espécies, a jabuticaba (Myr-
sobre como e onde vendê-las. São os atravessadores
ciaria cauliflora), foi classifi-
que em geral reúnem o produto da comunidade
cada como preferencial pelos
e o repassam para os mercados locais e regionais,
agricultores exclusivamente
deixando pouco benefício financeiro às famílias.
pela vocação como frutífera.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 113 08/04/2010 13:58:34


114

O resgate do conhecimento
A revalorização desse
O diagnóstico, sem dúvida, permitiu trazer para as conhecimento provocou
comunidades o debate sobre a importância da rica uma imediata mudan-
diversidade de frutas nativas existente na região e seus ça de status das frutas
inúmeros usos, dessa forma favorecendo a realização no cardápio cultural de
de uma análise coletiva sobre o papel potencial que alimentos. Essa quebra
essas espécies podem desempenhar na satisfação das dos tabus associados às
necessidades alimentares e econômicas das famílias. situações de fome levou
ao aumento do consumo
Ao final do diagnóstico, os agricultores e agricultoras de frutas in natura e es-
sentiram-se altamente estimulados a darem continuidade timulou o teste de novas
ao trabalho de revalorização das frutas nativas. Foi receitas para torná-las
então formulado um plano de formação no sentido de mais apetitosas.
desenvolver e disseminar inovações de manejo produtivo,
de beneficiamento e comercialização das espécies
frutíferas.

Três grupos de agricultores-experimentadores do Pólo


Sindical se motivaram a trabalhar com o tema. Um
associado à dinâmica de experimentação em saúde e
alimentação, composto principalmente por mulheres
que se interessaram em realizar encontros e cursos sobre
beneficiamento e comercialização das frutas; outro
associado ao Coletivo Municipal da Agricultura Familiar de
Soledade que, assessorado pelo Programa de Aplicação
de Tecnologias Apropriadas às Elaboração de matriz de
preferência de frutas nativas.

Comunidades (Patac) vem desenvolvendo e resgatando


receitas culinárias, principalmente de Cactáceas; e um
terceiro dedicado à rearborização de propriedades.

As agricultoras e agricultores envolvidos neste último


grupo estruturaram viveiros comunitários e/ou individuais
e passaram a resgatar sementes e a produzir e distribuir
mudas de frutas nativas.

Na região mais seca, Cariri/Curimataú, o umbuzeiro,


um símbolo de convivência com o semi-árido, passou
a merecer especial atenção. Foi realizado um conjunto
de eventos comunitários e regionais e de visitas
de intercâmbio, criando um ambiente favorável à
troca de conhecimentos sobre o aproveitamento, o
beneficiamento,

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 114 08/04/2010 13:58:35


115

a produção de mudas e a conservação da fruta. Um grupo


significativo de agricultores visitou experiências similares Ao final do diagnóstico,
em outros estados do Nordeste e o trabalho desenvolvido os agricultores e agri-
pela Embrapa Semi-árido nesse campo. cultoras sentiram-se
O caju, do qual antes somente se valorizava a castanha, altamente estimulados
passou a ser aproveitado integralmente. Cursos a darem continuidade
ministrados primeiramente por um agricultor com ao trabalho de revalori-
larga experiência no processamento da fruta em passa- zação das frutas nativas.
caju, doce de corte, doce em calda, suco, cajuína, mel Foi então formulado um
e vinho passaram, em seguida, a ser promovidos por plano de formação no
outros agricultores e agricultoras. A partir daí, grupos sentido de desenvolver
de áreas mais úmidas, onde a espécie ocorre em grande e disseminar inovações
quantidade, passaram a fazer doces e sucos para vender de manejo produtivo, de
nas feiras municipais e agroecológicas, além de consumir beneficiamento e comer-
em casa nas épocas de entressafra. cialização das espécies
frutíferas.
Enfim, a realização do estudo e o intercâmbio sobre
o aproveitamento e beneficiamento das frutas
desencadearam uma reação imediata nas famílias
Mais do que as receitas,
envolvidas, que passaram a coletar sementes, produzir
o maior resultado da
e distribuir mudas e conservar frutas nativas em suas
troca de conhecimentos
unidades de produção. Dessa forma, espécies que já se
foi o estímulo, o teste e
encontravam em vias de extinção em algumas localidades
a inovação dos usos das
da região foram protegidas e/ou reintroduzidas. Para a
frutas antes não aprovei-
animação desse processo, uma peça teatral foi organizada
tadas. Receitas de doces,
e encenada pelo Grupo de Teatro do Pólo Sindical
geléias, sucos e bolos
para sensibilizar novas famílias que ainda não estavam
com os frutos e ramos
engajadas nesse trabalho.
(cladóides) de algumas
cactáceas locais come-
Novos temas para pesquisa çaram a ser recriadas.
Esse potencial inovador
As frutas nativas ainda são negligenciadas pela pesquisa
também foi motivado
acadêmica. Pouco se sabe sobre suas propriedades
nas regiões mais úmi-
nutricionais, suas formas de manejo e seus potenciais
das, onde se observou
de mercado. Além de estimular um intenso processo de
uma busca pelo melhor
mobilização social no agreste da Paraíba, o
aproveitamento das
diagnóstico também foi importante para a identificação
frutas que antes eram
de demandas por conhecimentos para o aprimoramento
consumidas apenas in
do uso dessas frutas nas comunidades. Na medida em que
natura, como o jenipapo
grande parte das espécies frutíferas tem curto período de
(Genipa americana).
colheita no ano, temas como processamento e
conservação pós-colheita, além da avaliação das
propriedades nutricionais, se mostraram como
prioridades em que se deve investir.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 115 08/04/2010 13:58:35


116

As estratégias locais de produção de mudas e venda nas feiras


agroecológicas estão tornando as frutas nativas mais conhecidas.
Contudo, estudos pormenorizados de mercado e cadeias de
comercialização ainda se fazem necessários para o desenvolvimento de
práticas mais circunstanciadas de valorização econômica dessas espécies.

Iguarias na mesa

De testemunhos da fome, as frutas nativas no agreste da Paraíba vêm


se transformando em iguarias na mesa das famílias agricultoras. Além
de suprir carências nutricionais, esse trabalho com as frutas nativas
mobilizou conhecimentos, experiências e, sobretudo, permitiu que
agricultores e agricultoras experimentassem novas
receitas de vida.

*Guillermo Gamarra-Rojas: agrônomo, doutor em botânica, consultor autônomo.


ggamarra@terra.com.br
Adriana Galvão Freire: bióloga, mestre em administração rural,
assessora técnica da AS-PTA
adriana@aspta.org.br
João Macedo Moreira: agrônomo, assessor técnico da AS-PTA
joao@aspta.org.br
Paula Almeida: agrônoma, assessora técnica da AS-PTA
paula@aspta.org.br

Referência:

GAMARRA-ROJAS, G.; GAMARRA-ROJAS, C. F. L. Conservação e uso de


frutíferas nativas de Pernambuco. In: TABARELLI, M.; SILVA, J. M. C. da
(Org). Diagnóstico da biodiversidade de Pernambuco. SECTMA-PE. Recife,
Brasil: Ed. Massangana, 2002.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 116 08/04/2010 13:58:35


117

TEXTO 15
Bolsas artesanais do vale do Bajo Mayo:
uma iniciativa bem-sucedida de beneficiamento
do algodão nativo
Elizabeth Saint-Guily*

No estado de San Martin, na floresta alta


do Peru, os pequenos agricultores do
vale do Bajo Mayo cultivam a variedade
“áspero”do algodão, de fibras curtas e
que apresenta as cores branca ou parda
(marrom). O cultivo é feito por intermédio
de um sistema tradicional de roça-corte-
queima em encostas. As árvores são
cortadas e a vegetação é queimada para
preparar o terreno onde o algodão é
plantado, em consórcio com o milho, feijão,
banana-da-terra e frutas, por cerca de
dois anos. O algodão é a principal fonte de
renda das famílias.

Os outros cultivos são destinados,
sobretudo, ao autoconsumo. Agrotóxicos
não são utilizados por questões
Bolsas feitas pelo grupo de mulheres artesãs econômicas e culturais. Trata-se, portanto,
de uma agricultura de baixos insumos
externos.

As mulheres tradicionalmente fiam e tecem o algodão para fazer faixas


(usadas para carregar objetos nas costas ou como apoio na frente), bolsas
retangulares e roupas.

Há anos que diversas empresas peruanas compram o algodão branco para


comercializá-lo no mercado interno de fibras curtas (para uso medicinal,
em colchões etc). Já o algodão pardo não encontrava compradores, até
que, nos anos 90, algumas empresas estrangeiras chegaram à região
particularmente interessadas, desde que ele estivesse certificado como
orgânico. Pagaram os custos da certificação e organizaram a assistência
técnica, em parceria com o Centro de Desenvolvimento e Pesquisa da
Floresta Alta (Cedisa), uma ONG que trabalha na diversificação dos
cultivos e das fontes de renda dos pequenos agricultores locais.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 117 08/04/2010 13:58:35


118

Figura: Jovens selecionando o algodão


A flutuação dos preços do algodão no mercado colorido orgânico no entanto,
internacional, No vale do Bajo Mayo
Mulher
torna da comunidade
o sistema de em que as empresas deixam de
instável. Há épocas existe uma iniciativa de
Solo (Lamas,
comprar o algodãoPeru)
pardo fiando
orgânico,o o que prejudica os produtores. valorização econômica do
Isso porque, embora se falecom
algodão de sua roça o
em “responsabilidade social” de negócios algodão que vem sendo
chuk-chuk (fuso).
envolvendo certificação orgânica, as empresas não podem assumir com desenvolvida parale-
muita antecedência o compromisso de comprar a produção, sendo os lamente: a fabricação
pedidos feitos de ano em ano. Para resolver esse problema, é necessário artesanal de bolsas e
buscar alternativas de mercado para o algodão pardo que garantam mochilas, com tecido tra-
rendimentos de médio e longo prazo para os pequenos agricultores. dicional de algodão pardo
e branco feito à mão, mas
No vale do Bajo Mayo existe uma iniciativa de valorização econômica com um estilo mais urba-
do algodão que vem sendo desenvolvida paralelamente: a fabricação no e diversificado.
artesanal de bolsas e mochilas, com tecido tradicional de algodão pardo
e branco feito à mão, mas com um estilo mais urbano e diversificado. As Essa produção não surgiu
bolsas femininas, as mochilas de carregar nas costas ou na frente e outras como resultado de um
peças feitas por encomenda são vendidas no mercado turístico local e programa de desenvol-
nas lojas de Tarapoto e Lamas, cidade considerada o centro da cultura vimento. Ela é fruto do
nativa da região. Esses produtos também são exportados para a Europa esforço empreendido pela
por meio de contatos particulares. O negócio, embora de pequena escala, população local. Trata-se
é muito rentável e possibilita a agregação de valor à produção local de de uma experiência em
pequena escala, que teve
algodão e ao trabalho artesanal do grupo de mulheres, constituindo um
como fator fundamen-
exemplo de beneficiamento pós-colheita que se apresenta como uma
tal para o seu sucesso a
alternativa interessante diante da inconstância do mercado orgânico
sinergia entre tecnologia
mundial.
tradicional e adaptação
do estilo dos modelos ao
Os projetos de desenvolvimento podem se inspirar nesse tipo de gosto da demanda turís-
iniciativas, mas devem ter em mente que o principal segredo para o tica. O levantamento de
sucesso está em manter uma produção em pequena escala, que oferece diferentes alternativas
maior flexibilidade e menor risco, obtendo resultados que muitas vezes de comercialização, locais
a rede de comercialização de produtos orgânicos certificados para ou internacionais, tam-
exportação não consegue atingir. bém foi de grande impor-
tância.

*Elizabeth Saint-Guily: mestranda em Sociologia do Desenvolvimento Rural,
Universidade de Wageningen, Holanda
esaintguily@yahoo.fr

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 118 08/04/2010 13:58:35


119

TEXTO 16
Remando contra a corrente: Projeto Reca e a
busca da sustentabilidade na Amazônia
Elder Andrade de Paula
Mauro César Rocha da Silva*

A expansão da “fronteira” agrícola na Amazônia e os seus efeitos


negativos têm sido marcados por intenso debate de alcance internacional.
O padrão de ocupação e uso das terras adotado na segunda metade do
século XX – centrado na grande empresa capitalista – vem resultando
26
Por alternativa
na exploração predatória da natureza, no extermínio de populações
sustentável de indígenas e na exclusão social do campesinato. No decorrer dos anos 90,
desenvolvimento,
estamos consi- a profusão de experimentos comunitários de base local considerados
derando aqueles sustentáveis em diversos pontos do território amazônico afiançou um
experimentos
que articulam clima de otimismo em torno das possibilidades de redirecionamento das
as dimensões estratégias para o desenvolvimento na região.
socioculturais, am-
bientais, econô-
micas e políticas,
que se traduzem
Este artigo chama a atenção para os novos desafios que se impõem
sinteticamente àqueles que reconhecem a importância da conservação da biodiversidade
na elevação dos
níveis sociais de
e se preocupam com a sustentabilidade da pequena produção de base
vida e renda; rural na Amazônia. Ele foca o Projeto de Reflorestamento Econômico
padrão de uso
da terra pautado Consorciado e Adensado (Projeto Reca), desenvolvido no estado de
nos princípios Rondônia, em uma faixa de fronteira com o Acre. Considerado um dos
agroecológicos
articulados com exemplos mais bem-sucedidos em termos de adoção de alternativa
valorização da sustentável26 de desenvolvimento1, o projeto também foi apontado como
cultura; organiza-
ção e participação uma das “oito melhores experiências de organização e de produção do
dos agricultores
no processo
planeta apresentadas aos presidentes de sete dos mais ricos países do
decisório. mundo reunidos em Miami” (Reca, 2003).

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 119 08/04/2010 13:58:37


120

Breve histórico do Projeto Reca Como já havia acumulado


maior conhecimento so-
O ano de 1984 foi marcante na trajetória do Projeto Reca. bre a natureza e a mega-
De acordo com depoimentos de diversas lideranças, biodiversidade existente,
naquele ano, um grande contingente de migrantes chegou por sua vivência na flo-
à Ponta do Rio Abunã (atualmente município de Nova resta e pelo intercâmbio
Califórnia), extremo oeste de Rondônia, na fronteira com sociocultural com antigos
o Acre. Atraídas pela oferta de lotes de terras no antigo moradores, um grupo
Seringal Santa Clara, transformado em Projeto Integrado de pensou na possibilidade
Colonização pelo Incra, muitas famílias oriundas do Sul do de testar algumas plantas
país vieram se juntar a posseiros e antigos seringueiros que nativas da região como
já viviam na área. alternativa de produção,
que fossem ao mesmo
A exemplo do que ocorria nos demais projetos do Incra, tempo compatíveis com
esse contingente de migrantes ficou relegado à própria a conservação do meio
sorte. Não dispondo de boas condições de moradia, de ambiente e mais rentáveis
apoio à produção e submetidas aos recorrentes surtos de economicamente. Foi com
malária, muitas famílias abandonaram seus lotes. Aqueles essa perspectiva que no
que permaneceram em suas terras tentaram sobreviver com ano de 1989 foi fundada
plantios de arroz, feijão, milho e café, culturas com as quais a Associação de Peque-
já estavam habituados a lidar tradicionalmente no Centro-Sul nos Agrossilvicultores do
do país e em suas andanças pelo Mato Grosso e Rondônia. Projeto Reca, inicialmente
com 80 associados. Entre
A partir dos anos 80, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) seus objetivos iniciais,
desenvolveram-se como um tipo especial de manejo mais figurava a recuperação de
adaptado às condições peculiares dos ecossistemas tropicais áreas degradadas com a
amazônicos, e como alternativa ao tradicional sistema de implantação de sistemas
corte e queima, buscando dar respostas socioeconômicas de cultivos agroflorestais.
e ambientais ao insustentável processo econômico de
ocupação da Amazônia.

As principais vantagens que asseguram a viabilidade dessas


experiências dizem respeito à diversificação seqüencial da
produção; à diminuição dos efeitos negativos causados pelas
sazonalidades dos preços dos produtos ou quebra de safra;
à recuperação dos solos degradados; ao reaproveitamento
natural dos compostos orgânicos e eliminação do uso
de adubos químicos; à recomposição da paisagem com
cobertura florestal e ao controle natural de pragas.

Os SAFs no Projeto Reca foram baseados na combinação


produtiva de cupuaçu (Theobroma grandiflorum), pupunha
(Bactris gasipaes), castanha (Bertholletia excelsa) e essências
florestais. Foram implantados cerca de 450 hectares dessas
três espécies.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 120 08/04/2010 13:58:38


121

No início dos anos 90 começaram a aparecer os primeiros A singularidade do Proje-


resultados econômicos dos SAFs, com uma safra de 120 to Reca não está somen-
toneladas de cupuaçu. Uma agroindústria foi instalada para te na construção de uma
o beneficiamento da polpa de cupuaçu e de palmito de alternativa de produção
pupunha, onde toda a produção passou a ser processada de fundada em princípios
forma comunitária. Dessa forma, o Projeto Reca impulsionou agroecológicos, mas
a criação do município Nova Califórnia. também no seu processo
de organização para o
Em busca da sustentabilidade controle sobre a cadeia
produtiva.
A singularidade do Projeto Reca não está somente na
construção de uma alternativa de produção fundada em
princípios agroecológicos, mas também no seu processo
de organização para o controle sobre a cadeia produtiva.
No que se refere à organização, as lideranças do Projeto
afirmam sempre que as conquistas obtidas até então
resultam da sua força coletiva, que é fruto de um intensivo
processo de formação de base articulado com um tipo
de gestão que envolve ampla participação no processo
decisório, hoje com cerca de 360 associados.

Respaldada nessa força coletiva e na sua capacidade


de articulação em redes nacionais e internacionais, a
coordenação do Reca deu um ousado passo ao implantar
agroindústrias e buscar mercado para seus produtos.
Mesmo diante dessas
Comercializa polpa congelada de cupuaçu, manteiga de limitações, o Projeto
cupuaçu, sementes e palmito de pupunha. No entanto, Reca, com forte suporte
os desafios nessa nova fase do Projeto Reca, como o comunitário e organiza-
de processamento industrial e comercialização desses cional, tem demonstrado
produtos, ainda são enormes, seja pela instabilidade dos que o sistema produtivo
preços, pelas flutuações de um mercado consumidor baseado nos SAFs pos-
ainda não consolidado, pela falta de infra-estrutura sibilitou o aumento da
adequada (equipamentos e instalações produtivas), renda familiar; a me-
mas principalmente, pela ausência de políticas públicas lhoria da alimentação;
voltadas para esse segmento da produção familiar. a diminuição dos riscos
de perdas com queda de
Nas contas do Sr. Leonir, um dos associados, os SAFs safras devido à diversifi-
trazem um retorno econômico, além do ambiental, quatro cação da produção; e a
vezes maior do que a pecuária: Trinta e dois hectares proteção do meio am-
de pastagens rendem por ano R$ 16 mil com a venda biente com aumento da
de bezerros. Em 5,5 hectares de SAFs, com rendimento fertilidade do solo.
médio, consigo R$ 10 mil por ano.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 121 08/04/2010 13:58:38


122

Considerações finais

A experiência do Projeto Reca demonstra com muito vigor as possibilidades


de trilhar um caminho diverso daquele iniciado nos anos 70 e retomado
com nova alegoria em fins dos 90. O avanço na construção de uma
alternativa que combina o uso inteligente da biodiversidade com a proteção
do meio ambiente e elevação dos níveis sociais de vida dos pequenos
produtores na Amazônia requer uma atenção especial por parte do governo
no sentido de redirecionar as políticas públicas na região. A continuidade
das políticas e estratégias de desenvolvimento atualmente em curso na
Amazônia, sobretudo aquelas centradas no incentivo ao agronegócio (soja,
pecuária e madeira), tende a desestimular a ampliação de experimentos
similares ao do Reca e aprofundar a insustentabilidade de um estilo de
desenvolvimento que se nutre da produção destrutiva e agrava o drama
social da maior parte da população regional. Está na hora, portanto, de
retomar o senso crítico que marcou a luta de resistência na Amazônia
nas décadas de 70 e 80, com o intuito de manter acesas as chamas da
esperança de que experiências como as do Projeto Reca possam deixar de
ser exceção e constituam-se em regra no futuro.

*Elder Andrade de Paula: prof. adjunto do DFCS/


UFAC, coordenador do Núcleo de Pesquisa Estado,
Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental
elderpaula@uol.com.br
Mauro César Rocha da Silva: prof. do DFCS/UFAC e
pesquisador do Grupo Pesacre.
maurorocha@pesacre.org.br

Referências:

ANDERSON, Anthony et. al. Esverdeando a Amazônia: comunidades e


empresas em busca de práticas para negócios sustentáveis. Brasília: IIEB,
2002.

PAULA, Elder. Estado e desenvolvimento insustentável na Amazônia


Ocidental: dos missionários do progresso aos mercadores da natureza.
2003. Tese/Doutorado. CPDA/UFRRJ, Rio de Janeiro.

RECA (Brasil). Nosso jeito de caminhar: a história do Reca contada por


seus associados, parceiros e amigos. Brasília, 2003.

RODRIGUES, Ricardo L. Análise dos fatores Determinantes do


Desflorestamento Na Amazônia Legal. 2004. Tese/Doutorado. COPPE/
UFRJ, Rio de Janeiro.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 122 08/04/2010 13:58:38


123

4.6. Sínteses Provisórias

Não! Prefiro a olericultura, parece Calma gente! Se é uma síntese


Eu quero falar sobre mais interessante. podemos falar de todos ao mesmo
aquicultura! tempo.

Existem muitas formas de sintetizar um


tema. Muitas já sugeridas anteriormen-
te como poemas, música, teatro, enfim.
Quem decide é você.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 123 08/04/2010 13:58:38


124

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 124 08/04/2010 13:58:38


125

5
Políticas Agrárias
e Agrícolas

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 125 08/04/2010 13:58:41


126

5.1. Dialogando sobre Políticas


Agrárias e Agrícolas
Parece até que é a mesma coisa....
mas se tem um “e” entre uma e
outra quer dizer que são coisas
mas qual é a diferença quando se fala de política quer di-
diferentes....
entre política agrária e zer que tem haver com o governo,
agrícola? como ele atua na área agrícola.

Mas será que nós também não podemos Bonitas palavras, mas elas não
“fazer política”? Quando decidimos podem ser só palavras, precisam
juntos ou discutimos como agir sobre se tornar ação.
nossa própria realidade, mudando nossa
condição e se organizando para reinvindi-
cação de nossos direitos e assumindo um
compromisso transformador do mundo.

5.2. Objetivo
Debater sobre os problemas produtivo-ambientais e as principais políticas
agrárias e agrícolas no Brasil e seu alcance, efetividade e influência sobre
o território local em que vivem.

5.3. Um olhar sobre as Políticas Agrárias


e Agrícolas no Brasil
“Quando eu era criança
meu pai nunca deixou eu
estudar, quando pedia para
ir a escola ele dizia para eu
escrever numa casca de
palmito, e eu obedecia. O
pouco que aprendi foi sendo
o meu papel uma casca de
palmito, e meu lápis um
pedaço de carvão”.
Cândida, 42 anos, Educando do Núcleo
Jiparaná, RO, Programa Vento Norte –
CUT. IN: Trabalho e Desenvolvimento na
Amazônia, 2002.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 126 08/04/2010 13:58:48


127

Civilização Canavieira

Forjada pelo fogo


Em contraste a semeadura
Alastra as suas fronteiras
Pelos resquícios de fartura
Destruindo matas inteiras
Com grosseira agricultura.
Produz também homens
Que suas vidas inteiras
Seguem em fileiras
Vivendo as agruras
Constroem barreiras
E moldam a cultura.

Os homens têm em suas faces


Uma imagem monocultora
Na sobrevida de impasses
Na indústria opressora,
No labirinto da existência letal
Posto à classe trabalhadora.

Secas terras, porém verdes


Só têm a cor da vida
Mas, esta já foi castrada,
Vidas mortas, desagregadas
O ser dormente
da árdua jornada
A esperança ausente,
pois, já foi roubada.
Nessas vidas mutiladas,
Nesses tantos dias a fio.

de Ítalo Agra de Oliveira Silva


Gameleira - PE
Disponível em

http://www.mundojovem.com.br/poema-terra-8.php

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 127 08/04/2010 13:58:48


128

Distribuição da área total dos imóveis rurais(1) por categoria


Brasil e Grandes Regiões 1998 (em %)
Gráfico 1
80,0
73,0
70,3
70,0

60,0 57,4

50,0
41,9
40,0 39,7 37,3

30,0 28,4
26,1
22,5
21,1 21,8 21,3
17,5 19,2
20,0
14,3 14,4 14,7
11,3
10,3 8,9
10,0 5,1 3,1 6,7 7,5
1,1 0,9 2,0 1,3
0,3 0,8
0,0
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste Brasil
Grande(2) Média(3) Pequena(4) Minifúndio(5) Não Classificado

Fonte: Incra. Estatísticas Cadastrais. Elaboração: DIEESE


Notas: (1) Conceito de “imóvel rural” definido pelo Incra se encontra no glossário; (2) Imóvel rural de
área superior a 15 (quinze) módulos fiscais; (3) Imóvel rural de área superior a 4 (quatro) e até 15
(quinze) módulos fiscais; (4) Imóvel rural de área compreendida etre 1 (um) e 4 (quatro) módulos
fiscais; (5) Imóvel rural com área inferior a 1 (um) módulo fiscal.
OBS: O Ingra exclui 149.548 imóveis com dados inconsistentes: imóvel com área total menor que 99% do
somatório das áreas exploradas, reserva legal, preservação permanentemente, inaproveitável
e aproveitável não utilizada; imóveis com área total maior que 105% do mesmo somatório.

Taxa de analfabetismo(1) por situação do domicílio segundo


a faixa etária - Brasil 2004 (em %)
90,0 84,1
Gráfico 1
80,0
70,2
70,0

60,0 41,9
54,5

50,0
41,4
40,0
29,0 28,7 27,1
30,0 26,2
21,6
18,0
20,0
12,2 13,5
11,6
9,7 7,6 8,3
10,0 6,9 5,6
3,7 4,6 5,1 3,7
2,6 1,5 1,4 1,9 2,5
0,0
5e6 7 8e9 10 e 11 12 13 e 14 15 a 17 18 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 50 a 59
anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos

Urbano Rural

Fonte: IBGE, PNAD; Elaboração: DIEESE


Notas: (1) Trata-se da proporção de pessoas não alfabetizadas em relação ao total de pessoas em cada grupo de
idade.
OBS: Excluiu as pessoas de idade ignorada.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 128 08/04/2010 13:58:49


129

5.4. Construindo um olhar sobre nossa


realidade
(...) A liberdade da terra não é assunto de Labradores.
A Liberdade da terra é assunto de todos.
Quantos não se alimentam do fruto da terra?
Do que vive, sobrevive do salário.
Do que é impedi de ir a escola.
Dos meninos e meninas de Rua.
Das prostitutas. Dos Ameaçado pelo Cólera.
Dos que amargam o desemprego.
Dos que recusam a morte do sonho.
A Liberdade da terra e a paz do campo têm um nome.
Hoje viemos cantar no coração da cidade para que ela ouça
nossas canções...

Pedro Tierra, fragmento. In: Diretrizes Operacionais para a Educação Básicas nas Escolas
do Campo, 2002.

Considerando as reflexões construídas até então sobre as características


e dinâmica de funcionamento do sistema de produção das famílias de
agricultores da região dos/as educandos/as, a proposta de pesquisa de
campo neste momento toma como objeto de investigação as políticas
públicas de apoio à agricultura familiar.

Assim, são sugeridas questões de pesquisa voltadas ao levantamento de


dados sobre as ações governamentais existentes na comunidade dos/as
educandos/as e a avaliação que estes e seus familiares têm sobre tais
ações.

Questões de Pesquisa

• Que ações governamentais são desenvolvidas na região em apoio à


agricultura familiar?

• Quais suas características e principais resultados?

• Como você e seus familiares percebem e se relacionam com tais ações?

• Como estas políticas vêm influenciando na transformação dos


agroecossistemas?

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 129 08/04/2010 13:58:49


130

A partir do acúmulo de sua Turma e da dinâmica pedagógica já vivenciada,


registre outras Questões de Pesquisa significativas no quadro abaixo.
Fonte:www.agroecologia.org.br

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 130 08/04/2010 13:58:50


131

5.5. Balaio de Textos

TEXTO 17
A Transição Agroecológica das Políticas de
Crédito Voltadas para a Agricultura Familiar
Jean Marc von der Weid*

Qualquer agricultor ecológico que tenha tentado acessar


o crédito nos primeiros anos de existência do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf) vivenciou o mesmo problema. Os métodos de
manejo agroecológico não eram reconhecidos pelas
instituições bancárias oficiais e, portanto, não eram
passíveis de financiamento. Sob a alegação de reduzir
os riscos das operações de crédito, sejam elas para
investimento ou custeio, os bancos seguiam à risca as
recomendações dos protocolos técnicos desenvolvidos
pelos sistemas governamentais de pesquisa agrícola.
Os recursos de custeio eram somente liberados caso
se destinassem à aquisição de pacotes tecnológicos
compostos por fertilizantes solúveis, agrotóxicos e
variedades comerciais desenvolvidas para responder ao
emprego intensivo dos agroquímicos.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 131 08/04/2010 13:58:50


132

Os financiamentos
Os custos dos investimen-
tos iniciais para estru-
para investimento eram destinados fundamentalmente
turar propriedades que
à compra de máquinas e equipamentos para o manejo
ingressam numa traje-
agrícola. Em suma, recursos de crédito disponíveis para
tória de transição agro-
fortalecer a agricultura familiar apenas passavam por
ecológica não são altos.
ela, que funcionava como ponte para o seu destino final:
Para uma propriedade de
as empresas agroindustriais. Durante muito tempo, o
cinco hectares no cen-
emprego dessa lógica engendrou graves agressões ao
tro-sul do Paraná, esse
meio ambiente e agudos processos de endividamento das
valor correspondia, em
famílias produtoras.
2003, à cerca de dois mil
reais. Entretanto, como
No início da década de 2000, organizações da agricultura
as famílias agricultoras
familiar e entidades de assessoria atuaram no sentido de
da região estavam de tal
influenciar as concepções do Pronaf.
forma descapitalizadas,
necessitavam recorrer
Aceitas as proposições da sociedade civil, o Programa
a financiamentos mais
passou a orientar as instituições bancárias a admitirem o
substantivos (da ordem
financiamento de projetos técnicos baseados em manejos
de 18 mil reais) para es-
agroecológicos. Na prática, entretanto, a teoria foi outra.
truturar as unidades pro-
dutivas. De forma geral,
Um caso exemplar dos obstáculos encontrados pelos
esse processo não estava
agricultores familiares ecológicos e por aqueles envolvidos
relacionado diretamente
em processos de transição agroecológica ocorreu em
à conversão dos sistemas
2001, no município de Irati (PR). Dando continuidade a um
técnicos, mas sim à pro-
trabalho regional que mobilizava várias organizações da
visão de equipamentos
agricultura familiar no centrosul do Paraná, a Secretaria
básicos para assegurar
de Agricultura de Irati incentivou a apresentação massiva
o bem-estar familiar. No
de projetos ao Pronaf por parte de famílias do município.
semi-árido, a necessidade
Com um custo médio de mil reais, os projetos previam
de equipar as proprieda-
recursos para a aquisição de sementes de variedades
des com infra-estruturas
crioulas e de espécies de adubação verde, para a
hídricas acaba cobrando
compra de insumos para a produção de biofertilizantes e
investimentos de maior
caldas,para consertos de equipamentos de tração animal,
porte, que podem chegar,
entre outros fins. A agência local do Banco do Brasil
em alguns casos, a 20 mil
colocou em dúvida os projetos técnicos, cobrando testes
reais para a estruturação
de germinação das sementes, análise dos adubos etc.
de uma unidade de 20 a
Embora as repostas técnicas solicitadas tenham sido
30 hectares.
dadas, foi preciso que a Secretaria ameaçasse com a
retirada da conta da prefeitura da agência para que os
projetos fossem financiados.

Em 2003, a Articulação Nacional de Agroecologia


(ANA), representada pelo seu Grupo de Trabalho sobre
Financiamento da Produção, manteve contatos regulares
com técnicos e dirigentes do Pronaf visando facilitar

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 132 08/04/2010 13:58:50


133

o acesso dos agricultores ecológicos e, sobretudo,


daqueles em vias de transição agroecológica aos recursos Para que esse tipo de
governamentais destinados ao custeio e ao investimento. financiamento seja
Como resultado, foram criadas duas modalidades de adequado às necessida-
crédito inovadoras conhecidas como Pronaf Agroecologia des e capacidades das
e Pronaf Semi-Árido. Além disso, consolidaram-se normas famílias, bem como aos
que abrem a possibilidade de emprego das modalidades ritmos de recuperação
de Pronaf pré-existentes para o financiamento de projetos ambiental dos agroe-
cossistemas, deve ser
com o enfoque agroecológico.
concebido com prazos
mais extensos. Deve
Ao longo das três safras seguintes, esses instrumentos
simultaneamente per-
foram postos à prova, obtendo resultados bastante
mitir planos flexíveis de
limitados. Poucos agricultores acessaram as novas transição de forma que
modalidades do Pronaf, embora um número bastante as famílias possam fixar
significativo tenha financiado insumos orgânicos pelos novas metas ano a no
mecanismos mais conhecidos do programa. Qual terá sido em função dos resulta-
a razão dessa baixa demanda? dos que forem obser-
vando com a evolução
Após um investimento inicial para a estruturação dos do sistema.
sistemas agroecológicos, os custos de produção anuais
se reduzem substancialmente e passam a ser assumidos
pelas próprias famílias. Por essa razão, as famílias
ecologistas tornam-se bastante autônomas em relação aos
mercados de insumos e totalmente independentes dos
agroquímicos. Esse fato demarca claramente a diferença
da natureza da demanda por crédito dos sistemas
ecológicos em relação à dos sistemas convencionais.

Enquanto os primeiros se auto-regeneram pela ação dos


fluxos naturais e pelo trabalho familiar, os últimos só se
reproduzem mediante o alto aporte anual de insumos e
energia externa.

Além disso, embora os valores máximos, as taxas de juros


e os prazos de pagamento fossem relativamente razoáveis,
alguns problemas inibiram o uso dessas modalidades
inovadoras do Pronaf. Para operar o Pronaf Agroecologia,
por exemplo, os agricultores que tencionavam o crédito
foram obrigados a apresentar projetos de conversão das
propriedades que tivessem a duração de três anos. Nesses
projetos, deveriam estar claramente indicadas, ano a
ano, as etapas de substituição de práticas convencionais
por práticas agroecológicas. Essa exigência colocou um
obstáculo insuperável às famílias na medida em que as
obrigava a projetar os processos de transição de suas
propriedades em ritmos acelerados, quando, em situações

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 133 08/04/2010 13:58:51


134

normais, poderiam se estender por até oito anos, sem


que se pudesse prever com exatidão os passos dados
a cada ano. Para que esse tipo de financiamento seja
adequado às necessidades e capacidades das famílias,
bem como aos ritmos de recuperação ambiental dos
agroecossistemas, deve ser concebido com prazos mais
extensos. Deve simultaneamente permitir planos flexíveis
de transição de forma que as famílias possam fixar novas
metas anualmente em função dos resultados que forem
observando com a evolução do sistema.

Agricultores do semi-árido encontraram limitações


semelhantes para acessar a linha do Pronaf Semi-Árido.
Quando entrou em operação, o programa apresentou
procedimentos de trâmite burocrático inalcançáveis
para as famílias e absolutamente inadequados para
um projeto de transição agroecológica. A lógica das
planilhas elaboradas pelo Banco do Nordeste para o
monitoramento dos projetos revela o desconhecimento
do que seja planejar a transição agroecológica a partir
do emprego do enfoque sistêmico. Ademais, os prazos
estabelecidos para a transição eram muito pequenos
para que os agricultores pudessem realizá-la sem correr
grandes riscos.

Além dos problemas de concepção dos programas, a


limitada demanda por essas novas modalidades de
crédito podem ser atribuídas a questões como a falta de
informação dos agricultores sobre essas oportunidades e
a má vontade dos operadores do crédito para incorporar
sistemas que desconhecem e que fogem às suas rotinas.

Apesar da criação desses mecanismos específicos de


crédito para o favorecimento da agroecologia, até
o presente foram as modalidades convencionais de
financiamento as mais acionadas por agricultores em
transição ou já inteiramente convertidos. Certamente,
essa é uma estratégia importante enquanto não são
implementados sistemas de crédito mais ajustados às
especificidades técnicas e metodológicas da agroecologia.
Por outro lado, apresenta o risco de limitar a transição
agroecológica a simples processos de substituição de
insumos. É nesse sentido que o aprimoramento dos
mecanismos do Pronaf permanece como um desafio
para as organizações da sociedade civil empenhadas
no aumento de escala e na generalização dos sistemas
agroecológicos.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 134 08/04/2010 13:58:51


135

Texto 18
Projetos demonstrativos e políticas públicas:
os desafios da invenção do presente
Anna Cecilia Cortines,
Denise Valeria Lima Pufal, Klinton
Senra, Odair Scatolini, Silvana Bastos
e Zaré Augusto Brum Soares*

Município de Santarém (PA), início da tarde. Orismar e “Nos fenômenos coleti-


seus companheiros da Associação dos Produtores Rurais vos contemporâneos,
da Comunidade Coroca preparam a ração com restos de se entrelaçam muitos
peixe, farelo de mandioca e frutas produzidas em áreas de significados. Só uma
manejo agroflorestal. Essa ração é usada para alimentar sociedade aberta capaz
tambaquis (Colossoma macropomum) e tartarugas, cujas de captar o impulso dos
criações têm contribuído para o aumento da renda e da movimentos, através
segurança alimentar das famílias e para a conservação da dos sistemas políticos de
biodiversidade na bacia do Rio Arapiuns. representação e tomada
de decisão, pode fazer
Três Cachoeiras (RS), comunidade do Morro Azul. Como com que a complexidade
fazem duas vezes por mês, Jurema e suas companheiras e a diferença não sejam
do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) estão violentadas. Manter
reunidas para produzir os elixires, pomadas e xaropes, aberto o espaço para as
com espécies fitoterápicas. Esses medicamentos são diferenças é uma condi-
distribuídos gratuitamente para a população por mais de ção fundamental para a
invenção do presente.”
100 grupos de mulheres que trabalham nas “farmacinhas”
e atuam em dezenas de municípios do Rio Grande do Sul, Alberto Melucci, Milão,
gerando impactos positivos nas condições de saúde das junho/1990.
famílias e contribuindo para a valorização de espécies
nativas da região.

Araponga (MG), comunidade de Novo Horizonte.


Paulinho e Seu Nenê explicam como funciona o fundo
rotativo, que movimenta e disponibiliza recursos para
a aquisição coletiva de terras por famílias cadastradas
pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais. Os recursos dos
próprios agricultores, que constituíram o fundo rotativo,
viabilizaram a aquisição de uma antiga fazenda da região,
o que resultou na formação da comunidade de Novo
Horizonte, onde atualmente residem 28 famílias, vivendo
da produção agroecológica de café.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 135 08/04/2010 13:58:51


136

Três experiências concebidas e implementadas por O PDA nasce, portanto,


organizações da sociedade civil e movimentos sociais, com uma característica
de base comunitária. Promovem o desenvolvimento marcante: a centralida-
sustentável construindo novas relações entre homens, de do papel das orga-
mulheres, suas comunidades e a natureza que os cerca. nizações da sociedade
Têm também em comum o fato de serem apoiadas pelo civil. Esse aspecto do
Ministério do Meio Ambiente por meio do Programa de programa o diferen-
Projetos Demonstrativos (PDA). cia de grande parte
das ações do Estado,
Os projetos apoiados pelo PDA vêm contribuindo para a que em geral atribui
promoção do desenvolvimento sustentável mediante a às esferas econômica
disseminação de práticas socioambientais em comunidades e governamental a
e organizações parceiras pautadas em princípios como: responsabilidade pelas
empoderamento das famílias e comunidades; eqüidade ações de promoção do
no uso e distribuição dos recursos; respeito à capacidade desenvolvimento. O
de regeneração dos ecossistemas; enfoques sensíveis às PDA tem como funda-
especificidades de gêneros e gerações; transparência, mento de sua concep-
descentralização e compartilhamento dos processos ção o entendimento
decisórios entre os envolvidos; fortalecimento de valores de que é na esfera da
humanos, éticos e ambientais e valorização da cultura e sociedade civil que está
sociobiodiversidade local. parte significativa do
campo de inovações
O Programa socioambientais, base
para a construção de
Assim como os três exemplos apresentados, mais de processos de desenvol-
trezentas experiências, desenvolvidas na Amazônia, vimento pautados em
na Mata Atlântica e em seus ecossistemas associados, novos paradigmas.
recebem ou já receberam apoio do PDA.

O programa, implementado no âmbito do Programa


Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais (PPG7), é
financiado principalmente pela Cooperação Técnica e
Financeira Alemã e tem como meta central demonstrar,
por meio de experiências inovadoras, a possibilidade
efetiva de construção, em bases comunitárias, de
estratégias de promoção do desenvolvimento sustentável.
Além disso, a partir dos aprendizados gerados por essas
experiências, visa estimular a formulação de políticas
públicas que contribuam para a difusão, adaptação e
incorporação dessas estratégias por outras comunidades,
organizações e instituições governamentais.

Cabe ressaltar que o termo “experiências” se refere a


ações concretas de organizações sociais colocadas em
prática por produtores e produtoras rurais. Essas ações
ainda têm merecido pouco apoio de políticas públicas,
por não serem sistemas de produção consolidados, nem
baseados em processos formais de pesquisa. O PDA foi

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 136 08/04/2010 13:58:51


137

concebido como incentivo ao agricultor(a)/pesquisador(a), Os exemplos demons-


que no seu dia-a-dia testa e descobre novas formas de tram que as cadeias de
produzir, interagindo de maneira sustentável com a fonte influência que resultam
de recursos naturais que utiliza. na formulação dessas
políticas variam de
Com esse espírito de valorização do conhecimento gerado acordo com as especi-
a partir da prática, o PDA foi criado em 1995, entrando ficidades dos contextos
em operação em 1996. A sua formulação resultou de um em que se inserem.
processo de negociação envolvendo governo brasileiro, Em geral, são as orga-
organismos de cooperação internacionais e organizações nizações proponentes
da sociedade civil brasileira, articuladas pelas redes de dos projetos, a partir
ONGs e Movimentos Sociais da Amazônia (Grupo de do acúmulo de conhe-
Trabalho Amazônico – GTA) e Mata Atlântica (Rede de cimento em suas áreas
ONGs da Mata Atlântica – RMA). de atuação e da am-
pliação de sua capaci-
Resultados, Avanços e Limites dade de interlocução
com redes de atores
A partir do acúmulo gerado nesse período, grande parte locais, que mobilizam
das organizações parceiras, assim como a própria Secretaria capital político e so-
Técnica, reconhecem os avanços que o “mecanismo” cial, fazendo com que
PDA, ou seja, o conjunto de normas e procedimentos experiências pontuais
que o compõem, representa. Já por ocasião de sua de sucesso repercutam
constituição, o PDA criou um mecanismo de gestão que e entrem na agenda de
permite compatibilizar o desafio de estabelecer normas movimentos locais e re-
administrativas transparentes e seguras e a necessidade de gionais. Assim, pode-se
abrir espaço para a flexibilização de processos de execução dizer que os processos
física dos projetos apoiados, de acordo com as suas envolvendo negociação
respectivas evoluções. Para tanto, instituiu uma Comissão e pressão popular aca-
Executiva, composta paritariamente por representantes bam gerando diretrizes,
do governo e das redes de ONGs e movimentos sociais da leis, projetos e progra-
Amazônia e Mata Atlântica. Cabe a essa comissão a análise mas de governo.
e julgamento dos projetos submetidos ao programa. Além
disso, foi criado um mecanismo flexível Café orgânico
produzido por agricultores de Araponga (MG) de gestão
financeira e de prestação de contas, contribuindo para a
adaptação da gestão os processos, facilitando repasses aos
projetos e garantindo fluxos constantes de recursos, o que
resultou em baixíssimos índices de desvio de finalidade.

Há um consenso também no que se refere aos impactos


positivos, gerados pelos projetos apoiados pelo PDA, no
fortalecimento institucional das organizações parceiras.
Porém, da mesma forma, é quase consensual que o
PDA ainda precisa cumprir a sua missão estratégica,
parte central do seu objetivo, relacionada com a gestão
do conhecimento produzido a partir das experiências
apoiadas e da formulação de políticas públicas baseadas
nesses conhecimentos.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 137 08/04/2010 13:58:51


138

Estudos realizados pelo Ministério do Meio Ambiente, Banco


A consolidação
Mundial e GTZ (cooperação técnica alemã) apontam exemplos de
do sistema de
sucesso na formulação de políticas públicas municipais, estaduais
monitoramen-
e federais a partir dos conhecimentos gerados pelos projetos do
to e gestão de
PDA. A experiência da Colônia de Pescadores Z-16 de Cametá (PA)
conhecimento
proporcionou a implementação de acordos de pesca na região
tem por obje-
do baixo Tocantins, servindo como referência para a elaboração
tivo facilitar a
da Instrução Normativa 29 do Ibama, que reconhece os acordos
sistematização
de pesca em âmbito nacional1. A Associação Rural Juinense de
e dissemina-
Ajuda Mútua (Ajopam), localizada em Juína (MT), em função
ção das infor-
do Projeto Agroflorestal e Consórcio Adensado (Paca), teve sua
mações gera-
proposta incorporada aos programas da prefeitura local, levando à
das em meio
disseminação dos sistemas agroflorestais em várias comunidades
às redes de
rurais daquele município. A Associação de Preservação do Meio
organizações
Ambiente do Alto Vale do Itajaí (Apremavi), em Santa Catarina,
da sociedade
influenciou, com seu projeto apoiado pelo PDA, o órgão ambiental
civil.
do estado, que desburocratizou o sistema de licenciamento para
o uso sustentável de produtos oriundos do manejo de florestas
secundárias. O Centro Ecológico e o Movimento das Mulheres
Camponesas da região do litoral norte gaúcho estabeleceram
importantes parcerias com o governo estadual do Rio Grande do Sul
na elaboração de programas de beneficiamento e comercialização
da produção agroecológica e de disseminação do uso de espécies
fitoterápicas para o tratamento de doenças em comunidades rurais
de vários municípios daquele estado.

Hoje, após dez anos de caminhada, os maiores desafios propostos


para o programa estão relacionados com: a ampliação da escala
de impacto dos projetos, que na sua grande maioria permanece
envolvendo um número pequeno de famílias e/ou comunidades; o
aumento da visibilidade das experiências, em nível microrregional
e nacional, que na sua maioria não trabalha de forma estratégica
a gestão do conhecimento e da informação; e, finalmente,
o estabelecimento de canais de comunicação para que esse
conhecimento gerado se efetive no aperfeiçoamento e formulação
de políticas públicas.

Novos horizontes

Considerando esses desafios, o PDA, aqui entendido como a Secretaria


Técnica e o conjunto de parceiros envolvidos nos projetos, vem
avançando na formulação de novas estratégias. Na perspectiva
de ampliar os impactos e a visibilidade dos projetos em nível
microrregional, estamos trabalhando para a articulação e integração
dos mesmos em “territórios” formados a partir da identificação de
áreas onde há concentração de projetos. Esse enfoque será a base
para a construção das estratégias de monitoria, articulação com

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 138 08/04/2010 13:58:51


139

outros programas governamentais e intercâmbio entre as organizações


envolvidas. A consolidação do sistema de monitoramento e gestão de
conhecimento tem por objetivo facilitar a sistematização e disseminação
das informações geradas em meio às redes de organizações da sociedade
civil. Além disso, busca estabelecer um processo horizontal de produção e
difusão de conhecimento, contribuindo para a concretização, articulação
e fortalecimento de ações coletivas de negociação de políticas públicas.
Por fim, o aperfeiçoamento contínuo das estratégias de comunicação deve
fortalecer os vínculos e a interlocução com outras instâncias de governo.

Porém, para que esses desafios sejam realmente superados, é fundamental


que as entidades e os movimentos sociais que participaram do processo de
elaboração da proposta do Programa de Projetos Demonstrativos, assim
como as organizações que hoje são nossas parceiras na implementação
dos projetos, enxerguem-no como um programa estratégico na construção
de mudanças no cenário das políticas socioambientais locais, estaduais e
nacionais, e não apenas como um mero instrumento de fomento a projetos
pontuais.

* Anna Cecilia Cortines: secretária técnica adjunta do PDA


Denise Valeria Lima Pufal: consultora da Cooperação Técnica Alemã
Klinton Senra; Odair Scatolini; Silvana Bastos e Zaré Augusto Brum Soares: técnicos da
Secretaria do PDA

REFERÊNCIAS:

LITTLE, PAUL E. Projetos Demonstrativos - PDA: sua influência na


construção do Proambiente. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005.
63p.

MELUCCI, A. A Invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades


complexas. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Secretaria de Coordenação da


Amazônia. Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do
Brasil. Subprograma Projetos Demonstrativos, Experiências PDA nº 04.
Estudos da Mata Atlântica: avaliação de doze projetos PDA. Brasília:
Ministério do Meio Ambiente, 2004. 80p.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Secretaria de Coordenação da


Amazônia. Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do
Brasil. Subprograma Projetos Demonstrativos, Experiências PDA nº 05.
Estudos da Amazônia: avaliação de vinte projetos PDA. Brasília: Ministério
do Meio Ambiente, 2004. 80p.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Secretaria de Coordenação da


Amazônia. Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do
Brasil. Subprograma Projetos Demonstrativos, PDA 5 Anos. Uma Trajetória
Pioneira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2001. 130p.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 139 08/04/2010 13:58:51


140

5.6. Sínteses Provisórias



As políticas públicas para o campo carregam diversas contradições
e possibilidades, não são simplesmente gratuitas, mas resultado de
conquistas e mobilizações que os sujeitos constroem no enfrentamento
diário. Soma-se a isto que a política não é apenas o que vêm do Estado,
muito embora este tenha obrigação de promovê-la, mas a política
também resulta das negociações diárias entre os seres humanos, entre as
organizações sociais, que poderão transformar profundamente a realidade
ao nosso redor ou nos manter na mesma condição – portanto, não se
pode perder de vista os diversos interesses envolvidos no campo, às
vezes antagônicos, bem como quais são as políticas que possam atender
efetivamente a maioria dos cidadãos e, por extensão, a manutenção e
desenvolvimento de suas seus estabelecimentos familiares.

(...)
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.(...)
[ Severino] Assiste ao enterro de um trabalhador de eito e ouve o que
dizem do morto os amigos que o levaram ao cemitério.
Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
—— é de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
neste latifúndio.
—— Não é cova grande.
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
Morte e Vida Severina. João Cabral de Melo Neto. (Fonte: http://www.culturabrasil.pro.
br/joaocabraldemelonetoo.htm)

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 140 08/04/2010 13:58:52


141

O Cio da Terra
Milton Nascimento / Chico Buarque

Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão e se fartar de pão

Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel, se lambuzar de mel

Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra, propícia estação de fecundar o chão.

Fonte: http://letras.terra.com.br/milton-nascimento/47414/

Vamos pautar nossas idéias sobre o assunto. Assim, reflita sobre o que sua
família e/ou comunidade tem em relação aos organismos oficiais? Como
mantém relação com os mesmos? Quais as conquistas mais significativas
a sua comunidade alcançou? Como se mobilizar para organizar lutas para
ampliar as conquistas, na perspectiva da garantia de vida com dignidade e
cidadania? Que outras reflexões são significativas no contexto local?

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 141 08/04/2010 13:58:53


142

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 142 08/04/2010 13:58:53


143

6
PARTILHAS
DE SABERES

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 143 08/04/2010 13:58:56


144

6. Partilha de Saberes
(...) porque unindo pedaços de palavras
aos poucos vai unindo argila e orvalho,
tristeza e pão, cambão e beija-flor,

e acaba por unir a própria vida


no seu peito partida e repartida
quando afinal descobre num clarão

que o mundo é seu também, que o seu trabalho


não é a pena paga por ser homem,
mas o modo de amar - e de ajudar
o mundo a ser melhor.
(...)

Canção para os fonemas da alegria


Poesia de Thiago de Mello dedicado a Paulo Freire

O percurso que realizamos foi instigante,


A Partilha de Saberes
possibilitando estudos significativos.
consiste no diálogo
Discutimos e apreendemos conceitos
dos/as educandos/as
e práticas ligadas aos Ecossistemas, às
com a família e a comuni-
relações de trabalho e práticas culturais
dade, na perspectiva de
nos estabelecimentos familiares, o
compartilhar os saberes
funcionamento dos agroecossistemas e
construídos e potenciali-
as políticas públicas que impactam nos
zar a melhoria da quali-
sistemas de produção.
dade nas relações sociais
e produtivas do campo.
O estudo destas realidades tão diversas
Ou seja, é o momento
e complementares quase se entrelaçam
de socializar os novos
numa trama, formando muitas conexões
conhecimentos e intervir
que precisamos dar conta para melhor agir
na comunidade objeti-
em nossa própria realidade.
vando superar problemas
identificados por meio do
O rizoma, esta rede de sujeitos e suas
estudo.
relações que se entrelaçam em diversos
pontos – como no lugar onde vivemos –
dá conta de explicar o quanto a realidade
é complexa e que há muitos fatores
envolvidos em nosso dia-a-dia, que têm
importâncias diferentes para cada um de
nós porque ocupamos posições diferentes
na trama da realidade. Porém, para todos,
é fundamental compreender esse processo

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 144 08/04/2010 13:58:56


145

complexo para melhor atuar na perspectiva de transformar a realidade,


para intervir nela com consciência dos diversos aspectos que a compõem.
Enfim, para tomarmos uma ação concreta diante do mundo.

É isso que propomos fazer agora, compreender melhor, para agir melhor
em relação ao ecossistema, aos nossos estabelecimentos familiares, em
nossa produção e organização coletiva, enfim, em nossa vida. A Partilha
de Saberes se propõe a contribuir nessa transformação.

É dessa forma que somos convidados a intervir, construindo uma proposta


coletiva que expresse a caminhada percorrida e que sabemos agora, não
basta se apropriar do conhecimento, ele deve ser útil socialmente para a
mudança do mundo, e podemos começar com transformações no espaço
produtivo e sociocultural, do qual tiramos nosso sustento e tecemos
nossa razão de ser.

6.1. Objetivos
• Realizar uma síntese do Eixo Temático, buscando identificar elementos
que potencializem responder o desafio do Eixo Integrador Agricultura
Familiar e Sustentabilidade com base no Arco ocupacional Produção
Rural Familiar;

• Construir uma proposta de intervenção no Estabelecimento Familiar


visando a melhoria das condições dos sistemas de produção, buscando a
transição Agroecológica.

6.2. Construindo um olhar sobre nossa realidade


Considerando as produções realizadas e as sínteses produzidas
no percurso formativo, sugere-se que na Partilha de Saberes você
reflita e construa um Projeto Agroecológico Demonstrativo em seu
Estabelecimento Familiar, na comunidade onde vive ou mesmo
coletivamente na Escola, visando a melhoria das condições do Sistema de
Produção atual e/ou a experimentação Agroecológica de forma coletiva.

Este Projeto Agroecológico Demonstrativo poderá incorporar os


elementos apreendidos sobre a Agroecologia numa perspectiva
de transição. O Exemplo Demonstrativo socializa uma experiência
significativa e que pode referenciar a construção do seu projeto ora
proposto como síntese.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 145 08/04/2010 13:58:56


146

Exemplo Demonstrativo – Construção Coletiva de um Sistema


Agroecológico a partir de área degradada27
Projeto elabo-
rado pelos/as
Educandos/as do
Ensino Médio da
Escola Agrotécnica
Etapa 1 – Definir uma área para realizar Federal de Cas-
a experimentação. De preferência, áreas tanhal, no Pará.,
entre os anos
pequenas e que reflitam as melhorias que de 2005 e 2008.
gostaria de realizar no Estabelecimento Ressalte-se que a
EAFC é engajada
Familiar e/ou na escola. no Programa
ProJovem Campo
– Saberes das
Área de 30 X 60 metros na EAFC-PA, Terra, inclusive
sendo a instituição
degradada e vegetação secundária que certifica os
educandos/as.

Etapa 2 – Planejamento objetivo e consistente do que deverá ser feito


(recorrer ao projeto elaborado em sala de aula). É fundamental nessa
etapa anotar todas as informações sobre o experimento, como época de
plantio, produção, problemas com insetos-pagras, mão-de-obra utilizada
na atividade, etc..

Etapa 3 – Prepare a área utilizando os princípios agroecológicos


apreendidos durante a formação.

No caso da experiência na Escola Agrotécnica Federal de Castanhal utilizada


como base nesse exemplo, resolveram manejar a vegetação sem queimar,
incorporando como matéria orgânica no solo; utilizando-se ainda vegetação
das proximidades para melhoria da fertilidade do solo. A seqüência de fotos
a seguir expressa elementos da vivencia naquela Escola Agrotécnica.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 146 08/04/2010 13:58:57


147

Etapa 4 – Implantação dos cultivos de forma consorciada e buscando


privilegiar os aspectos ecológico-econômicos da produção. Utilização de
cultivos anuais, frutíferas, leguminosas para melhoria do solo, etc.

Etapa 5 – Manejo da vegetação plantada e colheita da produção anual.

Etapa 6 – Avaliação dos resultados do experimento, buscando refletir


com a família ou colegas de turma as questões positivas e os desafios a
serem superados na busca de uma mudança nos sistemas de produção
local, com base nas potencialidades e limites do Projeto Agroecológico
Demonstrativo implantado.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 147 08/04/2010 13:58:59


148

“(...) O compromisso seria uma palavra oca,


uma abstração, se não envolvesse a decisão
lúcida e profunda de quem o assume.
Se não se desse no plano do concreto.”
(Paulo Freire)

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 148 08/04/2010 13:58:59


149

Tecendo Projetos
Demonstrativos...

A construção dos Projetos Agroecológicos


Demonstrativos é um ato de criação coletiva e de
partilha de saberes que contempla processos de reflexão,
(re)criação, diálogos e experimentação. Inspirados/as
nos ensinamentos do Mestre Paulo Freire construa o
seu Projeto Agroecológico Demonstrativo. (Re)Crie. (Re)
Invente. Experimente.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 149 08/04/2010 13:59:03


150

Desejamos que os Projetos Demonstrativos potencializem experiências


de Agroecossistemas Sustentáveis, que proclamem uma nova vida como
canta Milton Nascimento e poetiza Paulo Freire.

Nos Bailes da Vida


Milton Nascimento
Composição: Wagner Tiso / Milton Nascimento

Foi nos bailes da vida ou num bar


Em troca de pão
Que muita gente boa pôs o pé na profissão
De tocar um instrumento e de cantar
Não importando se quem pagou quis ouvir
Foi assim

Cantar era buscar o caminho


Que vai dar no sol
Tenho comigo as lembranças do que eu era
Para cantar nada era longe tudo tão bom
Até a estrada de terra na boléia de caminhão
Era assim

Com a roupa encharcada e a alma


Repleta de chão
Todo artista tem de ir aonde o povo está
Se for assim, assim será
Cantando me disfarço e não me canso
de viver nem de cantar

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 150 08/04/2010 13:59:04


151

6.3. Balaio de Textos


Os textos 19 e 20 se constituem em mais um referencial
para subsidiar a construção dos Projetos Demonstrativos.
Aproveite!

Saberes da Terra, 2006 estado-PA

“ Mudança e estabilidade resultam


ambas da ação, do trabalho que
Texto 19
o homem exerce sobre o mundo.
Como um ser de práxis, o homem ao Gestão econômica da transição
responder aos desafios que partem
do mundo cria seu mundo:
agroecológica – ensinamentos de um
o mundo histórico-cultural. caso na região centro-sul do Paraná
Sílvio Gomes de Almeida e
O mundo de acontecimentos, de Gabriel Bianconi Fernandes*
valores , de idéias, de instituições.
Mundo da linguagem, dos sinais, dos
significados, dos símbolos. As intensas chuvas ocasionadas pelo El Niño em
Mundo da opinião e mundo do saber. 1995/96 comprometeram drasticamente as colheitas
da família Licheski, agravando a já crítica situação de
Mundo da ciência, da religião, desorganização da economia familiar. Essa conjuntura
das artes, mundo das relações de marcou o início de um período de reorientação de suas
produção. atividades agrícolas, até então baseadas no cultivo
convencional e especializado de milho-feijão consorciado
Mundo finalmente humano.” e de batata, em áreas próprias e arrendadas. Não fosse
a venda de ervamate, presente nas matas da região
( Paulo Freire) em que vivem no centro-sul do Paraná, e a venda de
oito vacas, a família teria sido obrigada a abandonar a
agricultura.

A busca incessante pelo aumento da renda a partir de


escalas crescentes de produção, tanto pela utilização de
agroquímicos, como pela expansão da área cultivada, foi
a estratégia adotada pela família desde sua instalação
como novo casal de agricultores, em 1983. Esse padrão
produtivo tornou a renda dos Licheski fortemente
dependente das oscilações do mercado de alguns
poucos produtos. “Havia êxito numa safra, empate na
outra, perda na seguinte”, conta José Licheski. Nessas
circunstâncias, não havia possibilidade de constituir
poupança. A renda gerada num ano era consumida
no ciclo produtivo seguinte, enquanto se acumulavam
dívidas com prestamistas e comerciantes locais.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 151 08/04/2010 13:59:05


152

da transição agroecológica
Diante da crise, a família decidiu cultivar apenas a área que conseguia
trabalhar com seus próprios meios, abandonou progressivamente o
uso de motomecanização e agroquímicos e iniciou a transição para a
agroecologia. Contribuiu para esse processo o conhecimento herdado da
família sobre a produção de sementes, o manejo de adubos verdes e a
tradição da produção de batata orgânica para consumo próprio.
Gestão econômica

Família Licheski na
seleção de semen-
tes de milho

Da especialização à diversificação

Em 2001, menos de cinco anos após esse momento difícil, uma avaliação
comparativa dos impactos econômicos gerados pelas inovações
agroecológicas introduzidas até então no sistema familiar evidenciou
que a propriedade estava bastante mudada. Em volta da casa, a
família cultivava mais de 60 espécies, entre frutas, hortaliças e plantas
medicinais, mantendo também um pequeno criatório diversificado.
Os cultivos anuais de batata, milho, feijão, trigo, arroz e mandioca são
sempre intercalados, no espaço e no tempo, com adubos verdes de
inverno e verão. O erval nativo foi mantido em um sistema agroflorestal
do qual se utilizam mais de 35 espécies, dentre frutos silvestres, lenha e
plantas medicinais.

Essa composição diversificada da propriedade viabilizou estratégias


variadas de manejo da fertilidade do agroecossistema e elevado
aproveitamento interno de recursos, o que se traduziu em baixa
dependência de insumos externos e alto nível de autonomia técnica. A
horta é adubada com cinza do fogão, biofertilizantes e esterco das aves
que, por sua vez, recebem sobras da horta e do consumo alimentar da
família, além de milho e batatas que não atingiram padrão desejável. Já as
áreas de grãos recebem biofertilizantes e uma mistura de esterco, cinza,
fosfato de rocha e calcário. O esterco é comprado de vizinhos ou trocado
por outros produtos, dada a ausência de bovinos e suínos na propriedade.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 152 08/04/2010 13:59:05


153

da transição agroecológica

Família Licheski na Feira


de Sementes em São
Gestão econômica

Mateus do Sul - PR

Economia da diversidade

A diversidade cultivada e os recursos florestais, além de constituírem


um elemento central na gestão do sistema, também geram rendas
diversificadas. As produções de batata, da horta, da mandioca e da
agrofloresta representam 68% da renda agrícola da família. Esse valor não
reduz a importância das outras atividades, que geram pequenas receitas
escalonadas ao longo do ano e que, além disso, são fontes de rendas
não-monetárias, ao produzirem insumos e resíduos usados nas demais
atividades e fornecerem alimentos que enriquecem em quantidade e
qualidade a dieta familiar.

As diferentes formas de valorizar economicamente um mesmo produto,


seja para consumo animal ou humano, seja para utilização como insumo
ou para venda, ajudam a estabilizar todo o sistema. A comercialização de
sementes, por exemplo, é uma fonte significativa da renda agrícola. Elas
são vendidas ou trocadas no mercado local, onde há grande demanda.

O relacionamento com o mercado urbano local é outra forma de


valorizar a diversidade na economia familiar e de se apropriar de
uma maior parcela do valor produzido. A maioria dos produtos é
vendida diretamente aos consumidores através de múltiplos canais –
restaurantes, coletividades e famílias, que formam uma clientela mantida,
sobretudo, em função de relações de confiança na qualidade do que é
comercializado. A comunidade onde vivem os Licheski e seu entorno
constituem também um espaço de realização da produção, por meio da
venda ou da troca de gêneros, como a erva-mate, sementes e outros
produtos do quintal.

Os outros agricultores familiares da região, no entanto, ainda que


participando do mercado local, vendem a maior parte da produção a
preços pouco vantajosos nos circuitos dominados por intermediários e
atacadistas.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 153 08/04/2010 13:59:06


154

da transição agroecológica
Com um sistema de manejo integrado e capaz de subsidiar suas próprias
atividades, os custos monetários (desembolso em dinheiro) das produções
correspondiam a apenas 14,5% do excedente monetário da renda agrícola
da família, enquanto o conjunto das necessidades domésticas (inclusive
alimentares) compradas no mercado limitava-se a somente 2,5% desse
excedente. Constituíram-se, assim, as condições para a formação de uma
poupança em dinheiro correspondente a 80% da receita gerada pela
Gestão econômica

família. Esses recursos puderam ser destinados às despesas de manutenção


doméstica, ao lazer, ao custeio dos poucos insumos comprados e até a
pequenos investimentos.

Baixos custos e alto valor agregado

Os rendimentos dos principais cultivos regionais obtidos pela família no


manejo agroecológico revelaram-se amplamente superiores aos verificados
nos sistemas convencionais, salvo no caso da batata. Os rendimentos
apresentam variações entre um mínimo de +16% para a mandioca e um
máximo de +171% para o feijão convencional. Quanto à batata, a significativa
diferença para menos está relacionada à ausência de variedades adaptadas ao
manejo orgânico para as condições locais.

Combinados a rendimentos elevados, os custos unitários de produção


extremamente baixos conferem alta rentabilidade econômica ao sistema
agroecológico. Os gastos intermediários, ou custos monetários de produção,
absorveram apenas 5,5% do produto bruto do estabelecimento, revelando
grande capacidade do sistema em aproveitar os recursos internos e minimizar
gastos com insumos e serviços. Essa estratégia de gestão se traduziu numa
agregação pelo trabalho familiar de nada menos do que 1.640% ao valor
dos insumos adquiridos fora da propriedade. No caso do milho, a cada
real aplicado, a família obteve novos R$38,12, contra R$1,27 no sistema
convencional com tração animal, e apenas R$0,57 no motomecanizado.
Mesmo no cultivo da batata, embora com produtividade menor, o sistema
agroecológico alcançou maior rentabilidade em função dos baixos custos,
agregando entre 8 e 28 vezes mais valor por unidade de área do que os
sistemas convencional e de tração animal, respectivamente.

Expressando essa elevada capacidade de gerar novas riquezas, os Licheski


conseguiram apropriar-se de 92% do valor agregado total da atividade
produtiva a título de renda agrícola familiar. Com esse resultado, a ocupação
econômica do núcleo familiar pôde ser mantida estável, com uma renda
agrícola per capita (2000/01) em torno de 20% superior ao custo de
oportunidade da força de trabalho na região (1 salário mínimo).

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 154 08/04/2010 13:59:06


155

Rendimentos físicos e rentabilidade econômica dos principais


cultivos. Safra 2000/01 (Kg/ha)

RENDIMENTOS Kg/há RENTABILIDADE


Ecológico Família % Convencional % Ecológico Convencional Convencional
Licheski (a) a/b Mecanizado (c) a/c Tração animal motomecanizado

Valor agregado/Consumo Intermediário

Feijão 2.770 + 86 1.020 + 171 6,68 4,62 3,91

Milho 6.000 + 61 4.200 + 43 38,12 1,27 0,57

Batata 10.000 - 47 15.300 - 47 7,65 0,27 0,88

Arroz 4.917 + 65 1.896 + 65 - - -

Mandioca 24.020 + 60 20.700 + 16 - - -

Economia de sinergia

A sustentabilidade do sistema agroecológico tem seu fundamento em


uma sólida “economia de sinergia”, ou de integração entre fatores
internos e externos. Internamente, há um grande aproveitamento dos
produtos e da biomassa, resultando em uma considerável economia de
insumos. Externamente, intensas relações de cooperação entre vizinhos e
parentes permitiram economias importantes na contratação de serviços e
mão-de-obra, assim como na aquisição e manutenção de equipamentos.
Mesmo estimando monetariamente apenas uma parte dessa “economia
de sinergia”, observa-se que, se tivesse que adquirir esses produtos
e serviços, a família teria gasto cerca de 80% do faturamento líquido
(produto das vendas menos os custos monetários) da safra 2000/01.

Novos valores

A incorporação das inovações agroecológicas ao sistema produtivo


estimulou a emergência de novos valores que se manifestam nas relações
familiares e comunitárias. A maior integração técnica e econômica das
atividades produtivas tem implicado em esforço renovado e reconhecido
de partilha das decisões na propriedade pelo núcleo familiar, que
se expressa no planejamento dos cultivos, na alocação de recursos
financeiros e também na valorização dos conhecimentos e da capacidade
de inovação da mulher e dos filhos.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 155 08/04/2010 13:59:06


156

da transição agroecológica
No âmbito comunitário, a família Licheski tem sido veículo
de disseminação de conhecimentos novos no campo
do manejo dos sistemas agrícolas. Por outro lado, tem
promovido práticas sociais mais integradoras, estimulando
tanto a preservação dos recursos ambientais coletivos
como as práticas dinamizadoras da economia local.
Gestão econômica

Exemplo disso é o favorecimento e incentivo à circulação


das rendas familiares dentro da própria comunidade,
através de processos locais de compra e venda, troca
e empréstimos de bens e serviços, incluindo trabalho,
sementes, produtos animais, dentre outros.

Desafios

Na continuidade do processo de transição para a


agroecologia, a família tem planos de expansão e
intensificação das atividades, estendendo-as a uma nova
área adquirida por herança familiar. Com essa decisão,
alguns pontos críticos e desafios foram identificados
em discussão com a família durante a avaliação, como o
aumento da demanda por trabalho, a reintrodução de
bovinos e suínos e a necessidade de novos equipamentos
e crédito compatíveis com o manejo do sistema.

*Sílvio Gomes de Almeida: economista, diretor-executivo da


Assessoria e Serviços
a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA)
aspta@aspta.org.br

Gabriel Bianconi Fernandes: agrônomo, assessor-técnico da AS-PTA.


gabriel@aspta.org.br

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, S.G. & FERNANDES, G.B. Monitoreo económico


de la transición agroecológica, estúdio de caso de una
propiedad familiar del sur de Brasil. Leisa, revista de
agroecologia. Lima: Asociación ETC Andes, 2003. p.58-63.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 156 08/04/2010 13:59:06


157

Texto 20
Manejando insetos-praga com a diversificação de plantas
Miguel A. Altieri, Luigi Ponti e
Clara I. Nicholls

www.maracanau.ce.gov
Consorciamento de culturas para evitar agrotoxico

A Agroecologia fornece diretrizes para o desenvolvimento de


agroecossistemas diversificados que tirem proveito da integração entre
a biodiversidade de plantas e de animais. A integração bem-sucedida
entre plantas e animais pode reforçar interações ecológicas positivas e
otimizar as funções e os processos no ecossistema, tais como a regulação
de organismos prejudiciais, a reciclagem de nutrientes, a produção de
biomassa e o incremento de matéria orgânica. Os agricultores precisam
identificar e favorecer os processos que contribuem para o funcionamento
do agroecossistema, entre eles:

• o controle natural de insetos-praga;


• a redução da toxicidade ao evitar o uso de agroquímicos;
• a otimização da decomposição da matéria orgânica
e da ciclagem de nutrientes;
• os sistemas regulatórios equilibrados, tais como os ciclos
de nutrientes, o equilíbrio da água, o fluxo de energia
e as populações de plantas e animais;
• a melhoria da conservação e da regeneração do solo,
da água e da biodiversidade; e
• o aumento e sustentabilidade da produtividade a longo prazo.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 157 08/04/2010 13:59:09


158

Hoje em dia, há uma ampla seleção de práticas e tecnologias disponíveis


para melhorar o funcionamento de agroecossistemas. Quando esses
agroecossistemas são desenvolvidos em sintonia com as condições
ambientais e socioeconômicas existentes, o resultado final é uma melhor
sustentabilidade ecológica. Além disso, ao adotar práticas de manejo
ecológico, os agricultores podem aumentar a estabilidade e a resiliência
do agroecossistema. Essas práticas devem contribuir para:

• aumentar o número de espécies de plantas e de variedades


no tempo e no espaço;
• estimular o desenvolvimento da biodiversidade funcional
(por exemplo, inimigos naturais);
• aumentar a matéria orgânica e a atividade biológica do solo;
• aumentar a cobertura do solo e a capacidade competitiva
dos cultivos;
• remover insumos e resíduos tóxicos.

Este artigo apresenta um exemplo do emprego desses princípios – a


restauração e manejo da biodiversidade agrícola para controle de insetos-
praga em monocultivos de parreiras na Califórnia, Estados Unidos. Os
princípios para melhorar parreiras ecologicamente vulneráveis podem
ser aplicados a outros sistemas simplificados de cultivo. O aumento da
biodiversidade no agroecossistema permite o estabelecimento de condições
favoráveis para que processos ecológicos-chave, tal como a regulação de
insetos-praga, possam efetivamente funcionar. Isso também é crucial para a
defesa dos cultivos: quanto maior a diversidade de plantas, de animais e de
organismos do solo dentro de um sistema de produção, mais diversificada é
a comunidade de organismos benéficos que combatem insetos-praga.

Há diversos meios que podem ser utilizados pelos agricultores para


aumentar a biodiversidade dos parreirais. Entre eles:

• o aumento da diversidade de plantas, mediante o plantio


de cultivos entre as parreiras;
• o plantio de plantas de cobertura entre as parreiras;
• o manejo da vegetação nas áreas circundantes, de forma
a fornecer alimento e abrigo a organismos benéficos;
• o estabelecimento de corredores de plantas que tornem
possível aos organismos benéficos se movimentarem de matas ou
da vegetação natural próximas em direção ao centro das plantações;
• a manutenção, nas áreas de cultivo de faixas de plantas
espontâneas, cujas flores atendam às necessidades
dos organismos benéficos.

Todas essas estratégias proporcionam alimento (pólen e néctar) e abrigo


para os predadores e vespas, desse modo aumentando a diversidade e
número de inimigos naturais. Esses fatores contribuem para otimizar um
processo ecológico-chave no agroecossistema: a regulação de insetos-praga.

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 158 08/04/2010 13:59:10


159

produção de uvas em Santa Catarina. Fonte MDS

Biodiversidade nos parreirais

Há dois tipos distintos de biodiversidade nos parreirais. O primeiro,


chamado de biodiversidade planejada, inclui as próprias parreiras e outras
plantas que crescem no parreiral, como cultivos de cobertura ou as faixas
de plantas espontâneas. O segundo tipo, chamado de biodiversidade
associada, inclui toda a flora e fauna que vêm dos ambientes circundantes
para viver no parreiral e que irão se desenvolver sob um manejo
adequado. A relação entre esses diferentes tipos de biodiversidade está
ilustrada na figura abaixo.

Relação entre os tipos de biodiversidade e seu papel na regulação de


insetos-praga em um parreiral diversificado.

Biodiversidade do encontro
Manejo do agricultor (mata, cercas vivas, etc.)

Biodiversidade planejada Biodiversidade associada


(cultivo de cobertura, faixas, etc.) (predadores, parasitóides)

Função do ecossistema
(por exemplo, regular insetos-praga)

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 159 08/04/2010 13:59:13


160

A biodiversidade planejada tem uma função direta. Por exemplo, cultivos


de cobertura enriquecem o solo, auxiliando, dessa forma, no crescimento
das parreiras. Além disso, têm uma função indireta, ou seja, suas flores
contêm néctar que atrai as vespas. Essas vespas, que fazem parte da
biodiversidade associada, são parasitas naturais dos insetos-praga que
normalmente atacam as parreiras.

O desafio dos agricultores é identificar o tipo de biodiversidade que eles


desejam que seja mantida e desenvolvida em suas áreas de cultivo, a fim
de possibilitar serviços ecológicos específicos (por exemplo, a regulação
de insetos-praga) e, então, decidir sobre quais as melhores práticas para
estimular o desenvolvimento de tal biodiversidade. Em nossa experiência,
cultivos de cobertura e criação de habitats dentro e ao redor dos parreirais
são estratégias-chave.

Aumentando a biodiversidade

Na Califórnia, muitos agricultores ou manejam a vegetação espontânea ou


semeiam plantas de cobertura para criar habitats favoráveis aos inimigos
naturais durante o inverno. Essas práticas reduzem o número de ácaros
e de cigarrinhas da uva, mas muitas vezes não são suficientes para evitar
perdas econômicas causadas pelos ataques de insetos-praga. Em geral, o
problema se deve à prática corriqueira de roçar ou incorporar os cultivos
de cobertura de inverno ou as plantas espontâneas no início da estação
de crescimento. Como conseqüência, a partir do final da primavera, esses
parreirais tornam-se praticamente monoculturas. O controle de insetos-
praga é mais eficiente se forem proporcionados habitat e alimento para
os inimigos naturais durante toda a estação de crescimento. A cobertura
verde deveria, portanto, ser mantida durante a primavera e o verão.
Uma maneira de conseguir isso é semear cultivos de cobertura de verão
que floresçam cedo e continuem a florescer durante toda a estação.
Isso proporciona uma fonte de alimentos abundante e bem distribuída
no tempo, bem como micro-habitats para o desenvolvimento de uma
comunidade diversificada de inimigos naturais. Dessa forma, é possível
incrementar o número de inimigos naturais no sistema desde o início da
estação de crescimento, o que contribui para manter as populações de
insetos-praga em níveis aceitáveis.

Em um parreiral perto de Hopland, norte da Califórnia, cultivos de


cobertura de verão, tais como trigo mourisco (Fagopyrum sp.) e girassol,
foram mantidos durante toda a estação de crescimento. Essa diversidade
de espécies com flores criou condições para o aumento dos inimigos
naturais associados e reduziu a abundância da cigarrinha da uva e do

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 160 08/04/2010 13:59:14


161

tripes da flor. Durante dois anos seguidos (1996-1997), as áreas com


cultivos de cobertura com flores tiveram menos infestações com tripés
e cigarrinha da uva. Além disso, havia mais predadores nas parreiras nos
setores com cultivos de cobertura do que nas monoculturas. Geralmente,
o número de predadores era baixo no início da estação, mas aumentava
à medida que as presas se tornavam mais numerosas. Os predadores
dominantes incluíam aranhas, percevejos Nabis sp., Orius sp., Geocoris sp.,
joaninhas e o bixo-lixeiro (Chrysoperla sp.)

Implantando Corredores

A abundância e diversidade de insetos benéficos em uma área cultivada


dependem da diversidade de plantas na vegetação do entorno. Para tirar
proveito dessa diversidade de insetos, alguns agricultores implantam
corredores compostos por diversas espécies floríferas, que se conectam
com matas próximas a fontes de água e atravessam os parreirais.

Esses corredores funcionam como “estradas biológicas”, que favorecem a


movimentação e a dispersão dos predadores e das vespas parasíticas em
direção ao centro dos parreirais. Estudos conduzidos em parreiral orgânico
em Hopland mostraram que as espécies predadoras, incluindo as aranhas,
eram freqüentemente encontradas nas flores das plantas no corredor,
demonstrando que as populações das principais espécies de predadores
se estabelecem e circulam dentro do corredor. Nos dois anos estudados
(1996-1997), o número de cigarrinhas adultas prejudiciais foi nitidamente
mais baixo nas linhas de parreiras próximas ao corredor e, gradualmente,
aumentava em direção ao centro do parreiral. A maior concentração de
cigarrinhas e de tripes ocorreu entre 30 e 40 metros do corredor. Nesses
dois anos, foram capturados muito mais tripes nas linhas centrais do que
nas linhas próximas ao corredor.

Ilhas de flores

Criar habitats nas áreas menos produtivas da propriedade para concentrar


os inimigos naturais é outra estratégia interessante. Essa abordagem é
utilizada em uma propriedade biodinâmica no condado de Sonoma, onde
uma ilha de arbustos e ervas produtoras de flores foi criada no centro
do parreiral, passando a funcionar como um sistema repele/atrai para as
espécies de inimigos naturais.

Do início de abril ao final de setembro, a ilha provê pólen, néctar e insetos


neutros a uma variedade de predadores e parasitas, inclusive vespas
anagrus. Durante a safra de 2004, a ilha foi dominada por insetos neutros

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 161 08/04/2010 13:59:14


162

que se alimentavam nas várias plantas e que serviam de alimento aos


inimigos naturais. Como conseqüência, o número de inimigos naturais
aumentou lentamente nos parreirais adjacentes, à medida que a estação
avançava. Muitos inimigos naturais migraram da ilha para o parreiral, a
distâncias de até 60 metros. Percevejos orius e joaninhas migraram para
o parreiral no início da estação, seguidos, mais tarde, por sirfídeos e
vespas anagrus. O parasitismo dos ovos da cigarrinha pelas vespas foi
particularmente alto nas parreiras próximas à ilha, mas foi mais baixo
perto do centro do parreiral.

Principais insetos-praga em parrerirais e seus inimigos naturais


Insetos-praga principais Inimigos naturais
Frankiniella occidentalis Orius spp. (percevejo pirata),
(tripes) joaninhas, aranhas, Nabis sp.

Erythronuera elegantula Anagrus epos (vespa parasitóide),


(cigarra da uva) aranhas, Geocoris sp., crisopídeos
(bixolixaeiro)

Caminhos a seguir

Uma das principais estratégias adotadas na Agroecologia para a regulação


das populações de insetos-praga é a intensificação da biodiversidade
na paisagem e na área de plantio. Como no caso dos parreirais,
agroecossistemas diversificados desenvolvem funções ecológicas que
aumentam suas capacidades de auto-regulação. A base para o manejo
ecológico de insetos-praga é o aumento da diversidade do agroecossistema.
Isso serve como um suporte para o estabelecimento das interações
benéficas que promovem os processos ecológicos necessários à regulação
de insetos-praga.

É importante estabelecer uma diversidade de plantas para atrair um


número e variedade ideais de inimigos naturais. O tamanho e a forma das
flores determinam quais insetos são atraídos, já que somente aqueles
capazes de ter acesso ao pólen e ao néctar das flores farão uso da fonte
de alimentos disponível. Para a maioria dos insetos benéficos, incluindo
vespas parasitóides, as flores devem ser pequenas e relativamente
abertas. Plantas das famílias das compostas (margaridas e girassóis, por
exemplo) e das umbelíferas (erva-doce e cenoura, por exemplo) são
especialmente úteis para esse fim.

O período durante o qual as flores estão disponíveis é tão importante


como o seu tamanho e a sua forma. Muitos insetos benéficos são ativos
somente enquanto são adultos e por determinados períodos de tempo

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 162 08/04/2010 13:59:15


163

www.midiaindependente
Diversidade de culturas na Agricultura organica.

durante a estação de crescimento. Eles necessitam de pólen e de néctar


nesses períodos ativos, particularmente no início da estação, quando
as presas são escassas. Com esse conhecimento, os agricultores podem
estabelecer composições de plantas com períodos de florescimento
relativamente longos e que se sobreponham durante a estação.

O conhecimento atual sobre quais são as plantas mais indicadas como


fontes de pólen, de néctar, de habitat e de outras necessidades cruciais
está longe de ser completo. Claramente, muitas plantas estimulam o
desenvolvimento de inimigos naturais, mas os cientistas têm muito mais
a aprender a respeito de quais plantas estão associadas a quais insetos
benéficos, e como e quando ter as plantas desejadas disponíveis. Como
as interações benéficas entre plantas e insetos são específicas para
cada lugar, a localização geográfica e o manejo geral da propriedade são
aspectos importantes a considerar.

Planejamento da propriedade

Uma vez que os agricultores tenham um bom conhecimento das


características e das necessidades dos principais insetos-praga e de seus
inimigos naturais, eles podem desenvolver uma estratégia de manejo. Para
tanto, algumas diretrizes básicas devem ser levadas em conta, tais como:

• considerar o tamanho do habitat que deverá ser melhorado (tamanho


da área cultivada e do seu entorno);
• entender o comportamento do predador-parasita que será influenciado
pelo manejo do habitat;
• decidir pelo arranjo mais benéfico de plantas (dentro ou ao redor
das áreas cultivadas), considerando as condições locais e o tempo de
floração;

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 163 08/04/2010 13:59:19


164

• selecionar as espécies de plantas mais apropriadas;


preferencialmente aquelas que geram benefícios
múltiplos, como melhoria na regulação de insetos-praga
e contribuição na fertilidade do solo e na eliminação de
plantas espontâneas indesejadas;
• estar ciente de que a introdução de novas plantas no
agroecossistema pode afetar outras práticas de manejo
agronômico e portanto estar preparado para desenvolver
formas de lidar com isso.
Miguel A.Altieri, Luigi Ponti e Clara I. Nicholls
Universidade da Califórnia, Berkeley
ESPM-Divisão de Biologia de Insetos, Berkeley, Califórnia

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALTIERI, M. A.; NICHOLLS, C. I. Biodiversity and pest


management in agroecosystems. Nova York: Food
Products Press, 2004.

ALTIERI, M. A.; PONTI, L.; NICHOLLS, C. I. Manipulanting


vineyard biodiversity for improved insect pest
management: case studies from northern California.
Journal of Biodiversity Science and Management, n. 1, p.
191-203, 2005

LANDIS, D. A.; WRATTEN, S. D.; GURR, G. M. Habitat


management to conserve natural enemies of arthropod
pests in agriculture. Annual Reviews of Entomology, n. 45,
p. 175-201, 2000.

NICHOLLS, C. I; PARRILLA, M.; ALTIERI; M. A. The effects of


a vegetational corridor on the abundance and dispersal
of insect biodiversity within a northern California organic
vineyard. Landscape Ecology, n. 16, p. 133-

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 164 08/04/2010 13:59:19


165

OLEIRO E BARRO

Acorda! Já é dia e o teu destino


é Fazer teu destino caminhando!
Tu és, ao mesmo tempo, oleiro e barro;
tu és, num só momento, o boi e o carro!

Acorda! O tempo urge... tu não sabes


que deténs as rédeas da ação?
Tu és a solução dos teus problemas
e a chave das tuas algemas
repousa eternamente em tuas mãos!

Levanta! O sol se põe... bate a poeira


acumulada por tantos verões!...
Tu és a vela mestra da História,
o caminho que conduz à gloria
a semente das Revoluções!
(Juraci Siqueira)

Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 165 08/04/2010 13:59:20


Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 166 08/04/2010 13:59:23
Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 167 08/04/2010 13:59:25
Educando(a)_2_sistemas_de_producao_final_30_03_10.indd 168 08/04/2010 13:59:25

Você também pode gostar