Você está na página 1de 25

AULA 4

FUNDAMENTOS DA
NEUROPSICOPEDAGOGIA

Prof. Fábio Eduardo da Silva


CONVERSA INICIAL

Bem-vindo à quarta aula da disciplina de Fundamentos de


Neuropsicopedagogia. Vamos explorar aquelas que podem ser consideradas as
mais importantes habilidades humanas, ou que nos caracterizam como seres
humanos, as funções executivas. Por meio delas podemos dirigir nossa atenção
a certos estímulos, suspendendo outros indesejados. Podemos também planejar
e resolver problemas, controlar nossos impulsos, ter uma mente flexível,
adaptável às mudanças ambientais, raciocinar por categorização e ter fluência
verbal e comportamental. Vamos sobrevoar os modelos teóricos ou explicativos
das funções executivas e buscar uma síntese a partir deles. Vamos conhecer
as estruturas cerebrais envolvidas nessas funções e como estas se relacionam
com a aprendizagem. Iniciemos essa nova aventura!

CONTEXTUALIZANDO

Em uma pesquisa curiosa e importante da psicologia do desenvolvimento,


Walter Mischel1 criou uma situação na qual crianças de 4 anos de idade
precisariam enfrentar um problema. Individualmente, as crianças permaneciam
em uma sala, sentadas frente a uma mesa, sobre a qual havia um marshmallow
e um sino. Elas recebiam a instrução de que se conseguissem aguardar por certo
tempo sem comer aquele marshmallow ganhariam outro, mas, se desejassem,
poderiam comê-lo a qualquer momento e tocar o sino – nesse caso não ganhariam
o segundo. Essas crianças foram acompanhadas por décadas gerando estudos
complementares ao original. Aquelas crianças que conseguiram adiar o prazer,
mostraram-se melhores em relação a cognição social, enfrentamento de
dificuldades e resultados escolares, na adolescência, em atividades de inibição,
aos 18 anos.
Atenção
Esse texto utiliza a indicação das referências bibliográficas por meio do sistema
numérico: pequenos números sobrescritos indicam a referência que pode ser
consultada ao final do documento. Quando mais de um número for indicado, cada
um deles remeterá a uma obra diferente. No caso de citações, o número indica a
obra e é seguido da indicação da(s) página(s). No exemplo do parágrafo acima,
(1), temos a indicação do livro 1 nas referências.

Este e outros estudos indicam que o desenvolvimento inicial de algumas


funções executivas se relaciona ao desempenho positivo em vários aspectos da

02
vida. Contudo, em contraste com aquelas crianças que já aos 4 anos conseguiram
inibir seus impulsos, sabe-se que, em geral, as funções executivas e suas
estruturas neurológicas amadurecem lentamente, ou seja, o curso natural do seu
desenvolvimento relaciona-se mais àquelas crianças que não conseguiram inibir
os impulsos. Em complemento, sabe-se também que o desenvolvimento e a
maturação dessas funções estão diretamente relacionados à interação com o
meio ambiente, ou seja, os fatores socioambientais poderão favorecer ou
prejudicar o desenvolvimento das funções executivas, evidenciando a crucial
importância da educação para o desenvolvimento integral das crianças, jovens e
adultos.
Mas estaria a escola desenvolvida para estimular esse desenvolvimento?
Qual a sua opinião sobre isso?

TEMA 1 – APRESENTAÇÃO GERAL SOBRE FUNÇÕES EXECUTIVAS

1.1 Conceitos sobre funções executiva

Existe um grande interesse sobre as funções executivas, como pode ser


visto pelas crescentes publicações e eventos sobre esse tema. No entanto, muitas
dúvidas permanecem a respeito do que são essas funções. Em geral, considera-
se que, em nosso processo de adaptação ao ambiente, precisamos planejar e
executar atividades, sejam cotidianas, sejam novas. É necessário também
monitorá-las, verificando se alcançaram suas metas, e, se não for o caso,
precisamos planejar e executar correções. As funções executivas seriam
habilidades implicadas nesses procedimentos1,2,9. Vejamos mais alguns
conceitos.

As funções executivas correspondem a um conjunto de habilidades, que


de forma integrada, permitem ao indivíduo direcionar comportamentos a
metas, avaliar a eficiência e adequação desses comportamentos,
abandonar estratégias ineficazes em prol de outras mais eficientes e
desse modo, resolver problemas imediatos, de médio e de longo prazo.
Para a realização bem-sucedida de diversas tarefas cotidianas, o
indivíduo deve identificar claramente seu objetivo final e traçar um plano
de metas dentro de uma organização hierárquica que facilite a
consecução. Em seguida deve executar os paços planejados, avaliando
constantemente o sucesso de cada um deles, corrigindo aqueles que
não foram bem-sucedidos e adotando novas estratégias quando
necessário. Ao mesmo tempo, o sujeito deve manter o foco da atenção
na tarefa que está realizando, monitorar sua atenção e integrar
temporalmente os passos que já foram realizados, bem como aquele
está sendo executado e os seguintes. Também deverá armazenar
temporariamente em sua memória as informações que serão usadas

03
durante toda a realização da tarefa e esse armazenamento temporário
deve ficar protegido do efeito de distratores1, p.115.

Tais funções apresentam importante valor adaptativo, facilitando o


gerenciamento em relação a outras habilidades cognitivas como se
fossem o maestro de uma orquestra o general de um exército3, p.94.

As funções executivas são muito importantes, porque, se funcionarem mal,


não conseguimos organizar e fazer as tarefas básicas de nossa vida cotidiana
(trabalho, família e outras esferas), ou seja, perdemos nossa adaptação
ocupacional e social, incluindo o controle emocional. As alterações das funções
executivas se relacionam com transtornos cognitivos e psiquiátricos, como a
esquizofrenia, autismo e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade2,3.

[...] essas habilidades permitem ao indivíduo perceber e responder de


modo adaptativo aos estímulos, responder frente a um objetivo
complexo proposto, antecipar objetivos e consequências futuras e mudar
planos de ação de modo flexível. [...] permitem ao indivíduo exercer
controle e regular tanto seu comportamento frente às exigências e as
demandas ambientais, quanto todo o processamento de informação. [...]
orientam e gerenciam funções cognitivas emocionais e
comportamentais. [...] iniciam por volta dos 2 meses, estendendo-se até
aproximadamente os 20 anos de idade, quando tendem a se estabilizar
até o envelhecimento quando parecem declinar8, p.34.

Mas quais são as funções executivas?

Diversos processos cognitivos têm sido apontados como integrantes das


funções executivas, tais como planejamento, controle inibitório, tomada
de decisões, flexibilidade cognitiva, memória operacional, atenção,
categorização, fluência, criatividade [...]3, p.94-95.

Funções executiva é utilizada para designar uma ampla variedade de


funções cognitivas que implicam: atenção, concentração, seletividade de
estímulos, capacidade de abstração, planejamento, flexibilidade de
controle mental, autocontrole e memória operacional2, p.386.

Novamente as dúvidas aparecem. Reflitamos mais sobre elas.

1.2 Dúvidas metodológicas e conceituais sobre as funções executivas

Quais são as funções executivas? Quais são os instrumentos empregados


na sua avaliação neuropsicológica? São elas coordenadas por uma única função
ou atuam módulos independentes? Quais são as áreas cerebrais envolvidas em
seu processamento?
Há evidencias de que as funções executivas se relacionam com as áreas
frontais do córtex, mas:

Uma lesão cortical frontal pode ser suficiente, mas não é


necessariamente a causa do comprometimento executivo. Apesar das
correlações entre funções executivas e lesões frontais ainda não serem
04
plenamente compreendidas, evidências sugerem que lesões, numa rede
mais ampla (na rede frontalglânglio basal-tálamocortical), são
necessárias para o comprometimento das funções executivas. [...] O fato
de que a função cortical frontal pode estar comprometida por lesões
subcorticais (ex. doença vascular) na ausência de patologia cortical
frontal demonstrável, evidencia que a funções executivas é dependente
da integridade do sistema frontal [que envolve áreas subcorticais] 2, p.390.

Funções executivas afetam e são afetadas por outras funções?


[...] funções executivas interfere no desempenho de domínios de outros
domínios neuropsicológicos. Deste modo, alguns testes que são
descritos como testes para avaliação de domínios não-executivos (por
exemplo, funções visuoespaciais, memória e linguagem) podem ser
sensíveis às patologias do sistema frontal porque requerem a
participação do controle executivo. Por outro lado, lesões fora do sistema
frontal podem interferir no desempenho de testes de funções executivas,
na ausência de disfunção executiva, pela interrupção dos processos que
estão sob seu controle durante a realização da tarefa2, p.390.

Existe uma função executiva ou várias?

Alguns autores sustentam a ideia de um executivo único [...] outros, em


oposição, de controles múltiplos para operações cognitivas diferentes
[...]. As diferentes medidas neuropsicológicas não sustentam a
afirmação de um construto executivo único, ou seja, as medidas de
funções executivas são de natureza multidimensional, nenhuma medida
avalia todos os domínios das funções executivas e a combinação de
diferentes medidas pode complementar a análise das funções
executivas2, p.390.

Como pode ser visto questões importantes ainda permanecem dúbias e,


em complemento, há ainda problemas teóricos e metodológicos que limitam as
avaliações e estudos das funções executivas.

(a) os pacientes, avaliados em amostras, nem sempre apresentam


lesões frontais; (b) a inexistência de uma delimitação unitária para as
funções executivas ; (c) a simples distinção entre processos automáticos
e processos controlados não explica a complexidade dos mecanismos
de controle; (d) a distinção entre tarefas complexas (relacionadas ao lobo
frontal) e tarefas simples (relacionadas a outras áreas corticais) também
não explica a diferença entre as funções e as distintas áreas corticais;
(e) o papel principal do lobo frontal, possivelmente, está relacionado ao
comportamento afetivo e emocional, ao desenvolvimento pessoal, ao
juízo social e à autoconsciência, aspectos não avaliados nesses
estudos2, p.390.

Para que as avaliações das funções executivas sejam eficazes é importante


que os resultados dessas avaliações sejam observados sob um prisma teórico.
Como as estruturas teóricas ainda são controversas, a escolha dos testes deve
ser pautada numa perspectiva de validade ecológica, ou seja, que aponte os
mecanismos subjacentes aos déficits vividos no dia a dia do avaliando e que tenha
relação com a utilização prática das capacidades avaliadas2,4.
Para que compreendamos melhor a complexidade das funções executivas,
passamos a apresentar os principais modelos explicativos sobre essas funções.
05
TEMA 2 – MODELOS TEÓRICOS E EXPLICATIVOS DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS

2.1 Modelos teóricos das funções executivas

I. Unidades Funcionais de Luria – 1966. É o modelo inicial das funções


executivas, visto na Aula 1 desta disciplina. Nele, a terceira unidade
funcional, que envolve o córtex frontal, é responsável pelo planejamento,
regulação e verificação do comportamento voluntário2,3,18.
II. Lezak – 1995/2004/2012 – desenvolveu a perspectiva de Luria, criou a
expressão funções executivas, dividindo-a em quatro aspectos: formulação
de metas voluntárias, volição; planejamento; realização de planos dirigidos
a metas ou comportamento com propósito; e execução efetiva de
atividades dirigidas a metas1,2,8.
III. Sistema atencional supervisor (SAS), desenvolvido por Shallice – 1982.
A base do SAS está nos lobos frontais que realiza processos mentais
relativamente independentes, permitindo a definição de metas, geração,
seleção, inibição e monitoramento de esquemas3.
IV. Sistema tríplice de controle atencional e executivo, de Stuss e Benson
– 1986. Nele a atenção e as funções executivas são controladas por três
estruturas: a) sistema reticular ativador ascendente, b) sistema de
projeções talâmicas difusas e c) sistema tálamo-frontal. A manutenção dos
tônus atencional e o estado de alerta é feita pelos sistemas a e b., enquanto
que o sistema c faz o controle atencional. Estruturas frontais tem papéis
diferentes no controle atencional, planejamento, seleção e monitoração de
respostas3.
V. Modelo de integração temporal – Fuster – 2008. Tem três funções
principais: memória de trabalho, mudança de cenário e controle inibitório 3.
VI. Memória operacional – Allan Baddley e Goldman-Rackir – 1996. As
informações ficam on-line, usadas em tarefas de diferentes processos
cognitivos3.
VII. Marcadores somáticos (MS) – Damásio e Bechara – 1994/2000.
Estruturas pré-frontais e seus links subcorticais ativam sensações
corpóreas (viscerais e musculoesqueléticas), que indicam se há risco ou
vantagem, direcionando de forma não consciente o processo de tomada de
decisões (TD). Os MS antecipam as possíveis consequências de uma
06
decisão, atualizando a emoção relacionada aos efeitos de decisões
anteriores semelhantes. Assim, orientam para melhores decisões. O que
não significa dizer que as emoções não possam ser também prejudiciais
ao processo de TD, conduzindo para escolhas ruins. Entretanto, somente
o conhecimento consciente, racional, sem a base emocional, não é
suficiente para fazer decisões vantajosas. Em síntese a TD é tanto racional
como emocional, sendo influenciada ou mesmo conduzida tanto por
processos conscientes como inconscientes3,13,14.
VIII. Modelo dos quatro domínios das funções executivas – Cicerone, Levin,
Malec, Stuss e White, que são: 1) Cognitivas: controlam e dirigem o
comportamento: inibem elementos irrelevantes; selecionam, integram e
manipulam informações; planejam e flexibilizam a cognição e
comportamento; monitoram atitudes; regulam a memória de trabalho e
mecanismos de atenção. 2) Reguladoras do comportamento: regulam o
comportamento quando a análise cognitiva ou os sinais ambientais não
permitem a escolha da resposta adaptativa. 3) Reguladoras da atividade:
inicia e mantem ações com objetivos, bem como processos mentais. 4)
Processos metacognitivos: envolvidos na teoria da mente,
autoconsciência, ajustamento e comportamento social adequado 8.
IX. Modelo de 3 componentes – vários autores. Inclui o controle inibitório, a
memória de trabalho e a flexibilidade mental, os quais, funcionando em
conjunto, permitem o autocontrole, a atenção seletiva e sustentada, a
manipulação e relação mental de ideias (velhas e novas), a mudança
adaptativa de perspectivas8.
X. Funções executivas quentes e frias – vários autores1,3. Quentes:
relacionadas ao processamento emocional e motivacional, incluindo
processo de tomada de decisão (análise de custo benefício baseada na
história e interpretação pessoal), cognição social e teoria da mente.
Guardam maior relação com o córtex pré-frontal orbitofrontal (circuitos
frontoestriatais e predomínio da atividade pré-frontal orbitofrontal). Frias:
(lógica e abstração) relacionadas a processos cognitivos, como
categorização, flexibilidade cognitiva fluência verbal, mas relacionadas ao
córtex pré-frontal dorsolateral (circuitos frontoestriatais e predomínio da
atividade pré-frontal dorsolateral).

07
2.2 Em busca de uma síntese

Como não há consenso sobre o que são as funções executivas e que


elementos as constituem, passemos a buscar uma síntese arbitrária dos modelos
comentados.
Processamento consciente versus não consciente – as funções
executivas parecem estar mais relacionadas aos comportamentos controlados e
conscientes do que aqueles automáticos e não conscientes, no entanto,
estudos atuais sugerem que mesmo os comportamentos mais controlados e
conscientes podem receber influência não consciente, automática, por exemplo a
tomada de decisão, ligada às funções executivas3,13,14. Aliás, uma nova teoria do
inconsciente vem adicionar mais polêmica a essa questão, sugerindo que, ao
contrário do que percebemos e do se pensava até bem pouco tempo, nossa forma
básica de funcionar é não consciente19,20.
Funções executivas ou função executiva: o general iludido – é possível
pensar que as funções executivas supervisionam outras funções cognitivas,
porém há pouca evidência de que existe uma função executiva, um supervisor,
regente da orquestra ou general. Vários processos interagem entre si e produzem
a supervisão, controle e adaptação do comportamento ligado às funções
executivas2,19,20.
Cognição-razão-fria versus afeto-emoção-quente – a dicotomia entre
processos cognitivos e afetivos permanece apesar da forte evidência de que
processos emocionais modulam e afetam continuamente processos mais
racionais ou cognitivos. Autores propõem modelos que frequentemente excluem
elementos afetivos das funções executivas, no entanto o estudo das estruturas
neurobiológicas a elas relacionadas evidencia claramente a participação crucial
de estruturas subcorticais relacionadas às emoções, sugerindo que o modelo das
funções executivas só será completo se incluir tanto aquelas ditas frias como
aquelas denominadas quentes1,3,13,14,19,20.
Elementos das funções executivas – também pouco consenso existe, no
entanto aqueles que são mais considerados incluem: 1) planejamento e solução
de problemas; 2) controle inibitório; 3) tomada de decisão; 4) flexibilidade
cognitiva; 5) memória operacional / trabalho; 6) categorização; 7) fluência verbal
e comportamental. O elemento 8) atenção por vezes aparece constituindo as
funções executivas, como nas redes atencionais ou atenção seletiva e controle

08
inibitório1,11. Mas, para outros autores, aparece como elemento distinto,
relacionado as funções executivas mas não fazendo parte delas 3,8.

TEMA 3 – NEUROBIOLOGIA DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS

As regiões frontais (córtex pré-frontal) têm sido relacionadas às funções


executivas, porém pacientes sem lesões nessas regiões mostram disfunções
executivas. Além disso, sujeitos com leões no tálamo apresentam essas
disfunções (demências degenerativas, comportamento antissocial, dislexia e
alterações do envelhecimento). O córtex frontal é uma região altamente
conectada, tanto com outras regiões corticais como subcorticais, dificultando os
estudos das funções executivas nas várias patologias neurológicas e transtornos
psiquiátricos2.
Sintomas x circuitos frontoestriais: “Conexões entre o [giro] cíngulo
anterior e estruturas subcorticais, quando comprometidas, geralmente
acarretam em manifestações comportamentais como apatia, desmotivação,
dificuldades no controle atencional e desinibição de respostas instintivas” 3,9.95.
Disfunções no córtex pré-frontal dorsolateral, gera dificuldades
cognitivas para elaborar metas, planejamento e solução de problemas, também
na memória operacional, monitoramento da aprendizagem e atenção, e ainda nos
processos de flexibilidade cognitiva, abstração e julgamento. Em complemento,
disfunções no córtex pré-frontal orbitofrontal produz alterações marcantes na
personalidade e comportamento. Necessidades imediatas e comportamentos
socialmente impróprios não conseguem ser inibidos, afetando a tomada de
decisão voltadas à benefícios futuros3. A Figura 1 mostra as duas regiões
comentadas.

09
Figura 1 – Córtex pré-frontal orbitofrontal e dorsolateral

Como pode ser visto, as regiões pré-frontais são de extrema importância


para as funções executivas. Elas mantêm ampla conexão com outras estruturas
corticais e ainda com regiões subcorticais, sendo afetadas e afetando
praticamente todo o sistema cerebral. Daí depreende-se a complexidade dessas
estruturas e, assim, pode-se dizer que sejam as mais importantes do ponto de
vista evolutivo humano. As regiões pré-frontais se desenvolveram gradativamente
ao longo da evolução animal, e são mais desenvolvidas nos seres humanos do
que em relação a outros mamíferos. De fato, são as estruturas mais novas na
evolução filogenética. Também são aquelas que mais demoram para amadurecer
na criança, que continuam a se desenvolver até o final da adolescência e estarão
plenas não antes do início da vida adulta. Por exemplo, os bebês se limitam a
reagir aos estímulos imediatos. No primeiro ano de vida conseguem ignorar
alguns estímulos irrelevantes. Aos três anos desenvolvem a noção de tempo e já
conseguem planejar e flexibilizar estratégias. Terão essas habilidades
aperfeiçoadas por volta dos sete anos de idade. O córtex pré-frontal continua a
amadurecer até o final da adolescência, através da ramificação de dendritos e a
formação e eliminação de sinapses. Por fim, o importante processo da
mielinização dos axônios prossegue até a segunda década de vida1,21.

TEMA 4 – AVALIAÇÃO OU EXAME NEUROPSICOLÓGICO

Como as funções executivas são cruciais no processo de aprendizagem,


suas disfunções, sejam de bases neurológica ou ambientais, precisam ser

010
avaliadas, para que intervenções possam corrigi-las. As dificuldades de avaliação
são imensas, dada a complexidade do que se avalia, a imaturidade do
conhecimento teórico sobre as funções executivas e ainda, em fases mais tenras,
como na idade pré-escolar ou na infância, há uma multiplicidade de variáveis
intervenientes, como o grau de maturidade neurológica, a variabilidade típica
dessas fases e a forte influência psicossocial, que inclui processos educativos
inapropriados ou ineficazes. Informações adicionais podem ser obtidas nas
seguintes referências 1, 3, 4, 6, 7, 8, 10 e 11, listadas ao final do texto.
Pode-se afirmar que o exame ou avaliação neuropsicológica baseia-se em
três elementos: a) entrevista clínica, b) avaliação comportamental/funcional e c)
as escalas ou testes neuropsicológicos (4).

Figura 2 – Esquema para realização de um exame neuropsicológico

Os dois primeiros elementos devem dar suporte ao levantamento de uma


hipótese, a qual será testada pelos testes neuropsicológicos, conforme mostra o
modelo4,p.31:

4.1 Entrevista clínica

A entrevista é uma forma de avaliar indiretamente as funções executivas.


Para que seja bem-sucedida, é necessário: a) o conhecimento dos diferentes
processos cognitivos relacionados às funções executivas; b) a compreensão da
variação das funções executivas no ciclo vital; c) conhecimentos sobre as relações
entre os sintomas desexecutivos de circuitos frontoestriatais; d) escolher
informantes que forneçam dados longitudinais para se poder avaliar os sintomas
ao longo do tempo, em particular quando foram adquiridos (ex. acidente vascular

011
encefálico e traumatismo craniano encefálico) e e) avaliação da relação dos
sintomas e os diferentes contextos onde se manifestam bem como o impacto dos
mesmos sobre a vida do paciente3, p.96-97.
É importante que a entrevista seja desenvolvida com o paciente e seus
familiares em conjunto. Ela também permite a observação do comportamento do
paciente na sala de espera do consultório. O comportamento não verbal do
paciente precisa ser considerado seriamente, visto que pode mostrar situações
importantes, não verbalizadas4,5,10,12. Várias questões precisam ser consideradas
na entrevista, conforme pode ser visto em Malloy-Diniz e colaboradores4, p.55-58.
Durante a entrevista alguns aspectos precisam ser observados no paciente:
nível de alerta, aparência, habilidades verbais, funcionamento sensorial e motor,
habilidades sociais, nível de ansiedade, padrão da fala, expressão emocional,
conteúdo do pensamento e memória4, p.27.
Informações dessa natureza devem também ser observadas nos familiares
do paciente e em particular na qualidade das suas relações. Conflitos familiares
podem gerar estresse e sintomas desexecutivos. Experiências clínicas sugerem
que 70% de quadros de depressão e demência não tem etiologia degenerativa, e
sim problemas emocionais, ligados a desentendimentos familiares, estresse por
problemas pessoais ou por outra doença. A avaliação nutricional também é
importante, visto que a deficiência vitamínica pode indicar algum problema (ex.
falta de vitamina B12 tem como sintomas de memória, falta de concentração).
Exames hormonais devem também ser considerados. Por exemplo, pacientes
com hipotireoidismo mostraram pior desempenho na flexibilidade cognitiva e na
capacidade de manter atenção sustentada.

4.2 Observação do funcionamento executivo (avaliação funcional)

Tão importante quanto a entrevista é a avaliação/observação funcional das


funções executivas em diferentes contextos (validade ecológica para os testes).
Para facilitar essa observação, Malloy-Diniz e colegas apresentam um modelo
clínico de 6 elementos, que deve ser consultado3, p.101-102.
Avaliação/observação funcional deve incluir situações da vida real, nos
contextos em que ocorrem, visto conferir à avaliação neuropsicológica maior
validade ecológica e, ainda, indicar áreas que precisam de maior exploração por
meio de testes neuropsicológicos. Para que seja observado o desempenho do
paciente, a tarefa a ser escolhida precisa ter um grau adequado à sua realidade,

012
incluindo inteligência, idade e gênero. Para facilitar essa avaliação, um modelo de
sete elementos foi proposto por Malloy-Diniz3, p.103, apresentando os componentes
a serem avaliados, suas definições e questionamentos a serem feitos ao paciente.

4.3 Testes neuropsicológicos das funções executivas (baterias formais)

Existem várias baterias específicas para avaliar as funções executivas, no


entanto, elas não foram validadas para o contexto nacional. Citamos, a seguir,
BADS, a qual está em estudo para ser aprovada pelo Conselho Federal de
Psicologia – CFP e o NEUPSILIN.
BADS – Avaliação comportamental da síndrome desexecutiva – traduzida
para o português por Ricardo O. Souza e Sergio L Schmidt, avalia vários aspectos
das funções executivas (planejamento solução de problemas controle inibitório e
flexibilidade cognitiva) por meio de tarefas semelhantes àquelas do dia a dia. É
composta por seis tarefas neuropsicológicas e por uma escala de avaliação de
sintomas de desexecutivos, a qual é preenchida pelo paciente e por alguém
próximo a ele. Pode ser utilizada em pessoas entre 16 e 87 anos, também
existindo uma versão para crianças e adolescentes (BADS-C). A versão brasileira
está sendo pesquisada em populações de idosos, não tendo sido ainda aprovada
pelo CFP1,15,16.
NEUPSILIN & NEUPSILIN-inf – trata-se de teste novo, comercializado pela
editora Vetor, que avalia os seguintes processos cognitivos: orientação
temporoespacial, atenção concentrada, percepção visual, cinco sistemas de
memória (trabalho, verbal, episódica-semântica, visual e prospectiva), habilidades
aritméticas, componentes de linguagem oral e escrita (linguagem automática,
nomeação, repetição, compreensão oral e escrita, leitura, escrita copiada,
espontânea e ditada), praxias, funções executivas (resolução de problemas e
fluência). Ele foi construído para ser um instrumento neuropsicológico de breve
aplicação, com dois focos: 1) a avalição neuropsicológica breve de populações
neurológicas e 2) criar um perfil neuropsicológico de indivíduos de 12 a 90 anos,
de no mínimo 1 ano de estudo.

TEMA 5 – FUNÇÕES EXECUTIVAS, TESTES PARA AVALIÁ-LAS E


APRENDIZAGEM

Passemos a considerar as principais funções executivas e os testes que as


avaliam. Se o avaliador não tiver formação em psicologia ou não estiver
013
trabalhando em equipe interdisciplinar com profissional dessa área, deve escolher
instrumentos não sejam restritos a essa categoria. A maioria dos testes indicados
a seguir não tem essa restrição. Mas, como essa informação é mutável, indicamos
o sítio do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos, onde deve ser consultada.
Após considerarmos os testes, vamos refletir sobre as funções executivas e o
processo de aprendizagem no ensino formal.

5.1 Planejamento e solução de problemas1,3

Planejamento é a capacidade de estabelecer a melhor forma de alcançar


um objetivo (que pode ser um problema definido), considerando a hierarquização
de passos e os instrumentos necessários a realização da meta. Três componentes
são necessários para execução de um plano de ação11,p.153: 1) identificar o objetivo
e desenvolver sub-objetivos; 2) prever as consequências a escolha de
determinado objetivo e 3) determinar quais são os passos necessários para atingir
os sub-objetivos.
Testes: Torre de Londres -TOL3,4,8, Torre de Hanoi2 e Testes de Labirintos1.

5.2 Controle inibitório e impulsividade1,3

Controle inibitório implica inibir respostas prepotentes (aquelas para as


quais o indivíduo tem forte tendência) ou reações a estímulos distratores que
interrompem o curso eficaz de uma ação, bem como interromper respostas que
estejam em curso. Dificuldades nesse item se relacionam com a impulsividade1,3.
A impulsividade tem aspectos cognitivos e comportamentais, ocorrendo
quando: a) há mudanças no curso da ação sem que seja feito um julgamento
consciente prévio; b) ocorrem comportamentos impensados; c) manifesta-se uma
tendência a agir com menor nível de planejamento em comparação a indivíduos
com o mesmo nível intelectual3.
Barratt propõe um modelo tríplice de impulsividade:
a. Impulsividade motora – respostas motoras e irrefletidas e prepotentes.
São o foco principal da avaliação neuropsicológica da impulsividade e do
seu controle inibitório, geralmente medida pelos chamados os erros
preservativos ou pelos erros por resposta a estímulos não alvo.
Testes: CPT-II - Tarefa de performance contínua de Conners1,3.

014
b. Impulsividade atencional – respostas descontextualizadas em decorrência
da falta de controle sobre a atenção – usualmente medida por provas que
requerem o controle e a sustentação da atenção ao longo do tempo.
Testes: CPT-II – Tarefa de performance contínua de Conners1,3 (erros por
omissão). Teste de seleção de cartas do Wisconsin (WCST) – falhas na
manutenção do cenário (seleção de cartas) 3,6. Teste das Trilhas8. Teste de
Stroop de cores e palavras1.
c. Impulsividade por não planejamento – respostas imediatistas sem a
reflexão de suas consequências futuras. Tal impulsividade se relaciona a
tomada de decisão, que se caracteriza pela escolha de uma entre várias
alternativas em situações quem inclui algum nível de risco e incerteza.
Alternativas devem ser avaliadas em seus diversos
elementos, considerando o custo-benefício, ou seja, as consequências de
tal decisão em curto, médio e longo prazo. Também aspectos sociais e
morais devem ser considerados, ou seja, a repercussão da decisão para si
e para as outras pessoas, e ainda, autoconsciência, ou seja, a reflexão
sobre as possibilidades pessoais de arcar com a escolha1,3,6,17.
Teste de jogar a dinheiro Iowa (Iowa Gambling Test – IGT)3,6,17.

5.3 Tomada de decisão1,3

Na tomada de decisão vários processos são utilizados, como memória de


trabalho, flexibilidade cognitiva, controle inibitório e planejamento.
Teste de jogar a dinheiro Iowa (Iowa Gambling Test – IGT)3,6,17.

5.4 Flexibilidade cognitiva1,3,8

Flexibilidade cognitiva é capacidade de mudar o curso as ações ou dos


pensamentos de acordo como as exigências do ambiente 1,3,8.
Teste: Teste de Trilhas – partes A e B8

5.5 Memória operacional ou de trabalho1,3

“Sistema que funciona com capacidade limitada, adaptada a estocar e


também manipular informações permitindo, dessa maneira, a realização de
tarefas cognitivas como o raciocínio, a compreensão, a resolução de problemas
[...]”11, p.148.

015
Media a percepção, a memória de longo prazo e as respostas ao meio
ambiente3.
Modelo cognitivo de Baddley e Hitch – 1974/2003 – composto por um
sistema executivo central que trabalha em conjunto com dois outros sistemas
escravos3, p.105.

Figura 3 – Modelo cognitivo de Baddley Hitch

O executivo central gerencia as informações, controla a atenção, inibe a


influências que distraem da atenção e informações irrelevantes e ainda administra
atividades simultâneas3.
Seus componentes fluidos incluem:

a. alça fonológica – que mantém informações verbais;


b. alça visoespacial – que sustenta informações visuais e espaciais;
c. buffer episódico – que armazena vários tipos de informações, como
aquelas dos outros sistemas e da memória de longo prazo 3.

Testes: Alça fonológica – repetição de dígitos presentes nas escalas


Wechsler de memória, Wechsler de inteligência para crianças [WISC-III] e adultos
[WAIS-III] 3; Alça visoespacial – Blocos de Corsi - medida não verbal1,3; Executivo
central – Trigramas de consoantes de Brown e Peterson, PSAT – teste de adição
de série auditiva1,3.

016
5.6 Categorização1,3

É a organização dos elementos em categorias que tem características e


propriedades estruturadoras em comum. Por exemplo: cão, gato, elefante e
galinha são animais; carro, barco e motocicleta são meios de transporte. No
pensamento concreto, a função de categorização é falha, por exemplo em
processos neurodegenerativos das degenerações frontotemporais e demência de
Alzheimer. Pacientes nessas condições não conseguem agrupar estímulos em
uma categoria mais abrangente, focando-se apenas nas características
particulares1,3.
Testes: WAIS-III tem um bom teste para a capacidade de categorização, o
subteste “semelhanças”, que possui estímulos com graus crescentes de
dificuldade. Teste de seleção de cartas do Wiscosin (WCST). Teste de
identificação de objetos comuns (ou teste das 20 perguntas)1.

5.7 Fluência verbal e comportamental

Capacidade de emitir comportamentos dentro de uma estrutura de regras


específica. Pode ser dividida em um componente verbal, através da produção de
palavras, e um componente não verbal, considerado por meio da produção
gráfica. A análise da fluência deve considerar os erros preservativos (repetições)
e não preservativos (emissão de respostas alheias à categoria ou variações) 3.
Testes: fluência não verbal – cinco pontos (fluência para desenhos);
fluência verbal – FAS7.

5.8 Atenção

Atenção pode ser considerada como:

[...] um sistema complexo de componentes integrantes que permitem ao


indivíduo filtrar informações relevantes em função de determinantes
internos ou intenções, manter e manipular informações mentais além de
monitorar e modular respostas a estímulos. [...] está relacionada com
vários processos básicos, como a seleção sensorial (filtrar, focalizar,
alterar a seleção automaticamente), seleção de respostas (intenção de
responder, iniciação e inibição, controle supervisor), capacidade
atencional (como alerta) e desempenho sustentado (como
vigilância)8,p.39.

Segundo Posner1, três módulos compõem nosso sistema atencional:

1) Alerta / vigília - [...] diz respeito à ativação e à responsividade do


sistema nervoso central a estímulos externos e internos, envolvendo

017
ativação de regiões subcorticais como o tronco encefálico, o tálamo e o
diencéfalo. 2) Orientação / processos atencionais automáticos - [...]
sistema relacionado ao direcionamento do foco atencional diante de
estímulos ambientais. Envolvem a modulação dos recursos sensoriais e
de processamento com relação ao estímulo-alvo, além do uso de
esquemas fortemente consolidados pelo organismo, como a leitura e a
contagem. Esse segundo aspecto da atenção é muito associado as
regiões posteriores do córtex cerebral, sobretudo os lobos occipitais e
parietais. Além disso, esse sistema apresenta também conexões com
regiões dos lobos frontais relacionadas aos movimentos oculares e
manuais e à linguagem expressiva. 3) Atenção executiva / processos
atencionais controlados - [...] envolvem recursos de natureza
executiva, permitindo ao sujeito a mudança voluntária de foco, a
manutenção do tono atencional e a resolução de conflitos atencionais
em situações que demandam inibição, flexibilidade e alternância. [...]
associados as regiões anteriores do sistema nervoso central, incluindo
porções anteriores do giro cíngulo1, p.133-134.

Importante adicionar que a atenção reflexa (relacionada ao alerta/vigília)


é ascendente (definida por estruturas subcorticais), não consciente e involuntária.
Ativada por processos metabólicos, comportamentos instintivos (como a busca de
alimento, proteção e sexo) e pela chegada de estímulos novos do meio exterior,
tudo o que é novo precisa ser avaliado. Já a atenção executiva é descendente
(coordenada por estruturas corticais), voluntária e consciente e que crianças e
idosos tem mais dificuldades em usá-la, em particular na inibição dos estímulos
distraidores21.
A atenção pode também ser considerada a partir de cinco elementos3:

1. Nível de alerta ou ativação, que corresponde ao primeiro módulo de


Posner (alerta/vigília), descrito anteriormente, com dois mecanismos: a)
tônico – regulação interna, fisiológica que coordena o quanto a pessoa
está acordada, alerta, pronta para reagir ao ambiente. Envolve o ciclo sono-
vigília e o nível de vigília, bem como a capacidade de foco. b) fásica– mais
regulada externamente, pelos estímulos ambientais, produz alterações
curtas na capacidade de responder, mobilizando a atenção para focos
internos ou externos.
2. Seletividade – capacidade de focar em um estímulo ou parte dos estímulos
presentes (considerados relevantes), processando-os, mantendo os
irrelevantes suspensos. A seletividade é crucial, visto que somos
bombardeados por uma imensidade de estímulos externos e ainda temos
uma rica vida interna (memórias e pensamentos contínuos).
3. Alternância – permite-nos alternar sucessivamente entre um estímulo ou
conjunto deles e outro(s) ou entre diferentes tipos.
4. Divisão – possibilidade de focar simultaneamente em dois estímulos.

018
5. Sustentação ou atenção controlada – é capacidade de manter um mesmo
padrão de consciência e um mesmo foco da atenção por um tempo
prolongado.
Testes: Testes para fluência verbal fonética (FAS) ou semântica; Teste de
trilhas; Testes de Stroop; CPT-II – Tarefa de performance contínua de Conners;
Tavis-3; Teste de atenção por cancelamento – TAC7,8,19

5.9 Funções executivas e aprendizagem

A primeira reflexão que fazemos é que as funções executivas são cruciais


para a aprendizagem e vice-versa. Uma criança com as funções executivas
desenvolvidas é o aluno ideal para o presente modelo educacional, no entanto,
como essas funções são as mais lentas a serem desenvolvidas e amadurecidas,
é possível que muitas crianças, não supram as expectativas desse modelo e
venham a ter dificuldades de aprendizagem.

De fato, crianças com boa capacidade de autocontrole são capazes de


analisar as exigências da tarefa e escolher os recursos necessários para
solucioná-la, incluindo pedir ajuda a outros indivíduos se necessário, de
forma alcançar seu objetivo [...], e relações têm sido observadas entre
habilidades executivas e desempenho escolar medido em termos de
notas. [...] Por outro lado, há evidências de que crianças com funções
executivas pobres apresentam dificuldades para prestar atenção à aula,
para completar trabalhos, inibir comportamentos impulsivos. É difícil
para tais crianças atender as demandas escolares, o que, por sua vez,
pode produzir nos professores atitudes de raiva e frustração, agravando
ainda mais a tendência de afastamento da criança em relação à escola
e reforçando, na criança, uma autopercepção negativa como estudante8,
p.38.

Como exposto anteriormente, o amadurecimento básico das funções


executivas ocorre por volta dos sete anos de idade, no final da adolescência elas
estarão bem estabelecidas, mas seu ápice não acontecerá antes da segunda
década de vida! Além disso, essas funções somente se desenvolvem na relação
das crianças com o meio ambiente. Daí a importância de um ambiente social bem
estruturado, recaindo sobre a escola e a educação formal grande
responsabilidade, visto que o contexto contemporâneo implica cada vez mais na
ausência dos pais junto às crianças.
Mas estaria à escola respeitando as fases de maturação e contribuindo
para o desenvolvimento das funções executivas?

As atividades escolares são focadas mais na memorização e na


repetição, e acredita-se que o estudante comum desenvolverá por conta
própria a capacidade de planejar o seu tempo, priorizando informações
[...] monitorando o seu progresso e refletindo sobre o seu trabalho.
019
[...] crianças e adolescentes, na maioria das escolas, e mesmo no
ambiente familiar, não estão expostos a estratégias que privilegiam o
desenvolvimento de funções executivas. [...] Se tudo é compulsório, não
se aprende a lidar com a incerteza e adquirir um comportamento flexível.
Se não há desafios e o ambiente é muito confortável, não há estímulo
para mudar para melhor. Se não há tolerância aos erros, não se aprende
a desenvolver as respostas alternativas e inibir as indesejáveis 21, p.94.

Passemos a refletir sobre as diversas funções executivas e o aprendizado.


Um estudante com dificuldades de planejamento e solução de problemas terá
limitação em seu aprendizado. Será que o ensino estimula essas habilidades?
Autonomia (para o planejamento) e criatividade-flexibilidade (necessários a
resolução de problemas) são valorizadas na escola?
Se pensarmos no controle inibitório e impulsividade, não é difícil de
imaginar a sua importância no aprendizado. A disciplina escolar é algo essencial
ao ensino, e costuma ser obtida a partir de regras institucionais que devem ser
seguidas pelos estudantes, sabendo que se não as seguirem serão punidos.
Trata-se de um condicionamento disciplinar, que, se por um lado é necessário a
ordem institucional, por outro, não estimula a autodisciplina, a reflexão sobre as
próprias ações e a inibição de outras.
Algo semelhante ocorre com a tomada de decisão! As escolas recebem
as decisões prontas das instâncias governamentais. Diretores, coordenadores e
professores devem segui-las, têm pouca ou nenhuma autonomia. Se os
professores pouco decidem, o que se dirá dos estudantes. Se aprende a decidir
decidindo e observando as consequências de suas decisões. Mas só é convidado
a tomar decisões quem tem valor! Quem não tem, não decide, apenas segue.
Ainda que, com certas restrições, muitas decisões podem ser partilhadas com os
estudantes, tal como ocorre em países onde a educação alcança seus níveis mais
elevados, por exemplo, o sistema educacional da Finlândia, no qual professores
e alunos decidem o currículo em sala de aula. Tomar decisões de forma
autônoma, interdependente e democrática talvez seja uma das habilidades mais
importantes das funções executivas, porque implica criatividade, flexibilidade
cognitiva, controle inibitório planejamento, e todas as demais funções executivas.
A flexibilidade cognitiva também e importante, visto que adaptação às
mudanças do contexto é essencial a vida e ao desenvolvimento. Mas tal
flexibilidade seria estimulada na escola, ou melhor, existem várias possibilidades
de resolver questões ou apenas uma é a correta? Vários pontos de vista podem
conviver respeitosamente? A escola inclusiva traz vantagens aà flexibilidade

020
cognitiva, visto que aprende e ensina a conviver com a diversidade, com a
pluralidade!
No que se refere à memória operacional ou de trabalho, praticamente
todas as atividades (em especial as escolares) a estimulam, visto que é
necessária para todas elas. A categorização é igualmente valorizada e
estimulada na escola, visto ser essencial a todas as formas de aprendizado. Em
parte, a fluência verbal e comportamental também o são, principalmente a
verbal, em detrimento da não verbal, que é mesmo valorizada, como as produções
gráficas e artísticas.
E o que poderíamos refletir sobre a atenção?
Por favor, preste muita atenção a este item, pois ele é bem importante!
Se você seguir essa sugestão e aumentar seu nível de atenção a este tema,
estará utilizando atenção executiva, aquela que é considerada
predominantemente voluntária e consciente (coordenada de cima para baixo),
ainda que também possa ser afetada por processos motivacionais ou emocionais
não conscientes. Então, à medida que o córtex pré-frontal das crianças vai
amadurecendo, elas se tornam mais capazes de dirigir e sustentar sua atenção
em estímulos relevantes, por meio da seleção e exclusão daqueles irrelevantes.
Em contrapartida, os outros dois níveis de atenção (alerta/vigília e
orientação/processos atencionais automáticos) funcionam de forma automática,
sem a intervenção da consciência. São definidos de baixo para cima, sendo
praticamente controlados por circunstâncias externas, que se constituem nos
métodos e recursos didáticos e o professor em si. Como atenção executiva
depende da maturidade cerebral, até que ela se consolide como a principal fonte
de controle atencional, virá de fora e será definida de forma não voluntária, não
consciente. Então, vemos a necessidade da forma de ensinar ser apropriada
(estímulo ambiental significativo e prazeroso) para atrair e manter a atenção dos
estudantes.
Como ficariam as dificuldades e os transtornos de atenção se tais estímulos
não forem apropriados? Existem transtornos da atenção, mas talvez em número
bem menor que os diagnósticos e/ou avaliações do senso comum sugiram. Nesse
sentido, a avaliação da atenção requer muita atenção, visto que ela é afetada
por muitos fatores, como cansaço, sonolência, uso de substâncias psicoativas e
álcool, humor, ansiedade, motivação, nível de maturação cerebral, entre outros. A
atenção varia ao longo dos dias e até mesmo no mesmo dia. É fortemente afetada
ou depende do interesse e da necessidade em relação a tarefa. Aquelas que
021
geram prazer (ativam o sistema de recompensa) atraem e mantêm a atenção mais
facilmente. Por exemplo, muitas crianças têm excelente atenção para videogames
ou outros jogos digitais, mas não conseguem tê-la para estudar. Isso pode ocorrer
por limitações da própria criança (deficiência atencional) ou a limitações do
método de ensino (dispedagogia), que não atraem e mantêm a atenção da
criança, como sugerem os estudos de neuroeducação3,21,22.
Várias funções cognitivas dependem da atenção e em especial a memória.
Suas disfunções se relacionam com vários transtornos, sendo o mais frequente
deles o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, com prevalência de 5%
em crianças e 4% em adultos. A atenção é frequentemente alterada por lesões
cerebrais, independentemente do local da lesão. Por vezes é o único efeito de
lesões sutis, como nos traumatismos crânio-encefálicos leves e também em
pessoas com disfunções cerebrovasculares e, ainda, naqueles com demências.
Suas alterações estão presentes na esquizofrenia, dislexia e transtornos invasivos
do desenvolvimento3.

FINALIZANDO

Muito bom! Mais uma aventura vai se “finalizando”!


Nela consideramos as funções executivas. Observamos as controvérsias
teóricas que indicam que essa área está ainda em uma fase inicial. Não temos
certeza do que são e quais são as funções executivas e, sobre quais são seus
mecanismos neuropsicológicos. Se são proeminentemente conscientes,
voluntárias e racionais, ou se dependem de processos automáticos, não
conscientes e afetivos, como sugerem alguns estudos. Um modelo que integre as
diferentes abordagens teóricas e experimentais ainda está para ser construído!
Mas sabemos que elas são cruciais ao ensino-aprendizagem. Crianças que
têm essas funções bem desenvolvidas são alunas e alunos ideais ao modelo
escolar formal. São aquelas que, resistindo à tentação de comer imediatamente
um marshmallow, conseguiram aguardar para comer dois e, o mais importante, ao
longo de suas vidas, destacaram-se em vários aspectos, incluindo o acadêmico,
em relação aquelas crianças que não conseguiram inibir seus impulsos. Mas o
que pensar destas, que não tendo suas estruturas neurológicas amadurecidas,
devoraram o marshmallow? São aquelas que vão apresentar dificuldades de
atenção e concentração, que serão inquietas, não conseguirão planejar, executar
e corrigir suas tarefas, e ainda serão inseguras ao decidirem por si mesmas.

022
Enfim, são aquelas com dificuldades ou transtornos de aprendizagem, ou ainda
com disfunções ou transtornos orgânicos precisão dê uma atenção especial.
Parece-nos que a educação ainda não integra em sua teoria e prática uma
forma de incluir essas crianças, de estimulá-las a desenvolver as funções
executivas, que as “tornarão efetivamente humanas”, utilizando ao máximo as
últimas capacidades filogeneticamente desenvolvidas na nossa espécie.
O que você pensa sobre isso? E o que você poderia fazer a esse respeito?

023
REFERÊNCIAS

1. FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed,


2014.
2. HAMDAN, A. C.; PEREIRA, A. P. de A. Avaliação neuropsicológica das
funções executivas: considerações metodológicas. Psicologia: Reflexão &
Critica, v. 22, n. 3, p. 386-394, 2009.
3. MALLOY-DINIZ, L. F. et al. Avaliação neuropsicológica. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
4. MALLOY-DINIZ, L. F. Neuropsicologia: aplicações clínicas. Porto Alegre:
Artmed, 2015.
5. MIOTTO, E. C. et al. (Org.). Neuropsicologia clínica. São Paulo: Rocca,
2012.
6. ORTIZ, K. Z. et al. Avaliação neuropsicológica: panorama interdisciplinar
dos estudos na normatização e validação de instrumentos no Brasil. São
Paulo: Vetor, 2008.
7. SEABRA, A. G.; CAPOVILLA, F. C. Teoria e pesquisa em avaliação
neuropsicológica. São Paulo: Memnon, 2009.
8. SEABRA, A. G.; DIAS, N. M. (Org.). Avaliação neuropsicológica cognitiva:
atenção e funções executivas. São Paulo: Memnon, 2012. v. 1.
9. CAPOVILLA, A. G. S. Desenvolvimento e validação de instrumentos
neuropsicológicos para avaliar funções executivas. Avaliação Psicológica,
v. 5, n. 2, p. 239-241, 2006.
10. HUTZ, C. S. (Org.). Avanços em avaliação psicológica e neuropsicológica
de crianças e adolescentes I. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.
11. HUTZ, C. S. (Org.). Avanços em avaliação psicológica e neuropsicológica
de crianças e adolescentes II. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2012.
12. REPPOLD, C. T.; JOLY, M. C. R. A. Estudos de testes informatizados para
avaliação psicológica. E-Book (PDF). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2011.
13. DAMÁSIO, A. R. Neuroscience and the emergence of neuroeconomics. In:
GLIMCHER, P. W. et al. (Org.). Neuroeconomics: decision making and the
brain. London: Elsevir, 2009. p. 209-213.
14. BECHARA, A.; DAMÁSIO, A. R. The somatic marker hypothesis: A neural
theory of economic decision. Games and Economic Behavior, n. 52, p. 336-
372, 2005.

024
15. ARMENTANO, C. G. D. C. et al. Estudo do desempenho na Bateria de
avaliação comportamental da síndrome disexecutiva (BADS) no espectro
indivíduos saudáveis, comprometimento cognitivo leve e doença de
Alzheimer: estudo preliminar. Dement. neuropsychol, v. 3, n. 2, p. 101-107,
2009.
16. ARMENTANO, C. G. D. C. Estudo do desempenho na Bateria de Avaliação
Comportamental da Síndrome Disexecutiva (BADS) no espectro
indivíduos saudáveis, comprometimento cognitivo leve amnéstico e
doença de Alzheimer. Tese (Doutorado), Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2011.
17. SCHNEIDER, D.; PARENTE, M. A. O desempenho de adultos jovens e
idosos na Iowa Gambling Task (IGT): um estudo sobre a tomada de decisão.
Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 19, n. 3, p. 442-450, 2006.
18. LURIA, A. R. Fundamentos da neuropsicologia. São Paulo: EDUSP, 1981.
19. CALLEGARO, M. M. O novo inconsciente. Porto Alegre: Artmed, 2011.
20. HASSIN, R. R.; ULEMAN, J. S.; BARGH, J. A. (Ed.).The new unconscious.
New York: Oxford University Press, 2005.
21. COSENGA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e Educação. Porto Alegre:
Artmed, 2011.
22. ARANHA, G.; SHOLL-FRANCO, A. Caminhos da Neuroeducação. 2. ed. Rio
de Janeiro: Ciências e Cognição, 2012.

025

Você também pode gostar