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Saberes da Arte

A construção do conceito de arte


Na cultura ocidental, o conceito de obra de arte é entendido como um trabalho
criado por um artista com materiais nobres, como tela de tecido, mármore, bronze,
etc. Além disso, a obra deve ser original ou uma obra-prima, fruto da inspiração, do
dom ou da habilidade técnica que o artista possui para imitar a realidade. Como
consequência disso, na sociedade, construiu-se a noção de que um trabalho artísti-
co só é considerado arte e seu autor só é reconhecido publicamente como artista se
a obra estiver exposta em um museu para que o público possa contemplá-la e, assim,
De Agostini Picture Library/Bridgeman Images/Keystone Brasil/Museu do Louvre, Paris, França.

maravilhar-se com sua beleza, transcendendo a realidade prosaica.


Entretanto, desde o final do século XIX, o modo como entendemos o que é arte
vem sendo questionado. O contato com outras culturas, o desenvolvimento da
tecnologia, a industrialização, a urbanização, a velocidade e os problemas do mundo
contemporâneo, entre outros aspectos, colocaram em xeque esse conceito
preestabelecido. A seguir, vamos ver como a arte era entendida em diferentes épocas.

Na Antiguidade clássica, a técnica


Na tradição ocidental, os primeiros a conceituar e teorizar sobre arte foram
os filósofos gregos, principalmente Platão e Aristóteles, que viveram por volta
de 400 a.C. e 300 a.C. Durante quase 2 mil anos, suas ideias mantiveram-se em
voga. A arte era entendida, então, como técnica. Assim, para que uma produção
ou manifestação fosse considerada artística, teria, necessariamente, de ser rea-
lizada com virtuosismo técnico e ser bem-acabada. Além disso, para que uma
obra de arte fosse considerada bela, teria de possuir um conteúdo que refletisse
os valores morais e éticos vigentes, pois se considerava que a essência da beleza
somente poderia ser alcançada a partir de tais valores.

Na Idade Média, a imaginação


A Idade Média foi um período histórico marcado especialmente pelos temas
religiosos na arte ocidental. Em quase toda a Europa, os artistas exerciam um
papel muito bem definido, retratando histórias bíblicas nas paredes das igre-
jas e nos castelos dos nobres e realizando trabalhos decorativos com temas
mitológicos ou exaltando o reinado de seus monarcas.
O trabalho artístico era realizado por encomenda, por isso o papel do
artista daquela época pode ser comparado ao de um profissional liberal
do mundo de hoje. Esses artistas eram basicamente pintores e escultores,
que trabalhavam por longos períodos envolvidos nas construções das
grandes igrejas. Havia também muitos artistas especializados em tapeçarias
e vitrais, que eram comuns na decoração dos castelos. Esse tipo de profissão
Vênus de Milo, escultura era aprendido quase sempre em família ou nas corporações de ofício e passado
encontrada em 1820 que data
provavelmente do século II a.C.
de geração em geração.
É um dos símbolos mais Com o advento do Renascimento, os estudos sobre o homem e suas produ-
conhecidos da expressão da ções, entre elas a arte, ganharam maior impulso. Passou-se, então, a valorizar a
noção de beleza na arte grega.
imaginação e a considerar a arte como a expressão da subjetividade do artista.
Não se sabe como seria a posição
de seus braços, já que a estátua Uma obra era considerada bela caso refletisse a racionalidade do seu autor e
foi encontrada quebrada. fosse obtida por meio de estudos matemáticos e anatômicos.

22 Capítulo 1
Na Era Moderna, o espectador
Foi no período das revoluções burguesas que os estudos relacionados à apreciação da arte ganharam
impulso. Assim, passou-se a considerar que, para uma obra de arte ser bela, ela precisava, necessariamente,
causar uma “experiência estética” no público. Como experiência estética entendia-se uma experiência arre-
batadora com o belo e o sublime, uma energia de extrema amplitude ou força, que transcendesse o próprio
belo e levasse o observador ao conhecimento de si, do mundo, da vida. Ao vivenciar uma experiência estética,
o sujeito, além de se emocionar, mobilizaria conhecimentos prévios e elaboraria seu pensamento.

Na Idade Contemporânea, a crítica da arte


Com o advento da Idade Contemporânea, principalmente a partir do século XIX, acontece uma explosão
de estilos e movimentos artísticos, cada qual com sua proposta estética. Nessa época, em geral, os artistas
estudavam arte em academias e conservatórios por longos anos para, depois, romper com os cânones. Essa
ousadia era justificada pela “personalidade” do artista, encarado romanticamente como rebelde, excêntrico.
Em razão da intensa e variada produção artística que a época contemporânea passou a apresentar, os
críticos − estudiosos que teorizam sobre as obras de arte e as avaliam − passaram a ter papel fundamental
na legitimação da produção artística. Além deles, muitas vezes, os próprios artistas legitimam suas criações
por meio de textos críticos e manifestos, enriquecendo o conhecimento artístico e estético.
Converse com os alunos sobre quais motivos levaram o artista a veicular
imagens publicitárias em suas obras, perguntando se eles enxergam alguma
No século XX, a arte em relação crítica no fato de haver tantas imagens replicadas.
No início do século XX, período de grandes transformações sociais, políticas e econômicas, surgem
artistas que se desvinculam das formas tradicionais de expressão, conhecidos como “artistas de vanguar-
da”. Influenciados pelas descobertas arqueológicas, pelos saberes antropológicos, pelas ciências exatas,
pela psicologia e pela psicanálise, eles afirmam que o acaso e o inconsciente estão sempre presentes nos
processos de produção artística; por isso, segundo eles, o artista não tem total controle sobre sua criação.
Por causa dessa postura, a arte se abre para a experimentação de novos materiais, tornando-se livre, in-
clusive, para dessacralizar a obra de arte e para relativizar o conceito de beleza.
Na contemporaneidade, é entendido como

Heritage/Glow Images/Coleção particular/© The Andy Warhol


Foundation for the Visual Arts, Inc./ AUTVIS, Brasil, 2016.
artista aquele que pensa sobre arte e que desen-
volve um percurso poético, ou seja, que se propõe
a criar de forma intencional e reflexiva. Para isso,
não é necessário ter habilidades técnicas nem
uma personalidade excêntrica, mas sim conhecer
arte e se deixar levar pela experiência estética e
pelo prazer que ela causa em si e nos outros.
Os artistas passam a utilizar em seus trabalhos
materiais inusitados e objetos já prontos, indus-
trializados ou artesanais. Além disso, apropriam-se Latas de sopa Campbell, produzida pelo artista estadunidense Andy Warhol
das linguagens tecnológicas e dos produtos da (1928-1987) em 1962, mostra como a arte contemporânea passa a incorporar
os elementos mais diversos, vindos do cotidiano e da linguagem publicitária.
indústria cultural como uma forma de crítica.
Gradativamente, os teóricos de arte reconhecem e valorizam as mais diversas formas de arte, erudita
ou não, e passam a conceituar as manifestações artísticas como possuidoras de múltiplos sentidos, que são
dados pelo artista, pela obra e pelo público, em constante diálogo. São criadas obras abertas, que estimulam
os observadores a interagir com elas, recriando-as.
Assim, os artistas atuais também passam a questionar os modos de circulação da arte, fazendo performances
e happenings: aquelas são intervenções cuidadosamente elaboradas, que mesclam as artes visuais com a música
e o teatro; estas aliam o planejado com o improviso e envolvem a participação do espectador. São eventos que
geralmente se desenrolam fora de teatros, museus e galerias, locais alternativos onde o artista procura expor sua
arte e intervir no espaço.

Escultura e materialidade 23

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