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Sumário

Nota explicativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

1. O futuro de Olavo de Carvalho . . . . . . . . . . . . . 4

2. Elementos da filosofia de Olavo de Carvalho . . . . . . . 12

3. Uma nova visão da filosofia de Olavo . . . . . . . . . . 23


Nota explicativa

Este é um e-book exclusivo para você que está pensando em iniciar o


estudo da obra do professor Olavo de Carvalho.

Eu jamais havia reunido estes textos. Em nenhum outro lugar você os


encontrará da forma como estão aqui. O primeiro deles, aliás, é de leitura
exclusiva de assinantes de uma publicação. Portanto, aproveite.

Em “O futuro de Olavo de Carvalho”, ofereço um contexto geral pelo


qual você pode começar a se aproximar das camadas mais profundas da
obra desse grande filósofo. Olavo precisa ser pensado frente ao Brasil que o
julgou e foi por ele julgado.

Após essa primeira leitura, você pode passar aos “Elementos da filosofia
de Olavo de Carvalho”. Faço aí uma descrição ampla, mas sucinta, dos prin-
cipais tópicos do seu pensamento. Se algo ficar confuso para você, não há
problema: de fato, o texto é compacto e requer explicações adicionais, mas
certamente é possível ter a partir dele uma visão panorâmica da filosofia de
Olavo.

Por fim, em “Uma nova visão da filosofia de Olavo” você conhecerá a


perspectiva que adoto no momento em relação a essa obra imensa: o que
estudar dela, como fazê-lo e por quê.

Repito: aproveite o conteúdo deste e-book, pois é mesmo exclusivo.

Boa leitura.

Ronald Robson
Ronald Robson — Como estudar a obra de Olavo de Carvalho

O futuro de Olavo de Carvalho

Quando me perguntam se algum dia o pensamento de Olavo de Carva-


lho terá sua importância reconhecida, se irá caber a ele lugar de destaque no
que se percebe como cultura brasileira, costumo responder que ele está para
nós hoje como esteve Gilberto Freyre para a circulação de ideias no Brasil do
século XX. Freyre, pelos novos métodos sociológicos que desenvolveu e pela
amplitude em que situava a discussão de nossos problemas – uma moderni-
dade alargada, à qual dava um tratamento em que Lucien Febvre e Fernand
Braudel reconheceriam o modelo do que eles próprios se ocupavam de fazer
–, estava no centro de nossas Humanidades e, por isso, à margem de nosso
comércio intelectual rotineiro.

Freyre é celebrado, seus livros têm saída, mas a classe mais ou menos
amorfa da qual em geral esperamos o peneiramento das ideias, os “inte-
lectuais” (professores universitários, curadores culturais, opinadores em ge-
ral), ainda hoje trata o mestre de Apipucos com condescendência, senão
com franca oposição, a fim de mantê-lo cativo das etiquetas de reacionário
e ideólogo da morenidade, alvo de predileção daqueles que hoje combatem
o “racismo estrutural”. As ideias seminais de livros como Aventura e rotina
(1953) e Para além do apenas moderno (1973) não chegaram a ser com-
batidas. Foram apenas ignoradas pelos palradores de maior visibilidade e
nutridas à sombra, quase como uma boa-nova que se deve manter em segre-
do, por um círculo relativamente estreito de estudiosos, infelizmente muitas
vezes de tendência especializada demais, até provincianos, e pouco atentos à
vocação integradora, “multidisciplinar” e universalizante da obra de Freyre.

Similar é a posição de Olavo de Carvalho, falecido há exatamente um


ano. Olavo atualizou as Humanidades no Brasil como talvez, antes dele, só
o tinham feito Freyre e Otto Maria Carpeaux. É constrangedora a estreiteza

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mental, a pobreza de referências dos professores universitários e articulistas


culturais que Olavo notabilizou em O imbecil coletivo (1996) por sua perfei-
ta ignorância do circuito mais amplo das ideias – expandido por Olavo até
o Oriente e até uma antiguidade remota –, que deveria prover os ditames
básicos de qualquer discussão cultural. Ives Gandra Martins estava correto
ao dizer que “Olavo é o mestre de todos nós”.

Olavo não se limitou a editar obras de Otto Maria Carpeaux e Mário


Ferreira dos Santos: deu-lhes novas chaves interpretativas. Fez publicar três
títulos importantes numa Biblioteca de Filosofia que dirigiu na editora Re-
cord, infelizmente logo abortada: um do filósofo francês Émile Boutroux,
outro do filósofo romeno Constantin Noica, outro ainda do filósofo alemão
Eugen Rosenstock-Huessy. Foi parte ativa na fundação de pelo menos duas
editoras (É Realizações e Vide Editorial), cujos catálogos guardam as mar-
cas das indicações bibliográficas que distribuiu em milhares de artigos e au-
las, em dezenas de livros. Em suas aulas, vigorava como realidade aquilo que
numa oportunidade disse ser sua missão: “vincular nossa cultura às corren-
tes milenares e mais altas da vida espiritual do mundo”, “fazer em suma com
que o Brasil, em vez de se olhar somente no espelho estreito da modernida-
de, imaginando que quatro séculos são a história inteira do mundo, consiga
se enxergar na escala do drama humano ante o universo e a eternidade”.
Por isso, suas exposições podiam passar sossegadamente da crítica à mo-
dernidade para a crítica de críticos da modernidade como René Guénon,
ou da filosofia da ciência de Edmund Husserl para a filosofia da iluminação
na tradição persa, sem que lhe parecesse minimamente estranho o proce-
dimento de por lado a lado, numa mesma frase, uma expressão brasileira
chula e uma citação obscura de autor da antiguidade.

Em razão dessa amplitude de ideias e de estilos, e não menos em razão


da novidade de seus métodos, Olavo torna-se um problema para a cultura
oficial brasileira – se me permitem a expressão. Justamente sua autoridade,
sua centralidade, o empurra para a margem do debate cultural, condenado

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se tanto ao papel de autor excêntrico – e ele o foi incontáveis vezes –, com


esta ou aquela ideia interessante e uma prosa, vá lá, atraente, mas que ja-
mais pode ser citado como autoridade em matéria alguma, tanto mais após
associar seu nome ao governo de Jair Bolsonaro. Mais ou menos como em
determinados meios universitários não é possível citar o nome de Freyre
sem mencionar seu apoio ao regime militar.

Há, porém, uma razão mais profunda para a marginalização de Olavo.

Este não é o local apropriado para defender a originalidade de seu pen-


samento. O leitor gentil me perdoará a sugestão de que leia meu livro Co-
nhecimento por presença: em torno da filosofia de Olavo de Carvalho (2020)
caso queira conhecer algo da obra do último grande filósofo brasileiro (ou
então aguarde o curso on-line que em breve irei oferecer sobre alguns aspec-
tos seus). Mas gostaria de chamar atenção para um traço da obra de Olavo
que importa ao nosso assunto: ele não só não aspirou a ser um intelectual
universitário, cuja pesquisas já nascessem em formato palatável a esse meio,
como de certa maneira não aspirou sequer a ser um intelectual.

O intelectual, como o conhecemos hoje, é uma criação do publicismo


francês do século XVIII. Sua existência se liga intimamente às novas tarefas
que os antigos clérigos, os letrados, viram surgir com a ampliação do “espa-
ço público” que mediava entre realeza e povo, espaço aos poucos roubado ao
poder absoluto dos reis e entregue à pena de gente de razoável cultura que
não encontrara outro meio de viver senão dizendo algo de supostamente
importante. O intelectual se torna o guarda de trânsito das ideias. Sobretu-
do um opositor do poder constituído, que ele próprio irá tentar uma hora
dirigir a fim de sanar os males que tanto denuncia. O destino do intelectual
será o de “transformar o mundo”, como queria Marx, ou “tornar o mundo
melhor”, como dizem jovens e velhos piegas de hoje.

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Olavo guardava completa incompatibilidade com essa imagem de inte-


lectual; daí seu incômodo na década de 1990, época em que ainda tinha al-
gum espaço na imprensa, em ser chamado de “polemista” a torto e a direito.

Toda a filosofia de Olavo de Carvalho vai no sentido de diluir as constru-


ções conceituais que confundem, e até obstaculizam inteiramente, a expe-
riência que o indivíduo tem da realidade. Dos seus estudos de simbolismo
a seus estudos da mente revolucionária, o filósofo sempre orbita a noção
de presença, aquela faixa individualíssima da realidade que funda a pró-
pria possibilidade de que a conheçamos, e que, coisa fundante que é, não
pode ser fundada pela própria cognição. Olavo peregrinou por várias cul-
turas em busca de uma via de acesso menos atravancada ao real. Sabia que
hoje precisamos de treino para refinar o tato de nosso intelecto, que toma
as luvas com que apalpa o real pelo próprio real. No limite, a tarefa da filo-
sofia de Olavo de Carvalho – e o cerne da revisão do pensamento moderno
para a qual contribuiu – é dissolver-se em experiência. Tenho certeza de que
ele aprovaria estas palavras do filósofo colombiano Nicolás Gómez Dávila:
“Ingressamos novamente em épocas que não esperam do filósofo nem uma
explicação nem uma transformação do mundo, mas a construção de abrigos
contra a inclemência do tempo”. A ambição da obra de Olavo é desmesurada
se comparada à humildade de seu objetivo.

Desmesurada até porque ainda se encontra em grande medida na con-


dição de projeto. Na verdade, Olavo foi um projeto. Não que tenha deixado
demasiadas coisas inconclusas (embora tenha deixado algumas, lamenta-
velmente, como o ensaio A marcha dos abismos), não que tenha descuidado
do capricho formal que suas últimas obras pediam (embora tenha descui-
dado, sim), não que tenha desperdiçado energia com assuntos e pessoas que
não mereciam sequer que ele lhes dirigisse a palavra (embora também o
tenha feito). Não, não falo de nada disso. Falo do cerne de seu pensamen-
to; falo da necessidade de desdobrar em obras de arte, livros e pesquisas
os muitos tópicos de sua filosofia, como a desconcertante “teoria da tripla

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intuição”, coisa que ele mesmo não fez. Falo da necessidade de dar foros de
cidadania à “teoria dos quatro discursos” nas mais diversas áreas do saber,
e sequer me consta que suas mais óbvias aplicações à historiografia, tantas
vezes sugeridas pelo próprio Olavo, tenham sido aproveitadas por alguém.
As discussões da “técnica filosófica”, como Olavo a entendia, necessitam ir
muito além dos rudimentos que expus em meu livro sobre o filósofo. Toda a
sua multitudinária reação à filosofia de Kant permanece dispersa nas fontes
mais heterogêneas, o que torna muito difícil ao estudioso, mesmo ao estu-
dioso honesto e bem-disposto, inteirar-se do escopo de seus argumentos e
aquilatar sua verdade ou erro – pois muitas vezes não resta claro nem a qual
passagem de Kant ele está aludindo em algumas de suas críticas.

Poderia multiplicar os exemplos ad nauseam. Poderia avançar sobre o


terreno mais espinhoso da necessidade de estabelecer um grupo de trabalho
que ao longo de algumas décadas fixasse o texto das por ora improváveis
Obras Reunidas de Olavo de Carvalho. Mas calma. Até porque não quero
sugerir, como já me sugeriram mais de uma vez, que é preciso tornar Olavo
um autor mais “acadêmico”.

A propósito, um professor livre-docente da Universidade Estadual de


Campinas (Unicamp) certa vez me disse que o pequeno estudo de Olavo
sobre as formas fundamentais de expressão humana, Os gêneros literários:
seus fundamentos metafísicos (1991), poderia ser perfeitamente adotado
para cursos de um semestre em departamentos de letras. De um professor
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ouvi a afirmação de
que Olavo estava para as Humanidades no Brasil, na década de 1990, como
os irmãos Augusto e Haroldo de Campos estiveram para os estudos poéti-
cos décadas antes: foi alguém responsável por ampliar o leque de referên-
cias. E já ouvi de professor de artes da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), um partidário vulgar da esquerda, a confissão de que lia com o
maior interesse os ensaios de Olavo na extinta revista Bravo!.

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Recordo esses casos apenas para ilustrar como seria relativamente fácil
tornar Olavo lido nas universidades: bastaria que aqueles que se queixam
das universidades ingressassem nelas, participassem de grupos de pesquisa,
pusessem Olavo entre as referências, o discutissem, o editassem. Há zonas
relativamente incontroversas em sua obra, que poderiam ser aproveitadas.
Tudo isso é muito importante, mas não é o mais importante. Interessa-me
em primeiro lugar o que fazer de mim, a partir da obra de Olavo, como
creio que deveria interessar aos demais alunos dele. René Descartes fez-se o
protótipo do filósofo moderno (do bom filósofo, inclusive) ao dar as costas
à universidade. A cultura mais pujante criada entre os séculos XV e XVIII
veio das franjas das universidades, da borda cultural de agremiações e ins-
titutos, com mais patrocínio privado que estatal. E foi justamente grande
parte dessa cultura que, num movimento oposto, se oficializou nas univer-
sidades a partir do século XIX. Nelas o intelectual se trancafiou novamente:
se no século XV lia manuais nos quais se decantava uma rala beberagem de
Pedro Lombardo e Aristóteles, agora passava a beber de um suco concentra-
do de historicismo que o entronava feito novo guia dos povos, pois que situ-
ado no ápice histórico a partir do qual julgaria – negativamente, presuma-se
– todo o passado humano. Mais uma vez, o intelectual confunde o mundo
com a confortável torre de marfim onde se alojou. Descartes hoje começaria
por fazer implodir metodicamente essa torre.

À sua maneira, Olavo fez isso, e é provável que seu nome aos poucos
passe a ser tomado em outros países como referência de um novo tipo de in-
telectual, que talvez não seja ridículo denominar intelectual por dissidência,
o que é bem mais que um intelectual dissidente. Essa percepção se ampliará
à medida que um grupo de pessoas tiver por sua obra a devoção que um Ed-
son Nery da Fonseca teve pela de seu mestre Gilberto Freyre, num discipu-
lado constante e criativo. É preciso exercitar a liberdade que Olavo nos deu,
a qual irá independer de maior ou menor liberdade política.

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Não precisamos resolver todos os problemas do Brasil, nem esperar que


a obra de Olavo seja respeitada, ou que todas as suas aulas e escritos sejam
editados, para que façamos jus àquilo que ele deixou. Seu site, o Seminário
de Filosofia, segue no ar com centenas de aulas e materiais de apoio; há
dezenas de livros seus em catálogo. Apossemo-nos disso do jeito como está.
A obra dele irá crescer na medida em que fizermos dela coisa nossa, na me-
dida em que crescer em nós. Eu mesmo, tivesse esperado condições ideais
de pesquisa, jamais teria escrito Conhecimento por presença. Façamos de
seu último grande livro, Inteligência e verdade: ensaios de filosofia (2021), o
eixo da sua posteridade. Assumamos o caráter de projeto que perpassa toda
a atuação de Olavo e façamos dela não uma nova torre de marfim, nem tam-
pouco um aríete com que arrombar os portões universitários, mas forma e
matéria de experimentos culturais impremeditados e mesmo impossíveis de
premeditar, que ainda estão para surgir nesta parte inglória do globo e nesta
época de ocaso de grande parte do que conhecíamos por Ocidente. Não há o
que lamentar: será divertido.

Nem tudo até agora foi divertido, contudo. Olavo teve a vida que esco-
lheu, não a que merecia – menos ainda a que merecíamos nós outros, seus
leitores e alunos. Optou, com todas as suas idiossincrasias, por ser um mes-
tre, um professor full time, o que desnorteou muita gente, tentada assim a
emular até seus gestos e gostos, quando não cada uma de suas palavras acer-
ca de tudo e todos. Bem como desnorteou aqueles que nele não viram mais
que a pátina do palavrão e do doesto, e que fizeram da fofoca uma régua pela
qual medir sua obra. Que Olavo tenha feito um prognóstico errado ao afir-
mar que “Bolsonaro é o líder natural e predestinado da revolução brasileira”
não deveria hoje escandalizar ninguém, pelo menos não escandalizar mais
que o próprio fato de ele ter escrito isso – por maior que seja sua simpatia
pelo governo anterior.

Se você teme pelo futuro do pensamento de Olavo, tranquilize-se com o


fato de que as gerações vindouras entrarão em contato com ele em condi-

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ções mais propícias. Olavo foi odiado pelo PT e pelo MBL, por militares e
por bolsonaristas, por Fernando Haddad e por Marco Antonio Villa, por ca-
tólicos progressistas e por católicos tradicionalistas, por muçulmanos e por
militantes do movimento gay, mas vou parar antes de citar nomes de you-
tubers. É um currículo formidável, que não o isenta de erros nem o cobre
com o manto de outsider imaculado, mas que assinala uma marca constante
de sua atuação: Olavo viveu e morreu como corpo estranho no combalido
organismo da cultura brasileira. Mas no futuro tenderá a surgir mais como
ele mesmo, sem o ruído que hoje o cerca, e agigantar-se como fonte viva de
cultura.

Em O futuro do pensamento brasileiro (1997), Olavo apontou quatro


grandes “nascentes” da inteligência nacional: o pensamento jurídico de Mi-
guel Reale, a sociologia de Gilberto Freyre, a historiografia e crítica de Otto
Maria Carpeaux e a filosofia de Mário Ferreira dos Santos. Seria demais
apostar que no futuro críticos serão tentados a incluir o pensamento de Ola-
vo como uma quinta nascente criativa?

No futuro eu não sei, mas no presente ele é a nossa mais possante nas-
cente criativa. E a mais mal aproveitada. Morto, Olavo nada tem a ganhar
de nós: nós é que temos tudo a perder sem ele.

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Elementos da filosofia de Olavo de Carvalho

I.

A obra de Olavo de Carvalho possui uma intuição primeira: a de que só


a consciência individual é capaz de conhecimento. O que a afirmação possa
ter de banal, em aparência, se esvai se notarmos que aí se fala de “consciên-
cia individual”, não se tratando apenas de “sujeito”, o vocábulo descarnado
de uso corrente na metafísica dos últimos séculos. Uma coisa é sujeito en-
quanto meramente contraposto a objeto em teoria do conhecimento; outra
coisa é a modalidade de existência histórica de um ser dotado de consciên-
cia, que por definição só pode ser individual.

E nisso importa prestar atenção à sutileza vocabular porque aí se afirma


uma substância e se afirma uma sua propriedade: “consciência individu-
al”, a primeira, e “capacidade de conhecimento”, a segunda. De um ponto
de vista biográfico, a substância que atualiza essa sua propriedade enfrenta
um trauma de emergência da razão, que consiste no descompasso entre o
crescente acúmulo de experiências do indivíduo, no decorrer do tempo, e
sua capacidade mais limitada de coerenciar e dar expressão a essa massa de
fatos que, a princípio amorfa, pode se ordenar — à medida que o indivíduo
a expressar a si mesmo — a ponto de nela se tornar discernível uma forma.

A cada estágio traumático corresponde um padrão de autoconsciência,


um eixo central de estruturação do indivíduo, ao menos em nível psicoló-
gico, que se pode melhor compreender mediante uma teoria das doze ca-
madas da personalidade: pois, caracterologicamente, o desenvolvimento da
psique pode ser apreciado em doze camadas distintas, umas integrativas
(formam um quadro integrado estável), outras divisivas (estabelecem uma
ruptura da ordem anterior que, assim, propicia uma nova).

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A terceira camada, por exemplo, a qual em geral é objeto de escolas como


a behaviorista e a Gestalt — que equivocadamente, como fazem outras es-
colas, tomam uma camada da psique por sua própria substância —, com-
preende aquele período de esforço cognitivo concentrado para aquisição de
saberes que permitam à pessoa (criança, aqui) se orientar no mundo com
algum grau de independência, ao menos física; a quarta camada, divisiva e
decisiva ao seu modo, que afinal foi o verdadeiro objeto de estudo de Freud
e Klein, abarca a história pulsional do indivíduo preocupado sobretudo com
sua afetividade, com o querer e sentir-se querido; e com a quinta camada,
integrativa e de individuação (Jung), já começa a surgir o problema objetivo
de quais são os propósitos reais do indivíduo e como alcançá-los — a ques-
tão deixa de ser de afetividade, passa a ser de poder.

E assim por diante, a passar por camadas que apenas podem ser alcan-
çadas, mas não necessariamente, como a da síntese individual (oitava), a
da personalidade intelectual (nona) ou mesmo a do destino final (décima
segunda).

II.

A identificação de em que camada se está, o indivíduo só pode fazê-la


por meio de um gesto de assentimento aos seus próprios atos e pensamen-
tos. Essa aceitação, se vista antropologicamente, tem seu fundamento no
princípio de autoria: cada indivíduo é responsável por seus atos, e essa as-
serção é universal; não existe registro de nenhuma cultura na qual o ato de
um indivíduo devesse ser atribuído a outrem (o que, para além da constata-
ção de fato, demonstra existir a constante antropológica de que um homem
é um todo, ele é seus atos, e estes não lhe podem ser alheados).

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Mas essa aceitação tem no princípio de autoria apenas seu fundamento,


não seu meio ou método, mesmo porque esse princípio só abarca os atos
individuais que são testemunhados socialmente. Para além desses, existem
outros de outra ordem e de maior importância — os atos sem testemunha.
Esses são os atos de que o indivíduo só se reconhece autor por uma obri-
gação interior, não externa; à medida que neles se reconhece, integra sua
personalidade e, assim, fica menos à mercê de quaisquer automatismos de
pensamento ou comportamento.

Essa outra ordem de objeto de consciência é incorporada ao indivíduo


especificamente por meio da confissão: uma vez que toda expressão social
depende de uma expressão individual e interior, e uma vez que esta só se
torna possível depois de uma condensação de significado sob a forma do ju-
ízo, este, antes de se tornar uma proposição — em sentido lógico — dotada
de compreensibilidade pública, deve ser afirmado pelo indivíduo de si para
si mesmo — o indivíduo deve, em suma, confessar para si aquilo que ele já
sabia, mas de que não estava ciente até então.

Quem for filósofo poderá alcançar uma dimensão de maior universali-


dade e precisão nessa prática. Pois, àquele recenseamento socrático do que
se sabe e não se sabe, ele poderá fazer seguir-se o processo de extrusão, pelo
qual dará forma linguística e simbolicamente articulável à sua própria ex-
periência. Claro, qualquer pessoa depende, para se reconhecer a si mesma,
da realização ao menos parcial desse mesmo ato; mas só o filósofo, em razão
de seu próprio ofício, sente-se intimamente obrigado a transformá-lo numa
estrutura permanente da cognição. A essa prática tornada coisa natural Ola-
vo chama método da confissão.

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III.

O trauma de emergência da razão reproduz na escala privada um pro-


blema central de qualquer filosofia da cultura: as mediações entre indivíduo
e sociedade; ou, se se quiser dizer de outro modo, entre expressão particular
e símbolos disseminados socialmente. A esse desenvolvimento psicológico
do indivíduo corresponde, é evidente, um desenvolvimento epistemológico,
que pode ser apreendido não apenas nessa escala, a individual, mas também
na escala social.

A teoria dos quatro discursos, assim, tenta descrever em amplitude his-


tórica e pessoal — uma filosofia da cultura e uma pedagogia, portanto — a
unidade entre os quatro tipos de discurso estudados por Aristóteles (o po-
ético, o retórico, o dialético, o analítico), ao mesmo tempo tentando rever
a interpretação do corpus lógico do Estagirita: o discurso humano, diz a
teoria, é uma potência única que se atualiza de quatro formas, a expressar
estruturas gerais de possibilidade (poética), estruturas gerais de verossimi-
lhança (retórica), estruturas gerais de probabilidade (dialética) e estruturas
gerais de certeza (lógica ou analítica).

As mediações entre o indivíduo e o conhecimento, sobretudo o difun-


dido socialmente, podem, então, se dar por meio desses quatro níveis — de
um polo estritamente mais simbólico, o primeiro, até um polo, por oposição,
mais analiticamente discernível. Estão em jogo aí diferentes níveis de credi-
bilidade do discurso humano; mas estão, também, as diferentes formas de
reivindicação indevida de credibilidade, o que requer estudo tanto da erís-
tica quanto das condições epistemológicas do saber científico, ou seja, uma
filosofia da ciência.

Há que se considerar ainda, todavia, as formas próprias que o discurso

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adquire, umas mais adequadas ou menos à comunicação neste ou naquele


nível de credibilidade — e então se há de atentar aos fundamentos metafí-
sicos dos gêneros literários, cuja teoria, grosso modo, ao levar em conta a
modalidade de existência espaçotemporal da linguagem e do ser humano
que se serve dela, aplica ao discurso distinções espaciais, temporais e numé-
ricas (de número em acepção antiga: discreto ou contínuo), delas extraindo
os princípios da “narração” (tempo), “exposição” (espaço) e da “prosa” e do
“verso” (número). As articulações específicas e em diferentes graus desses
princípios numa obra lhe dão sua feição substantiva — seu gênero.

IV.

Embora o discurso seja o meio eminente pelo qual o indivíduo se apos-


sa do saber, nem por isso a finalidade desse indivíduo, como ser dotado de
consciência, estará em se limitar ao mero domínio discursivo do saber. Seu
destino é chegar ao próprio saber, o que é ademais verificar suas próprias
condições de existência. É, numa palavra, chegar à base metafísica primeira,
à investigação daquela faixa da realidade que Platão visava em sua “segunda
navegação”, para além das “ideias” e rumo ao mundo dos princípios que as
regem, dentre os quais o de identidade tem primazia.

Tudo que existe é na medida em que tem possibilidade de sê-lo, quer


dizer, as atualizações das notas de cada ente têm seu esteio numa estrutura
de possibilidades preexistente — por exemplo, a própria possibilidade onto-
lógica (da qual a lógica é só expressão discursiva) de que algo seja a atualiza-
ção de uma potência. A possibilidade da possibilidade conduz a inteligência
à investigação do que de mais substantivo e duradouro possa ter um ente.
Mas, nesse caso, a palavra investigação não é a mais apropriada.

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Trata-se mais, via confissão, da aceitação desse corpo de possibilidades


em tudo embutido; trata-se de um conhecimento por presença, trata-se de
treinar a consciência para que, ao invés de falar à realidade, deixe que esta
lhe fale: como o conceito de um ente já está potencialmente dado em sua
substância, como toda a mineralogia já está nos minerais, o indivíduo deve
se esforçar para perceber que o problema da verdade está submetido ao pro-
blema da presença substantiva da realidade. Mesmo a mais refinada técnica
lógico-analítica é apenas um meio de retornar ao que sempre aí já esteve. É
tomar consciência de uma presença que abarca a nós e a tudo o mais. Eis o
nexo remoto entre conhecimento e existência.

V.

Eventualmente é necessário, para romper o véu das limitações cogniti-


vas de uma determinada civilização e retornar a essa aceitação da presença,
proceder à crítica cultural, que poderia ser definida provisoriamente como
o ato pelo qual uma consciência individual investe contra as estruturas sim-
bólicas ou políticas que lhe embotam a sensibilidade. Essas estruturas po-
dem, por um lado, ser tão só simbólicas e discursivas — nas artes, nas ci-
ências e na comunicação pública —, ou, por outro, podem mesmo chegar
ao cerceamento físico da liberdade de consciência. Aqui, o objeto de crítica
cultural mais extensa é a metamorfose da ideia de Império ao longo da his-
tória do Ocidente e a ideia correlata de “religião civil”, com o que se investe
no rastreio dos fundamentos remotos da ideologia coletivista e cientificista
contemporânea.

Cientificismo e nova pax romana, separados sob outros aspectos, dão


as mãos no achatamento do horizonte total da experiência humana (lon-
gamente preparado, por exemplo, desde as ideias de volonté générale e de

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Ronald Robson — Como estudar a obra de Olavo de Carvalho

quantificação geral das ciências físicas). O drama da vida humana, antes


concebido como de almas substantivas a viver sub specie aeternitatis, passa
a ser o de papéis sociais limitados a um mundo espaçotemporal inteiramen-
te fechado (vários exemplos poderiam ser colhidos na cultura geral: Dostoi-
évski seria um autor ainda ligado à primeira perspectiva; já os personagens
de Balzac se conformariam quase que só à feição da segunda).

Com a negação da via de acesso à universalidade da experiência, em grau


metafísico, vem também a negação da própria possibilidade de conheci-
mento do indivíduo. Existiria um vínculo indissolúvel entre a objetividade
do mundo e a individualidade da experiência, a qual é preterida num meio
cultural de politização geral (gramscismo) e disseminação de substitutivos
das experiências realmente fundadoras do conhecimento (“Nova Era”, por
exemplo) — ou seja: coletivismo, no fim das contas, é subjetivismo.

E é contra este que se afirma o conhecimento como intuicionismo radi-


cal: ao contrário do que é comum pensar, o que há de mais objetivo e espe-
cificamente humano no conhecimento é o que os antigos lógicos chamavam
de “simples apreensão”, ou seja, o ato pelo qual a consciência toma ciência
da presença de um determinado dado da realidade. O “raciocínio”, a cons-
trução silogística e suas derivadas, é posterior, além de ser aptidão de ordem
construtiva e, portanto, mais dada a erros. O que significa dizer: o homem
erra mais na expressão interior do que apreende do que na apreensão em si;
pois os métodos mais refinados da lógica apenas desencavam, analiticamen-
te, algo que já estava dado na primeira intuição.

Cada intuição, por sua vez, inaugura uma cadeia potencialmente ilimi-
tada de outras intuições; disso trata a teoria da tripla intuição: o ato pelo
qual o indivíduo intui (primeira intuição) é, ao mesmo tempo, intuição de
algo (segunda intuição) e intuição das condições desse ato intuitivo (terceira
intuição). Isso explicaria ainda, por exemplo, certos simbolismos naturais,
como a identificação do “sol” ou da “luz” com o conhecimento em inúmeras

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culturas, porquanto em sociedades primitivas, sem o recurso do fogo, só se vê


algo — e a visão é o sentido identificado mais diretamente ao conhecimento
— quando há luz natural; então o indivíduo percebe que intui, percebe que
intui algo e percebe a possibilidade que funda essa intuição paralelamente a
uma situação natural. Isso, por fim, afirma a possibilidade de conhecimento
objetivo contra todo o discurso contemporâneo de que só existem verdades
convencionais, inexistindo as objetivas e, por assim dizer, naturais.

VI.

Um capítulo adicional de crítica cultural se volta para a paralaxe cogni-


tiva, que teria se disseminado em larga escala na modernidade. Ela se de-
finiria como o deslocamento entre o eixo da experiência individual e o eixo
da formulação teorética. Ou, dito de outro modo: ela seria responsável pela
formulação de ideias que são desmentidas pelas próprias condições concre-
tas de que o indivíduo depende para formulá-las. A obra de Maquiavel seria
exemplar nesse sentido, toda construída sobre dados intrinsecamente con-
flitantes, mas sobretudo conflitantes com aquilo que o próprio Maquiavel
sabia — ou deveria saber — ser manifestamente falso, porque patente à sua
experiência mais imediata.

A manifestação aguda da paralaxe cognitiva se encontraria na menta-


lidade revolucionária, caracterizada basicamente por duas inversões: a in-
versão temporal, pela qual o revolucionário toma o futuro hipotético pelo
qual trabalha como o parâmetro de julgamento de suas ações, não mais
prestando contas ao passado (e, afinal, a ninguém, pois por definição sua
sociedade utópica se afasta à medida que o processo revolucionário avan-
ça, nunca se concretizando e, portanto, nunca havendo tribunal no qual se
possa julgar abertamente ações ou ideias); a inversão da experiência moral,

19
Ronald Robson — Como estudar a obra de Olavo de Carvalho

pela qual o revolucionário, ao atacar os adversários de sua sociedade futu-


ra, atribui-lhes toda a culpa pelos males que a revolução irá curar, ao passo
que ele próprio, ainda que perpetrando genocídio, considerar-se-á sempre
moralmente justificado, por fazê-lo em nome daquilo que considera a mais
nobre meta humana; e, por fim, a inversão de sujeito e objeto, pois o revo-
lucionário tomará os que lhe impedem a consecução de seus planos como
atacantes, e assim agressor se tornará agredido e agredido, agressor (como
se as ações de um fossem projetadas sobre outro, numa clara violação virtu-
al do princípio de autoria).

A paralaxe cognitiva e, em particular, a mentalidade revolucionária in-


viabilizam um ambiente intelectual no qual o método confessional leve o
indivíduo a se dar conta do conhecimento que lhe é imediatamente presen-
te — a primeira, porque faz do sujeito do conhecimento um ser diverso do
indivíduo autor de sua própria vida; a segunda porque, além disso, ameaça
destruir todas as bases sociais de convivência humana, já que revolução con-
siste em concentração de poder nas mãos de uma elite revolucionária com
vistas à instauração de um projeto de sociedade, o que rouba aos indivíduos
liberdade, senão mesmo, em última instância, a própria existência física,
como o demonstram os totalitarismos revolucionários do século passado.

VII.

A teoria política deriva não tanto de alguma proposta contrária ao esta-


do de coisas analisado nesses estudos de crítica cultural, mas de adaptação
metodológica ao tipo específico de objeto da ciência social. Sua premissa
fundante é a de que poder é possibilidade de ação, em sentido geral, mas em
política tem o sentido estrito de possibilidade de determinar a ação alheia.
Em sentido universal o homem só tem três poderes, o de gerar, destruir e

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Ronald Robson — Como estudar a obra de Olavo de Carvalho

escolher, que correspondem respectivamente ao poder econômico, o poder


militar e o poder intelectual ou espiritual, os quais podem ser exercidos ati-
va e passivamente e correspondem tipologicamente às castas dos produto-
res, dos nobres e dos sacerdotes.

O primeiro tipo de poder se exerce pela promessa de um benefício, o


segundo pela ameaça de um malefício e o terceiro pelo convencimento ou
cooptação. Em cada civilização, os três tipos de poder tendem a se cristalizar
em grupos específicos (hoje em dia seriam, em ordem respectiva, o globalis-
mo ocidental, a aliança russo-chinesa e o Islã), mas a especificação de quais
são esses grupos é um procedimento posterior à detecção de quem pode ser
sujeito da história: não podendo ser um agente individual, porque perecí-
vel a curto prazo e limitado geograficamente em sua ação, só o podem ser
as tradições, as organizações esotéricas (ou sociedades secretas), as dinas-
tias reais e nobiliárquicas ou demais entidades de natureza similar. Assim, a
Igreja católica e o movimento revolucionário, nessa acepção específica, são
sujeitos da história, mas são Francisco e Lênin não o são. O poder realmente
decisivo, a longo prazo, é o de ordem sacerdotal ou intelectual.

VIII.

Essa multiplicidade de assuntos e disciplinas recoberta na produção de


um único filósofo não é fortuita. Ele mesmo define filosofia como a busca da
unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa. Qualquer
outra definição seria parcial, tornando difícil apontar no que se distinguem
fundamentalmente um filósofo e um cientista, um filósofo e um poeta. O
cientista pode produzir conhecimento sem que para tanto tenha de se em-
penhar no resgate confessional pelo qual cada novo dado conhecido se in-
tegra ao conjunto daquilo que ele, como indivíduo, é naquele momento; o

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Ronald Robson — Como estudar a obra de Olavo de Carvalho

poeta pode produzir uma obra só com base em intuições manifestamente


contrárias à sua índole e à própria verdade, pois o que lhe importa é a unida-
de daquele momento expressivo. O filósofo não se limita a nada disso, pois
seu esforço é direcionado por uma técnica filosófica específica, que consiste
em sete pontos:

1. A anamnese pela qual o filósofo rastreia a origem das suas ideias e as-
sume a responsabilidade por elas.

2. A meditação pela qual ele busca transcender o círculo das suas ideias
e permitir que a própria realidade lhe fale, numa experiência cognitiva ori-
ginária.

3. O exame dialético pelo qual ele integra a sua experiência cognitiva na


tradição filosófica, e esta naquela.

4. A pesquisa histórico-filológica pela qual ele se apossa da tradição.

5. A hermenêutica pela qual ele torna transparentes para o exame dialé-


tico as sentenças dos filósofos do passado e todos os demais elementos da
herança cultural que sejam necessários para a sua atividade filosófica.

6. O exame de consciência pelo qual ele integra na sua personalidade to-


tal as aquisições da sua investigação filosófica.

7. A técnica expressiva pela qual ele torna a sua experiência cognitiva


reprodutível por outras pessoas.

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Ronald Robson — Como estudar a obra de Olavo de Carvalho

Uma nova visão da filosofia de Olavo

Faz quase três décadas que a paisagem intelectual brasileira é dominada


pela figura de Olavo de Carvalho. Jamais nenhum outro intelectual bra-
sileiro alcançara tamanha popularidade e tamanha influência sobre uma
geração de estudiosos. Contudo, o cerne de sua atuação, a sua filosofia pro-
priamente dita, permanece pouco conhecida.

Em 2013, escrevi o breve ensaio “Elementos da filosofia de Olavo de Car-


valho” com o intuito de sanar minimamente essa deficiência. Foi apenas um
exercício de tiro curto, o qual se tornaria apêndice de Conhecimento por
presença: em torno da filosofia de Olavo de Carvalho (2020), livro de fôlego
mais largo em que, com o pretexto de apresentar a filosofia de Olavo, busco
ir além dela, alargá-la, discutir questões caras não só a ele, mas também a
mim.

Contudo, não esgotei nesse livro o que tinha a dizer a propósito e a partir
de sua filosofia. No momento, redijo um novo ensaio sobre Olavo, de caráter
mais introdutório mas não menos arriscado; e, paralelamente, inicio um
curso on-line ao redor dessa filosofia, em consonância com aquilo que de-
fendi ser, em “O futuro de Olavo de Carvalho” (que você leu páginas atrás),
o cerne da posteridade de sua obra.

Nas aulas do curso “Introdução à filosofia de Olavo de Carvalho”, não


farei o mesmo trajeto interpretativo percorrido no livro Conhecimento por
presença. Pretendo situá-las numa tensão: por um lado, serem não mais que
uma introdução ao pensamento de Olavo, uma meta que meu livro cum-
priu, mas só como etapa de um movimento que vai para bem além; e uma
pesquisa da maneira mais adequada de familiarizar os alunos com novas
formas de pensar que vão às raízes da filosofia de Olavo.

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Ronald Robson — Como estudar a obra de Olavo de Carvalho

As notas de aula com o título de “O momento de lucidez”, que Olavo


incluiu no livro Inteligência e verdade. Ensaios de filosofia (2021), são um
momento-chave de seu projeto pedagógico. É nítido o quanto o esforço de
Olavo naquelas aulas de 1989 se liga ao esforço que ele faria exatamente 20
anos depois nas primeiras aulas de seu Curso On-Line de Filosofia (COF). O
parágrafo de Louis Lavelle utilizado como ocasião de um exercício proposto
aos alunos é o mesmo. E o trajeto hermenêutico, o conteúdo do comentário
aos resultados desse exercício, é similar.

Levei muito a sério essa confluência de esforços que parecem tão dis-
tanciados, um ainda próximo da época em que os principais interesses de
Olavo eram a psicologia e as religiões comparadas, outro já no início de um
predomínio da metafísica e da teoria política em seu pensamento.

Perguntei-me o que fazer desse fato. Em primeiro lugar, registrá-lo em


livro, o que venho providenciando; mas logo me ocorreu que a melhor coisa
a fazer seria pormenorizá-lo, estudá-lo e vê-lo por dentro, compô-lo e de-
compô-lo, a fim de repropô-lo – mas já à minha maneira, não à maneira de
Olavo.

O curso terá, pois, uma qualidade experimental; será um experimento,


e o centro do experimento estará num punhado de aulas em que, a partir
de uma leitura conjunta com os alunos de “O momento de lucidez” e outros
textos de Olavo, irei propor um modelo provisório de iniciação à filosofia em
geral que seja, simultaneamente, também introdução à filosofia de Olavo
em particular.

Esta foi a forma que encontrei de levar às últimas consequências sua


definição de filosofia como a busca da unidade do conhecimento na unida-
de da consciência e vice-versa. Quem aceita essa definição não pode aceitar
disjunção entre ensino da filosofia e prática da filosofia, entre cultura filo-
sófica e intervenção filosófica, entre apresentação da filosofia de alguém e

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Ronald Robson — Como estudar a obra de Olavo de Carvalho

desenvolvimento dessa mesma filosofia. Logo, seria uma desonra fazer um


retrato da filosofia de Olavo que não pretendesse ser também filosofia por
direito próprio e se poupasse do risco de levá-la a partes ainda inexploradas.

Em conformidade com esse intento, elaborei o seguinte programa para


o curso:

Módulo 1: Explorando a visão cultural de Olavo de Carvalho

Você pode até conhecer um pouco a filosofia de Olavo, mas para avaliar
seu real significado é preciso ter uma visão de como ela se situa na cultura
brasileira e como pode assim ter uma aplicação prática. Neste módulo trata-
rei do pensamento de Olavo a respeito do Brasil, do nosso lugar no mundo e
de como chegamos à situação de calamidade cultural e política em que nos
encontramos.

Aula 1: Olavo perante a cultura brasileira

Aula 2: Como se faz crítica cultural (I): A Nova Era e a Revolução Cultu-
ral e O Jardim das Aflições

Aula 3: Como se faz crítica cultural (II): De O Imbecil Coletivo às Cartas


de um Terráqueo ao Planeta Brasil

Módulo 2: Inicie sua jornada pela filosofia

Muitas são as pessoas que admiram o professor Olavo, mas temem ter
dificuldade com termos e conceitos filosóficos e, por isso, acabam não co-
nhecendo o que ele tem a nos oferecer de mais importante. Mas não há o
que temer. Neste módulo você será iniciado na filosofia, mesmo que nunca
tenha tido contato com obras filosóficas. Irá se familiarizar com as noções
profundas de “consciência” e de “níveis do eu”, tornando-se ao fim capaz de

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Ronald Robson — Como estudar a obra de Olavo de Carvalho

compreender o elemento central da filosofia de Olavo: o “conhecimento por


presença”.

Aula 4: “O momento de lucidez”. Comentários a um texto-chave

Aula 5: A objetividade do testemunho

Aula 6: O que é – e o que não é – conhecimento por presença

Módulo 3: Aprofunde-se nos fundamentos filosóficos de Olavo

Depois de sentir-se à vontade com modo de Olavo fazer filosofia, você


poderá agora conhecer em maior detalhe três dos principais tópicos de sua
obra. Neste terceiro módulo você irá conhecer as bases e os principais des-
dobramentos de três áreas do pensamento que sustentaram a visão de mun-
do de Olavo de Carvalho ao longo da sua vida.

Aula 7: A teoria dos quatro discursos

Aula 8: Filosofia da ciência

Aula 9: O que significa reduzir a teoria do conhecimento à teoria do ser?

As aulas serão ao vivo, às terças-feiras, às 20h, e as gravações ficarão


disponíveis. Você poderá tirar suas dúvidas comigo e ainda receberá um ou-
tro e-book, com dicas de como orientar-se em meio às quase 600 aulas do
Curso On-line de Filosofia (COF) de Olavo de Carvalho.

A primeira aula será no dia 11 de julho. Espero contar com você.

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