Você está na página 1de 35

COLÉGIO LEONARDO DA VINCI

LUCAS CALIL, THIAGO MARTINS, BRENO SECCHI, LEONARDO NEVES


RENAN CAMBUI, OTÁVIO PACHECO, JOÃO PEDRO DAMACENO
LEANDRO ZACARIAS E IGOR MATIAS

DIREITO À MEMÓRIA
PROCESSO CONSERVATIVOS E RESTAURATIVOS

Mauá- SP
2021
LUCAS CALIL, THIAGO MARTINS, BRENO SECCHI, LEONARDO NEVES
RENAN CAMBUI, OTÁVIO PACHECO, JOÃO PEDRO DAMACENO
LEANDRO ZACARIAS E IGOR MATIAS

DIREITO À MEMÓRIA
PROCESSO CONSERVATIVOS E RESTAURATIVOS

Artigo apresentado ao curso ciências humanas do


Colégio Leonardo da Vinci.

Mauá- SP
2021
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO TEÓRICA ......................................................................................4


1.1 O QUE É ARTE? .................................................................................................4
1.2 INFLUÊNCIA DO CONTEXTO HISTÓRICO NA ARTE .......................................5
1.3 INFLUÊNCIA E INTENÇÃO DO ARTISTA NO RESULTADO DA OBRA ............6
1.4 O QUE É RESTAURAÇÃO ....................................................................................8
1.5 O QUE É CONSERVAÇÃO ...................................................................................9

2. INTRODUÇÃO....................................................................................................... 10
2.1 IMPACTO DE UM PROCESSO RESTAURATIVO EM UMA OBRA .................. 10
2.2 .RESTAURAÇÃO E CONSERVAÇÃO .............................................................. 11

3. DESENVOLVIMENTO ........................................................................................... 12
3.1 A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO NA HISTÓRIA ......................................... 12
3.1.1 VIOLLET-LE-DUC ............................................................................................ 12
3.1.2 John Ruskin .................................................................................................... 14
3.1.3 Cesare Brandi .................................................................................................. 15
3.1.4 Salvador Viñas ............................................................................................... 16
3.1.5 Umberto Maldini .............................................................................................. 18
3.1.6 A História da restauração ............................................................................... 20
3.2 A RESTAURAÇÃO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO ..................................... 23
3.2.1 Conflito ético na restauração ......................................................................... 23
3.2.1.1 Direito Autoral ............................................................................................. 23
3.2.1.2 Possibilidade da restauração em contraponto com a ética ......................24
3.2.2 IMPACTO DO CAPITAL ................................................................................... 25
3.2.3 Influência Histórica ......................................................................................... 28
3.2.4 .Impacto político e sócio-cultural................................................................... 29

4. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 31

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 33
3

DIREITO À MEMÓRIA

CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

LUCAS CALIL, THIAGO MARTINS, BRENO SECCHI, LEONARDO NEVES1


RENAN CAMBUI, OTÁVIO PACHECO, JOÃO PEDRO DAMACENO2
LEANDRO ZACARIAS E IGOR MATIAS3

Mateus SIlveira4
5

RESUMO

Esse artigo tem como objetivo relacionar os processos restaurativos e conservativos


da arte e arquitetura com o direito à memória. Serão apresentados os conceitos
básicos sobre arte, conservação, restauração, influência do artista na criação e sua
singularidade. Assim, poderá ser feita uma crítica aos processos restaurativos, uma
vez que modificam a obra e por consequência modificam a intenção do artista de
origem, assim alterando a interpretação da composição artística e da história vigente.
Para isso, será explicado a evolução da história teórica da restauração, assim como
grandes restauradores, críticos e seus métodos que na contemporaneidade possuem
um consenso, além da filosofia ética no processo. Foram feitas pesquisas com
especialistas e professores da área.

Palavras-chave: Restauração. Conservação. Arte. História. Filosofia. Ética

ABSTRACT

This article aims to relate the restorative and conservative processes of art and
architecture with the right to memory. Basic concepts about art, conservation,
restoration, the artist's influence on creation and its uniqueness will be presented.
Thus, a criticism of the restorative processes can be made, since they modify the
work and consequently modify the intention of the original artist, thus altering the
interpretation of the artistic composition and the current history. For this, the evolution
of the theoretical history of the restoration will be explained, as well as great
restorers, critics and their methods that nowadays have a consensus, in addition to
the ethical philosophy in the process. Researches were carried out with specialists
and professors in the field. Finally, case studies will be presented that prove that a
restorative process alters the work, changing its original meaning and historical
importance.

Keywords: Restoration. Conservation. Art. History. Philosophy. ethic

Data de Aprovação: Mauá - SP, 7 de Abril de 2021


Data de Submissão: 07.04.2021
4

1 INTRODUÇÃO TEÓRICA

1.1 O QUE É ARTE ?

A arte é uma forma de o ser humano expressar suas emoções, histórias e


culturas através de alguns valores estéticos como: a beleza, harmonia e equilíbrio. A
arte pode ser representada através de várias formas. A designação do termo arte é
definida como uma atividade que manifesta a estética visual, desenvolvida por artistas
que se baseiam em suas próprias emoções que são influenciadas pelo contexto
histórico em que viveram, o qual moldou os seus valores pessoais. A Arte existe desde
os primeiros indícios do desenvolvimento do homem, inicialmente utilizada para suprir
necessidades de sobrevivência, como utensílios de cozinha e inscrições em cavernas.
Liev Tolstói(1828-1910), um grande teórico e admirador artístico, nascido na
Rússia, desenvolveu o seguinte pensamento em sua obra:
“juntamente com a linguagem, é uma forma de comunicação… [que] torna
possível que as pessoas das gerações posteriores sintam todos aqueles sentimentos
que outros antes delas sentiram…e, como sucede com a evolução do
conhecimento…da mesma maneira se dá a evolução dos sentimentos veiculados pela
arte…e por isso a arte é tanto melhor no seu conteúdo quanto mais ela cumpre esse
propósito” (TOLSTÓI, 1897).

A Arte é desenvolvida com o intuito de mostrar o pensamento do artista e


expressar os sentimentos, por meio de correntes de estilo e estéticas diferentes. E por
poder ser considerada a reflexão do homem em seu tempo, a arte pode ser objeto de
estudo da história, esboçando a memória e os valores do artista.
5

1.2 INFLUÊNCIA DO CONTEXTO HISTÓRICO NA ARTE

A arte está diretamente atrelada à história e vice-versa. Muitos artistas


procuravam criar suas obras baseadas na realidade em que viviam na época, podendo
ser uma maneira de se expressar para o mundo, atualmente, muitos contextos
históricos da antiguidade são reconhecidos devido a arte. Um exemplo pode ser o
movimento literário barroco, caracterizado pela sua extravagancia e apego religioso, é
um objeto de estudo para melhor compreensão da sociedade do século XVII.
A história e a arte se interligam pelo fato de que, a partir do tempo que se passa
na humanidade, novas linguagens, expressões e formas de comunicação surgem.
Assim, a arte universal, segue a cronologia da construção da história da arte.
Por fim, todo o processo pelo qual as artes foram construídas e desenvolvidas,
fazem parte desse ciclo universal. Logo, toda atividade de expressão que utiliza dos
sentimentos, ou da reflexão humana seja de maneira visual, auditiva ou escrita pode
ser entendida como parte disso.
6

1.3 INFLUÊNCIA E INTENÇÃO DO ARTISTA NO RESULTADO DA OBRA

Pode-se dizer que a arte está presente no cotidiano de todas as pessoas.


Geralmente o artista consegue estabelecer uma forte relação entre obra, artista e
espectador, onde a interação do público com a obra é essencial para a boa
interpretação da mesma. O artista se expressa a fim de encontrar similaridades ou
gerar empatia com outras pessoas através da subjetividade. Então, por mais que a
arte seja algo universal, ela pode ter diversas interpretações na qual cada pessoa
compreende de acordo com a sua cultura, visão de mundo ou experiência.
Apesar da subjetividade artística para cada indivíduo, a forma como o artista
planeja como fará a obra, cada técnica, material e a forma como desenvolve o trabalho
virá a moldar o resultado semântico. O processo de compras e gestão de materiais
são de extrema importância para a realização de uma obra, seja em um projeto de
uma grande construtora ou de uma reforma domiciliar. Há inúmeros cuidados
necessários para garantir um desenvolvimento e um resultado satisfatório.
A pesquisa de preços é importante, todavia não é o único fator que deve ser
analisado antes da realização de uma obra. O tipo de ambiente e o conceito
estabelecido por arquitetos e engenheiros são indicadores vitais para os tipos de
materiais usados, fazem parte da intenção do artista e a forma como ele atribui
significado ao resultado final.
É importante ao dissertar, saber até que ponto as intenções manifestadas pelo
artista que produz são relevantes para a interpretação crítica de uma obra de arte que
pode ser respondida com o intencionalismo e o anti-intencionalismo
O intencionalismo leva em conta as intenções do autor, ou seja, estas intenções
revelam-se fundamentais para a correta interpretação da obra, devendo se ter em
consideração os indícios externos. Em oposição, os anti-intencionalistas podem ser
representados pela especialista artística Isabel Laranjeira: "só temos de dar atenção
às intenções presentes na própria obra” (LARANJEIRA, 2017). Assim, deve-se levar
em conta apenas os indícios internos, aqueles que estão contidos na própria obra.
Para estes últimos a verdadeira crítica ou interpretação é indiferente das informações
recolhidas: títulos dados pelos artistas; explicações dadas pelos mesmos.
Por mais que a arte seja algo universal, cada pessoa se identifica de um jeito
diferente na qual por meio da subjetividade faz com que sejam experiências únicas
para cada pessoa. Pode-se dizer também que a liberdade de experimentações e
criações artísticas ajudam no desenvolvimento criativo e sentimental, promovendo
assim a expansão da consciência que envolve as percepções sobre si mesmo em
relação ao universo ou a sociedade. Através dela, uma pessoa consegue abrir seus
olhos para entender e tentar melhorar seus pensamentos e comportamentos diante do
corpo social.
Portanto, a arte é uma forma de transmissão de sentimentos: o artista comunica
ao público as suas emoções, de modo que possam ser traduzidas em sensações que
são partilhadas por todos através da sua obra. Entretanto, será necessário conhecer
os sentimentos do artista para compreender a verdade da obra ou, pelo contrário,
bastará apenas a obra para aceder aos sentimentos do artista ou, ainda, será
estritamente necessário conhecer os sentimentos, intenções ou motivos da obra para
que ela possa ser verdadeiramente interpretada? É indubitável que qualquer obra de
arte seja uma forma de comunicação, de transmissão de sentimentos, mas será que
deve-se
7
conhecer os propósitos da obra para a interpretá-la ou bastará a obra por si mesma?
Desta forma, deve-se levar em conta, que cada um tem a sua interpretação de uma
obra, seja ela literária ou artística, mas deve-se lembrar que ela deve ser interpretada
como o artista a pensou.
8
1.4 O QUE É RESTAURAÇÃO

Restauração é o ato de recuperar uma obra que sofreu desgaste. O objetivo da


restauração não é torná-la visualmente agradável, ela é feita para manter a obra
original criada pelo artista em sua época. “Um restaurador de arte não pinta por cima
e sim usa da ciência para reintegrar as cores de uma pintura” explicou Ana Mota,
especialista em restauração de arte do Museu de Lamas, no norte de Portugal. (LUIZA,
2019)
O especialista em restauração tem como tarefa recuperar a obra da maneira
que foi concebida no momento histórico. Dentre os obstáculos enfrentados no
processo restaurativo, destacam-se a dificuldade em supor a percepção inicial do
artista e sua intenção com a obra. Para atingir um resultado satisfatório, é necessário
realizar o processo a partir das mesmas técnicas, além do cuidado para não criar uma
percepção diferente do autor inicial.
A linha entre um processo restaurativo e uma recriação é tênue. Intrínseco a
restauração está a interferência do restaurador sobre a obra original, podendo
modificar sua estrutura e por consequência seu sentido. Portanto, como a arte, pode
ser uma fonte de conhecimento histórico -o autor retrata sua vida na obra- a
restauração pode criar uma adulteração da história fidedigna.
Para restaurar uma obra deve ser feita apenas a limpeza e a substituição do
que foi perdido pelos materiais idênticos. Na limpeza, o restaurador utiliza diversos
produtos (ácidos e álcoois) para conseguir chegar ao pigmento original. A substituição
do que foi perdido é complexa, sendo necessário a compreensão total sobre a obra, o
artista, o período histórico em que viveu e suas técnicas, pois os critérios de estilo do
autor original são essenciais para a restauração ética.
9

1.5 O QUE É CONSERVAÇÃO

A conservação da arte é a forma mais adequada de manter as obras artísticas,


preservando suas características originais por muito mais tempo. É comum que as
obras de arte se desgastam por diversos motivos. É necessário conservar uma obra,
pois faz parte do patrimônio histórico da humanidade, registra a cultura, a expressão
artística, a forma de pensar e sentir de certa comunidade em determinada época e
lugar. É essencial para interpretar o presente, o aprendizado das culturas e a
manutenção da memória do passado.
Para conservar a arte é necessário analisar diversos fatores que influenciam
na deterioração da obra. A conservação trabalha controlando os aspectos que podem
provocar a deterioração do bem cultural. O papel do conservador é utilizar os
processos conservativos para retardar o processo de deterioração que ocorre nas
obras. Ao atuar diretamente na obra, visa manter a estabilidade da arte, buscando
manter suas raízes estruturais e sua integridade.
10

2 INTRODUÇÃO

2.1 IMPACTO DE UM PROCESSO RESTAURATIVO EM UMA OBRA

Uma obra é o trabalho artístico onde um artista deseja transmitir uma ideia ou
uma expressão no qual ele cria algo que projete ou reflita sua intenção. O artista realiza
a obra com intenção de mostrar sua visão e/ou sua ideia diante de alguma coisa, seja
um objeto, uma paisagem, um marco histórico ou uma estrutura. Essas obras são
feitas para que hoje e futuramente seja possível analisá-las e refletir sobre sua época
e o porquê o artista realizou-a e o que ele quis transmitir com ela.
Para que essa oportunidade chegue à sociedade hoje e futuramente, esses
bens culturais precisam ser conservados e, às vezes, até restaurados. Todavia será
que ao restaurá-la, a obra em si não perde sua originalidade e a ideia que o artista
quis passar por ela? Isso é algo muito discutido no mundo da arte, o restaurador deve
ter o senso de que pode acabar com o sentido da obra.
Quando a obra chega ao restaurador é necessário analisar se realmente dá
para fazer o trabalho de restauro sobre a obra, sem que o sentido original se perca.
Muitas vezes as obras chegam com um nível de degradação alto ou até com partes
delas faltando, trazendo a impossibilidade de um restauro onde a originalidade do
autor da obra permaneça. Se houvesse um restauro sobre uma obra dessas, o
restaurador teria que recriar certas partes da obra, porém ao recriar ele some com o
sentido da obra, além da interpretação que teria-se sobre a obra original. Muitas
obras podem servir para retratar uma história de uma época diferente, ao restaurar
uma obra a história pode se perder pela interpretação errada do restaurador. Por isso
a ética e a restauração devem andar juntas.
Entretanto vê-se que na contemporaneidade muitos restauros fogem apenas
da ética artística e histórica. Influenciado por fatores econômicos, estéticos e até
religiosos, realiza-se um restauro que foge da realidade, corrompendo seu real valor.
11

2.2 RESTAURAÇÃO E CONSERVAÇÃO

Sobre o direito à memória, o Supremo Tribunal do Brasil, afirmou que é


incompatível com a constituição brasileira. (RODAS , 2021, com adaptações) O
decano da corte, Marco Aurélio, avaliou que as manifestações do pensamento, da
criação e da informação não podem sofrer qualquer restrição. "O Brasil deve contar
com memória. E em fatos positivos e negativos, não apenas o que agrada a
sociedade. Não cabe em uma situação como essa simplesmente passar a borracha e
partir para um verdadeiro obscurantismo, um retrocesso em termos de ares
democráticos." (RODAS , 2021)
Seguindo a linha defendida pelo ministro Marco Aurélio e ampliando seu
pensamento, uma obra de arte que carrega consigo um registro histórico, não deveria
ser manipulada, ou alterada. Uma vez que ao alterá-la, todo significado histórico
implícito na obra presente, até nos mínimos detalhes, foram minuciosamente
pensados pelo autor original baseando-se nos seus valores que são totalmente
influenciados pela época e cultura a qual pertenceu.
Desse modo, a conservação deve ser sempre priorizada a restauração. Uma
vez que será mantido a obra original mantendo todo seu significado e carregando
consigo a verdadeira história da humanidade no período em que a obra foi feita, sendo
a obra uma representação física da memória daquele período.
Apesar disso haverá casos em que a restauração terá de ser feita, para
preservar o registro histórico físico da obra. Entretanto, deve ser feita com as mesmas
técnicas e matérias da obra original e alterando-a o mínimo possível, uma vez que de
qualquer modo uma alteração será feita.
Além de manter o registro histórico, uma restauração deve ser evitada para
preservar a autenticidade da obra original que carrega consigo a autenticidade do
autor original e o mesmo possui direito autoral pela sua obra.
Portanto é necessário que uma obra seja conservada da melhor maneira
possível, sendo realizado máximo esforço para que uma obra não seja restaurada.
Todavia, eventualmente uma obra terá de ser restaurada e deve ser feito respeitando
a maneira que o artista idealizou a obra, analisando sua história, o meio que estava
inserindo e replicando as mesmas técnicas e materiais usados pelo mesmo, evitando
a deturpação e recriação da obra que iria ferir o direito à memória da humanidade e o
direito autoral do artista.
12
3 DESENVOLVIMENTO

3.1 A EVOLUÇÃO DA RESTAURAÇÃO NA HISTÓRIA

3.1.1 VIOLLET-LE-DUC

Emmanuel Viollet-le-Duc(1814-1879), nascido na França no século XIX,


construiu sua formação profissional nas áreas de arquitetura e desenho. Le-Duc, foi
um dos autores pioneiros do nicho artístico restauração, em seu currículo como
restaurador, destacam-se obras como: a Igreja de Vézelay, de 1840, Notre-Dame de
Paris, de 1844 e Saint-Sernin de Toulouse, de 1846.
Viollet foi o primeiro teórico que criou um sistema teórico para restauração em
sua bibliografia Dictionnaire Raisonné de l’Architeture Françiase du XI au XVI Siècle,
publicado em 10 volumes entre os anos de 1854 e 1868. Apesar de ter revolucionado
o cenário restaurador, a obra de Le-Duc veio a ser muito criticada no futuro e ele foi
denominado no futuro um vândalo artístico intelectual.
Viollet-le-duc, não seguia a linha do autor primitivo da obra inicial, ou seja, ele
não mantinha a pureza e essência da obra inicial, modificando seu sentido inicial. Le-
Duc, buscava entender a lógica da concepção da obra que seria restaurada, entretanto
não se contentava unicamente em fazer a reconstituição para o Estado de origem da
obra; Le-Duc, buscava fazer uma reconstituição aplicando a obra, o que teria sido
feito na opinião dele, caso o artista inicial detivesse os conhecimentos de sua época
e, portanto, corrompendo a obra inicial.
“Restaurar um edifício não é mantê-lo, refazê-lo ou repará-lo, é restabelecê-lo
em um Estado que pode nunca ter existido em determinado momento” (VIOLLET LE-
DUC, 2000, p. 29).. A frase de Viollet-le-Duc, explicita exatamente sua metodologia
de trabalho. Muitas vezes, o resultado final de sua intervenção artística, proporciona
um resultado totalmente diferente do original.
Apesar de sua teoria e metodologia, Le-Duc, era limitado pelo programa de
restauração seguido pela Comissão de Monumentos Históricos, no século XIX, admitia
que os edifícios fossem restaurados no estilo original de sua aparência e estrutura. Tal
programa tinha a principal intenção de propagar e continuar o estilo gótico e, Le-Duc,
manteve na sua metodologia a conservação do estilo gótico.
Entretanto, ao dissertar sobre os casos usuais de restauração, Viollet-le-Duc
mostra certo descontentamento em relação ao programa seguido pela “Comissão”,
alertando que a reprodução em cópia fiel de todos os elementos da edificação se
traduzia em um equívoco conceitual, pois por melhor que fosse o profissional de ofício
de que o arquiteto dispusesse se correria o risco de produzir erros de interpretação.
Da mesma forma, alertava para o perigo da substituição dos elementos primitivos por
peças de formato posterior, o que causaria a elegibilidade do processo como um todo.
Assim, a implementação de alterações baseadas em uma visão moderna, para Le-
Duc, teria o mesmo resultado, uma vez que uma restauração fiel, também poderia
corrupção do processo restaurativo, gerador pelos erros de interpretação.
Para Le-Duc, não seria um problema por exemplo substituir uma faixa de
madeira de uma cobertura, já degradada por insetos, por uma faixa de ferro que
inicialmente não estava no projeto, contanto que tenham a mesma função e proporção.
13

Num caso como esse seria necessário, utilizar a sua inserção como uma nova
inserção a uma nova fase do projeto, influenciada por ele.
Suas atitudes mais polêmicas e duvidosas no campo restaurativo eram quando
se colocava no lugar do autor primitivo, supondo o que o mesmo faria em casos de se
defrontar com os problemas de restauração. De certa maneira, Viollet-le-Duc conduziu
sua linha construtiva à luz do estilo gótico, julgando como “lícitas” as modificações que
fazia, já que em sua visão suas intervenções não eram contrárias à historicidade do
monumento. Assim, a aplicação de seu método, levou muitas vezes ao campo da
hipótese e da imaginação.
Sobre o seu discurso teórico e prático descreveu o seguinte trecho: "quando
se trata de completar um edifício em parte arruinado; é necessário antes de começar,
tudo buscar, tudo examinar, reunir os menores fragmentos, e somente iniciar a obra
quando todos esses remanescentes tiverem encontrado sua destinação e seu lugar
[...] Ao erguer as construções novas, [o restaurador] deve, tanto quanto possível,
recolocar os antigos fragmentos, mesmo que alterados: é uma garantia que oferece a
sinceridade e a exatidão de suas pesquisas" (VIOLLET-LE-DUC, 2000, p. 69-71).
14

3.1.2 John Ruskin

Filho de uma família burguesa, nascido em Londres, com onze anos estudou
latim, grego, francês e geometria, desenvolvendo o estudo de diversas áreas. A sua
forma independente de pensar, talvez possa ser justificada pela sua infância, que foi
um tanto quanto solitária, o que fez com que tivesse que se entreter sozinho passando
a observar as coisas que o cercava, desde a estampa de um tapete até os tijolos das
casas vizinhas.
O teórico teve sua formação acadêmica na Universidade de Oxford, porém não
teve um grande destaque em sua trajetória universitária, que depois de encerrada em
1842, deu lugar ao trabalho como artista e crítico de arte, que acabou resultando no
livro Modern Painters (RUSKIN, 1887).
Uma das mais importantes obras é a The Seven Lamps of Architecture, onde
coloca a arquitetura do homem como obra sagrada, impassível de sofrer qualquer tipo
de mudança. Crítica o desconhecimento de restauro, que, para ele, significa a pior das
destruições, sem deixar nem um resto autêntico. Aquilo que foi construído não pode
nunca ser reconstruído, indo contra as teorias de Viollet-le-Duc. No capítulo 6 de sua
obra, a conservação e o restauro são apontados como:
É como centralizadora e protetora desta influência sagrada, que a Arquitetura
deve ser considerada por nós com a maior seriedade. Nós pode-se viver sem ela, e
orar sem ela, mas não pode-se rememorar sem ela. Como é fria toda a história, como
é sem vida toda fantasia, comparado àquilo que a nação vivia e escrevia, é o que o
mármore incorruptível ostenta! - quantas páginas de registros duvidosos não podería
dispensar em troca de algumas pedras empilhadas umas sobre as outras. A ambição
dos Consultores da velha Babel volta-se diretamente para esse mundo apenas dois
fortes vencedores do esquecimento dos homens, Poesia e Arquitetura e a última de
alguma forma inclui a primeira, e é mais poderosa na sua realidade: é bom ter ao
alcance não apenas o que os homens pensaram e sentiram, mas o que suas mãos
manusearam, sua força forjou e seus olhos o contemplarão durante todos os dias de
sua vida. (RUSKIN, 1887, com adaptações).
Ruskin recomenda: “Tomai, atentamente, cuidado com os vossos monumentos,
e não tereis a necessidade de restaurá-los” (RUSKIN, 1887). Sugere atenção e
cuidado, deixando a edificação morrer quando seu dia chegar.
Assim, John Ruskin se mostrou um grande crítico dos processos restaurativos,
defendendo que os processos conservativos são suficientes para manter a integridade
da obra. Apesar disso, Ruskin não discorda que uma obra se deteriorará, mas disserta
que como uma vida, uma obra possui nascimento e morte, ou início e fim, o fim de
uma obra seria sua deterioração e após isso não deveria ser restaurada. Pode-se
explicar que Ruskin desenvolveu essa teoria opositora pois tomou Viollet-le-Duc como
exemplo que tinha um método restaurativo atípico.
15

3.1.3 Cesare Brandi

Um dos teóricos mais contemporâneos sobre arquitetura e restauração; um


intelectual de extrema importância à Arte, fundador do Istituto Centrale del Restauro
(ICR) em Roma em 1939, dirigindo até 1961 (ISTITUTO CENTRALE PER IL
RESTAURO).
Segundo Brandi, a obra de arte condiciona a restauração, e não o contrário,
logo o original deve ser mantido sempre, restabelecendo a funcionalidade e seu estado
anterior, no entanto caso não seja possível torná-lo funcional novamente, deve dar
prioridade à originalidade da obra. (BRANDI, 2004).
A conservação é imposta diante uma obra de forma inconsciente; nunca se quer
destruir uma obra de arte propositalmente em condições naturais, sendo necessário a
utilização de matérias consistentes.
A restauração não deve ocultar os traços de tempo com que a obra passou,
como o nariz da esfinge no Egito, por exemplo, não é permitido atribuir um falso ou
ocultar a história do patrimônio.
O autor defende que é necessário acima de tudo o processo de conservação,
o restauro deve ser apenas um acompanhamento em caso de última opção e que caso
seja necessário, deve-se manter o conhecimento científico da matéria estudada.
“A imagem é verdadeiramente e somente aquilo que aparece” (BRANDI, 2004),
como exemplo: uma escultura sem uma perna; não deve ser considerado uma
anomalia ou um sinal de desgaste, pois a sua construção passa um tom de
intencionalidade e subjetivismo, trazendo seu valor social e histórico, nada além disso,
logo dispensa-se qualquer tentativa de restaurar-se a perna.
Brandi vê a arte como algo sagrado e singular, incabível de alteração estrutural
completa, logo as artes só devem ser restauradas em caso de limite físico, onde está
prestes a desaparecer. No entanto, caso não haja documentos históricos sobre a
construção daquela ruína, é inadmissível qualquer tipo de reconstrução; é necessário
apenas deixá-la partir.
16

3.1.4 Salvador Viñas

Salvador Muñoz Viñas, professor titular e atual diretor do Departamento de


Conservação e Restauração da Universidade Politécnica de Valência, Graduado em
belas artes, PhD pela Universidade de Harvard e prêmio de pesquisa Luis de
Santangel, o primeiro espanhol a receber o título de Fellow do International Institute
for Conservation of Historic and Artistic Works (IIC) em reconhecimento por suas obras
sobre teoria da restauração. Sua teoria restauradora publicada em 2004 teve
repercussão internacional.
Muñoz organiza sua dissertação em três etapas, além da introdução e uma
densa conclusão. Primeiro identifica os fundamentos da restauração, seus conceitos
e contextualiza ao ponto de vista cultural, já nesse momento começa a expor as
inconsistências e os limites mal definidos no paradoxo da teoria e prática da
restauração que são conflituosas. Criando sua famosa frase:” desenhando o universo
de o que, para que e para quem se preserva. Em uma palavra, o desiderato da ação
restauradora”
Na primeira parte de seu estudo, verificou que duas correntes dominantes
orientaram grande parte das intervenções nos bens culturais nos últimos cem anos:
uma inclinada para valores estéticos e outra para preceitos científicos. Sustenta ainda
que muitos restauros seguindo a linha estética, não são pautadas apenas pelos
valores históricos e artísticos, sendo influenciados por valores ideológicos,
econômicos, afetivos, religiosos, etc. - não sendo, portanto, inerentes ao próprio objeto
nem, tampouco, cientificamente quantificáveis.
Na segunda parte o que se refere à ciência a serviço da conservação
restauração, o teórico sustenta que esta informa, mas não justifica as decisões que
são tomadas na seleção de um determinado estado dos bens patrimoniais, logo, o
restauro científico seria insuficiente para atender ao contexto contemporâneo da
restauração. A objetividade - fundamento da abordagem científica - prevalente a partir
do final do século XX, seria substituída, na teoria contemporânea, por uma forma de
subjetivismo. Assim, Muñoz Vinãs adverte que as razões pelas quais se restaura e a
seleção das coisas que se restauram são decisões culturais, antes de iniciativas de
caráter estritamente técnico. Dentro da discussão da ciência a serviço da restauração,
o autor apresenta também o conflito conceitual do critério da reversibilidade,
substituído na teoria contemporânea pelo termo retratabilidade. O autor legitima a
expressão, que, embora ainda se apresenta restrita, traz consigo um considerável
avanço para a matéria, pois ao menos demonstra os problemas teóricos que a ideia
de reversibilidade carrega - e a necessidade de adaptação que exige por parte de
quem os interpreta.
A terceira e última parte, que abrange a ética na restauração, aponta
as modificações promovidas pela filosofia social no âmbito da cultura e na maneira
como a sociedade passa a se comportar na medida em que reconhece sua
diversidade. O autor admite que os conceitos subjetivos emergentes do atual
entendimento de cultura produzem efeitos também na restauração, área que exige
contínuas e bem sustentadas tomadas de decisão.
Nesse ponto talvez resida o principal avanço da teoria contemporânea da
restauração, pois esta coloca o diálogo, a interdisciplinaridade e a sustentabilidade
como caminhos fundamentais a fim de que as escolhas atendam mais
17

satisfatoriamente a um maior número de sensibilidades. O autor expressa claramente


essa ideia na na página 104 ao afirmar que “cualquiera que sea el momento de la
historia del objeto que se escoja como estado de verdad, [...] al que el restaurador
pretende devolver el objeto restaurado, se está haciendo una elección [...] que tiene
inevitablemente un carácter [...] subjetivo” (MUNOZ-VINAS, 2012, com adaptações).
O debate interdisciplinar com vistas à sustentabilidade, entendida por Muñoz num
sentido que vai além da possibilidade econômica de manutenção das intervenções,
diminuiria o risco de excessos cometidos por profissionais que ele nomeia como
peritos da verdade.
Assim, Salvador Viñas, deixa explícito em sua obra que a restauração na
contemporaneidade está perdendo sua essência puramente em respeito a arte e a
história. O processo restaurativo está demasiadamente flexível, daí surge sua frase:
“Para que e pra quem” , demonstrando que um restauro não segue uma linha de
raciocínio fixa, podendo ser variável a depender do objetivo e assim com objetivos
estéticos atravessa a ética restaurativa, uma vez que o conceito de cultura é subjetivo.
Logo, como para Viñas a restauração pode ser um processo flexível a depender
do objetivo do restauro, uma obra de arte restaurada não deve ser utilizada como fonte
histórica. Uma vez que a restauração pode deturpar a obra e assim ao ser usada como
fonte de conhecimento histórico, estaria sendo estudado um passado que pode nunca
ter existido.
18

3.1.5 Umberto Maldini

Umberto Baldini foi um historiador da arte e especialista na teoria da


restauração italiana. Formado em história da arte com o professor Mário Salmi, entrou
no serviço como inspetor da Superintendência de Florença e em 1949 tornou-se diretor
do gabinete de restauração. Nessa posição, ele se viu tendo que gerenciar a dramática
emergência do dilúvio de Florença em 1966, que danificou muitas obras-primas. O
resultado dessas intervenções consagrou as técnicas e metodologias da chamada
'escola florentina' de restauração em todo o mundo. Em 1970 tornou-se diretor do
Opificio delle Pietre Dure. de 1983 a 1987 foi chamado para dirigir o Instituto Central
para a Restauração de Roma e, nesses anos, supervisionou a impressionante
recuperação da Capela Brancacci na Basílica do Carmine em Florença
Para Umberto Baldini, historiador da arte e especialista em história, teoria e
técnica de restauro da Universidade Internacional de Arte de Florença, a obra de arte,
durante sua vida, pode se encontrar em três estados:
(I) o da destruição (thanatos) - por parte dos gestores (descuido e abandono)
ou por acontecimento externo (terremoto, incêndio, caída, etc.);
(II) o da prolongação da vida (bios) - que resulta do ato físico do cuidado material
da obra para protegê-la de danos e perdas (manutenção e conservação);
(III) o da restituição de sua realidade como obra de arte (heros) que se manifesta
no ato final da filologia crítica (restauro).
Maldini diz: “em qualquer obra de arte pode-se registrar pelo menos três atos:
o primeiro é o da criação por parte do artista; o segundo é a ação do tempo sobre a
obra; e o terceiro é a ação do homem” (MALDINI, 1958).

Tabela 1 — Esquema Umberto Maldini

Fonte: Os autores (2021)

Como retratado em sua obra Teoria del restauro e unità di metodologia (Vol. 2),
a restauração deve passar por processos de aprofundamento e estudo por meio do
restaurador responsável, dita regras para uma unidade metodológica.
Ainda, para Maldini, a análise de cada tipo de restauro vai de acordo com a
tipologia do estado da obra, de acordo com a perda verificada. O mesmo divide os
tipos de lacuna em uma obra que deve ser restaurada em basicamente dois tipos:
I. Lacunas por perda: Para Umberto Maldini, as lacunas de perda são as partes
da obra que possuem registros históricos, mas que não estão mais presentes,
seja pela deterioração do tempo, ou por influências humanas. Neste caso,
Maldini defende que deve ser feito o restauro, conforme cada detalhe do registro
histórico, com os mesmos materiais, técnicas e métodos, mantendo a
originalidade da obra e seu significado histórico.
19

II. Lacunas por Falta: Umberto Maldini classifica como lacunas de falta, partes
da obra que da mesma forma das lacunas por perda, foram perdidas durante o tempo,
todavia que não possuem registro histórico, ou seja, não é possível classificar ou
reconhecer o que existia lá antes da deterioração. Nesse caso, não deve ser realizado
o restauro na obra, uma vez que seria necessário supor o que existia lá, para Maldini
a subjetividade e criatividade são funções do autor inicial, não do restaurador.
20

3.1.6 A História da restauração

Segundo Seele (LESERCH, 2003, com adaptações) , a manutenção é o gênero


mais simples e cuidadoso de preservação de monumentos. Deve-se ter pequenos
cuidados com a edificação. As atividades de manutenção são as que visam repor
parcialmente o desempenho, de maneira a adiar o momento em que o patrimônio se
decomponha. Quando sua condição se torna baixa, é necessário um processo de
restauração, substituindo certas partes. Segundo a Carta de Burra
(editada em 1980), é a proteção contínua da substância, do conteúdo, evitando com
que se aproxime das condições mínimas de estado, no entanto não deve ser
confundida com a reparação. Curtis, renomado engenheiro e arquiteto brasileiro,
defende que a atenção à manutenção, sempre é o melhor caminho, evitando assim
intervenções físicas e estruturais, capazes de alterar o significado do patrimônio
atribuído. Ainda a Carta de Burra, define como os cuidados utilizados para manter a
significação cultural de um bem, necessitará ou não na preservação ou na restauração.
A NBR 14037 (LESERCH, 2003, p. 33), trata da manutenção das edificações e
relata a tamanha indagação presente nas últimas reformas. Segundo a Norma, as
edificações são construídas para atender o público por grande período, sendo
construídas em boas condições físicas e climáticas, evitando propriedades que
alterem seu estado natural.
A restauração surge no século XIX, como uma disciplina que se preocupa com
a preservação dos patrimônios físicos, visando aumentar seu tempo de vida. O termo
passa então por diversas transformações, adquirindo um novo significado atualmente.
Normalmente as instituições passadas tinham o caráter de atender às exigências do
momento, sem a valorização histórica do edifício, e que segundo Choay, necessita de
profissionais qualificados para este fim:
“Saber conservar monumentos fisicamente e restaurá-los é algo que se baseia
em outros tipos de conhecimento. Isso requer uma prática específica e pessoas
especializadas, os “arquitetos dos monumentos históricos”, que o século XIX precisou
inventar." (CHOAY, 2001).
Durante o Renascimento, iniciava-se a prática do restauro para preservação
das edificações, principalmente os elementos da Antiguidade Clássica. Apesar de
cogitar-se a ideia de restaurações, a prática era a demolição e as edificações
serviam como fonte de material para a construção de novos edifícios, como o caso
do Coliseu em Roma, onde o mármore travertino foi usado para novas edificações.
Houveram diversas formas de intervir nos patrimônios durante a história, como
reconstruções, reaproveitamento de materiais. O mais comum era a construção
sucessiva, havendo a aposição de estilos. Houve também casos de alteração de
tamanhos. No Barroco, o movimento literário do exagero era algo comum de se
realizar.
Um dos maiores países restauradores era a Itália, principalmente Roma, pela
riqueza de detalhes; durante o período do governo francês em Roma de 1798 a 1824,
várias obras serviram de recomposição e consolidação das edificações, visando
manter o tradicionalismo, utilizando as partes originais existentes, denominado
atualmente como restauro arqueológico.
O início da ideologia de restauração se dá após a Revolução Francesa, onde
visava-se destruir obras que homenageavam o clero e a nobreza. Exigindo assim as
primeiras iniciativas de proteção ao patrimônio e criando a primeira legislação sobre o
21
assunto.
O primeiro Inspetor Geral de Monumentos Históricos na França, Ludovic Vitet,
defendia a ideia de não inovação, aprovando a ideia de mudar minimamente as
estruturas dos patrimônios quando o assunto era restauração. Indicava que o ideal era
incorporar o espírito do artista medieval, projetar-se nele e imitar as partes novas como
os originais, mantendo a tradicionalidade.
No verbete restauração, contido no Dictionnaire, de Viollet-Le-Duc, considerado
um dos pais da restauração, tem se a definição do termo: “RESTAURAÇÃO, s.f. A
palavra e o assunto são modernos. Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou
refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca
em um dado momento.” (VIOLLET-LE-DUC, 1873, com adaptações).
Segundo Ludovic Vitet, as restaurações dos monumentos da Idade Média,
deveriam ser extremamente estudados através de documentos seguros e
levantamentos gráficos, para manter ao extremo o estilo anteriormente construído.
Inicia-se então o aprofundamento nos estudos das estruturas, contribuindo a um
contexto sociocultural enorme, introduzindo cada vez mais pessoas à História.
O arquiteto deve planejar e estudar a fundo, todos os materiais utilizados, a fim
de mantê-los, preservando sempre sua originalidade; instruir e informar todos os
funcionários envolvidos no projeto, além da pesquisa de onde os materiais foram
retirados.
Muitas vezes pessoas autodenominadas como “restauradores” cometiam erros
cruéis em edifícios, alterando o sentido, alterando contexto e trazendo uma dor muito
maior que a perda pela ação do tempo, afinal além de destruírem os monumentos, os
transformavam em outros.
Ruskin recomenda: “Tomai, atentamente, cuidado com os vossos monumentos,
e não tereis a necessidade de restaurá-los” (RUSKIN, 1887). Sugere atenção e
cuidado, deixando a edificação morrer quando seu dia chegar. Luca Beltrami
No final do século XIX, surge indo contra as duas teorias extremas de John
Ruskin e Viollet-le-duc, dividindo o restauro entre histórico e moderno. Restauro
histórico – baseado em documentação, dados, arquivos, livros, gravuras e histórias
fornecidas pelo povo que vivia na época da construção. No entanto, na prática não
se obtiveram documentos esclarecedores. Se opõe à restauração estilística e
revaloriza a documentação histórica do monumento. Passa o papel dos arquitetos de
restauradores para investigadores de documentos.
Camillo Boito, seguidor do restauro moderno, apresentava uma visão lúdica e
eficaz, centralizada entre John Ruskin e Viollet-Le-Duc. Formado na Academia de
Belas Artes em Veneza.
Apresenta atributos utilizados pelo Ministério de Educação e incorporados à
Lei Italiana:
1) Dar ênfase ao valor documental do monumento;
2) Ser preferencialmente consolidado à reparados e restaurados;
3) Evitar acréscimos e renovações;
4) A restauração deveria se limitar apenas ao necessário, respeitando suas
diversas fases e remover somente elementos de qualidade duvidosa; 5) Registrar
etapas das obras;
6) Inscrever e apontar a data de intervenção.
Esta pode ser considerada a primeira carta de restauração oficial do país.
22

Cesáre Brandi, um dos teóricos mais contemporâneos sobre arquitetura e


restauração; um intelectual de extrema importância à Arte, fundador do Instituto
Centrale del Restauro (ICR) em Roma em 1939, dirigindo até 1961.
Segundo Brandi, a obra de arte condiciona a restauração, e não o contrário,
logo o original deve ser mantido sempre, restabelecendo a funcionalidade e seu estado
anterior, no entanto caso não seja possível torná-lo funcional novamente, deve dar
prioridade à originalidade da obra.
A conservação é imposta diante uma obra de forma inconsciente; nunca se quer
destruir uma obra de arte propositalmente em condições naturais, sendo necessário a
utilização de matérias consistentes.
A restauração não deve ocultar os traços de tempo com que a obra passou,
como o nariz da esfinge no Egito, por exemplo, não é permitido atribuir um falso
artístico ou histórico ao patrimônio.
O autor defende que é necessário acima de tudo o processo de conservação,
o restauro deve ser apenas um acompanhamento em caso de última opção e que caso
seja necessário, deve-se manter o conhecimento científico da matéria estudada.
“a imagem é verdadeiramente e somente aquilo que aparece” (BRANDI, 2004),
como exemplo: uma escultura sem uma perna; não deve ser considerado uma
anomalia ou um sinal de desgaste, pois a sua construção passa um tom de
intencionalidade e subjetivismo, trazendo seu valor social e histórico, nada além disso,
logo dispensa-se qualquer tentativa de restaurar-se a perna.
Brandi vê a arte como algo sagrado e singular, incabível de alteração estrutural
completa, logo as artes só devem ser restauradas em caso de limite físico, onde está
prestes a desaparecer. No entanto, caso não haja documentos históricos sobre a
construção daquela ruína, é inadmissível qualquer tipo de reconstrução; é necessário
apenas deixá-la partir.
23

3.2 A RESTAURAÇÃO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

3.2.1 Conflito ético na restauração

3.2.1.1 Direito Autoral

A ética consiste num conjunto de princípios morais, a moral consiste em


conjunto de regras, só que a moral atua de uma forma interna, ou seja, só tem um alto
valor dentro das pessoas, ela se diferencia de uma pessoa para outra e o direito tem
vários significados, ele pode ser aquilo que é justo perante a lei.

Sabe-se que a obra de arte é protegida desde o ato de sua criação, não se
exigindo do autor o cumprimento de maiores formalidades. O autor (criador) dará o
destino que livremente escolher para sua obra, competindo-lhe, exclusivamente,
decidir sobre possíveis utilizações, publicação ou reprodução. Mas, quanto a essa
“exclusividade”, José de Oliveira Ascensão esclarece que ela é transitória, pois,
decorrido o lapso temporal para a compensação do autor, sobrevém a liberdade de
usufruir dos bens culturais.
O Direito autoral propriamente dito, consiste no direito de quem exerce qualquer
atividade criativa, de pesquisa ou artística de controlar o uso de sua obra. Essa
conceituação consta do art. 7, da Lei 9.610/98, que consolida a legislação sobre
direitos autorais no Brasil. São também protegidas pelo direito autoral as chamadas
obras derivadas, como, por exemplo, as traduções de livros e as adaptações de livros
para o cinema. Nestes casos, obviamente, o autor da obra derivada deverá obter
autorização do autor da obra original para realizar a adaptação.
Já o direito patrimonial é, em suma, aquele que garante ao autor extrair
benefício financeiro com a exploração de sua obra. Expressa-se, em grande medida,
pelo direito de reprodução que se verifica, por exemplo, quando um músico firma um
contrato com uma gravadora, ou quando um escritor assina um contrato com uma
editora. A gravadora e a editora irão reproduzir aquele conteúdo de forma a monetizá-
lo, gerando receita tanto para os autores quanto para si mesmos.
"O direito autoral é um dos ramos da ciência jurídica, que, desde seus
primórdios, até a atualidade, sempre foi e é controvertida, pois lida basicamente com
a imaterialidade característica da propriedade intelectual" (Galdeman , 220, p.24). Veja
que a Grécia berço da cultura ocidental não conheceu os direitos autorais, repudiava-
se o plágio, porém, é muito interessante a possibilidade de se vender a autoria de
obras.
A primeira vez que se teve conhecimento do termo "copyright" foi em 1701, na
Inglaterra, também com os Ingleses em 1710 tem-se o primeiro texto legal sobre
direito autoral.
24

3.2.1.2 Possibilidade da restauração em contraponto com a ética

Alois Riegl é um historiador da arte pertencente à Escola de Viena. É conhecido


por desenvolver o conceito de Antiguidade Tardia em língua alemã no início do século
XX em sua obra Die Spätantike Kunst Industrie. Foi um dos primeiros a evidenciar que
as atuações voltadas à preservação dos monumentos históricos (e todos os problemas
a ela ligados) não podem ser entendidas em sentido absoluto, não existindo uma única
solução universalmente válida, mas comporta várias soluções, de pertinência relativa,
mesmo em relação a um dado presente histórico. Mas isso não significa que a ação
seja arbitrária, pelo contrário. Algumas formas de arte são como instrumentos da
memória coletiva e como obras de valor histórico que, mesmo não sendo "obras de
arte", são sempre obras que possuem um sentido, um valor.
É relevante enfatizar que o estudo da arte leva ao entendimento, ao respeito e
a uma boa restauração. Todavia é imprescindível recordar que não se trata apenas de
conhecer para bem conservar, como mostram os ensinamentos de Riegl em seu livro
O Culto Moderno dos Monumentos.
Quando é feita uma análise do passado sobre a arte é necessário tomar cuidado
com a visão recorrente de hoje, deve-se procurar inserir-se no período em que a
sociedade vivia naquela época.
Levando aos dias de hoje, tem-se como exemplo o famoso politicamente
correto e incorreto, tendo em vista que na época passada, diversas coisas que são
consideradas erradas hoje em dia, eram completamente aceitáveis naquela época.
Por exemplo, analisando atualmente, foi encontrado alguns termos nas obras de
Monteiro Lobato que, hoje em dia, a sociedade considera como termos racistas, mas
durante a época que o livro foi escrito, eram termos completamente normais. Deve se
reescrever (no caso restaurar) as obras de Monteiro Lobato por conta de certos termos
racistas que estavam nos seus livros? Neste caso, a obra poderia perder o sentido.
Mesmo que as palavras sejam totalmente erradas, é necessário mantê-las para
entender como a sociedade era durante tal época e compreender o quão errado era
durante aquele momento. Essa visão do mundo pode corromper a visão da arte
quando o passado é tirado de contexto.
Deste modo, como o exemplo de Monteiro Lobato, qualquer obra de arte física
poderá ser impactada mudando seu sentido inicial, uma vez que a evolução ou
mudança do padrão de estética está presente na história da humanidade. Uma obra
que em um momento passado foi considerada agradável pode não ser mais no
presente. Entretanto, seguindo a linha de não restaurar as obras de Monteiro Lobato,
pois representa um período histórico da sociedade com diferentes valores, uma obra
que pode ou não ter sido degradada não deve ter sua essência corrompida com um
restauro que altere o alicerce da obra. Assim, preservando a ética do direito à memória,
além do direito autoral presente na obra.
25

3.2.2 IMPACTO DO CAPITAL

No mundo atual tudo é pautado pelo sistema produtivo. Os produtos artísticos


não fogem dessa regra. Na escola de Frankfurt na Alemanha em 1923, Adorno e
Horkheimer, dois grandes pensadores desenvolveram o termo indústria cultural, em
sua obra Dialética do Esclarecimento:
"Sob o poder do monopólio, toda cultura de massa é idêntica, e seu esqueleto,
a ossatura conceitual fabricada por aquele, começa a se delinear. Os dirigentes não
estão mais sequer muito interessados em encobri-lo, seu poder se fortalece quanto
mais brutalmente ele se confessa de público. O cinema e o rádio não precisam mais
se apresentar como arte. A verdade é que não passam de um negócio, eles a utilizam
como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles
se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de
seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus
produtos" (ADORNO, 1985, p. 114)
"Na indústria, o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do
modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional
com o universal está fora de questão. Da improvisação padronizada no jazz até os
tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos para serem
reconhecidos como tais, o que domina é a pseudo-individualidade. O individual reduz-
se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o contingente que ele possa
ser conservado como o mesmo. Assim, por exemplo, o ar de obstinada reserva ou a
postura elegante do indivíduo exibido numa cena determinada é algo que se produz
em série, exatamente como as fechaduras Yale, que só por frações de milímetros se
distinguem umas das outras" (ADORNO, 1985, p. 144).
"Hoje, a indústria cultural assumiu a herança civilizatória da democracia de
pioneiros e empresários, que tampouco desenvolverá uma fineza de sentido para os
desvios espirituais. Todos são livres para dançar e para se divertir, do mesmo modo
que, desde a neutralização histórica da religião, são livres para entrar em qualquer
uma das inúmeras seitas. Mas a liberdade de escolha da ideologia, que reflete sempre
a coerção econômica, revela-se em todos os setores como a liberdade de escolher o
que é sempre a mesma coisa. A maneira pela qual uma jovem aceita e se desincumbe
do 'date' obrigatório, a entonação no telefone e na mais familiar situação, a escolha
das palavras na conversa e até mesmo a vida interior organizada segundo os
conceitos classificatórios da psicologia profunda vulgarizada, tudo isso atesta a
tentativa de fazer de si mesmo um aparelho eficiente e que corresponda, mesmo nos
mais profundos impulsos instintivos, ao modelo apresentado pela indústria cultural"
(ADORNO, 1985, p. 158).
A partir de suas ideias é possível concluir que na contemporaneidade, as
expressões artísticas perdem sua essência e o termo “Arte” acaba desviando de sua
origem e se torna um produto, cujo objetivo central em um mundo pautado pelo capital
é o lucro. A restauração está sendo influenciada por esse fato.
Segundo a restauradora e memorialista Cecilia Auxiliadora Bedesque de
Camargo, na contemporaneidade, a restauração, sob influência do capital, perde sua
intenção principal, uma vez que o potencial econômico é priorizado ao invés do valor
artístico. Tal influência pode se manifestar de diversas formas:
26
1. Economia

A restauração da forma como deve ser feita para não prejudicar o significado histórico
da obra e sua memória, é um projeto caro. Entretanto o valor estético na indústria
cultural ultrapassa o valor histórico e ao economizar, podem ser feitas escolhas como
contratar profissionais desqualificados por baixos custos, diminuir o tempo hábil para
o restaurador realizar o processo ou ainda, não disponibilizar o capital necessário para
restaurar com os mesmos materiais da obra original e com as tecnologias adequadas,
assim criando um resultado diferente da obra original corrompendo seu significado
histórico sem comprometer seu valor estético.
Como no caso dos afrescos da capela sistina, feitos originalmente por
Michelangelo, ao serem restaurados, observam-se negligências profissionais dos
restauradores:

Desenho 1 — Afrescos Capela Sistina

Fonte: Os autores (2021)

Essa restauração foi duramente criticada por teóricos artísticos, uma vez que
originalmente Michelangelo usou tons de cores escuros com a intenção de criar uma
sensação de profundidade e expressividade, ao ser restaurada não foram usados os
mesmos materiais, desse modo os tons fortes criados na restauração desviam
intensamente do original. Além disso, na imagem é possível perceber que o joelho do
profeta Daniel se destacava com muito mais clareza antes da restauração. Tais
mudanças apesar de não estragarem a beleza estética da obra, corrompem seu
27

significado e sua interpretação histórica, uma vez que o Autor inicial criou cada detalhe
da obra com uma intenção específica.
2.Lucrativos

" o que? para quem? e para que você fará isso? qual a necessidade de fato de interferir
no objeto artístico?” (Salvador Vinãs)
Diante dos trabalhos restaurativos contemporâneos, Salvador Vinãs, um dos
maiores teóricos contemporâneos a respeito de restauração, formula essas três
perguntas críticas em sua obra. Ampliando seu pensamento, a restauradora e
memorialista Cecília Camargo afirma que atualmente são feitos muitos restauros
desnecessários.
28

3.2.3 Influência Histórica

O restauro da arquitetura moderna e contemporânea, ou até mesmo nos casos


mais antigos em que há um reconhecimento cultural muito grande, é uma técnica
atribuída principalmente a edifícios, pinturas e esculturas, acabam por gerar diversas
confusões no meio histórico, visto que qualquer intervenção mal feita em uma obra,
pode acabar de vez com todo o contexto, muitas vezes atribuídos a algum defeito da
estrutura. Uma escultura sem uma perna, por exemplo, não deve ser considerada uma
anomalia ou um sinal de desgaste, pois a sua construção passa um tom de
intencionalidade e subjetivismo, trazendo seu valor social e histórico, nada além disso,
logo dispensa-se qualquer tentativa de restaurar-se a perna.
Haja visto que guerras, desavenças ou até mesmo o tempo pode modificar o
modelo básico-tradicional – como o domínio Napoleônico no Egito por exemplo, que
acabou resultando na destruição do nariz da Esfinge -ou a tentativa da destruição de
estruturas que homenageavam o clero e a nobreza na Revolução Francesa qualquer
tipo de tentativa para trazer a origem da estrutura acabaria por alterar o contexto
histórico, descaracterizando o bem.
Pode-se levar em consideração também diversas obras que a tentativa de
restauração acabou por mudar o seu contexto histórico, como na Santa Casa de Mauá,
o uso indevido da tinta acabou por mudar extremamente o ambiente que era
considerado um patrimônio histórico da região o tornando desagradável, além do
orçamento para arrumar o erro extremamente caro. Outro exemplo é o Mural de
Eduardo Kobra, totalmente apagado pelo prefeito da cidade de São Paulo, pintado
totalmente de branco que comoveu diversas pessoas, levantando até mesmo ondas
de protestos nas redes sociais.
A teoria de Cesare Brandi é considerada uma das mais bem aceitas, justamente
por não só vir baseada em um método científico (como fizeram outros antes dele), mas
principalmente por ter traduzido tal teoria em princípios operativos válidos até hoje. A
noção base que percorre sua obra é a de que condiciona o ato de restauração à
compreensão e experimentação da obra de arte enquanto tal:
“A restauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra
de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com
vistas à sua transmissão para o futuro.”
Segundo a máxima brandiana, de que se restaura somente a matéria é
fundamental, pois guia o princípio de qualquer intervenção restaurativa até hoje –
nenhum restauro pode ser feito sem configurar danos à imagem (caso em que só se
fará consolidação e conservação). Por mais que a separação entre matéria e imagem
- estrutura e aspecto - seja difícil em certos casos, justamente por ser oriunda da arte
subjetiva de cada autor, a capacidade de distinguir o objeto do restauro da imagem é
fundamental a todo interventor. É, portanto, o estado de conservação da obra de arte
no momento da restauração que irá condicionar e limitar a ação restauradora, a qual
deverá limitar-se àquilo que pode ser depreendido da instância histórica, do
testemunho que chegou até nós.
“A imagem é verdadeiramente e somente aquilo que aparece” (BRANDI,
2004).
29

3.2.4 Impacto político e sócio-cultural

As influências políticas estão intrinsecamente ligadas aos processos


restaurativos, sendo patrimônios históricos, o Estado tem obrigação de mantê-los e
conservá-los. O Decreto Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, organiza a proteção
do patrimônio histórico e artístico nacional, estabelecendo os bens que o constituem,
dentre eles, os arqueológicos.
Apesar de estar na legislação do país o governo negligência os patrimônios
históricos culturais, um exemplo da ineficácia estatal em tal área está explícito na
cidade de Mauá, na região metropolitana de São Paulo: A casa de Barão de Mauá é a
casa bandeirista mais antiga do grande ABCD paulista, construída no ano de 1862, é
um patrimônio cultural de extrema importância para a história do Brasil, a memorialista
responsável pela conservação da mesma é a Sra. Cecília Bedesque, especialista em
restauração.

Fotografia 1 — Casa Bandeirista de Mauá

Fonte: Os autores (2021)

1. Fator Econômico
O restauro da maneira como deve ser feito, preservando a história e a essência
artística é caro, exigindo uma verba muito alta do governo. Muitas vezes em cidades
como o município de Mauá, o governo é negligente até em áreas essenciais como a
saúde, assim não restando verba suficiente para preservação da história do Brasil e,
desta forma indo em desacordo com a legislação brasileira já citada.
2. Fator político social
Tem-se que com a eclosão do mundo globalizado, aumento de fluxo de
informações e modernização das tecnologias de comunicação, o sistema capitalista
que se disseminou pelo mundo, trazendo consigo a ideia da individualização do lucro
e do pensamento neoliberal, exige a abertura das fronteiras de todos os países do
globo, conduzindo com isso várias formas de dominação das potências desenvolvidas
sobre países do terceiro mundo. Assim, é gerada uma perda significativa da força do
Estado-Nação periféricos, as fronteiras desaparecem e, aos poucos um país perde
sua
30
identidade, e assim, também diminui a relação de pertencimento da população à
nação.
Com esse fenômeno, cria-se desinteresse de uma população pela história e
cultura do próprio país, desse modo, como o cenário político do país é reflexo da
população, o devido valor à um restauro ético, cujo custo é muito alto, foge dos
interesses políticos que tem como principal objetivo angariar votos.
31

4 CONCLUSÃO

É nítido que a análise artística é uma forma de analisar a história de um povo


em determinada época, dessa forma tem-se a ligação da Arte com a memória
histórica. Todavia um processo de criação artístico é demasiadamente complexo,
apesar da interpretação artística ser subjetiva, um autor cria cada mínimo detalhe de
uma obra com uma intenção específica, para que o resultado final impacte o
apreciador da forma como ele imaginou e criou a sua obra. É impossível separar do
resultado final de uma obra, o período que o artista viveu, uma vez que a cultura e os
valores estão intrinsecamente ligados à época que o artista viveu.
Uma obra possui um ciclo de vida, conforme as ideias de um dos maiores
teóricos a respeito da restauração e conservação, John Ruskin, assim como uma vida,
uma obra possui início e fim. Entretanto seguindo métodos conservativos da forma
correta e ainda, com apoio tecnológico do mundo contemporâneo, uma obra pode
percorrer imensuráveis períodos de tempo. A conservação deve ser sempre
priorizada, para a obra permanecer original, com o sentido que o autor atribuiu a ela
baseado na história que o mesmo viveu, se tornando um retrato fidedigno à história e
não criando margens para o direito ao esquecimento, incompatível com a constituição
brasileira.
Todavia haverá momentos em que uma obra será deteriorada em um nível que
não possa ser realizada apreciação e interpretação da mesma. Nesses casos um
processo restaurativo pode ser realizado, mas para não ir em contraponto com o direito
à memória se torna um processo muito complexo.
Até a criação de um sistema ético de restauração que não corrompa a memória
artística, houveram diversos teóricos artísticos que criaram seus métodos. Foram
criadas metodologias extremas como de Viollet-Le-Duc que promovia a "recriação" da
obra implementando uma nova visão baseado em valores modernos e até teorias
como a de John Ruskin que defendia que um restauro nunca deveria ser realizado,
uma vez que corrompe totalmente a obra. Apesar dessas teorias extremas existirem,
as mais aceitas na contemporaneidade são as que criam margens para realização de
restauros de forma que não impactem a essência da obra como a de Umberto Maldini
e Cesare Brandi.
Apesar de já existirem códigos de ética restaurativa no Mundo Contemporâneo,
vê-se que o mesmo ainda não é fielmente respeitado. Podendo ir em confronto não
apenas da ética histórica do direito à memória, pode ir em contraponto até com o direito
autoral do autor original, caso a obra seja corrompida.
É observado que as "corrupções e negligências" restaurativas atualmente, não
se dão mais por desconhecimento da ética no processo como no caso de Viollet-Le-
Duc. É possível concluir qe que a industrial cultural -termo desenvolvido por Adorno e
Horkheimer- impacta diretamente as restaurações através da influência do capital e
por consequência do mundo globalizado pelos fenômenos econômicos, desencadeia-
se a influência sócio-cultural, que tira a identidade de uma população em relação a
nação, desse modo diminuindo a valorização cultural e artística da sociedade, se
tornando desinteressante aos políticos o alto gastos de verbas com a área
conservativo- restaurativa.
Assim, as restaurações "antiéticas" continuam presentes e a interpretação da
32

história continua a ser corrompida por restauros artísticos que costumam recriar uma
obra baseada nos padrões estéticos atuais que criam uma interpretação errônea ou
até impedem a interpretação total da história através das expressões artísticas.
33

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor. Dialética do esclarecimento. Zahar, v. 2, f. 112, 1985. 224 p.

BEDESQUE DE CAMARGO, Cecília Auxialiadora. A RESTAURAÇÂO


CONTEMPORÂNEA NA PRÁTICA: Entrevista. In: REUNIÃO ZOOM, 1. 2021.
Tópico Temático [...]. 2021.

BRANDI, Cesare. Theory of Restoration. Nardini, f. 93, 2004. 186 p.

BRASIL. Lei n. 9.610/98. Diário Oficial.

CHOAY, FRANÇOISE. ALEGORIA DO PATRIMONIO. São Paulo:


Estação Liberdade , f. 153, 2001. 306 p.

Conselho internacional de Monumentos e sítios. Iphan. Carta de Burra. Registro


em: 1 jan. 1980.

LARANJEIRA, Isabel. Em busca de Sofia. 2017. Disponível em: http://hermes


embuscadesophia.blogspot.com/2017/05/a-comunicacao-interpretacao-e
intencao.htm. Acesso em: 27 mar. 2021.

LESERCH, Inês Martina . Contribuição para a identificação dos principais


fatores e mecanismos de degradação em edificiosdo patrimonio cultural de
Porto Alegre.
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/3674/000391182.pdf?...1,
2003. 185 p. Dissertação (Programa de Pós Graduação em Engenharia Cívil) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2000.

LUIZA, Antunes. Conservação e Restauração de arte: O trabalho por trás das


obras. 360Meridianos. 2019. Disponível em:
https://www.360meridianos.com/especial/os-cientistas-das-artes. Acesso em: 26
mar. 2021.

MALDINI, Umberto. Tutte le opere: Autobiografia i prigioni, Fanciulle,


cuor morituro, L'uomo, 1924-1930. 1958.

MUNOZ-VINAS, Salvador. Contemporary Theory of Conservation. Routledge,


v. 1, f. 128, 2012. 256 p.

RODAS , Sérgio . Direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição,


decide STF. Conjur. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-fev
11/direito-esquecimento-incompativel-constituicao
stf2#:~:text=Direito%20ao%20esquecimento%20%C3%A9%20incompat%C3%ADve
l%20com%20a%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%2C%20decide%20STF&text=A%2
34

0ideia%20de%20um%20direito,feira%20(11%2F2).. Acesso em: 26 mar. 2021.

RUSKIN, John. The Works of John Ruskin ...: Modern painters [including]
General index, Bibliography, and notes [v.32] 1888, v. 1. 1887. Disponível em:

http://play.google.com/books/reader?id=-
YBPAAAAYAAJ&hl=&printsec=frontcover&source=gbs_api. Acesso em: 16
abr. 2021.

TOLSTÓI, Liev. O que é Arte. Tradução Nova fronteira. Polyana, Russia: Nova
fronteira, v. 10, 1897. Tradução de: что такое искусство?.

VIOLLET-LE-DUC, Eugène-Emmanuel. Dictionnaire Raisonne Du Mobilier


Francais: Vol II-VI.. 1873.

VIOLLET-LE-DUC, Eugène-Emmanuel. Lectures on Architecture, v. 1.


2000. Disponível em: http://play.google.com/books/reader?
id=BttIAQAAIAAJ&hl=&printsec=frontcover&source=gbs_api. Acesso em: 16 abr.
2021.

Você também pode gostar