Você está na página 1de 19

NEUROPSICOLOGIA

DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS


NEUROPSICOLOGIA
DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS
D enise I nazacki R angel

1ª E dição | 2019
APRESENTANDO O AUTOR
DENISE INAZACKI RANGEL

Graduação em Educação Física e Fonoaudiologia, especialização em


Audição, Neuropsicologia e Educação Especial, mestrado e doutorado em
Educação/Cognição. Atua como docente na graduação, na especialização em
Psicopedagogia, na Sala de Integração e Recursos/Educação Especial e como
Fonoaudióloga no Centro Interdisciplinar Qualifique e Instituto Cognitus.
Exerceu coordenação na graduação e programas de extensão, além de ter
sido pesquisadora em Aprendizagem, Processamento Auditivo, Linguagem,
Neuropsicologia e Educação Especial, nas quais também tem ampla experiência
profissional.

3
SINOPSE

Dentre as diferentes habilidades cognitivas, as funções executivas exercem


vital importância, pois compõem um conjunto de processos cognitivos que
permitem ao indivíduo direcionar comportamentos e metas, avaliar eficiência
e a adequação de estratégias, além de resolver problemas imediatos. Envolve
as habilidades de planejamento, controle inibitório, tomada de decisões,
flexibilidade cognitiva, memória operacional, atenção, categorização,
metacognição, ideação e execução. Este grupo de habilidades cognitivas
estão principalmente indexadas às estruturas pré-frontais do cérebro, sendo
o córtex pré-frontal dorsolateral, o córtex pré-frontal ventromedial, o córtex
pré-frontal orbitofrontal e o córtex anterior cingulado às áreas cerebrais
mais vinculadas às funções executivas. A avaliação das funções executivas é
de fundamental importância em diferentes contextos clínicos, uma vez que
um grande número de transtornos neurológicos e psiquiátricos apresentam
também sintomas disexecutivos. A disfunção executiva tem como sintoma
principal comprometimento da adaptação social, da organização de atividades
da vida diária e do controle emocional.

4
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

1 Cérebro e Comportamento
Este estudo inicia suas reflexões apresentando a abordagem a qual estará
propondo o entendimento deste conhecimento. Neste caso, para entender a
abordagem da disciplina Neuropsicologia das Funções Executivas é importante
sinalizar a construção histórica acerca da compreensão do cérebro nos últimos
séculos e sobre quais áreas do conhecimento há articulações de conceitos.

A aproximação inicial se dá no século XIX, quando os estudos de Darwin e


a reorientação para o funcionalismo ampliaram as pesquisas relacionadas
à Psicofísica, Neurologia e Psicologia. É a partir dessa visão que apareceram
os primeiros conceitos de aspectos perceptuais e localizações das funções
cerebrais com o objetivo de buscar as respostas para o entendimento do
comportamento humano. A partir de então, ampliou-se a preocupação em
esclarecer aspectos corticais, redes neurais e comportamento através da
Neurociência Cognitiva (RANGEL, 2008).

A partir deste contexto, os estudos iniciaram-se pelo entendimento do


comportamento em relação à anatomia e a fisiologia do cérebro e emergiram
estudos e ideias funcionalistas e associacionistas, que evidenciaram
comportamentos relacionados ao hemisfério esquerdo, deixando de lado
as implicações relativas ao hemisfério direito, tais como criatividade, ritmo,
espiritualidade, dentre outros. Surgiu assim a Neuropsicologia, que veio agregar
novos saberes relacionados à Psicologia e à Lingüística, inaugurando-se um
novo campo interteórico e de aplicabilidade (RANGEL, 2008).

Para Cosenza, Fuentes e Malloy-Diniz (2008), Neuropsicologia é um campo de


conhecimento que estabelece relações entre o funcionamento do Sistema Nervoso
Central (SNC) e as funções cognitivas e o comportamento. Traz ainda estudos
específicos quanto às condições normais e patológicas dos comportamentos,
além de traçar objetivos e propor instrumentos para avaliação e tratamento dos
distúrbios cognitivos, apoiando-se nas Neurociências e na Psicologia.

Então, com relação às estruturas, o Sistema Nervoso Central (SNC) apresenta


características funcionais que possibilitam a interação cada vez mais complexa
dos organismos vivos e a adaptação de respostas adaptativas. O tecido
nervoso é constituído por células nervosas, os neurônios, e de células da glia
ou neuroglia, que constitui-se de mais de 100 bilhões com características
enzimáticas e metabólicas próprias. Além disso, o SNC tem a função de
interação desempenhada pela excitabilidade, condutibilidade e secreção,
propagado através das sinapses.

Outra propriedade do sistema nervoso é a neuroplasticidade, que é a


capacidade que as células nervosas possuem para se transformar de modo
permanente ou prolongado, de acordo com a função ou forma, em resposta à
ação do ambiente externo. Segundo Guerra (2008, p.28), é “a propriedade de
reorganização do SN, que é a base dos processos de memória e aprendizagem

5
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

e das estratégias de reabilitação em casos de perda estrutural e/ou funcional


por lesão”.

A formação do sistema nervoso se complementa, principalmente, através do


córtex cerebral que:

“produz e regula as atividades mentais, a exemplo da sensação,


percepção, planejamento de estratégias de comportamento
e motricidade, linguagem, raciocínio lógico-matemático,
atenção, raciocínio abstrato, julgamento crítico, emoções e
memória.” (GUERRA, 2008, p.46).

O córtex cerebral é a camada de substância cinzenta que reveste os hemisférios


cerebrais, com cerca de 20 bilhões de neurônios, ocupando a área de cerca
de 2500 cm², com espessura de 1,5 a 3,0mm. Apresenta-se formando giros e
sulcos, e nele identificam-se grandes regiões, os lobos frontal, parietal, occipital,
temporal e ínsula, conforme a Figura 1.

Figura 1 – Córtex Cerebral

Fonte: Adaptada pelo autor de Wikipedia

Conforme podemos observar na figura, as regiões posteriores do córtex, lobos


occipitais, são especializadas na visão; as regiões laterais, lobos temporais, na
audição; as regiões superiores, lobos parietais (juntamente com os temporais
recebem informações gustativas e olfativas), responsáveis pelo tato e pela
informação proprioceptivo-cinestésica, que são consideradas como as três
áreas de entrada da informação. Já as áreas situadas na parte anterior, isto é,
os lobos frontais, estão relacionadas às funções de planejamento e execução
de comportamentos complexos e à saída da informação via pensamento, fala
e motricidade. (RANGEL, 2008).

Assim, o córtex humano é uma representação de especialistas cooperantes,


que formam o universo das funções cognitivas e levam aos resultados dos
comportamentos humanos, tão particulares.

6
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

2 funções Executivas
O cérebro é um órgão fundamental para a vida das pessoas, pois ele é
o responsável pelo controle que temos sobre nosso comportamento e
autonomia. Para que se estabeleça o comportamento, são necessárias
habilidades inerentes ao funcionamento das funções cognitivas que são
divididas em memória, atenção, linguagem, percepção e funções executivas.
O sistema cognitivo nada mais é do que a relação entre estas funções, desde
os comportamentos mais simples até os de maior complexidade, que exigem
muito mais do nosso cérebro.

Dentre as funções cognitivas, o planejamento e a execução exerce


responsabilidade fundamental em todas as conexões do córtex e funcionam
como compilador das outras diferentes funções e informações agregadas.
Essas funções são responsáveis por exercer influências diretas na regulação
emocional, na coordenação e integração da neurofuncionalidade da
aprendizagem.

Para Malloy-Diniz et al (2010, p.94), as funções executivas são:

um conjunto de processos cognitivos que, de forma integrada,


permitem ao indivíduo direcionar comportamentos e metas,
avaliar eficiência e a adequação desses comportamentos,
abandonar estratégias ineficazes em prol de outras mais
eficientes e, desse modo, resolver problemas imediatos, de
médio e de longo prazo.

Estas funções têm uma importante função para a vida cotidiana dos indivíduos,
pois atua como o facilitador do gerenciamento em relação a outras habilidades
cognitivas. (GOLDBERG, 2001). Em situações em que há o comprometimento
destas funções, é facilmente observável dificuldades e prejuízos em atividades
complexas, sejam elas relacionadas ao trabalho, vida diária e familiar, mesmo
quando há a preservação de outros domínios cognitivos.

As funções executivas integram outros processos cognitivos, tais como


planejamento, controle inibitório, tomada de decisões, flexibilidade cognitiva,
memória operacional, atenção, categorização, metacognição e execução
(SOHLBERG e MATEER, 2001; PIEK et al, 2004; MALLOY-DINIZ et al, 2008). A
integração destes processos fornecem subsídios para a solução de novos
problemas e elaboração e novos conceitos e estratégias, já que permitem
ao indivíduo atuar “desde a formulação de um plano de ação, ao ajuste de tal
comportamento, tornando-o adaptativo às nuances do contexto e permitindo, assim,
que um determinado objetivo seja alcançado” (MALLOY-DINIZ et al, 2010, p.95).

7
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

Segundo Malloy-Diniz et al (2010), estas atividades, tal qual o seu


desenvolvimento, são indispensáveis para uma vida regular e podem se
apresentar como:

Habilidade Descrição

Seleção e sustentação de dados relevantes, evitação de


Atenção distratores. Habilidade para selecionar e concentrar-se
em um estímulo relevante.
Armazenamento, recuperação, manipulação, julgamento
e utilização da informação relevante. A memória
operacional, ou memória de trabalho, está associada
Memória Operacional a um conjunto de processos de armazenamento e
recuperação de informações temporárias, além de,
também, vincular-se à manipulação de dados para
realizar tarefas cognitivas complexas.
Se refere ao processo de escolha de uma opção
dentre várias outras, sendo um processo cognitivo
que envolve análises psicoemocionais de julgamento
Tomada de Decisão
acerca de experiências anteriores, considerando riscos
e implicações para o presente e para o futuro (Bechara,
Damasio, Tranel e Damasio, 1997).
Automonitorização, revisão e supervisão... Refere-se
ao entendimento do próprio conhecimento, além da
Metacognição
avaliação, da regulação e da organização dos próprios
processos cognitivos.
Persistência, esforço, inibição e regulação de tarefas...
Esta habilidade se refere à inibição ou controle de
respostas impulsivas (ou automáticas) que permitem criar
Controle Inibitório
réplicas utilizando a atenção e o raciocínio. Se insere junto
às funções executivas e contribui para a antecipação, o
planejamento (replanejamento) e definição de metas.
Estruturação de uma informação, refletindo a organização
Categorização do conhecimento de uma pessoa sobre determinado
assunto.
Autocrítica, análise de resultados, modificação de
estratégias e direção, resolução e organização para
soluções. A  flexibilidade cognitiva  é a capacidade para
Flexibilidade Cognitiva
adaptar o processo cognitivo a acontecimentos novos,
variáveis e inesperados, promovendo nova conduta ou
comportamento.
Seqüencialização hierarquização, ordenamento,
priorização de tarefas ou comportamentos, visando
Planejamento atingir objetivos e resultados. O planejamento é uma
capacidade cognitiva fundamental que permite antecipar
metas para realizar uma tarefa ou alcançar um objetivo.
Pôr em prática, executar, finalizar. Capacidade de realizar
Execução ação prática do planejamento cognitivo, além de poder
fazer a verificação, retroação e reaferição da atitude.

8
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

Este grupo de habilidades cognitivas está principalmente indexado às estruturas


pré-frontais do cérebro. O córtex pré-frontal dorsolateral, o córtex pré-frontal
ventromedial, o córtex pré-frontal orbitofrontal e o córtex anterior cingulado
são as áreas cerebrais mais vinculadas às funções executivas. Com os avanços
científicos dos últimos anos, podemos obter uma estimativa da integridade
funcional dessas estruturas, avaliando as funções executivas. As funções
executivas podem ser treinadas e melhoradas com a prática e o treinamento
cognitivo.

A seguir, na Figura 2, seguem as estruturas principais relacionadas às funções


executivas e sua localização.

FIGURA 2 Lobo Frontal - estruturas envolvidas nas funções executivas

Fonte: Thescienceofpsychotherapy

O córtex pré-frontal é a parte do cérebro que fica diretamente atrás dos


olhos e da testa. Mais do que qualquer outra parte do cérebro, essa
área determina nossa personalidade, nossos objetivos e nossos valores.
Quando temos uma meta de longo prazo, por exemplo, que estamos
buscando com uma ação congruente com valor, mantemos uma
representação neural dessa meta para não ser distraído ou influenciado
por metas concorrentes ou valores alternativos.

O córtex pré-frontal cobre a parte frontal do lobo frontal e está implicada


no planejamento de comportamento cognitivos complexos, expressão
da personalidade, tomada de decisão e moderação do comportamento
social. A atividade básica é a orquestração dos pensamentos e ações
de acordo com objetivos propostos. O termo psicológico mais típico
para funções desempenhadas pela área do córtex pré-frontal é função
executiva.

O córtex frontal suporta o aprendizado de regras concretas, enquanto


as regiões anteriores ao longo do eixo rostro-caudal do córtex frontal

9
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

suportam o aprendizado de regras em níveis mais altos de abstração.


Estas especificidades do córtex frontal foram sendo compreendidas
através de pesquisa e de um marco inicial, como no caso Phineas Gage,
o primeiro a se observar o comportamento após grave lesão.

O CASO PHINEAS GAGE

Em setembro de 1848, a vida de Phineas Gage mudou totalmente depois


de um terrível acidente. Naquela época, seu trabalho era explodir rochas,
para permitir a passagem dos trilhos do trem, colocando pólvora e areia
em um buraco perfurado na rocha com a ajuda de uma barra de ferro

Quando o trabalhador empurrou a barra de ferro para compactar a


pólvora dentro da rocha, acendeu-se uma faísca que detonou a pólvora,
explodindo a poucos centímetros do rosto do jovem. Como resultado, a
barra de ferro, de um metro de comprimento e cerca de três centímetros
de diâmetro, atravessou a cabeça de Phineas, que caiu a mais de 20 metros
de onde estava.

Incrivelmente o trabalhador Phineas Gage não morreu, ele recuperou a


consciência alguns minutos depois com um buraco em diagonal de um
lado do rosto até o topo da cabeça, logo acima da testa. Grande parte dos
lóbulos frontais do cérebro haviam sido removidos. No entanto, Phineas
Gage não só sobreviveu à experiência, como foi capaz de recuperar a maior
parte de suas habilidades mentais, entrando para a história como um dos
casos mais estudados nas áreas de psicologia e da medicina.

Quase tudo o que sabemos sobre Phineas Gage foi documentado pelo Dr.
Harlow, o médico que o tratou. Este profissional da saúde ficou fortemente
impressionado com o fato de que Gage estava completamente consciente
e era capaz de falar no momento em que entrou em seu consultório.
Depois de apenas alguns meses ele ficou ainda mais surpreso com a rápida
recuperação de Gage, mesmo depois de ter passado por alguns episódios
de febre e delírio.

10
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

Assim, após 10 semanas, as funções cerebrais de Gage pareciam ter se


recuperado quase que automaticamente, como se os tecidos celulares do
cérebro entendessem que precisariam se reorganizar para compensar a
ausência de vários centímetros cúbicos do lobo frontal. No entanto, outra
coisa também chamou muito a atenção do Dr. Harlow: embora Phineas
não tivesse ficado com significativas deficiências intelectuais e nem de
movimento, sua personalidade parecia ter mudado. Phineas Gage já não
era mais o mesmo.

Quando Gage voltou a trabalhar naquela obra, a pessoa amigável que


todos conheciam havia desaparecido, dando lugar a uma pessoa com um
temperamento ruim, instável, impaciente, grosseiro, incapaz de escutar
qualquer conselho que fosse contrário à sua vontade, que se deixava
influenciar pelos seus próprios desejos e caprichos e que pensava muito
pouco nos outros.

Alguns meses depois, Phineas Gage passou a trabalhar num Museu,


expondo-se ao lado da haste de ferro que perfurou sua cabeça. Nos
anos posteriores, ele viveu no Chile, onde trabalhou como motorista de
carruagens

Hoje, entende-se que as modificações comportamentais de Phineas Gage


estiveram relacionadas a um exemplo de síndrome pré-frontal causada pela
disfunção dos lobos frontais, já que a zona frontal do cérebro tem um papel
importante vinculadas às motivações de projeção do futuro para objetivos
de longo prazo, capacidade de renunciar a recompensas imediatas a fim de
favorecer projetos mais ambiciosos e as consequências que as ações têm
sobre o comportamento das outras pessoas e da sociedade. Pode-se pensar,
então, que o comportamento de Phineas se assemelhava ao de alguém com
personalidade psicopática, que parece mostrar uma dinâmica de ativação
neuronal nos lobos frontais diferentes do esperado.

11
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

3 Disfunção Executiva
A disfunção executiva tem como sintoma principal um importante
comprometimento funcional sócio-ocupacional que produz efeitos significativos
de problemas de adaptação social, desorganização de atividades da vida diária
e descontrole emocional. (MALLLOY-DINIZ et al, 2010).

É frequentemente verificado comprometimento dos circuitos pré-frontais,


apresentando maiores acometimentos de acordo com o maior nível de alteração
neurofuncional. É verificada modificação de comportamento conforme lesões
em circuitos frontais específicos, apresentados na Tabela 1 (MALLLOY-DINIZ et
al, 2010, p. 95):

Quadro 1 – Manifestações disfunção executiva

Circuito frontal específico Manifestação comportamental

Apatia, desmotivação, dificuldade


Cíngulo anterior e estruturas
atencional e desinibição para respostas
subcorticais
instintivas

Dificuldades cognitivas de estabelecimento


de metas, planejamento e solução de
Pré-frontal dorsolateral problemas, memória operacional, atenção,
monitoração da aprendizagem, flexibilidade
cognitiva, julgamento

Alterações abruptas de personalidade, de


Pré-frontal orbitofrontais comportamento, de inibição de respostas
impróprias
Fonte: MALLLOY-DINIZ et al, 2010, p. 95.

A disfunção executiva é a principal causa de incapacidade em distúrbios


neuropsiquiátricos, pois há dificuldade no planejamento e execução de ações,
bem como na inibição de comportamentos inadequados socialmente. Em
especial, as alterações relacionadas à memória (verificados nas demências,
tal como a Doença de Alzheimer) causam uma desorganização indireta do
comportamento ligado a metas. Além disto, os pacientes podem apresentar
desorientação espacial e se tornarem agressivos ou inapropriados sexualmente.

A disfunção executiva aparece também nos casos de


Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade justamente
em manifestações de comprometimento que envolvem a vida
social, familiar, afetiva, conjugal, acadêmica e profissional
(Kessler et al., 2006) e, portanto, algumas dificuldades
cognitivas podem estar relacionadas às funções executivas
(Barkley, 1997). (Saboya et al, 2007, p. 31).

12
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

Mesmo que a presença de déficits de funções executivas já tenha sido


comprovada em indivíduos com TDAH, tais déficits não são necessários nem
suficientes para se estabelecer o transtorno (Willcutt et al., 2005). Para Nigg
et al., 2005 apud Saboya et al, 2007, p.31, no entanto, é importante salientar
que “o comprometimento funcional é mais grave em portadores de TDAH com
disfunção executiva do que naqueles sem disfunção executiva”, empreendendo
ao quadro específico comportamentos como baixo desempenho e queixas
de comportamento na escola, perda de objetos, acidentes e traumas,
freqüentemente reconhecido por avaliadores, familiares, pessoas do convívio
e pelo próprio paciente.

Para Barkley (1997) as disfunções observadas no TDAH se relacionam a


uma alteração central no córtex pré-frontal que compromete a capacidade
adaptativa da função executiva, justamente na capacidade de inibir respostas,
o que explicaria nos vários tipos de manifestações e comprometimentos do
TDAH.

Estudos de Woods et al (2002) compararam adultos com e sem TDAH e verificaram


que os indivíduos com o transtorno apresentaram comprometimentos sutis
em medidas de funções executivas, baixa velocidade de processamento
de informação complexa e déficits atentivos e de aprendizado auditivo-
verbal; estão mais suscetíveis a ter baixa realização acadêmica, menor status
socioeconômico e significativa morbidade funcional (BIEDERMAN et al., 2006).

Segundo Saboya et al. (2007), as características da disfunção executiva no


TDAH frequentemente são:

1. procrastinação – quando o indivíduo tem a característica de postergar


tarefas com carga atentiva maior, principalmente aquelas com
recompensa a longo prazo;

2. alternância de tarefas, por dificuldade de persistência ou necessidade


de variar tarefas, deixando-as incompletas;

3. labilidade motivacional, por necessidade de novidades incessantes,


tem um interesse fugaz;

4. dificuldade de focalização e sustentação da atenção, revelando maior


sensibilidade à distração, com dificuldade para filtrar estímulos
internos e externos;

5. dificuldades de organização e hierarquização, por apresentar problemas


em eleger prioridades;

6. menor velocidade de processamento;

7. manejo deficiente da frustração e da modulação do afeto, apresentando


baixa tolerância e limiar para frustração com baixa auto-estima,
hipersensibilidade a críticas e irritabilidade; (Lopes et al., 2005).

13
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

8. deficiência de memória de trabalho, com dificuldade de manipular


informações verbais e não-verbais em curto espaço de tempo, e
seguimento de seqüências; (Lopes et al., 2005).

9. deficiência de memória prospectiva, gerando esquecimentos de


responsabilidades e objetivos estipulados (Lopes et al., 2005).

Há ainda, outras alterações que estão intimamente comprometidas com as


disfunções executivas, tais como as dificuldades e transtornos da aprendizagem.
Estudos atuais comprovam evidências na relação entre funções executivas,
atenção e desempenho escolar e sugerem que algumas funções cognitivas
possam estar prejudicadas, tais como a atenção, memória de trabalho e
flexibilidade cognitiva. Andrade et al (2016) p. 125 salienta ainda, que:

A aprendizagem e as FE estão relacionadas, pois tais funções


são modeladas por influências educacionais, podendo até
mesmo ser “ensinadas” desde as interações familiares nos
diversos ambientes até as atividades acadêmicas, sociais e de
lazer mais complexas.

Pereira et al (2012) consideram que o desenvolvimento das habilidades


executivas e atencionais predizem, na educação infantil, o sucesso em anos
subsequentes, tanto em controle matemático quanto em leitura. Salientam,
ainda, que as funções executivas podem estar relacionadas a problemas que
levam à evasão escolar. No entanto, há pesquisas mostrando que crianças
que possuem melhores habilidades executivas também apresentam melhor
desempenho escolar.

14
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

4 Avaliação e Intervenção – Funções


Executivas
Diferentes autores tentaram explicar aspectos conceituais e específicos das
funções executivas a partir de “observação das consequências funcionais
dos comprometimentos em circuitos frontoestriatais.” (MALLOY-DINIZ et al,
2010, p. 96). Estes aspectos pontuados nas diferentes teorias auxiliam em
requisitos qualificados para o processo de avaliação das funções executivas
e tais procedimentos necessitam estar alicerçados em modelos teóricos que
servirão de base para a escolha de instrumentos de avaliação e interpretação
dos resultados.

Baseando-se em Chan et al (2007), Malloy-Diniz et al (2010) propôs uma


tabela resumo que apresenta os diferentes modelos teóricos para podermos
conhecer brevemente os pressupostos que explicam as funções cognitivas e
os testes utilizados nas testagens neuropsicológicas que poderão auxiliar o
psicopedagogo na composição dos programas de intervenção a partir dos
resultados. Para o psicopedagogo, é importante compreender a aplicação de
determinados testes e a função da aplicação para desmistificar achados. Os
modelos são apresentados abaixo:

• Modelos das unidades funcionais de Luria (1966) – funções relacionadas


à terceira unidade funcional do cérebro envolvendo funções relacionadas
à automonitoração comportamental. Avaliação – Sequenciação motora
“Palma, Borda e Punho”

• Modelo Sistema Atencional Supervisor (SAS) (Shallice, 1982) – Os


lobos frontais servem de base para o SAS que suporta vários processos
mentais, o qual representam relativa independência funcional. Auxiliam
na definição de metas, geração, seleção e inibição de esquemas, memória
de trabalho, monitoramento, geração espontânea de esquemas,
inibição/rejeição de esquemas, realizações postergadas, entre outros.
Avaliação - Torre de Londres; Teste dos seis elementos da BADS

• Modelo de Sistema Tríplice de controle atencional e executivo (Stuss


e Benson, 1986) – A atenção e as funções executivas são monitoradas
por três sistemas neurais independentes: reticular ativados ascendente,
projeções talâmicas difusas e tálamo-frontal. Enquanto o primeiro está
relacionado à manutenção do tônus atencional e ao estado de alerta, o
último se refere ao controle atencional. Avaliação – Tarefas com soluções
conflitantes – Teste de Stroop, alternância mental – Trail Masking, WCST,
controle e monitoramento da atenção por longos períodos – CPT-II

• Modelo de integração temporal (Fuster, 2008) – Envolve três funções


principais: memória de trabalho, mudança de cenário e controle
inibitório. Avaliação – Stroop Color Word Test; WCST

15
Neuropsicologia das funções executivas| Denise Inazacki Rangel

• Modelo de FE relacionadas à inteligência (Duncan, 1995; 1996;


Sternberg, 1984) – Sistema de suporte para a inteligência fluida.
Avaliação – Teste Matrizes Progressivas de Raven

• Modelo Memória Operacional (Baddeley, 1996; Goldman-Rackic,


1996; Petrides, 2000) – Sistemas que mantém informações online para
que possam ser manipuladas e sirvam de base para a realização de
tarefas envolvendo outros processos cognitivos. Avaliação – Trigramas
de consoantes de Brown e Petterson; Seqüência de números e letras
(WAIS-III)

• Modelo de Marcadores Somáticos (Bechara, 2000; Damasio, 1994) –


A ativação dos circuitos envolvendo a região pré-frontal orbitofrontal
e suas conexões com estruturas subcorticais ativa sensações corporais
que atuam como sinalizadores no processo de tomada de decisões.
Avaliação – Iowa Gambling Task e Child Gambling Task.

A avaliação das funções executivas não deve ser reduzida à


testagem neuropsicológica. Os testes são instrumentos úteis e
contribuem sobremaneira para a identificar de forma objetiva
o grau de comprometimento dos diferentes processos que
compõem as funções executivas. No entanto, a entrevista
clínica, a observação comportamental e as escalas de avaliação
fornecem informações importantes sobre a extensão e o
impacto de tais prejuízos sobre o cotidiano do probando.
(MALLOY-DINIZ, 2010, p. 96).

A avaliação das funções executivas é de fundamental importância em diferentes


contextos clínicos uma vez que um grande número de transtornos neurológicos
e psiquiátricos apresentam também sintomas disexecutivos. O resultado de
uma disfunção executiva pode fornecer informações para estruturação de
rotinas eficazes de tratamento.

A partir dos resultados da avaliação, é necessário delinear o programa de


intervenção que basicamente deve desenvolver as habilidades envolvidas
com as funções executivas que estão em desacordo com o comportamento,
propondo tarefas que se iniciam no âmbito da experiência cognitiva organizada
até a sua aplicação na rotina dos comportamentos diários.

No entanto, o desenvolvimento das funções executivas necessita também


de programas de prevenção, tais como aqueles que são contemplados com
desenvolvimento de habilidades na educação infantil e nos currículos escolares,
a fim de ampliar progressivamente a flexibilidade cognitiva, a memória de
trabalho, a criatividade e a tomada de decisão.

Além disto, tarefas de reflexão e meditação podem auxiliar no controle inibitório


e controle da impulsividade, que podem auxiliar o indivíduo na permanência
de tais atividades para o longo da vida e na manutenção de comportamentos
ajustados em diferentes rotinas.

16
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, M.; CARVALHO, M.; ALVES, R.; CIASCA, S. Desempenho


de escolares em testes de atenção e funções executivas: estudo
comparativo Rev. psicopedag. vol.33 no.101 São Paulo 2016.

BARKLEY, R. A. Behavioral inhibition, sustained attention, and executive


functions: Constructing a unifying theory of ADHD. Psychological Bulletin,
1997. P. 65-94.

BECHARA A, DAMASIO H, TRANEL D, DAMASIO AR. Deciding


advantageously before knowing the advantageous strategy. Science.
Fev, 1997

BIEDERMAN J, PETTY C, FRIED R, FONTANELLA J, DOYLE A, SEIDMAN L et


al. Impact of psychometrically defined deficits of executive functioning
in adults with Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Am J Psychiatry,
163:1730-8, 2006.

CHAN, R.C.; SHUM, D.; TOULOUPOULOU, T., CHEN, E.Y. Assesment of


executive functions: Rewiew of instruments and identification of critical
issues. Archives of Clinical Neuropsychology: The Official Journal of the
National Academy of Neuropsychologists, vol. 2, 2008.

COSENZA, R. M.; FUENTES, D.; MALLOY-DINIZ, L. A evolução das ideias


sobre a relação entre cérebro, comportamento e cognição. In: D. Fuentes;
L. Malloy-Diniz; C. P. Camargo; R. M. Cosenza. Neuropsicologia: teoria e
prática Porto Alegre: Artmed, 2008.

FUENTES, D., MALLOY-DINIZ, L. F., CAMARGO, C. H. P.; COSENZA, R. M.


Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2008.

GOLDBERG, E. O cérebro executivo. Rio de Janeiro: Imago, 2001

GUERRA, L. B. Neurobiologia aplicada à Neuropsicologia. In: FUENTES,


D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2008,
p.20-59.

LIMA, Gercina Categorização como um processo cognitivo Ciência e


Cognição Ciênc. cogn. vol.11 Rio de Janeiro jul. 2007

LOPES, R.M.F. NASCIMENTO, R.F.L. BANDEIRA, D.R. Avaliação do


transtorno de déficit de atenção/hiperatividade em adultos (TDAH):
uma revisão de literatura. Aval Psicol, 2005.

17
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KESSLER, R.C. ADLER ,L. BARKLEY, R. BIEDERMAN, J. CONNERS, C. K.


DEMLER, O. FARAONE, S. V. GREENHILL, L.L. HOWES, M.J. SECNIK, K.
SPENCER, T. USTUN , T.B. WALTERS, E.E. ZASLAVSKY, A. M. The prevalence
and correlates of adult adhd in the united states: results from the
national comorbidity survey replication. Am J Psychiatry. Abril, 2006.

MALLOY-DINIZ, L. F., FUENTES, D., MATTOS, P.; ABREU, N. Avaliação


Neuropsicológica. Porto Alegre: Artmed, 2010.

NIGG, J.T. STAVRO, G. ETTENHOFFER, M. HAMBRICK, D. Z. MILLER, T.


HENDERSON, J.M. Executive Functions and ADHD in Adults: Evidence
for Selective Effects on ADHD Symptom Domains. J Abnormal Psychology,
2005.

PEREIRA, A. P. P. LEÓN, C. B. R. DIAS, N.M. SEABRA, A. G. Avaliação de


crianças pré-escolares: relação entre testes de funções executivas e
indicadores de desatenção e hiperatividade. Rev Psicopedagogia. 2012.

PIEK, JP. DYCK, MJ. NIEMAN, A. ANDERSON, M. HAY, D. SMITH, LM. MCCOY,
M. HALLMAYER, J. The relationship between motor coordination,
executive functioning and attention in school aged children Arch Clin
Neuropsychol. Dez, 2004.

RANGEL, D. I. Estratégias Educacionais como ação mediadora:


associação entre distúrbio do processamento auditivo e transtorno
do déficit de atenção/hiperatividade. 2008. 167 f. Tese (Doutorado)
- Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.

SABOYA, E. SARAIVA, D. PALMINI, A. LIMA, P. COUTINHO, G. Disfunção


executiva como uma medida de funcionalidade em adultos com TDAH.
J. bras. psiquiatr. vol.56, suppl.1, 2007, p.30-33.

SOHLBERG, M. M.; MATEER, C. A. Cognitive rehabilitation: An integrative


neuropsychological approach. New York, NY, US: Guilford Press, 2001

WILLCUTT EG, DOYLE AE, NIGG JT, FARAONE SV, PENNINGTON BF.
Validity of the executive theory of ADHD: a meta-analytic review. Biol
Psychiatry, 2005.

WOODS P, LOVEJOY DW, BALL JD. Neuropsychological characteristics


of adults with ADHD: A comprehensive review of initial studies. Clin
Neuropsychol, 2002.

18

Você também pode gostar