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Transtorno do Espectro Autista (TEA)

APRESENTAÇÃO

Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) são uma categoria de distúrbios do


neurodesenvolvimento que afetam o andamento nas áreas da comunicação, interação social e
comportamento. De acordo com a nova classificação do Manual de Diagnóstico e Estatística dos
Transtornos Mentais (DSM-V), o TID, que antes englobava Autismo Clássico, Transtorno de
Asperger, Transtorno Invasivo do Desenvolvimento — Sem Outra Especificação, Síndrome de
Rett e Transtorno Desintegrativo da Infância, passou a representar um único diagnóstico, o de
Transtorno do Espectro Autista (TEA). O trabalho realizado junto a crianças com esse
transtorno é um desafio que exigirá de você disposição profissional, informação, capacitação e
sensibilidade para compreender as necessidades específicas que elas apresentam, de modo que
você possa adotar as estratégias mais adequadas de intervenção, visando à sua inclusão
educacional e social.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você terá oportunidade de construir conhecimentos sobre o


TEA, em suas variadas formas de manifestação. Inicialmente, conhecerá algumas características
mais gerais do espectro autista para, em seguida, conhecer como essas características variam no
Autismo Típico e no transtorno de Asperger. Finalmente, conhecerá a Síndrome de Rett e os
Transtornos Invasivos do Desenvolvimento não especificados na literatura científica.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Identificar as configurações dos TEAs - da definição às diferentes manifestações


fenotípicas.
• Reconhecer as variações características do Autismo Clássico e do Transtorno de Asperger.
• Descrever as características da Síndrome de Rett e dos Transtornos Invasivos do
Desenvolvimento não especificados.

DESAFIO

O conceito de Autismo se modificou desde a sua descrição inicial, passando, mais recentemente,
a ser reconhecido como Transtorno do Espectro Autista. No entanto, muitos ainda se referem à
palavra autismo para designar um conjunto de traços que comprometem a comunicação, o
comportamento e a interação social da criança, na fase áurea do seu desenvolvimento.
Agora, considere que você, sendo um dos profissionais responsáveis pelo site em que a mãe fez
a postagem, gostaria de saber mais sobre a situação.
a) Avalie a situação relatada pela mãe no blog.

b) Se você participasse desse fórum, que perguntas faria a essa mãe para melhor entendimento e
análise da situação?

c) Que respostas daria na tentativa de ajudá-la a compreender o que se passa com essa criança?

INFOGRÁFICO

Você sabia que os quadros de autismo e síndrome de Asperger possuem os mesmos requisitos
de diagnóstico? Ou seja, fazem parte do mesmo espectro autista. O que vai diferenciar um do
outro é a intensidade da manifestação dos sintomas.

Além disso, a partir do DSM-V, a Síndrome de Rett deixou de ser considerada uma doença do
espectro autista, dada a sua natureza específica, ao passo que os TID não especificados
continuam a fazer parte dos transtornos do espectro autista.

Veja, a seguir, as diferenças entre o Autismo Típico e o Transtorno de Asperger, bem como as
principais características da Síndrome de Rett e dos TID não especificados.
CONTEÚDO DO LIVRO

O trabalho realizado junto a crianças ou adultos com transtornos invasivos de desenvolvimento


é um desafio que exigirá de você disposição profissional, informação, capacitação e
sensibilidade para compreender suas necessidades específicas, de modo que possa adotar as
estratégias mais adequadas de intervenção, visando à sua inclusão educacional e social.

Para saber mais sobre o assunto, leia o capítulo Definição de Transtorno do Espectro do
Autismo (TEA), da obra Psicologia e a pessoa com deficiência, que o auxiliará a construir
conhecimentos sobre os TEA e outros transtornos invasivos do desenvolvimento.

Boa leitura.
PSICOLOGIA E A
PESSOA COM
DEFICIÊNCIA

Vânia Aparecida Marques Leite


Transtorno do Espectro
Autista (TEA)

Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar as configurações dos transtornos do espectro autista ‒ da


definição às diferentes manifestações fenotípicas.
 Reconhecer as variações características do transtorno autista e do
transtorno de Asperger.
 Descrever as características da síndrome de Rett e dos Transtornos
Invasivos do Desenvolvimento não especificados.

Introdução
Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) são um grupo de
transtornos que afetam o desenvolvimento humano em áreas funda-
mentais, como a cognição, a comunicação e a interação social. O termo
“invasivo” significa que esse transtorno afeta profundamente o curso
evolutivo na primeira infância, fase marcada por intensos processos de
desenvolvimento. De acordo com a mais recente classificação do Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), os TID passaram
a fazer parte do grupo de transtornos do espectro autista.
Neste capítulo, você vai estudar esses transtornos. Inicialmente, vai
ver as características mais gerais dos TID, para depois conhecer algumas
variações presentes no autismo típico, na síndrome de Asperger e na
síndrome de Rett. Em seguida, você vai ver os transtornos invasivos do
desenvolvimento sem especificação, que, por suas formas variadas de
manifestação, não possuem diagnóstico definido.
2 Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID)

O transtorno do espectro autista


A escola é um espaço rico em diversidade, não é mesmo? Mas algumas “dife-
renças” intrigam os professores. Afinal, quem é aquele aluno inquieto, arredio,
às vezes agressivo, que interage muito pouco ou de forma “estranha”?
É bem provável que algumas crianças sejam diferentes. Isso ocorre não
somente porque a diferença é um processo humano e natural, mas também
porque algumas crianças apresentam perturbações no seu desenvolvimento.
Algumas dessas perturbações compõem um conjunto de sintomas conhecido
como Transtornos do Espectro Autista (TEA).
De acordo com o DSM-V, publicado pela Associação Americana de Psi-
quiatria (APA), os transtornos do espectro autista pertencem a um grupo am-
plo de transtornos classificados como transtornos do neurodesenvolvimento.
Como a própria nomenclatura indica, são transtornos que se manifestam no
início da infância, prejudicando e atrasando o desenvolvimento neurológico.
No caso do TEA, os sintomas tendem a aparecer no início da primeira infân-
cia (0 a 6 anos), afetando algumas funções básicas necessárias à adaptação
social da criança, em diferentes níveis de comprometimento. Com isso, os
sintomas podem variar desde profundas dificuldades de interação social e
deficiência intelectual até manifestações mais sutis de difícil identificação
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
O TEA não escolhe gênero, classe social, religião, etc. Por isso, pode
acometer qualquer criança. Segundo a agência nacional da Organização das
Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o
TEA afete uma em cada 160 crianças no mundo todo. Veja que são grandes as
chances de que você venha a se relacionar com uma criança nessas condições.
Talvez você possa contribuir para que ela desenvolva suas potencialidades.
Então, que tal conhecer melhor esse transtorno?

Transtorno do espectro autista: a classificação


do DSM-V
O TEA pode ser classificado conforme a gravidade dos sintomas e o grau de
dependência que a criança ou o adulto apresenta para interagir e se adaptar ao
meio em que vive. Essa classificação é realizada pelo Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) e descreve todos os transtornos
mentais mapeados pela comunidade científica. Ao especificar os diversos
transtornos, ele serve como guia aos profissionais no diagnóstico de doenças
Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) 3

e contribui para que a identificação dos sintomas resulte em maior eficácia


no tratamento. Pode-se dizer que o DSM é a “bíblia da psiquiatria”.
Até a sua quarta edição, o DSM enquadrava o autismo em um grupo de
transtornos denominado transtornos globais do desenvolvimento (também
conhecidos por transtornos invasivos do desenvolvimento). Com a revisão
realizada na quinta edição, que foi oficialmente publicada em 2013, os trans-
tornos globais do desenvolvimento, que incluíam o autismo, o transtorno
desintegrativo da infância e as síndromes de Asperger e Rett, foram absorvidos
por um único diagnóstico, o de transtornos do espectro autista. Essa mudança
foi feita com base no entendimento de que esses transtornos são, na verdade, um
mesmo quadro autístico, pois apresentam em comum dois grupos de sintomas:

1. déficit de interação social e persistente deficiência de comunicação social;


2. comportamentos repetitivos e interesses restritos.

O que diferencia os transtornos pertencentes ao grupo do TEA são os


níveis de gravidade e as dimensões de sintomas que estão mais comprometidas
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).

Leia o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) para saber mais
sobre a classificação dos transtornos do neurodesenvolvimento. Esta obra é uma ótima
contribuição para diagnósticos mais precisos dos transtornos do espectro autista.

Assim, o conceito de espectro autista surgiu para mostrar que o rótulo


“autismo” pode representar um conjunto bastante heterogêneo de individua-
lidades. Ou seja, existem muitas variações na manifestação dos sintomas, o
que implica diferentes necessidades educacionais e terapêuticas.

Critérios de identificação e manifestações do TEA


O TEA envolve uma série de sintomas que se manifestam em graus variados
de comprometimento. Riviere (2004) apresenta 12 dimensões que caracterizam
o TEA. Você pode ver essas dimensões reorganizadas e sintetizadas a seguir.
4 Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID)

Estabelecimento de vínculos

A criança ou o adulto com TEA apresenta dificuldade ou incapacidade de


estabelecer vínculos afetivos e de se relacionar com as pessoas. Também tem
dificuldade para compartilhar interesses e atividades. A falta do contato visual
(olho no olho), a desatenção ao interesse do outro e a ausência do sorriso social
são alguns aspectos que afetam a qualidade da relação entre ela e as outras
pessoas. Ela também não demonstra reciprocidade nas relações, por isso as
tentativas de envolvê-la em brincadeiras que exigem trocas colaborativas
costumam fracassar.
Em um grau mais leve de comprometimento dessas capacidades, a criança
ou o adulto com TEA pode apresentar pouca motivação para se relacionar
com iguais devido à falta de empatia e à dificuldade na comunicação. Em um
grau mais profundo, se apresenta alheia, em estado de total isolamento, sem
motivação para busca espontânea de relacionamento interpessoal.

Teoria da mente

Outra característica presente nesse grupo de transtornos é a falta de intersub-


jetividade, ou seja, a criança ou o adulto com TEA apresenta dificuldade para
compreender as pessoas e também para empatizar com elas. Isso ocorre porque
ela não desenvolve uma “teoria da mente”, ou seja, é incapaz de se colocar no
lugar do outro, de adivinhar suas intenções, interpretar suas expressões faciais
e emoções. Como consequência, tende a interpretar as falas e o comportamento
das pessoas de forma literal, sem conseguir “ler” o que está por trás de um
comportamento ou comunicação (RIVIERE, 2004).
O grau de comprometimento da capacidade de “ler a mente do outro” pode
variar em indivíduos com TEA. Em grau leve, é possível que tenham certa
consciência do que as pessoas têm em mente e alguma capacidade de julgar,
ainda que precariamente, suas intenções.

Linguagem e comunicação

De acordo com Riviere (2004), a comunicação é uma das áreas mais afetadas no
TEA. Fica comprometida a capacidade de usar a linguagem para externar ideias,
sentimentos e desejos, seja por meio de palavras ou de expressões gestuais.
Além disso, o TEA provoca dificuldades para compreender a linguagem “para
além do que é dito”, ou seja, há uma tendência a compreender literalmente o
Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) 5

que se diz. Assim, os indivíduos com TEA têm dificuldade para interpretar
ironias, frases de duplo sentido e linguagem metafórica.
O desenvolvimento da linguagem oral em crianças com TEA pode estar
comprometido ou não, variando desde o total bloqueio dessa capacidade até o
desenvolvimento sofisticado dela. A ausência da linguagem oral em crianças
com TEA não significa que não sejam capazes de falar. Elas não falam por
serem incapazes de se comunicar. Quando falam, é uma fala fora de contexto
e meramente expressiva, sem a intenção de comunicação.
Em um grau leve de comprometimento da linguagem, a criança pode fazer
uso da fala para se expressar, porém sua fala é pouco ou nada funcional. Ou
seja, ela pode não filtrar o que diz e falar coisas totalmente fora do contexto.
Quando existe a fala funcional (voltada para a comunicação), parece estar
voltada muito mais para a intenção de comunicar seus interesses restritos do
que para compartilhar ideias com seu interlocutor, o que é pouco adequado
às situações interativas. Em um grau profundo, a comunicação é totalmente
ausente. A pessoa com TEA apresenta mutismo total ou funcional. Pode ser
que ela faça pequenas verbalizações não linguísticas, ou seja, sem a intenção
de estabelecer comunicação ou diálogo. O mutismo funcional ocorre em forma
de ecolalias (repetir palavras e frases aleatoriamente e fora de contexto).
As dificuldades de compreensão também são variáveis. Há casos em que
a criança compreende o discurso do interlocutor, mas tem dificuldade para
diferenciar o significado literal da fala e a sua intencionalidade. Também há
situações em que a criança manifesta um tipo de “surdez central”, ou seja,
ignora por completo a linguagem, não respondendo a ordens nem a chamados.

A dificuldade de compreensão relacionada à teoria da mente pode ser melhor com-


preendida se você considerar alguns exemplos. Imagine um rapaz com TEA de grau
leve que não dá risada de uma piada, enquanto todos riem, simplesmente porque
não captou o que estava por trás do que foi dito. Outro exemplo é uma criança que,
mesmo sabendo que um garoto da sua classe sempre a maltrata, vai ao seu encontro
quando chamada, pois não é capaz de imaginar as intenções do outro. Outro exemplo
possível é o de um jovem fascinado por determinado jogo de videogame que começa
a falar incessantemente sobre esse seu interesse, ignorando completamente que as
pessoas estão entediadas com o assunto.
6 Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID)

Dificuldade de antecipar eventos

Outra característica relacionada ao déficit de interação e comunicação social


em pessoas com TEA é que elas apresentam dificuldade na formação de es-
quemas ou no uso de esquemas cognitivos de antecipação, os quais permitem
antecipar os eventos (o que vai acontecer numa sequência de eventos). Isso faz
com que elas sejam intolerantes a alterações de rotina, preferindo um mundo
sem mudanças. O grau de comprometimento nas competências de antecipação
pode variar. Há pessoas que, mesmo preferindo ambientes previsíveis, são
capazes de regular a estrutura de seu próprio ambiente e manejar as mudanças.
Por outro lado, há aquelas extremamente inflexíveis a situações inusitadas. A
rigidez comportamental desses indivíduos pode ser exemplificada pelas crises
causadas diante da quebra de rotina ou ainda quando se fixam na repetição
sistemática de determinado comportamento, como o de assistir a um mesmo
filme repetidamente (RIVIERE, 2004).

Inflexibilidade e estereotipias

Segundo Riviere (2004), a falta de flexibilidade é também uma característica


relacionada ao funcionamento mental e ao comportamento da pessoa com
TEA. Tal característica se manifesta na dificuldade de estabelecer estratégias
maleáveis na atividade cognitiva e na obsessão por certos conteúdos mentais,
ou seja, o pensamento se apega repetidamente a determinados assuntos ou
temas. Já no aspecto comportamental, a manifestação de inflexibilidade se
apresenta sob a forma de comportamentos repetitivos e estereotipias motoras,
como movimentar repetidamente as pontas dos dedos das mãos, balançar o
corpo para frente e para trás, entre outros.
O grau de comprometimento da capacidade de flexibilizar o pensamento
e o comportamento pode variar. Há indivíduos que apresentam algumas este-
reotipias motoras simples (gestos “esquisitos” e pouca flexibilidade mental),
assim como há níveis de comprometimento em que o indivíduo apresenta
comportamento excessivamente ritualístico, com pensamentos obsessivos e
rígido perfeccionismo.
Outra característica presente no TEA é a dificuldade em dar sentido à
própria ação. A pessoa com esse transtorno pode ser totalmente incapaz de
atribuir sentido à sua forma de se comportar e se expressar. Nos casos mais
graves, há vazio de ação funcional, ou seja, uma ausência de finalidade devido
à incapacidade de planejamento da ação.
Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) 7

Ausência do jogo simbólico e da capacidade imitativa

A ausência do jogo simbólico é uma das características influentes no atraso


do desenvolvimento cognitivo e psicossocial das crianças com TEA. O jogo
simbólico é uma forma de faz de conta em que a criança recria a realidade
por meio de símbolos.

A ausência do jogo simbólico reflete o comprometimento da capacidade imaginativa,


o que você pode compreender melhor por meio do seguinte exemplo: um grupo
de crianças brinca com peças de montar e interage disputando quem consegue
montar mais coisas. Aos poucos, as peças unidas vão se transformando em elefantes,
carros, girafas, aviões, cachorros, etc. Nesse mesmo grupo, há uma criança com TEA
cujas funções simbólicas estão altamente comprometidas. Ela está no grupo, mas
não interage com as crianças, prefere brincar sozinha e de maneira diferente. Mostra
interesse pelas peças, mas o seu brincar se limita a alinhar e realinhar repetidamente
as peças de uma mesma cor.

A capacidade imitativa é um elemento importante do desenvolvimento


psicossocial, pois é pela imitação que se origina grande parte do aprendizado e
da condição de adaptação social. A criança com TEA apresenta defasagem ou
ausência dessa capacidade, ou seja, não imita os adultos nem outras crianças.
Isso funciona como obstáculo para que ela encontre nas outras pessoas uma
referência na qual possa se espelhar e com a qual se identifique.
A incapacidade de imitar é, ao mesmo tempo, um reflexo e uma condição
das limitações simbólicas e intersubjetivas das crianças com TEA. Depen-
dendo do grau de comprometimento nessa área, a criança pode fazer algumas
imitações mecânicas, realizadas somente a partir de modelos externos, ou
apresentar ausência completa de condutas imitativas.
De acordo com Riviere (2004), no que se refere à forma de agir e se comu-
nicar, a criança ou o adulto com TEA apresenta dificuldade ou incapacidade
para criar significantes, ficando presa aos significantes reais. Por exemplo:
para uma criança com TEA, uma fileira de cadeiras é apenas uma fileira de
cadeiras, não poderá ser outra coisa. Já para uma criança que não possui esse
transtorno, uma fileira de cadeiras pode ser simbolizada e transformada, em
sua imaginação, em bancos de um ônibus.
8 Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID)

As crianças sem o transtorno conseguem deixar em suspenso as pro-


priedades reais e literais das coisas, pois sabem que, mesmo fingindo que
as cadeiras são os assentos de um ônibus, elas não perdem sua propriedade
real. O comprometimento da capacidade imaginativa pode ser de grau leve,
quando as crianças simplesmente não conseguem suspender um significado
para substituí-lo por outro que não corresponde à realidade, ou de grau severo,
caso em que há um dano profundo na capacidade de comunicação, impossi-
bilitando qualquer atribuição de novos significantes.

Com o diagnóstico conclusivo, é possível exigir o cumprimento dos direitos das crianças
e adultos com TEA ou outros transtornos invasivos do desenvolvimento. Com a Lei nº.
12.764/2012, a pessoa com transtorno do espectro do autismo passou a ser considerada
pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, podendo usufruir de todos os
direitos assegurados a esse grupo.
A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº. 13.146/2015) foi outro marco legal fundamental
à garantia do direito à educação inclusiva, afirmando o direito das crianças com TEA
que apresentam grau acentuado de comprometimento de serem acompanhadas em
sala de aula por um professor auxiliar. Essa lei garante também o direito de acesso a
tecnologias assistivas para a comunicação alternativa e aumentativa.
A conscientização acerca desse tema também é de suma importância. Por isso, a
ONU definiu o dia 2 de abril como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo.

Transtorno autista e transtorno de Asperger


O transtorno autista, também denominado de autismo típico, e o transtorno de
Asperger são formas específicas de manifestação do TEA. Eles se originam
de uma combinação de influências genéticas e não genéticas (ou ambientais).
O diagnóstico com as nomenclaturas “autismo típico” e “transtorno de
Asperger” foi eliminado no DSM-V. A severidade do autismo está classi-
ficada em três níveis: o mais ligeiro (1), o médio/moderado (2) e o mais
grave (3). Assim, no DSM-V, o autismo típico é referido como transtorno do
espectro do autismo de nível 3. O transtorno de Asperger, por sua vez, é um
transtorno do espectro do autismo de nível 1 (AMERICAN PSYCHIATRIC
ASSOCIATION, 2014).
Neste texto, para tornar mais didática a caracterização desses níveis de
comprometimento, você vai encontrar as denominações “transtorno autista”
Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) 9

e “transtorno de Asperger”, conforme empregadas no DSM-IV (AMERICAN


PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2002).
De acordo com os critérios diagnósticos básicos do DSM-IV (AMERI-
CAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2002), o transtorno autista envolve
o comprometimento de três grupos de transtornos, como você pode ver no
Quadro 1, a seguir.

Quadro 1. Critérios diagnósticos comportamentais do DSM-IV para transtorno autista

Grupo 1 ‒ Área das interações sociais

A) Comprometimento acentuado no uso de múltiplos comportamentos não verbais,


tais como contato visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para
regular a interação social.
B) Fracasso em desenvolver relacionamentos apropriados ao nível de
desenvolvimento com seus pares.
C) Ausência de tentativas espontâneas de compartilhar prazer, interesses ou
realizações com outras pessoas (por exemplo, não mostrar, trazer ou apontar
objetos de interesse).
D) Ausência de reciprocidade social ou emocional.

Grupo 2 ‒ Área da linguagem, da comunicação e da imaginação

A) Atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada (não


acompanhado por uma tentativa de compensar por meio de modos alternativos
de comunicação, tais como gestos ou mímica).
B) Em indivíduos com fala adequada, acentuado comprometimento da capacidade
de iniciar ou manter uma conversa.
C) Uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrática.
D) Ausência de jogos ou brincadeiras de imitação social variados e espontâneos
próprios do nível de desenvolvimento.

Grupo 3 ‒ Área da flexibilidade comportamental:


padrões limitados, repetitivos e estereotipados de
comportamento, interesses e atividades

A) Preocupação insistente com um ou mais padrões estereotipados e restritos de


interesse, anormais em intensidade ou foco.
B) Adesão aparentemente inflexível a rotinas ou rituais específicos e não funcionais.
C) Maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por exemplo, agitar ou torcer
mãos ou dedos, ou realizar movimentos complexos de todo o corpo).
D) Preocupação persistente com partes de objetos.

Fonte: Adaptado de American Psychiatric Association (2002).


10 Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID)

Transtorno autista
Bosa (2001) descreve que o autista possui uma alteração na forma de captar e
organizar os estímulos que chegam ao cérebro por meio dos órgãos dos sentidos
humanos. Essa desorganização sensorial acaba por alterar e comprometer o
desenvolvimento da criança autista no aspecto simbólico (ausência de imagi-
nação, pensamento concreto), na percepção, na coordenação motora fina, na
coordenação motora global, na integração visomotora, na cognição e na cognição
verbal. Esses fatores compõem um conjunto de características específicas que
formam o quadro autístico, mas não interferem na aparência física.
De acordo com Tuchman e Rapin (2009), o subtipo transtorno autista
corresponde aos seguintes critérios apontados no Quadro 1:

a) total de seis (ou mais) itens dos grupos 1, 2 e 3 — com pelo menos dois
do grupo 1, um do grupo 2 e um do grupo 3;
b) atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes
áreas, com início antes dos três anos de idade: (1) interação social, (2)
linguagem para fins de comunicação social ou (3) jogos imaginativos
ou simbólicos (TUCHMAN; RAPIN, 2009, p. 21).

Crianças com autismo podem manifestar os comportamentos descritos a


seguir, conforme apresentado por Bosa (2001):

 linguagem verbal com vocabulário restrito ou ausência de linguagem


verbal;
 ecolalia imediata (repetição do que outras pessoas acabaram de falar)
ou ecolalia tardia (repetição do que outras pessoas falaram há algum
tempo, comerciais de TV, falas de filmes ou novelas, etc.);
 comunicação receptiva deficiente, ou seja, a criança apresenta grandes
dificuldades em compreender orientações e costuma não atender quando
chamada pelo nome;
 constante agitação e movimento (ocorre em um grande número de crian-
ças) ou extrema passividade (ocorre em um menor número de crianças);
 pouco ou nenhum contato visual, ou seja, a criança raramente olha nos
olhos do professor, dos pais ou de outras crianças;
 problemas de atenção e concentração;
 ausência de interação social e realização de brincadeiras solitárias, ou
seja, a criança não brinca com outras crianças e frequentemente não
procura consolo quando se machuca, além de parecer ignorar os outros;
Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) 11

 mudanças de humor sem causas evidentes — pode rir ou chorar, mas


sempre dando a impressão de que isso diz respeito apenas a ela mesma;
 uso dos adultos como ferramentas para conseguir o que quer, por exem-
plo, levar um adulto pela mão para pegar um objeto em um armário
que não alcança;
 ausência de interesse por materiais ou atividades da sala de aula;
 interesse obsessivo por determinado objeto ou tipo de objetos, por
exemplo, a criança pode ter obsessão por determinado livro, tampinhas
de refrigerante, prendedores de roupa, etc.

Na criança com autismo, a capacidade de interação social recíproca está


consideravelmente comprometida. Em crianças não autistas, essa é uma função
complexa envolvendo:

 o reconhecimento de que os outros seres humanos ocupam o lugar de


maior interesse e da maior importância no ambiente;
 a capacidade para compreender e usar a comunicação verbal e a não verbal;
 a empatia com pensamentos e sentimentos dos outros e a habilidade de
imaginar o mundo do ponto de vista do outro (BRASIL, 2004).

Todos esses aspectos de interação estão ausentes ou gravemente perturba-


dos nas crianças autistas, cujo ritmo de assimilação, nesse caso, é menor do
que em crianças normais. Repare que o autismo é formado por um conjunto
diversificado de características, no entanto essas características podem variar
de criança para criança.

Dificuldades cognitivas da criança autista

Ao analisar as relações entre o autismo, o comportamento social e as funções


executivas na pessoa autista, Bosa (2001) fornece elementos para a compreensão
das dificuldades cognitivas envolvida no TEA. Crianças com autismo típico
apresentam defasagem em seu desenvolvimento intelectual, manifestando
diversas dificuldades, como você pode ver a seguir.

 Aprendizado implícito — ou seja, aprendizado intuitivo. Por exemplo:


as crianças não autistas aprendem “espontaneamente” que copo serve
para tomar água pelo simples fato de observarem ou vivenciarem essa
experiência. Já a criança com autismo típico precisa ser ensinada de
forma explícita a ligar o copo com a experiência de beber água.
12 Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID)

 Atenção seletiva — tendência a atenção exagerada. A criança se fixa


num estímulo e tem dificuldade de fazer a hierarquia entre os estímulos,
selecionar de acordo com seu grau de relevância. Precisa aprender a
manter a atenção no foco e inibir a atenção sobre estímulos que não
tenham a ver com aquele contexto.
 Teoria da mente — habilidade de a criança se descentrar e se colocar
no ponto de vista do outro, ou seja, de compreender as situações às quais
ela é exposta, fazendo com que regule o seu comportamento social.
 Funções executivas — as funções executivas do cérebro são as res-
ponsáveis por habilidades como planejamento, desenvolvimento de
estratégias, flexibilidade de comportamento, integração de detalhes
isolados num todo coerente e manejo de múltiplas fontes de informação,
coordenadas com o uso de conhecimento adquirido. No autista, as
funções executivas estão com o seu funcionamento alterado. Por isso,
a criança possui dificuldade para pensar a respeito de vários aspectos
ao mesmo tempo, planejar, antecipar acontecimentos e tomar decisões.

Tratamento e intervenção

Que tipo de intervenção é necessária para minimizar esses transtornos? O


tratamento do autismo envolve intervenções de caráter multidisciplinar e
focaliza a orientação familiar, a terapia cognitivo-comportamental e os pro-
gramas voltados ao desenvolvimento da linguagem e da comunicação. Existem
alguns métodos para o tratamento de crianças autistas, sendo que um dos mais
utilizados e com eficácia comprovada é o método TEACCH (Treatment and
Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children).
Trata-se de um programa utilizado por psicólogos, voltado para crianças
com faixa etária entre um e 12 anos, para avaliar e intervir sobre áreas como:
coordenação motora e visomotora, percepção, imitação, desempenho cognitivo
e cognição verbal. É um programa estruturado em escalas de tarefas a serem
realizadas em cada uma dessas áreas, combinando diferentes materiais visuais
para organizar o ambiente físico por meio de rotinas e sistemas de trabalho. O
objetivo do TEACCH é desenvolver ao máximo a autonomia e a independência
do autista para atuar no ambiente (CAMARGOS JR., 2005).
Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) 13

O artigo de Cleonice Alves Bosa intitulado Autismo: intervenções psicoeducacionais


apresenta uma visão geral das estratégias de intervenção psicoeducacionais junto a
crianças com espectro autista, analisando os aspectos positivos e as limitações dessas
estratégias. Vale conferir.

https://goo.gl/446gDE

Transtorno de Asperger
O transtorno de Asperger é uma síndrome do espectro autista, sendo conhe-
cido também como síndrome de Asperger. Os primeiros indicadores desse
transtorno foram apresentados em 1944 pelo psiquiatra e pediatra austríaco
Hans Asperger, mas ele foi reconhecido em 1994 e se tornou um padrão de
diagnóstico somente na década de 1990.
Para Riviere (2004), a pessoa com transtorno de Asperger reúne um con-
junto de sinais semelhantes aos do autismo típico, com a diferença de que
não apresenta grandes atrasos no desenvolvimento da fala nem sofre com
comprometimento cognitivo grave. É possível até que apresente desempenhos
cognitivos superiores e aptidão para a lógica e a abstração.
O transtorno de Asperger é um subtipo de TEA que, segundo Tuchman
e Rapin (2009), corresponde aos seguintes critérios apontados no Quadro 1:

a) pelo menos um item (ou mais) do grupo 1 e um (ou mais) do grupo 3;


b) ausência de atraso na linguagem, ou seja, a criança utiliza palavras
isoladas em torno dos dois anos de idade e frases comunicativas em
torno dos três anos;
c) ausência de atraso significativo no desenvolvimento cognitivo ou no
desenvolvimento de habilidades de autocuidado próprias da idade, no
comportamento adaptativo (outro que não a interação social) e na curio-
sidade a respeito do ambiente na infância (TUCHMAN; RAPIN, 2009).

De acordo com Camargos Jr. (2005), o transtorno de Asperger afeta prin-


cipalmente a área do relacionamento interpessoal e da comunicação. As ca-
racterísticas mais marcantes desse transtorno estão descritas a seguir.
14 Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID)

 Falta de empatia — dificuldade de se colocar no lugar do outro, igno-


rando seus interesses e necessidades. Por exemplo, abordar uma pessoa
para falar de assunto de trabalho, mesmo que essa pessoa esteja triste
e com sinais de ter chorado.
 Interação inapropriada, ingênua ou unilateral — dificuldade para
avaliar a situação. Por exemplo, interromper uma conversa introduzindo
outro assunto totalmente fora do contexto, sair sem se despedir, acreditar
literalmente no que as pessoas dizem.
 Pouca ou nenhuma habilidade de estabelecer amizades — dificul-
dade para iniciar uma conversa, compartilhar interesses e expressar
preocupação com o outro.
 Linguagem pedante ou repetitiva— a linguagem verbal enfatiza
mais a expressão dos próprios interesses do que o estabelecimento de
diálogo. A fala tende a ser rebuscada, mecânica, repetitiva.
 Comunicação não verbal pobre — dificuldade de se expressar por
meio da gestualidade. Há tendência para a rigidez dos movimentos e
a falta de expressividade.
 Fixações — os interesses são fixos e por vezes há obsessão por temas,
assuntos que não são de interesse geral, dificultando a interação com
as pessoas devido a não conseguir se “desprender” do interesse que
está fixado.
 Movimentos desajeitados, pouco coordenados e postura estranha —
o comportamento pode apresentar algumas “esquisitices”. Por exemplo,
presença de ritualismos (seguir um ritual, ou sequências específicas para
realizar algo), postura excessivamente rígida ao sentar, certa formalidade
no andar ou andar desajeitado.

As crianças e os adultos com transtorno de Asperger não apresentam


deficiências estruturais em sua linguagem. É comum apresentarem ca-
pacidade linguística extraordinária e linguagem verbal com formulações
sintaticamente complexas. Sua fala é formal e seu vocabulário é rebuscado.
A fala se torna estranha por ser demasiadamente prosódica (com a correta
entonação das palavras). Quando crianças, já se observa um vocabulário
avançado para a idade.
No transtorno de Asperger, não há déficit cognitivo, as crianças e os
adultos apresentam “inteligência impessoal e fria”, mas não têm defasagens
que venham a dificultar sua aprendizagem. É possível que possuam talentos
extraordinários em algumas áreas.
Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) 15

Apesar de possuir deficiências na interação social, isso não compromete


necessariamente a independência e a autonomia dessas pessoas. Existe uma
grande probabilidade de que elas tenham uma profissão, constituam família
e sejam muito competentes no que fazem.

Síndrome de Rett e transtornos invasivos do


desenvolvimento sem outra especificação
Com as mudanças trazidas pelo DSM-V, os transtornos do espectro autista
passaram a representar um único diagnóstico, definido a partir do grau de
severidade nas manifestações dos sintomas em relação à interação social
e à comunicação. Desse modo, as distinções do espectro passaram a estar
relacionadas ao tipo de apoio necessário ao tratamento. Foram definidos três
níveis de apoio, conforme a gravidade dos sintomas. Quanto maior a gravidade,
maior e mais substancial deve ser o apoio, visando à qualidade de vida das
pessoas que possuem esses transtornos.
Na classificação do DSM-V, os transtornos invasivos de desenvolvimento
sem outra especificação continuam a fazer parte do espectro autista. Contudo,
o transtorno de Rett deixou de ser considerado uma doença do espectro autista.
Isso ocorreu devido à sua natureza única e por ser diagnosticado a partir de
critérios bem específicos, como você vai ver a seguir.

Síndrome de Rett
A síndrome de Rett é uma desordem rara do desenvolvimento neurológico,
provocada por mutações genéticas. Em 99% dos casos, ocorre em meninas.
A manifestação dessa síndrome costuma ocorrer após os seis meses de idade.
Antes disso, o desenvolvimento acontece dentro da normalidade.
Apesar de ter sido descrita pela primeira vez em 1966 por Andreas Rett,
neurologista pediátrico e professor da Universidade de Viena, ela só foi re-
conhecida e integrada ao grupo de transtornos do desenvolvimento 30 anos
mais tarde (PEREIRA, 2005).
De acordo Pereira (2005), a síndrome de Rett leva à regressão do desen-
volvimento do sistema nervoso, acarretando defasagens no sistema motor, na
linguagem expressiva e no uso das mãos. Com isso, a criança perde habilidades
que já possuía. Se já andava, perde a marcha. Se já falava, deixa gradativamente
de falar. Se já usava as mãos de modo funcional, deixa de fazê-lo.
16 Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID)

Veja a seguir algumas características dessa síndrome.

 A criança nasce com um perímetro craniano normal e a partir do sexto


mês de vida há uma desaceleração desse crescimento, que, com o avan-
çar da idade, acaba por se tornar desproporcional ao esperado para o
desenvolvimento típico (microcefalia adquirida).
 Há perda de habilidade com o uso das mãos, o que torna a criança
incapaz de ter uma ação voluntária com as mãos, passando a utilizá-
-las de modo não funcional, em forma de estereotipias como abanar e
esfregar as mãos e/ou levá-las à boca repetidamente.
 Ocorre perda da habilidade para andar — com o passar do tempo, a
criança passa a ter grande dificuldade para andar ou mesmo perde essa
capacidade.
 Há deficiência intelectual — ocorre a perda da linguagem e se acentua
gradativamente o comprometimento das funções cognitivas.
 Acontece a perda da linguagem, de modo que, se a criança já se co-
municava pela fala, aos poucos perde essa capacidade, deixando de se
comunicar verbalmente.
 Existem padrões respiratórios irregulares — hiperventilação: crises em
que a respiração se torna ofegante, sem uma causa precisa.
 Podem ocorrer crises convulsivas e a criança pode ter de usar anticon-
vulsivantes para o controle.
 Há isolamento, ou seja, perda da interação social (PEREIRA, 2005).

Apesar de a criança com síndrome de Rett apresentar em seu quadro


sintomas que comprometem a interação social e a comunicação, bem como
apresentar estereotipias, não há consenso no meio científico de que essa
síndrome pertença ao grupo do TEA.
A síndrome de Rett não tem cura, mas o rápido diagnóstico é extremamente
importante. Como essa síndrome é regressiva, a intervenção precisa ocorrer o
mais rápido possível, no sentido de estimular aquelas habilidades que podem ser
perdidas. A ideia é minimizar as consequências para a melhor evolução da criança.

Transtornos invasivos do desenvolvimento


sem outra especificação
No grupo do TEA, há os transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra
especificação. Trata-se de um grupo de transtornos em que se manifestam
dificuldades nas três áreas descritas no TEA, mas em grau menos grave.
Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) 17

Esse grupo de transtornos não possui padrões específicos para a sua classi-
ficação, ou seja, é uma categoria diagnóstica de exclusão, que não se enquadra
nos demais transtornos discutidos neste texto (MERCADANTE, GAAG E
SCHWARTZMAN, 2006). Estudos indicam que esses transtornos, assim
como os demais pertencentes ao grupo do TEA, são causados por fatores
neurobiológicos.

Como apoio aos estudos deste capítulo, você pode assistir a três vídeos esclarecedores
sobre o transtorno do espectro autista.
1. O que é Transtorno do Espectro Autista? — animação produzida pelo Hospital Sabará.
https://goo.gl/MUNLPf
2. TEA — Transtorno do Espectro Autista — animação criada em comemoração ao Dia
Mundial de Conscientização do Autismo.
https://goo.gl/oJzQZ5
3. Um só mundo — documentário que apresenta depoimentos de pessoas impac-
tadas pelo autismo.
https://goo.gl/5o2Thb

Concluindo os estudos deste capítulo, é importante você notar que os


transtornos do espectro autista podem ocorrer em comorbidade com outros
transtornos, doenças ou deficiências, tais como o transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade, a deficiência intelectual, a epilepsia, entre outros.
O TEA envolve dois desafios. O primeiro deles é o diagnóstico precoce
e adequado, por meio do qual é possível a busca da intervenção profissional.
O segundo é a identificação de qual tipo de intervenção psicoeducacional é
mais efetiva para a boa evolução do tratamento ou do atendimento educacional
especializado.
Apesar de o diagnóstico do TEA ser eminentemente clínico, ele se apoia
em múltiplas fontes de informação, incluindo observação clínica especializada,
entrevistas com pais, relatos de cuidadores e professores.
No âmbito da atuação psicológica, a observação clínica se realiza com o
apoio de vários instrumentos e escalas que foram padronizados com o objetivo
de aperfeiçoar o diagnóstico. Entre eles, você pode considerar o PRO-TEA,
um instrumento de observação que avalia a qualidade e a frequência de
18 Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID)

comportamentos característicos do TEA em crianças pré-escolares (18 a 48


meses), e a Escala de Avaliação de Autismo na Infância (Childhood Autism
Rating Scale, CARS) (BOSA, 2015). Outro instrumento é o ATEC (Autism
Treatment Evaluation Checklist), uma ferramenta que ajuda a mapear a
evolução do autista durante o tratamento, que normalmente se efetiva por
meio da terapia cognitivo-comportamental e de métodos como o TEACCH
(MARQUES; BOSA, 2015).
No âmbito da intervenção pedagógica, o atendimento educacional se realiza
com a promoção da acessibilidade ao currículo escolar nos aspectos metodo-
lógicos, atitudinais e instrumentais. O educador deve orientar sua prática por
meio dos princípios da educação inclusiva, valorizando as potencialidades da
criança e do adolescente com TEA e enfatizando o ensino de habilidades de
interação social e de comunicação.
20 Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID)

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-IV-TR: manual de diagnóstico e estatística


das perturbações mentais. 4. ed. Lisboa: Climepsi Editores, 2002.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-V-TR: manual de diagnóstico e estatística
das perturbações mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
BOSA, C. A. As relações entre autismo, comportamento social e função executiva.
Revista Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 14, n. 2, 2001. Disponível em: <http://www.
scielo.br/scielo.php?pid=S0102-79722001000200004&script=sci_abstract&tlng=pt>.
Acesso em: 17 jul. 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Saberes e práticas da inclusão: dificuldades e práticas
acentuadas da aprendizagem: autismo. 2. ed. Brasília: MEC, 2004. Disponível em:
<http://livros01.livrosgratis.com.br/me000436.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2018.
CAMARGOS JR., W. Síndrome de Asperger. In: CAMARGOS JR., W. et al. Transtornos
invasivos do desenvolvimento: 3° milênio. 2. ed. Brasília: CORDE, 2005.
MARQUES, D. F.; BOSA, C. A. Protocolo de avaliação de crianças com autismo:
evidências de Validade de Critério. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 31, n. 1,
jan./mar., 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
-37722015000100043&script=sci_abstract>. Acesso em: 17 jul. 2018.
MERCADANTE, M. T.; GAAG, R. J. V.; SCHWARTZMAN, J. S. Transtornos invasivos do de-
senvolvimento não-autísticos: síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância
e transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação. Revista Brasileira
de Psiquiatria, v. 28, supl.1, maio, 2006. Disponível em: <http://basenacionalcomum.
mec.gov.br/>. Acesso em: 18 jul. 2018.
PEREIRA, J. L. P. Síndrome de Rett. In: CAMARGOS JR., W. Síndrome de Asperger. In:
CAMARGOS JR., W. et al. Transtornos invasivos do desenvolvimento: 3° milênio. 2. ed.
Brasília: CORDE, 2005.
Definição de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID) 21

RIVIERE, A. O autismo e os transtornos globais do desenvolvimento. In: COLL, C. et al.


Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos de desenvolvimento e necessi-
dades educativas especiais. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. v. 3.
TUCHMAN, R.; RAPIN, I. Autismo: abordagem neurobiológica. Porto Alegre: Artmed,
2009.

Leituras recomendadas
ASSUMPÇÃO JR. F.B. O que é autismo? Artigos Médicos in:
AUTISMO UNIÃO. Um só mundo documentário autismo. Youtube, abr. 2017. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=hRPdQpU7NbA>. Acesso em: 17 jul. 2018.
BAENA, P. TEA - transtorno do espectro autista. Youtube, abr. 2017. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=CQquNHKURas>. Acesso em: 17 jul. 2018.
BAPTISTA, C. R. et al. Autismo e educação: reflexões e propostas de intervenção. Porto
Alegre: Artmed, 2002.
BOSA, C. A. Autismo: intervenções psicoeducacionais. Revista Brasileira de Psiquiatria,
v. 28, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbp/v28s1/a07v28s1.pdf>.
Acesso em: 17 jul. 2018.
BRASIL. Lei nº. 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção
dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3o do art.
98 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. 2012. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm>. Acesso em: 17 jul. 2018.
BRASIL. Lei nº. 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 2015. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 17
jul. 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com transtor-
nos do espectro do autismo. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. Disponível em: <http://
bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_reabilitacao_pessoa_au-
tismo.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2018.
HOSPITAL SABARA. O que é transtorno do espectro autista? Youtube, nov. 2016. Dispo-
nível em: <https://www.youtube.com/watch?v=y-_Ly5Tqggc>. Acesso em: 17 jul. 2018.
KLIN, A. Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Revista Brasileira de Psi-
quiatria, v. 28, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1516-44462006000500002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17 jul. 2018.
MELLO, A. M. S. R. Autismo: guia prático. 4. ed. São Paulo: AMA ; Brasília: CORDE, 2004.
DICA DO PROFESSOR

O atendimento educacional da criança com TEA exige uma estrutura muito bem preparada,
desde os espaços e equipamentos até a equipe especializada. No âmbito do atendimento
educacional especializado, ou na sala de aula regular, essa criança necessita de
acompanhamento individualizado. As atividades devem atender não somente o ensino de
conteúdos programáticos do currículo regular, mas também visar o currículo funcional, voltado
à melhoria da qualidade de vida da criança, sua autonomia e maior independência.

O mais importante no processo educativo é que a criança possa aprender sendo estimulada em
suas potencialidades. Quando suas necessidades não são atendidas pela escola, o resultado é
uma situação de “inclusão marginal”, que a coloca à margem do processo educativo e funciona
como barreira ao seu desenvolvimento potencial.
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EXERCÍCIOS

1) O autismo típico é uma manifestação do espectro autista com grau mais acentuado de
comprometimento, envolvendo, além das dificuldades na comunicação e na interação
social, prejuízos no desenvolvimento cognitivo.

Assinale a alternativa que corresponde, especificamente, às dificuldades cognitivas da


criança com autismo típico.

A) De atenção seletiva, aprender de forma implícita, manejar múltiplas fontes de informação e


antecipar acontecimentos.

B) De comunicação não verbal, relacionamento interpessoal, contato visual, atenção e


concentração.

C) De usar a linguagem verbal, compreender as intenções das pessoas, controlar o próprio


comportamento.
D) De brincar sozinha, solicitar ajuda, se interessar pelos temas de interesse das outras
crianças e se concentrar nas atividades.

E) De compreender e usar a comunicação verbal e não verbal, empatizar com as pessoas,


controlar os sentimentos.

2) Transtorno do Espectro Autista é a expressão utilizada para um conjunto de


diferentes transtornos do neurodesenvolvimento infantil, que possuem em comum
dois grupos de desordens. Esses grupos se referem a:

A) 1. Déficit de interação social e persistente deficiência de comunicação social.


2. Comportamentos repetitivos e interesses restritos.

B) 1. Transtornos de atenção e hiperatividade.


2. Deficiência de atenção e comunicação social.

C) 1. Falta de flexibilidade mental e comportamental.


2. Alterações na capacidade de abstração.

D) 1. Alterações na comunicação adaptativa.


2. Prejuízo da capacidade imaginativa e da memória de longo prazo.

E) 1. Falta de flexibilidade mental e comportamental.


2. Deficiência intelectual e comprometimento psicomotor.

3) O Transtorno de Asperger pertence ao grupo de perturbações do espectro do


autismo de nível 1, pois é uma forma mais branda de autismo. Com isso, o
Transtorno de Asperger se diferencia do Autismo Típico em alguns aspectos, que
são:

A) Ao contrário do que ocorre no Autismo Típico, a pessoa com Transtorno de Asperger


apresenta perturbações no desenvolvimento cognitivo.

B) Ao contrário do que ocorre no Autismo Típico, a pessoa com Transtorno de Asperger não
apresenta dificuldade na interação social.

C) Ao contrário do que ocorre no Autismo Típico, a pessoa com Transtorno de Asperger


apresenta desenvolvimento normal da fala e não apresenta déficit cognitivo.

D) Ao contrário do que ocorre no Autismo Típico, a pessoa com Transtorno de Asperger


apresenta falta de flexibilidade mental e movimentos repetitivos.

E) Ao contrário do que ocorre no Autismo Típico, a pessoa com Transtorno de Asperger não
desenvolve a linguagem e apresenta apego exagerado à rotina.

4) Junior é um menino de 6 anos. Apesar da pouca idade, ele é capaz de produzir frases
complexas e bem articuladas. No entanto, não consegue usar a comunicação para
interagir com os colegas por meio de uma conversa, pois fala coisas fora de contexto,
quebrando a possiblidade de um diálogo. Outro dia, os amigos estavam em roda,
contando sobre os passeios que fizeram nas férias, e ele interrompia o tempo todo,
contando coisas que sabia sobre dinossauros.

Considerando os estudos realizados sobre o TEA, seria correto dizer que:

A) Junior não pode apresentar o TEA, pois é capaz de reproduzir frases complexas e bem
articuladas e as crianças com este transtorno não desenvolvem a linguagem.

B) Junior apresenta comportamento antissocial próprio de crianças da sua idade, devido ao


egocentrismo do pensamento.

C) Junior não demonstra o transtorno do espectro autista, pois apresenta habilidade para se
comunicar e interagir com os colegas.
D) Junior é uma criança egocêntrica, provavelmente por ter sido mimado demais pelos
pais; por isso, não sabe dividir e nem compartilhar uma conversa.

E) é possível que Junior apresente o Transtorno de Asperger, pois demonstra habilidade


linguística, mas sua fala é pouco funcional e fixada em interesses restritos.

5) A Síndrome de Rett é uma desordem rara do desenvolvimento neurológico,


provocada por mutações genéticas e que tem como principal característica a
regressão do desenvolvimento do sistema nervoso, acarretando as seguintes
defasagens:

A) Perda de equilíbrio emocional, dificuldades no relacionamento interpessoal e na


coordenação motora.

B) Perda de habilidade com o uso das mãos, perda da habilidade para andar e perda da
linguagem.

C) Falta de controle emocional, atrofiamento muscular, perda da capacidade de se comunicar


oralmente.

D) Prejuízo das funções respiratórias, dificuldades de relacionamento interpessoal, ausência


de memória de longo prazo.

E) Deficiência intelectual, perda da empatia, regressão da capacidade de equilíbrio e


coordenação motora.

NA PRÁTICA

O TEA se manifesta antes dos três anos de idade, mas o diagnóstico costuma ser tardio,
normalmente por volta dos 6 anos. Esse atraso tem se apresentado como obstáculo para que o
tratamento seja mais eficiente em minimizar as consequências do transtorno sobre o
desenvolvimento da criança.

O diagnóstico do TEA é multidisciplinar e só pode ser feito por profissionais especialistas.


Porém, existem alguns sinais desse transtorno que podem ser observados em bebês, desde os
primeiros meses de vida.
SAIBA +

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

Educação inclusiva

O livro Desenvolvimento psicológico e educação discute os transtornos do desenvolvimento e as


necessidades educativas especiais na perspectiva da educação inclusiva. No capítulo 12, os
autores apresentam e discutem, de forma detalhada, doze dimensões dos transtornos globais do
desenvolvimento.

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