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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

ARTE, CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO

GUARULHOS – SP
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 3
2 ARTE: INTERFACES E PERSPECTIVAS .............................................................. 4
2.1 Construção do conceito de arte ............................................................................ 4
3 ARTE E HISTÓRIA ................................................................................................. 9
3.1 A história da arte e a trajetória das expressões artísticas ..................................... 9
3.2 Compreendendo as artes cênicas musicais e da dança na contemporaneidade 21
3.3 Compreendendo as artes plásticas, visuais e literárias na contemporaneidade . 25
4 ARTE E SOCIOLOGIA .......................................................................................... 28
4.1 Arte e sociedade, um binômio indissociável ....................................................... 30
5 ARTE E COMUNICAÇÃO ..................................................................................... 37
5.1 Por que as comunicações e as artes estão convergindo? .................................. 37
5.2 A relação entre a Comunicação e a Arte ao longo das eras ............................... 39
6 O SISTEMA DA ARTE E A INDÚSTRIA CULTURAL ........................................... 44
6.1 Ideologia e Mercadoria........................................................................................ 47
6.2 Mimese e pseudo-individuação ........................................................................... 49
6.3 Semiformação e experiência, ou a razão ‘comum e cativa’ ................................ 53
7 MOVIMENTOS DA ARTE MODERNA E DAS VANGUARDAS ............................ 60
7.1 Vanguardas europeias ........................................................................................ 60
7.2 Modernidade e vanguarda artística na América Latina ....................................... 70
7.3 A Semana de Arte Moderna no Brasil ................................................................. 76
8 O IMPACTO DA COMUNICAÇÃO DE MASSA E DA RESPONSABILIDADE
TÉCNICA (FOTOGRAFIA E CINEMA) NA ARTE ..................................................... 79
8.1 A fotografia e a arte ............................................................................................ 79
8.2 Cinema e arte ..................................................................................................... 83
9 MOVIMENTOS ARTÍSTICOS CONTEMPORÂNEOS: DO PÓS-GUERRA AO
INÍCIO DO SÉCULO XXI........................................................................................... 86
9.1 O desenvolvimento da arte pós-moderna ........................................................... 86
9.2 Sobre a Pop Art e o seu desenvolvimento .......................................................... 91
9.3 Os artistas da Pop Art ......................................................................................... 95
9.4 A Pop Art no Brasil ............................................................................................ 100
9.5 A Minimal Art e as suas características ............................................................ 103

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável -
um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum
é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 ARTE: INTERFACES E PERSPECTIVAS

Ao longo de toda a história, o homem produziu artefatos que auxiliaram em seu


trabalho e o ajudaram a vencer as limitações físicas apresentadas pela natureza. Para
dominar e aperfeiçoar o meio natural, o ser humano produziu um número imenso de
utensílios, ferramentas e artefatos. Segundo Dulce América Souza (2019), estudar
essa produção torna possível a compreensão do processo civilizatório ocorrido desde
que o homem habitou a Terra.
O ser humano também produziu coisas que, embora não possuam uma
utilidade imediata, sempre estiveram presentes em sua vida e revelam a história da
humanidade. Esta produção — que permite que tenhamos conhecimento da visão do
ser humano frente ao mundo que o cerca: seu momento histórico, seus desejos e a
expressão de seus sentimentos — se refere às denominadas “obras de arte”. (SOUZA,
2019).
Neste capítulo, será estudado a construção do conceito de arte, delineando as
implicações culturais que o envolvem. A história da arte se desenvolve nos limites
daquilo que os autores consideram “conceito restrito” de arte, pois contempla a
produção realizada por artistas e legitimada por instituições, teoria e crítica. As
definições de “belas artes” e “artes aplicadas”, por exemplo, contribuem para a
compreensão do fenômeno artístico e sua conceituação.

2.1 Construção do conceito de arte

Se buscarmos uma resposta objetiva e definitiva para o conceito de arte, nos


frustraremos, pois, as definições podem ser divergentes e até contraditórias. Inúmeros
tratados de estética debruçaram-se sobre esse problema, buscando situá-lo, com o
intuito de definir o conceito. Ainda que sem definir claramente o conceito de arte,
identificamos algumas produções da cultura na qual estamos inseridos como “arte”.
Há, no entanto, um consenso sobre o nosso comportamento em relação à ideia de
arte, pois nossa atitude diante dela é de admiração.

É possível dizer, então, que arte são certas manifestações da atividade


humana diante das quais nosso sentimento é admirativo, isto é: nossa cultura
possui uma noção que denomina solidamente algumas de suas atividades e
as privilegia (COLI, 2002, p. 8).

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Em contrapartida, nossa tranquilidade se desfaz quando nos deparamos com
objetos artísticos que não se conformam exclusivamente à apreciação admirativa.
Percebemos que, à noção sólida e privilegiada, o conceito de arte agrega também
limites imprecisos.
Exemplificamos a pluralidade do conceito de arte com dois ícones da arte
ocidental, ilustrados pela Figura 1. Não há dúvidas que a escultura Davi, de
Michelangelo, é uma obra de arte. Entretanto, quando nos deparamos com um
mictório de louça — absolutamente idêntico a todos os mictórios masculinos do mundo
inteiro — conservado no acervo de um consagrado museu, assinado por R. Mutt e
datado de 1971, nos sentimos automaticamente incomodados em atribuir a esse
objeto o mesmo status conferido a Davi, uma vez que esse mictório não corresponde
exatamente à ideia que temos de “arte”. Trata-se da Fonte (1917), obra de Marcel
Duchamp, um importante artista do século XX, e sim, é arte. Investigando a construção
do conceito ocidental de arte, conseguiremos compreender o fenômeno representado
pela Fonte e o status de arte a ela concedido.

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Os aspectos em comum de produções tão distintas — como uma pintura
renascentista, uma catedral gótica ou um poema de Homero, por exemplo — adquirem
um conceito geral de arte no mundo Ocidental a partir do século XVIII. É incontestável
que, antes disso, a palavra “arte” já era utilizada para designar habilidades especiais
de algumas realizações: pintura, escultura, música, teatro, etc (EAGLETON, 2005).
Esse conceito geral de arte está associado à noção do “belo” no Ocidente, decorrente
dos conhecimentos da estética, um ramo da filosofia. Para Deleuse e Guattari (2010,
p. 10): “A filosofia é a arte de formar, de inventar, de construir conceitos”.
Os conceitos têm a necessidade de ter personagens conceituais que
contribuam para a sua definição — os personagens ou os “objetos” da filosofia são,
em grande parte, a arte, o artista e a criação artística, seja esta de qualquer categoria:
música, teatro, artes plásticas, literatura. Sob esse aspecto, a filosofia da arte pode
ser entendida como um ramo da estética, uma vez que a atividade artística promove
a emergência do belo. A estética tem como objeto todas as poéticas, sejam elas de
uma arte compromissada ou não, realista ou idealista, naturalista ou lírica, figurativa
ou abstrata, douta ou popular. (SOUZA, 2019).
A função da arte modificou-se ao longo da história humana desde a sua origem.
O homem adequou à arte as mudanças ocorridas na sociedade, nos seus costumes,
na sua religiosidade, na sua forma de fazer política, de conceber a ética. Na busca
humana de fazer de seu espaço algo significativo, a arte sempre teve, desde o início
da humanidade, um papel essencial na compreensão do universo, na relação dialética
com a realidade, com os fenômenos e com a sua imaginação lúdica. O homem sempre
teve necessidade da arte, visto que ela está extremamente ligada à sua humanidade.
A arte está completamente impregnada do universo humano (FISCHER, 2002).
Há de se destacar também que durante muito tempo a validade da arte estava
centrada na sua função na sociedade, ou seja, a obra de arte só tinha validade
mediante a função que ela desempenhava dentro da sociedade. A arte emerge da
vida e, por isso, vem carregada de funcionalidade, porém esta não afeta em nada sua
suficiência, ou seja, sua autonomia. Fischer (2002) defende que a arte quer ser
contemplada por leis que lhe são próprias, sem abdicar da totalidade dos seus valores
espirituais, sociais e éticos, de forma que toda a plenitude de significado e de funções
que a obra irradia advém, na verdade, da sua própria realidade de arte. Assim, a obra

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não adquire validade pela função, e sim possui uma função justamente por ser
suficiente.
Quando enfocamos, por exemplo, a arte clássica, observamos que ela era uma
produção de arte que não era entendida em primeiro plano como arte, “[...] mas como
formas que se encontravam no meio religioso ou também no mundano, como
decoração do próprio mundo em seus atos de destaque: o culto, a representação dos
soberanos e outros” (GADAMER, 1985, p. 27).
O responsável pela independência do fato estético, frente à finalidade utilitária
da arte, foi o filósofo alemão Immanuel Kant (séc. XVIII), que o fez a partir de sua
expressão - agradar desinteressado - ou seja, a arte deveria ter validade e,
entretanto, não ser incluída em objetivos puramente finalistas. Assim, a arte tem
validade e funcionalidade dentro da sociedade porque ela é um produto humano,
gerado da vida, que emerge da vida, trazendo em si todos os âmbitos da vida humana,
podendo, portanto, ser significativa a cada um deles. Gadamer (1985, p. 28) assim
define o termo - agradar desinteressado - de Kant: “Sem qualquer fim objetivo, sem
qualquer expectativa de utilitarismo, o belo preenche-se numa espécie de auto
definição e respira na auto representação”.
Circundando a definição do conceito de arte, nos deparamos com a
necessidade de fornecer uma resposta objetiva e clara para a pergunta: “O que é
arte?”. Embora não haja uma definição exata, objetiva e cientificamente comprovada,
o termo “arte” remete a dois conceitos básicos, segundo Ferreira (2014, documento
on-line):

[...] um mais restrito, pois trata da arte como ‘obra de arte’, circunscrita na
história da arte, feita por artistas e na maioria das vezes localizada em
instituições artísticas; o outro é mais amplo, pois concebe a arte como o
conjunto de atos criadores ou inovadores presentes em qualquer cultura
humana.

O conceito mais restrito surge em um contexto histórico-cultural delimitado


espacial e temporalmente, e é a partir dele que a história da arte se desenvolve, uma
vez que é balizada pelo contexto teórico e institucional legitimador, como, por
exemplo, museus, teatros e galerias de arte. Já ao conceito amplo, podemos associar
a noção de “arte” como um adjetivo: a arte da gastronomia, a arte da perfumaria, a
arte da joalheria, por exemplo. Muito mais do que um conceito, trata-se de uma

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concepção cotidiana que se refere a contextos eruditos ou populares que não
pertencem ao “mudo da arte” (FERREIRA, 2014).
Há algumas possibilidades específicas do objeto artístico que permitem
classificar o conceito de arte. As chamadas definições estéticas destacam como
condição necessária a intenção de provocar experiências estéticas; as definições
institucionalistas se referem ao caráter condicional da legitimação da obra pelas
instâncias da teoria e da crítica da arte, cumprindo certas regras e procedimentos; e
as definições históricas identificam a relação das produções artísticas com uma
determinada tradição histórica (ALMEIDA, 2014).
Arthur Danto (1924–2013), filósofo e crítico de arte norte-americano, é um
importante interlocutor sobre o conceito restrito de arte, e sua teoria se funda na
construção de uma definição de arte histórica e socialmente relacionada com o mundo
da arte. Danto (2010) não afirma que algo pode ser considerado arte apenas pela
afirmação do artista e pela legitimação por parte dos críticos e curadores. O autor
pressupõe que objetos ou eventos podem ser reconhecidas como obras de arte por
conter determinadas características que as coisas banais não possuem. Em seus
estudos, investiga quais são essas características e como é possível fundamentar
uma teoria que abranja todas as obras de arte, de modo a diferenciá-las dos objetos
comuns.
Corroborando com a teoria de Danto (2006), Mammi (2012) reconhece que o
conceito moderno de arte surge no Renascimento, porém seu significado (da arte) tem
a ver com algo atemporal e inesgotável. O autor concorda com a perspectiva dantiana
(relativa ao pensamento de Danto) de que tudo pode, em um primeiro momento, ser
arte. Não porque é legitimado pelo mundo da arte, mas sim quando passa a
desempenhar um papel fundamental na totalidade da cultura: a possibilidade de gerar
novas experiências significativas. Temos, então, a visão atemporal e eminentemente
significativa, ou produtora de significados da arte, na qual o que conta é a atualização
do que ela é a cada momento, mesmo provindo de um passado distante. É a sua
capacidade de inaugurar novos campos de experiência. Seu significado pertence ao
agora. Conforme defende Mammi (2012, p. 9):

Talvez seja próprio da obra de arte não pertencer a nenhum tempo específico
– ou talvez a todos, mas sempre como se proviesse de outro tempo, passado
ou futuro. Quem sabe um dia outra civilização, ou uma outra fase desta,
desvelará a valência artística de uma luta de Ali, ou de um número de dança
de Astaire. Uma obra de arte é um objeto que sobrevive à vida e à intenção
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que a gerou, e a todos os discursos produzidos sobre ela. Nesse sentido, “o
que resta” é, simplesmente, sinônimo de “arte”.

A partir das vanguardas artísticas do século XX, a construção dos conceitos de


arte se tornou complexa, volátil e subjetiva, inviabilizando definições abrangentes o
suficiente para dar conta de abarcar todas as experiências ou linguagens da arte. A
crítica e a teoria da arte estabeleceram parâmetros externos (não mais relacionados
apenas com a virtuosidade ou o domínio técnico do artista, ou do conteúdo da obra)
que pudessem definir o fato artístico, como: o discurso que sustenta a obra, a
consagração institucional e a resposta dos especialistas e do público, por exemplo
(ECO, 2004).
Uma possibilidade para contornar o dilema pode ser ancorada nos raciocínios
de Wittgenstein (2000), que alega que compreender o conceito de arte não é,
necessariamente, ser capaz de defini-lo teoricamente. O importante é saber usá-lo
para reconhecer e elucidar obras de arte e para distinguir, diante de novas
experiências artísticas, aquilo que pode ser denominado arte ou não. O autor sugere
que essa definição se baseia na reflexão sobre a rede de similitudes compartilhadas
que identificam o pertencimento a uma mesma família, que é a arte.

3 ARTE E HISTÓRIA

A história da arte revela as variadas maneiras de se interpretar o mundo e o ser


humano ao longo do tempo. Antropólogos, arqueólogos, historiadores, filósofos,
linguistas e outros tantos pesquisadores tentam, há muito tempo, desvendar as
origens da humanidade. Portanto, neste capítulo, você vai participar de uma
retrospectiva da história da arte e suas manifestações. Você também vai receber
subsídios para compreender os diversos segmentos da arte: artes cênicas, plásticas,
visuais, musicais, literárias e da dança.

3.1 A história da arte e a trajetória das expressões artísticas

A história da arte está relacionada à cultura dos mais variados povos existentes.
Ela atravessa os tempos, criando e contando o passado e recriando o presente. A arte
está presente à nossa volta, e, com ela, construímos a história de uma sociedade.

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Cada objeto artístico apresenta uma finalidade. Desde a pré-história, o homem
sempre criou elementos que o ajudassem a superar suas necessidades e a vencer
desafios.
Existem objetos do homem que representam seus sentimentos, algo que a
utilidade pública muitas vezes não consegue questionar, somente considerando a sua
beleza. Esses objetos são conhecidos como obras de arte. Elas fazem parte da cultura
do povo e são capazes de ilustrar situações sociais ou não.
A arte pode ser definida como fruto da criação do homem e de seus valores
junto à sociedade. Dentro dela existem vários procedimentos e técnicas utilizadas
para compor uma obra. Ela é uma necessidade que faz o homem se comunicar e
refletir sobre as questões sociais e culturais dentro da sociedade.
O campo artístico nos revela os valores, costumes, crenças e modos de agir de
um povo. Ao detectar um conjunto de evidências perceptíveis na obra, o intérprete da
arte se esforça na tarefa de relacionar esses vestígios com algum traço do período
em que foi concebida. A partir dessa ação, a arte passa a ser interpretada com um
olhar histórico, que se empenha em decifrar aquilo que o artista disse com a obra.
Conhecendo a história da arte, você irá perceber que uma manifestação de
clara evidência “artística” pode não ser encarada como tal pelo seu autor ou sociedade
em que surge. Além disso, ao estabelecermos um olhar atento à manifestação artística
de um único artista, podemos reconhecer que os seus trabalhos não só refletem o
tempo em que viveu, mas também demonstram a sua relação particular, o diálogo
singular que estabeleceu com seu tempo (ESCOSTEGUY, 2017). De acordo com o
crítico de cinema Ricciotto Canudo, existem sete tipos de arte, que, no século XX, em
1923, foram regulamentados pelo Manifesto das Sete Artes. O objetivo do crítico era
estabelecer uma ordem estética e comunicativa paras as principais artes existentes.
Elas ficaram relacionadas da seguinte forma:

1ª Arte – Música (som)


2ª Arte – Dança/Coreografia (movimento)
3ª Arte – Pintura (cor)
4ª Arte – Escultura (volume)
5ª Arte – Teatro (representação)
6ª Arte – Literatura (palavra)
7ª Arte – Cinema
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Anos mais tarde, foram adicionados mais quatro tipos de arte à lista:

8ª Arte – Fotografia (imagem)


9ª Arte – História em quadrinhos
10ª Arte – Jogos de computador e de videogame
11ª Arte – Arte digital

Cada uma das artes citadas e formalizadas no manifesto apresentam sua


história, compreensão e particularidades, portanto é de suma importância que
tenhamos uma visão de cada uma.

Música

A música existe e sempre existiu como produção cultural, pois, de acordo com
estudos científicos, desde que o ser humano começou a se organizar em tribos
primitivas pela África, a música era parte integrante do cotidiano dessas pessoas.
Acredita-se que a música tenha surgido há 50.000 anos, quando as primeiras
manifestações foram feitas no continente africano, expandindo-se pelo mundo com o
dispersar da raça humana pelo planeta. A música, ao ser produzida ou reproduzida, é
influenciada diretamente pela organização sociocultural e econômica local, contando,
ainda, com as características climáticas e o acesso tecnológico que envolvem toda a
relação com a linguagem musical. A música possui a capacidade estética de traduzir
os sentimentos, atitudes e valores culturais de um povo ou nação e é uma linguagem
local e global. Na pré-história, o ser humano já produzia uma forma de música que lhe
era essencial, pois sua produção cultural constituía de utensílios para serem utilizados
no dia a dia. Já na cultura egípcia, por volta de 4.000 anos a.C., alcançou-se um nível
elevado de expressão musical, pois era um território que preservava a agricultura, e
esse costume levava às cerimônias religiosas, durante as quais as pessoas batiam
espécies de discos e paus uns contra os outros, utilizavam harpas, percussão,
diferentes formas de flautas e também cantavam. (ESCOSTEGUY, 2017).
A teoria musical só começou a ser elaborada no século V a.C., na Antiguidade
Clássica, e a música renascentista ficou marcada pelo período do século XIV, durante
o qual os artistas pretendiam compor uma música mais universal, buscando se

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distanciarem das práticas da Igreja. Havia um encantamento pela sonoridade
polifônica, pela possibilidade de variação melódica. Após, surge a Música Clássica e,
neste momento, diversas novidades, como a orquestra, que toma forma e começa a
ser valorizada. As composições para instrumentos, pela primeira vez na história da
música, passam a ser mais importantes do que as compostas para canto, surgindo a
“música para piano”. (ESCOSTEGUY, 2017). A imagem abaixo ilustra os maiores
ícones da música clássica:

Os artistas na figura acima, da esquerda para a direita, são:


 Topo – Antônio Vivaldi, Johann Sebastian Bach, George Frideric Handel,
Wolfgang Amadeus Mozart, Ludwig van Beethoven.
 Segunda linha – Gioachino Rossini, Felix Mendelssohn, Frédéric Chopin,
Richard Wagner, Giuseppe Verdi.
 Terceira linha – Johann Strauss II, Johannes Brahms, Georges Bizet, Pyotr
Ilyich Tchaikovsky, Antonín Dvořák.
 Baixo – Edvard Grieg, Edward Elgar, Sergei Rachmaninoff, George
Gershwin, Aram Khachaturian.

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Dança

Sem música, não há dança. Sem movimento corporal, também não. A dança,
portanto, apenas ocorre quando o corpo executa movimentos a partir de um
determinado ritmo, e isso acontece desde a Era Paleolítica. Nessas eras, a dança
estava diretamente relacionada à sobrevivência, pois os homens, vivendo em tribos
isoladas e alimentando-se de caça, pesca, vegetais e frutos colhidos da natureza,
criavam rituais em forma de dança que impediriam eventos naturais de prejudicar
essas atividades. (ESCOSTEGUY, 2017).
As danças na Índia, por sua vez, têm origem na invocação do Shiva (deus da
dança). Com suas danças e músicas, os hindus procuravam uma união com a
natureza. Assim a dança de Shiva tinha por tema a atividade cósmica. Ela exprimia
os eventos divinos. O ritmo da dança estava associado à criação contínua do mundo,
à destruição de algumas formas para o nascimento de outras. Os vários estilos de
dança, sempre relacionados a deuses, tinham o mesmo princípio, o de que “o corpo
inteiro deve dançar”. É por isso que as danças indianas apresentam movimentos muito
elaborados de pescoço, olhos, boca, mãos, ombros e pés. (ESCOSTEGUY, 2017).
Escosteguy (2017) lembra que a Idade Média, chamada de “idade das trevas”
pelos humanistas do Renascimento, foi um período contraditório para a dança. Nessa
época, a Igreja se tornou autoridade constituída. Manifestações corporais foram
proibidas, uma vez que a dança foi vinculada ao pecado. Os teatros foram fechados
e eram usados apenas para manifestações e festas religiosas. A Igreja, porém, não
conseguiu interferir nas danças populares dos camponeses, que continuaram a fazer
suas festas nas épocas de semeadura e colheita e no início da primavera. Para não
afrontar a Igreja, essas danças eram camufladas com a introdução de personagens
como anjos e santos. Posteriormente, essas manifestações foram incorporadas às
festas cristãs, com a introdução da dança dentro das igrejas.
A partir do Renascimento, houve mudanças marcantes, como a renovação em
muitos âmbitos da vida social e cultural, pois as cortes reais também se
transformaram. Pela necessidade de ostentar suas riquezas, passaram a comemorar,
com grandes festas, datas como: nascimento, casamento, aniversário etc. A dança se
desenvolve particularmente em Florença, na Itália, no palácio da família Médici, onde,
nas festas, eram apresentados espetáculos chamados de trionfi (triunfos), que
simbolizavam riqueza e poder.
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Cabe ressaltar que, em 1500, no carnaval de Veneza, foi encenado um dos
triunfos mais suntuosos, no qual os dançarinos usavam máscaras bordadas com fios
de ouro e pedras preciosas, leques de plumas e mantos de seda adamascada. Em
1581, o primeiro “balé da corte”, intitulado Le Ballet Comiquede la Reine (O Balé
Cômico da Rainha – neste caso, o termo “cômico” deve ser entendido no sentido de
“dramaturgia de uma comédia”), foi um grande espetáculo que durou seis horas, com
participação de carros alegóricos e efeitos cênicos.
No século XVII, o balé é a modalidade que surgiu e marcou época, pois foi
nesse século que Luís XIV criou uma companhia de dança, com vinte bailarinos, para
a famosa Ópera de Paris. Os vestidos, compridos e pesados, impediam o virtuosismo
de movimentos verticais. O sonho de voar de Ícaro, Leonardo da Vinci e Santos
Dumont também são o sonho dos bailarinos dessa época. Os temas para o balé
começam a exigir a ilusão do voo e, para isso, os cenógrafos utilizaram alavancas e
roldanas para erguer os bailarinos. (ESCOSTEGUY, 2017).
No século XIX, o balé criava um mundo de ilusão, esboçando o ideal das
concepções românticas. A fada, a feiticeira, o vampiro e outros seres imaginários eram
seus personagens. No século XX, anuncia-se como o tempo do progresso, das
descobertas científicas, da rapidez, de expansão de fronteiras, da modernidade.
Grandes transformações nas tradições e valores adotados até então marcam esse
momento de início da era industrial. Nasce uma nova sociedade com outros anseios
e necessidades.
Na fase modernista da história da dança, o que vai separar o clássico do
moderno não é simplesmente a técnica, mas, também, o pensamento que norteou sua
elaboração. Nos Estados Unidos e na Europa, apareceram novos modos de dançar
bastante diferentes da tradição clássica em relação aos espaços utilizados, à
concepção de dança e aos movimentos do corpo.
No momento de transição para a era contemporânea, nas décadas de 1940 e
1950, alguns coreógrafos passam a questionar os modos de se construir a dança,
criando uma verdadeira revolução na modernidade. Na fronteira entre a dança
moderna e a contemporânea, está o coreógrafo e bailarino Merce Cunningham. Os
pioneiros da dança moderna se dedicaram à construção das fundações de uma nova
dança. Cunningham, chamado pelos críticos de precursor da dança contemporânea,
posiciona-se contra a permanência de modelos acadêmicos na dança moderna.

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Cunningham buscou novas fórmulas e, com seus parceiros – o compositor John
Cage, uma das mais interessantes figuras do mundo da música contemporânea, e o
artista plástico Robert Rauchenberg, um dos expoentes da pop art –, constrói uma
nova estética para a dança, lançando os princípios da dança contemporânea. A dança
contemporânea não impõe modelos rígidos; os corpos dos artistas não têm um padrão
preestabelecido, bem com os tipos físicos. São gordos, magros, altos, baixos e de
diferentes etnias. A maioria desses trabalhos incorpora novos movimentos e não mais
os movimentos convencionais do balé ou das técnicas de dança moderna.
(ESCOSTEGUY, 2017).

Pintura

A pintura, por sua vez, acompanha o ser humano por toda a sua história. Ainda
que durante o período grego clássico ela não tenha se desenvolvido tanto quanto a
escultura, a pintura foi uma das principais formas de representação dos povos
medievais, do Renascimento até o século XX.
A pintura surgiu na pré-história quando os homens das cavernas faziam as
pinturas rupestres. Arte rupestre, pintura rupestre ou, ainda, gravura rupestre são os
nomes dados às mais antigas representações pictóricas conhecidas – com as mais
antigas datadas do período Paleolítico Superior (40.000 a.C.) –, gravadas em abrigos
ou cavernas, em suas paredes e tetos rochosos ou também em superfícies rochosas
ao ar livre, mas em lugares protegidos.
No entanto, é a partir do século XIX, com o crescimento da técnica de
reprodução de imagens, graças à Revolução Industrial, que a pintura de cavalete
perde o espaço que tinha no mercado. Até então, a gravura era a única forma de
reprodução de imagens, trabalho muitas vezes realizado por pintores. Com o
surgimento da fotografia, porém, a função principal da pintura de cavalete, a
representação de imagens, enfrenta uma competição difícil. Essa é, de certa maneira,
a crise da imagem única e o apogeu de reprodução em massa. (ESCOSTEGUY,
2017).
Durante o século XX, a pintura de cavalete se mantém pela difusão das galerias
de arte, mas a técnica da pintura continua a ser valorizada por vários tipos de
designers, especialmente na publicidade.

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Devido ao fato de grandes obras de arte – tais como a Mona Lisa e A Última
Ceia – do renascentista Leonardo Da Vinci serem pinturas a óleo, a técnica é
historicamente considerada uma das mais tradicionais das artes plásticas.

Escultura

Na pré-história, a escultura foi associada à magia e à religião. No período


paleolítico, o objetivo era moldar animais e figuras humanas, geralmente femininas. A
escultura, como é conhecida atualmente, surgiu no Oriente Médio, e foi uma das
últimas artes a serem desenvolvidas durante a Idade Média – talvez pelo apelo
sensual.
A Grécia Clássica é o berço ocidental da arte de esculpir, desde os seus
primeiros artefatos em mármore ou bronze a partir do século 10 a.C. até o apogeu da
era de Péricles, com as esculturas da Acrópole de Atenas. Posteriormente, os
romanos aderiram à cultura clássica e continuaram a produzir esculturas até o fim do
império, difundindo o trabalho em mármore por todo o império. As esculturas gregas
se inspiraram na arte egípcia até criar exclusivamente a sua própria arte, a qual foi
bastante copiada – especialmente pelos romanos. A escultura romana herdou da
escultura grega a sua perfeição, mas assumiu um caráter mais realista – em vez de
idealista – das formas, além de ter contribuído com obras originais – consideradas as
mais belas da Antiguidade.
Foi no Renascimento que a escultura se destacou, com a famosa estátua de
Davi, de Michelangelo. (ESCOSTEGUY, 2017). Donatello e Verocchio foram outros
mestres importantes do período. Entre os séculos XIX e XX, destacam-se os artistas
Constantin Brancuse e August Rodin, dois mestres da escultura que influenciaram
vários outros artistas.
No Brasil, o primeiro escultor brasileiro de que se tem notícia, porém, é Frei
Agostinho de Jesus, o qual se acredita ser o autor da imagem de Nossa Senhora da
Aparecida que foi encontrada por pescadores e fez surgir a devoção à então
padroeira do Brasil.
A partir do início do século XX, a escultura passou a se ajustar às propostas
das vanguardas artísticas que emergiram na Europa, como o cubismo, o dadaísmo, o
abstracionismo e o construtivismo. Além de Picasso, outros escultores, como

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Constantin Brancusi e Henry Moore, tornaram-se célebres dentro das vanguardas
modernistas, que, até hoje, seguem influenciando a produção contemporânea de
esculturas.

Teatro

O teatro teve sua origem no século VI a.C., na Grécia, surgindo das festas
dionisíacas realizadas em homenagem ao deus Dionísio, deus do vinho, do teatro e
da fertilidade. Essas festas – que eram rituais sagrados, procissões e recitais que
duravam dias seguidos – aconteciam uma vez por ano na primavera, períodos em que
se fazia a colheita do vinho naquela região.
O teatro grego que hoje conhecemos surgiu, segundo historiadores, de um
acontecimento surpresa: quando um participante desse ritual sagrado resolveu vestir
uma máscara humana, ornada com cachos de uvas, subiu em seu tablado em praça
pública e disse: “Eu sou Dionísio! ”. Todos ficam espantados com a coragem desse
ser humano de se colocar no lugar de um deus, ou melhor, fingir ser um deus. Esse
acontecimento é o marco inicial da ação dramática. (ESCOSTEGUY, 2017).
Com o passar do tempo, as celebrações ao deus Dionísio ficaram cada vez
mais elaboradas. Dessa forma, durante tais celebrações os gregos começaram a
representar cenas da vida da própria divindade. Nessa época, todos os papéis eram
interpretados por homens, já que não era permitida a participação de mulheres nas
representações.
Paralelos a esse acontecimento sociocultural, vão surgindo os prédios teatrais
gregos – bem como as arquibancadas, que eram feitas de pedra –, e sua utilização
pelos cidadãos gregos era democrática; todos podiam assistir com a mesma
qualidade de visão as tragédias, comédias e sátiras.
Poucas manifestações teatrais parecem ter resistido nessa época. Apenas
alguns artistas percorriam as cortes de reis e nobres, como malabaristas, trovadores
(poetas que cantavam poemas ao som de instrumentos musicais), imitadores e jograis
(intérpretes de poemas ou canções românticas, dramáticas ou sobre feitos heroicos).
Na China antiga, o budismo usava o teatro como forma de expressão religiosa.
No Egito, um grande espetáculo popular contava a história da ressurreição de Osíris
e da morte de Hórus. Na Índia, acredita-se que o teatro tenha surgido com Brama.

17
No Brasil, o teatro foi obra dos jesuítas, empenhados em catequizar os índios
para o catolicismo e coibir os hábitos condenáveis dos colonizadores portugueses. O
padre José de Anchieta (1534–1597), em quase uma dezena de autos inspirados na
dramaturgia religiosa medieval e, sobretudo, em Gil Vicente, notabilizou-se nessa
tarefa, de preocupação mais religiosa do que artística. (ESCOSTEGUY, 2017).
Já os fundamentos estéticos vivenciados no século XIX, entre público e artistas,
no âmbito do teatro, foram desafiados e ampliados no século XX, expandindo-se em
experiências e inovações teatrais. Naquele momento, o “naturalismo” cênico
dominava as convenções teatrais, e, em seguida, no início do século XX, novos
movimentos e experimentações artísticas começaram a surgir em oposição às regras
dominantes.
Na era Pós-moderna, uma dramaturgia que se assume fora do textocentrismo
nasce com as experiências de criação coletiva privilegiada por inúmeras equipes
artísticas. Macunaíma - espetáculo de Antunes Filho de 1978, pode ser considerado
o marco instaurador da pós-modernidade no Brasil. Associando códigos da
intertextualidade, da paródia, da ironia, do humor, ele soube preencher o palco nu com
signos impactantes e oferecer uma nova face ao homem brasileiro, assim como a
instaurar um renovado padrão de teatralidade. (ESCOSTEGUY, 2017).

Literatura

Na origem, a literatura de todos os povos foi oral. Apesar de se originar


etimologicamente da palavra “letra” (do latim, littera), a literatura surgiu nos primórdios
da humanidade, quando o homem ainda desconhecia a escrita e vivia em tribos
nômades, à mercê das forças naturais que ele tentava entender pelos primeiros cultos
religiosos. Lendas e canções eram transmitidas de forma oral por gerações. Com o
advento da escrita, as paredes das cavernas começaram a receber pinturas e
desenhos simbólicos que passaram a registrar a tradição oral. Mais tarde, surgiriam
novas formas para armazenar essas informações, como as tabuletas, óstracos,
papiros e pergaminhos. Dessa maneira, as primeiras obras literárias conhecidas são
registros escritos de composições oriundas de remota tradição oral.
Certos tempos primários podem ser considerados os primeiros passos da
literatura. Exemplos muitos antigos são o Poema de Gilgamesh, em sua versão de

18
aproximadamente 2000 a.C., e o Livro dos Mortos, escrito em Papiro de Ani em
aproximadamente 1250 a.C.
O Egito, que detinha a intuição mística de um mundo sobrenatural, atiçou a
imaginação dos gregos e dos romanos. Da cultura hebraica, a principal herança
literária para o Ocidente veio de seus primeiros manuscritos, como o Antigo
Testamento da Bíblia.
Muitos textos se expandiram por forma oral durante vários e vários séculos
antes que fossem escritos, e esses são difíceis de datar.
A chamada literatura clássica, que engloba toda a produção greco-romana
entre os séculos V a.C. e V d.C., influenciou toda a literatura do Ocidente. Todos os
gêneros importantes de literatura – épica, lírica, tragédia, comédia, sátira, história,
biografia e prosa narrativa – foram criados pelos gregos e pelos romanos, e as
evoluções posteriores são, na maioria, extensões secundárias. (ESCOSTEGUY,
2017).
As primeiras manifestações da literatura brasileira foram fortemente marcadas
pelo modelo literário de Portugal, já que nossos primeiros escritores ou eram
portugueses de nascimento ou brasileiros com formação universitária em Portugal.
Com o passar do tempo, surge a literatura moderna, que foi um movimento
da literatura brasileira que surgiu em 1920 e se estendeu até meados de 1978.
Dividido em três fases principais, a literatura moderna reúne características
inconfundíveis, como a liberdade de expressão, contextualização e inclusão do
cotidiano, linguagem coloquial e novas técnicas de escrita. Nesse novo estilo
moderno, todas as normas e parâmetros da criação artística foram rompidos. Os
autores do modernismo passam a valorizar o retrato da vida cotidiana. A vida
burguesa sai do cenário artístico.
Quanto à escrita, os versos aparecem livres, sem as formas fixas de sonetos e
versos. As frases curtas são mais valorizadas. A fragmentação do texto e recortes
também ganham espaço na literatura moderna. Muitos autores utilizam várias vozes
narrativas nos seus textos. Os sinais de pontuação desaparecem.
O pós-modernismo na literatura brasileira consiste num período em que os
autores apresentam um amadurecimento, tanto na poesia quanto na prosa. O pós-
modernismo atuou como uma intensificação dos traços da modernidade.

19
Cinema

A origem do cinema está associada à invenção do cinematógrafo, no século


XIX, um aparelho capaz de capturar “imagens em movimento”. Um dos fenômenos
tecnológicos mais impressionantes de nossa história é a capacidade de captação (ou
captura) da “imagem em movimento”, isto é, da apreensão de imagens dinâmicas da
realidade. Essa capacidade de captação foi tornada possível a partir de 1889, com a
criação do cinetoscópio – por William Dickson, assistente do cientista e inventor
americano Thomas Edison. Esse invento e os modelos que o sucederam na década
seguinte contribuíram para o desenvolvimento do cinema tal como compreendemos
hoje, ou seja, a arte cinematográfica. (ESCOSTEGUY, 2017).
O cinema, portanto, teve origem no cinetoscópio, que não projetava as imagens
em telões. O espectador do cinetoscópio tinha de observar, durante um tempo-limite
de 15 minutos, as imagens no interior de uma câmara escura por meio de um orifício
em que colocava um dos olhos. Nesse sentido, a experiência visual proporcionada
pelo cinetoscópio não podia ser feita coletivamente. Edison não chegou a patentear o
invento, o que abriu portas para outros inventores, sobretudo da Europa,
aperfeiçoarem o modelo.
No ano de 1892, o francês Léon Bouly conseguiu, a partir do cinetoscópio,
desenvolver o cinematógrafo, um modelo que conseguia gravar e projetar a luz das
imagens em movimento em tela, em quadros por segundo. Contudo, Bouly não
possuía dinheiro para registrar a patente do invento. O cinematógrafo acabou sendo
patenteado pelos irmãos Lumière, que passaram, a partir de 1895, a fazer várias
produções cinematográficas de pequena capacidade e a exibi-las em sessões
especiais para isso.
A primeira exibição de filme feito por Auguste e Louis Lumière ocorreu em 22
de março de 1895. O filme era intitulado “La Sortie de L’usine Lumière à Lyon” (A
Saída da Fábrica Lumière em Lyon) e registrava a saída dos funcionários do interior
da empresa Lumière, na cidade de Lyon, na França. Foi ainda com os irmãos Lumière
que começaram as primeiras “direções cênicas” para o cinema. O cinematógrafo logo
passou a registrar não apenas cenas do cotidiano, mas também cenas dramáticas,
elaboradas com certo nível de teatralidade.

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Entretanto, seria nas três primeiras décadas do século XX que o cinema
afirmar-se-ia como arte. Isso ocorreu sobretudo pela ação de artistas interessados em
teatro, mágicos (e ilusionistas) e todo tipo possível de efeito cênico. Um dos principais
nomes dessa fase do cinema foi Georges Meliès, que dirigiu Viagem à Lua, em 1902,
conseguindo, com esse filme, efeitos visuais verdadeiramente impressionantes para
a época.
Os primeiros filmes gravados em terras brasileiras foram desenvolvidos no fim
do século XIX, quando o Brasil ainda enfrentava problemas sérios em relação à
energia elétrica, o que dificultava muito a produção dos filmes no país. Os filmes de
ficção só começaram a surgir no Brasil no início do século XX. A partir de 1905, houve
o que ficou conhecido como a “Belle Epoque” (Bela Época) do cinema nacional,
marcado pelas produções inspiradas na ópera e no que se chamou de “cinema
cantado”. Em 1930, foi edificado o primeiro estúdio de cinema do Brasil: a Cinédia,
que produziu sátiras dos filmes de Hollywood, chanchadas e os primeiros filmes
carnavalescos, que dominaram a produção cinematográfica nacional até a década de
1950. (ESCOSTEGUY, 2017).
De qualquer forma, o que se vê hoje no cinema é um movimento no sentido de
romper com o dispositivo que imperou ditatorialmente por mais de cem anos e buscar
inspiração para mudanças no campo das artes visuais. Por outro lado,
contraditoriamente, percebemos, no campo das artes visuais, um movimento inverso,
no sentido de buscar formas e conteúdos do cinema, como a narração e o
documentário, a projeção em sala escura, e assim por diante. Se o cinema e a arte
contemporânea puderem se encontrar em algum lugar no meio do caminho para trocar
experiências, talvez esse encontro seja produtivo para os dois no sentido de superar
os atuais impasses.

3.2 Compreendendo as artes cênicas, musicais e da dança na


contemporaneidade

Barbosa (1978) defende que os novos métodos de ensino de Arte não são
resultantes simplesmente da junção da Arte e da educação, muito menos da oposição
entre elas, mas da sua interpenetração.
O professor é o instrumento principal para as transformações no ensino de arte
– ele é o diferencial, o colaborador para a eficácia do bom aproveitamento dos
21
conteúdos. Segundo Barbosa (1978, p. 50), “[...] sua tarefa é oferecer a comida que
alimenta o aprendiz e também organizar pistas, trilhas instigantes para descobertas
de conhecimentos, pelos alunos e visitantes, alimentando-se também [...]”. Como tal,
é necessário que ele entenda a importância do seu posicionamento e compromisso
diante da questão, buscando, em parceria com as instituições de educação, possíveis
soluções para a melhoria da qualidade do ensino.

São necessários conteúdos que favoreçam a compreensão da arte como


cultura, do artista como ser social e dos alunos como produtores e
apreciadores. Pensando nisso, o foco atual são conteúdos que valorizem as
manifestações artísticas de povos e culturas de diferentes épocas e locais,
incluindo a contemporaneidade e a arte brasileira e conteúdos que possam
ser realizados com grau crescente de elaboração e aprofundamento.
(ESCOSTEGUY, 2017, p. 163).

Podemos compreender as artes cênicas, musicais e da dança como


correlacionadas, pois, na dramaturgia, é possível ver a dança e a música, em um
espetáculo só, articuladas para uma aparição artística de muita qualidade e riqueza.
Sendo o corpo o eixo de toda e qualquer produção criativa na dança, a
materialidade dos processos se organiza de modo subjetivo a partir das
características próprias de cada indivíduo. Isso produz abordagens muito
diferenciadas de acordo com cada visão de mundo que se instaura
dramaturgicamente. Nesse sentido, destacam-se as palavras de Hércules (2010, p.
199), quando ela aborda que

Em primeira instância, dramaturgia será entendida como composição de


ações. Considerando-se que o ambiente onde estas ações se configuram é
o da dança, torna-se imperativo o reconhecimento dos distintos modos como
as instruções que constituem o movimento são, singularmente,
implementadas por cada corpo. Assim sendo, a denominação dramaturgia da
dança torna-se imprecisa, necessitando ser substituída por dramaturgia do
corpo que dança.

Portanto, no interior das escolas, faz-se necessário outra compreensão em


relação a esses segmentos artísticos, podendo, em muitos momentos, serem
trabalhados de forma conjunta.
É preciso que, no ensino de dança como atuação pedagógica, tirem-se as
sapatilhas para poder ver melhor os pés dos alunos, e que se flexibilizem os espaços
para a atuação da dança. O primordial é reconhecer a expressão corporal de cada
um, e o papel do educador é revelar a dança que se encontra em cada aluno como
resultado de uma didática inovadora (MILLER, 2007).
22
A história da dança na contemporaneidade parece aflorar e apontar percursos
artísticos e didáticos transgressores que fissuraram uma época – como Judith Dunn,
que estimulava a produção de “espaços do nada”, em que o vazio pudesse ocorrer,
proporcionando liberdade e empoderamento aos indivíduos. Ainda se faz urgente que
esses tipos de pensamento/prática sejam inseridos de modo mais contundente nos
processos formativos em dança na contemporaneidade.
O teatro, por sua vez, é uma forma de manifestação artística no qual uma
história real ou não é interpretada por meio de cenários, figurinos e representações
de atores em um palco para uma plateia.
Reportando-nos ao cenário escolar, indagamos: como o teatro é concebido na
escola atualmente? O que é possível visualizar? Dramatizações almejam ilustrar
conteúdos? Uma brincadeira para tornar a aula mais agradável? Concomitantemente,
são essas ideias que povoam o imaginário popular. Em outras palavras, é esse o
estereótipo de teatro na escola que a sociedade tem em mente e vem divulgando.
Sobretudo, o teatro “[..] na educação ainda é um espaço a ser conquistado [...]”,
conforme ressalta Cunha (2009, p. 293). Reforçando essa opinião, ele relata:

Apesar de existirem educadores que acreditam na força que a arte de


encenar tem para promover a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno,
ainda há um grande número de escolas que não aceitam e não valorizam a
atividade teatral no processo educativo. Isso pode se dar devido a enorme
carga transdisciplinar que permeia o teatro, o qual gera algo novo, causando,
assim, o risco da descoberta (CUNHA, 2009, p. 293).

Assim, a necessidade de o teatro existir dentro da escola, abrindo um espaço


que permita reconhecermos o seu ensino como um fim em si mesmo, e não de por
ser instrumento para fins de outra natureza, é bastante necessário. Os olhos dos
profissionais vinculados à escola devem estar focados nesse entendimento de
práticas teatrais que estimulam e desenvolvem o caráter de produção coletiva dessa
atividade artística na escola, que podem estimular o treinamento técnico e
individualista das pessoas que a praticam. Para tanto, faz-se necessário que os
professores ministrantes das aulas de teatro tenham amplo conhecimento e domínio
das teorias e metodologias teatrais e sejam comprometidos com seu trabalho. Em
outras palavras, o professor de teatro na escola, além de possuir conhecimento teatral,
deve estar em permanente contato com as principais abordagens sobre o ensino do
teatro para que essa prática pedagógica tenha objetivos claros e consistentes de
aprendizagem.
23
Em relação às artes musicais, a educação musical tem sido colocada como
algo facultativo na escola. Há uma total desconsideração com o poder que a música
exerce sobre as pessoas, bem como a influência que exerce sobre o desenvolvimento
cultural e cognitivo das crianças e das pessoas em geral (ESCOSTEGUY, 2017). Não
há estudos que vinculem a situação de subdesenvolvimento de algumas áreas do país
à baixa valoração dada à música brasileira, apontada como um dos fatores que mais
contribui para a baixa estima que o Brasil possui em relação a si mesmo.
Um princípio bastante enfatizado no cenário da educação atual e,
consequentemente, no campo da educação musical contemporânea é a ideia de
valorizar o contexto cultural do estudante, compreendendo, reconhecendo e utilizando
o seu discurso musical como base para o processo de ensino e aprendizagem da
música.
A mudança de mentalidade é um fator fundamental para que se avance em
termos da música na escola, principalmente levando-se em consideração a qualidade
desse ensino de música que se espera na educação básica para todos os estudantes.
Essa mudança de mentalidade depende de argumentações e de orientações claras
sobre como fazer essa inclusão da música, como respeitar o ensino da arte como um
todo na escola, como elaborar editais que garantam a especificidade de cada
linguagem artística, e assim por diante. O Conselho Nacional de Educação está
atuando diretamente nessas questões referentes à implementação da Lei nº
11769/2008, realizando audiências públicas nas diferentes regiões brasileiras com o
objetivo de ouvir administradores, professores, profissionais da educação em geral e
estudantes de licenciatura sobre os desafios e as ações necessárias para que a
música passe a fazer parte do currículo (ESCOSTEGUY, 2017).
O importante é que existe a intenção de conhecer melhor a situação da música
na escola e encontrar soluções para os desafios vinculados a essa inclusão da música
no currículo escolar. Segundo Escosteguy (2017), as mudanças desejadas
acontecerão a partir das ações que envolvem as universidades formadoras; os
profissionais da educação atuantes nas escolas brasileiras; os administradores
escolares responsáveis pela reorganização curricular e pela contratação de
profissionais para a escola; e a sociedade como um todo, que precisa também
conhecer e opinar sobre as possíveis decisões curriculares.

24
3.3 Compreendendo as artes plásticas, visuais e literárias na
contemporaneidade

A relevância de se abordar a arte contemporânea na escola está na diversidade


de experiências que ela apresenta, na relação com outras áreas, na proximidade da
arte com a vida e sua constante mutabilidade, o que a torna um importante veículo
para a produção de sentidos, dentre outros aspectos. Portanto, é possível trabalhar
em consonância as artes plásticas, visuais e literárias por apresentarem tantas
diferenças, mas, ao mesmo tempo, muitas afinidades. Afirma-se que as três trabalham
com o visual, o concreto e a criatividade.
Quando se pensa em artes visuais, logo vem à mente desenhos, pinturas,
esculturas, tinta, entre outros milhares de recursos capazes de representar o mundo
real ou o imaginário. No entanto, elas estão além do papel. O campo de atuação nas
artes visuais é amplo. O teatro, o cinema, a música, a fotografia, a moda ou a
arquitetura, por exemplo, também as representam.
A arte é o registro mais fiel da história da humanidade. É o retrato da
contemporaneidade de cada época. Os conteúdos, por exemplo, estão conectados à
literatura, geografia, física, química, música, teatro, etc. Fazendo essas conexões,
essas “teias”, tornam-se evidentes outros olhares e percepções estéticas
diferenciadas.
A visualidade também tem impacto sobre a aprendizagem. A capacidade das
crianças de sentir uma imagem está se tornando cada dia mais presente e influente.
Não se pode mais dizer que a escola é o único lugar onde os alunos apreendem.
Portanto, o educador deve ensinar os conhecimentos artísticos culturais do passado

25
associado aos dias atuais. Sobre esse assunto, Escosteguy faz o seguinte
comentário:

Atualmente se vive em um aparente estado de submersão no universo virtual,


definido por um espaço multiplicado exponencialmente pela imagem, e que
redefine, reiteradamente, a nossa relação com o mundo. Ao se estar
submerso no virtual, sofre-se uma espécie de escaneamento constante,
como uma invasão desejada/não desejada, interna/externa, sendo que o
mapa resultante desse esquadrinhamento interfere em todos os lugares,
atuando diretamente nas escolhas que se faz e, consequentemente, nas
ações de todos. (2017, p. 167).

As artes plásticas, por sua vez, referem-se a expressões artísticas que


utilizam técnicas de produção que manipulam materiais para construir formas e
imagens que revelem uma nova concepção estética e a visão poética do artista
plástico.
No interior das escolas, esse tipo de arte adota várias linguagens artísticas
contemporâneas para expressar emoções e valores estéticos. A multiplicidade como
expressão do modo de conhecimento do homem contemporâneo condiz com as
proposições artísticas atuais, com a educação em arte e com as tecnologias do século
XXI.
Portanto, questionar, desacomodar, problematizar, instigar, estender caminhos
à reflexão... O ensino de Arte na contemporaneidade deve estar norteado nessas
ações. A Arte também proporciona conhecimento e também nos leva à transformação,
seja ela arte visual ou plástica.

A literatura, como a arte visual e a plástica, prescinde de significação, não


pode ser contida, pois alcança o inatingível, o imensurável. A literatura é a arte da
palavra e faz da palavra o seu principal objeto, concedendo-lhe outras possibilidades,

26
retirando-a do seu lugar habitual e transpondo-a para um universo onde apenas
homens e mulheres dotados de subjetividade podem percebê-la.
A arte, em geral, e a literatura, em particular, são atividades cujas grandezas
residem nessa sublime “inutilidade”. A literatura é fruição, é mergulhar no prazer que
a leitura pode oferecer. O prazer estético que a literatura proporciona nos torna mais
atentos àquilo que é impalpável, torna-nos sensíveis às dores do mundo.
“A literatura existe porque a vida não basta” – foi assim que o mestre Fernando
Pessoa definiu a literatura. O que seria da vida se não houvesse os momentos de fuga
que nos permitem abstrair e, assim, amenizar o dia a dia e suas inúmeras obrigações
que preenchem de vazio nossos dias. Se, para Pessoa, escrever é esquecer, para o
leitor, ler é esquecer, é permitir-se entrar em sintonia com a palavra, com o estado de
fruição que só a arte nos permite experimentar. A vida não basta; para isso, existe a
literatura, para preencher os vazios que a realidade não consegue perceber.
(ESCOSTEGUY, 2017).
Ler, assim sendo, não é uma atitude passiva; não se reduz a uma simples
decodificação de sinais gráficos, mas pressupõe uma atividade de reconstrução de
sentidos. Ela não é um ato solitário porque envolve o diálogo com o interlocutor, que
pode ser com diversos escritores. No momento em que fazemos o cruzamento de um
texto com outro, que introduzimos questões, os interlocutores se ampliam. Nesse
sentido, a leitura é sempre escritura; são processos geminados. O texto literário
apresenta sempre dupla escritura–leitura; ele é uma rede de conexões atravessada
por várias formações discursivas. Leitura e escrita são processos que se completam
e complementam.
É por meio da literatura, diz Escosteguy (2017), que os alunos desenvolvem a
imaginação, o hábito de leitura, o pensamento crítico e suas emoções. E, mesmo
sabendo que o ensino de literatura não está tão presente nas escolas como deveria,
deve ser tomando cuidado para não tornar monótona essa disciplina tão importante.
A arte literária é de fundamental importância para o desenvolvimento das
pessoas – para nossa formação social –, contemplando os mais variados aspectos
que vão desde a linguagem, passando pela sensibilidade, emoção até a criticidade e
exercício de reflexão que são fundamentais para as diferentes aprendizagens. Pelas
leituras, nos apropriamos de um vasto conhecimento sobre diferentes lugares e

27
descobrimos um novo mundo de culturas e saberes, muitas vezes sem fisicamente
sairmos do lugar.
Ler é um processo contínuo, pois envolve uma compreensão que não se esgota
na decodificação da palavra escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência
do mundo. Para Orlandi (2003), a produção do sentido está no modo como a leitura
se relaciona entre o dito e o compreendido. O ato de ler implica, segundo Freire
(1989), na percepção crítica, na interpretação, na reescrita e na reelaboração do que
lemos.

4 ARTE E SOCIOLOGIA

A relação entre a arte e a sociedade, desde há muito tempo, tem provocado


pensadores de diversas áreas do conhecimento. Alguns autores apontam o
enciclopedista Denis Diderot como marco inicial, o primeiro a destacar o caráter social
da arte, identificando nela um potencial instrumento para reformas sociais,
antecipando Karl Marx, e inaugurando o diálogo entre arte e sociedade.
Posteriormente, empenhados em compreender as estruturas do fenômeno artístico,
Hippolyte Taine, Charles Lalo, Sigmund Freud, Carl Gustav Jung, Arnold Hauser,
Pierre Francastel, Roger Bastide, Pitirim Sorokin, Michel de Certeau, e pensadores de
linha mais marxistas como Georgy Lukács, Ernest Fischer, Jean Duvignaud, Walter
Benjamin, Theodor Adorno e Nestor Garía Canclini, dentre outros, criaram teorias
extrapolando o enfoque puramente social ou abrangendo os aspectos estéticos,
psicológicos, psicanalíticos, históricos e filosóficos da arte. (BAY, 2006).
De acordo com Bay (2006), os estudos desta inter-relação afloraram
principalmente nos campos da Sociologia da Arte, da Estética Sociológica, da Filosofia
da Arte e da História Social da Arte. O traço comum a todas as abordagens é a
constatação, já vislumbrada por Platão, de que arte e sociedade são conceitos
indissociáveis, uma vez que ambos se originam da relação do homem com seu
ambiente natural. Igualmente é consenso entre autores que a arte representa um fator
fundador, unificador, e agente nas sociedades, desde as mais simples às mais
complexas; fato que pode ser constatado ao longo da história, quando fica evidente
que, não só não houve sociedade sem arte, mas também que em cada contexto
específico a arte sempre teve um significado social preponderante.

28
O motivo desta presença marcante tem sido objeto de incessantes
investigações sobre a natureza da criação artística, os fatores internos e externos
envolvidos e a função do artista na sociedade. As inúmeras respostas variam desde
a função da arte como substituta da vida, mantenedora de equilíbrio com o meio,
caminho para o alcance da totalidade, anseio de união da individualidade com o social;
passam pela busca da verdade permanente expressa na arte, de algo que tenha
significação transcendente, para além da simples descrição do real; e alcançam o
entendimento de que o homem necessita da arte, incluindo aí a inerente parcela mito-
mágica, para conhecer e transformar o mundo, ou seja, a arte como imprescindível
meio de conhecimento e transformação (BAY, 2006).

Fonte: https://www.lotsearch.net/

É verdade, entretanto, que existe ainda certa dificuldade no tocante a


integração da arte nas ciências sociais - o que pode ser potencializado como um
ganho, ao possibilitar abordagens transdisciplinares - porque as diferentes
proposições existentes tendem a privilegiar um determinado enfoque, como o
histórico, o psicológico, o filosófico ou o estético, descuidando da interação e
articulação entre eles.
A sociologia da arte como disciplina é fruto do Positivismo e nasceu em intensa
oposição ao Romantismo, embora permaneçam nela alguns resquícios românticos,
como por exemplo, a noção de que a arte reflete e revela, não mais o espírito do

29
tempo, mas sim o contexto histórico. Ao examinar a relação da obra com o meio
procurando no fenômeno artístico uma origem ancorada na função social, a sociologia
vê a arte essencialmente como uma maneira de comunicação entre os indivíduos e
seus grupos. Sua proposição fundadora é de que a arte e a realidade são em si uma
mesma coisa, não havendo distanciamento entre ambas. Enfocando
predominantemente as relações inter-humanas derivadas da arte como fator de
convivência, a sociologia negligencia a questão da estética, fator relevante, uma vez
que intrínseco à arte. (BAY, 2006).

4.1 Arte e sociedade, um binômio indissociável

Os pensamentos de Karl Marx sobre arte e sociedade são baseados no


materialismo dialético. Retiradas de comentários expressos em textos diversos,
alguns reunidos no livro Sobre Literatura e Arte, uma vez que o autor não se dedicou
notadamente ao assunto, são hoje vistas com certas restrições, ou mesmo como
anacrônicas. Disse que arte e literatura só podem ser estudadas diretamente no
contexto da história, do trabalho e da indústria, pois o modo de produção terá um papel
decisivo na sociedade e na vida intelectual. Assim, a estrutura econômica da
sociedade e a organização da produção e das classes sociais dela participantes,
seriam fatores determinantes para a cultura, que por sua vez pertenceria a
superestrutura, abarcando a arte.

Fonte: https://revistagloborural.globo.com/

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Isso contribuiu para o entendimento da arte como sendo reflexo da realidade
social e também como uma forma de conhecimento capaz de interagir nela, com o
poder de modificá-la. Atribuindo a arte um caráter libertador, via a possibilidade de ela
exercer tal função através da representação formal e realista dos conteúdos da luta
de classes. Todavia, Marx não ousou aplicar literalmente o método dialético no estudo
da arte, pois embora a tomasse como um reflexo da realidade, relegada à condição
secundária da superestrutura, admitia sua capacidade de expressar a beleza,
entendendo que o artista necessitava conceber a obra antes de realizala. Marx
observou que em certos períodos havia uma defasagem entre o desenvolvimento
artístico e o da produção material, entrando em jogo outros fatores como natureza e
raça (BAY, 2006). Mencionou o exemplo dos gregos, que considerava crianças
normais, mas com alto grau de desenvolvimento artístico:

...a dificuldade não está na idéia de que a arte e a epopéia gregas estejam
ligadas a certas formas de desenvolvimento social. A dificuldade está em
compreender por que ainda hoje nos proporcionam um prazer artístico e
valem, em certos aspectos, como norma e modelo insuperáveis. (MARX, 79,
pág.35)

A arte, segundo Marx, mesmo condicionada histórica e socialmente, poderia


mostrar um momento de humanidade. Tal capacidade da arte de se sobrepor ao
momento histórico é que faz com que ela continue permanentemente a extasiar, a
valer como modelo e norma insuperáveis, nas suas próprias palavras. Uma
concepção um tanto quanto idealista no contexto de seu pensamento que via no
realismo da representação o compromisso da arte para com a sociedade e as ideias
do socialismo.
Numa visão conceitual extremamente diferenciada, fundada na psicanálise,
Sigmund Freud (1856-1939) escreveu inúmeros artigos específicos sobre a criação
artística e seu lugar na sociedade, tais como Uma Recordação da Infância de
Leonardo da Vinci, O Moises de Michelangelo, Escritores Criativos e Devaneio, O
Delírio e o Sonho em Gradiva, Poesia e Verdade, e Dostoievski e o Parricídio. A partir
deles é possível identificar duas vertentes principais em sua abordagem a propósito
do tema. Uma que se centraliza na figura do artista, mostrando que a obra apresenta
relação direta com sua história pessoal, principalmente a da infância, e outra que
entende a arte conduzida por um processo de simbolização, exatamente o mesmo
que age no inconsciente individual e determina a cultura. (BAY, 2006).

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Seus estudos psicanalíticos sobre alguns artistas o levaram a asseverar que o
artista não seria um neurótico, mas que, ao contrário, ao criar realizaria também um
processo de adequação à realidade circundante, ao conscientemente transformar
seus impulsos inconscientes. Observa-se que nesta afirmação já se delineia o papel
social da arte como mediadora, como fator de adaptação do indivíduo à sociedade.
Freud acreditava que a arte teria o poder de liberar o artista de suas fantasias,
permitindo-lhe exorcizar os fantasmas interiores, canalizando-os para a obra, num
processo catártico e terapêutico. Desta maneira entendeu que o ponto inicial de
criação era a própria vida do artista, a qual determinaria a temática, o estilo e toda
forma plástica, de tal maneira que a obra poderia ser vista como um substituto das
fantasias geradas pelo seu inconsciente.
Um conceito chave no entendimento da ideia freudiana de arte é o de
sublimação, o mecanismo de derivação das pulsões sexuais em direção a objetivos
de outra ordem; tal processo, ao qual o autor atribui a possibilidade de realização da
cultura, viabilizaria também o processo de criação da obra de arte. O artista seria para
ele um tipo de pessoa propensa à sublimação, correlacionada à estrutura de
personalidade fundamentalmente narcisista, a qual descobre na arte a forma de
realizar suas fantasias de poder e de criação. Igualmente o narcisismo teria a função
de tentar ultrapassar a condição mortal do artista, atendendo à necessidade humana
de busca de imortalidade. (BAY, 2006). Percebe-se assim a arte constituindo-se como
um elemento intermediário entre a realidade e a imaginação, entre o interno e o
externo, o individual e o social:

A arte é uma realidade convencionalmente aceita, na qual, graças à ilusão


artística, os símbolos e os substitutos são capazes de provocar emoções
reais. Assim, a arte constitui um meio-caminho entre a realidade que frustra
os desejos e o mundo dos desejos realizados da imaginação – uma região
em que, por assim dizer, os esforços de onipotência do homem primitivo ainda
se acham em pleno vigor. (FREUD, apud RAFFAELLI, 1996, pág. 11)

Conforme Freud afirmava, o processo pelo qual o artista passa ao criar e


realizar a obra desencadeia uma espécie de eco no espectador que provocaria um
caminho inverso, indo da obra até o conteúdo inconsciente que motivou o artista.
Assim haveria uma identificação entre os desejos reprimidos do artista e os desejos
equivalentes do espectador, de sorte que tal identificação seria o fator desencadeante
do prazer estético. Resultado da possibilidade de experimentar desejos e realizar
fantasias reprimidas na realidade social, o prazer estético estaria no mesmo nível do
32
prazer sexual, realizando um deslocamento do impulso sexual em direção à
apreciação da beleza; em suma, encontrar-se-ia fatalmente atrelado à libido.
Caracterizada desta forma, a arte estaria destinada a carregar para sempre “a
cruz da sublimação”. (RAFFAELLI, op.cit., pág.11)

Fonte: https://br.pinterest.com/

O outro ponto da explicação de Freud para a arte, de que a obra artística traz
em sua gênese um valor simbólico, apresenta-se atualmente mais significativo, sob o
ponto de vista da investigação sobre a origem de arte, do que sua teoria que enfatiza
mecanismos inconscientes do criador e do receptor. Os simbolismos dos sonhos têm
estreita correspondência com simbolismos expressos nas criações artísticas, que
nada mais são do que suas transformações. (BAY, 2006). Mas como as
representações nos sonhos constituem-se basicamente em imagens visuais, Freud
via os sonhos como um complexo sistema de escritura, correlacionada às escritas
pictográficas e aos hieróglifos, nos quais alguns elementos servem como marcadores
33
que apontam para determinados significados somente identificáveis num certo
contexto. Para ele isto foi um indício de que a lógica dos sonhos não estaria ancorada
no logos consciente, mas que, do mesmo modo que a escritura artística, seria regida
por regras próprias, sendo impossível tentar traduzí-las em outra linguagem. Pode-
se dizer que Freud considerou a obra de arte um todo analisável em si mesmo, no
qual a modificação em um simples elemento desencadeia a constituição de um outro
e diverso conjunto. (BAY, 2006). Essa constatação possibilitou o desenvolvimento de
abordagens posteriores sobre a criação e interpretação da obra de arte, como as de
Gaston Bachelard (poética da imagem), Gilbert Durand (mitocrítica), Hans Robert
Jauss (estética da recepção), Wolfgang Iser (efeito estético), dentre outros.
Convertendo conteúdos psíquicos como fantasias e sonhos, ou sublimando as forças
da libido, o que se extrai da teoria freudiana é que a arte em relação ao social tem
função mediadora, de promover a adaptação do indivíduo e garantir o equilíbrio das
sociedades.
Com o objetivo de criar uma história dos distintos modos de subjetivação dos
seres humanos, uma demonstração de seu pensamento multifacetado e da ruptura
epistemológica que promoveu, Michael Foucault, deixou em sua obra algumas
opiniões importantes sobre arte. Ainda que este tema não tenha sido seu principal
objeto de estudos, é possível encontrar, de forma esparsa e basicamente nas
Conferências, algumas ideias e conceitos sobre arte e sua inserção na sociedade.
Segundo Bay (2006),

Foucault valorizou a relação entre a sociedade e a arte, sobretudo pela


possibilidade de ruptura e de desconstrução que ela pode desencadear
através da experiência e da vivência, para o criador e para o público receptor.
Situou a arte ao lado da loucura, num parentesco mágico entre a insanidade
e a genialidade, apontando a genialidade como a antítese não formulada das
visões institucionais da loucura e de suas relações latentes com o crime, com
a miséria material e espiritual, e com as doenças incuráveis em geral. Para
ele, o conjunto oculto e desequilibrado de carências que se manifestam sob
as diversas formas de loucura, não passariam de uma consciência trágica
vigilante.

Esta mesma consciência trágica abafada, mas sempre de vigília, irromperia no


artista, possibilitando através da obra ultrapassar a razão, e ir além das promessas da
dialética. Para Foucault a arte na sociedade moderna é portadora de um discurso
trágico, uma experiência até certo ponto negativa e radical, que provocaria alterações,
deslocamentos e transposições; daí então a contigüidade com a loucura, e a aparente

34
ausência de sentido. Para ele, ao re-inventar um outro diálogo a arte estaria
expressando o homem moderno em sua experiência trágica.
A arte ao cumprir o papel de vigília e contestação, apontaria os limites e a
interação entre o real e o possível, entre a palavra e a imagem, isto é, entre o homem
e seu simbólico, entre a continuidade e a ruptura. Pode-se inferir que Foucault
percebeu o artista como agente desencadeador de mudanças, polemizador e crítico
da ordem presente na medida em que constrói significações novas, entre o real e o
possível. Assim enquanto intelectual e produtor de cultura, seria ele capaz de mobilizar
e desestabilizar, apontando ou desencadeando novos caminhos para reflexão; daí a
probabilidade de vê-lo como um intelectual específico foucaultiano. (BAY, 2006).

Fonte: https://www.culturagenial.com/

Analisando as obras de arte, destacadamente na que realizou sobre a pintura


As Meninas, de Diego Velazques, Foucault destacou o jogo existente entre o visível e
o invisível. Levantou a questão do reflexo, do espelho, da presença do espelho, que
da mesma forma que a obra, mostraria o invisível, o que ela deixa entrever e o que
oculta. Este jogo entre o sugerido e o manifesto na criação artística é um fio condutor
do pensamento de Foucault sobre a arte, uma vez que aparece em vários de seus
estudos. Entendeu ele que o artista se colocaria na borda entre o que é plenamente
visível e a invisibilidade, “ele reina no limiar dessas duas visibilidades incompatíveis”.
(FOUCAULT, 2002, pág 4.)

35
Na obra de arte a essência revelada seria a invisibilidade profunda do que se
vê, e ao mesmo tempo, solidária com a visibilidade de quem vê, do fruidor participante.
A obra procuraria auto-representar-se através dos elementos que a compõem,
tornando-se então apresentação da própria representação, bem mais que a simples
semelhança explícita, acena a uma similitude presente, mas não dita: “É, talvez, por
meio desta linguagem nebulosa, anônima, sempre meticulosa e repetitiva, porque
demasiado ampla, que a pintura, pouco a pouco, acenderá suas luzes”. (FOUCAULT,
op. Cit., pág. 12.).
O filósofo italiano Umberto Galimberti, por sua vez, aborda a arte e a implicação
dela na sociedade a partir da impossibilidade da existência de uma sem a outra. Este
co-pertencer é para ele essencial, uma vez que afastar o homem da expressão
espiritual propiciada pela arte, equivaleria a limitá-lo a condição animal; da mesma
forma a arte em sua materialidade não existiria sem o homem, estaria restrita ao
domínio do espírito. (BAY, 2006). Deste modo vinculados e pertencentes à terra, arte
e homem encontrar-se-iam prisioneiros de um destino perecível muito embora ambos
tendam para o eterno. Assim a arte seria um enobrecimento da condição humana e
concretizaria a tensão do homem para além da espessura opaca e escura da matéria,
através de uma entrega à debilidade e efemeridade da mesma matéria que viabiliza
sua comunicação. Diz ele: “O homem não tem nenhum valor se não consegue exprimir
algo que transcenda sua vida biológica, e a arte é uma forma desse transcender. Mas
também a arte não tem nenhum valor se não reflete o ultrapassar do homem, a sua
superação da condição animal”. (GALIMBERTI, 2003, pág. 186).
Ao estudar os vestígios do sagrado na civilização ocidental atual, Galimbert
(2003) considera a arte uma de suas últimas pegadas. Para ele, a dimensão do
sagrado, embora pareça não mais estar entre nós numa época em que a técnica
dessacralizou tudo o que nos rodeia, continuaria a existir fora e dentro de nós, no
inconsciente ou na loucura. Esta região misteriosa, que é tudo o que antecede a razão,
as regras e a organização civil, pertence ao domínio do sagrado o qual age dentro de
nós, que desprovidos de rito e sacrifícios para nos defendermos, nos encontramos
expostos diretamente a ele. Os resultados seriam as angústias e ansiedades, por
vezes loucuras, violências e outras sociopatias, para as quais nem mais a psicanálise
tem sido suficiente. (BAY, 2006).

36
Galimberti acredita que se faz necessário a reconstrução de liturgias, cantos,
danças e outras situações em que a comunidade se recolha, pois se continuarmos
esquecendo ou ignorando o sagrado, não mais teremos humanidade; do mesmo
modo que se nos deixarmos tomar totalmente por ele, chegaremos a devastação. É
imperativo termos então uma relação ambivalente para com o sagrado se quisermos
evitar a dissolução da personalidade e a aceleração das doenças sociais, na relação
do indivíduo com a coletividade. No entender dele a arte seria uma possível
alternativa, pois:

“Estética” é composição do dado e daquilo que o transcende, mas para que


uma inteligência possa transcender é necessário que uma paixão a dirija. E
cultivar uma paixão, movendo as delicadíssimas teclas da sensibilidade, é
tarefa tipicamente estética e ao mesmo tempo religiosa.O que se cria é a
harmonia que emana da composição de uma laceração, algo que também
Kant, a pesar de atento às exigências da razão matemática, soube indicar
como configuração do belo, ou melhor, do sublime. (GALIMBERTI, op. Cit.,
pág. 194).

A proposta de Galimbert é um retorno ao sagrado, na forma de seus rastros,


na mobilização dos afetos e na construção de uma teoria da sensibilidade. Inclui nesta
urgente retomada as manifestações e as vivências artísticas, linguagens simbólicas,
como forma de experiência do sublime e aproximação ao sagrado. É novamente a
arte compreendida como fator de equilíbrio social e psíquico do indivíduo, interligada
às questões da ética e da técnica na sociedade contemporânea, na qual predomina a
ausência de sentido.

5 ARTE E COMUNICAÇÃO

5.1 Por que as comunicações e as artes estão convergindo?

Segundo Lucia Santaella (2008), no mundo antigo e na Idade Média, o que hoje
chamamos de artes visuais era considerado como artesanato utilitário dentro do
mesmo paradigma de outros tipos de artesanato, tais como fabricação de móveis,
sapatos etc. Esse quadro só se modificou no Renascimento, quando os artistas
conseguiram levantar o status das artes ao colocar em destaque seu caráter
intelectual e teórico.

37
A autora (2008) comenta ainda que durante o século XVIII, o sistema das artes
foi esquematizado em cinco belas artes: pintura, escultura, arquitetura, poesia e
música. O adjetivo “belas” (em inglês fine) implicava, além da beleza, a habilidade, a
superioridade, a elegância, a perfeição e a ausência de finalidades práticas ou
utilitárias, em contraste com o artesanato mecânico e aplicado.
A arquitetura, a pintura e a escultura eram as três principais artes visuais da
Europa, durante um bom tempo, pelo menos do Renascimento até meados do século
XIX. Essas artes se desenvolveram e consolidaram muito em razão do apoio dos
indivíduos e grupos mais ricos e poderosos daquelas sociedades: reis, príncipes,
aristocratas, a Igreja, mercadores, governos nacionais, conselhos municipais etc. As
mudanças trazidas pela Revolução Industrial, pelo desenvolvimento do sistema
econômico capitalista e pela emergência de uma cultura urbana e de uma sociedade
de consumo alteraram irremediavelmente o contexto social no qual as belas artes
operavam. Desde então e cada vez mais, nossa cultura foi perdendo a proeminência
das “belas letras” e “belas artes” para ser dominada pelos meios de comunicação.
Nesse contexto, as expressões “meios de massa” e “cultura de massa”
denotam os sistemas industriais de comunicação, sistemas de geração de produtos
simbólicos, fortemente dominados pela proliferação de imagens. Trata-se de produtos
massivos porque são produzidos por grupos culturais relativamente pequenos e
especializados, e são distribuídos a uma massa de consumidores. Na lista dos meios
de massa incluem-se geralmente a fotografia, o cinema, a televisão, a publicidade, os
jornais, as revistas, os quadrinhos, os livros de bolso, a internet. Uma característica
comum aos meios de massa está no uso de máquinas, tais como câmeras, projetores,
impressoras, satélites, entre outras, capazes de gravar, editar, replicar e disseminar
imagens e informação. Os produtos culturais gerados por esse sistema são baratos,
seriados, amplamente disponíveis e passíveis de um a distribuição rápida.
(SANTAELLA, 2008).
Alguns acreditam e afirmam que os meios de massa tiveram origem com a
invenção da prensa manual gutenberguiana, que permitiu a reprodução do livro.
Entretanto, esse processo reprodutivo não é comparável às situações em que bilhões
de indivíduos são expostos cotidianamente a um espectro de meios de massa, uma
experiência que só foi inaugurada no século XX.

38
Diversos especialistas defendem que a comunicação identifica-se
exclusivamente com comunicação de massas, enquanto as artes se restringem ao
universo das “belas artes”. Se nos limitarmos a essas visões parciais tanto da
comunicação quanto da arte, a pergunta sobre as possíveis convergências de ambas
não faz sentido. Entretanto, além de parciais, essas visões são, sobretudo,
anacrônicas. Alimentar o separatismo conduz a severas perdas tanto para o lado da
arte quanto para o da comunicação. (SANTAELLA, 2008).

Fonte: https://portalidea.com.br/

5.2 A relação entre a Comunicação e a Arte ao longo das eras

O surgimento de uma nova era não leva o desaparecimento das eras


anteriores, elas vão se sobrepondo e se misturando na constituição de uma malha
cultural cada vez mais complexa e densa.
A chamada “era da comunicação oral” refere-se às formações culturais que têm
na fala seu processo comunicativo fundamental. A escrita refere-se à introdução das
formas de registro do acervo cultural por meio da escritura pictográfica, ideográfica,
hieroglífica e também fonética. Diferentemente da escrita manual, a era da impressão,

39
também chamada de era de Gutenberg, propiciou a reprodutibilidade da escrita em
cópias geradas a partir de uma matriz. (SANTAELLA, 2008).
Processos comunicativos conforma novos ambientes culturais, sendo capaz de
alterar as interações sociais e a estrutura social em geral. Isto assim se dá
especialmente porque os meios de comunicação são inseparáveis do nível de
desenvolvimento das forças produtivas de uma dada sociedade, de modo que eles
estão sempre inextricavelmente atados ao modo de produção econômico-político-
social.
Para o tema da convergência entre as comunicações e as artes, Santaella
(2008) afirma que as eras culturais que devem nos interessar são aquelas que
entraram em vigor a partir da cultura de massas, pois, antes disso, dificilmente
poderíamos encontrar modos de convergência entre ambas. Isso se explica, em
primeiro lugar, porque, ainda que a comunicação seja intrínseca ao ser humano, foi
só no momento histórico em que a comunicação massiva começou a se instaurar, a
partir da revolução industrial, que os dois campos, comunicações e artes, também
começaram a se entrecruzar. Antes disso, no entanto, desde o Renascimento, a
cultura limitava-se a uma divisão em dois campos nitidamente separados: de um lado,
a cultura erudita, isto é, a cultura superior das “belas letras” e das “belas artes”,
privilégio das classes economicamente dominantes; de outro, a cultura popular,
produzida pelas classes subalternas responsáveis pela preservação ritualística da
memória cultural de um povo.
Desde a Revolução Industrial, temos testemunhado um crescimento
significativo das mídias e dos signos que por elas transitam. Por isso não é nenhuma
novidade afirmar que, no século XIX, a Revolução Industrial trouxe consigo máquinas
capazes de expandir a força física, muscular dos trabalhadores e, portanto, máquinas
responsáveis pela aceleração da produção de bens materiais para o mercado
capitalista. Junto com as máquinas de produção de bens materiais, embora pouco
lembrado e destacado, também surgiram máquinas de produção de bens simbólicos,
máquinas mais propriamente semióticas, como a fotografia, a prensa mecânica e o
cinema. Essas são máquinas habilitadas para produzir e reproduzir linguagens e que
funcionam, por isso mesmo, como meios de comunicação.

Da prensa mecânica resultou a explosão do jornal e a multiplicação dos livros.


A eles, principalmente ao jornal, a fotografia aliou-se com seu potencial de
documentação dos fatos noticiados. Deixando à fotografia a tarefa de Pontos
40
de partida para a reflexão de testemunhar os acontecimentos, o cinema,
fotografia em movimento, tirou partido da temporalidade que lhe é inerente
para desenvolver a habilidade de contar histórias, rivalizando com a prosa
literária na faculdade, que até então era exclusiva desta última, para criar
narrativas ficcionais. (SANTAELLA, 2008, p. 11).

Os meios de comunicação da “era eletromecânica” foram seguidos pelo


surgimento de uma segunda Revolução Industrial: a eletroeletrônica – trazendo o
rádio e a televisão, consolidando o apogeu da comunicação massiva. Em síntese, a
comunicação massiva deu início a um processo que estava destinado a se tornar cada
vez mais absorvente: a hibridização das formas de comunicação e de cultura.
Meios de massa são, por natureza, intersemióticos. O cinema, por exemplo,
envolve imagem, diálogo, sons e ruídos, combinando as habilidades de roteiristas,
fotógrafos, figurinistas, designers e cenógrafos com a arte dos atores, muitos deles
treinados no teatro. (SANTAELLA, 2008). Dessa mistura de meios e linguagens
resultam experiências sensório-perceptivas ricas para o receptor. Mas, ao mesmo
tempo, a mistura atinge um dos alvos a que os meios de massa aspiram: a facilitação
da comunicação, pois o significado de uma imagem pode ser reforçado pelo diálogo
e pela música que a acompanha. Também na publicidade, o texto direciona o sentido
da imagem de acordo com o programa persuasivo pretendido.
A intersemioticidade dos meios de massa colocava-se em agudo contraste com
a pureza estética que era típica das “belas artes”, especialmente da pintura e da
escultura. Todavia, as artes que, desde o Renascimento, estavam protegidas por
potentes sistemas de codificação, como é o caso da perspectiva monocular na pintura
e o sistema tonal na música, não ficaram imunes às transformações culturais que as
máquinas reprodutoras de linguagem estavam trazendo para o universo da cultura.
Sobre essa gradativa transformação, Santaella (2008) comenta que, do
impressionismo até o abstracionismo informal de Pollock, assistiu-se a uma gradativa
e cada vez mais radical desconstrução dos sistemas de codificação visuais herdados
do passado renascentista. A par dessa desconstrução, as artes foram crescentemente
incorporando os dispositivos tecnológicos dos meios de comunicação como meios
para a sua própria produção.

Dentro do próprio modernismo, mais especificamente, no dadaísmo, que foi


uma das vertentes mais transgressoras das vanguardas estéticas nas
primeiras décadas do século XX, já havia brotado um alargamento crítico das
categorias da arte que teve seu prosseguimento no desmantelamento das
fronteiras entre arte e não-arte, arte e cultura popular massificada, efetuado
41
pela arte pop e pelas diferentes formas e movimentos artísticos nas décadas
de 1960-70: minimalismo, Novo Realismo, arte conceituai, Arte Povera, arte
processual, antiforma, Land Arty arte ambiental, Body Art, performance etc.
Esse período, agitado pelo desfile incessante de novas tendências, foi
acompanhado pela intensificação do acesso dos artistas às tecnologias de
comunicação, não apenas à fotografia e ao cinema, mas também ao som,
com a introdução do audiocassete e de uma ampla disponibilização de
equipamentos de gravação e vídeo. (SANTAELLA, 2008, p. 12-13)

As semelhanças entre os meios de comunicação com os meios de produção


de arte foi tornando as relações entre ambas, cada vez mais intrincadas. Os artistas,
por sua vez, foram se apropriando cada vez mais desses meios para as suas criações.
Entre os anos de 1970 e 1980 surgiram novos meios de produção, distribuição e
consumo comunicacionais instauradores de “cultura das mídias” que apresenta uma
lógica distinta da comunicação de massas. Trata-se de dispositivos tecnológicos que,
em oposição aos meios de massa - estes só abertos para o consumo -, propiciam uma
apropriação produtiva por parte do indivíduo, como, por exemplo, as máquinas
fotocopiadoras, os diapositivos, os filmes super 8 e 16 mm, o offsety o equipamento
portátil de vídeo, o videodisco interativo etc. Graças a esses equipamentos, facilmente
disponíveis ao artista, originaram-se formas de arte tecnológica que deram
continuidade à tradição da fotografia como arte. (SANTAELLA, 2008).
É possível perceber que os artistas, desde de o surgimento do modernismo,
demonstraram uma verdadeira fascinação pelas novas tecnologias. Com isso as
tecnologias foram tomando a linha de frente do experimentalismo nas artes até o ponto
de muitos curadores terem abandonado as formas tradicionais de arte, pintura e
escultura, por não as considerar contemporâneas. A fotografia, as imagens
digitalizadas, os vídeos, os filmes e, principalmente, as várias formas de instalação e
arte ambiental midiática passaram a ocupar um espaço cada vez maior em museus e
galerias.
Através das novas tecnologias midiáticas, os artistas expandiram o campo das
artes para as interfaces com o desenho industrial, a publicidade, o cinema, a televisão,
a moda, as subculturas jovens, o vídeo, a computação gráfica, por exemplo. De outro
lado, para a sua própria divulgação, a arte passou a necessitar de materiais
publicitários, reproduções coloridas, catálogos, críticas jornalísticas, fotografias e
filmes de artistas, entrevistas com ele(a)s, programas de rádio e TV sobre ele(a)s.
Embora possa parecer que um tal tipo de material seja secundário, cada vez mais as
mídias desempenham um papel crucial no sucesso de uma carreira. Por isso mesmo,
42
muitos artistas buscam manipular e controlar suas imagens e a disseminação de suas
obras por meio dos vários canais de comunicação. (SANTAELLA, 2008).
Uma característica que se destaca na cultura das mídias é a intensificação das
misturas entre as mídias por ela provocada: filmes são mostrados na televisão e
disponibilizados em vídeo; a publicidade faz uso da fotografia, do vídeo e aparece em
uma variedade de mídias; canais de TV a cabo especializam-se em filmes ou em
séries, dentre outros. Com isso, as reproduções fotográficas de obras em livros, os
documentários sobre arte, os anúncios publicitários que se apropriam das imagens de
obras de arte, as réplicas tridimensionais de esculturas vendidas em museus, tudo
isso foi levando o conhecimento sobre as artes para um público cada vez mais amplo,
e um maior número de pessoas foi tomando conhecimento da existência da arte, de
sua história e tendo acesso a ela, mesmo que seja por meio de reproduções em
cartões postais, calendários, vídeos etc. As mídias são responsáveis diretas pela
popularização das artes, provocando o aumento considerável do número e do
tamanho dos museus e das galerias, e elevando consideravelmente o público que
frequenta esses lugares.
É bom lembrar que até meados de 1970, o papel desempenhado pelas artes
na sociedade era sombreado pela onipresença dos meios de massa, particularmente
a televisão. Foi só a partir da década de 80, com o surgimento dos debates culturais
e artísticos sobre a pós-modernidade, que foram se tornando cada vez mais notáveis
a multiplicidade e diversificação das produções artísticas e o aumento de sua
competitividade no cenário social, o que encorajou a construção de novos museus,
eles mesmos obras de arte arquitetônicas, como, por exemplo, a Nova Galeria de
Stuttgart, o museu Guggenheim, em Bilbao, e a reforma da Nova Galeria Tate em
Londres, que são claramente obras expressivas do tipo de sensibilidade que nossa
época dispensa à arte. (SANTAELLA, 2008).
A estreita relação entre comunicações e artes, motivada pela cultura das
mídias, foram incrementadas com o surgimento da cultura digital (ou cibercultura)
devido à convergência das mídias que a constitui. As primeiras obras de arte
computacionais foram contemporâneas ao aparecimento do computador. A utilização
das transmissões de informações por meio de telefone, telex, fax, slow scan TV e das
interações de artistas via satélite, em eventos artísticos, antecipou a atual
disseminação da arte nas e das redes planetárias. Fazendo uso da realidade virtual

43
distribuída, do ciberespaço compartilhado, da comunicação não local, dos ambientes
multiusuários, dos sites colaborativos, da web TV, dos netgames, as artes digitais,
também chamadas de “artes interativas”, desenvolvem-se nos mesmos ambientes
que servem às comunicações, tornando porosas e movediças as fronteiras
intercambiantes das comunicações e das artes. (SANTAELLA, 2008).
Como se pode constatar, tanto de um ponto de vista histórico quanto de um
ponto de vista sincrônico, as convergências entre as comunicações e as artes
constituem uma questão que, além de inegável, é multifacetada.

6 O SISTEMA DA ARTE E A INDÚSTRIA CULTURAL

Ari Fernando Maia (2000), lembra de que há mais de dois séculos, escrevia a
respeito das artes um filósofo alemão:

Toda melhoria política deve partir do enobrecimento do caráter - mas como


poderá enobrecer-se o caráter sob a influência de uma constituição estatal
bárbara? Para esse fim seria preciso encontrar um instrumento que o Estado
não dá e abrir fontes que se conservem limpas e puras apesar de toda
podridão política. (...) Esse instrumento está nas belas-artes, estas fontes
abrem-se em seus modelos imortais. Arte e ciência são desobrigadas de tudo
que é positivo e que foi introduzido pela convenção do homem, ambas gozam
de uma absoluta imunidade em face do arbítrio humano (SCHILLER, 1992,
p.63).

Se no século XVIII o filósofo pôde imaginar alguma independência entre a arte


e a ‘política’, sendo a função daquela uma educação estética que teria por base a
cultura, atualmente essa possibilidade - que sempre foi contraditória - perdeu-se.
Segundo Shiller (1992), há duas forças que nos impelem, um impulso sensível que
seria parte da existência física do homem, de sua ‘natureza sensível’ cuja finalidade
seria submeter os homens às limitações das modificações que ocorrem no tempo, à
sensibilidade; para ele, o homem neste estado nada mais é que uma unidade
quantitativa, um momento de tempo preenchido; por outro lado, existe um impulso
formal que teria como ponto de partida o ser absoluto do homem, sua ‘natureza
racional’, e teria como finalidade sua liberdade, a afirmação da personalidade. À
cultura caberia a tarefa de harmonizar esses dois impulsos contraditórios:

Sua tarefa (da cultura), portanto, é dupla: primeiramente, resguardar a


sensibilidade das intervenções da liberdade; segunda, defender a
personalidade contra as forças da sensação. Uma tarefa ela realiza pela
educação da faculdade sensível, a outra, pela educação da faculdade
racional (p.81)
44
Esse projeto filosófico de uma educação estética carrega pelo menos duas
contradições: primeiramente, as condições objetivas, desde o século XVIII e até hoje,
simplesmente escarnecem de qualquer tentativa de uma educação dos sentidos e da
razão que permitam independência e liberdade e, além disso, a própria razão,
contraditoriamente, perverteu-se em uma razão técnica pretensamente objetiva, e
envolve toda a sociedade em um esquema totalitário que educa a sensibilidade numa
espécie de anti-educação dos sentidos, isto é, uma educação que prepara os homens
para a heteronomia e para a subserviência na mesma medida em que reforça a ideia
de uma interioridade monadológica e de uma ação individual dos sujeitos. (MAIA,
2000). Em contrapartida, não é possível pressupor uma unidade harmônica entre os
interesses dos indivíduos e as realizações da sociedade por meio da educação
estética, tendo em vista a realidade material desenvolvida no mundo burguês. Não é
possível harmonizar nas ideias o que está cindido objetivamente. Mas talvez fosse
possível à arte contrapor-se ao mundo e gerar uma contradição, pelo menos no campo
das ‘ideias’, e relembrar uma felicidade que desconhecemos.

Fonte: https://www.todamateria.com.br/

Atualmente, no entanto, assistimos à perda da possibilidade da sensibilidade


estética se contrapor ao estado político e econômico existente.

A ciência, a arte e a técnica participam desse processo histórico como


motores da ‘dialética do esclarecimento’, do processo de progressiva
dominação da natureza e dos homens que, em nossa época de formidável
desenvolvimento tecnológico, praticamente excluiu tudo o que não se encaixa
na engrenagem, ao mesmo tempo em que se multiplicam as possibilidades

45
de algo melhor. A arte enquanto duplicação do existente apontando algo
melhor deixou de existir no âmbito da indústria cultural. (MAIA, 2000, p. 23).

Marcuse (1997), referindo-se a um momento histórico específico, descreve o


processo denominando essa forma ideal de ‘cultura afirmativa’. Antes de tudo, por
meio dela distingue-se o mundo “do espírito”, do mundo “da sensibilidade” e “da
necessidade”, sendo o primeiro uma esfera autônoma de valores, universais e
acessíveis a qualquer indivíduo a partir de sua interioridade. A realização da cultura é
a realização da personalidade e nesta tarefa encontra-se a felicidade possível.
No entanto, o conteúdo de felicidade prometido é descolado da realidade
material, é uma felicidade ‘interior’, da ‘alma’ e, dessa forma, de fato, não somente a
felicidade é negada - pois as condições materiais para que ela se realize não estão
presentes - mas, além disso, justifica-se uma realidade de alienação e dominação.
Para Marcuse (1997, p. 99), essa cultura afirmativa “não contém só a
legitimação da forma vigente da existência, mas também a dor causada por seu
estado; não só a tranquilidade em face do que existe, mas também a recordação
daquilo que poderia existir”. O caráter contraditório da cultura e da técnica - que
caminharam juntas na evolução da sociedade - está ainda presente em nossa época,
em que o caráter afirmativo da cultura foi superado em favor de um modo de relação
dos indivíduos com os dados ‘culturais’ ainda mais perverso. Mas esse caráter
contraditório encontra-se suprimido face à utilização de ambos como instrumentos de
dominação.
A crítica da cultura tem de ir além dela, e de fato alcança seu objeto observando
suas determinações na realidade material. Para essa tarefa, toma-se como base a
filosofia dialética, principalmente em sua vertente materialista – a teoria crítica da
sociedade. Mas, seria errôneo imaginar que, já no século XVIII, não houvesse quem
vislumbrasse os indícios dessa situação. Rousseau (1997) já apontava com precisão
um ponto fundamental:

Enquanto o governo e as leis atendem à segurança e ao bem-estar dos


homens reunidos, as ciências, as letras e as artes, menos despóticas e talvez
mais poderosas, estendem guirlandas de flores sobre as cadeias de ferro de
que estão eles carregados, afogam-lhes o sentimento dessa liberdade
original para a qual pareciam ter nascido, fazem com que amem sua
escravidão e formam assim o que se chama povos policiados. A necessidade
levantou os tronos; as ciências e as artes os fortaleceram (p.190).

46
A leitura que o filósofo faz de sua época é aguda o suficiente para atingir a
nossa: “Atualmente, quando buscas mais sutis e um gosto mais fino reduziram a
princípios a arte de agradar, reina entre nossos costumes uma uniformidade
desprezível e enganosa, e parece que todos os espíritos se fundiram num mesmo
molde” (ROUSSEAU, 1997, p.192).
O adestramento dos sentidos para a incorporação dos indivíduos à maquinaria
do sistema faz uso da técnica e da ‘cultura’ para criar uma situação em que os
indivíduos se sentem felizes sem de fato sê-lo. (MAIA, 2000).

6.1 Ideologia e Mercadoria

Um pequeno parágrafo do ‘Manifesto Comunista’ ilustra como, a partir de Marx


e Engels (1993), a questão da cultura e da sensibilidade estética só pode ser pensada
com relação ao Capital, ao mundo das mercadorias, à ‘civilização’ que incorpora a
‘cultura’: “A cultura (Bildung) cuja perda o burguês tanto lastima é para a imensa
maioria apenas um adestramento para agir como máquina” (p.83). O capital, enquanto
‘potência social’, desenvolve e mobiliza nos indivíduos aquelas capacidades, hábitos
e traços de personalidade que lhe são adequados. Poder-se-ia falar, em um certo
sentido, que os indivíduos aderem às ideologias que emanam do modo de produção
capitalista em função justamente daqueles hábitos e capacidades que desenvolvem
em sua educação nessa sociedade e que correspondem às ideologias. Porém é
preciso abordar esse tema com muito cuidado para não dar lugar a dúvidas.
Quando Marx e Engels (1989) tomam como objeto a ideologia, começam por
afirmar que os homens produzem sua existência coletivamente - um modo de vida -
ao produzirem os meios que permitem a existência da sociedade, isto é, “o que os
indivíduos são depende (...) das condições materiais de produção” (p.13). Até mesmo
o campo das ideias pode ser incluído como uma produção das relações materiais
entre os homens: “A produção das ideias, das representações e da consciência está,
a princípio, direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos
homens” (p.20). A ideologia seria uma inversão dessa verdade fundamental: “... em
toda ideologia, os homens e suas relações nos aparecem de cabeça para baixo (...),
esse fenômeno decorre de seu processo de vida histórico” (p.21). Nesse caso, essas

47
ideias, em alguma medida dizem respeito à realidade material sem que, no entanto, a
realidade material se revele diretamente por meio delas. (MAIA, 2000).
Poderiam, no entanto, os homens produzir ideias que tivessem como origem
sua realidade material e que, ao mesmo tempo, refletissem essa realidade apenas
parcialmente? Para Marx e Engels (1989) é a partir do momento em que,
historicamente, surge a divisão de trabalho como forma social dominante: “a
consciência está em condições de se emancipar do mundo e de passar à formação
da teoria ‘pura’, teologia, filosofia, moral etc” (p.27).
Há ainda outra consequência dessa divisão do trabalho, pois o próprio processo
de trabalho ocorre como uma força objetiva contra a qual o sujeito nada pode. O
trabalho alienado, origem das fantasmagorias que impedem a liberdade dos
indivíduos, desdobra-se ainda no ‘fetichismo da mercadoria’. Segundo Marx (1988):

O misterioso da forma mercadoria consiste, (...) simplesmente no fato de que


ela reflete aos homens as características sociais do seu próprio trabalho
como características objetivas dos próprios produtos de trabalho, como
propriedades naturais sociais dessas coisas e, por isso, também reflete a
relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social
existente fora deles, entre objetos (p.71).

Quando os homens se defrontam com a sociedade, o mundo das mercadorias


já se apresenta como uma forma ‘natural’ da vida social pois, justamente, está
desconsiderado seu caráter histórico. O equivalente universal, a forma dinheiro,
objetivamente, completa o serviço de velar o caráter social dos trabalhos privados e,
portanto, as relações sociais entre os produtores privados. Assim Marx apontou
diretamente para o motivo da impossibilidade de uma formação que permitisse
‘liberdade e independência’ no processo social que gera a reificação e, além disso,
desmascarou a ideia de uma educação estética libertadora proposta pela cultura
afirmativa como sendo ideologia, uma visão parcial e ideal da realidade material,
consequência dessa mesma realidade e a ela correspondente. (MAIA, 2000).
A compreensão da função da cultura afirmativa nesse contexto implica, no
entanto, certa observação mais cuidadosa para identificar os detalhes do processo
histórico de conformação dos indivíduos às condições do mundo reificado. Dada a
contradição entre os ideais revolucionários da burguesia e suas reais realizações, a
cultura afirmativa representava a humanidade como universalidade irredutível e
distinta das condições materiais; isso implica que ela representava um ideal, mas um
ideal que não necessariamente seria realizado materialmente. A formação cultural dos
48
indivíduos, por sua vez, é apresentada como um ideal a ser alcançado: o de um estado
interior de beleza, bondade e liberdade, como qualidades da alma, independentes da
realidade material. Marcuse (1997, p. 108), afirma, no entanto, que “a liberdade da
alma foi utilizada para desculpar miséria, martírio e servidão. Ela serviu para submeter
ideologicamente a existência à economia do capitalismo”. E, embora fosse a alma
irredutível, precisaria, no entanto, ser educada, implicando uma tarefa educacional,
formativa: o domínio dos sentidos e a interiorização da fruição.
Tendo feito todas essas considerações, é possível então afirmar que a
consequência dessa interiorização e dessa ‘educação’ é que a promessa de felicidade
contida na obra de arte é sempre experimentada de modo fragmentado e episódico,
em meio à infelicidade objetiva, o que contamina o momento mesmo da fruição. Pois
ainda que os indivíduos fossem capazes de usufruir a beleza da arte como um
elemento de felicidade, seu papel no mundo das mercadorias já destitui os possíveis
efeitos libertadores que pudesse ter e a felicidade usufruída em meio à desgraça
objetiva é engodo, ideologia. Em meio à infelicidade geral os lampejos de felicidade
proporcionados pela fruição artística estão confinados a meros instantes que já
contêm em si mesmos o amargor de sua efemeridade. (MAIA, 2000).

6.2 Mimese e pseudo-individuação

Durante o século XIX, Marx e Engels defenderam que não é possível uma
educação para a liberdade num mundo objetivamente não livre, o que deve nos levar
a uma série de novas questões sobre a realidade social de nosso século, em que a
incorporação total da esfera da cultura ao modo técnico de produção industrial e sua
incorporação à propaganda transformaram qualitativamente a contradição apontada.
(MAIA, 2000).
De acordo com Adorno (1998), o cerne da questão é um progressivo
fechamento das brechas que permitiam alguma autonomia aos indivíduos, a tal ponto
que já não se pode falar em indivíduo sem uma enorme série de ressalvas que
praticamente inviabilizam a realização de seu conceito. Segundo o autor:

As malhas do todo são atadas cada vez mais conforme o modelo do ato de
troca. Este permite à consciência individual cada vez menos espaço de
manobra, passa a formá-la de antemão, de um modo cada vez mais radical,
cortando-lhe a priori a possibilidade da diferença, que se degrada em mera
nuance no interior da homogeneidade da oferta. Simultaneamente, a
49
aparência de liberdade torna a reflexão sobre a própria não-liberdade
incomparavelmente mais difícil do que antes, quando esta estava em
contradição com uma não-liberdade manifesta, o que acaba reforçando a
dependência (p.9-10).

Paralelamente a esse processo, que tem suas raízes mais profundas no


processo de formação da razão humana em suas relações com a dominação da
natureza - na ‘dialética do esclarecimento’ -, a cultura que se afirmava como um
elemento social autônomo hoje está reduzida a mercadoria, distribuída em larga
escala a preços módicos. Entretanto, Adorno (1998) afirma que “a crítica é um
elemento inalienável da cultura, repleta de contradições e, apesar de toda sua
inverdade, ainda é tão verdadeira quanto não-verdadeira é a cultura” (p.11). É
justamente esse elemento de crítica, inalienável da verdadeira cultura, que se torna
cada vez mais problemático, pois se na cultura afirmativa ele ainda poderia estar
presente na rememoração da liberdade perdida, não usufruída realmente, atualmente:
o crítico da cultura mal consegue evitar a insinuação de que possui a cultura que diz
faltar, ou seja, a cultura está submetida à mesma lógica do mundo das mercadorias
que guia a suposta crítica que se limita à cultura; ela não tem onde encaixar a alavanca
a não ser em sua própria inverdade! Esse fato implica dificuldades inusitadas a quem
se propõe a fazer uma crítica à cultura, tanto no âmbito teórico quanto metodológico.
Portanto, a ideologia não pode ser vista simplesmente como um conjunto de
ideias de determinada classe social, generalizadas para toda a sociedade como se
fossem a verdade. De acordo com Maia (2000), a própria sociedade tornou-se
ideologia de si mesma, justifica-se por sua eficiência técnica, pelo gigantismo do
aparato técnico diante dos indivíduos isolados, pelo processo de semiformação dos
indivíduos realizado pela ‘cultura’; nesse contexto, a ideia que prevalece é a de que o
existente não poderia ser de outra forma, um ‘véu tecnológico’, tanto mais eficiente e
poderoso quanto mais aumenta a distância entre o possível e o existente.
A questão importante nesse contexto é que aquilo que um dia foi chamado
cultura não tem mais os lampejos de autonomia com relação ao existente que um dia
compuseram seu conteúdo de verdade em meio às contradições da sociedade. A
cultura, por seu próprio conceito, está mergulhada na ‘civilização’, e não se pode
compreendê-la como tendo um sentido em si; em nossa época isso significa que
aquilo que é cultura é também administração técnica, parte do aparato produtivo
industrial, voltada para o controle dos indivíduos. Se na sociedade não é possível

50
objetivamente a liberdade, a beleza e a felicidade, a cultura afirmativa, enquanto
promessa de liberdade, beleza e felicidade, inevitavelmente estava em contradição
com relação a seu conceito; mas hoje é difícil falar em um conceito de cultura sem a
intervenção da crítica à sociedade. Ao contrário do que parece, o amplo acesso à
‘cultura’ funciona como anti-esclarecimento; os não esclarecidos acreditam estar
amplamente esclarecidos, e além disso, identificam sua ‘personalidade’ à escolha das
mercadorias oferecidas e, nesta mesma medida, sucumbem à ideologia. (MAIA,
2000).
Atualmente, a indústria cultural impele os indivíduos a uma falsa mimese, à
adesão inconteste ao existente. Segundo Adorno (1993, p. 176):

A indústria cultural modela-se pela regressão mimética, pela manipulação dos


impulsos de imitação recalcados. Para isso ela se serve do método de
antecipar a imitação dela mesma pelo expectador e de fazer aparecer como
já subsistente o assentimento que ela pretende suscitar.

A característica mais importante dos produtos - mercadorias ‘culturais’ -


oferecidos é a padronização. Esta é correspondente à padronização dos próprios
consumidores. O que percebem como sua individualidade nada mais é do que a
identificação com determinada nuance dos produtos oferecidos como se fossem
diferentes. É verdade que há distinções entre os vários níveis de acabamento entre
os produtos, mas essa aparente distinção encobre os seus objetivos comuns, a forma
como foram produzidos e o efeito que pretendem causar: a padronização das reações
e formas de pensamento dos indivíduos. (MAIA, 2000).
A distinção entre os consumidores se dá somente enquanto são consumidores
- e, portanto, os iguala - pois, se há alguma diferença entre os produtos, ela visa
atender ao ‘gosto’ de pessoas com diferentes possibilidades financeiras. Não é o
indivíduo que escolhe, pois, os produtos são produzidos segundo uma análise
estatística da sociedade para atender às idiossincrasias dos vários segmentos sociais,
embora a diferença seja sempre uma diferença nos detalhes do produto ficando o
essencial inalterado, ‘standardizado’. O ‘fetichismo da mercadoria’ abarca também as
mercadorias culturais e o ‘valor de troca’ impõe-se ao possível ‘valor de uso’; este já
não é passível de fruição, já que a similitude dos produtos impõe o elemento
quantitativo sobre a possível diferença que poderia existir entre eles. À padronização
das mercadorias culturais corresponde a pseudo-individuação.

51
Por pseudo-individuação entendemos o envolvimento da produção cultural de
massa com a auréola da livre escolha ou do mercado aberto, na base da própria
estandardização. A estandardização de hits musicais mantém os usuários
enquadrados, por assim dizer, escutando por eles. A pseudo-individuação, por sua
vez, os mantém enquadrados, fazendo-os esquecer que o que eles escutam já é
sempre escutado por eles, ‘pré-digerido’. (ADORNO, 1994).
As necessidades atendidas pela indústria cultural são, portanto, criadas pela
mesma sociedade que ela justifica: a necessidade de diversão, de abandono de si
mesmo e de fuga da realidade cruel do trabalho são atendidas de modo perverso pela
indústria. Sobre isso, Adorno e Horkheimer (1991) comentam que “divertir-se significa
estar de acordo (...) divertir significa sempre não ter que pensar nisso, esquecer o
sofrimento até mesmo onde ele é mostrado (...) A liberação prometida pela diversão
é a liberação do pensamento como negação (p. 135) ”.

Fonte: https://www.clicksociologico.com/

No atendimento às necessidades que a própria sociedade historicamente criou,


a indústria cultural revela-se como o anti-esclarecimento, isto é, como a regressão do
esclarecimento à mera dominação. As experiências que caracterizam a sensibilidade
dos indivíduos atualmente correspondem ao esquema geral da indústria cultural, isto
52
é, são adequadas ao existente. Mas, novamente, temos um tema que precisa ser
pensado mais cuidadosamente, pelo menos por dois motivos: primeiramente, o
conceito de indústria cultural tem sido comumente utilizado de modo impróprio, seja
porque é tomado separadamente do contexto em que foi inicialmente pensado - o
contexto da ‘dialética do esclarecimento’ - seja porque se tiram conclusões
apressadas e impróprias. No primeiro caso, toma-se a cultura como algo ‘em si’,
descolada das bases materiais que são a fonte da produção cultural; no segundo,
paralisa-se a criticidade do conceito imaginando que, uma vez fechadas as saídas
para algo melhor que o existente, não há mais possibilidade de algo melhor. Em
segundo lugar, o conceito precisa ser relacionado a outro elemento da produção
filosófica de Adorno: sua Teoria Estética, articulando arte e técnica no
desenvolvimento da cultura e desvelando as possibilidades estéticas de crítica à
sociedade. (MAIA, 2000).

6.3 Semiformação e experiência, ou a razão ‘comum e cativa’

Se um dia a cultura representou alguma contradição com relação ao existente,


mesmo tendo se desenvolvido no seio da mesma sociedade a que, em parte,
correspondia, mas à qual impunha seu próprio conceito, atualmente a cultura é um
meio de integração pois, tal como as mercadorias no mercado, encontra-se submetida
à regra do fetiche, oferecendo aos indivíduos experiências substitutivas que eles
incorporam como se fossem próprias, experiências que reafirmam o existente.
Durante nosso século W. Benjamin (1994, p. 168) identificou na
reprodutibilidade técnica da obra de arte um processo que levaria à perda de sua
‘aura’, de sua autenticidade e, o que é fundamental: “a técnica da reprodução destaca
do domínio da tradição o objeto reproduzido”. Desse modo o objeto reproduzido
industrialmente que substitui a obra é destituído de sua historicidade, da tradição à
qual estava vinculado intrinsecamente e, além disso, torna-se possível (desejável) sua
posse. Segundo Benjamin (p.170): “Retirar o objeto do seu invólucro, destruir sua
aura, é a característica de uma forma de percepção cuja capacidade de captar ‘o
semelhante no mundo’ é tão aguda, que graças à reprodução ela consegue captá-lo
até no fenômeno único”.

53
Os objetos de ‘arte’ que são reprodutíveis, segundo Benjamin, começam a ser
produzidos para serem reproduzidos. Assim, o cinema exercita nos indivíduos novas
capacidades, percepções e reações que serão depois generalizadas e radicalizadas
pela televisão. A hipótese de Benjamin (1984) é que: “transformações sociais muitas
vezes imperceptíveis acarretam mudanças na estrutura da recepção, que serão mais
tarde utilizadas pelas novas formas de arte” (p.185). Estas, por sua vez, fazem o
trabalho de condicionar a percepção do mundo segundo os parâmetros do existente.
O mundo é visto como é - está -, mas isto, pelo menos desde Hegel, é somente a
aparência, não o Real.
A distração, necessidade criada e satisfeita pela sociedade, está presente
também na própria recepção das mercadorias culturais. A apreensão pode se dar por
distração ou recolhimento. A primeira seria uma recepção tátil, isto é, aquela que se
efetua menos pela atenção que pelo hábito, em que o sujeito deixa-se levar pelo fluxo
dos estímulos a que está submetido; a segunda, ao contrário, implica uma atitude de
contemplação, ao mesmo tempo de distanciamento e de mergulho no objeto, de
conhecimento e de estranhamento (BENJAMIN, 1994, p.193). Além disso, a recepção
tátil, baseada no hábito, rege a estruturação do sistema perceptivo e prevalece ao
universo da ótica.
Traduzindo os termos originais do alemão utilizados por Benjamin, Ramos-de-
Oliveira (1998) torna mais precisa a significação que se quer explicitar, distinguindo
recepção passiva e vivência (Erlebnis) de recepção ativa, crítica e experiência
(Erfahrung):

Erleben é viver, presenciar, sofrer, ao passo que erfahren é chegar a saber,


tornar-se perito em algum setor. Estão, portanto, traçadas as fronteiras entre
duas modalidades de viver: uma de que passa pela vida como espectador,
alguém que reage a estímulos; outra de quem vive, alguém que exerce certo
grau de reação consciente, pensada refletida (p.31).

A sensibilidade adequada ao nosso tempo é baseada na recepção passiva, na


Erlebnis. Embora não se possa descartar a possibilidade de Erfahrung, há uma grande
pressão no sentido da primeira. Ao lado desse elemento temos também um
esmagador enfraquecimento do ego, destacado igualmente por Marcuse (1997, v. II)
e por Adorno e Horkheimer (1991). Segundo Marcuse:

Quanto mais o ego autônomo é supérfluo e mesmo inibidor e inoportuno para


o funcionamento do mundo administrado, técnico, tanto mais seu
desenvolvimento depende do seu ‘poder de negação’, quer dizer, de sua
54
capacidade de construir um domínio pessoal, privado (...) Mas essa
capacidade ficou reduzida por duas razões: 1. pela socialização imediata,
exterior ao ego; 2. pelo controle e manipulação do tempo livre - a dissolução
da esfera privada na massa (p.99).

Segundo Adorno e Horkheimer o ego é um produto tardio da projeção


controlada, mediada pelo trabalho do conceito e do juízo, na medida em que ao mundo
externo percebido são conferidas características de unidade e constância, e essas
mesmas características são aplicadas à realidade interna do sujeito. A correta
percepção da realidade, portanto, pressupõe um ego estruturado para, ao mesmo
tempo, fazer a diferenciação entre a realidade externa e a realidade interna, e
perceber o estreito vínculo que existe entre elas, mediado pelo trabalho do conceito.
Mas as condições objetivas impelem o sujeito a uma falsa projeção, e esta: “é um
meio para manter os impulsos do id alienados do ego, e pode ser interpretada como
signo da incapacidade do ego para cumprir suas funções” (p.243).
O trabalho do pensamento que leva ao conceito, para além do existente,
encontra-se dificultado ainda num outro sentido: à recepção passiva corresponde uma
forma de ‘memória’ que Benjamin chama de lembrança (Andenken), enquanto à
recepção crítica corresponderia a rememoração (Eingedenken). A diferença básica
está na forma como se relaciona o passado ao pensamento. Segundo Ramos-de-
Oliveira (1998, p.34)

em Andenken há uma lembrança no sentido de um índice que me faz tornar


a pensar em algo (...) o qual, para atingir, preciso de um estímulo, como uma
anotação, uma foto, um acontecimento qualquer que me traga de volta
algumas imagens; já em Eingedenken há uma rememoração (...) há um
mergulho no passado, um entrar, um penetrar, um fato de que me recordo
porque, na realidade, nunca o esqueço.

De acordo com o comentário de Maia (2000), entre as características mais


pregnantes das mercadorias da indústria cultural está o fato de que elas estão
destituídas da ‘aura’, desligadas de toda tradição, como que a-históricas, de modo que
modelam, habituam o sujeito à imediatidade do instante em que são consumidas. O
caráter efêmero da fruição da obra de arte na época da cultura afirmativa ainda é algo
progressista diante do caráter volátil dos produtos da indústria cultural.
Ao analisar a música popular, por exemplo, Adorno (1994) desdobra a
dissolução do pensamento no ato de consumir as mercadorias culturais nos
mecanismos de reconhecimento e aceitação. Segundo o autor: “Hoje, os hábitos de

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audição das massas gravitam em torno do reconhecimento (...) O princípio básico
subjacente a isso é o de que basta repetir algo até torná-lo reconhecível para que ele
se torne aceito” (p.130). Mas, na recepção musical, com relação à música séria, o
sentido da obra é captado tendo como ponto de partida o reconhecimento, mas, a
partir deste o ouvinte experimenta a novidade relativa à composição. “O sentido
musical é o Novo - algo que não pode ser subsumido sob a configuração do
conhecido, nem a ele ser reduzido, mas que brota dele, se o ouvinte vem ajudá-lo”
(p.131).
A relação entre o reconhecido e o novo é destruída na música popular, assim
como nas demais mercadorias padronizadas da indústria cultural, pois o
reconhecimento mecânico é a única possibilidade de apreensão de uma mercadoria
sempre igual, cuja distinção é feita em pequenos detalhes. Se com relação à obra de
arte o reconhecimento vinha em auxílio da compreensão, mas não coincidia com ela,
na música popular eles coincidem de modo fatídico. Adorno analisa também a
televisão. Suas características ideológicas incidem, principalmente, sobre dois
aspectos interligados: suas características formais como meio técnico e o conteúdo
dos programas que transmite. Suas possibilidades como meio educacional estão
atualmente submetidas à necessidade de funcionar como ideologia, dadas suas
relações com o poder. Segundo Adorno (1995, p.80):

Compreendo ‘televisão como ideologia’ simplesmente como o que pode ser


verificado sobretudo nas representações televisivas norte-americanas, (...) ou
seja, a tentativa de incutir nas pessoas uma falsa consciência e um
ocultamento da realidade, além de (...) procurar impor um conjunto de valores
como se fossem dogmaticamente positivos. (...) Além disso, contudo, existe
ainda um caráter ideológico formal da televisão, ou seja, desenvolve-se uma
espécie de vício televisivo em que por fim a televisão (...) converte-se pela
sua simples existência no único conteúdo da consciência, desviando as
pessoas por meio da fartura de sua oferta daquilo que deveria se constituir
propriamente como seu objeto e sua prioridade.

A televisão tem como sua primeira característica formal o fato de levar os


produtos até a casa dos espectadores. Esse encurtamento da distância entre os
produtos e o espectador sustenta uma aura de fraternidade e proximidade que na
realidade, na medida em que os sujeitos se prendem ao que se transmite na televisão,
impede a comunicação entre eles, impedindo também a possibilidade de proximidade.
A comunicação que se tornara suspeita na época burguesa, torna-se ainda mais difícil
diante da televisão.

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A diferença entre a imagem real e a imagem apresentada pela televisão - onde
a imagem é fragmentada, editada, dissolvida - não é sentida como problemática, pois
as mensagens - os estímulos - que ocorrem no mundo real estão igualmente
fragmentadas e dissolvidas sob a forma mercadoria. A reprodução da fragmentação
na televisão deveria ser experimentada com desprazer, mas não é isso o que ocorre.
(MAIA, 2000).
Segundo Adorno (1969), há uma espécie de ‘formação reativa’ que transforma
o ódio em admiração pelas imagens:

Os limites entre a realidade e a imagem são apagados da consciência. A


imagem é tomada como um objeto da realidade, como uma espécie de
habitação suplementar, que se compra junto com o aparelho (...) É difícil
perceber, (...) que a realidade vista através das lentes televisivas impõe que
o sentido encoberto da vida cotidiana volte a refletir-se na tela. (p.67)

Essas características formais - a rápida sucessão de quadros e o tamanho


diminuto das imagens, a ‘proximidade’ com o espectador, o predomínio da imagem -
são completadas pelo conteúdo dos programas apresentados, na configuração da
televisão como ideologia. As mensagens transmitidas têm vários níveis de
complexidade e de profundidade, basicamente apoiadas sobre um esquema padrão
de histórias que contém um romance entre um belo casal, um vilão, e um herói que
vai vencê-lo, pessoas pobres e ricas que, invariavelmente, segundo suas qualidades
‘individuais’ - seu valor de caráter, sua firmeza moral - vão se dar bem ou mal. (MAIA,
2000). Para Adorno (1969, p.77) os programas de televisão “apresentam ao
espectador vários estratos psicologicamente superpostos, que reciprocamente se
influenciam, para obter uma meta única e racional para o promotor: o acréscimo do
conformismo no espectador e o fortalecimento do status quo”.

Além disso, o sujeito é ainda impelido sempre para sua interioridade; o que
quer que aconteça é sempre algo ‘individual’, algo que a psicologia ingênua
não se cansa de reforçar. Se a possibilidade de transformações sociais
significativas está vinculada a ações coletivas, o mundo das mercadorias está
bem cuidado, pois os indivíduos mal são capazes de se comunicar, e aquilo
que comunicam, na maioria das vezes, já é pré-moldado, é mera repetição
dos padrões ideológicos que incorporaram em sua formação, principalmente,
por meio da indústria cultural. (MAIA, 2000)

Esta, em seu conjunto, funciona substituindo a função que Freud atribuía ao


ego quanto este ainda possuía alguma autonomia: os mecanismos de defesa. A
racionalização da vida irracional, a fuga à realidade refugiando-se num mundo ilusório,

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a oportunidade de amar compulsivamente aquilo que se odeia, entre outras formas de
‘defesa’, são realizadas com o auxílio da indústria cultural, em especial, da televisão.
Em suma, um enfraquecimento do ego que se torna incapaz de cumprir
adequadamente suas funções, de um modo que vai muito além daquilo que Freud
havia imaginado, já que, segundo Adorno (1993): “a doença própria de nossa época
consiste precisamente no que é normal” (p.50). Se para o grande psicólogo a
possibilidade de contato com a realidade, a experiência, estaria submetida às leis da
dinâmica da personalidade e esta teria como principal instância o inconsciente,
atualmente a própria personalidade é constituída de modo a parecer a-histórica e
nesse ‘véu’ ideológico é mantida, violentamente, pela sociedade que incorporou a si
mesma a esfera da cultura e as contradições que apontavam para algo melhor que o
existente. (MAIA, 2000).
Mas se não é o ego individual que realiza o recalcamento dessas
representações e experiências, que são oferecidas em massa, é este mesmo ego
individual que deve se adaptar a essa nova situação, o que leva a crer que o discurso
ideológico não tem uma qualidade inconsciente, em termos freudianos. Segundo
Adorno (1969):

No lugar de fazer a honra ao inconsciente, de elevá-lo à consciência


satisfazendo assim seu impulso e suprimindo sua força destrutiva, a indústria
cultural, principalmente recorrendo à televisão, reduz ainda mais os homens
a um comportamento inconsciente, enquanto põe em claro as condições de
uma existência que ameaça com sofrimento a quem a considera, enquanto
promete prêmios a quem a idolatra. A paralisia não somente não é curada,
mas é reforçada. (p.77)

Mas o próprio Adorno (1994) ao discutir a música popular, aponta uma questão
que parece ser fundamental:

É óbvio que esses componentes não aparecem na consciência como ocorre


na análise. Assim como a divergência entre a ilusão da propriedade privada
e a realidade da propriedade pública é muito ampla (...) não se pode encarar
tais ocorrências como sendo também totalmente inconscientes.
Provavelmente é correto presumir que a maioria dos ouvintes, a fim de
obedecer ao que eles encaram como desejos sociais e provar sua ‘cidadania’,
‘juntam-se’ semi-humoristicamente à conspiração (...) suprimindo a chegada
à consciência do mecanismo operacional, mediante a insistência, diante de
si e dos outros, no sentido de que a coisa toda, de qualquer modo, é apenas
uma brincadeira bem limpa. (p.135)

O questionamento da distinção entre consciente e inconsciente tem seu nó na


seguinte questão: atualmente a ideologia, por convergir com a ordem social, tornou-

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se por demais visível. A não autonomia do espírito, do indivíduo, se afirmada
irrefletidamente, é também ideológica pois é o próprio sujeito que se envolve
‘conscientemente’ com os produtos ideológicos oferecidos pela indústria cultural. A
mera afirmação de que a atuação dos sujeitos se faz de modo puramente inconsciente
retira deles não só toda a responsabilidade sobre suas ações, mas coloca a situação
de um modo que anula toda negatividade, toda possibilidade de superação das
condições dadas, que depende das atuações individuais. A vontade mobilizada
conscientemente para manter o autoengano poderia ser mobilizada em outra direção,
em direção à consciência. (MAIA, 2000).
Se, evidentemente, a crítica à indústria cultural é urgente e fundamental, é
preciso um cuidado também fundamental ao fazê-la, pois, segundo Maar (1998): “A
indústria cultural oriunda do processo valorativo da produção capitalista tardia produz
um objeto que conduz sua crítica ao abismo” (p.45). Isso porque a crítica somente é
efetiva se voltada às relações materiais de produção e ao trabalho social, que são as
condições básicas do fetiche que se reproduz na esfera do que um dia foi chamado
de cultura.
Por outro lado, a possibilidade de crítica ao modo de produção implica uma
‘duplicação’, uma saída da realidade unidimensional que tem como ponto de apoio a
teoria - evidentemente uma teoria social -, mas que também pode ter como ponto de
apoio complementar uma realidade - no sentido de uma obra, de uma proposta –
estética; isto não significa projetar uma utopia no sentido de algo para além do
existente, mas observar no existente suas melhores possibilidades, as brechas que
apontam para algo melhor. Apesar das antinomias de uma arte que, tentando se
manter fiel às suas próprias exigências intrínsecas, está mergulhada em uma
realidade heterônoma, o elogio de Adorno a Schönberg, suas análises da música
popular, da regressão da audição, da televisão, do horóscopo e dos ocultismos nos
periódicos etc, demonstram que a crítica à indústria cultural, quando aponta, a partir
dela para além dela, é crucial. (MAIA, 2000).

59
7 MOVIMENTOS DA ARTE MODERNA E DAS VANGUARDAS

7.1 Vanguardas europeias

Segundo Jana Cândida Castro dos Santos (2019), o início do século XX, após
a Revolução Industrial, é marcado por grandes mudanças culturais e científicas, no
qual se questionam a física clássica, mecanicista e determinada característica dos
períodos anteriores — século XVIII e XIX. Alonso Pereira (2010) nos revela que neste
momento, dados a Teoria da Relatividade de Einstein e o princípio de indeterminação
de Heisenberg, assim como a nova decomposição atômica dos corpos e a crise das
geometrias euclidianas, a sensação de progresso — própria do século XIX — se vê
abalada, abrindo caminho para uma nova etapa cultural.
No campo arquitetônico, por exemplo, as vanguardas artísticas e os
experimentalismos dos anos seguintes à Primeira Guerra Mundial trazem as principais
contribuições. Os resultados dos experimentalismos são, de forma geral, os “[...]
processos envolvidos na decomposição do volume arquitetônico e no reconhecimento
da importância da normatização e da mecanização no desenho dos ambientes
construídos” (ALONSO PEREIRA, 2010, p. 227).
Na sequência apresentamos um pouco de cada um dos principais movimentos,
suas características e contribuições culturais e artísticas.

Fonte: https://guiadoestudante.abril.com.br/
60
Impressionismo

A revolução industrial e científica teve grande impacto em toda a cultura


ocidental, e, assim como na arquitetura, trouxe impactos no campo artístico, em
especial à pintura. A invenção da máquina fotográfica e a consequente reprodução
instantânea da realidade induziram a uma redefinição no campo da pintura. Frente à
invenção da fotografia, as pinturas não podiam se colocar somente como uma
reprodução realista. Neste contexto, a partir de 1874, surgem artistas com direção à
vanguarda, para “[...] redescobrir a essência da pintura negando alguns de seus
fundamentos convencionais e tentando reafirmar sua essência” (ALONSO PEREIRA,
2010, p. 227) — são os chamados impressionistas.
Os artistas impressionistas buscaram a elaboração de uma pintura que
transmitisse a impressão visual momentânea e flagrante através do trabalho com luz,
cor e forma, ao diluir os contornos e eliminar os tons sombrios. Segundo Mattos (2003,
p. 60), no Impressionismo os artistas “aplicaram o conceito da mistura óptica das
cores, desenvolveram o gosto pelos tons claros e a aversão à cor preta, trabalharam
com contrastes de cores e acabaram com o delineamento das formas, deixando as
marcas do pincel expressas na tela”.
Entre os artistas do Impressionismo, se destacou Claude Monet (1840–1926)
ao retratar a fachada da catedral de Rouen, em mais de trinta interpretações; ou na
série de Ninfas, onde registrou os efeitos variantes da luz refletida no tanque com
plantas aquáticas em seu jardim. Na figura a seguir, vemos uma tela de Monet.

Fonte: https://super.abril.com.br/
61
Para captarem as imagens passageiras, os pintores impressionistas
trabalhavam com rápidas pinceladas, tornando muitas vezes a imagem de difícil
visualização. No entanto, com o tempo, o público percebeu que para entender um
quadro impressionista dever-se-ia observá-lo de longe. Além da França, o
Impressionismo repercutiu em toda a Europa, em terras americanas e brasileiras, mas
sempre em busca de “[...] romper com a imagem de ateliê e com os limites do
desenho” (MATTOS, 2003, p. 61).
Mais do que captar a realidade, buscava-se expressar as múltiplas realidades
criadas pela luz e reflexos dos corpos que apareciam ao contemplá-las, ou seja, para
os artistas impressionistas a luz era a principal preocupação. (SANTOS, 2019).

Pós-Impressionismo

O Pós-impressionismo é considerado um movimento de transição, onde os


artistas considerados pós-impressionistas partiram dos princípios impressionistas,
mas aprofundando-se em direção às pesquisas cromáticas e de composição,
buscando novas representações. Desse modo, segundo Alonso Pereira (2010, p.
228), os artistas “[...] decidem empregar a técnica da divisão de tom e, por meio de
pinceladas soltas criadoras de vibrações cromáticas, se voltam mais à cor do que à
luz”.
Paul Cézanne (1839–1906) se destaca ao empenhar seus esforços na
recuperação do valor das formas primárias em relação à cor ou à luz – sendo suas
pesquisas fundamentais para o desenvolvimento do Cubismo. Para Cézanne, a
natureza poderia ser vista conforme suas formas básicas (formas geométricas de
cones, esferas e cilindros). No entanto a cor reaparece na obra poderosa de Paul
Gauguin (1848–1903). Segundo Mattos (2003, p. 62), Gauguin “[...] buscou a
simplificação das formas e das cores e seus estudos resultaram no Fauvismo”, como
podemos notar no retrato de adolescentes taitianas conforme a figura abaixo.

62
Fonte: https://santhatela.com.br/

Tem destaque também a obra de Vincent Van Gogh (1853–1890), que através
de sua arte buscou expressar seu estado emocional e abriu caminho para o
desenvolvimento do Expressionismo. (SANTOS, 2019). Na figura abaixo vemos sua
tela “Campo de Trigo com Ciprestes”, de 1989.

Fonte: https://br.pinterest.com/
63
Pontilhismo

Por volta de 1884, surge o Pontilhismo — também conhecido como


Divisionismo —, como uma reação ao Impressionismo, a partir de pequenas manchas
ou pontos, próximos uns dos outros, com predominância de aplicação de cores puras.
Como principal artista e pioneiro temos Georges-Pierre Seurat (1859–1891), um pintor
francês que partiu da pesquisa científica da composição da imagem e das cores.
Segundo Mattos (2003), Seurat realizou diversos estudos para sua composição,
alterando a dimensão dos pontos até chegar ao objeto pretendido. Para isso,
simplificava as formas humanas e dos vegetais em estruturas geométricas. Na figura
a seguir, podemos ver uma de suas obras.

Fonte: https://www.historiadasartes.com/

Expressionismo

O Expressionismo, por sua vez, foi um movimento artístico que surgiu no início
do século XX, na Alemanha, e propunha “[...] a arte como a expressão do mundo
interior do artista” (MATTOS, 2003, p. 63), e assim buscava a expressividade, mesmo
que fosse necessário distorcer as figuras representadas. Segundo Proença (2009, p.
251), o movimento procurou “[...] expressar as emoções humanas e interpretar as
angústias que caracterizaram psicologicamente o homem do início do século”.
64
As obras expressionistas pautaram-se no uso de cores fortes e contornos
abruptos, marcadas por uma atmosfera densa, beirando o irreal. Os expressionistas
acreditavam na sinceridade de suas obras, mesmo que se distanciasse da beleza, e
fugiam das regras tradicionais em relação a composição, regularidade da forma e
harmonia das cores (SANTOS, 2019). Destacam-se os trabalhos do pintor norueguês
Edvard Munch (1853–1944), do pintor belga James Ensor (1860–1949) e do pintor e
escritor austríaco Oskar Koloschka (1886–1980). É importante ressaltar o trabalho dos
muralistas mexicanos Siqueiros, Orozco e Rivera, abordando os problemas sociais de
sua terra (MATTOS, 2003). Na figura abaixo, vemos a famosa obra “O Grito”, de
Edvard Munch.
O Expressionismo, com seu clima melancólico e inquietante, historicamente é
considerado o primeiro grande movimento da pintura moderna — ora abandonado ora
retomado muitas vezes ao longo de todo o século XX (PROENÇA, 2009).

Fonte: https://www.todamateria.com.br/

Fauvismo

O Fauvismo teve origem em Paris em 1905, buscando a simplicidade em suas


composições, nas quais poucos e simples elementos estruturavam os rostos e objetos
a serem representados. As figuras eram apenas sugeridas e não representadas de
65
forma realista pelo pintor (PROENÇA, 2009). As obras fauvistas são marcadas por
cores intensas (a partir do uso de cores puras) e harmonias audaciosas. De acordo
com Mattos (2003), a cor era utilizada para determinar o espaço, enquanto que para
expressar as “sensações” utilizava-se a estilização das formas. O Fauvismo pode ser
considerado como fundamental para a consolidação do Abstracionismo. São artistas
importantes do movimento Henri Matisse (1869–1954) e Maurice de Vlaminck (1876–
1958). Na figura abaixo a pintura “Natureza-morta” de Henri Matisse.

Fonte: Natureza morta com peixes vermelhos... (2015, documento on-line)

Cubismo

O Cubismo se desenvolveu em Paris, por volta de 1907, buscando reformular


a representação dos objetos que passam a ser vistos sobre vários ângulos. Os artistas
adeptos ao movimento interessavam-se pela obra de Cézanne, que entendia que a
“[...] pintura deveria tratar as formas da natureza como se fossem cones, esferas e
cilindros” (PROENÇA, 2009, p. 254). No Cubismo os objetos são representados como
se o artista se movimentasse e com isso fosse capaz de captar todas suas faces de
uma só vez. As composições cubistas se fundamentavam na estrutura do objeto
representado, de modo a simplificar sua natureza visual. (SANTOS, 2019).
Os artistas cubistas trabalhavam com poucas cores, entre elas cinza, preto e
alguns tons de marrom e ocre, pois para eles o mais importante era a escolha do tema

66
e a apresentação de todos os seus lados simultaneamente, como revela Proença
(2009). O movimento ficou marcado pela fragmentação e justaposição de figuras
geometrizadas. São destaques os artistas: Pablo Picasso (1881–1973), Georges
Braque (1882–1963) e Jules-Fernand-Henri Léger (1881–1955). Na figura a seguir,
vemos uma obra de Pablo Picasso.

Fonte: https://www.moma.org/

Abstracionismo

O Abstracionismo buscou a essência da imagem, se libertando de todas as


convenções representativas. No lugar da imitação, surge “[...] a expressão dos
sentimentos, através de cores e linhas e os temas desaparecem, importante apenas
os efeitos de tons e formas” (MATTOS, 2003, p. 65). Entre os principais artistas
abstratos estão Wassily Kandinsky (1866–1944) — partindo das propostas do
Expressionismo —, Kazimir Severinovich Malevich (1879–1935) — partindo da
simplificação do Fauvismo — e Piet Mondrian (1872–1944) — partindo da
geometrização proposta pelo Cubismo. A Figura abaixo mostra uma pintura de
Kazimir Malevich.
67
Fonte: Suprematism... (2007).

Futurismo

Esse movimento tem seu início em meados de 1910, marcado por um texto
literário do escritor italiano Felippo Marinetti. Denominado de Manifesto Futurista, o
texto expunha propostas para o novo estilo. A partir disso, tornou-se comum um texto
literário para acompanhar as manifestações artísticas e suas definições. O Futurismo
condenava a devoção aos grandes mestres e elementos do passado, evidenciando
apenas o presente. Segundo Mattos (2003, p. 63), os futuristas exaltavam “[...] a
máquina e as realizações da ciência moderna, através do dinamismo nas telas”. Para
representar a realidade dinâmica, utilizavam cores vivas e formas que evocassem o
movimento. Destacam-se os artistas Carlo Carrà (1881–1966), Umberto Boccioni
(1882–1916), Giacomo Balla (1871–1958) e Luigi Russolo (1885–1947). Na figura a
seguir, temos um exemplo de obra futurista, de Umberto Boccioni.
Vemos que as diferentes vanguardas aconteceram em um período
relativamente curto, em meio a um contexto marcado por progressos industriais,
grandes conflitos políticos e intensas mudanças sociais. Os experimentalismos nas
68
artes, nas pinturas, esculturas e outras, abre caminho para uma nova forma de se
expressar frente às adversidades vividas pelo homem do início do século XX.
Essas mudanças nas artes plásticas desencadearam uma nova fase na
arquitetura, abrindo caminho para o Movimento Moderno. As tendências artísticas,
marcadas por “[...] formas abstratas e integração entre espaço, movimento, luz e até
mesmo o som”, se refletiram nas experiências arquitetônicas (PROENÇA, 2009, p.
276).

Fonte: https://pt.wahooart.com/

De acordo com Proença (2009, p. 276), “[...] os novos materiais produzidos


pelas indústrias, como o ferro, o vidro, o cimento e o alumínio” contribuíram de forma
relevante para o nascimento da arquitetura moderna, permitindo “[...] a criação de
novas formas arquitetônicas que, no período anterior à industrialização, só podiam ser
imaginadas”. Neste contexto se destaca, por exemplo, o movimento De Stijl.

O De Stijl

As origens do movimento holandês De Stijl remontam às obras do pintor Piet


Mondrian (1872–1944) e do arquiteto H. P. Berlage (também comentado no
Expressionismo holandês). O movimento possuiu duas fases, ambas coordenadas por
69
Theo Van Doesburg — pintor, projetista, tipógrafo, crítico, escritor e um dos grandes
expoentes do De Stijl. Os projetos de De Stijl são marcados pela ultrarracionalidade e
por serem abstratos e mecânicos, diferentemente dos expressionistas holandeses,
que tendiam ao figurativismo, sintonizados com o meio artesanal de produzir
edificações (FAZIO; MOFFETT; WODEHOUSE, 2011). Entre as produções do
movimento podemos citar duas que se destacam — a Cadeira Vermelha e Azul e a
Casa Schröder (1924), ambos projetados pelo arquiteto e desenhista de móveis
holandês, Gerrit Rietveld. As obras apresentam-se abstratas e com caráter tecnicista,
marcadas por linhas e planos horizontais e verticais, com uso de cores primárias,
como constatamos na figura abaixo.

Fonte: Rcoutinho5 (2018).

7.2 Modernidade e vanguarda artística na América Latina

De acordo com Caroline Silveira Bauer (2020), as transformações econômicas,


políticas e sociais características do final do século XIX e início do século XX,
decorrentes de fenômenos como a industrialização, as reformas urbanas e o aumento
populacional, criaram novos padrões de sociabilidade e de vida para os habitantes de
capitais como Buenos Aires, Cidade do México, Lima, Santiago e Rio de Janeiro.
Alguns autores falam em modernidade e modernização, processos que também
influenciaram a produção cultural do período. O “mundo moderno” na América Latina
deu origem às chamadas vanguardas artísticas latino-americanas.
70
O surgimento das vanguardas artísticas na América Latina ocorreu em um
período chamado por muitos autores de modernização. Segundo Gustavo Beyhaut e
Hélène Beyhaut (1985), devemos considerar “modernização” como um desejo de
mudança, que se materializou em certos aspectos, característica de amplos setores
da sociedade, não somente de grupos artísticos ou intelectuais isolados.
Assim, como estilo de vida, a modernização difere de tendências
comportamentais anteriores, que procuravam imitar estilos europeus. Esse processo
caracterizou-se por costumes, hábitos, ideias e valores provenientes de uma seleção
de referências europeias, mas adaptando-as à realidade latino-americana. (BAUER,
2020). Da mesma forma, a modernização não seria um movimento apenas dos altos
estratos da sociedade, atingindo também setores médios e até mesmo grupos
subalternos, uma possibilidade criada pela urbanização, com um maior acesso à
economia monetária, com novos meios de comunicação de massa e, assim, com a
difusão de novas atitudes (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985).
Por último, devemos ressaltar que a modernização pode ser compreendida
como um movimento crítico dos padrões culturais vigentes, apresentando alternativas
de renovação das artes plásticas, da literatura e da música. (BAUER, 2020).

Fonte: https://laart.art.br/

Isso não significa que devemos entender a modernidade, ou até mesmo o


modernismo cultural latino-americano no singular, como um evento único. Como bem
lembram McMahon e Giraud (2018, documento on-line), “[...] o conceito de
modernidade, na esteira de suas variações europeias reveladas às vésperas do
71
século XX — tecnológicas, políticas, artísticas —, está, da mesma forma, marcado
pela disparidade das experiências nos locais e nos espaços das Américas”.
Do ponto de vista econômico, essa nova realidade é caracterizada pelo
crescimento do mercado interno, com tentativas de substituição de importações,
mediante o desenvolvimento da indústria. Essas transformações econômicas
ocorreram paralelamente às mudanças sociais, com novos postos de emprego e
trabalho e surgimento de grupos empresariais, industriais, proletários e classes
médias, de maneira geral.

O contexto global no qual se desenvolveu o processo das vanguardas


estéticas latino-americanas foi marcado por alguns fatos significativos: a
Revolução Mexicana, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, a crise
econômica mundial, no bojo da quebra da Bolsa de Nova York, de 1929, e o
início da Segunda Guerra Mundial. Discuti-las requer estabelecer diálogo
entre os acontecimentos políticos e culturais na Europa e América e as
mudanças de ordens social, econômica, política e comportamental,
engendradas a partir destes fatos (MOTTA, 2016, documento on-line).

As vanguardas latino-americanas são caracterizadas por diferentes escolas ou


movimentos. Em vários países da América Latina, surgiram vanguardas artísticas,
englobando diferentes manifestações, todas em combate por novas manifestações
culturais motivadas pelas mudanças econômicas, políticas e sociais. (MCMAHON;
GIRAUD, 2018).
O que foram as vanguardas? No sentido cultural, de acordo com Romilda Motta
(2016, documento on-line), o conceito foi aplicado “[...] para definir movimentos
estéticos que ganharam notoriedade na Europa e que tinham entre as propostas a
ruptura, o questionamento dos cânones da Academia, a revisão dos sentidos e
apropriações da arte”. Se o termo vanguarda se tornou comum nos países hispânicos,
no Brasil esse movimento ficou conhecido como modernismo.
72
Segundo Motta (2016, documento on-line):

[...] nas décadas iniciais do século XX o fenômeno das vanguardas artísticas


ganhou dimensões continentais atingindo distintos países e grupos, ainda
que não homogêneos nem com a mesma intensidade e/ou características.
Caracterizou-se por um caráter multidisciplinar, pois as produções do período
deixaram marcas na literatura, pintura, escultura, arquitetura, música. Há que
se considerar uma imensa diversidade de nomes, lugares, realidades,
linguagens e tendências envolvidas. Em nenhum momento as propostas,
perspectivas e nomes apresentaram natureza compacta nem um sistema
coeso.

Do ponto de vista literário, nesse período surgiu um público leitor que estimulou
o tratamento de certos temas diferentes daqueles que predominavam nas obras
procedentes do exterior, principalmente a bibliografia francesa. Assim, ampliou-se o
mercado editorial em espanhol e em português. Difundiram-se obras de poetas latino-
americanos, como Cesar Vallejo (Peru), Pablo Neruda (Chile) e Nicolás Guillén
(Cuba). Da mesma forma, houve uma proliferação de romances, que pretendiam dar
a conhecer a sociedade latino-americana, suas características e seus problemas.
Podemos citar Mariano Azuela e Carlos Fuentes (México), Alejo Carpentier (Cuba),
José Eustasio Rivera (Colômbia), Rómulo Gallegos (Venezuela), Jorge Icaza
(Equador), Roa Basolltos (Peru), Miguel Angel Asturias (Guatemala), Jorge Luis
Borges, Julio Cortázar, Beatriz Guido, Ernesto Sábato, Juan Carlos Onetti (Argentina)
e, no Brasil, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Armado, entre outros. Esses
autores assemelham-se por uma narrativa que permite conhecer mais os problemas
e as realidades desses países. (BAUER, 2020).
Houve também um florescimento de ensaios e do teatro. De acordo com
Capelato (2005, documento on-line),

[...] na literatura, o primeiro modernismo correspondeu ao momento em que


os artistas procuraram superar o realismo/naturalismo, o romantismo e as
representações humanistas, incorporando um estilo, uma técnica e uma
forma capazes de expressar uma busca interior profunda.

Nas artes plásticas e na música, apareceram algumas características


apresentadas anteriormente. Em toda a América Latina, surgiram escolas e
tendências inspiradas em escolas europeias, mas com adaptações às realidades
locais (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985).

Caracterizou-se por uma busca de construção da identidade nacional que


levou os artistas intelectuais ao encontro das tradições e raízes nacionais.
Refiro-me aos ‘artistas intelectuais’, porque os modernistas dos anos 1920
73
abriram um amplo debate de ideias sobre a natureza da arte e sua relação
com a nacionalidade. Além da produção artística, escreveram manifestos,
criaram revistas, tiveram ampla participação na grande imprensa e se
preocuparam em refletir sobre a sua sociedade, os impasses e possibilidades
de mudança com ênfase no campo cultural (CAPELATO, 2005, documento
on-line).

Podemos citar ainda o muralismo mexicano, surgido quando o governo


mexicano fez a primeira encomenda de um mural a Diego Rivera em 1921. Rivera,
José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros pintaram murais com temáticas
indígenas e sociais, e todos se envolveram em polêmicas, lançamentos de manifestos
e outras formas de militância política (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985).

Fonte: https://sylviacolombo.blogfolha.uol.com.br/

Na pintura, também destacamos o nome de Rufino Tamayo (México), Wifredo


Lam, Amelia Peláez, Cundo Bermúdez, Mario Carreño e Martínez Pedro (Cuba),
Cândido Portinari e Tarsila do Amaral (Brasil), Pedro Figari e Joaquin Torres Garcia
(Uruguai), Emilio Pettoruti (Argentina) e Oswaldo Guayasamín (Equador) (Figura 1)
(BEYHAUT; BEYHAUT, 1985).
Para Capelato (2005, documento on-line):

[...] o pintor uruguaio Torres-García, em uma de suas obras [...] virou o mapa
da América do Sul de ponta cabeça [Figura 2] e com relação a essa imagem,
afirmou: “Nós temos ideia da nossa verdadeira posição, nos vemos não como
o resto do mundo gostaria de nos ver”. A obra expressa não apenas o desejo
74
de definir uma identidade própria, rompendo com a tradicional dependência
do sul em relação ao norte, mas também o dilema de muitos artistas latino-
americanos relacionados à seguinte questão: como produzir uma arte não
colonizada.

Fonte: https://br.pinterest.com/
75
Na arquitetura, são dignos de destaque: Oscar Niemeyer e Lucio Costa (Brasil),
José Vilagrán García (México), Sérgio Larrain (Chile). Na música, tivemos Heitor Villa-
Lobos (Brasil), Carlos Chávez e Silvestre Revueltas (México), Alberto Ginastera
(Argentina) (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985).
Como transformações culturais impulsionadas pela modernização, podemos
citar ainda as revistas literárias, os cafés, as associações, os cineclubes, grupos
teatrais, oficinas artesanais (BEYHAUT; BEYHAUT, 1985). Quanto à dança, a relação
com o corpo mudou significativamente a partir das vanguardas:

O retorno às artes tribais e ao psiquismo primitivo opõe o mecanismo da


modernidade aos movimentos do corpo, no que esses têm de intuitivo ou
natural. A modernidade do corpo estaria, então, relacionada com seu
potencial expressivo e significante, em uma relação de contato ou de
comunhão com seu ambiente. A inteiração com o solo garantiria a
autenticidade da criação, ao mesmo tempo em que faria surgir cenários da
história americana, como em algumas coreografias dos anos 30. Assim, a
ruptura com a tradição acadêmica europeia passa pelo mito de uma volta às
origens (MCMAHON; GIRAUD, 2018, documento on-line).

Dessa forma, podemos caracterizar as vanguardas artísticas latino-americanas


como um movimento heterogêneo, que não possuía um programa único, mas se
caracterizava por diferenças estéticas, ideológicas e políticas. A pluralidade também
pode ser observada nas modalidades artísticas, que foram da arquitetura à literatura,
passando pelas artes plásticas e pela música. Assim, as vanguardas eram múltiplas,
com distintas percepções de acordo com o pertencimento geográfico ou nacional
geracional, além das outras diferenças apontadas (BAUER, 2020).

7.3 A Semana de Arte Moderna no Brasil

A década de 1920 no Brasil foi um período de grande efervescência política e


social. Em 1922, houve a primeira revolta dos tenentes, foi criado o Partido Comunista
do Brasil (PCB) e celebrou-se o centenário da independência do Brasil. Paralelamente
a esses eventos, ocorreu em São Paulo a chamada Semana de Arte Moderna, que
representaria uma ruptura em relação às manifestações artísticas e culturais
dominantes no país.
A Semana ocorreu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, no auditório do
Teatro Municipal de São Paulo. Capelato (2005, documento on-line) narra como se
deu a organização do evento:
76
O escritor e diplomata Graça Aranha, que morou na Europa entre 1900 e
1921, foi o seu promotor. Ele convivera com a agitação intelectual e artística
do período e incorporara concepções estéticas do “espírito moderno”.
Quando voltou ao Brasil em 1921, trouxe a notícia do Congrès de l’Esprit
Moderne, que seria realizado na Europa por iniciativa dos dadaístas e
puristas em 1922. O evento não aconteceu, mas inspirou a organização da
Semana de Arte Moderna paulista programada para comemorar o centenário
da independência.

Seu objetivo era divulgar um movimento de renovação da arte e de recuperação


da temática nativista. Naqueles dias, arquitetos, artistas plásticos, escultores,
intelectuais, literatos e músicos realizaram encontros artísticos, literários e musicais,
além da exposição no saguão.
Mas por que a Semana de Arte Moderna ocorreu em São Paulo? A historiadora
Maria Helena Capelato (2005, documento on-line) nos ajuda a encontrar uma resposta
para a realização desse evento na capital paulista:

O significativo desenvolvimento cafeeiro ocorrido em São Paulo, entre o final


do século XIX e as primeiras décadas do XX incentivou o progresso material
do estado que indiretamente favoreceu o desenvolvimento industrial e a
urbanização acelerada. Nesse contexto, a cidade de São Paulo se projetou
como grande centro urbano, no qual conviviam ex-escravos e imigrantes
estrangeiros mal assimilados às novas condições da vida urbana e fabril. O
conflito urbano não tardou a se manifestar nesse espaço de identidades
mutantes. Os políticos responsáveis pela chamada “Velha República”,
segundo seus críticos, não conseguiam solucionar os problemas políticos e
sociais, e eram impermeáveis aos sinais dos novos tempos, estando mal
integrados no cenário da modernização contemporânea.

A Semana impactou significativamente o público, que rechaçou muitas das


obras, consideradas ousadas demais para a realidade brasileira e para os hábitos da
elite consumidora de arte no Brasil. Capelato (2005, documento on-line) afirma que a
Semana de Arte Moderna de 1922 foi considerada um divisor de águas na cultura e
nas artes do continente latino-americano:

Considerada marco do modernismo latino-americano, ela contribuiu para o


desenvolvimento de pesquisas formais e de uma nova linguagem artística em
relação a várias artes. A partir dessa experiência, surgiram, em todos os
cantos do Brasil, revistas culturais; algumas delas lançaram manifestos que
exaltaram a integração do país no mundo da técnica e da mecânica.

Do ponto de vista do conteúdo, houve uma mescla de tendências das


vanguardas europeias com temas nativistas, buscando as raízes culturais brasileiras.
A partir da Semana, os então chamados modernistas brasileiros demonstraram que
sua arte se opunha ao romantismo e ao parnasianismo, considerados conservadores

77
e ultrapassados, e, de maneira geral, rechaçavam as tendências artísticas do século
XIX.
Artistas ligados ao movimento modernista brasileiro tiveram grande contato
com representantes das vanguardas europeias. Este foi o caso, por exemplo, de
Tarsila do Amaral, uma das mais expressivas representantes do modernismo no Brasil
dos anos 1920. A artista não participou da Semana de Arte Moderna de 1922 porque
estava na Europa, mas quando voltou ao Brasil, junto com o literato Oswald de
Andrade, integrou-se no movimento modernista. O casal teve uma participação
decisiva na renovação cultural brasileira (CAPELATO, 2005, documento on-line).

Fonte: https://vejasp.abril.com.br/

Após a realização da Semana, diversos grupos lançaram manifestos, como o


Pau-Brasil, a Antropofagia, o Verde-Amarelismo, e publicações, como a revista
Klaxon: mensário de arte moderna, lançada em maio de 1922. Não havia uma
unicidade entre os integrantes dos diferentes grupos, que muitas vezes até se
opunham politicamente.
Apenas para exemplificar a diversidade de nomes e contrastes de perspectivas,
pensemos no “mosaico” que foi o Modernismo Brasileiro. Ele reuniu num mesmo
78
movimento, em sua fase inicial, figuras como Oswald de Andrade, caracterizado pela
irreverência, provocações e radicalidade discursiva — especialmente após aproximar-
se do Partido Comunista, no fim dos anos 1920 — e, ao mesmo tempo, Plínio Salgado
– este um nacionalismo conservador, que não omitia suas simpatias por governantes
fascistas europeus (MOTTA, 2016, documento on-line).
Sobre o “Manifesto Antropofágico”, publicado na revista Antropofagia, Capelato
(2005, documento on-line) afirma que:

Propõe a descida antropofágica como um ato de consciência, sendo que o


dilema entre o nacional e o cosmopolitismo se resolveria pelo contato com as
revolucionárias técnicas da vanguarda europeia e a percepção da
necessidade de reafirmar valores nacionais em linguagem moderna. [...] O
Manifesto contém uma releitura da História do Brasil que começa com a
deglutição do bispo Pero Fernandes Sardinha pelos índios Caetés de
Alagoas. [...] O autor propôs a Revolução Caraíba, após a francesa, a russa
e a surrealista, como a última das utopias. Esta seria a resposta ao
colonizador europeu; o aforismo tupi or not tupi criado por ele como paródia
da célebre dúvida hamletiana, expressa a ênfase na criação de uma nova
forma de identidade nacional.

8 O IMPACTO DA COMUNICAÇÃO DE MASSA E DA RESPONSABILIDADE


TÉCNICA (FOTOGRAFIA E CINEMA) NA ARTE

Fonte: https://digartmedia.wordpress.com/

8.1 A fotografia e a arte

Fotografias são consideradas mais objetivas e confiáveis do que os desenhos


e pinturas. A objetividade superior da câmera resultou da mecanização e da
automação do registro das aparências visuais. Em função disso, mesmo
quando a qualidade da resolução da foto não era tão alta quanto hoje, a
fotografia sempre se constituiu em um signo dominantemente indexical. A luz
refletida do objeto fotografado altera a química do filme a ser revelado, de
79
modo que o negativo e sua revelação sejam, de fato, um reflexo direto do
mundo externo. Há uma relação física, espacial e existencial entre a fotografia
e o fotografado, entre o signo e seu objeto referencial. Não é por acaso que,
muito rapidamente, a fotografia adquiriu um status privilegiado na sociedade,
estando fadada a precipitar o declínio de uma arte até então dominante: a do
retrato. Mas essa era apenas a ponta do iceberg. (SANTAELLA, 2008).

Walter Benjamin é considerado como sendo o primeiro grande estudioso das


facetas ocultas desse “iceberg”. Sua reflexão ficou marcada pela lucidez com que
dispensou os diagnósticos maniqueístas que costumam infestar os discursos ditos
críticos quando uma nova tecnologia é inventada.
Segundo Santaella (2008), “a reprodutibilidade, a replicação massificada por
meio de métodos maquinais de produção da imagem minou, de um só golpe, toda a
estrutura valorativa das ‘belas artes’”.
A industrialização marcou o início da era eletromecânica, provocando calorosos
debates entre artistas e críticos acerca do impacto da máquina sobre a arte. Alguns
críticos demonizaram a máquina, sendo rotulada de inimiga mortal das artes. Outros,
no entanto, lembraram que os artistas sempre usaram ferramentas de alguma espécie
e a máquina seria apenas uma ferramenta mais complexa. Afinal, a câmera obscura
já era utilizada há séculos para se produzir a pintura.
A rigor, o problema da fotografia encontrava-se resolvido desde o
Renascimento. Quando o código da representação da perspectiva artificialis
completou e corrigiu a câmera obscura,

faltava apenas descobrir um meio de fixar o reflexo luminoso projetado na


parede interna da câmera obscura. A descoberta da sensibilidade à luz de
alguns compostos de prata, no começo do século XIX, veio solucionar esse
problema e representou o segundo grande passo decisivo na invenção da
fotografia. (MACHADO, 1984, p.30).

Todavia a máquina fotográfica representou a substituição da habilidade


humana de pintar, o pincel do artista que fixa a imagem da câmera obscura, pela
mediação química do daguerreótipo e da película gelatinosa. Os efeitos dessa
substituição foram remarcáveis. Sobre isso, Santaella (2008) comenta que

os argumentos de Benjamin a esse respeito corriam na seguinte direção: a


obra de arte tradicional tinha uma presença ou aura que advinha de sua
autenticidade, de sua unicidade, de sua existência em um local geográfico.
Embora a gravura e suas técnicas reprodutoras já fizessem parte do universo
da arte, o advento da reprodutibilidade técnica maquinal foi sem precedentes.
Seu impacto destruiu a aura da obra de arte, emancipando-a da tradição e
dos rituais mágicos e religiosos.

80
Na contramão da maioria dos críticos, Benjamin não se posicionou contra o
surgimento das tecnologias reprodutivas da imagem, argumentando que a invenção
da fotografia havia transformado a própria natureza da arte. Em meio ao debate sobre
o assunto, a questão levantada por Benjamin (1975, p.19-20) no seu ensaio sobre A
obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica foi inquietante: “Gastaram-se
vãs sutilezas a fim de se decidir se a fotografia era ou não arte, porém não se indagou
antes se essa própria invenção não transformaria o caráter geral da arte”.
Santaella (2008) lembra que após a Segunda Guerra Mundial as ideias de
Benjamin foram retomadas por alguns críticos importantes como André Malraux,
Edgar Wind e John Berger. Em seu livro Vozes do Silêncio, Malraux (1954) propôs
sua teoria do museu sem muros com os seguintes argumentos: (a) os museus
mudaram irreversivelmente o modo como a arte é experimentada; (b) as milhares de
reproduções fotográficas da arte constituem um “museu imaginário”, portanto, um
museu sem muros; (c) o museu imaginário dá continuidade ao museu físico,
disponibilizando ao indivíduo a arte de todos os tempos e todos os espaços.
(SANTAELLA, 2008).
Wind (1960), por sua vez, durante a conferência sobre “A mecanização da arte”,
desenvolveu a ideia de que a reprodução fotográfica da arte age retroativamente
sobre o modo como experienciamos diretamente as obras de arte. Por isso mesmo, o
receptor tem muitas vezes uma sensação de anticlímax quando vê uma obra pela
primeira vez, depois de tê-la visto repetidamente em variadas reproduções.
Em uma série sob o título de Modos de ver, preparada para a televisão, sob a
direção de Michael Dibb (BBC 2, 1972), Berger retomou as ideias de Benjamin,
colocando ênfase no potencial político, da nova situação resultante dos ambientes ou
linguagens da imagem (cf. WALKER, 1994, p.74).
Em suma, as preocupações e predições de que a fotografia provocaria a morte
da pintura ficaram longe de se realizar, pois, contrariando os críticos conservadores,
a fotografia trouxe novos estímulos para a pintura de maneiras variadas, pois a
fotografia transformou, antes de tudo, os nossos modos de ver. Ela trouxe para nós
possibilidades de visualização que seriam impossíveis a olho nu. Ela acabou por
revelar que nosso próprio olhar é também fruto de uma construção com potenciais e
limites definidos, uma construção dependente de pontos de vista física e culturalmente
instituídos, dependente da proximidade ou distância físicas e ideológicas que

81
estabelecemos com os objetos percebidos. Podemos afirmar que, de certa forma, foi
a fotografia que acabou com o mito de que nosso olhar é algo natural e inocente.
A partir de 1839, a pintura passou a dialogar com a fotografia, e esse diálogo
continua até hoje. Os pioneiros da fotografia instantânea ou cronofotografia, Etienne-
Jules Marey e Eadweard Muybridge, exerceram uma profunda influência sobre os
artistas, desde o futurismo, especialmente Giacomo Baila, Mareei Duchamp e Kurt
Schwitters, até os cineastas de vanguarda de meados do século XX, como Hollis
Frampton e Stan Brakhage. Seurat, Degas e outros artistas encantaram-se com a
habilidade da câmera para capturar a sucessão do movimento em imagens fixas.
Quando propuseram uma estética mecanística, os futuristas estavam abraçando a
tecnologia fotográfica e aplicando-a em suas pinturas. (SANTAELLA, 2008).
A partir da invenção da fotografia, os pintores deixaram seus ateliês para flagrar
a vida cotidiana do mesmo modo que os fotógrafos. Segundo Virílio (1994, p. 52):

Ingres, Millet, Courbet e Delacroix serviram-se da fotografia como ponto de


referência e de comparação. Os impressionistas - Monet, Cézanne, Renoir,
Sisley - fizeram-se conhecer expondo no ateliê do fotógrafo Nadar e
inspiraram-se nos trabalhos científicos de seu amigo Eugène Chevreul.

A fotografia e a arte nunca deixaram de manter sua autonomia relativa, mas


também nunca cessaram de manter relações de atração e repulsa, de incorporação e
rejeição. Se, durante o século XIX, era a fotografia que aspirava à condição da arte,
no século XX foi a arte que se impregnou de certas lógicas formais, conceituais,
perceptivas, ideológicas, entre outras, que são próprias do fotográfico.
Santaella (2008) lembra que com o dadaísmo e o surrealismo, surgiram as
fotomontagens, que funcionam como a atualização mais evidente da hibridização
entre a pintura e a fotografia, manifestas nas fotomontagens stricto sensu de denúncia
política, nas fotomontagens mais plásticas e líricas, e nos agrupamentos multimídia
de Kurt Schwitters e de George Grosz, mais cínicos e agressivos.
A utilização da fotografia pela arte foi assinalada pela arte pop, pois a
reprodução é o assunto central dessa arte realizada por meio do emprego sistemático
das técnicas da serigrafia, do fac-símile, do transporte fotográfico etc. A relação entre
a arte pop e a fotografia é privilegiada por não ser simplesmente utilitária, nem
estético-formal, mas quase ontológica.
Também do hiper-realismo a foto é constitutiva. O artista projeta um slide sobre
uma tela de grandes dimensões e nela pinta a imagem projetada, desmesuradamente
82
aumentada, intensificando seus parâmetros, a cor, o grão, a luz, até colocar em relevo
um “mais além do real”. A pintura aspira ser mais fotográfica do que a própria
fotografia. (SANTAELLA, 2008).
Até mesmo na arte conceitual, ambiental, arte corporal, no happening e nas
artes performáticas, coloca-se a relação com a fotografia na função que esta
desempenha como meio de arquivagem, de suporte e de registro documentário. Essa
função é imprescindível porque, sem ela, a obra que se realiza em um tempo único,
que não se repete e, muitas vezes, inacessível, ficaria sem registro e sem memória.
Se no início a fotografia era utilizada apenas para a documentação de
acontecimentos ritualísticos e efêmeros, no decorrer do tempo, esses tipos de obras
passaram a apelar diretamente para as práticas fotográficas, que, de subsidiárias,
passaram a partes integrantes das obras. O gesto e o ato do artista passaram a ser
concebidos em função das características do dispositivo fotográfico. (SANTAELLA,
2008).
Nas instalações fotográficas e nas esculturas fotográficas, que se tornaram tão
proeminentes na arte contemporânea, o campo da arte e o campo da fotografia
tornam-se indiscerníveis. Além disso, foram os avanços nas técnicas de foto, filme e
vídeo, adotadas pelos artistas, que os levaram a criar o que passou a ser conhecido
como arte multimídia.
Concluímos esse tema afirmando que as obras de arte de modo geral convivem
atualmente com inúmeras imagens produzidas e reproduzidas com a ajuda de
máquinas. A enorme reprodução de imagens fotográficas foi tornando a fotografia o
meio mais dominante do século XX. A fotografia está efetivamente em todos os
lugares: nos jornais, nas capas e dentro das revistas, nos livros ilustrados, nos
cartazes, nos outdoors e agora nas telas da hipermídia em CD-Roms e na web.

8.2 Cinema e arte

Acredita-se que o desenvolvimento do cinema ocorreu por volta de 1890, nos


laboratórios do inventor norte-americano Thomas Edison por seu assistente William
K. L. Dickson. Cinco anos depois, em 1895, vários inventores, começando pelos
irmãos Lumière e Melies, inauguraram a história das imagens em movimento, que
teve início com o nome de cinematógrafo. Desde então, a arte do filme atraiu muitos
praticantes que trouxeram contribuições inestimáveis para o desenvolvimento dessa
83
nova linguagem. Dentre aqueles que mais contribuíram, destacamos o norte-
americano D. W. Griffith, os franceses Louis Feuillade e Abel Gance, os alemães F.
W. Murnau e Fritz Lang, o sueco Victor Wjöström, o inglês Charles Chaplin e o russo
Sergei Eisenstein. (SANTAELLA, 2008).

Fonte: https://www.causaoperaria.org.br/

Dentre todos, Santaella (2008) afirma que Eisenstein é aquele que chama a
atenção pela interação dinâmica que promoveu entre arte, tecnologia e vida no
período vanguardista da União Soviética, de 1915 a 1932. Ele despontou como um
novo tipo de artista midiático, com formação em matemática, engenharia e arte, tendo
sido, por alguns anos durante sua juventude, o designer teatral do diretor vanguardista
V. Meyerhold. Promovendo ligações entre o construtivismo, o cubismo e a cultura
teatral e poética do Oriente, Eisenstein desenvolveu uma teoria e uma prática de
montagem cinematográfica que lhe permitiu manipular respostas emocionais por meio
de processos de justaposições tensas de imagens que a edição cinematográfica
possibilita. Dada sua formação na tecnologia da engenharia aliada à sua sensibilidade
estética, Eisenstein representa o paradigma perfeito do artista tecnológico
(MACHADO, 1982).
Santaella (2008) comenta algo muito significativo ocorrido na ocasião. Segundo
a autora,

Paralelamente a Eisenstein, a tradição do cinema de vanguarda francês,


influenciada pelos escritos de Louis Delluc, buscava desenvolver o cinema
puro, algo similar a poemas sinfônicos baseados em imagens, em oposição
aos melodramas que dominavam a cinematografia americana e alemã da
84
época. Alguns artistas visuais, de um lado, Man Ray e Fernand Léger, por
exemplo, e cineastas como René Clair e Luis Bunuel, de outro, produziam
filmes que utilizavam, no cinema, procedimentos provenientes das
vanguardas estéticas, tais como arte abstrata, cubismo, colagem, surrealismo
etc. Ao mesmo tempo, na Alemanha, a vanguarda cinematográfica
manifestava-se no expressionismo. (SANTAELLA, 2008, p.34).

No início do século XX, a arte consolidava sua relação com a tecnologia


justamente por intermédio dos dois meios de comunicação, então proeminentes, a
fotografia e o cinema. No decorrer das décadas, o cinema passou a ser dominado
pelo padrão hollywoodiano comercial até dar, nos anos 1950, o ressurgimento do
cinema de vanguarda que instaurou, daí para a frente, uma tendência opositiva aos
estereótipos da cinematografia comercial, tendência essa desenvolvida pelo cinema
concebido como realidade estética.
Nessa época surgiram também teorias do cinema, algumas reivindicando a
especificidade de seu caráter artístico. Vem daí sua caracterização como sétima arte.
Aqui há de se ressaltar, especificamente, entretanto, o fato de que se trata de um tipo
de criação para a qual a entronização nos museus e galerias está, de saída e para
sempre, vedada. Por mais que se busque explorar seus aspectos puramente
estéticos, o cinema é uma arte industrial de massas e delas depende para o retorno
do alto investimento que sua produção implica.
Acerca de suas possibilidades estéticas, ainda que pouco exploradas, as
relações que o cinema construiu com a literatura são, até certo ponto, similares
àquelas que a pintura estabeleceu com a fotografia. Quando se menciona a relação
do cinema com a literatura, via de regra, essa relação é interpretada sob o ponto de
vista das adaptações fílmicas de obras literárias.
Segundo Santaella (2008), bem no início, a literatura sofreu a competição do
cinema quanto ao seu potencial para a construção ficcional. Reagindo a esse impacto,
a literatura criou rupturas no modo de contar, inventando temporalidades alineares e
espacializadas. Não demorou muito para que o cinema também experimentasse
novos tempos narrativos, fato que torna os filmes de Resnais, Antonioni, e de outros
cineastas, exemplares. A literatura, por seu lado, também foi incorporando sintaxes
elípticas que são próprias do cinema.
Em suma, por ser uma arte inseparável das invenções tecnológicas, as
transformações da linguagem cinematográfica sempre caminharam no mesmo ritmo

85
com essas invenções que, no estado da arte atual, encontram-se na incorporação da
animação computacional tridimensional e no frenesi dos efeitos especiais.

9 MOVIMENTOS ARTÍSTICOS CONTEMPORÂNEOS: DO PÓS-GUERRA AO


INÍCIO DO SÉCULO XXI

A arte moderna, que se utilizava das vanguardas artísticas para explorar as


possibilidades dos materiais e das linguagens, chega ao limite com o Expressionismo
abstrato. Em seguida, surge a Pop Art, com foco na mecanização do fazer artístico
por meio de imagens advindas da cultura de massa. A partir de então, o cenário
artístico rompe com a busca frenética pelo novo e começa a utilizar os diferentes
períodos da história da arte como referência. (BATISTA, 2019).
Os processos mecânicos ganham espaço nas propostas da Pop Art, da Op Art
e principalmente do Minimalismo, que utiliza elementos industriais para construir
objetos que transpõem os limites entre pintura e escultura. Nesse contexto, o
entendimento tradicional e moderno sobre autoria e genialidade artística é refutado,
pois o artista não precisa mais construir o objeto; basta contratar uma pessoa
especializada e lhe apresentar o projeto a ser executado.
Neste capítulo, você vai ver como surgiu e se desenvolveu a arte pós- -moderna
e conhecer as suas reverberações no cenário artístico brasileiro. Tais reverberações
foram marcadas pela arte neoconcreta, que propunha a participação do público na
constituição da obra.

9.1 O desenvolvimento da arte pós-moderna

A segunda metade do século XX foi composta por uma série de eventos que
romperam com a ideia moderna de linearidade entre os movimentos artísticos. Além
das inovações tecnológicas que acarretaram a disseminação de informações com
certa rapidez, houve a consolidação das lutas políticas contra o racismo e em prol da
liberdade das mulheres. O mundo pós-guerra estava pronto para estabelecer uma
nova relação entre arte e vida ao romper com os limites da arte moderna.
Com o surgimento da Pop Art, nos anos 1960, ficou difícil continuar a
delimitação da produção artística a partir das ideias de evolução histórica da arte

86
moderna. Afinal, Greenberg, o principal crítico modernista, havia se colocado contra o
novo estilo artístico. Para ele, tal estética rompia com os preceitos de originalidade e
expressividade da arte moderna. A Pop Art, por exemplo, apresentava réplicas de
objetos de consumo, como as caixas de sabão Brillo produzidas por Andy Warhol.
Esse trabalho mostrava que não seria mais possível distinguir a arte dos objetos
cotidianos e da realidade a partir da simples constatação visual. A ruptura com a ideia
de arte enquanto algo original é levada a novos caminhos por Mike Bidlo, que realiza
cópias de obras de diversos artistas, principalmente modernistas. Entre suas diversas
réplicas, encontra-se Not Warhol (Figura abaixo). Nesse trabalho, o artista reproduz
as Brillo Boxes de Warhol. As questões sobre originalidade e reprodutibilidade tornam-
se centrais nesse tipo de produção e refletem uma das dimensões de análise da Pós-
Modernidade: a confusão entre o real e a fantasia. (BATISTA, 2019).

Fonte: https://br.pinterest.com/

A partir da década de 1960, classificar os artistas se tornou uma tarefa


complicada, pois eles pareciam não seguir a estética de um movimento específico,
como era comum entre as vanguardas artísticas. A utilização da expressão “arte
87
contemporânea” também possuía suas falhas ao referir-se a toda obra produzida no
presente; afinal, em alguns casos, as obras davam continuidade aos preceitos
estéticos da arte moderna. Somente entre as décadas de 1970 e 1980 é que ficou
mais evidente a distinção entre a “arte moderna” e a “nova arte”, que pode ser
chamada de “pós-moderna”. Nesta, a:

[...] novidade não mais podia ser critério de julgamento pois a novidade ou a
originalidade, como eram percebidas, não podiam ser alcançadas, podendo
até mesmo se mostrar fraudulentas. Tudo já havia sido feito; o que restava
era juntar fragmentos, combiná-los e recombiná-los (ARCHER, 2012, p. 156).

Na visão moderna, a arte era o seu próprio assunto e exploravam-se os limites


da representação e da materialidade artística. Nesse contexto, os artistas se
preocupavam “[...] com forma, superfície, pigmentos e coisas afins passíveis de definir
a pintura em sua pureza” (DANTO, 2006, p. 18). Já no período pós-moderno, ocorre
o questionamento dos limites da arte e a ruptura com a ideia de originalidade ou
genialidade artística. A arte pós-moderna é composta por artistas diversos, com
buscas individuais ou coletivas, mas sem a organização de manifestos artísticos. Veja:

A certa altura ficou claro que não mais se tinha um modo satisfatório de
pensar, como ficou evidente pela necessidade de se inventar o termo “pós-
moderno”. Esse termo em si mesmo denunciava a relativa fraqueza do termo
“contemporâneo” como passível de comunicar um estilo. [...] Mas talvez o
termo “pós-moderno” de fato pareceu [...] designar certo estilo que podemos
aprender e reconhecer, do mesmo modo como aprendemos e reconhecemos
exemplos do barroco ou do rococó (DANTO, 2006, p. 14).

O termo “contemporâneo” poderia comportar obras modernas e pós-modernas


que estavam sendo produzidas no mesmo momento. Já a arte pós-moderna seguiria
pressupostos estéticos que condensariam artistas distintos sob a perspectiva da
ruptura com as ideias. Danto (2006) preferiu utilizar a expressão “arte pós-histórica”
para se referir à arte produzida em ruptura com os pressupostos modernistas. Tal arte
negava as ideias de evolução histórica levadas a cabo pelos movimentos de
vanguarda. Nesse sentido, a ideia é:

[...] tratar especificamente dessa produção pós-histórica enquanto


possibilidade de desfazer-se temporalmente de motivos, técnicas e materiais
predominantes na composição artística. Para essa arte pós-moderna não há
mais qualquer limite histórico, conceitual, material ou estilístico. Na medida
em que tudo é permitido e acessível, ocorre, mediante essa desordem
informativa, a necessidade de se pensar a arte filosoficamente a partir da
percepção de que tudo poderia ser arte, de que a arte não obedeceria mais
aos limites que lhe foram historicamente reservados (FIANCO, 2013,
documento on-line).
88
Depois das experimentações da Pop Art e da arte conceitual, os limites do que
poderia ou não ser arte são questionados e os artistas percebem que a arte não está
na técnica ou no material utilizado. Não existiria algo capaz de definir como a arte
deveria ser. A partir de então, surge uma série de artistas que experimentam novos
caminhos para a arte, “[...] sem nenhuma direção narrativa única a partir da qual outras
pudessem ser excluídas” (DANTO, 2006, p. 16).
No Pós-Modernismo, nada é permanente, pois está em constante
transformação. Os artistas podem explorar a temática que quiserem, da maneira que
desejarem. Nessa perspectiva, a arte pode ser colocada a serviço de certos objetivos
sociais ou pessoais; explorar a ampla gama de imagens da história da arte ou da mídia
por meio do processo de apropriação, conferindo sentidos novos às imagens; ser
desmaterializada e existir apenas como relação entre pessoas; e, também, utilizar
técnicas tradicionais ou artesanais.

Fonte: http://www.syberberg.de/

Os artistas pós-modernos não buscam uma obra estável e original, pois muitos
estruturam as suas produções a partir de citações, cópias, referências. Eles fazem
colagens fora do senso histórico, sem organizar o tempo de modo linear; por isso, são
acusados de produzir uma arte superficial. As suas obras podem comportar diferentes
modos de organização e produção. As obras de Anselm Kiefer, como Maikäfer Flieg
89
(figura abaixo), por exemplo, examinam a noção de identidade alemã a partir do ponto
de vista histórico. A série de pinturas do artista chamada Terra devastada, de 1974,
explora paisagens esfumaçadas pela queima de palha e pela guerra (ARCHER,
2012).
O feminismo também ganha corpo na arte pós-moderna, principalmente nas
produções de Jenny Holzer, Sherrie Levine, Louise Lawler, Bárbara Kruger e Cindy
Sherman. As estratégias adotadas por tais artistas são diversas. Cindy Sherman, por
exemplo, questiona a relação entre o feminismo e o consumo. As suas fotografias da
série Imagens de vômito apresentam corpos distorcidos e comida podre com cores
atraentes. Holzer também explora a relação entre feminismo e consumismo ao colocar
pôsteres em camisetas ou cabines telefônicas com frases do tipo “Proteja-se do que
eu quero” (ARCHER, 2012).

Fonte: https://br.pinterest.com/

90
A abertura propiciada pela arte pós-moderna deu destaque à arte pública,
inclusive à arte do grafite, que estava se difundindo em diversos locais do mundo. As
obras de Keith Haring, que representam figuras de animais e pessoas, ocupam o
espaço das estações de metrô, posteriormente marcando presença nas galerias de
arte. Muitas de suas obras consistem em cartazes negros com desenhos em giz, como
mostra a imagem abaixo.
O espaço da arte também é problematizado e ampliado por Jan Hoet, que toma
emprestadas áreas das residências de diversas famílias para realizar a sua exposição
Chambres d’Amis. Para visitar a exposição, as pessoas deveriam utilizar um mapa
das obras a fim de transitar por entre a cidade e bater nas portas das casas onde os
objetos estavam expostos.
Com relação ao uso de novos materiais pela arte, há uma série de artistas que
exploram materialidades específicas. Reinhard Mucha utiliza objetos encontrados no
espaço da exposição para criar as suas obras compostas por portas, materiais
descartados, etc. A utilização de materiais industriais para produzir arte também
ganha destaque na Pós-Modernidade. Esse tipo de material já era comum entre os
dadaístas, principalmente nas obras de Marcel Duchamp que ficaram conhecidas
como ready-made. Entretanto, artistas como Haim Steinbach tinham interesse no
estilo de vida propiciado pela ampla possibilidade de consumo de objetos
industrializados. A sua obra Relacionados e Diferentes explora a relação entre a
diversidade de modos de consumo (BATISTA, 2019).

9.2 Sobre a Pop Art e o seu desenvolvimento

A Pop Art foi o movimento de transição entre a arte moderna, ainda guiada
pelos movimentos de vanguarda, e a arte pós-moderna, centrada na integração entre
as diferentes correntes artísticas e as imagens da atualidade. O termo inglês pop art
pode ser traduzido como “arte popular”. Entretanto, a Pop Art não trata das mesmas
questões que costumam ser englobadas pela expressão “arte popular”. Afinal, a Pop
Art trabalha com imagens da cultura de massa, enquanto a arte popular refere-se à
arte produzida por comunidades específicas.
De acordo com Archer (2012), as experimentações artísticas do final da década
de 1950 que prezavam pelo corriqueiro e pelo acaso convergiram em dois movimentos
artísticos: o Minimalismo e a Pop Art. Enquanto o Minimalismo trabalhava com uma
91
abordagem formal, evitando os excessos ao produzir uma arte impessoal, a Pop Art
utilizava imagens da cultura de massa para criar produções mecânicas e sem
expressão, uma espécie de reprodução voltada ao consumo.

No que diz respeito aos temas da Pop Art, sua própria banalidade era uma
afronta aos críticos. Sem uma evidência mais clara de que o material havia
passado por algum tipo de transformação ao ser incorporado à arte, não se
podia dizer que a própria arte ofereceria qualquer coisa que a vida já não
proporcionasse (ARCHER, 2012, p. 11)

A utilização de técnicas como a serigrafia e a pintura detalhista convergia para


uma ruptura com a arte expressionista abstrata. A serigrafia era utilizada, por exemplo,
por Andy Warhol (1928–1987), que reproduzia a mesma figura muitas vezes. Já a
pintura detalhista era utilizada, por exemplo, por Roy Lichtenstein (1936–1997), que
reproduzia quadros de histórias em quadrinhos. Ainda em tom vanguardista, os
expoentes da Pop Art buscavam uma arte fria que omitisse o trabalho singular do
artista e revelasse uma nova relação entre ele e a sociedade. A ideia era aproximar a
arte do público por meio do uso de imagens da cultura de massa, comuns à maioria
das pessoas. A ruptura com o Expressionismo pode ser percebida numa série de
obras produzidas por Roy Lichtenstein em 1965 com o título Pinceladas (Figura
abaixo). O artista empregava a sua técnica apurada de detalhamento inspirada nas
histórias em quadrinhos para reproduzir pinceladas orgânicas, comuns nas obras
expressionistas, a fim de demonstrar que aquele tipo de registro não se referia ao
estado emocional absoluto. Lichtenstein evidenciou que o Expressionismo Abstrato
se estruturava a partir de um conjunto de símbolos que as pessoas costumavam
associar à expressão de sentimentos (BATISTA, 2019).

92
A Pop Art tornou o cenário artístico mais dinâmico, possibilitando a livre
comercialização das obras. Os artistas aceitaram a arte como produto, e a imprensa
divulgava a ideia de uma arte divertida. A oposição à arte expressionista abstrata
parecia ser a melhor saída para o artista da época, que não precisava continuar
contestando a burguesia por meio de atitudes boêmias. Lembre-se de que as
vanguardas artísticas buscavam uma arte de ruptura com os sistemas sociais,
principalmente de ruptura com a burguesia. Os artistas viviam uma imensa
contradição: ao mesmo tempo em que negavam a ordem social estabelecida,
precisavam ser aceitos para conseguirem comercializar as suas obras. Entretanto, a
partir da Pop Art, os artistas passaram a viver entre os burgueses, pois não tinham
medo de serem confundidos com eles. Como certa vez “[...] disse Warhol [...]: nada é
mais burguês do que ter medo de ser burguês”. (WOLFE, 2009, p. 93).
Além de contestar o Expressionismo Abstrato que tomava conta do mercado
norte-americano, a Pop Art buscava romper com a distinção entre cultura de elite e
cultura de massa. Tal ruptura, contudo, não foi bem-sucedida. Afinal, as pinturas
criadas na Pop Art não atingiam o grande público e recebiam um alto valor agregado
quando eram comercializadas nas galerias de arte, devido à sua autenticidade. Seria
mais coerente dizer que a Pop Art contaminou a cultura de elite com a cultura de
massa.
Em suma, a Pop Art surgiu como uma arte jovem e de ampliação da atuação
do artista, que poderia utilizar qualquer imagem que a cultura de massa lhe
oferecesse. Nas palavras do artista Richard Hamilton (apud FARTHING, 2011, p. 484–
485), a Pop Art buscava ser: “[...] popular (feita para o grande público); efêmera
(extinção em curto prazo); descartável (facilmente esquecível); barata; produzida em
massa; jovem (dirigida para a juventude); espirituosa; sexy; ‘macetada’; glamourosa;
big business”. Como se pode perceber, produzir arte para o consumo deixou de ser
um problema ético entre os artistas.
Os artistas de vanguarda se opunham ao consumismo e à cultura de massa.
Já os artistas da Pop Art não se preocupavam com a separação entre a arte e o
consumo. Na verdade, os artistas da Pop Art se interessavam por uma nova
abordagem, baseada em princípios estéticos que utilizavam as referências da cultura
de massa para criar uma arte desprovida de crítica social. É claro, contudo, que houve

93
produções artísticas que foram exceções ao fazer críticas ao consumismo e à
massificação.

A primeira escova de dente (1962), do pintor britânico Boshier, parte de uma


série de trabalhos inspirados por um comercial de TV para uma pasta de
dentes listrada, parecia criticar a propaganda e a sociedade de consumo. Ao
trocar latas de sopa e ídolos da cultura pop como Elvis Presley e Marylin
Monroe pela cadeira elétrica e uma batida de carros, Andy Warhol estava,
evidentemente, chamando atenção para o lado obscuro da moderna
experiência americana (FARTHING, 2011, p. 485–486).

A obra Cadeira Elétrica (Figura abaixo), de Andy Warhol, consiste na


reprodução da imagem de uma cadeira elétrica em diferentes cores. O artista cria uma
imagem bela e atraente de uma cadeira elétrica, como deve ser qualquer anúncio de
publicidade. Assim, um objeto repugnante, utilizado para matar seres humanos,
assume o assunto principal de uma pintura pop e leva o público a questionar os
produtos que os anúncios publicitários camuflam ao tentarem construir novas
necessidades de consumo.

A Pop Art começou a decair ainda no final da década de 1960. Ela se constituiu
como uma referência da arte pós-moderna ao questionar a relação do artista com o
mercado da arte num mundo repleto de propagandas e imagens vinculadas à
94
sociedade de consumo. Pode-se dizer que a Pop Art liberou o artista do puritanismo
que buscava um distanciamento entre a arte e o mercado. Dessa perspectiva, o artista
poderia experimentar todas as imagens do mundo para criar arte sem se preocupar
com a expressão ou com a produção de crítica social.

9.3 Os artistas da Pop Art

A Pop Art não foi um movimento coerente. Assim, cada artista explorava à sua
maneira as imagens midiáticas e os produtos de consumo de massa. Alguns
produziam colagens de imagens advindas de revistas ou anúncios publicitários,
enquanto outros utilizavam técnicas de serigrafia, pintura ou escultura a fim de
representar objetos de consumo. Os primeiros artistas a trabalhar com a nova estética
foram os ingleses, mas os norte-americanos deram grande repercussão ao
movimento. (BATISTA, 2019).
Richard Hamilton (1922–2011) participava do Grupo Independente, que havia
se formado em Londres para discutir arte contemporânea na década de 1920. O
interesse comum entre os integrantes do grupo era a cultura de massa e a sua
reprodutibilidade (FARTHING, 2011). Hamilton elaborou uma colagem com o título O
que é que torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes? (Imagem abaixo),
consagrando-se como um dos artistas pioneiros de um novo modo de pensar as
contaminações entre arte erudita e cultura de massa.
A obra de Hamilton é referência para o surgimento da Pop Art. Nela, o artista
utiliza colagens de revistas americanas para produzir um lar totalmente vinculado aos
novos ideais pop, que focavam na representação de uma arte jovem e sexy que fosse
descartável. Na imagem, um fisiculturista segura um pirulito vermelho de dimensão
colossal numa sala repleta de utensílios ultramodernos; uma mulher nua aparenta
estar sentada no sofá numa pose sexy, enquanto outra vestida faz a limpeza do
ambiente; por trás da televisão, há quadros dependurados na parede, e um deles
refere-se a um recorte de história em quadrinhos. Além disso, a translucidez da janela
da sala permite a visualização de um ambiente moderno, repleto de propagandas nas
fachadas dos estabelecimentos.
Hamilton ilustrou como a intimidade do lar das pessoas estava sendo
reconfigurada a partir da invasão das imagens midiáticas de consumo. A
transformação não se dava apenas nos objetos de consumo, mas no próprio corpo
95
dos sujeitos, que precisavam ser magros e ter músculos definidos, símbolos de
sensualidade e sexualidade. Em Swingeing London III, Richard Hamilton continou
revelando o seu interesse pela dimensão doméstica. A obra retrata a prisão de Mick
Jagger e de Robert Fraser devido às drogas. Hamilton utilizou uma fotografia
jornalística como base para a pintura.

Fonte: [O que é que torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?]

O uso da arte como forma de expor uma realidade comum à sociedade de


consumo não esteve presente apenas nos trabalhos de Hamilton, pois outros artistas
também utilizaram a Pop Art de modo crítico. Além de Richard Hamilton, os artistas
ingleses Derek Boshier (1937), David Hockney (1937), Patrick Caulfield (1936–2005)
e Peter Blake (1932) tiveram grande destaque. Entretanto, foi nos Estados Unidos que
essa corrente ganhou força e deu origem aos artistas mais reconhecidos do período:
Tom Wesselmann (1931–2004), Jasper Johns (1930), Robert Rauschenberg (1925–
2008), Andy Warhol, Roy Lichtenstein e Claes Oldenburg (1929). (BATISTA, 2019).
Andy Warhol foi o artista símbolo da Pop Art. Ele contestava os valores
expressivos da arte, trabalhando com imagens massificadas por meio de uma técnica
impessoal, a serigrafia. As suas obras eram feitas numa espécie de linha de produção

96
que repetia diversas vezes a mesma imagem, omitindo o gesto artístico da pincelada
— tão valorizada na arte moderna, principalmente no Expressionismo Abstrato.

Warhol [...] procurou eliminar de sua obra os valores artísticos tradicionais.


Em seu estúdio de Nova York, provocativamente batizado de “A Fábrica”, ele
se propôs a produzir imagens por meio de processos impessoais (como a
serigrafia), proclamando que elas não tinham nenhum valor, salvo o
monetário no inflacionado mercado da arte (FARTHING, 2011, p. 487).

No estúdio A Fábrica, o artista contava com a ajuda de assistentes para dar


conta da produção em série de imagens, num processo muito similar à linha de
produção fabril. Entretanto, mesmo produzindo as suas obras em larga escala, Warhol
fazia questão de definir onde colocar cada cor e de deixar erros no processo de
impressão, para conferir à imagem certa singularidade. De acordo com Archer (2012),
o processo de anonimato buscado por artistas como Lichtenstein e Warhol era uma
teatralização, pois eles mantinham certa singularidade em seus trabalhos.
Warhol costumava utilizar imagens de pessoas famosas da época e reproduzi-
las repetidas vezes, com pequenas alterações. As fotografias de Marilyn Monroe e
Elvis Presley eram referências para Warhol, que os representava como produtos de
consumo ao utilizar uma técnica mecânica para copiar as suas imagens
repetidamente. Warhol mostrava os artistas como produtos de massa que poderiam
ser consumidos e tornava as suas imagens atraentes por meio do uso de cores vivas,
aplicadas à mão e sem preocupação com o perfeccionismo.
A primeira exposição de Pop Art de Warhol, realizada em 1962, consistia em
pinturas de diversas latas individuais de sopa Campbell dispostas sobre prateleiras.
As suas pinturas posteriores também versavam sobre a reprodução de produtos
voltados ao consumo, tais como garrafas de Coca-Cola, caixas de Brillo ou imagens
de pessoas famosas. As obras partiam da ideia de que a arte deveria ser uma
mercadoria como os objetos que ela representava.
As ideias de Warhol sobre a influência da cultura de massa na vida das pessoas
não ficavam restritas às suas produções artísticas. Ele fez diversas declarações.
Disse, por exemplo, que:

[...] queria ser uma máquina, [...] que no futuro todas as pessoas seriam
famosas por quinze minutos e [...] que todos nós bebemos Coca-Cola e
nenhuma soma de dinheiro dará ao presidente dos EUA uma garrafa melhor
do que aquela que o vagabundo de esquina bebe (ARCHER, 2012, p. 11).

97
O artista Roy Lichtenstein criticava abertamente o Expressionismo Abstrato ao
produzir pinturas detalhadas voltadas à comercialização. As suas obras retratam
quadros de histórias em quadrinhos, ilustrando a futilidade desse tipo de arte, que
transformava a violência e a guerra em temas para heróis agressivos. As pinturas de
Lichtenstein possuem uma aplicação técnica extremamente elaborada que simula a
textura industrial com que os quadrinhos eram impressos.

Como o resultado era tão seco e “não emocional”, era possível acreditar que
não fora realizada absolutamente nenhuma interpretação. Seus quadros, à
primeira vista, pareciam ter um estilo tão mecânico quanto o material original,
embora seja evidente [...] a ideia da arte como atividade expressiva das
emoções, está sendo considerada de modo irônico (ARCHER, 2012, p. 6).

Na obra Moça Chorando (Figura abaixo), você pode observar as principais


características do trabalho de Lichtenstein. Com referências aos personagens de
histórias em quadrinhos, o artista dá continuidade ao trabalho estético desse tipo de
produção, que apresenta contornos definidos e cores chapadas. A representação das
mulheres é idealizada tanto em relação ao corpo quanto ao rosto delicado e sensual,
com nariz arrebitado e lábios carnudos.

Fonte: Crying girl (2009, documento on-line).

Em 1961, Claes Oldenburg transformou o seu estúdio numa loja — chamada


O Armazém — para vender uma série de esculturas inspiradas em objetos do
98
cotidiano. Inicialmente, ele fazia reproduções de itens de vestuários num processo
escultórico; as esculturas eram pintadas com esmalte, simulando o estilo
expressionista. Contudo, aos poucos o artista começou a construir as suas esculturas
com um processo de manufatura diferente do tratamento convencional. Ele fazia
réplicas gigantes dos objetos a partir do emprego de estofamento e acabamento com
costura. Desse modo, estava inovando o processo escultórico, moldando os objetos
de dentro para fora (ARCHER, 2012).
Floor Burger (Figura abaixo) é um exemplar das obras do artista. Nela, você
pode perceber a ruptura com a técnica e com o tema da escultura convencional, pois
Oldenburg retrata um alimento em dimensões exageradas. Além disso, a estrutura da
escultura é mole, contrariando a ideia de escultura como algo rígido e permanente.

Fonte: [Floor Burger] (2019, documento on-line).

99
9.4 A Pop Art no Brasil

A expansão da Pop Art foi rápida. Essa corrente artística teve reverberações
no Brasil logo após o seu surgimento, principalmente em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Afinal, na década de 1960, o Brasil já possuía alguns grandes centros que
disseminavam produções artísticas de relevância mundial. Já acontecia, por exemplo,
a Bienal de Arte de São Paulo. Além disso, circulavam publicações da área.
Entretanto, a arte de referência pop produzida no Brasil era muito diferente das
produções dos artistas norte-americanos. “Se lá percebe-se o tratamento distanciado,
irônico e cool que artistas como Lichtenstein e Warhol dão às imagens de segunda
geração com que trabalham, aqui é nítido um engajamento do artista brasileiro em
relação à imagem escolhida no ‘banco de dados’” (CHIARELLI, 2002, p. 104). Desse
modo, a frieza com que os artistas norte-americanos tratavam as imagens foi
substituída no Brasil por uma intenção retórica de crítica social.
Diversos artistas utilizaram referências pop em sua arte. Chiarelli (2002) afirma
que José Roberto Aguilar (1941), Rubens Gerchman (1942–2008) e Antônio Dias
(1944–2018) foram os artistas que começaram a seguir a nova estética ainda na
década de 1960. Mais tarde, outros artistas exploraram os caminhos abertos pela Pop
Art, entre eles Humberto Espíndola (1943), Antônio Henrique Amaral (1935–2015) e
João Câmara (1944).
Rubens Gerchman foi um dos artistas que introduziram a estética pop no Brasil.
As suas obras retratam cenas advindas da vida moderna, tais como partidas de
futebol, histórias em quadrinhos ou imagens de telenovelas. O cotidiano, portanto, era
parte importante do trabalho de Gerchman, que considerava digno de ser tema da
pintura tudo o que encontrava em seu entorno, como as pessoas transitando nas ruas
ou os casais namorando.
Além disso, as suas obras fazem uso recorrente das imagens midiáticas. De
acordo com Macedo e Chisté (2016), o uso de imagens midiáticas no trabalho de
Gerchman está ligado ao período em que o artista viveu nos Estados Unidos e à sua
experiência profissional como diagramador da editora Manchete. “Imagens que
ocupam os meios de comunicação de massa passam a figurar nas gravuras de
Gerchman. Dessa forma, as manchetes de jornal ou a experiência cotidiana de uma
partida de futebol ganham a dimensão estética” (MACÊDO; CHISTÉ, 2016,
documento on-line).
100
Entre as diversas exposições e mostras, a Estética do futebol e outras imagens
contém gravuras retratando os ídolos e as imagens que circundam esse esporte. Ora
o artista retrata os lances da partida de futebol, dando ênfase aos dribles e gols
marcantes, ora se atém aos retratos aproximados dos jogadores, revelando a sua
pessoalidade.
Na pintura Os super-homens (Figura abaixo), o artista retratou jogadores de
futebol posando para uma foto antes da partida. A frase “Os super-homens” foi escrita
na parte superior da imagem, passando a ideia de que aqueles jogadores eram
responsáveis por trazer alegria às pessoas que viviam a ditadura militar. Ao mesmo
tempo em que a obra apresenta uma estética pop, ela também traz uma crítica social
à ditadura. Durante o período em que o artista esteve nos Estados Unidos, ele também
ajudou na articulação do boicote à Bienal de São Paulo, que havia sido censurada
pelo regime ditatorial.

Fonte: [Os super-homens] ([2010], documento on-line).

O artista Antônio Henrique Amaral também se destacou no uso da estética pop


para criticar a ditadura. Ele fez duas séries de pinturas, Brasiliana e Campo de
Batalha, explorando a estética pop com referências a problemas sociais brasileiros. O
artista pintou muitos quadros com a banana como temática. Além disso, explorou
diferentes composições: a fruta aparece cortada, amarrada, esmagada ou perfurada.
A coloração também varia, indo do verde escuro, quando o fruto não está maduro, ao
amarelo escuro, que representa a fruta excessivamente madura.
O uso constante da fruta não se restringia à simples representação imagética,
pois Antônio Henrique Amaral possuía uma “[...] interpretação simbólica da figura da
101
banana como símbolo e não como representação, mas sim como forma alusiva a
todos nós. Desse modo todos somos bananas e estamos representados na obra de
Amaral” (ABREU, 2015, p. 90). O desenvolvimento técnico do artista é quase
mecânico e não revela sinal de pincelada, convergindo para certa impessoalidade na
representação. Enquanto Warhol faz numa única tela a reprodução da mesma
imagem diversas vezes, Antônio distribui as suas bananas por cerca de 200 pinturas
realizadas entre 1968 e a década de 1970.
A obra Campo de Batalha 3 (Figura abaixo) representa a fase em que o artista
faz críticas mais acentuadas à violência da ditadura militar. A pintura contém uma
banana retalhada e amarrada aos instrumentos que lhe feriram. A brutalidade da cena
é reforçada por um tom amarelado que transparece na sombra como um símbolo do
sangue resultante das torturas a que foram submetidas diversas pessoas. A fruta está
com um tom esmaecido, que remete a um estado de putrefação. (BATISTA, 2019).

Fonte: Amaral (2017, documento on-line).

Em algumas das pinturas da série Campo de Batalha, o artista representa


garfos e facas ferindo, perfurando ou esmagando a banana, um símbolo mais direto
da violência. Nesse sentido, “[...] os metais também estão enrolados nessa trama, que
sugere agressividade e irracionalidade, como se os metais não pudessem se negar a
participar da agressão. Não há escolha” (ABREU, 2015, p. 93). A análise de Amaral
sobre a ditadura é complexa, pois representa tanto as pessoas que eram torturadas
quanto a dificuldade que alguns militares encontravam para evitar a participação no
sistema opressor.
102
9.5 A Minimal Art e as suas características

A Pop Art e a Minimal Art, também conhecida como Minimalismo, foram as


tendências artísticas que deram origem à arte pós-moderna. A Pop Art reproduzia as
imagens da cultura de massa por meio de técnicas que omitiam a expressividade dos
artistas. Já a Minimal Art explorava o mínimo de elementos possível na produção
artística e a utilização de objetos industriais ou a fabricação de objetos de modo
mecânico.
De acordo com Archer (2012), a expressão minimal art surgiu como uma
crítica aos trabalhos de artistas que não se enquadravam mais na estética de
vanguarda por explorarem grandes áreas vazias ou com poucos elementos. Muitos
artistas seguiam princípios do minimalismo em sua arte, mas os que mais se
destacaram foram Carl Andre, Robert Morris, Dan Flavin, Sol LeWitt e Donald Judd.
O Minimalismo, assim como a Pop Art, rompeu com o Expressionismo Abstrato
ao produzir uma arte mecânica que evitava qualquer tipo de expressividade. Era uma
arte com “[...] aparência monocromática, engenhada, impessoal” (ARCHER, 2012, p.
43), que explorava a simplicidade. Judd dizia que o Minimalismo havia rompido
também com as linguagens artísticas tradicionais; afinal, as suas obras não poderiam
ser consideradas pintura ou escultura. Elas realizavam a mescla entre elementos das
duas linguagens, o que resultava em objetos tridimensionais.

Para Judd, o aspecto vazio desta arte era sintomático do que ele via como a
crescente irrelevância das atitudes estéticas tradicionais. Seu trabalho era
simples e formalmente aplainado por um desejo de não empregar efeitos
composicionais. A composição enfatiza relações internas entre as várias
partes de uma obra e, com isso, minimiza o impacto da obra como um todo
(ARCHER, 2012, p. 46).

Na figura abaixo, você pode observar uma obra de Donald Judd e ver como ele
explora os elementos da visualidade por meio da construção de objetos similares aos
fabricados pelas indústrias. Todo gesto expressivo é evitado para dar forma a um
objeto mecânico, numa atitude similar à que levou aos ready-made de Duchamp. Judd
utilizou o mínimo de elementos compositivos — no caso, o retângulo, que é repetido
inúmeras vezes na estrutura do objeto. Todas as faces são retangulares, inclusive a
parte vazada do paralelepípedo.

103
Fonte: [Donald Judd] (2013, documento on-line).

As obras de Judd rompem com a tradição da pintura e da escultura europeia


ao trabalharem com objetos inexpressivos. Além disso, o artista deixa de lado o
racionalismo, que não dava mais conta de explicar o mundo influenciado pelo
consumismo e pelas novas mídias. A representação pictórica ou escultórica que
tendia ao ilusionismo (por meio de formas e seres alheios à materialidade da arte) é
questionada pelos minimalistas. Eles, amparados por uma visão pragmática, dão
atenção especial à própria materialidade da arte e às suas experimentações, sempre
buscando manter a sua verdade. Nas obras de Judd, por exemplo, o alumínio
continuará sendo alumínio, e não será omitido para representar um ser ou objeto do
mundo visível.
Como afirma Archer (2012, p. 50), “[...] a arte minimalista não representava nem
se referia diretamente a nenhuma outra coisa de uma forma que fizesse sua própria
autenticidade depender da adequação de sua semelhança ilustrativa com essa outra
coisa”. A ruptura com a figuração e a representação pode ser percebida facilmente
nas obras que evitam a utilização de títulos para não se subordinarem ao que o nome
poderia evocar. As obras:

[...] não revelavam qualquer significado secreto, nem símbolos ou referências.


Foram essas características que demonstravam preferência por materiais e
métodos de produção em massa — plexigas, alumínio, viga de madeira, luzes
8 Arte pós-moderna fluorescentes, aço galvanizado, e azulejos de magnésio
— e contratavam operários para produzir as esculturas de acordo com suas
especificações (FARTHING, 2011, p. 520).

No Minimalismo, tanto o processo de artesania quanto os materiais são


amplamente frios. O artista não precisa fabricar a obra de arte, podendo criar os seus

104
projetos a partir de materiais prontos ou contratando outras pessoas para construí-los.
A obra Diagonal de 25 de maio de 1963, de Dan Flavin (Figura abaixo), consiste numa
lâmpada fluorescente amarela disposta na parede, formando uma linha diagonal com
ângulo de 45 graus. O artista não pretendia expressar sentimentos ou emoções, pois
criava um ambiente único ao brincar com a luz para transformar a galeria de arte. As
suas obras que exploram luzes fluorescentes rompem definitivamente com a divisão
entre pintura e escultura ao unir as duas linguagens artísticas para alterar os aspectos
do espaço. (BATISTA, 2019).

Fonte: Lapa (2015, documento on-line).

As obras de Carl André também transformam e se integram ao ambiente,


rompendo com muitas formalizações teóricas da arte moderna. Ele buscava uma arte
que fosse materialista e comunista, como é possível notar no seu relato:

Minha obra é [...] estética porque não possui forma transcendente, nem
qualidades intelectuais ou espirituais. Materialista, porque é feita com seus
próprios materiais, sem pretensão de empregar outros. E é comunista, porque
sua forma é acessível a todos os homens (ANDRE apud FARTHING, 2011,
p. 522).

105
Na obra Plano em aço e zinco (Figura abaixo), ele dispôs no chão 18 placas de
aço e 18 de zinco, formando uma imagem que lembra um tabuleiro de xadrez. A obra
possibilita que as pessoas caminhem sobre ela ou a explorem por meio do tato. Desse
modo, André cria uma nova relação entre obra e observador, que não precisa observar
a distância e de maneira passiva.

Fonte: Miranda (2015, documento on-line).

A arte minimalista integrou processos mecânicos e materiais industriais na


fabricação de suas obras. Muitas vezes, os artistas contratavam operários para
produzi-las. Afinal, a arte evitava o teor expressivo do Modernismo ao manter íntima
relação entre o material e a proposta estética, rompendo com qualquer tipo de
figuração e elaboração narrativa. O Pós-Modernismo se pauta em alguns desses
princípios e rompe com a necessidade de artesania do artista, possibilitando o
emprego de qualquer material nas suas obras, que podem ou não representar
simbologias.

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REFERÊNCIAS

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

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BILBIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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