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AULA 2

TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA

Profª Rossana Ghilardi


TEMA 1 – DIAGNÓSTICO DE TEA

O diagnóstico, ou avaliação diagnóstica do transtorno do espectro autista


(TEA), é de responsabilidade de profissionais da área da saúde, mas o tratamento
e o acompanhamento têm participação direta de familiares e educadores. Por
isso, nesta aula, apresentaremos alguns sinais e opções diagnósticas, bem como
o conceito de fundo dos procedimentos de intervenção mais utilizados, os quais,
muitas vezes, dependem de ações continuadas e participação de todos os pares
da pessoa com TEA.

1.1 Diagnóstico precoce

É consenso no meio científico sobre a necessidade de tratamento precoce


do paciente com Transtorno do Espectro Autista, acarretando melhora
considerável no prognóstico, isso é, aumenta o potencial de desenvolvimento
social e da comunicação da criança, o comprometimento intelectual será reduzido
e, consequentemente, melhora qualidade de vida e conquista da autonomia. O
investimento financeiro e desgaste emocional das famílias também diminuem
quando o TEA é diagnosticado precocemente.
No entanto, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (2019), a média
de idade para diagnóstico de TEA no Brasil é de seis anos de idade. Pode
imaginar o motivo da demora no diagnóstico?
São diversos, como a condição financeira das famílias, a baixa estimulação
das crianças, pouco acesso ao sistema de saúde, até mesmo a dificuldade dos
adultos do entorno em observar o desenvolvimento neuropsicomotor. Atrasa
também o diagnóstico a crença de que cada criança tem seu tempo e há que se
aguardar o prazo de cada um – um equívoco a ser superado, pois a orientação
dos especialistas em TEA é encaminhar para estimulação e tratamento precoce
mesmo sem diagnóstico confirmado, para otimizar resultados. Como o tratamento
para TEA é a estimulação, não haveria nenhum impacto negativo caso o
diagnóstico não se confirme.
Um adendo, o diagnóstico é de responsabilidade de profissionais da saúde,
em geral da área médica, como o neuropediatra. Mas familiares, cuidadores,
educadores e professores podem auxiliar observando os sintomas, buscando
atendimento junto aos especialistas.

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Em alguns casos de TEA um dificultador para o diagnóstico precoce é o
surgimento tardio da sintomatologia, como nos casos leves, aqueles conhecidos
anteriormente como Síndrome de Asperger.
Anteriormente listamos as características diagnósticas do TEA, segundo o
DSM-V (2014), relembrando: comprometimento na interação social e
comunicação com os outros; comportamentos, interesses e atividades em
padrões restritos e repetitivos. Parece que estas características não são
suficientes para identificar uma criança com TEA, não é?
O Manual apresenta uma série de outras descrições, são referências e
orientações para definir protocolos, desenvolver instrumentos e parâmetros tanto
para diagnóstico como para intervenção.
Mas se a padrão-ouro para tratamento do TEA é a precocidade na
intervenção, além dos familiares, cuidadores e educadores, os pediatras são
essenciais para detecção. Por essa razão temos no Brasil a Lei nº 13.438 de 2017,
exigindo que pediatras apliquem até os 18 meses de vida a avaliação de
neurodesenvolvimento nas crianças. Os estudos têm apontado que maior
discernimento entre o bebe com TEA e aqueles considerados neurotípicos
aparecem principalmente por volta dos 12 meses, o que justifica e exigência da
lei. Mas é possível identificar alguns sinais de alerta mesmo antes dos 12 meses
de idade:

Figura 1 – Sinais de alerta

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019.

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A tabela indica sinais de alerta, naturalmente os pediatras têm protocolos e
escalas psicométricas próprias para detectar o TEA. Para conhecimento, na
triagem inicial é recomendado o M-CHAT (variação M-CHAT R/F) – Modified
Checklist of Autism in Toddlers. São 20 perguntas aplicada em consulta clínica
aos familiares, agregado a observação e anamnese (SBP, 2019).
Os sinais investigados nos bebes com idade entre 12 e 30 meses, segundo
a Sociedade Brasileira de Psiquiatria (2019) são:

- perder habilidades já adquiridas, como balbucio ou gesto dêitico de


alcançar, contato ocular ou sorriso social;
- não se voltar para sons, ruídos e vozes no ambiente;
- não apresentar sorriso social;
- baixo contato ocular e deficiência no olhar sustentado;
- baixa atenção à face humana (preferência por objetos);
- demonstrar maior interesse por objetos do que por pessoas;
- não seguir objetos e pessoas próximos em movimento;
- apresentar pouca ou nenhuma vocalização;
- não aceitar o toque;
- não responder ao nome;
- imitação pobre;
- baixa frequência de sorriso e reciprocidade social, bem como restrito
engajamento social (pouca iniciativa e baixa disponibilidade de resposta)
- interesses não usuais, como fixação em estímulos sensório-viso-
motores;
- incômodo incomum com sons altos;
- distúrbio de sono moderado ou grave;
- irritabilidade no colo e pouca responsividade no momento da
amamentação.

Lembre-se, a lista se refere a itens investigados em situação de triagem, o


diagnóstico propriamente dito se dá por equipe multidisciplinar experiente, com
base em diversas informações e dados parametrizados. No entanto, a
recomendação é de iniciar a estimulação assim que surgir uma suspeita. Todos
sabemos que os primeiros meses e anos de vida são críticos para o
desenvolvimento cognitivo, neurológico, psíquico, motor do ser humano,
diagnóstico precoce é importante, mas intervenção rápida, ainda mais.

1.2 Características adicionais

Algumas outras características são consideradas para o TEA, como a


incidência muito maior em meninos que meninas, sendo de 4 para 1. Ainda não
há dados conclusivos que justifiquem essa prevalência em meninos.
Outro percentual diferenciado em relação a população neurotípica está no
quadro de deficiência intelectual, sendo de 30% no TEA (na população em geral
o índice, segundo IBGE, é de 0,8%). Voltando aos mitos no TEA, alguns autistas
conhecem em profundidade temas os quais têm interesse específico, dando a
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impressão de que há alto nível intelectual, no entanto, esses sujeitos têm
dificuldade na aprendizagem geral. Claro que há sujeitos com TEA e com altas
habilidades, no entanto a incidência é um pouco menor se comparado a população
típica.
Dúvidas ainda são muitas, mas novos conhecimentos sobre o TEA se
acumulam dia a dia. Quanto as causas, "há evidência de que a arquitetura
genética do TEA envolve centenas ou milhares de genes, cujas variantes,
herdadas ou de novo, e comuns ou raras na população, compreendem múltiplos
modelos de herança" (SBP, 2019). Assim, o percentual calculado para causas
genéticas do TEA está em mais de 90%, sendo mais de 80% hereditária. Um
pequeno percentual estaria relacionado a causas ambientais (Bai et al., 2019).
É necessário alertar que, ao citar causas ambientais, neste caso, não se
trata de fatores culturais ou sociais, o ambiente aqui apontado é o congênito, isto
é, se estabelece antes do nascimento, como pela idade avançada dos pais no
momento da concepção, negligência extrema de cuidado, exposição a
medicamentos no pré-natal, nascido prematuro muito abaixo do peso médio.
Detalhando uma das causas ambientais para exemplificar, é bastante aceito que
mães que fazem uso de valproato de sódio durante a gestação têm maior chance
de ter filhos com autismo e com outros transtornos neurológicos, comparandocom
outras que não utilizaram. Esse medicamento serve para controle de crises
epiléticas.

TEMA 2 – COMORBIDADES E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

O TEA também pode estar associado a outros transtornos, fato que


interfere no diagnóstico. Há sujeitos com TEA associado a Transtorno do Déficit
de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a Transtornos de Ansiedade e Depressão.
Há associação com outras condições médicas, como epilepsia e transtornos
genéticos variados (SBP, 2019).
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (2019, p. 10) as
manifestações clínicas associadas ao TEA mais frequentemente encontradas são:

• transtornos de ansiedade, incluindo as generalizadas e as fobias,


transtornos de separação, transtorno obsessivo compulsivo (TOC),
tiques motores (de difícil diferenciação com estereotipias), episódios
depressivos e comportamentos autolesivos, em torno de 84% dos casos;
• transtornos de déficit de atenção e hiperatividade em cerca de 74%;
• deficiência intelectual (DI);
• déficit de linguagem;

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• alterações sensoriais;
• doenças genéticas, como Síndrome do X Frágil, Esclerose Tuberosa,
Síndrome de Williams;
• transtornos gastrointestinais e alterações alimentares;
• distúrbios neurológicos como Epilepsia e distúrbios do sono;
• comprometimento motor como Dispraxia, alterações de marcha ou
alterações motoras finas.

Tendo em conta a sintomatologia fica evidente a necessidade de


intervenção interdisciplinar. No que se refere ao tratamento do TEA propriamente
dito, isso é, as questões relacionadas ao comprometimento da comunicação e
interação sociais e padrões repetitivos e restritos de comportamento, as ações
visam promover o aprendizado e modificação de comportamentos, apenas
conquistados com envolvimento da família, de equipes de saúde e de equipes
pedagógicas.
Antes de tratarmos das intervenções, vamos listar alguns instrumentos
diagnósticos de TEA, que são utilizados pelos profissionais da área médica.
Alguns instrumentos já se encontram validados, a escolha do médico dependerá
da condição do paciente, da população no qual está inserido. Além da triagem em
crianças até 30 meses por meio do M-CHAT-R/F, há outros pautados em
observação clínica, como Childhood Autism Rating Scale (CARS); alguns utilizam
informações coletadas junto aos pais e cuidadores. Além do M-CHART-R, há o
The Autism Diagnostic Interview™ Revised (ADI-R).
Os instrumentos, tanto de avaliação quanto de intervenção, impõem muito
treinamento e conhecimento por parte do profissional que o utiliza. Conhecer
profundamente os padrões psicométricos e a validade de cada instrumento é
fundamental para evitar interpretações errôneas (SBP, 2019).
Para compor o diagnóstico de TEA o profissional agrega o nível de
gravidade. O quadro a seguir apresenta a distribuição do DSM-V quanto às
características por nível de gravidade do TEA, uma referência diagnóstica que
pode auxiliar na escolha dos instrumentos de tratamento:

Quadro 1 – Níveis de gravidade do TEA

Nível de gravidade Comunicação Social Comportamentos restritivos


e repetitivos

Nível 3 Déficits graves nas Inflexibilidade de


habilidades de comunicação comportamento, extrema
“Exigindo apoio muito
social verbal e não verbal dificuldade em lidar com a
substancial”
causam prejuízos graves de mudança ou outros
funcionamento, grande comportamentos
limitação em dar início a restritos/repetitivos interferem

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interações sociais e resposta acentuadamente no
mínima a aberturas sociais funcionamento em todas as
que partem de outros. Por esferas. Grande
exemplo, uma pessoa com sofrimento/dificuldade para
fala inteligível de poucas mudar o foco ou as ações.
palavras que raramente inicia
as interações e, quando o
faz, tem abordagens
incomuns apenas para
satisfazer a necessidades
reage somente a abordagens
sociais muito diretas.

Nível 2 Déficits graves nas Inflexibilidade do


habilidades de comunicação comportamento, dificuldade
“Exigindo apoio substancial”
social verbal e não verbal; de lidar com a mudança ou
prejuízos sociais aparentes outros comportamentos
mesmo na presença de restritos/repetitivos aparecem
apoio; limitação em dar início com frequência suficiente
a interações sociais e para serem óbvios ao
resposta reduzida ou anormal observador casual e
a aberturas sociais que interferem no funcionamento
partem de outros. Por em uma variedade de
exemplo, uma pessoa que contextos. Sofrimento e/ou
fala frases simples, cuja dificuldade de mudar o foco
interação se limita a ou as ações.
interesses especiais
reduzidos e que apresenta
comunicação não verbal
acentuadamente estranha.

Nível 1 Na ausência de apoio, Inflexibilidade de


déficits na comunicação comportamento causa
“Exigindo apoio”
social causam prejuízos interferência significativa no
notáveis. Dificuldade para funcionamento em um ou
iniciar interações sociais e mais contextos. Dificuldade
exemplos claros de respostas em trocar de atividade.
atípicas ou sem sucesso a
Problemas para organização
aberturas sociais dos outros.
e planejamento são
Pode parecer apresentar
obstáculos à independência.
interesse reduzido por
interações sociais. Por
exemplo, uma pessoa que
consegue falar frases
completas e envolver-se na
comunicação, embora
apresente falhas na
conversação com os outros e
cujas tentativas de fazer
amizades são estranhas e
comumente malsucedidas.
Fonte: DSM-V, 2014, p. 52.

A tabela apresenta os especificadores de gravidade de maneira resumida.


Importante considerarmos que não há uma precisão quanto à gravidade, os
contornos entre os níveis são indefinidos, além de se alterar no sujeito com o
tempo. É possível por meio de intervenção uma criança passar do nível três para
o nível dois.

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Os níveis de gravidade são uma referência que ajudam a definir, por
exemplo, se a criança necessita de um mediador na escola, ou que tipo de
intervenção poderia ser mais apropriada.

TEMA 3 – TEA VERSUS TRATAMENTO

Após diagnóstico ou mesmo assim que se levanta a suspeita, inicia-se o


tratamento. Como não há medicamento(s) para TEA, com raríssimas exceções,
as investidas estão associadas a estimulação, a aprendizagem, a mudança
comportamental, a diminuição da ansiedade, a integração sensorial.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (2019) cita algumas modalidades
terapêuticas que explicaremos brevemente. Pontuamos que, pela complexidade
e diversidade de sintomatologia, é essencial aplicação de avaliações de
intervenção (que é diferente da diagnóstica) para definir o tratamento mais
adequado.

1) Modelo Denver de Intervenção Precoce para Crianças Autistas – referência


em ABA (em português, Análise do Comportamento Aplicada), com ações
intensivas e diárias. Para promover interações sociais positivas e
naturalistas
2) Estimulação Cognitivo-Comportamental baseada em ABA – para
desenvolver habilidades sociais e comunicação, assim como diminuir
condutas não adaptativas.
3) Coaching Parental – orientações para familiares e treinamento dos pais.
4) Comunicação suplementar e alternativa – baseada em sinais e gestos,
utilizando símbolos e figuras (PECS – Sistema de Comunicação por Troca
de figuras) para sujeitos não verbais.
5) Método TEACCH (Tratamento e Educação para Crianças Autistas e com
outros prejuízos na comunicação) – envolve diretamente a escola e
educadores com a estruturação do ambiente pedagógico-terapêutico,
implementando rotinas, com planejamento de atividades bem estruturado
(sequência e duração).
6) Terapia de Integração Sensorial – para aquelas que sofrem alteração no
processamento sensorial, geralmente aplicada pelo Terapeuta
Ocupacional.

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7) Outras alternativas, como aparelhos de alta tecnologia e acompanhamento
psicoterapêutico

É muito frequente noticiarem novas alternativas de tratamento para TEA e


muitos deles podem revelar bons resultados pontuais ou demonstrar
generalização com o tempo. No entanto, temos como uma das metas da disciplina
deixar para trás mitos e achismos sobre o TEA, assim, utilizamos além do manual
de orientação aos pediatras outra referência confiável que mapeia intervenções
com evidências científicas como intervenção.
Em documento publicado em 2015, o centro de investigação de autismo
em Massachusetts, nos Estados Unidos, National Autism Center, após
investigação sistemática de pesquisas sobre intervenção em Transtorno do
Espectro Autista durante vários anos, revela 14 práticas de comprovadamente
bem-sucedidas. Quase todas elas estão na lista do manual de orientação da
Sociedade Brasileira de Pediatria, mas ampliando o leque de opções para aqueles
que estão diretamente envolvidos com a aprendizagem e desenvolvimento dos
autistas.
O documento de metanálise e outros produzidos pelo Nacional Autism
Center estão disponíveis para download no site
<https://www.nationalautismcenter.org/>, mediante cadastro rápido e simples.
Como o material foi produzido na língua inglesa e não identificamos tradução para
nosso idioma, optamos em apresentar a lista com nomenclatura sugerida pelo
professor Dr. Lucelmo Lacerda da Universidade de São Carlos (Lacerda, 2019).
São intervenções reconhecidamente eficientes, observando-se faixa etária
e condição de cada sujeito:

1) Intervenção Comportamental Baseada em ABA, na qual se realiza


primeiramente a análise do comportamento a ser enfrentado e em seguida
são estabelecidos procedimentos de intervenção baseados em critérios.
2) Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): com objetivo de minimizar
quadros de depressão e ansiedade. Desenvolvido por profissionais da área
da saúde, com formação em psicologia principalmente.
3) Intervenção Comportamental Intensiva Precoce (ICIP): a referência são os
marcos de desenvolvimento infantil, habilidades pertinentes a nossa
espécie, comumente apresentadas em determinada idade. As práticas são

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no sentido de aproximar a criança com TEA destes marcos com atividades
intensivas, chegando a 40 horas semanais.
4) Ensino de fala: para aqueles que precisam desenvolver a linguagem, por
associação dos sons através de estímulos reforçadores; ou
compreendendo a fala como comportamento natural estimulado no meio.
5) Modelação: modela-se determinado comportamento, um a um, com
práticas específicas pautadas na imitação.
6) Estratégias de ensino naturalístico: geralmente aplicado a crianças bem
pequenas, brincando com ela para incluir habilidades a serem aprendidas.
7) Outras práticas mais pontuais, não necessariamente associadas ao
desenvolvimento global do sujeito.
8) Treinamento parental: treinar os familiares para agirem sobre habilidades
específicas. Não há como cobrar dos pais que, além das demais tarefas,
ainda assumam as terapias e treinamentos completos dos filhos.
9) Ensino por pares: ensinar irmãos e amigos para axilar do treino de
habilidades específicas.
10) Ensino de respostas pivotais: conjunto de estratégias naturalísticas, uma
forma de intervenção baseada em ABA
11) Rotinas visuais: quadros com especificação de tarefas que fazem parte da
rotina diária ou semanal, com referências visuais. O objetivo é diminuir a
ansiedade auxiliando na organização das rotinas. Associa-se sempre ao
estímulo, orientação verbal para eliminar os recursos visuais. Na escola
também é muito utilizada.
12) Roteiros (scripts): oferecer algum roteiro para determinada atividade,
listando as ações necessárias, a sequência para alcançar objetivo. O
sujeito consulta o roteiro a cada passo.
13) Ensino de autorregulação: problemas sensoriais e emocionais associados
ao TEA provocam crises, a técnica auxilia a desenvolver estratégias para
evitar as crises, com base na autorregulação do comportamento.
14) Ensino de Habilidades Sociais (Treino de Habilidades Sociais): como o
nome diz, acontece o treino de habilidades sociais, aplicada em casos de
autismo mais leve (nível 1).
15) Histórias Sociais: acompanha uma história relativa a comportamento social
adequado (ou inapropriado), que tem relação com dia a dia do sujeito com
TEA, para assimilar e implementar cotidianamente.

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Há um 15º procedimento, considerado pela Nacional Autism Center e
catalogado após publicação oficial do documento da Fase 2, opção desenvolvida
para tratar indivíduos que apresentam disfunção na integração sensorial. A
integração sensorial é a “capacidade de processar, integrar e organizar os inputs
sensoriais provenientes do corpo e do ambiente, a fim de que seja possível uma
resposta adaptativa do indivíduo, frente às demandas funcionais” (Andrade, 2020)
Essa capacidade pode se encontrar alterada em pessoas com TEA e a aplicação
da Abordagem de Integração Sensorial de Ayres® tem demonstrado bons
resultados, se trata de um instrumento do escopo do Terapeuta Ocupacional.

TEMA 4 – ANÁLISE COMPORTAMENTAL APLICADA (ABA)

Vamos aprofundar nas próximas aulas alguns dos tratamentos listados no


item anterior, principalmente os mais frequentemente empregados e aqueles nos
quais a escola e professores se envolvem mais diretamente. Antes disso, nos
parece importante trazer um pouco mais de informação sobre ABA. Na lista
anterior, observa-se que algumas das intervenções estão vinculadas ao ABA
(Applied Behavioral Analysis, em português Análise do Comportamento Aplicada).
Se você já tem contato com TEA, escutou falar muito de ABA. O que
conhece a respeito?
Já deixamos claro que o objetivo da disciplina é uma visão geral acerca do
Transtorno do Espectro Autista, portanto, no que se refere ao ABA, também
traremos aspectos gerais.
Há muitas dúvidas a respeito do que venha a ser ABA. Alguns chamam de
metodologia, outros de ferramenta, mas os especialistas da área apresentam a
ABA como ciência derivada dos conceitos do behaviorismo, que é uma teoria de
investigação psicológica do comportamento humano pautada na objetividade, na
observação sistemática e mensuração. “ABA é um termo ‘guarda-chuva’,
descreve uma abordagem científica que pode ser usada para tratar muitas
questões diferentes e cobrir muitos tipos diferentes de intervenções” (Lear, 2004,
p. 1-5)
Como ciência, a ABA se refere a um campo de estudo, a uma disciplina e
a uma prática. É estabelecida sobre o behaviorismo radical desenvolvido por B.
F. Skinner (1904-1990) e seu suporte conceitual é a Análise Experimental do
Comportamento. A aplicação prática do conhecimento comportamental
experimentalmente adquirido é o ABA (Sella; Ribeiro, 2018).

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Historicamente, a ABA foi descrita por Baer et al. em artigo publicado em
1968. Os autores apresenta sete dimensões que definem a ciência ABA, sendo
elas: ser aplicada, comportamental e analítica (três princípios fundamentais),
altamente recomendado também ser tecnológica (elementos identificáveis e
descritivos), conceitualmente sistemática (além de descrever procedimentos, há
princípios e conceitos teóricos bem definidos), efetivas (provocar mudanças
significativas) e demonstrarem generalidades (persistir ao longo do tempo e
aplicáveis a outros perfis) (Sella; Ribeiro, 2018).
A base do behaviorismo de Skinner é o condicionamento operante, no qual
um estímulo discriminativo provoca um comportamento (reação) que pode ser
reforçado para se manter. O comportamento não reforçado ou que recebe punição
pode ser extinto. Há possibilidade de se controlar os estímulos, estabelecer
esquemas de reforçamento para obter a modelagem do comportamento. Uma
imensa quantidade de comportamentos humanos pode ser modelada desta
maneira.
Um exemplo dos estudos de Skinner corriqueiramente empregado em ABA
é o Comportamento Verbal (VB), que servirá também de exemplo para explicar
melhor o reforçamento. Skinner investigou profundamente o comportamento
verbal e publicou um livro como o mesmo nome em 1958. Percebeu que a
aquisição da linguagem acontecia mediante reforçamento e associações. Assim,
a mãe que se alegra ao escutar “mama” balbuciado casualmente por seu filho
reforça a repetição deste som e leva com o tempo a associá-lo a presença da
mãe.
A Análise de Comportamento Aplicada pode ser utilizada em diversas
condições, mas foi o psicólogo norueguês Ole Ivar Lovaas (1927-2010) o primeiro
a demonstrar experimentalmente a eficácia de princípios da ABA para ensinar
crianças como TEA (Lear, 2004). Aplicou em seus estudos uma das metodologias
de ABA conhecida como DTT (Discrete Trial Teaching).
De acordo dom Lear (2004) o DTT:

Tem um formato estruturado, comandado pelo professor, e


caracteriza-se por dividir seqüências complicadas de aprendizado
em passos muito pequenos ou “discretos” (separados) ensinados
um de cada vez durante uma série de “tentativas” (trials), junto
com o reforçamento positivo (prêmios) e o grau de “ajuda”
(prompting) que for necessário para que o objetivo seja
alcançado. (Lear, 2004, p. 1-6)

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Quem trabalha com ABA se utiliza de termos como estímulo discriminativo
(que vem antes do comportamento); tentativa; resposta; estímulo reforçador;
ajuda (dicas); domínio; dados; aula (sessão); dados; método. "A ciência do
comportamento visa trocar as condições sob as quais o comportamento ocorre,
ou trocar as conseqüências de um comportamento para conseguir efetuar
mudança no comportamento" (Lear, 2004, p. 2-7).
Entende-se que o comportamento é sempre observável e mensurável. As
medidas são de duração, de frequência e de intensidade e fornecem dados para
a análise do comportamento.
No ABA utiliza-se o reforço para aumentar a frequência de um
comportamento desejável. O reforço pode ser positivo se adiciona algo que
fortalece o comportamento (um elogio, um doce, um jogo, um passeio). Há o
reforço negativo quando há retirada de algo que atrapalha o comportamento para
que sua frequência aumente. Por exemplo, a criança não costuma realizar as
tarefas escolares porque o pai irritado é sempre seu acompanhante, retirando o
pai ou substituindo por alguém que a apoia, a resolução das tarefas acontecerá
com mais frequência. ABA trabalha apenas com reforço, nunca com punição, que
é a inclusão de algo aversivo para diminuir a frequência de um comportamento
(Lear, 2004).
O reforçamento é contínuo quando se está modelando um novo
comportamento e pode passar para esquema intermitente quando já adquirido e
no processo de manutenção deste.
Seria muito difícil desenvolver qualquer atividade se não houvesse a
possibilidade de generalização do aprendizado, isto é, num programa ABA
espera-se que a criança assimile conceito ou linguagem e aplique em outros
eventos similares – generalize o que aprendeu, e adquira outros comportamentos
sem introdução de um procedimento comportamental (Lear, 2004).
Pela descrição até o momento, é possível perceber que a proposta de ABA
exige muito tempo de intervenção, há casos de trabalhos durando 20, 30 ou 40
horas semanais. Por isso, geralmente há aqueles que analisam e criam o
programa (analistas do comportamento propriamente dito) e a aplicação envolve
também familiares e professores, o que ajuda a diminuir o custo do tratamento,
que geralmente exige a relação um a um, isso é, uma pessoa dedicada
exclusivamente a criança TEA.

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Após analisar os comportamentos que precisam de intervenção, verificar
os reforços eficientes para a criança, o especialista em ABA criará um currículo
de implementação baseado em programas.

TEMA 5 – PROGRAMAS DE HABILIDADES

Os programas desenvolvidos estão em três categorias: programas para


habilidades de linguagem receptiva (como apontar objetos solicitados, seguir
instruções etc.); programas para habilidades de imitação (imitar ações motoras
amplas, ações motoras finas etc.); e programas para habilidades de cuidados
pessoais (usar colher e garfo, higiene pessoal etc.) (Lear, 2004)
Existem diversas alternativas para organizar o currículo ou o plano de
ensino individual (PEI), que levará a modelagem do comportamento, mas Lear
(2004) apresenta como exemplo o que chama de Pizza Curricular.

Figura 2 – Pizza circular

Créditos: Photographee.Eu/Shutterstock; Alexfilim/Shutterstock; Sushitsky Sergey/Shutterstock;


Photographee.Eu/Shutterstock; Namomooyim/Shutterstock; Dr Ake Krisda/Shutterstock.

As habilidades na pizza não têm hierarquia ou inter-relação evidente, por


isso o analista de comportamento deve desenvolver um currículo específico para
cada paciente.

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A seguir, apresentamos exemplos de conteúdos da pizza curricular citados
por Lear (2004, p. 7-4 e 7-5):

1) Autocuidado
• Usa independentemente xícara, colher e garfo.
• Veste e tira a roupa independentemente.
• Habilidades de toalete.
• Habilidades de higiene – pentear cabelos, escovar os dentes,
lavar o rosto e as mãos, tomar banho.
2) Motora (Fina e Ampla)
• Desenhar, colorir.
• Copiar, escrever.
• Cortar, amarrar.
• Usar o teclado, usar o mouse.
• Correr, andar, pular, balançar.
• Usar equipamentos (bolas, raquetes etc.).
3) Social
• Responde a saudações.
• Responde perguntas sociais (ex. “Como vai você?”, “Qual é o
seu nome?”).
• Imita colegas.
• Responde às propostas dos amigos.
• Inicia brincadeiras com colegas.
• Interage verbalmente com colegas (comenta, pergunta, oferece
ajuda).
4) Linguagem / Comunicação
• Receptiva – identifica objetos, partes do corpo e figuras; segue
instruções de 1, 2 e 3 passos....
• Expressiva – faz pedidos, nomeia figuras, objetos, pessoas e
verbos; pede itens desejados; diz “sim” e “não”; repete frases; permuta
informações; responde a perguntas do tipo “por quê”21.
• Abstrata – conversa sobre coisas ausentes, responde questões
do tipo “por quê?”, antecipa conseqüências, explica ações, relata
estórias, inventa estórias.
5) Brincar
• Brincar sozinho de modo apropriado com brinquedos.
• Brincar em paralelo – brincar ao lado de outras crianças, sem
interação.
• Brincar com foco compartilhado – brincar com os mesmos
itens, tal como as outras crianças, sem interação.
• Brincar com ação compartilhada – brincar que demanda
alguma colaboração com outras crianças (ex.: construir torre, empurrar
balança).
• Brincar de faz-de-conta – capaz de assumir uma outra
identidade.
• Brincar com colegas de faz-de-conta e de representar papéis.
6) Acadêmica (e Pré-acadêmica)
• Habilidades de imitação.
• Identificação de números e letras.
• Leitura – palavra inteira e fônica.
• Soletração.
• Habilidades de matemática e números.
• Habilidades de uso do computador.
• Habilidades escolares – participa de um grupo, espera a vez,
recita em uníssono.

5.1 Registros

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Após estabelecer as habilidades a serem abordadas, cada sujeito terá sua
pasta curricular descrevendo em detalhes o que for realizado, registros e
resultados. Os pesquisadores da área afirmam que não há ABA sem registros,
única maneira de mensurar e confirmar se o comportamento está estabelecido.
Assim, existem diversos modelos de folhas de registro para cada habilidade e
momento de intervenção. Apenas para exemplificar, traremos algumas a seguir.

Quadro 2 – Amostra de uma folha de observação e avaliação funcional

Fonte: Lear, 2004, p. 4-6.

Quadro 3 – Folha geral de registros

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Fonte: Lear, 2004, p. 4-7.

Quadro 4 – Folha de Sumário de Sessão

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Fonte: Lear, 2004, p. 7-13; 7-14.

Ressaltamos que não há uma graduação específica para se tornar analista


comportamental, no entanto, é necessário muito estudo e compreensão dos
conceitos comportamentais, além de prática supervisionada para exercer a
profissão. Assim, temos psicólogos, professores e profissionais de diversas áreas
atuando com ABA. A formação geralmente acontece por meio de cursos ofertados
por diferentes instituições. É importante verificar a idoneidade dos profissionais,
sua competência e referência do supervisor que o acompanha.

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REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-V. Manual diagnóstico e


estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre : ARTMED, 2014. Disponível
em: < http://www.niip.com.br/wp-content/uploads/2018/06/Manual-Diagnosico-e-
Estatistico-de-Transtornos-Mentais-DSM-5-1-pdf.pdf>. Acesso em 1 mar. 2021

ANDRADE, M. M. A. Análise da influência da abordagem da integração sensorial


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