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ARTE E PROCESSO DE

CRIAÇÃO

BELO HORIZONTE / MG
SUMÁRIO

1 PRINCIPAIS ABORDAGENS DA ARTE ..................................................... 4

1.1 Cultura e Arte .................................................................................................... 5


1.2 Funções da Arte ................................................................................................ 6

1.2.1 Função pragmática ou utilitária ...................................................................... 6


1.2.2 Função naturalista .......................................................................................... 7
1.2.3 Função formalista ........................................................................................... 7
1.2.4 Função Interativa............................................................................................ 9

2 O PROCESSO DE CRIAÇÃO ................................................................... 10

2.1 O percurso do artista na construção do projeto artístico ................................. 11


2.2 O produto criativo ............................................................................................ 13
2.3 A pessoa criativa ............................................................................................. 14
2.4 Ideias correntes ............................................................................................... 15
2.5 Componentes do processo criativo ................................................................. 17

3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO .. 18

3.1 Freud (1856 – 1939) ........................................................................................ 21


3.2 Lacan (1901 – 1981) ....................................................................................... 23
3.3 Platão (427-347 a.C.) ...................................................................................... 25
3.4 Aristóteles (384 – 322 a.C.) ............................................................................. 26

4 PERCORRENDO OS PROCESSOS DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA ............. 28

4.1 O processo de criação artística e a constituição da cultura ............................. 28


4.2 Documentos de processo ................................................................................ 30
4.3 Movimento permanente ................................................................................... 31
4.4 Tendências de processo ................................................................................. 32
4.5 Acaso .............................................................................................................. 33
4.6 Produção de conhecimento ............................................................................. 34
4.7 Poética ............................................................................................................ 35
4.8 Ação, pensamento, sensação ......................................................................... 35
4.9 Instrumentos e recursos .................................................................................. 36
4.10 Conhecimento da matéria ............................................................................ 37
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

5 A INFLUÊNCIA DO USO DE MÉTODOS NO PROCESSO DE CRIAÇÃO


38

5.1 Criatividade ..................................................................................................... 38


5.2 Invenção e Inovação ....................................................................................... 40
5.3 Imaginação no processo artístico .................................................................... 41

6 PROCESSOS DE CRIAÇÃO E ESTUDOS GENÉTICOS ........................ 42

6.1 Referências do processo criativo..................................................................... 45


6.2 Aspectos Formativos das Redes de Criação ................................................... 46

7 AS ETAPAS DO PROCESSO CRIATIVO PROPOSTAS POR WALLAS . 46


8 PREPARAÇÃO ......................................................................................... 47

8.1 Incubação ........................................................................................................ 48


8.2 Iluminação ....................................................................................................... 48
8.3 Verificação ....................................................................................................... 49

9 O PROCESSO CRIATIVO NA CONTEMPORANEIDADE ........................ 50

9.1 Historicidade e Contemporaneidade ............................................................... 51


9.2 Barroco ............................................................................................................ 54
9.3 Mudanças ........................................................................................................ 56
9.4 Conhecimentos e habilidades do ser criativo .................................................. 58

10 O PROCESSO DE CRIAÇÃO COMO FERRAMENTA DE ENSINO ..... 58

10.1 Preparação e imaginação ............................................................................ 58


10.2 Processo criativo do docente ....................................................................... 60
10.3 Linguagens artísticas ................................................................................... 62

10.3.1 Linguagem musical ................................................................................... 62


10.3.2 Linguagem Teatral .................................................................................... 62
10.3.3 Linguagem Visual...................................................................................... 62
10.3.4 Linguagem da dança................................................................................. 63

11 EDUCAÇÃO EM ARTE.......................................................................... 63
12 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ........................................................................ 66

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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

1 PRINCIPAIS ABORDAGENS DA ARTE1

A história da arte está diretamente ligada à própria história da humanidade,


quando esta proporciona ao homem um enriquecimento de suas experiências, uma
forma de fantasiar acerca dos aspectos mais corriqueiros e cotidianos, e de estimular
a vida de outros por meio das características e singularidades presentes em uma obra
desenvolvida, o que faz com que a arte seja uma ferramenta indispensável para a vida
dos homens.
Diversos são os estudos existentes que tentam definir o que seria arte. No
entanto, ao se analisar as diferentes concepções acerca de sua natureza, percebe-se
a dificuldade desta tarefa, frente à manifestação de intermináveis conceitos,
comumente antagônicos, contraditórios e divergentes entre si, fazendo com que
muitos entendam que a natureza da arte seria incompatível com o engessamento de
uma definição. Nesse sentido, a arte, necessariamente, deveria ter significados
fluidos, flexíveis, mutáveis, pois apenas estes seriam condizentes com a sua natureza
sempre tão maleável.

Figura 1Fonte: magnusmundi.com

Interessante que essa inexistência de unicidade de pensamento não aparenta


corresponder a um grande empecilho para que a população de forma geral consiga
reconhecer certos trabalhos realizados pelo homem como obras de arte, mesmo sem
possuir uma definição precisa do que esta corresponde. A maioria da população é

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Extraído do artigo http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=d736bb10d83a904a
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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

capaz de afirmar que a Nona Sinfonia de Beethoven, o teto da Capela Sistina de


Michelangelo, a Monalisa de Da Vinci, correspondem a exemplos de obra de arte.
Nesse sentido, resta claro que a arte possui limites imprecisos, não existindo
um posicionamento firme, um “estatuto da arte”, que defina precisamente sua
natureza e sobre quais objetos ela se faz presente.
Para D’Arcy Hayman (1975, p. 19) a arte deve ser definida como uma
experiência que, necessariamente, precisa ser compartilhada, sendo a forma pela
qual o homem demonstra seus ideais e sentimentos, o que faz com que a arte seja “a
própria essência de tudo que é humano e como tal dá forma à experiência do homem
e às metas traçadas por ele”.

1.1 Cultura e Arte

Arte e cultura são expressões que, não raras vezes, possuem suas definições
confundidas entre si, equivocadamente tendendo a ser entendidas como sinônimas,
portadoras de uma mesma concepção. Para que se possa romper essa perspectiva
limitadora, deve-se invadir novos caminhos de estudos humanísticos e antropológicos,
permitindo alcançar uma distinta visão de arte, não mais como sinônimo de cultura,
mas como parte integrante desta.
Para a visão intelectual dos antropólogos, a cultura seria um gênero, um todo
que englobaria os modos de pensar, valores morais, religiosos, sistemas de símbolos,
incluindo a língua, a estética e as artes. Portanto, os antropologistas defendem uma
visão de universalidade da cultura, pautada na ideia de que onde existir sociedade
humana, existirão expressões culturais. Eles entendem que a arte se encontra
englobada pela cultura, sendo um de seus aspectos, porém não o único. No entanto,
os sociólogos tendem a questionar essa visão antropológica da arte e cultura que
somente se destinaria para sociedades simples, homogêneas. Para sociedades
complexas, como no caso das sociedades modernas, essas seriam mais amplas,
pautadas na heterogeneidade, nas diferentes tradições, visões de mundo e distintas
subculturas, coexistindo ao mesmo tempo apesar de seu antagonismo.
Logo, ainda não existe um posicionamento claro de quais seriam os limites das
fronteiras conceituais existentes entre arte e cultura, que pudesse ser aplicado em
todas as distintas formas de sociedade, das mais simples e homogêneas, até as mais
avançadas e heterogêneas.

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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Assim sendo, é de se reiterar a presença de tão variados enfoques acerca


da entrelaçada relação existente entre arte e cultura, manifestando-se correntes de
pensamento que prestigiam aspectos distintos acerca dos domínios e da totalidade
de cada expressão, inexistindo uma compreensão universal quanto aos pontos de
variedade e integração presentes nas concepções de arte e cultura.

Figura 2Fonte: eduardokobra.com

1.2 Funções da Arte2

Ao longo da história da arte podemos distinguir quatro funções principais para


a arte – a pragmática ou utilitária, a naturalista, a formalista e a interativa. A seguir,
veremos brevemente cada uma delas.

1.2.1 Função pragmática ou utilitária

A arte serve como meio para se alcançar um fim não artístico, não sendo
valorizada por si mesma, mas pela sua finalidade. Segundo este ponto de vista a arte
pode estar a serviço para finalidades pedagógicas, religiosas, políticas ou sociais. Não
interessa aqui se a obra tem ou não qualidade estética, mas se a obra cumpre seu
papel moral de atingir a finalidade a que ela se prestou. Uma cultura pode ser
chamada pragmática quando o comportamento, a produção intelectual ou artística de
um povo é determinada por sua utilidade.

2
Extraído do artigo
http://www.imagetica.net/downloads/APOSTILA_DE_ARTE_ARTES_VISUAIS_2014.pdf
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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

1.2.2 Função naturalista

O que interessa é a representação da realidade ou da imaginação o mais


natural possível para que o conteúdo possa ser identificado e compreendido pelo
observador. A obra de arte naturalista mostra uma realidade que está fora dela
retratando objetos, pessoas ou lugares.
Para a função naturalista o que importa é a correta representação (perfeição
da técnica) para que possamos reconhecer a imagem retratada; a qualidade de
representar o assunto por inteiro; e o vigor, isto é, o poder de transmitir de maneira
convincente o assunto para o observador. Esta função da arte está ligada intimamente
com o avanço da ciência e tecnologia, na descoberta de novos materiais e invenção
de novas técnicas que podem ser utilizadas na representação de um objeto artístico
o mais próximo da realidade.
Nesta função a arte é vista como trabalho de expressão e mostra que, desde
que surgiu foi inseparável da ciência e da técnica. Assim, por exemplo, a escultura
grega teria sido impossível sem a geometria; a pintura da Renascença é
incompreensível sem a matemática e a teoria da harmonia e proporções.

Figura 3Fonte: christies.com

1.2.3 Função formalista

Atribui maior qualidade na forma de apresentação da obra preocupando-se


com seus significados, valores e motivos estéticos. A função formalista trabalha com

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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

os princípios que determinam a organização da imagem – os elementos e a


composição da imagem. Com o formalismo nas obras, o estudo e entendimento da
arte passaram a ter um caráter menos ligado às duas funções anteriores importando-
se mais em transmitir e expressar ideias e emoções através de objetos artísticos.
Esta função baseia-se que a obra deve sustentar-se por si mesma e que o juízo
da arte pode ser isolado de outras considerações tais como as éticas e sociais. Foi só
a partir do séc. XX que a função formalista predominou nas produções artísticas
através da arte moderna, com novas propostas de criação. Na discussão da relação
entre arte e sociedade existem duas concepções opostas que surgiram da função
formalista – uma que afirma que a arte só é arte se for pura, isto é, se não estiver
preocupada com as circunstâncias históricas, sociais econômicas e políticas – a “arte
pela arte” – em que a perfeição da forma que conta e não o conteúdo da obra. E outra
concepção que afirma que o valor da obra de arte decorre de seu compromisso crítico
diante das circunstâncias presentes.

Figura 4Fonte: artecomoarte.wordpress.com

Trata-se da “arte engajada” na qual o artista toma posição diante de sua


sociedade. Luta para transformá-la e melhorá-la, e para conscientizar as pessoas
sobre as injustiças e opressões do presente. A “mensagem”, segundo essa
concepção, é o que conta mesmo que a forma da obra seja precária, descuidada,
repetitiva e sem força inovadora.

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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

No entanto, podemos dizer que uma obra de arte é grande e duradoura quando
nela a perfeição da forma e a riqueza de seu conteúdo são inseparáveis, estão
articuladas numa unidade harmoniosa que a constitui como única.

1.2.4 Função Interativa

Já na metade do séc. XX muitos artistas de vanguarda questionavam os


motivos e valores estéticos produzidos em suas obras e, com o advento das
tecnologias de comunicação em massa, as facilidades em obtenção de materiais e o
avanço tecnológico de produção, fez com que os criadores repensassem seu papel
na sociedade e a maneira de como o observador não fosse um expectador passivo,
mas sim participante e integrante da arte, em algumas vezes tornando-se até mesmo
colaborador criativo e ativo.
Obras que exigem do observador a sua manipulação manual, o seu
posicionamento corporal espacial, a interferência gestual ou a simples presença física
para despertar o gatilho estético da obra de arte faz com que a função interativa seja
uma das mais atraentes para o público no séc. XXI.
A mídia impressa (revistas e jornais), o rádio, o cinema, a televisão deram início
de certa forma a essa função com a massificação da comunicação e, mais
recentemente, o advento dos computadores pessoais domésticos, notebooks,
máquinas fotográficas digitais, tablets, smartphones com leitores de realidade
ampliada e QR Code (Quick Response – um código de barras bidimensional) e a
internet possibilitaram uma multiplicação do fazer criativo e na divulgação no campo
da arte o que, por um lado, é extremamente positivo no sentido de democratizar o
acesso a bens culturais a massa, por outro, pode ocasionar manifestações cujo valor
artístico são questionáveis em termos de relevância social e histórica.
Atualmente a arte é fortemente presente nas manifestações artísticas de massa
como cinema em 3D que possibilita uma ilusão espacial ao expectador “colocando-o”
dentro da ação ou os videogames, com desenvolvimento de história, personagens,
cenários e objetos que possibilitam uma imersão do jogador naquele mundo fictício
criado. Estas novas tecnologias demandam novos profissionais criativos no mercado
que atuam em design gráfico, escultores 3D, arquitetos de cenários e ambientes
virtuais, programadores de softwares, engenheiros de sistema e informática, etc.

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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Figura 5Fonte: g1.globo.com

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2 O PROCESSO DE CRIAÇÃO

A concepção de uma obra sofre constantes alterações e vai ser modificada a


cada momento de reflexão ou discussão, sem o limite e a preocupação de concluir um
trabalho para a sua apresentação ao público, pois o processo de criação continua e
não pode ser algo predefinido, pode ser interrompido a qualquer momento ou então
mudar de rumo dentro do que tinha sido proposto pelo artista: “A obra que chega ao
público não é considerada como uma completude necessária que resulta de sua
elaboração, mas como uma possibilidade de um processo que não se completa
nunca, mas pode se interromper.” (SALLES, 2008, p. 11)
As relações entre os documentos e o processo de criação do artista se
transformam em uma rede relacional, que proporcionará material para a pesquisa
crítica que será trabalhada concomitantemente à produção de um trabalho artístico.
Nessa troca de experiências, o pensamento artístico e a interação entre crítico,
demais interlocutores e artista, que ocorrem agora preferencialmente no ateliê, têm a
finalidade de refletir sobre o processo artístico, e esse conjunto de fatores vai ser
denominado de estética do processo.

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Extraído do artigo
http://repositorio.ufes.br/bitstream/10/2258/1/tese_4062_ROSANA%20LUCIA%20PASTE.pdf
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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

2.1 O percurso do artista na construção do projeto artístico

O artista estabelece uma linha de pensamento registrado em seus documentos,


como: esboços, diários, anotações, rascunhos, projetos, etc. Pensamento esse, em
construção durante o processo de criação que dará suporte ao crítico genético para
melhor entender o que impulsiona o gesto criador.
Salles (2008) oferece às pessoas interessadas no processo de produção, uma
forma detalhada de analisar e entender a trajetória percorrida pelo artista desde a ideia
inicial até a obra entregue ao público. A autora acaba por registrar uma ruptura dos
antigos moldes pensamento sobre como a obra de arte era criada, já que o artista era
tido como um único sujeito criador atuante e não se percebia que por trás daquele
objeto de arte existe uma história de arte, um contexto sociocultural e econômico,
também com lembranças, memórias e percepções e, além disso, muito estudo teórico
e prático para viabilizar uma mensagem por meio da obra (SALLES, 2008).
À medida que o artista se relaciona com agentes num contexto, forma alguns
conceitos, que irão aliar-se aos seus pensamentos relacionados à cultura, a espaço,
tempo, memória, percepção do cotidiano e esses conceitos formarão rede, uma rede
de conexões que vai surgir diretamente ligada ao processo de produção artística.
Conforme, acontece essa interação do artista com o meio e o contexto, as
propostas de produção artística também vão se modificando, o processo vai ser muito
dinâmico e a cada ação tomada o objeto criado vai se transformando em outro e assim
sucessivamente. Portanto pode-se afirmar que essa memória criadora em constante
mobilidade gera o conceito de inacabamento.
O artista possui uma linha de pensamento que pode ser identificada como uma
tendência do processo, mas trabalha com as incertezas, com escolhas que terá que
fazer, com os erros e acasos, ou a interação com elementos internos ou externos,
tudo isso poderá a qualquer momento se revelar e fazer com que o objeto seja
transformado ou até mesmo inutilizado ou descartado para ser revisto em outro
momento futuro.
Portanto, o artista poderá optar por representar seu entorno, o que faz parte de
sua vida cotidiana, sem separar emoções, sentimentos, conceitos, memórias, espaço,
tempo social, troca de informações e, consequentemente, tudo que for percebido por
ele e estiver ao seu alcance durante o processo de produção da obra será de alguma

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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

forma reaproveitado, isto se denomina processo relacional. Por isso, as anotações do


artista podem servir como balizadores da análise do processo de criação.
A matéria-prima a ser utilizada na obra vai ser parte importante do processo,
com a escolha da materialidade, o artista irá passar o tempo necessário para realizar
testes e verificar como se adapta ao seu projeto.
Esse percurso não tem tempo para acabar, o tempo é indefinido, é reversível e
retroativo, pois o artista estará sempre à espera do material e vice-versa e esta espera
representa o tempo do inacabamento, aguardando o gesto que também é inacabado,
pois poderá retornar o processo do começo, ou continuar da onde parou e ainda se
quiser pode parar ali mesmo.

Figura 6Fonte: carlosdamascenodesenhos.com.br

A criação tem uma mistura de lembranças, percepção, imaginação e


esquecimento, pois poderá servir para esquecer de alguns fatos, abrir caminho para
lembrar e guardar outros na memória, que aliados a imaginação mostram o caminho
em direção ao desconhecido, aos universos ficcionais. Mas, para esse processo
funcionar, tudo tem que ser registrado, o ato de anotar as lembranças e
acontecimentos faz com que o artista se envolva profundamente com o processo e
perceba que sem esse hábito dificultará a conquista do seu objetivo.
Com o passar do tempo, o artista passa a registrar mais umas coisas do que
outras, desenhar ou escrever sobre um motivo apenas, isto se deve a memória e a
percepção serem seletivas nas pessoas. Assim, o artista passa também a fazer
escolhas e ter preferências por esses detalhes que se destacam em seus

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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

documentos, e desta forma ele irá estipulando critérios de trabalho e a história da obra
vai se escrevendo.
O processo de criação depende também do ambiente que o artista está inserido
e de suas memórias, pois será a partir desses fatores que seu pensamento criativo,
sua imaginação e seu gesto criador se desprenderão dentro de uma linha de
tendências que ele segue e dentro dos nexos da rede relacional que ele construiu
durante o processo de produção da obra. Processo este que pode ser o tema da obra
de arte ou até mesmo a própria obra de arte, conforme a tendência da arte
contemporânea.

2.2 O produto criativo4

A criatividade pode ser reconhecida e analisada na observação do produto


criativo, como uma obra de arte. Teoria, crítica e história da arte situam e desenvolvem
parâmetros do que é considerado criativo e inovador nas artes conforme a época em
que vivemos.
Quando Picasso pinta Guernica, nos meses de maio a junho de 1937, o faz
num processo criativo profundamente arraigado a realidade, pois a obra se refere ao
bombardeio que matou civis na cidade espanhola do mesmo nome, neste ano. O fato
confere a obra um tom de denúncia, com imagens que impressionam e ao mesmo
tempo aproximam o público, como se o artista desejasse quebrar o paradigma da
representação estabelecido pela obra de arte. O significado das formas apresentadas,
sua expressividade particular, sua relação com o caráter da imagem, “que é
mensageira do significado tanto no sentido poético quanto no da realidade cotidiana.
Estamos imaginando e contemplando por meio da obra objetos identificados, que
conhecemos e com referência aos quais temos ideias e interesses. ” (SCHAPIRO, pg.
197, 200).

4
Extraído do artigo
http://tede.bibliotecadigital.puccampinas.edu.br:8080/jspui/bitstream/tede/398/1/Regina%20Lara%20S
ilveira%20Mello.pdf
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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

2.3 A pessoa criativa 5

A criatividade também pode ser estudada através da pessoa criativa, neste


caso o artista, identificando habilidades que estariam ligadas ao pensamento criativo,
conforme Guilford aponta: fluência, flexibilidade, originalidade e espontaneidade.
Pesquisadores estudam as características que identificam o indivíduo criativo,
buscando compreender atitudes, comportamentos e sentimentos que podem levar a
uma alta produtividade criativa na vida adulta. As pesquisas relacionam quatro
enfoques principais: biografias de pessoas reconhecidamente criativas, observações
e julgamentos de especialistas, testes de escala para avaliação do potencial criativo
e características da produção criativa. (WESCHLER, 2002).

Figura 7Fonte: lounge.obviousmag.org

Ao analisar a vida e os processos de criação de Picasso, Gardner destaca uma


característica atribuída a pessoas criativas e particularmente presentes nos artistas,
que é a capacidade de criar imagens de longo alcance que traduzam a cultura de uma
sociedade, capazes de estabelecer signos e revelar significados importantes (1996).
O artista também pode sentir-se ligado a movimentos na arte, por afinidade de ideias,
por sentir apoio ou desprezo de seus pares nas questões estéticas que propõe, ou
ainda por acontecimentos externos a arte, como guerras e descobertas científicas.
Picasso viveu e produziu muito, atravessando períodos com momentos culturais

5
Extraído do artigo
http://tede.bibliotecadigital.puccampinas.edu.br:8080/jspui/bitstream/tede/398/1/Regina%20Lara%20S
ilveira%20Mello.pdf
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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

diferentes, que se refletiram em fases distintas de seu trabalho (GARDNER, 1996 e


SCHAPIRO, 2002).
Sternberg et al. (1985) analisou a criatividade, com o objetivo de identificar a
opinião e as crenças dos sujeitos acerca da mesma. Importava observar o grau de
distinção que os sujeitos faziam entre três conceitos: “inteligência”, “sabedoria” e
“criatividade”. Emergiram as seguintes propriedades dos indivíduos criativos:

a) Ausência de convencionalismos (ter o espírito livre, ser pouco ortodoxo);


b) Integração (ser capaz de integrar informações distintas, de relacionar ideias
díspares ou teorias não relacionadas);
c) Gosto estético e Imaginação (apreciar as expressões artísticas, escrever,
compor músicas, pintar, ter “bom gosto”);
d) Flexibilidade e Decisão (ser capaz de tomar decisões depois de avaliar prós
e contras, capacidade de mudar de direção);
e) Perspicácia (saber estar, conhecer as normas sociais de relação);
f) Motivação e Interesse pelo reconhecimento dos outros (ser enérgico, querer
que os outros reconheçam a obra, ter objetivos claros).

2.4 Ideias correntes

Foi Csikzentmihalyi (1996) quem pensou o conceito de flow, o fluir de ideias


correntes, que a nosso entender, se compatibiliza perfeitamente bem com o processo
criativo do artista. Depoimentos de artistas visuais reconhecidos publicamente em
diferentes épocas e países distantes, mostram características comuns na construção
de suas obras, com se o processo criativo envolvesse o artista e uma espécie de
transe, um fluir de ideias correntes:

A obra de arte nasce como um mundo que se organiza: é sempre criadora de


mundo. O material trabalhado faz-se forma objetivada desta nova realidade.
Partindo ou não de um ser natural, chega o momento em que me deixo
arrebatar pelas cores, pelos ritmos, pelas figuras que nascem sobre a tela.
Então, persigo a verdade que intuo, mas que não posso precisar aprori (Iberê
Camargo em diálogo com Salzstein, 2003.)

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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Neste estudo entendemos o conceito de flow como um fluir de ideias artísticas.


O fluir seria uma possibilidade de organização do processo criativo, um estado que
facilitaria a combinação de ação e consciência, e neste sentido é integrador:

Em algumas atividades criativas, onde as metas não estão claramente


definidas de antemão, uma pessoa deve desenvolver um forte significado
pessoal com aquilo que deseja fazer. O artista pode não ter uma imagem
visual de como será sua pintura, mas quando o quadro já progrediu até certo
ponto, deve saber se é o que ou não. Um pintor que desfruta de uma pintura
deve ter interiorizado critérios para saber o que é bom ou mau, para que
depois de cada pincelada possa dizer: sim, isso funciona; não, isso não
funciona. Sem tal guia interno é impossível experimentar o flow.
(Csikzentmihalyi, pg. 92, 1996).

Na vivência do processo criativo, o tempo flui conforme as necessidades


aparecem, num constante movimento de transformação. Uma das características
mais interessantes do fluir de ideias correntes é a ausência de tempo marcado,
definido e planejado.
O artista cria focado no presente imediato, sem ver o tempo passar, perdendo
a noção da hora, num transe criativo. Mas tempo não definido não significa
inconsciência total, como a expressão transe criativo poderia sugerir; é mais um
deixar-se levar, naquele momento esquecer-se de tudo a sua volta, pensando apenas
em solucionar a questão estética a frente da qual se colocou. Ao contrário, o artista
pode usar o tempo com absoluta clareza mental, consciente do que é preciso fazer e
de como isto pode ser feito, outra característica observada no estado de fluir.
(CSIKZENTMIHALYI, 1996).
O processo criativo é um estado de profunda concentração, quando a
consciência está bem ordenada. Os pensamentos, as intenções, os sentimentos e
todos os sentidos enfocam a mesma meta geral. Quando elabora a teoria do fluir,
Csikzentmihalyi (1996), propõe formas de estimular este estado, de eliminar barreiras
para permitir que este aconteça.
Uma habilidade facilitadora ao fluir, encontrada frequentemente em artistas
visuais, é a capacidade de surpreender-se vendo algo interessante onde ninguém está
vendo, mesmo nas situações mais inusitadas. É como se uma pessoa pudesse entrar
no fluir involuntariamente, porque, de repente, viu ou sentiu algo que gostou muito,

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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

uma coincidência feliz que motiva o artista. Leonardo da Vinci surpreendeu-se com as
imagens que viu num muro:

Não deixarei de dizer, entre meus preceitos, uma nova invenção da teoria,
ainda que pareça mesquinha e quase ridícula, porque ela é muito apropriada
e muito útil para predispor o espírito às mais variadas invenções. Eis do que
se trata: se você olha certos muros cobertos de manchas e construídos com
pedras mescladas, supondo que tenha alguma obra, poderá ver sobre esse
muro os simulacros de países diversos, com suas montanhas, seus rios, suas
rochas, suas árvores, suas lendas, os grandes vales, as colinas e outros
aspectos diversos. Poderá ver nele batalhas e vivos acontecimentos de
figuras, rostos estranhos, roupas e mil coisas mais que poderá reduzir às
formas precisas e úteis. Vi nuvens e velhos muros que sugeriram belas e
varadas composições e estas imagens enganosas, ainda que privadas de
toda perfeição formal, não carecem de outro gênero de perfeição, no sentido
de movimento, sob outros aspectos (Carreira, pg.70, 2000).

O fluir leva o indivíduo ao estado ótimo de experiência interna, ou seja, quando


há ordem na consciência, quando há informação intencionalmente ordenada. Isto
acontece quando se utiliza a energia psíquica para obter metas realistas e quando as
habilidades se encaixam com as oportunidades para atuar, encontrando um equilíbrio
entre dificuldades e destrezas. (CSIKZENTMIHALYI, 1996).

2.5 Componentes do processo criativo

Para maior penetração no contexto criativo, estudiosos norte-americanos como


RAYMOND e outros (1987) elaboraram os componentes da criatividade que são: as
capacidades, o estilo cognitivo, as atitudes e as estratégias.

a) Capacidades: significam habilidades específicas que os sujeitos devem


possuir considerando seu campo de atuação. Referentes às capacidades
criativas destacam-se: fluidez de ideias, associados remotos e a intuição. A
fluidez de ideias diz respeito à capacidade de produzir grande número de
ideias com rapidez e desembaraço. Os associados remotos se referem à
capacidade criativa reflexa como recuperação de uma informação
remotamente associada com o problema que se tem nas mãos. A intuição

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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

consiste na capacidade de se adquirir sólidas conclusões a partir de uma


evidência mínima.
b) Estilo cognitivo: diz respeito àquilo que as pessoas são ou não são capazes
de fazer considerando-se os hábitos de processamento de informação.
Existem diferentes estilos cognitivos, tais como: detectar o problema,
pensamento janusiano, dependência / independência do campo. Detectar o
problema: após verificar o problema, surge a tendência a explorá-lo em
profundidade. Pensamento Janusiano se refere à habilidade de os sujeitos
partirem de uma ideia ou concepção e saltarem a outra oposta ou ao polo
conceitual contrário; isto significa pensar em termos contrapostos.
Dependência/independência de campo é a capacidade de se perceber
coisas pertencentes a um contexto e parcialmente escondidas por este. Isto
poderia fomentar o pensamento inventivo das pessoas a descobrirem
padrões ocultos.
c) Atitudes: são reações comportamentais perante a criatividade. Pode-se
considerar a retroalimentação como atitude nas pessoas criativas que não
são solitárias, como tem sido estigmatizado.
d) Estratégias: são maneiras estabelecidas que podem favorecer o
pensamento criativo: as grandes buscas, a analogia e a explosão de ideias.
As grandes buscas consistem em buscar as mais variadas alternativas antes
de se elaborar uma conclusão em definitivo sobre algum aspecto criativo. A
analogia é a busca de uma unidade existente entre semelhanças ocultas. A
explosão de ideias consiste em formar uma lista de opções e escolher uma
delas, após o que estimula os participantes a construírem ideias com os
demais.

3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO 6

A primeira concepção de arte é entendida como fazer. Prevaleceu na


antiguidade. Sabe-se, no entanto, que nem todo fazer é arte. Com o romantismo, a
ênfase recai no sentido do belo. Concebido, não como adequação a um modelo
exterior, mas pela coerência das figuras artísticas, com o sentimento que as inspirava

6
Extraído do artigo http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cogito/v2/v2a04.pdf
18
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

e suscitava. No renascimento, a concepção de arte era comprometida com a de visão


da realidade – ora da realidade sensível, ora de uma metafísica, superior ou de uma
realidade espiritual mais íntima, profunda, emblemática.
Em 1984, Pareyson faz uma aproximação do conceito de arte através da
articulação – exprimir, conhecer, fazer.
Nenhuma dúvida há, de que a arte é expressiva, simbólica; enquanto forma é
um ser que vive por conta própria e contém tudo o que deve conter. A forma é
expressiva, enquanto ser é um dizer. Ela não tem um significado, mas é um
significado. Por isso, é também um conhecer, pois ao revelar um sentido das coisas,
o faz de modo particular, apontando para uma nova maneira de perceber a realidade.
“É um novo olhar que se prolonga no fazer, como o olho do pintor, cujo ver já é um
pintar”. A especialidade do fazer artístico consiste num fazer tal que, enquanto faz
inventa o por fazer e o modo de fazer. Invenção e execução caminham paralelamente,
simultaneamente e de modo inseparável.
Para Merleau Ponty “Os primeiros desenhos das cavernas instauravam como
um mundo a pintar ou desenhar”. Quer tratemos do desenho na caverna, quer da
pintura, o suposto é uma operação reflexiva, que funda a unidade da pintura e que na
pintura se amplifica. Por ser diferente dos outros seres, por seu corpo, o homem se
situa numa relação problemática com a própria imagem, relação que o leva a se
retocar, a fazer tatuagens, cirurgia plástica etc. tão em voga em nossos dias. Para o
autor, nessa tendência autoplástica, talvez, esteja a raiz vital da própria arte.

Michel Thevoz (1984) comenta: o homem necessita, desde os primórdios, de


uma proteção artificial, proteção esta que não é apenas física, mas simbólica. O
homem é exposto num duplo sentido: aos perigos e aos olhares. Ele é, com certeza,
o único animal que faz de sua pele uma superfície a pintar, na qual se inscreve a sua
identidade, que, por exemplo, a tela, epiderme ultrassensível, através da pintura e de
toda a arte irá ampliar.
Berman (1986), pontua a força que ganha a arte em nossos dias, ao quebrar
totalmente os seus compromissos com os valores religiosos, éticos ou sociais, para
poder expressar uma relação mais profunda e mais originária do homem consigo
mesmo e com o mundo. Acresce-se que, a tudo isso, questões se lhe apresentam no
momento atual – o olhar e o desejo, o imaginário e o real conferindo-lhe uma função
e uma força insubstituíveis.
19
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

A produção literária, por ser igualmente simbólica, como as artes plásticas,


utiliza como matéria prima, na sua criação, um material essencialmente simbólico – a
palavra. Tanto quanto a tela e a tinta do pintor, o escritor, ao escrever, constrói uma
pele imaginária de palavras, da mesma forma que o brincar da criança pequena, que,
com água, areia ou tinta vai construindo a superfície da pele.
A necessidade de escrever, tanto quanto de pintar, de esculpir, de fazer música,
tanto pode seguir a vivência de um luto, não necessariamente de uma perda concreta
(aponta a psicanálise) mas, captação de um vazio qualquer, como diz Ana Cecília,
Profa. de Psicologia da UFMG, escritora e psicanalista. “Por exemplo, a
tentativa de um desvelamento, de um não dito, do deciframento de um enigma, de um
segredo ou de um mito, que, pela sua própria natureza, comporta inúmeras versões”.
Razão porque, uma mesma temática, a nível artístico, pode ser trabalhada e
representada inúmeras vezes por um mesmo artista e outros.
A produção literária traduz bem essa posição de “nomear o inominável”, de dar
sentido ao que não tem sentido, de representar uma ausência, de substituir aquilo que
se foi, recuperando-o em um outro registro. Melanie Klein vê na criação, a reparação
do objeto destruído ou danificado pelo sujeito, na posição depressiva.
O ato de criar implica em perda e sofrimento, já o dissemos. Sem sofrimento
não há arte. É a arte um processo masoquista? Antônio Ribeiro, emérito psicanalista
mineiro, pondera: “No sintoma, no processo masoquista, o sujeito está alienado ao
gozo do Outro. No processo criador, o artista se rebela contra esta alienação e não se
conformando em ficar preso e alienado ao Outro, aposta em si mesmo, assumindo
certo risco a procurar uma posição diferente em relação ao Outro. Esta posição seria
a da separação”.
O ato de criar implica necessariamente no aparecimento do novo,
consequentemente, uma mudança de posição em relação ao antigo. Não que ao
criador lhe seja facultado resolver a falta e a impossibilidade. Mas na sua criação,
torna possível o impossível, elimina limites e assim a configuração de uma forma
particular de lidar com a falta. A criação artística é um processo, é um devir sempre,
ao contrário da doença que parece ser a interrupção e a parada no processo.

20
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Figura 8Fonte: culturamix.com

3.1 Freud (1856 – 1939)

Em 1911, no texto “Dois princípios do funcionamento psíquico”, Freud fala


especificamente do artista e diz que o artista, para fugir da frustração que a realidade
impõe, refugia-se na criação, mas que, depois ao buscar o reconhecimento, cai de
novo no princípio de realidade.
Já no Projeto, em 1835, Freud se refere ao primeiro ato de criação do ser
humano. Antes mesmo de se constituir como sujeito, o recém-nascido diante da
impossibilidade, cria um objeto alucinatório. E assim, o homem cria uma condição
única, que é somente encontrada na espécie humana – o desejo. Não estaria a
produção artística vinculada a essas primeiras experiências de satisfação?
No Capítulo VII da Interpretação dos Sonhos, sabe-se que o desejo move o
aparelho psíquico e é em torno dele que guiará o processo de criação. Desejo que é
sempre desejo do outro e sempre já marcado pela sua realização impossível.
Concluída a obra, os segredos mais recônditos estão ali, as impossibilidades. A
singularidade do estilo. E já não é mais do autor. Está pronta para seguir o seu destino,
como filhos “edípicos e parricidas”.
Nada mais narcísico do que se eternizar numa obra de arte. E do ponto de vista
pulsional, é a vitória de Eros sobre Thanatus. De algum modo, a morte foi driblada; a

21
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

existência do artista, de finita, passa a ser infinita, através da obra, que o presentifica
sempre.
Não há obra de arte sem o espectador; nas artes plásticas e artes dramáticas,
e sem o leitor na produção literária, e sem ouvinte, na música. Em Escritores Criativos
e Devaneios, Freud tenta explicar o efeito que a obra de arte provoca no espectador;
para ele, o artista, como o devaneador, fantasia para lidar com o princípio do prazer -
desprazer. “Ele cria um mundo de fantasia, no qual pode satisfazer seus desejos
inconscientes”. Nesse aspecto, diz Freud, o artista se aproxima mais das crianças
que, quando brincam utilizam e moldam o mundo externo aos seus desejos.
Sabemos que as obras de arte, os romances querem dizer algo, querem dizer
alguma coisa e somos impelidos a interpretar porque são intrigantes e por isso,
interessantes. No entanto, não é a compreensão ou a explicação que faz surtir um
efeito. Se dermos um sentido, tudo se fecha e a pulsão não se desprende.
Freud – 1914 – Texto intitulado “O Moisés de Michelangelo” diz: “Não sou
conhecedor de arte, mas simplesmente um leigo. Tenho observado que o assunto
“obras de arte” tem para mim uma atração mais forte que suas qualidades formais e
técnicas, embora, para o artista, o valor delas esteja, antes de tudo, nestas”. Freud
continua: “a meu ver o que nos prende tão poderosamente só pode ser a intenção do
artista, até onde ele conseguiu expressá-la em sua obra e fazer-nos compreendê-la”.
Ele descarta a questão da compreensão intelectual, pontuando: “o que o artista visa
é despertar em nós a mesma atitude emocional que nele produziu o ímpeto de criar”.
E porque a intenção do artista não poderia ser comunicada e compreendida em
palavras, como qualquer outro fato da vida mental? Freud irá dizer que somente um
outro discurso, um outro saber para tentar dizer da intenção do artista. Nem a própria
obra o diz. Michelangelo foi, em suas criações, até o limite máximo do que é possível
exprimir em arte. Freud também, aos limites da interpretabilidade. “Os sonhos
bemsucedidos são aqueles dos quais não lembramos”.
Trago-lhes aqui a articulação que Gilda Vaz faz dos conceitos de Freud e
Lacan: “A psicanálise cujo campo vai sempre no avesso da cultura, detém sua atenção
para o além das formas congeladas, onde ali, algo está em suspenso. Freud chega à
conclusão do que Lacan vai postular mais adiante – “A verdade não é dita toda”.
Freud privilegia no Moisés de Michelangelo o momento antes de Moisés erguer
e arremessar as Tábuas por Terra e desencadear a sua cólera. O instante antes do

22
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

ato. A psicanálise se ocupa exatamente, não onde o movimento termina, mas onde
ele se inicia e do movimento em si.

Figura 9Fonte: revistabula.com

3.2 Lacan (1901 – 1981)

Lacan, ao falar sobre as artes plásticas, interroga como o que ele chamou de
“chuva de pincel”. Será que se um pássaro pintasse, não seria deixando cair suas
penas, uma serpente suas escamas, uma árvore se desfolhar e fazer chover suas
folhas? Não será isso o que o artista faz quando cria novos objetos? Lacan desloca
nosso ponto de atenção para fora da linha, para a existência de uma
temporabilidadeespacialidade, que não está no objeto, na representação, mas além
dele. É ainda no
Seminário XI, sobre o tema em questão, que ele vai inverter a relação do ato
de pintar com a obra, deslocando a nossa atenção enquanto analistas para um outro
campo da verdade.
Para a Psicanálise, essas formas são da mesma ordem das formações do
inconsciente estampadas nos objetivos. É da ordem do que Lacan chama de
semblante que cumpre a função de enganar a verdade, que mobiliza o gesto, ou seja,
o vazio do objeto feminino ou a morte. O inconsciente é puro furo, não é o semblante.
À pulsão de morte Lacan a define como: vontade de destruição, vontade de
recomeçar com novos custos, vontade de outra coisa. Essa é a pulsão de morte como
potência criadora, criação ex-nihilo a partir do nada. Gilda Vaz Rodrigues articula a

23
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

posição do artista como “fonte de algo que pode passar ao real e a que o tempo todo,
nós, seres comuns nos recuamos”. E situa o olhar num ponto chave do fazer do artista.
“O sujeito humano diz ela, joga com as formas, joga com a máscara a partir
desse mais além que há além do olhar. O ser se decompõe entre o ser e o semblante,
entre si mesmo e o que se dá a ver. O que dá de si mesmo e o que recebe dos outros
é sempre máscara, invólucro. Só existem semblantes. A única coisa que talvez não
faça semblante é a morte. É um saber que só se tem nessa hora, de forma radical.
As formas servem para obturar esse buraco. O campo da sublimação é uma
operação acionada de um lugar específico da estrutura do sujeito. A criação artística
é da ordem da sublimação e, portanto, não passa pelo recalque. Quando Miró foi
ameaçado pela ditadura de Franco de não poder mais pintar, reagiu: “Eliminem as
tintas, destruam os pincéis, as telas, eu continuarei pintando através das baforadas
do meu charuto. ”
É no mais além das formas que seu discurso se situa, pois, ele sabe da
coalescência destas e continuará pintando porque o que interessa para o artista, e
também para o analista, é o ato de pintar e não as formas onde o ato se petrifica.

Figura 10 Fonte: zahar.com.br

24
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

3.3 Platão (427-347 a.C.) 7

Se falar numa teoria estética de Platão tem suscitado inúmeras problemáticas,


a questão da criação artística levanta igualmente numerosas reflexões, e está
intimamente ligada as suas ideias sobre a arte, sobre o belo, sobre a inspiração e a
imaginação ou, por certo contraponto, sobre a experiência artística, o prazer e as
sensações. Em Platão encontram-se praticamente todas as ideias, questões e
interesses que estiveram na base da construção de um conjunto de princípios e
reflexões a que se denominou estética.
Uma vez que as suas ideias sobre beleza e arte se integravam num
pensamento filosófico abrangente e global, torna-se muito mais complexa a sua
“descodificação” e hermenêutica, porque estão dependentes de uma teoria das
ideias, da alma, da política e da moral, ou seja, de um sistema idealista e moral.
Na obra de Platão poucas referências explícitas existem relativamente à
criação artística, situação compreensível numa época em que os artistas não
possuíam esse estatuto nem as obras de arte eram valorizadas da mesma forma que
passaram a ser desde há uns séculos.

No Banquete ou Do Amor, o diálogo entre Sócrates e Diotima é extremamente


significativo na exaltação desse conceito, e pode alargar a concepção que
aparentemente muitos têm sobre a relevância e a importância dada por Platão e pelos
gregos ao processo de criação artística:

A ideia de criação ou poesia é algo muito amplo, pois toda e qualquer


passagem do não-ser ao ser se efectua por um acto de criar; de tal sorte que,
mesmo as obras produzidas na totalidade dos ofícios são criações, como
criadores ou poetas são todos os seus artífices. (...). Apenas uma parte
delimitada do acto de criar (a que se liga às artes e ao ritmo) recebe o nome
do todo. Só a este ramo especifico damos o nome de poesia e identicamente
só aos que dele se ocupam chamamos de poetas.

7
Extraído do site https://repositorio.ul.pt/handle/10451/6655
25
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

A criação artística, mas sobretudo a interpretação artística, só é possível


verdadeiramente se houver uma sintonia entre o artista e a obra, se esta tocar o
coração ou a alma daquele se houver algo em comum que provoque a
“magnetização”. O poeta não é capaz de poetar “se antes não se tiver inspirado
e se não perder o tino, se antes não tiver perdido a mente”. Este magnetismo, este
entusiasmo, esta loucura (mania) do poeta, transmite-se ao interprete do poema, ao
rapsodo, que por sua vez, a passa ao receptor.

Figura 11 Fonte: comshalom.org

3.4 Aristóteles (384 – 322 a.C.)8

Textos antigos mencionam tratados ou livros sobre teoria da arte da autoria de


Aristóteles que se perderam: Dos Poetas, Problemas homéricos, Sobre a beleza,
Sobre a música, Problemas da Poética. Somente a primeira parte da Poética
sobreviveu até os dias de hoje.
Neste livro, descreve meticulosamente princípios, modos, processos da
estrutura e da linguagem poética que o criador deve usar, mostrando não só um
9
conhecimento aprofundado do método, da ars poética , mas uma reflexão
psicofilosófica que implicou uma análise profunda e inovadora da arte, da estética, e
mesmo da psicologia do criador e do espectador.

8
Extraído do site https://repositorio.ul.pt/handle/10451/6655
9
Na Poética, Aristóteles embora fazendo referências às artes figurativas, trata essencialmente
da mousiké – tragédia que inclui música, poesia – propondo uma ars poética com princípios claros para
um fazer ou compor de acordo com as regras, especificando os elementos constitutivos dessa arte
dramática e polimétrica.
26
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

A estética e os problemas da arte ocuparam muitos dos livros de Aristóteles,


mesmo de forma pontual, como na Metafísica, na Política, na Física ou na Ética
Nicomaqueia. Apesar de se ocupar sobretudo da poética, a sua análise e as suas
ideias podem ser aplicadas à arte em geral. Relativamente a Platão, este pensador
conferiu às suas ideias estéticas e artísticas, um caráter mais sistemático, organizado,
metodológico, tendo por base a ideia de “conhecimento através da arte”, por esta ser,
em si mesma, conhecimento.
A arte pode ser uma produção, mas nem toda a realização se constitui num
objeto artístico; só é arte, segundo Aristóteles, “uma produção consciente, baseada
no conhecimento”. Arte não era considerada apenas uma produção que se baseie no
instinto, na experiência ou na prática, tinha de se fundamentar no conhecimento de
regras e nos domínios dos meios para atingir os fins. Mas ainda, é necessária uma
capacidade permanente para criar que implica habilidade – que se desenvolve com a
prática e, logo, pode ser aprendida – e disposição criativa inata.
A capacidade de criação, de génesis, do “passar a ser” está, em Aristóteles,
ligada à mudança, ao movimento, ao devir constante; não há verdadeira criação no
sentido da passagem do não-ser ao ser; a criação e a destruição são dois aspectos
complementares da transformação da substância em substância; este é um dos
princípios da sua filosofia da natureza que se aplica à criação artística. “Tanto na
produção natural como na artística deve preexistir uma parte do produto. ” A criação
artística nasce da alma do artista e desenvolve-se no contato, na modelagem do
material, numa relação produtiva e construtiva entre a ideia de arte e a matéria. “A
arte necessita sempre da matéria”, ou seja, há uma relação íntima e imprescindível
entre a forma artística e a estruturação da matéria.
Na criação artística, o pensar ou o conceber um projeto, antecede o fazer ou a
aplicação.

27
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Figura 12 Fonte: lounge.obviousmag.org

4 PERCORRENDO OS PROCESSOS DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA10

A maior parte das pesquisas na área das artes visuais tem contemplado a
leitura da produção artística através de inúmeras abordagens: questões sobre a
imagem, a problemática histórica da obra e seus significados, a consideração dos
aspectos socioculturais, as linguagens existentes ou em elaboração, entre muitas
outras. Poucos estudos, especialmente em nosso país, têm-se detido no processo do
fazer, isto é, naquilo que ocorre durante a elaboração do trabalho artístico e que,
posteriormente, pode ser identificado na obra concluída.
Entre as inúmeras variáveis que compõem o processo de produção artística,
encontram-se os estudos da invenção, da confecção da obra, do acaso, das técnicas
e procedimentos, dos materiais e instrumentos, dos sistemas de formas, da temática,
das motivações e condicionamentos culturais, entre muitos outros aspectos.

4.1 O processo de criação artística e a constituição da cultura

Por meio da história da arte, da fenomenologia e do estudo do processo de


criação, pudemos observar estreitas relações entre a produção artística e o seu
contexto, que se realiza pelas funções de percepção, memória, imaginação, criação e

10
Extraído do artigo
http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/reahc/article/download/505/323
28
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

expressão. O desenvolvimento das cidades, ou o contexto urbano, foi considerado,


assim, no bojo desta investigação, parte integrante do processo de criação no
desenvolvimento da própria história da arte, tanto em um plano individual como
coletivo.
Observando os processos de percepção na direção de realizar uma
aproximação com o processo de criação, constatamos o quanto a percepção é
elemento inaugural do processo de criação e quanto está diretamente ligada aos
processos da memória e da imaginação. Por meio da crítica genética, tecemos
analogias entre os processos de criação individual e coletivo, e, assim, pudemos
observar semelhanças entre eles.
Para realizarmos essa aproximação e traçarmos relações entre os processos
de criação individual e coletivo, trazemos, sobretudo, as contribuições de Salles
(1998), em seu estudo sobre a crítica genética. O crítico genético tem a função de
interpretar, narrar, relacionar os documentos do processo de criação e realizar
associações para desvendar seus caminhos.
A crítica genética, em seu surgimento, propunha o acompanhamento
teóricocrítico do processo de criação na literatura; no entanto, já trazia consigo a
possibilidade de explorar um novo campo transdisciplinar, que nos levaria a poder
discutir o processo criador em outras manifestações artísticas.
Essa ampliação dos estudos genéticos parecia já estar inscrita na própria
definição de seu propósito e de seu objeto de estudo. Se os estudos genéticos tinham
como objetivo compreender o processo de constituição de uma obra literária e seu
objeto de estudo eram os registros do escritor encontradas nos manuscritos, esse
campo de pesquisa deveria quase que necessariamente romper a barreira da
literatura e ampliar seus limites para além da palavra, pois processo e registros são
independentes da materialidade na qual a obra se manifesta e independentes,
também, das linguagens nas quais essas pegadas se apresentam. Seria possível,
portanto, conhecer alguns dos procedimentos da criação, em qualquer manifestação
artística, a partir desses registros deixados pelos artistas.

29
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

4.2 Documentos de processo

Os documentos de processo podem ser entendidos como registros temporais


de uma obra em desenvolvimento. Eles cumprem funções ligadas, sobretudo, ao
armazenamento de ideias e à experimentação.
O estudo dos documentos de processo de criação em um plano individual foi
investigado com base em dois pontos de vista: a criação de apenas uma obra
destacada de um conjunto de obras, como a pintura intitulada Les Demioselles D’
Avignon, de Pablo Picasso, e a análise da obra do artista como um todo, em que cada
pintura produzida é um registro temporal.

Figura 13 Fonte: arteeartistas.com.br

Essa metodologia desdobrou uma possibilidade de análise do processo de


criação coletivo. Verificamos a possibilidade de identificar uma correspondência entre
o que se denominou documentos de processo, no âmbito de criação de uma obra
individual, e a confluência das várias obras produzidas ao longo da história, na
constituição da linguagem da pintura como expressão cultural de uma coletividade.
Desse modo, foi possível observar os movimentos coletivos com base em duas
formas de investigação. A primeira estuda como um grupo de artistas reúne-se com o
intuito de conceber um ideal de arte como o fizeram os impressionistas, por exemplo.
Tanto em um processo de criação individual como em manifestações promovidas por
grupos de artistas, vimos, no Período Clássico, os artistas voltarem-se para as
ciências. Desenhos infantis foram traduzidos para pinturas com o fauvismo, esculturas
africanas foram referência para a produção de pinturas na constituição do cubismo.

30
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Atualmente testemunhamos a utilização de outros meios de expressão, como meios


digitais e fotografias, na criação de pinturas.
A segunda forma de investigação observa como os registros históricos da
produção artística produzida pela humanidade, vistos como documentos de processo,
são apreendidos, apropriados ou mesmo descartados, para o encaminhamento do
desenvolvimento artístico e cultural.
Na passagem do século XII para o século XIII, a busca da representação da
natureza foi apropriada e levada adiante por artistas de sucessivas gerações. No
decorrer do tempo, com a contribuição das gerações, a valorização da observação da
natureza resultou em abordagens diferentes, assumindo diversas configurações na
direção de conquistar uma representação mais aproximada do mundo. Foram
necessárias gerações de artistas na busca de sua configuração, preparando o que
mais tarde resultaria na paisagem dos fatos, assim denominada por Clark (1961),
anunciando as disposições científicas incorporadas no Renascimento. Todas essas
obras se apresentam à nossa percepção, habitam nossa memória e instigam nossa
imaginação. Criamos, afinal, a partir de experiências vividas.

4.3 Movimento permanente

Na busca de um encadeamento dos fenômenos que envolvem o processo de


criação, observamos que a temporalidade em arte não se dá de forma linear, nem
como pura sucessão. Num mesmo período conflitam precocidades, atrasos e
atualidades. Entretanto, veremos que é possível identificar uma comunicação entre
artistas de diversas regiões, gerações ou mesmo concepções.
No processo histórico da arte, observamos como determinadas concepções
são em alguns momentos levadas adiante e em outros são descartadas para dar lugar
a um novo ideário, ou, ainda, são resgatadas de tempos imemoriais. De todo modo,
seja qual for a ação, sempre aponta para uma continuidade, para uma interlocução
com o processo como um todo. Seja qual for a ação, ela se dá como resposta a um
contexto e, mesmo que se coloque de forma a promover uma negação ou um
descarte, está intimamente ligada àquilo que está negando, e mesmo assim estará
sempre afirmando a vitalidade da arte.

31
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

O processo de criação se dá num encadeamento de ações estreitamente


ligadas num contínuo operar sobre a realidade, na busca de um aprofundamento do
olhar sobre o mundo, por meio de reorganizações significativas dos dados percebidos.

4.4 Tendências de processo

Tendências de processo também puderam ser identificadas tanto no processo


de criação individual como em manifestações de natureza coletiva. Para engendrar
uma obra significativa, o artista busca realizar uma aproximação daquilo que está
expressando com o que deseja expressar. Mas qual das possibilidades que se
apresentam será a que mais se aproxima do desejo de expressão? A questão é difícil,
sobretudo se lembrarmos que cada configuração que se apresenta traz consigo novos
desafios, novas possibilidades, desencadeando novos processos.
Podemos observar em Van Gogh, com muita nitidez, o desejo de expressão da
intensidade dos sentimentos no embate de suas cores, no ritmo de suas pinceladas,
na vitalidade pulsante em sua obra.

Figura 14 Fonte: oglobo.globo.com

O artista não sabe de antemão para onde se dirige. Uma tela em branco pode
resultar em um sem-número de pinturas, por mais que ela esteja prefigurada na
imaginação do artista. No entanto, ele persegue um rumo, é fiel a uma tendência que
se torna mais clara no processo de criação. Assim, as ações criadoras incidem sobre
a tendência como mais um elemento gerador desse processo.
Em processos de criação que envolvem uma coletividade de artistas,
tendências também foram identificadas em vários momentos da história, seja quando
artistas se voltaram para um determinado assunto, como a História Sagrada, o retrato,
a paisagem; seja para uma determinada forma de expressão, ora idealizada, ora

32
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

valorizando a observação, a imaginação, a expressão ou pesquisando aspectos


formais.

4.5 Acaso

Para Ostrower (1990), o acaso é um elemento importante de ser investigado


nos processos de criação artística. Vivemos imersos em um mundo pleno de estímulos
visuais, sonoros, olfativos e intelectuais. Muitos desses estímulos nos passam
despercebidos, mas alguns deles brilham em nossa mente, incendiando nossa
imaginação. O acaso, assim, passa a ser uma decorrência da própria vida. Entretanto,
um acaso só é percebido e apropriado quando estamos em um estado de
predisposição, então ele deixa de ser um mero acaso e passa a ser um acaso
significativo.
O acaso se apresenta de forma muito clara na análise do processo de criação
de William Turner, que, a partir da experiência da chuva ou da tempestade, pode
produzir pinturas no limite da abstração. Do mesmo modo, podemos identificar a
importância do acaso no processo de criação de Leonardo da Vinci, que sugere a
observação de paredes manchadas para a criação de obras.
A identificação na obra desses artistas foi possível sobretudo porque foram
explicitadas por meio de textos autorais ou testemunhos. Não fossem esses
documentos de processo, talvez não tivéssemos acesso a esse fenômeno nas obras
desses artistas. Dessa maneira, o acaso se dá em um âmbito muito íntimo nos
processos dos indivíduos, tornando a sua identificação mais difícil de verificarmos em
fenômenos coletivos.
Suscetível ao acaso, e à ação criadora, o processo de criação em constante
movimento torna-se assim uma atividade que explora o terreno do desconhecido.
Desvendar o desconhecido se apresenta como uma ação que se direciona a um
processo de construção de conhecimento, seja na direção do conhecimento da
natureza, para compreender melhor a subjetividade humana, seja a realidade no
contexto do mundo, entre tantas possibilidades. Não é possível prever quantos
aspectos ainda se apresentarão para a sua exploração e compreensão, já que cada
descoberta propõe novos desafios. Assim, o processo de criação sempre apresenta
novos aspectos a desvendar, a superar, a descobrir, a compreender.

33
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Quando o acaso intervém em uma tendência, apresenta-se um conflito. O


artista deve escolher se o acolhe ou não, pois, a cada alteração no rumo de sua
trajetória, ele sabe que estará optando por todos os desdobramentos consequentes e
abandonando outros.

Figura 15 Fonte: mymodernmet.com

4.6 Produção de conhecimento

A percepção é um elemento fundamental e inaugural do processo de criação,


tornando-se, junto à memória e à imaginação, instrumento de elaboração da
realidade. Ao devolver sua interpretação do real, por meio do diálogo com a obra de
arte, da percepção, da memória e da imaginação, o artista cria a realidade da obra
que, por sua vez, incide sobre a própria realidade, transformando o nosso olhar, a
nossa apreensão e o aprofundamento da compreensão do real. Assim, a arte clássica
apontou para as proporções harmônicas, para o conhecimento da natureza. O
maneirismo propôs um contato com a emoção, o cubismo mostrou o aspecto
multifacetado da realidade, a arte abstrata elabora a autonomia da arte.
A criação assemelha-se a uma viagem. Não poderíamos descrevê-la sem antes
nos aventurarmos nela. O criador assemelha-se ao homem que se lança em uma
aventura, em um universo desconhecido, sem saber se conseguirá vencer os
obstáculos, se sofrerá, se conseguirá retornar. Entretanto, ao conquistar a sua
liberdade de expressão, a autonomia na escolha de seu percurso, transforma-se,
produz identidade que se reveste de conhecimento.

34
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

4.7 Poética

O ato de perceber já implica um ponto de vista. Trata-se de uma operação ativa


que se realiza de acordo com o ser que percebe, que, por sua vez, se constitui por
meio da vivência, da memória e da imaginação. O artista, visto como um explorador
da existência, torna-se um colecionador atento de fragmentos da realidade que
atendem à sua tendência. Dessa forma, a memória e a imaginação podem ser vistas
como interlocutoras, instrumentos de elaboração da realidade. A poética consiste em
uma transfiguração do mundo, investida da capacidade de reorganizar e de criar
novas realidades.

Figura 16 Fonte: historiadasartes.com

Em Natureza morta com cupido, de Paul Cézanne, vemos a pintura retratada


dentro da pintura. Essa obra, de natureza claramente metalinguística, destaca-se do
real, cria sua autonomia e discute a sua realidade interna.

4.8 Ação, pensamento, sensação

Ações promovem conhecimento na medida em que levam o artista a lidar com


o objeto de sua ação, e, para dar continuidade a esse processo, o artista também é
levado a adquirir novos conhecimentos. Assim, a pesquisa, que abrange desde
conhecimentos técnicos, científicos, filosóficos, antropológicos, entre outros, também
é elemento integrante do processo de criação. Pudemos observar sua presença e
importância em processos de criação tanto de natureza individual quanto coletiva.

35
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

O artista é agente e testemunha do ato criador, acompanha passo a passo a


gênese da sua obra, julgando, estabelecendo relações, refletindo, armazenando
ideias, interferindo no processo sempre que julga necessário.
Observamos que sensações e pensamentos sem a inferência da ação não são
suficientes para concretizar o processo de criação. É por meio da ação que se realiza
o diálogo com a própria obra em processo de elaboração, quando se aprofunda o
projeto poético, quando se promove o desvendamento de suas tendências, pela
interlocução entre sensação, pensamento e ação.
A cada ação, novas sensações e pensamentos se apresentam solicitando
novas ações. A ação criativa, afinal, é pensamento e sensação materializados.

4.9 Instrumentos e recursos

Para que a ação possa se realizar, é necessário que o artista incida sobre a
sua matéria, por meio de instrumentos que guardam suas próprias leis e seus próprios
recursos. Por intermédio da poética, identificamos uma proximidade entre concepção
e matéria, em que referências ou imagens geradoras podem se apresentar como
objeto de pesquisa artística, que, ao habitar a memória e a imaginação, também pode
se tornar matéria sobre a qual incidirá uma ação, na medida em que uma determinada
configuração e seus conteúdos inerentes estão intimamente ligados a recursos e
instrumentos de criação.
Os procedimentos criativos estão também ligados ao momento histórico, a
aspectos sociais, culturais e tecnológicos em que o artista se insere. Podem ser
manipulados e criados. Recursos criativos foram apropriados em processos de
criação por grupos de artistas, assim como por artistas, caso de Picasso, que, em
Guernica, utilizou o monocromatismo para expressar a ruptura que se deu entre o
homem e a natureza, entre o homem e a vida. Vimos também como instrumentos
foram criados e posteriormente apropriados coletivamente, como foi o caso da tinta a
óleo inventada por Van Eyck, no século XV, a fotografia e as imagens digitais no
século XX.

36
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Figura 17 Fonte: un.org

4.10 Conhecimento da matéria

A utilização de recursos criativos e instrumentos exige conhecimento da


matéria com a qual o artista está lidando, e esse conhecimento é alcançado por meio
de testes e pesquisas que se desenvolvem por meio da ação, do embate com a
matéria.
A necessidade de expressão e a busca por novas possibilidades expressivas
fazem da transgressão um agente importante do processo de criação, já que, por meio
da transgressão, novos caminhos se apresentam para o desenvolvimento do
processo. Giorgione transgride na medida em que pinta sem antes ter desenhado,
como recomendavam as práticas renascentistas; da mesma forma, seus temas foram
considerados, muitas vezes, enigmáticos.
A transgressão não se restringe apenas aos recursos criativos, à matéria.
Opera também na esfera das concepções. Assim, mais uma vez se apresenta uma
proximidade entre matéria e concepção.
Transgressão e experimentação são ações intimamente relacionadas. Em
qualquer momento do processo de criação, possibilidades de expressão são
consideradas e testadas. Os testes serão então avaliados, com o propósito de
observar o quanto correspondem à tendência do projeto poético. Assim, experimentos
serão apropriados, reservados, ajustados ou então descartados, mas qualquer uma
dessas ações implica uma decisão, que inscreverá de forma determinante na
continuidade do processo de criação.

37
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Finalmente, verificamos como os elementos que constituem o processo de


criação se enlaçam em um fluxo de continuidades, que o processo de criação opera
uma permanente apreensão de conhecimento, uma contínua descoberta de novas
formas de perceber e expressar os fenômenos da vida e a inauguração de obras que,
afinal, se constituem como universos próprios.

Figura 18 Fonte: wikiart.org

5 A INFLUÊNCIA DO USO DE MÉTODOS NO PROCESSO DE CRIAÇÃO

5.1 Criatividade

Existem várias discussões sobre a necessidade ou até mesmo a viabilidade em


se ensinar a criatividade.
Neste âmbito muitos autores como Predebon (1997), e Dondis (2007)
concordam que o desenvolvimento das habilidades necessárias para o uso da
linguagem visual e o conhecimento para as formas de comunicação desenvolve no
Homem o seu poder criativo.
A criatividade também é utilizada como ferramenta auxiliar no ensino de outras
disciplinas como matemática, história e física usando-se conceitos relativos a cada
tema auxiliando o aluno a explorar e descobrir novos cenários e enfatizar a
interdisciplinaridade. Conforme citado por SCHLOCHAUER (2007):
O incentivo a análise crítica é um dos pilares do conhecimento e o facilitador
da pesquisa e participação do aluno em todo o período acadêmico, pois desta
forma comunica-se, prepara-se com incentivo e expressão de novas ideias.
Porém existe o outro lado – a complexidade do tema a crítica acadêmica o
estudo sobre criatividade tem sido severamente criticado pela comunidade
acadêmica “... em virtude de uma possível superficialidade técnica e

38
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

conceitual (Wechsler, 1988; Nakano & Wechsler, 2006; Sternberg & Lubart,
1996) nas pesquisas realizadas nos últimos 60 anos. ” SCHLOCHAUER
(2007, pg.5)
Aqui é importante salientar a familiaridade com a codificação e decodificação
de mensagens visuais.
Kneller (1978) apresenta as seguintes teorias filosóficas sobre criatividade:

a) Inspiração divina, ao invés da educação;


b) Como forma de loucura, em virtude da espontaneidade e irracionalidade;
c) Como gênio intuitivo associada a pessoas raras e diferentes;
d) Como forca vital numa manifestação do processo organizador presente em
toda vida;
e) Como forca cósmica, expressão da criatividade universal inerente a tudo que
existe.

Além disso, cita que as definições sobre criatividade podem ser divididas em
quatro categorias: a partir do ponto de vista da pessoa que cria, por meio de processos
mentais, a partir de influencias ambientais e culturais ou em função de seus produtos.
Salienta-se que apenas recentemente tem havido uma quebra de vínculo entre
criatividade e poder divino.
O termo criatividade é frequentemente associado ao elemento novidade – é
considerado criativo aquilo que gera novas informações entre situações (objetos,
informações) que antes não possuíam relações. É observar um problema sob um
ponto de vista inteiramente novo e propor uma solução inovadora, curiosa e inusitada.
SCHLOCHAUER (2007 pg251), define alguns conceitos:

a) Criatividade – produto do gênio humano como gerador de novas ideias,


conceitos e teorias.
b) Invenção – processo no qual se delineia um produto, processo ou protótipo
resultante da combinação de ideias onde pelo menos uma delas é
inteiramente nova.
c) Inovação – é a transformação de ideias em aplicações uteis.

39
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

5.2 Invenção e Inovação11

É considerada invenção o resultado de atividade inventiva que:

a) Esteja revestida do requisito de novidade;


b) Para um técnico especializado no assunto, não seja uma decorrência
evidente do estado da técnica;
c) Não seja uma concepção puramente teórica; Seja suscetível de utilização
industrial.

Uma distinção muito mais simples entre a invenção e a inovação se resume


aos verbos “conceber” e “usar” (ROMAN e FUETT JÚNIOR, 1983).
Invenção envolve a concepção de uma ideia, enquanto que inovação é o uso,
de onde a ideia ou invenção é direcionada para a economia (ROMAN e FUETT
JÚNIOR, 1983).
No sentido de apreender o que está implicado no fazer artístico, antes de tudo
torna-se primordial compreender a acepção, segundo Pareyson, dos termos “fazer” e
“formar”. Para o autor, “‘formar’ significa ‘fazer’ inventando ao mesmo tempo ‘o modo
de fazer’”. Seguindo esta trilha, a teoria da formatividade concebe a operação artística
como um processo de invenção e produção, em que as soluções das ideias se
concretizam no fazer, ou seja, entende tal realização como uma “produção que é, ao
mesmo tempo e indissoluvelmente, invenção” (Pareyson, 1993, p.12-26).
Nesta perspectiva, as soluções das ideias se concretizam no fazer (um puro
tentar, sem certezas) e este fazer incorpora um modo de execução de antemão não
predeterminado.
Nesta ação continuada, a obra de arte pode ser pensada como uma “matéria
formada”, que tem como conteúdo a pessoa do artista, não como tema ou assunto,
mas no sentido de que o “modo” como ela está formada é o modo próprio de quem a
formou (Pareyson, 1984).
Conforme Plaza (2001), o produto criado pode ser pensado a partir de três
categorias ou três pontos de vista:
a) o ponto de vista da pessoa que cria (em termos de fisiologia, temperamentos,
hábitos, valores, emoções, processos mentais, motivações, percepções,
pensamentos, comunicações etc.);

11
Extraído do artigo http://www.livrosabertos.sibi.usp.br/
40
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

b) o ponto de vista do ambiente e da cultura em que a obra se insere


(condicionamentos culturais, sociais, educativos, influenciados pela
demanda exterior, pela encomenda social, ou, até mesmo, pelas
perspectivas que o público tem sobre a arte);
c) o ponto de vista relativo aos processos mentais que o ato de criar mobiliza
(teorias, técnicas, métodos, poéticas, estéticas etc.)

Figura 19 Fonte: fabricadecriatividade.com.br

5.3 Imaginação no processo artístico12

Quando se aborda o processo criativo, e vimos isto ocorrer ao longo dos


séculos, são várias as noções relacionadas, ou quase coincidentes, com o conceito
de criatividade: a não-racionalidade (ou o pensamento não discursivo), a imaginação,
a imagética, a fantasia e inventividade, a representação mental, etc.
A capacidade imaginativa é usualmente descrita como uma faculdade mental
para experienciar, construir e manipular imagens mentais. É responsável pela
fantasia, capacidade de invenção e criação, pelos pensamentos que possuem
características de originalidade, de idiossincrasia, de entendimento, usando a intuição,
a espontaneidade, ao lidar com situações e atividades em que a imprevisibilidade e a
estranheza poderão condicionar a resolução de problemas.
Nos últimos anos, devido às contribuições de investigadores que se dedicam à
pesquisa de aspectos relacionados com a criatividade, algumas das ideias tradicionais

12
Extraído do site repositorio.ul.pt
41
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

caíram finalmente por terra. Assim, a concepção de que o produto criativo seria
resultado de um fulgor da inspiração que ocorreria em determinados indivíduos
considerados privilegiados do ponto de vista intelectual, dotados de um poder especial
ou de um dom inato ou natural, deu lugar à ideia de que todo o ser humano apresenta
um certo grau de habilidades criativas e que estas competências poderiam ser
desenvolvidas pela prática, pelo treino e pela educação. Para tal, seriam necessárias
tanto condições ambientais favoráveis, como o domínio de técnicas adequadas. A
criação artística passou a ser vista como produto não apenas da inspiração e do
talento inato, mas também da preparação, da disciplina, da dedicação, do esforço
consciente, do empenhamento num trabalho prolongado e de um conhecimento amplo
numa área do saber por parte do indivíduo.
A criatividade, e as suas definições podem ser vistas sob quatro ângulos:
Dos processos mentais que o ato de criar convoca – percepção, motivação,
pensamento, aprendizagem, comunicação, etc.

a) Da pessoa que cria, isto é, em termos de neurofisiologia e temperamento,


incluindo atitudes pessoais, hábitos e valores;
b) Das influências ambientais, culturais e educacionais; e
c) Da função dos produtos, ou obras, criados, como teorias, hipóteses,
invenções, pinturas, esculturas, poemas, etc.

6 PROCESSOS DE CRIAÇÃO E ESTUDOS GENÉTICOS

O olhar sobre o processo, o vir a ser, o movimento criador, os caminhos


trilhados pelo artista até que a obra possa ser apresentada ao público, não só como
um produto acabado, mas aberto a traduções. Eis os horizontes dos estudos
genéticos, em constantes evoluções, rompendo fronteiras a fim de melhor
compreender os processos de criação, nas mais diversas linguagens, inclusive nas
obras de arte.
Como um dos frutos primogênitos da humanidade, a obra de arte recusa-se a
ser interpretada como um sistema fechado, logo, é mais coerente interpretá-la por
meio de um processo, englobando, inclusive, seu vir a ser. Analisar obras de arte é
analisar imagens produzidas pelo homem, simples ou complexas, carregadas de
intenções, sentimentos e sentidos.

42
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

O fazer artístico não depende de normas preexistentes, ao contrário, é um


processo, muitas vezes, imprevisível. Ao iniciar-se o trabalho, o artista tem diante de
si um projeto e uma matéria. A obra que está sendo realizada segue sua lei interior,
de tal modo que o resultado dificilmente pode ser previsto.
Estudar um texto, uma obra de arte, ou qualquer fruto da criação humana por
meio da crítica genética é admitir que, além do produto final acabado, houve um
processo de construção da obra. Tal perspectiva de processo amplia a compreensão
da criação e revela os caminhos seguidos pelo autor, suas incertezas, mudanças de
foco e decisões.
O objeto primordial de estudo da crítica genética parte de onde nasce o
movimento da gênese, permitindo que diversos componentes do ato criador, bem
como suas relações, sejam deflagrados. Ao longo do processo, há uma efetivação de
registros que raramente podem ser identificados na obra exposta ao público. Em seu
trabalho de pesquisa, o crítico passa a conviver com o ambiente do fazer artístico,
sendo conduzido pelo universo do artista.
Com raras exceções, a obra de arte é o resultado de um trabalho que se
caracteriza por transformação progressiva, que exige, por parte do artista,
investimento de tempo, dedicação e disciplina. Na obra, é possível identificar um
condensamento das estruturas fractais que a constituíram. A concretização do
processo de contínua metamorfose é evidenciada por meio dos rastros deixados pelo
artista. Tal metamorfose é entendida por Ostrower (2010, p. 51) no sentido de que
“tornar importa em transformar”.
Todo processo de elaboração e desenvolvimento abrange um processo
dinâmico de transformação, em que a matéria, que orienta a ação criativa, é
transformada pela mesma ação. Transformando-se, a matéria não é destituída de seu
caráter, mas diferenciada e definida como um modo de ser, adquirindo unicidade e
reafirmando sua essência. Ela se torna matéria configurada e, nesta síntese entre o
geral e o único, é impregnada de significações.
O artista medita sobre a obra que será executada como se fosse um alvo a ser
atingido. No momento em que a obra se concretiza, o pensamento estético faz-se
visível. A partir dos rastros do processo, a crítica genética define os atos de produção.
Para Neefs (1994), os registros de obras nos indicam, muito à frente de si, o mundo
da virtualidade estética. Os vestígios deixados pelo artista denunciam o

43
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

funcionamento do pensamento criativo e a repetição de gestos permite que teorias


sobre o ato criador sejam deflagradas.
Segundo Le Men (2004, p. 11), “a abordagem genética introduz uma
temporalidade na obra de arte”. Como indica sua etimologia, a palavra ‘genética’
significa tanto ‘tornar-se’ como ‘ser’. Dessa forma, o crítico genético estuda a obra de
arte no gerúndio, o trabalho que está sendo feito, ao invés de congelado em um único
momento, o que, consequentemente, induz a uma definição mais ampla da obra de
arte. Um pensamento em construção pode ser evidenciado quando analisamos a
relação entre os registros deixados pelo autor e a obra entregue ao público. Os
registros podem ser considerados como extensões do pensamento do artista, desta
forma, a partir da relação entre dados e obra, o crítico passa a reconhecer o percurso
criador.
Ao descrever o processo de criação artística, Neefs (1994) aponta euforias e
frustrações, características do trabalho. Afirma que a aventura da realização de um
projeto apresenta padrões heterogêneos. A ideia do artista se metamorfoseia por meio
de temas, formas, cores e estruturas, buscando uma nova disposição estética.
Durante o processo de construção da obra, o artista põe à prova diversas hipóteses,
realizando seleções e efetivando testagens que, normalmente, revelam novas formas
e configuram novas realidades. A luta com as limitações da matéria a fim de
transformá-la faz com que, durante o processo, o artista veja a obra como
autossuficiente, causando dúvidas, confusões e indecisões.
Neefs (1994) descreve ainda que a ânsia e a necessidade de atingir a
intensidade almejada e uma estética para conquistar impedem o artista de parar. Os
movimentos de ir e vir das mãos criadoras são direcionados por projeções que
invadem o espaço de trabalho, como um imperativo para a execução. Neste momento,
a tensão do trabalho do artista torna-se sua consistência e sua verificação. Sobre a
tensão do movimento criador, Salles (1998, p. 63) descreve que o processo dá-se na
relação entre a tendência e a mobilidade do percurso que está inserido no fluxo de
continuidade. A tensão entre projeto e processo deixa aparente o ato criador como um
“projeto em processo”.

44
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Figura 20 Fonte: ricardoselis.com

6.1 Referências do processo criativo

Os arquivos genéticos nos remetem a eventos que revelam tentativas e


reservas, experiências e propostas de progresso, além das expectativas do artista,
vetores de um desenvolvimento criativo ao mesmo tempo atraente e desconhecido. O
estudo do processo de criação promove o confronto de uma obra com todas as
possibilidades que a compõem, tanto a questões anteriores, quanto posteriores a ela.
A obra envolve uma rede complexa de acontecimentos. Esse processo de
transformações contínuas é concretizado pelos rastros deixados pelo autor: por esse
motivo, o ato criativo fascina receptores e criadores. Em seu processo de apreensão
do mundo, o artista estabelece nexos inovadores.
A experimentação é um recurso do processo de transformação. A partir dos
materiais coletados e armazenados, o artista possui um universo mais “palpável” de
relações que poderão ser efetuadas. Os exercícios de exemplificação e da
materialização de um conceito ficam mais fáceis de serem aplicados. Partindo de um
mesmo material de apoio, diferentes obras podem ser criadas, de acordo com a
especialização e a intenção de cada artista.
A experimentação pode ser compreendida como um campo de testagem, que
revela a natureza investigativa do processo criador. O que atribui unicidade ao
trabalho de cada artista é, justamente, o modo como efetua as testagens, avalia a
materialidade e define novos rumos por meio de escolhas que passam a traduzir suas
percepções. Decisões e hesitações são características da ação do artista, envolvem
avaliações e escolhas que revelam as intenções da mão criadora.

45
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

6.2 Aspectos Formativos das Redes de Criação

Como fenômeno social, a arte possui relações com a sociedade. Elas não são
estáticas e imutáveis, ao contrário, são dinâmicas, modificando-se historicamente. O
artista é um ser social, à medida que se apoia numa determinada concepção do
mundo, passa a exprimir, por meio dela, seu estilo. As interações são, muitas vezes,
responsáveis por novas mudanças durante o processo, suscitando novos olhares para
a obra em construção. Novas possibilidades são avaliadas e o artista pode efetuar
seleções e estabelecer critérios de continuidade. Para Ostrower (2010, p. 102), “o
contexto cultural orienta os rumos da criação no sentido de certos propósitos e certas
hipóteses virem a se tornar possíveis”.
O microcosmo no qual o artista está inserido imprime ao trabalho final uma
gama de significados e de possíveis relações a serem estabelecidas. Dessa forma,
reflexões sobre as possíveis interações do processo criativo, em determinado tempo
e espaço, são fundamentais. Toda obra de arte é originária de um ato de escolha,
uma qualidade estética intrínseca, expressada e comunicada pelo artista.

13
7 AS ETAPAS DO PROCESSO CRIATIVO PROPOSTAS POR WALLAS

O ato de criar é parte integrante da rotina do artista. Mas também do não-artista.


Assim como um escultor cria, também um advogado, um professor e uma criança.
Cada um conforme suas necessidades, seus interesses e impulsos.
A partida de tal perspectiva favorece uma compreensão mais abrangente dos
processos criativos, ao passo que não considera tais atos como restritos a um ou outro
campo específico, como o da ciência ou das artes. Mais que isso, entende tal atividade
como inerente a todos os seres humanos, quer estejam focados na resolução de uma
complexa equação matemática, na composição de uma sinfonia ou no pendurar de
uma cortina na parede na ausência das peças apropriadas.
Graham Wallas (1858 – 1932) talvez tenha sido o primeiro a propor as etapas
de um processo criativo. Em sua obra The art of thought (1926), o autor apresentou
quatro etapas básicas comuns à criação: preparação, incubação, iluminação e
verificação. Essas etapas serão brevemente explicitadas a seguir.

13
Extraído do artigo
https://anppom.com.br/congressos/index.php/27anppom/cps2017/paper/viewFile/4911/1644
46
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Figura 21 Fonte: ffrf.org

8 PREPARAÇÃO

Segundo Wallas (1926), a preparação é um estágio preparatório em que o


indivíduo criador acumula as ferramentas técnicas e conceituais as quais disporá para
a apreensão da causa futura. O sujeito indaga, explora, pede sugestões e permite à
mente imergir nas possibilidades da problemática a ser desenvolvida.
George Kneller (1965) afirma ainda que a fase de preparação pressupõe a
experimentação - por parte do agente criador – do meio produtivo, no qual a tarefa se
realizará. Como para se criar é necessário algum domínio técnico, Kneller defende
que o indivíduo deve, a fim de concretizar sua ideia, dominar os meios de exprimi-la.
Conforme citado por NACHMANOVITCH, 1993:

Na criação da obra de arte, há dois momentos distintos: o momento da


inspiração, em que uma intuição de beleza ou verdade chega ao artista, e a
luta geralmente difícil, para manter a inspiração durante tempo suficiente para
transportá-la para o papel ou tela, para o filme ou pedra. Um romancista pode
ter um momento de insight (literalmente um flash) em que se revelam o
nascimento, o significado e o propósito de um novo livro, mas talvez leve anos
para escrevê-lo. Durante esse tempo, enquanto tem que manter as ideias
frescas e claras, ele precisa comer, viver, ganhar dinheiro, sofrer, conviver

47
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

com os amigos e fazer todas as coisas que um ser humano faz. [...] A plena
criatividade artística ocorre quando, por meio do talento e da técnica, o adulto
é capaz de entrar em contato com a clara e inesgotável fonte de prazer da
criança que existe dentro dele.

8.1 Incubação

Para Wallas (1926), na segunda fase – a incubação – o subconsciente busca


ligações inesperadas para a resolução e fechamento da ideia e novas conexões são
formadas. Nessa fase “o indivíduo criador sente uma espécie de insatisfação e de
tensão relacionadas com a ideia de algo que se tem a completar” (TAVARES, 1998,
p. 29). Trata-se de um período em que nenhum esforço direto é empregado sobre o
problema. Na realidade o que se sugere é exatamente um distanciamento intencional
da situação, o que, segundo Wallas, favorecerá na resolução da mesma.
Wallas propõe uma técnica para a otimização dos frutos do período de
incubação baseada na construção deliberada de interrupções em nosso fluxo de
trabalho:
Frequentemente nós atingimos melhores resultados iniciando diversas
tarefas em sucessão, voluntariamente deixando-as inacabadas enquanto nos
dirigimos às outras, do que tentando terminar um trabalho inteiro de cada vez,
a cada momento que nos debruçamos sobre ele. (WALLAS, 1926, p. 84)

Para Wallas (1926) não há melhor saída do que a atenção em outra atividade
preferencialmente que nada tenha a ver com as questões anteriores, ou mesmo olhar
para o horizonte sem nada buscar, olhar sem ver, ouvir sem nada escutar. Para o
artista contemporâneo, talvez o maior desafio seja ausentar-se do ambiente digital,
visto que sua vida social parece vinculada a ele de maneira contínua.

8.2 Iluminação

A iluminação é o momento em que o agente criador percebe a solução de seu


problema; o insight ou flash. Aqui se dá o encontro efetivo de todas as conexões
proporcionadas pelo trabalho conjunto do consciente com o subconsciente realizado
na incubação. “É o momento crucial da criação, geralmente instantâneo, no qual se
estabelecem as associações mentais. (...) Nesse período, o inconsciente anuncia de
súbito os resultados” (TAVARES, 1998, p. 30).

48
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

O insight da iluminação requer uma conexão de ideias e estímulos vindos tanto


do consciente quanto do inconsciente, de maneira a formar uma hipótese súbita
baseada em interpretações, suposições e conclusões.

Figura 22 Fonte: thedailyomnivore.net

8.3 Verificação

A última etapa proposta por Wallas é a da verificação, na qual, ao contrário da


segunda e da terceira, o agente criador retoma o esforço mental consciente a fim de
deliberadamente testar a validade da ideia gerada, e quem sabe sintetiza-la e reduzila,
preparando-a para uma aplicação prática e efetiva. Nessa fase a solução do problema
é validada a partir de critérios lógicos do pensamento, e implica na retomada dos
elementos até então acumulados, o que pode suscitar novas intuições, inclusive de
natureza diversa do original.
Essa fase equivale a “um processo de revisão em que a solução do problema
é conscientemente elaborada, sendo passível de alteração e correção” (TAVARES,
1998, p. 34).
Essas etapas de criação, de acordo com Wallas (1926) entretanto, não
funcionam de maneira isolada uma da outra, uma vez que o mecanismo da
criatividade é uma máquina hermética, de inúmeras e interligadas peças equilibradas
entre si. As etapas podem inclusive se misturar entre si, criando uma elaborada teia
mental de conexões superpostas, pois não lidamos com causas e situações
individuais no dia a dia, mas com a resolução de inúmeros problemas
simultaneamente. Ou seja, ao mesmo tempo em que experimentamos uma pintura -
apreciando-a visualmente – nosso subconsciente pode encontrar a solução para um
problema anterior, de natureza completamente distinta, e assim sucessivamente com
todas as etapas.

49
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Figura 23 Fonte: slideshare.net

9 O PROCESSO CRIATIVO NA CONTEMPORANEIDADE

Refletir sobre a criatividade e sua importância na contemporaneidade é um


exercício interessante.
Esse pensamento sobre a criatividade é inerente à Grécia Antiga, onde se
acreditava na necessidade de uma musa inspiradora para o desenvolvimento do
processo criativo. Acompanhando os estudos científicos a respeito da criatividade,
podemos desmistificar algumas concepções sobre o ser criativo relacionadas a um
dom (divino), em que a inspiração e o processo criativo estão associados a um estado
irracional, a algo sobrenatural ou são próprios de pessoas “privilegiadas” que, no
século XVIII, foram identificadas como “gênios criativos”; ideia, hoje, totalmente
ultrapassada.
Segundo Guilford (1950), o pensamento divergente – ou criativo – é capaz de
romper as barreiras que permeiam o consciente e o inconsciente, permitindo que o
processo de incubação de ideias se invista de elementos completamente inesperados
e da capacidade de se libertar de uma ideia inicial para explorar várias ideias
simultaneamente.

50
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

9.1 Historicidade e Contemporaneidade 14

Para nítida compreensão da expressão artística desde os primórdios até a


contemporaneidade, se faz necessário as constantes interações entre o sujeito e o
mundo, as influências sobre o sujeito e sua capacidade de interagir no ambiente. As
diversas linguagens utilizadas pelo homem, são expressões apresentadas sob
diversos códigos. Na arte o conhecimento busca uma verdade relacionada ao
sensível, fundamentada na subjetividade do artista criador, analisada no contexto
histórico da sociedade.

Contudo, o ser humano também produz coisas que, apesar de não terem uma
utilidade imediata, sempre estiveram presente em sua vida. É a respeito delas
que nos perguntamos por que e para que foram feitas. A resposta a esta
pergunta nos mostra que o homem cria objetos não apenas para se servir
utilitariamente deles, mas também para expressar seus sentimentos diante
da vida e, mais ainda para expressar sua visão no momento histórico em que
vive. Essas criações constituem as obras de arte e também contam – talvez
de forma muito mais fiel – a história dos homens ao longo dos séculos.
(PROENÇA, 1999, p. 6 – 7)

O panorama histórico apresentado inicia-se no período do Paleolítico (de


30.000 A.C a 10.000 A.C) com o naturalismo pré-histórico, inicialmente a arte tinha
por objetivos a magia e não a expressão estética. Segundo Hauser esse período foi
antecedido da fase pré-mágica, constituindo desta forma as condições prévias da
Arte, as ideias desenvolvidas nessa fase de semelhanças e cópias, constituem o
ponto inicial do processo de criação da humanidade, pois no homem surge a ideia de
criação.
A principal característica dos desenhos da Idade da Pedra Lascada, nome
pelo qual também é conhecido Paleolítico superior, é o naturalismo. O artista
pintava os seres, um animal, por exemplo, do modo como o via de uma
determinada perspectiva, reproduzindo a natureza tal qual sua vista a
capitava. Assim, a arte do homem desse período, diferentemente da de
outros, retratava apenas o que o artista vê. (PROENÇA, 1999, p. 10 – 11)

14
Extraído do artigo
http://www.seduc.pi.gov.br/download/arquivos/biblioteca/1276851904.universidad_evangelica_del_par
aguay .pdf
51
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Durante milhares de anos permaneceu o estilo naturalista, somente com a


transição para o neolítico (de 10.000 A.C a 4.000 A.C) muda-se o estilo para o
geometrismo, o homem passa a utilizar formas, conceito e a simbologia em detrimento
a reprodução de imagens reais, esse gigantesco passo tem como essência primordial
a pretensão de criar. Segundo Hauser (1977) a obra de arte deixa de ser a
representação pura de objetos materiais e converte-se na tradução de uma ideia: não
somente uma reminiscência, mas também uma visão. Segundo a explicação de
Proença:
Mas não foi apenas a maneira de desenhar e pintar que sofreu modificações.
Os próprios temas da arte mudaram: começaram as representações da vida
coletiva. Como as pessoas passaram a serem representadas em suas
atividades cotidianas, um novo problema se colocou para o artista: dar ideia
de movimento através da imagem fixa. E o artista do Neolítico conseguiu isso
de uma maneira eficiente... A preocupação com o movimento fez com que os
artistas criassem figuras leves, ágeis, pequenas e de pouca cor. Com o
tempo, essas figuram foram se reduzindo a traços e linhas muitos simples,
mas que comunicavam algo para quem as via. Desses desenhos surge,
portanto, a primeira forma de escrita, a escrita pictográfica, que consiste em
representar seres e ideias pelo desenho. (PROENÇA, 1999, p. 14).

Na Idade Antiga que inicia-se com o aparecimento da escrita até 476 D.C.
Durante esse período os artistas trabalhavam em oficinas para os sacerdotes e
príncipes, exercendo atividades como escravos, com o objetivo de criar ofertas a
religiosidade e memórias de reis, nesse contexto as regras de criação passam a ser
inalteradas como credos tradicionais. Em maior quantidade as representações
pictóricas de cunho religioso, exaltavam os reis como deuses baseados na arte
sepulcral, enquanto os pintores e escultores permaneciam como artífices anônimos,
excluindo suas criações e subjetividade.
Inovações na arte não eram permitidas, como também qualquer tipo de
reforma, pois as alterações eram temidas na ordem vigente, sendo as regras
tradicionais da arte tão sagradas e invioláveis como os credos religiosos e as formas
de culto. Assim os artistas eram artífices anônimos, no máximo apreciados nessa
condição. Não eram vistos como personalidade em si, mas como trabalhadores
manuais (Giron,2007 p.41).
Entretanto, apesar dos artistas anônimos não contemplarem uma liberdade
criativa, o cultivo da música estudada pelos egípcios em outros povos, aprimorou-se
52
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

a utilização e criação de instrumentos musicais. Na arte grega o ápice ocorreu com a


origem do teatro, entusiasmado através de festivais para homenagem aos deuses,
influenciando inclusive a arquitetura. Segundo Proença (1999) o contato com as
culturas do Egito e do Oriente causou admiração e espanto nos gregos, devido as
suas criações artísticas. As esculturas merecem destaque onde o artista passou a
utilizar outros materiais mais maleáveis, permitindo aprimorar a expressividade,
movimentos e drapejamento.
A criação de vários instrumentos musicais como: lira, pan, flauta, além dos
inestimáveis conhecimentos científicos e o sistema de notação musical, fizeram parte
da formação espiritual e dos valores do povo grego preservada e reproduzida em suas
criações pelo povo romano. Como comenta Proença (1999) a arte romana sofreu duas
fortes influências: a da arte etrusca, popular e voltada para a expressão da realidade
vivida, e a da arte grego-helenística, orientada para a expressão de um ideal de
beleza. Mas no final do século I d.C., Roma já havia superado essas duas influências
– a grega e a etrusca – e estava pronta para desenvolver criações artísticas
independentes e originais.
Na Idade Média (476 D.C até 1453), segundo Giron (2007), este longo período
se estendeu desde a queda do Império Romano até a tomada de Constantinopla.
Onde foram centralizados os trabalhos intelectuais – ciências e ensino, arte e literatura
– nos mosteiros, as artes manuais eram atividades no currículo dos monges, na
sociedade eram aplicados somente aos reis e altos senhores. As construções das
igrejas, catedrais e abadias eram voluntosas e determinadas pelo clero, porém apesar
das decisões coletivas, não podemos ocultar o valor do processo criador dos
indivíduos de forma consciente e obra de faculdades intelectuais, mesmo anônimos.
Este longo período que durou aproximadamente oito séculos, oportunizou o
desenvolvimento de várias linguagens artísticas com padrões e estilos específicos que
foram: arte cristã primitiva, arte bizantina, arte românica e arte gótica.
Posteriormente na Idade Moderna, surge o movimento o movimento que
buscava a renovação cultural e artística, o Renascimento, que destacava uma arte
para a elite, inspirada em modelos grego-romana, valorizava a perfeição das formas.
Surgindo como destaque grandes artistas com estilos próprios, valorizando o artista
como criador individual, ímpar, superior na capacidade de criar, dentre estes temos:
Masaccio, Fra. Angélico, Paollo Ucello, Pierro dela Francisca, Botticelli, Rafael,
Leonardo da Vinci, Michelangelo, entre outros. Segundo Proença:
53
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

Na verdade, o Renascimento foi um momento da História muito mais amplo


e complexo do que o simples reviver da antiga cultura grego-romano.
Ocorreram nesse período muitos progressos e incontáveis realizações no
campo das artes, da literatura e das ciências, que superaram a herança
clássica. O ideal do humanismo foi sem dúvida o móvel desse progresso e
tornou-se o próprio espírito do Renascimento. Num sentido amplo, esse ideal
pode ser entendido com a valorização do homem e da natureza, em oposição
ao divino e ao sobrenatural, conceitos que haviam impregnado a cultura da
idade média. (PROENÇA, 1999, p. 78).

As inúmeras encomendas de obras de arte neste período, faz despontar o


artista como trabalhador intelectual livre, com status social em ascensão. Surgem
desta forma escolas para aprendizes, são oficinas com características artesanais e
metodologias individuais. Para consolidar o perfil do artista, muitas crenças foram
reinterpretadas, com o advento da filosofia, novas descobertas, invenções na área
científica, o poder da religião ainda era muito forte e perpassava as classes sociais.
Em muitos casos os artistas criadores tinham de se submeter aos estereótipos
impostos, ora pela igreja, ora pela burguesia, a maior parte das pesquisas artísticas
eram feitas escondidas em ateliês, com disfarce de escritas e utilização de códigos ou
desenhos para proteger seus processos de criação.
Segundo Hauser (1972), o desenho tornou-se a fórmula direta da criação,
porque constituía a expressão mais flagrante do fragmentário do incompleto e do não
completável; que em último caso é peculiar a todas as obras de arte.

9.2 Barroco

No período entre os séculos XVI e XVIII, desenvolveu-se na Europa o estilo


barroco, com a reforma protestante, que era um movimento religioso, vários fatores
foram afetados entre eles o cultural, surgindo na Itália a contrarreforma, a igreja
católica retomou a edificação de novas arquiteturas, para trabalhar novamente a
serviço da religião. Nesse panorama a arte procurou despertar no observador o
sentimento do incompreensível com abundância de detalhes, não somente na pintura,
mas com louvor nas esculturas, arquitetura e móveis decorativos, com abundância de
detalhes e as criações são baseadas em peças originais.

54
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

No Brasil foram os jesuítas que trouxeram esse estilo, passando a adquirir


características próprias, principalmente na arquitetura.
O Barroco brasileiro é claramente associado à religião católica. Por todo o país,
são inúmeras as igrejas construídas segundo os princípios desse estilo. Mas a
também muitos edifícios cíveis – como cadeias, câmaras municipais, moradias de
pessoas ilustras – e chafarizes que apresentam nítidas características barrocas.
(PROENÇA, 1999, p. 196).
O final do estilo Barroco desenvolveu naturalmente o Rococó, com temática
diferenciada, padrões fixos, as criações neste estilo se destinam as classes mais
elevadas, tem característica peculiar, altiva e requintada, contemplando a valorização
da cor.

Figura 24 Fonte: todamateria.com.br

A obra do mestre Ataíde, como ficou conhecido, era fiel à característica


religiosa do barroco. As personagens de inspiração bíblica exibem traços brasileiros.
Entre suas obras está o painel da nave da Igreja de São Francisco de Assis da
Penitência, na cidade de Ouro Preto.
Nas últimas décadas do século XVIII, prevaleceu após a revolução Francesa o
retorno a antiguidade grego-romana nas linguagens artísticas, foi o neoclassicismo
que passou a ser ensinado nas academias das belas–artes. No Brasil o
Neoclassicismo surgiu com a transferência da corte portuguesa, nesse período criou-
se várias instituições e a chegada da Missão Artística Francesa em 1816, artistas

55
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

como Debret e Taunay, fundaram a Escola de Belas-artes, o processo criativo estava


voltado a temas históricos e retratos, contemplando os modelos clássicos.

9.3 Mudanças

Com a Revolução Industrial no século XIX, inúmeras mudanças ocorreram no


campo social, político e cultural, a arte não ficou alheia ao processo, e muitos,
pósimpressionismo. Contrapondo as ideias do academicismo, o Romantismo com
acentuado subjetivismo, perpassava desde os temas históricos até o dinamismo das
emoções humanas, o processo criativo do artista estava no dinamismo, movimentos,
angústias ideológicas, aspirações e paixões, expressões presentes em todas as
linguagens: música, literatura, escultura, pintura entre outras.
Com o advento da tecnologia e ciência outra tendência estética emerge, o
Realismo que abordava aspectos expressivos da realidade imediata, o artista
manifestava através das artes as injustiças e desigualdades sociais, a criação
permanece ligada as questões sociais. No cenário brasileiro os trabalhos dos pintores
tentavam ultrapassar as técnicas permeadas do neoclassicismo, ganhando espaço o
artista Visconti, com viagens a Europa dialogou com trabalhos impressionistas,
inovando o cenário brasileiro através de experiências com efeito de luz.
A visão de sociedade se modificou no final do século XIX com inúmeras
transformações no setor de produção industrial, invenções como a fotografia, telefone,
avião entre outras passam a ser realidade para a sociedade, com tantas inovações, o
processo de criação para os artistas passa a ocorrer ao ar livre, onde buscava-se a
luz natural, nesse contexto emerge o Impressionismo. Segundo Hauser o
Impressionismo é um estilo urbano porque descreve a mutabilidade, o ritmo
nervoso, as impressões súbitas, pungentes, mas sempre efêmeras da vida nas
cidades. Com as cores em si mesma descobre sensações que as linguagens da
música e da poesia tentam também expressar.
No século XX os ritmos urbanos continuam acelerados, fatos importantíssimos
marcam essa época, como a primeira guerra Mundial, o Facismo na Itália, o Nazismo
na Alemanha, logo outra grande Guerra, a Segunda Mundial, Guerra no Vietnã, no
Golfo Pérsio, entre outras. Nessa eclosão de conflitos, o homem contemporâneo
representa na arte subdivisões com ideias próprias e linguagens específicas, surgindo

56
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

o Expressionismo, Fauvismo, Cubismo, Futurismo, Abstracionismo, Dadaísmo,


Surrealismo, Pintura Metafísica e a Pop-art.
No Brasil o marco para a arte foi a Semana de Arte Moderna em 1922, onde a
produção de criação estava voltada para o subjetivismo, afastando-se do belo natural.
Tarsila configurou a linha de frente na pintura modernista brasileira, ao lado de Anita
Malfatti. Seu quadro mais famoso é Abaporu - significa "homem que come carne
humana" -, de 1928, que inaugura o movimento antropofágico (de "digerir" e incorporar
outras culturas) no Brasil.

Figura 25 Fonte: ebc.com.br

Na contemporaneidade, muito se tem criado na área artística com infinidades


de expressões, percebe-se a criação de uma obra com aprendizagens onde envolve
contextos e códigos de trabalho, experienciadas o conhecimento sensível.
Pensar em criação é compreender leituras multiformes, ligadas ao sensível, e
a arte passa a se mostrar como interpretação crítica, criando uma realidade que
perpassa o real e a ordem imposta, buscando efeitos conceituais através de práticas
criadoras, práticas estas compreendidas no cotidiano escolar baseadas em conteúdos
que fundamentam o fazer artístico, nenhuma atividade de arte, em qualquer das
linguagens (dança, teatro, artes visuais e música) deve ser apresentada aos
educandos no processo de criação, como algo aleatório do contexto histórico da arte,
caso contrário imagina-se conteúdos esvaziado em fundamentação teórica.

57
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

9.4 Conhecimentos e habilidades do ser criativo

Com a multiplicação dos debates científicos sobre a criatividade, houve a


necessidade de uma definição mais consensual e universal sobre o tema, proposta
pela Creative Education Foundation durante um congresso em 1990, na Universidade
de Buffalo (EUA). A definição reconhecida pela maioria dos investigadores foi que a
criatividade é a capacidade de realizar uma produção que seja ao mesmo tempo nova
e adaptada ao contexto no qual ela se manifesta. O exercício da criatividade é cada
vez mais necessário nos diversos “ambientes”, principalmente nos educacionais e
empresariais. Se a função do psicólogo é entender como se dá a relação da
criatividade com a mente humana, a função do educador é desenvolver metodologias
para estimular o indivíduo a ser criativo.

10 O PROCESSO DE CRIAÇÃO COMO FERRAMENTA DE ENSINO 15

Estudos em psicologia cognitiva ressaltam a importância de formular métodos


que permitam uma participação mais ativa do aluno em seu processo de
aprendizagem, levando-se em consideração seus interesses, habilidades e história
(FINK, 2003; REIF, 2008; WIGGINS & MCTIGHE, 2005).
Partindo do princípio que todos são criativos e que essa habilidade pode ser
desenvolvida num ambiente escolar propício, o papel da escola se torna mais
complexo: ao invés de ser um mero provedor de informação, deve se transformar no
espaço em que os alunos desenvolvam as habilidades desejadas para a sociedade
do conhecimento − é fundamental aprender a ser criativo (Fasko, 2001) e a “pensar
fora da caixa”.

10.1 Preparação e imaginação

A audácia humana é presença da imaginação, que nos diferencia dos demais


animais, somos seres capazes de criar símbolos com significados primordiais para
interpretar a realidade, baseada nesta premissa é que surge a arte com questões
conceituais se constituindo linguagem e com códigos específicos e nem sempre
inteligíveis. Nesta visão contemporânea onde incluir na escola a arte, somente como

15
Extraído do artigo http://ww2.faculdadescearenses.edu.br/revista2/edicoes/vol3-1-
2012/artigo3.pdf
58
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

lazer, ou no rol das disciplinas sem muita importância? Ao se pensar neta área como
expressão de cada época, em tempos contemporâneos, diante do ecletismo típico da
nossa sociedade e da tecnologia presente neste século cada vez mais no cotidiano, a
invasão tecnológica vem trazendo novos caminhos para o fazer artístico, e para a
estética.
A natureza dialética dos novos caminhos artísticos perpassa o processo de
criação e a imaginação criadora que a escola deve proporcionar para o educando e
despertar no educador. Todos os contatos com materiais diversificados que a criança
tem oportunidade de manusear, ela cria neste contato fermentação para a imaginação
criadora que é também um modo de conhecer.
Apesar das diferenças nas concepções sobre pensamento criativo, na escola
todas as áreas de conhecimento devem ter responsabilidade, não somente a
Educação Artística, uma vez que é campo privilegiado da arte, pois cada linguagem
artística (artes plásticas, música, dança e teatro) existe um leque de oportunidade para
a imaginação criadora e a percepção, pois criar e ser criativo depende do
desenvolvimento e do estímulo através do conhecimento artístico e da elaboração de
uma expressão estética pessoal.
Este estudo necessita da fundamentação legal da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira (9394/96) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s)
compreendendo a fundamentação para o contexto escolar. Segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Arte (1997, p. 41):

A emoção é movimento, a imaginação dá forma e densidade à experiência


de perceber, sentir e pensar, criando imagens internas que se combinam para
representar essa experiência. A faculdade imaginativa está na raiz de
qualquer processo de conhecimento, seja científico, artístico ou técnico.

Segundo o PCN de arte, instigar o educando para busca incessante do


conhecimento se faz a partir da emoção, percepção e imaginação, processos
integrados servindo de base para o alicerce do conhecimento. É possível em muitas
escolas o controle do processo criativo e o controle do imaginário através de
dispositivos que intervém ou condicionam através dos planejamentos de ensino,
repertórios repetidos, estereótipos de inúmeros modismos, contrapondo um currículo
necessário para o andamento educacional.

59
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

O que percebemos é que o processo de criação seja qual for a fase necessita
da valorização e incentivos, mantendo um elo com um prazer de criar.
Para Deleuze, são três as atividades de produção criativa do pensamento: a
filosofia que cria conceitos; a ciência, que cria o que ele chama de funções; e a arte
que cria o que ele chama de perceptos e afectos. Nesta perspectiva o educador deve
comtemplar as atividades de produção criativa do pensamento nas diversas áreas que
ele atua.

Figura 26 Fonte: institutoativar.org.br

10.2 Processo criativo do docente16

No recorte histórico entre o professor de arte em séculos passados que faz uso
do processo criativo e o professor contemporâneo possuem pontos comuns, o que
diferem são as técnicas e materiais utilizados, porém ambos buscaram construção ou
desconstrução de objetos artísticos, na realidade cabe ao educador experienciar como
é possível ensinar a criar, não como transmissor e/ ou receptor, mas como sujeitos do
processo nas atividades significativas.
Desenvolver atividades que envolvem criação requer formação continuada
como citada anteriormente, como um historiador que reescreve sua biografia
cotidianamente, não se limitando ao conteúdo de sua área, mas se reportando aos

16
Extraído do artigo
http://www.seduc.pi.gov.br/download/arquivos/biblioteca/1276851904.universidad_evangelica_del_par
aguay .pdf
60
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

saberes necessários sobre aprendizagem, mais precisamente na área artística que


na maioria das instituições é resumida a pouquíssimas horas semanais.
Quando o educador apenas reproduz apenas práticas sem características
criativas, o público alvo seja ele educandos ou visitantes de exposições e galerias,
todos tendem ao desinteresse. Existindo apenas a obrigatoriedade de ensinar
conteúdos desarticulados da realidade, sem sentido para a vida cotidiana. A vivência
é primordial para a aprendizagem, de nada adianta práticas conteudistas sem desafio,
vazia de transformações dentro de cada educando.
Com a retomada desse processo de criação o que antes poderia estar perdido
vem à tona através das linguagens artísticas e na maioria das vezes perdidas no
percurso escolar das crianças, jovens ou adultos. O que ficou reprimido emerge,
oportunizando o processo criativo espontâneos aproximando o sujeito do processo
ensino aprendizagem (professor-aluno) a si mesmo.
Baseado na proposta do PCN- arte (Parâmetros Curriculares Nacionais) a
aprendizagem através da criação, interpretação e resolução de problemas deve ser
orientada durante o processo de ensino, baseada na proposta construtivista o
educando deve resolver e tomar decisões a partir da construção e da interação dos
conteúdos envolvidos. O educador é responsável pela criação de atividades
diferenciadas, onde o educando aprende para si e para a participação social.

Figura 27 Fonte: superaparaescolas.com.br

61
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

10.3 Linguagens artísticas

10.3.1 Linguagem musical 17

Na linguagem musical o aprendiz deve enriquecer a experiência estética


compreendendo a música como produção cultural supondo também a criação, a
prática do pensamento musical, a estrutura da linguagem musical e seus elementos,
os códigos de notação musical e a prática da escuta nos diferentes gêneros e estilos.

10.3.2 Linguagem Teatral

Na linguagem teatral o jogo dramático é entrada para a ficção no trabalho de


imaginação, essenciais para apreensão dos elementos constitutivos desta linguagem,
ressignificando a realidade através do imaginário dramático, o educando no contato
com a dramaticidade construirá seus signos, criando contextos significativos.
No processo de criação teatral, a dependência do outro para dar continuidade
às tarefas é de suma importância. O ator precisa do outro, o diretor precisa do
cenógrafo, do figurinista, etc., desta forma o fazer teatral nasce da integração dos
fazeres gerando um produto final que só existe para apreciação do público que de
certa forma interage no momento em que se desenrola o espetáculo teatral. O
educando que compreende esta relação trabalha a coletividade e melhora a
convivência em equipe. Essa convivência poderá sensibilizá-lo para outros temas
sociais.

10.3.3 Linguagem Visual

Percebendo a linguagem visual o educador-criativo introduz a leitura em seus


elementos constitutivos, em consonância com os modos desta linguagem, através do
manuseio de materiais, instrumentos e técnicas diversas.

17
Extraído do artigo
http://www.seduc.pi.gov.br/download/arquivos/biblioteca/1276851904.universidad_evangelica_del_par
aguay .pdf
62
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

10.3.4 Linguagem da dança

Na linguagem da dança, através do pensamento cinestésico (pensar em termos


de movimento), o processo criativo parte deste pensamento cinestésico, através de
movimentos expressivos, orientações de espaço, criando e improvisando.
Coreografando e oportunizando a criança na apreciação da arte do movimento.
Substituindo práticas incoerentes e repetitivas apenas em datas comemorativas, onde
o gosto e o prazer do espetáculo musical e dramático não passam de obrigações
desvinculadas do conhecimento artístico. Segundo Martins (1998, p.138):

O acesso a espetáculos de dança clássica, moderna ou folclórica permitirá à


criança uma experiência estética, além de proporcionar-lhe a apreciação
significativa da arte do movimento. A conversa sobre os conceitos e a história
da dança na vida humana, seus intérpretes, seus gêneros presentes nas
várias culturas, será um aspecto importante na ampliação de referências
sobre essa linguagem.

Figura 28 Fonte: classicalseattle.com

11 EDUCAÇÃO EM ARTE

Um dos papéis atribuídos aos ambientes de formação educacional é a prática


do princípio da democracia, sendo fonte de acesso à informação e formação também
estética para todas as classes sociais, promovendo a multiculturalidade brasileira,
aproximando assim todos os diferentes grupos culturais com seus respectivos códigos

63
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

populares e eruditos. Entretanto, o que percebemos na sociedade é a permanência


da separação de culturas. A legislação para o emprego do ensino da arte na educação
básica ainda é relativamente recente e, como demonstram as pesquisas na área,
ainda muito mal-empregada. Isto se deve não só à escassez de espaço para a
formação docente, como também à falta de apoio e respeito à disciplina por parte dos
responsáveis pela maioria das escolas particulares e públicas.
Por isso, a educação em arte pode e deve assumir um caráter disciplinar,
interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar, pois “a arte invade todos os campos
da vida humana e deve estar presente nas diferentes disciplinas e práticas
pedagógicas” (COSTA, 2004, p 13). Aquele que estuda, aprecia ou produz obras de
arte, desenvolve sua percepção e imaginação, dois recursos indispensáveis para
compreender quaisquer outras áreas do conhecimento humano e fundamentais para
a construção de um texto ou para desenvolver estratégias para, por exemplo, a
resolução de um problema matemático.
A valorização das diferentes manifestações culturais é uma indicação dos
documentos oficiais para toda a Educação Básica. Cultura, segundo dicionários de
Língua Portuguesa, é considerada um sistema de ideias, conhecimentos, técnicas e
artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que caracterizam determinada
sociedade. Giroux (1986) afirma que a cultura é um construto para compreensão das
relações complexas entre a escolarização e a sociedade. White e Dillingham (2009)
consideram que o ser humano e a cultura são inseparáveis.
Para Godoy (2015) a cultura, em termos sociológicos, ideológicos e
tecnológicos é dependente da simbolização, que, por sua vez, é dependente do
discurso articulado. “A origem da cultura foi consequência do exercício da capacidade
humana de atribuir significado aos símbolos (simbolizar) ” (Godoy, 2015, p. 88). O
comportamento cultural trata-se de uma expressão que origina as artes e as técnicas
como manifestações do fazer, integrando à realidade “artefatos e, por outro lado, as
ideias, tais como religião, valores, filosofias, ideologias e ciência como manifestações
do saber, que se incorporam à realidade na forma de ‘mentefatos’” (D'Ambrosio, 1986,
p. 47).
Há pessoas que têm um potencial ou senso criativo inerente, sendo esse
expresso em seus fazeres, fruto de suas origens culturais. Diversos autores
conceituam processos criativos e criatividade. No entanto, é comum a ideia do
‘formar’, ‘criar algo novo’. A criatividade é a capacidade de realizar uma produção que
64
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

seja simultaneamente nova e adaptada ao contexto na qual se manifesta (Lubart,


2007); (Barron, 1988). Criar é dar forma a algo novo, afirma Ostrower (2004).

Em qualquer que seja o campo de atividade, trata-se, nesse ‘novo’, de novas


coerências que se estabelecem para a mente humana, fenômenos
relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. O ato criador
abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de
relacionar, ordenar, configurar, significar. (Ostrower, 2004, p.9).

Para Gardner (1999b), uma pessoa criativa resolve problemas, molda produtos
ou proporciona a emersão de novas questões em determinado campo de uma forma
inicialmente incomum, mas que posteriormente são aceitas em seu grupo cultural.
As pessoas têm, em suas raízes culturais e na criatividade, o impulso para
realização de seus trabalhos. A criação de algo acontece em todos os momentos, nas
mais diversas profissões. A arte, uma atividade humana relacionada às manifestações
de ordem estética, é expressa não somente nas manifestações populares, mas em
todas as profissões.
A arte e os processos criativos são constantes em vários ramos profissionais.
As diferentes manifestações artísticas podem contribuir com os processos
educacionais nas mais diversas disciplinas. O estudo de distintos processos criativos,
por exemplo, permite ao estudante inteirar-se de conceitos de diferentes áreas do
conhecimento e, ao mesmo tempo, conhecer e valorar a cultura de cada grupo social.
Diversos profissionais expressam seu senso criativo em suas profissões,
processos de suas mentes que conduzem estas pessoas a criarem transformando
seus modelos mentais em produtos, processos, objeto, conhecimento. E, assim,
segundo Kolb e Whishan (2002), essa característica notável da mente humana
propicia desenvolver uma cultura rica e criativa, processos e conhecimentos que são
transmitidos a outrem.
O senso criativo, inerente às pessoas e proveniente, principalmente, de seu
patrimônio e contexto humano, social e cultural, necessita de estímulo, e o mais
indicado seria estimulá-lo na pessoa enquanto estudante. O desenvolvimento do
senso criativo e a incitação para que o estudante expresse sua criatividade devem ser
feitos desde os anos iniciais da Educação Básica. Pois as pessoas se percebem e se
reconhecem naquilo que criam, transformando algo, dando-lhe sentido, significado. E,
quando algo se transforma, as pessoas também se transformam.
65
ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

É preciso que a escola, por meio do planejamento dos professores, preocupese


em fomentar a criatividade nos estudantes trabalhando com a modelagem e a cultura,
pois, ao integrar à educação escolar as questões do dia a dia, pode-se inclusive
identificar diversas ações com fins de contribuir para aprendizagem dos estudantes.
Os elementos culturais podem contribuir no desenvolvimento dos programas
escolares de uma forma diferenciada e motivadora. De acordo com Mosé (2015, p.82),
“a escola, cada vez mais, deverá ser um espaço aberto, e a educação inevitavelmente
vinculada à cultura”.

Figura 29 Fonte: vvale.com.br

12 BIBLIOGRAFIA BÁSICA

COLOMBO, Fausto. Os Arquivos Imperfeitos. São Paulo; Perspectiva. 1991


CONTAT, Michael; FERRER, Daniel. Porquoi la critique génétique? Paris: CNRS
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CIRILLO, José; GRANDO, Ângela;(Org.). Arqueologias da Criação. Estudos sobre
o processo de criação. Belo Horizonte: C/Arte. 2009.

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ARTE E PROCESSO DE CRIAÇÃO

CIRILLO, José; RODRIGUES, M.R. Processo de Criação: reflexões sobre a


gênese na arte. 1. ed. Vitória, ES: UFES, 2010.
FAUSTO, C. Os arquivos imperfeitos. São Paulo:
Perspectiva, 1986
FERREIRA, G.; COTRIM, C. Escritos de Artistas – anos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar,
2006
GRÉSILLON, Almuth, Elementos de crítica genética, Porto
Alegre,
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