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História Geral da Arte

Professores conteudista: Ana Elena Salvi


João Ricardo de Castro Caldeira
Mário Henrique de Castro Caldeira
Sumário
História Geral da Arte
Unidade I
1 O QUE É ARTE? ....................................................................................................................................................1
1.1 As definições de arte ..............................................................................................................................1
1.2 A importância do estudo da arte na arquitetura .......................................................................2
1.3 As transformações da arte ao longo do tempo ..........................................................................4
2. O CLASSICISMO NA GRÉCIA E EM ROMA ...............................................................................................6
2.1 A arte na Grécia antiga .........................................................................................................................6
2.2 A arte na Roma antiga ..........................................................................................................................8
3 A CRISE DO CLASSICISMO: A RELAÇÃO ENTRE ORIENTE E OCIDENTE NA IDADE
MÉDIA (476-1453).................................................................................................................................................9
3.1 A arte cristã no Império Bizantino ................................................................................................ 10
3.2 A arte cristã na Europa ocidental medieval .............................................................................. 12
4 O RETORNO AOS VALORES CLÁSSICOS .................................................................................................. 15
4.1 O Renascimento: a razão e a arte ................................................................................................. 15
4.2 O Maneirismo: clássico e anticlássico .......................................................................................... 22
4.3 O Barroco: a invenção do movimento ......................................................................................... 25
Unidade II
5 A ARTE NA ERA DAS REVOLUÇÕES .......................................................................................................... 31
5.1 A laicização da arte e a Revolução Francesa ............................................................................ 31
5.2 A arte e a Revolução Industrial ...................................................................................................... 33
5.2.1 Realismo ..................................................................................................................................................... 33
5.2.2 Naturalismo............................................................................................................................................... 36
5.2.3 Romantismo.............................................................................................................................................. 37
6 AS NOVAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX ............ 38
6.1 A síntese da forma na obra pictórica de Paul Cézanne ........................................................ 38
6.2 A busca da ruptura com os padrões clássicos: pintura, design e arquitetura ............. 39
6.3 Pontilhismo ............................................................................................................................................. 41
6.4 Impressionismo ..................................................................................................................................... 42
6.5 Fauvismo .................................................................................................................................................. 43
7. A ERA DA MÁQUINA E AS VANGUARDAS ARTÍSTICAS ................................................................... 44
7.1 Os movimentos transformadores da arte: os ismos............................................................... 44
7.1.1 Expressionismo ........................................................................................................................................ 45
7.1.2 Cubismo ...................................................................................................................................................... 47
7.1.3 Futurismo ................................................................................................................................................... 48
7.1.4 Dadaísmo ................................................................................................................................................... 50
7.1.5 Construtivismo Russo ........................................................................................................................... 52
7.1.6 De Stijl: o Neoplasticismo holandês................................................................................................ 54
7.1.7 Surrealismo................................................................................................................................................ 55
7.2 A arte abstrata e a Bauhaus............................................................................................................. 56
8 AS REALIZAÇÕES DA ARTE PÓS-VANGUARDAS ................................................................................. 58
8.1 O papel do artista e a crise da modernidade ............................................................................ 58
8.2 A Pop Art .................................................................................................................................................. 60
8.3 A Op Art.................................................................................................................................................... 62
8.4 A pós-modernidade e as perspectivas da arte no século XXI ............................................ 64
8.4.1 Minimalismo ............................................................................................................................................. 64
8.4.2 Arte Conceitual ........................................................................................................................................ 65
HISTÓRIA GERAL DA ARTE

5 Unidade I
1 O QUE É ARTE?

10 1.1 As definições de arte

O conceito de arte é alterado de acordo com a época e a


cultura. Pode ser separado ou não, como é entendido hoje na
civilização ocidental, do artesanato, da ciência, da religião e da
15 técnica no sentido tecnológico. Essa mutabilidade do conceito
depende tanto daqueles que produzem os objetos que receberão
a definição de obra de arte, quanto da sociedade na qual esses
mesmos objetos são feitos.

20 Assim, entre os povos ditos primitivos, a arte, a religião e


o conhecimento acumulado não existiam de forma separada,
tampouco havia o artista como figura autônoma dentro dessas
sociedades. Naquele momento, arte era um conceito aplicado
a certas habilidades que algumas pessoas possuíam para
25 realizar uma tarefa. Para os gregos antigos do século V a.C., a
palavra usada para definir arte, ou capacidade de realizar algo
a partir de certas habilidades e conhecimentos, era tekné, que
etimologicamente deu origem à palavra técnica que usamos
hoje. Para aqueles gregos havia a arte, ou técnica, de se fazer
30 esculturas, pinturas, sapatos ou navios.

O termo arte, com o passar dos séculos, (e dependendo das


sociedades nas quais se verificar a existência desse conceito),
modificou-se bastante. Na Europa, durante um longo período,
35 o termo servia para designar uma atividade relacionada à
capacidade de criar objetos, pinturas, obras com muita qualidade,
perícia e talento.

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Unidade I

Atualmente, arte é um termo relacionado à criação de


imagens, sons, objetos, espaços (virtuais ou físicos), que
contenham alguma qualidade plástica que se destaque a partir
do ponto de vista da sociedade. O reconhecimento dessas
qualidades, em geral, é feito por um crítico ou por alguém
cuja opinião seja ouvida. É essa opinião, quando aceita pela
sociedade dentro da qual ela foi emitida, que irá determinar
o que é e o que não é arte, assim como o que é e o que não é
obra-prima.

Saiba mais

O significado de obra-prima vem do período medieval.


Para um artífice, artesão, pintor, escultor, ourives
– ou qualquer outra profissão que dependesse de um
conhecimento específico – ser chamado de mestre,
dependeria da sua capacidade de criar uma obra-prima,
ou seja, algo resultante de seu trabalho, que fosse avaliada
por seus pares, e nela reconhecessem um grande talento e
qualidade.

1.2 A importância do estudo da arte na


arquitetura

As teorias no campo da arquitetura alimentam-se direta ou


indiretamente de diversos outros campos do saber humano, e
entre eles está a esfera do conhecimento produzido pelas teorias
artísticas. Estas, por sua vez, possuem uma dinâmica mais intensa
do que a da arquitetura, por razões de sua própria materialidade
e forma de produção. Por isso, é fundamental desenvolver um
olhar atento sobre o objeto artístico, suas concepções e teorias,
sua forma de produção e investigar como, em qualquer período
da história, a arquitetura e a cidade (os edifícios e os espaços
abertos) sofreram influências significativas da produção artística.
Por exemplo, o tratadista renascentista Leon Battista Alberti
escreveu os Tratados da pintura, da escultura e da arquitetura,
que se chamam De re Aedificatoria. Nesse último trabalho, o
conceito de belo na arquitetura está relacionado com a música.

2
HISTÓRIA GERAL DA ARTE

Outra forma de influência e relação entre arte e arquitetura


acontece quando as formas plásticas de um determinado
movimento ou teoria artística são aplicadas diretamente em um
projeto arquitetônico. Segue um exemplo.

O arquiteto franco-suíço Le Corbusier estava muito ligado ao


Purismo, movimento artístico que transformou alguns princípios
do Cubismo no início do século XX.

A Vila Stein – também conhecida como Villa Garches,


Villa de Monzie, e Villa Stein-de Monzie – é uma residência
unifamiliar que foi projetada por Le Corbusier e construída
em 1927, em Garches, na França. No seu desenvolvimento,
o arquiteto utilizou um sistema construtivo (chamado de
sistema independente) que permite que as paredes não façam
parte da estrutura. Apesar desse sistema não ser exatamente
uma novidade na época, a forma de utilização e de criação de
espaços com ele era algo ainda a ser explorado. Nesse projeto,
o arquiteto utilizou sua experiência pessoal em artes plásticas
para criar uma arquitetura diferenciada, combinando esse tipo
de estrutura com um conceito de arte. Um dos objetivos era o de
criar espaços arquitetônicos fluidos e livres, em contraponto ao
espaço rígido da arquitetura tradicional, explorando o sistema
independente formado por pilares e lajes planas, necessário para
a edificação.

A partir do diagrama explicativo abaixo, é possível


visualizar como o arquiteto utilizou uma obra de arte, feita
por ele mesmo dentro dos princípios do Purismo, para criar
ambientes arquitetônicos. A expressão plástica do quadro
(1) foi utilizada para definir os espaços da residência por
meio da inserção de suas formas livres sobre uma retícula
construtiva (2). A estrutura, composta pelos pilares e lajes, é
definida separadamente, e forma uma grade virtual (3). Nela,
o arquiteto posiciona paredes, escadas, pisos e divisórias, da
mesma maneira livre como ele se expressa na segunda etapa
do processo, resultando em um conjunto arquitetônico
regular e diferente ao mesmo tempo (4).

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Unidade I

1. Le Corbusier - Natureza morta com numerosos objetos (1923)


Óleo sobre tela, 114 x 146 cm. Fondation Le Corbusier.
2. Linhas principais de expressão do quadro anterior.
Vila, ou Villa, significa residência,
3. Malha reticulada com distribuição da estrutura (pilares) e morada, e é um termo muito utilizado
organização de espaços com eixos virtuais da Villa Stein. em arquitetura para designar um edifício
destinado a habitação unifamiliar. Em
geral, está associado às residências
4. Planta do primeiro andar da Villa Stein. Aqui está
campestres, construídas fora da área
representado apenas este andar, mas os demais são urbana.
semelhantes, em termos de conceito arquitetônico.

1.3 As transformações da arte ao longo do


tempo

Para melhor compreender a enorme quantidade de


informações, momentos, tendências e movimentos artísticos,
recorre-se geralmente às linhas do tempo (ou linhas cronológicas),
para que assim se permita uma visualização sequencial dos
diversos períodos que a arte percorreu na história humana.
Porém, qualquer tentativa de estabelecer uma linha cronológica
que organize temporalmente os diversos momentos pelos quais
cada civilização construiu seus objetos artísticos (com seus valores
socioculturais e técnicas específicas), esbarra na dificuldade de
definição de datas e conceitos exatos. Além disso, ao longo do
tempo, certas classificações que costumavam ser consideradas
adequadas podem e vão sendo questionadas e alteradas.

Um exemplo disso foi o Maneirismo, que tendo ocorrido no


século XVI, recebeu sua definição teórica na última década do
século XIX. Por isso, as linhas do tempo devem ser utilizadas
dentro de um limite bastante claro: elas contribuem muito para

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HISTÓRIA GERAL DA ARTE

compreender de maneira geral as transformações da arte ao


longo da história, mas devem ser vistas com cautela quando o
intuito é estudar mais detalhadamente uma obra de arte, a vida
de um artista ou um movimento, com uma visão de estudioso,
mais específica.

É muito comum que certos movimentos artísticos ocorram


contemporaneamente. Também é habitual encontrar opiniões de
autores que divergem entre si sobre um determinado assunto,
data ou conceito. É também importante destacar que existem
períodos de indefinição (transição) sobre a arte, nos quais um
momento e um conceito muito bem definidos estão sendo
substituído por outros, ainda não muito claros.

Assim, neste texto privilegiou-se abordar conceitos e


definições mais cristalizadas e geralmente aceitas como corretas
sobre a definição de arte e da importância real de alguns objetos
artísticos. Mas, com o passar do tempo, certamente essas noções
poderão ser alteradas.

Resumindo

A definição de arte é mutável, e depende muito do


momento histórico. Além disso, a própria noção de arte,
usada para descrever uma área de conhecimento autônoma
(que é a maneira como a compreendemos atualmente), nem
sempre existiu. Portanto, o conceito de arte usado hoje serve
para descrever uma qualidade pertencente a algo criado para
ser visto como uma obra de arte, mas que, para alcançar
esse patamar, necessita ter algum valor reconhecido por um
público. Um desses valores, que caracteriza intensamente a
noção de arte, é a capacidade de um objeto, edifício, texto,
imagem, som ou qualquer outro suporte físico, de estimular
nossos sentidos, físicos e intelectuais, não dependendo de
qualquer relação com uma finalidade prática, ou função.
Isso significa que a arte, para ser vista como tal, não deve
ter um fim específico. Mas lembre-se: esse conceito pode e
certamente se modificará ao longo do tempo.

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Unidade I

2. O CLASSICISMO NA GRÉCIA E EM ROMA

2.1 A arte na Grécia antiga

Foi a partir do século V a.C. que se deu o auge da arte grega.


Nesse momento teve início a busca da representação do corpo
humano de uma maneira mais fiel à realidade visível que o
compõe. Os gregos, ao contrário dos egípcios (apesar de ainda
influenciados por eles), basearam suas realizações escultóricas
nas observações diretas do corpo a ser representado, e não na
reprodução de um conhecimento pronto que dizia como deveria
ser essa representação. Isso também se estendeu à pintura. A
influência da arte egípcia, apesar de limitadora (pois se baseava
em regras de representação rígidas), deu uma contribuição
importante à arte grega no seu auge: no Egito, a representação
tentava ser a mais detalhada e completa possível, estimulando
o artista grego a continuar explorando a anatomia dos ossos
e músculos, e a formar uma imagem convincente da figura
humana, inclusive debaixo das roupagens das esculturas. A
busca de mostrar não apenas a forma do corpo, mas também
seu movimento, fez parte da arte grega. Os jogos e exibições
esportivas requisitavam estátuas que representassem o mais
fielmente possível os chamados “atletas” da época.

Saiba mais

A composição nas artes plásticas

Composição, nas artes plásticas, é a maneira pela qual


o artista organiza espacialmente as cores, volumes, formas,
linhas e quaisquer outros elementos que façam parte da
obra. A composição é essencial quando a obra de arte possui
um tema ou assunto, pois é ela que contribui para construir
a narrativa a ser apreendida pelo espectador. Por outro lado,
algumas obras de arte não possuem um tema, assunto, ou
cena identificável. Nesse caso, o autor do trabalho preferiu
privilegiar apenas a composição.

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HISTÓRIA GERAL DA ARTE

Esta famosa estátua reúne as inquietações de Míron,


escultor grego, em busca da representação da figura em
movimento. O ângulo de visão mais satisfatório – de perfil, com
o rosto de frente para o observador da escultura – permite que
se possa observar a elaborada composição, baseada em uma
linha de curvas acentuadas que percorrem a estátua de cima
a baixo, combinada com a ampla curva descrita pelos braços
e pela linha dos ombros, prolongando-se pela perna esquerda,
que está retraída.

A capacidade dessa escultura de transmitir um alto grau de


realidade anatômica era uma das características da arte grega
na época.

Míron – Discóbolo (cerca de 460 a.C.)1


Cópia feita no período da Roma antiga. Museu Nacional, Nápoles, Itália.

1
Disponível em: <http://blog.educastur.es/graece1/2009/10/28/el-
discobolo-vuelve-a-casa/>. Acesso em: 31 jan 2011.

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Unidade I

2.2 A arte na Roma antiga

A arte do antigo Império Romano do Ocidente foi muito


influenciada pela cultura da Grécia antiga e pelos etruscos,
estendendo-se do século VIII a.C. ao século V d.C.. Difundiu-se
por diversas expressões artísticas, desde a construção de edifícios
públicos, até a pintura afresco, a escultura, entre outras formas
de manifestação, mas foi na arquitetura e na escultura que se
pôde visualizar com mais nitidez os avanços e influências da
arte romana clássica.

A escultura da Roma antiga desenvolveu-se em toda


a área de influência romana, com seu foco na metrópole,
entre os séculos VI a.C. e V d.C.. Em sua origem, derivou
da escultura grega, primeiro por meio da herança etrusca,
e logo diretamente com a própria Grécia, durante o período
helenista. Apesar da reconhecida influência da escultura
grega em toda a Roma antiga, hoje se pode afirmar que os
artífices romanos não eram meros copiadores. Eles deram
importantes contribuições para a escultura, principalmente
na criação de obras feitas especificamente para grandes
monumentos públicos, nas quais a capacidade de uma estátua
de expressar significados vinculados ao poder de Roma era
algo fundamental e conseguido com muita dedicação e
talento dos escultores da época. A reprodução de bustos,
rostos, e perfis em relevo era de grande qualidade.

A seguir, Augusto de Prima Porta, revelada em 1863 na vila


de Augusto César, em Roma, Itália. Atualmente está exposta no
Braccio Nuovo, no Museu do Vaticano.

A estátua que representa Augusto César, imperador


romano, foi baseada no Doríforo de Policleto (escultor grego)
do século V a.C., e foi talhada em mármore. Ainda contém
alguns resquícios de tintas douradas, púrpuras, azuis e outras
cores com as quais ela foi policromada.

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HISTÓRIA GERAL DA ARTE

Autor desconhecido - Augusto de Prima Porta


Mármore. Museu Vaticano, Itália.

Resumindo

Classicismo greco-romano

• influenciou com intensidade a formação do mundo


ocidental;
• privilegiou a representação física com fidelidade ao
mundo real;
• criou um padrão de beleza ideal a partir de uma
interpretação do mundo real.

3 A CRISE DO CLASSICISMO: A RELAÇÃO ENTRE


ORIENTE E OCIDENTE NA IDADE MÉDIA (476-
1453)

A queda do Império Romano é assinalada pela conquista de


Roma no ano de 476 pelos povos germânicos, combinada com a

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Unidade I

ascensão do cristianismo como religião oficial, a qual se impôs,


paulatinamente, sobre as antigas crenças (tanto as romanas
como as das tribos germânicas), que passaram a ser tratadas
como pagãs. Esse processo teve lugar tanto no Ocidente como
no Leste europeu e em ambas as regiões, entretanto, permaneceu
o desejo de retomar a pujança do antigo Império Romano.
Assim, enquanto a parte ocidental do continente assistiu, na
Idade Média, à formação do Sacro Império Romano Germânico,
na banda oriental, formou-se o denominado Império Romano
do Oriente ou Império Bizantino, cuja capital era Bizâncio ou
Constantinopla (atual Istambul, na Turquia). A queda do Império
Bizantino, com a tomada de Constantinopla pelos turcos
otomanos em 1453, marca o fim do período medieval. Essa
época caracterizou-se, no campo artístico, pelo predomínio dos
temas da religião cristã, pela busca da representação do sagrado
na pintura, na escultura e na arquitetura. Porém, a arte cristã
medieval pode ser dividida em arte bizantina e arte medieval do
Ocidente.

3.1 A arte cristã no Império Bizantino

O Império Bizantino manteve-se distanciado das influências


dos povos bárbaros germânicos. Em Bizâncio, e nas áreas sob
seu controle, desenvolveu-se uma arte cristã, cujo auge ocorreu
no século VI, no Império de Justiniano I, e que combinava
influências da arte romana, grega antiga e do Oriente Médio. A
própria localização geográfica de Constantinopla, na fronteira
entre o Oriente e o Ocidente, era favorável a essa confluência
artística.

Há que se considerar ainda a constante ingerência do clero


cristão do Oriente sobre a arte bizantina, o que contribuía para
torná-la profundamente religiosa. Ademais, o próprio Imperador
do Oriente devia o seu poder ao caráter teocrático do Império
Bizantino, motivo pelo qual a produção de obras de arte era
estimulada, com mosaicos nos quais era representado, com
sua cabeça aureolada, geralmente ladeando a própria Virgem

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HISTÓRIA GERAL DA ARTE

Maria e o menino Jesus. Na arte bizantina, há um destaque para


pintura parietal (em paredes), a pintura mural, as iluminuras, a
tapeçaria e os mosaicos.

No período bizantino, o uso da cúpula apoiada sobre


pendentes e os arcobotantes possibilitaram aumentar
significativamente o tamanho das edificações e,
consequentemente seu espaço interno. Mas apesar disso, e
do aumento da quantidade de aberturas nas fachadas das
construções, as paredes ainda eram grossas, lisas e amplas.
Os mosaicos e afrescos bizantinos tinham como uma de
suas finalidades, ornamentar e enriquecer essas extensas
superfícies, transmitindo, ao mesmo tempo, as imagens de
reis, rainhas, santos, santas, clérigos e outros personagens da
religião cristã.

A Basílica de San Vitale possui alguns dos mais interessantes


afrescos do período bizantino, como se pode ver a seguir.

Representação da cúpula bizantina


apoiada sobre os quatro pendentes
(superfícies triangulares esféricas que
recebem os esforços da base da cúpula
e os descarregam nos vértices das
paredes).1

Foto da Basílica de San Vitale, Ravena, Itália.2

1
Disponível em: <http://www.pegue.com/artes/cupula2.jpg>. Acesso
em 31 jan 2011.
2
Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:San_Vitale
_Ravenna.jpg>. Acesso em: 31 jan 2011.

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Unidade I

Corte da Imperatriz Theodora3


Mosaico no interior da Basílica de San Vitale.

3.2 A arte cristã na Europa ocidental medieval

No Ocidente medieval, caracterizado pelo feudalismo, a arte


também foi predominantemente cristã. O próprio sistema feudal,
marcado pela organização política fragmentada em feudos e
pela divisão social em oratore (os que oram), belatore (os que
guerreiam) e laboratore (os que trabalham, especialmente
lavrando a terra), era legitimado pela Igreja cristã, pois essa forma
de organização política e social era considerada a expressão da
vontade de Deus na Terra, que somente podia ser interpretada e
compreendida pelos clérigos. Neste sentido, a arte do Ocidente
medieval voltava-se especialmente para a representação dos
desígnios divinos, com imagens do céu e do inferno, de modo a
ensinar o caminho da salvação cristã à população, que em sua
quase totalidade era analfabeta.

Costuma-se dividir a trajetória da história da arte do Ocidente


medieval em três momentos significativos: a arte românica, o
renascimento carolíngio e a arte gótica.

• arte românica: corresponde ao período do auge do


feudalismo, sendo, portanto, a expressão artística da
sociedade rural feudal acima descrita;

3
Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:
Theodora_mosaik_ravenna.jpg>. Acesso em 31 jan 2011.

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HISTÓRIA GERAL DA ARTE

• renascimento carolíngio: foi aquela arte produzida


durante o império de Carlos Magno, a partir do ano de
800, em que se buscou a volta aos padrões clássicos,
apesar do predomínio da orientação religiosa cristã;

• arte gótica: desenvolveu-se na crise do feudalismo,


quando floresceram novamente a cultura urbana, as
universidades e as ordens monásticas (cistercienses,
franciscanos, dominicanos e beneditinos), que
contribuíram para a primeira reforma da Igreja cristã, no
sentido de sua reaproximação com os valores originais
da fé.

La Maestà, conhecida como A Virgem com vinte anjos e


dezenove santos, é um amplo conjunto de várias pinturas
com frente e verso, feitas por Duccio di Boninsegna, em 1308,
para a cidade de Siena, Itália. A face da obra mostrada a seguir
representa a Virgem em majestade, flanqueada por anjos e
santos. Essa pintura serviu como referência para uma importante
mudança na arte italiana: o período bizantino teve como uma de
suas características a representação do corpo humano de uma
maneira simplificada, com alterações anatômicas que evitavam
o reconhecimento do sexo das figuras, e outras modificações
nas proporções de partes do corpo humano. A obra La Maestà
estimulou outros artistas da época a modificarem essa forma de
representação, buscando uma pintura mais realista do ponto de
vista físico, mais próximo à anatomia e fisionomia das pessoas
daquela região.

Outra característica da pintura da época é a maneira


utilizada pelo autor da obra para demonstrar a hierarquia na
composição do quadro: a importância de cada personagem
dentro da cena está diretamente relacionada ao tamanho da
sua imagem, ou seja, quanto mais importante é a figura, maior
é o seu tamanho. Não havia a preocupação em representar
as imagens em escala real em relação ao conjunto, tampouco
em criar profundidade por meio da redução de tamanho das

13
Unidade I

figuras, ou seja, cada figura é proporcional em si, mas não


necessariamente em relação às outras imagens.

A composição é bastante nítida, feita com o propósito de


valorizar a Virgem. Posicionada no centro, ela tem quase todos
os olhares dos personagens que a cercam voltados para si. Para
o observador, é inevitável ter o olhar dirigido fortemente para o
rosto dela.

Duccio di Boninsegna - La Maestà. (1308 - 1311)4


Pintura sobre madeira. Museu da Catedral, Siena, Itália.

Resumindo

A pintura bizantina criou formas humanas para representar


apenas o ser, e não o aspecto físico das pessoas, e serviu com
maestria para adornar as enormes e lisas paredes dos templos
religiosos feitos com a estrutura maciça da época.

A arte medieval muda os princípios adotados no período


anterior e começa a valorizar mais a forma humana. Seu foco
é a capacidade de criar narrativas sobre temas religiosos.
A religião é o principal tema da época e aparece vinculada
profundamente a quase toda manifestação artística de
qualidade.

4
Disponível em: <http://www.maphilosophie.fr/Duccio_maesta.
html>. Acesso em 31 jan 2011.

14
HISTÓRIA GERAL DA ARTE

4 O RETORNO AOS VALORES CLÁSSICOS

4.1 O Renascimento: a razão e a arte

A palavra renascença significa nascer de novo ou ressurgir.


Para os italianos, e principalmente os artistas florentinos do
século XIV, a arte que estava sendo produzida era considerada
de qualidade porque recuperava aquela do período do Império
Romano. Foi na cidade de Florença que esse sentimento se
manifestou de modo mais intenso. Foi também nesse momento
que um grupo de artistas se dispôs deliberadamente a criar
uma nova arte e a romper com as ideias do passado recente,
tendo como líder Filippo Brunelleschi, que ficou encarregado
da conclusão da cúpula da catedral de Florença. Sua proposta
era de que as formas da arquitetura clássica (colunas, frontões,
proporções, etc.) fossem livremente usadas para criar novos
modos de harmonia e beleza. Para os grandes mestres da
Renascença, os novos recursos e descobertas da arte nunca
foram um fim em si. Os artistas sempre os utilizaram com
o propósito de aproximar ainda mais do nosso espírito, o
significado de seus temas.

É desse período a invenção de uma forma de representação


que dominou, durante alguns séculos, a criação de imagens
que reproduzem o mundo real: a perspectiva. Atribui-se a
Filippo Brunelleschi sua invenção, e apesar do surgimento de
outras formas de representação, a perspectiva é usada até hoje,
inclusive no mundo virtual da informática.

A perspectiva, com seu método de representação quase


científico, e de certa forma, matemático, também se inseria
na visão dos mestres florentinos do século XV, que se voltaram
para o uso da racionalidade como forma de explicar o mundo.
Essa técnica, associada aos conhecimentos que os artistas
possuíam sobre a anatomia humana, (provenientes de seus
estudos em cadáveres), geravam imagens com uma exatidão
que impressionava a todos os observadores da época.

O quadro a seguir gerou grande espanto devido à ilusão criada


(pela disposição e proporção dos corpos), que fazia com que os

15
Unidade I

fiéis imaginassem ali a extensão de outra capela, tal a realidade


elaborada pelo uso da perspectiva. Na imagem à direita, as linhas
que estruturam o afresco convergem para o ponto de fuga, que
se encontra na altura dos olhos do observador, “convidando-o”
a participar da composição.

Masaccio (Tommaso de San Giovanni Valdano ou Tommaso de San Giovanni di Simone Guidi) - A Santíssima
Trindade (1401-1428)5
Afresco, Santa Maria Novella, Florença, Itália.

5
Disponível em: <http://sites.google.com/site/alanpalhas/-8---arte-renacentista> e <http://www.cult.nucleo.inf.br/
index.php?option=com_morfeoshow&task=view&gallery=37&Itemid=452>. Acessos em 31 jan 2011.

16
HISTÓRIA GERAL DA ARTE

Enquanto na Itália os florentinos buscavam a exatidão


da representação por meio da perspectiva com ponto de
fuga (perspectiva cônica) e com um profundo conhecimento
da anatomia humana, no norte da Europa, Jan van Eyck,
um artista flamenco, da região onde hoje se encontram
os Países Baixos, buscava essa mesma exatidão, porém de
outra maneira. A solução por ele adotada foi materializar
a ilusão do mundo real por meio da cuidadosa e paciente
composição de uma imagem pela somatória de detalhes
precisos, reproduzindo, da maneira mais completa possível,
o que os olhos viam no universo real. Apesar de van Eyck
também se utilizar de uma característica da perspectiva (a
de criar a ilusão de profundidade por meio da redução do
tamanho dos objetos à medida que se afastam do plano do
observador), são os detalhes que convencem o espectador
de que aquelas imagens são um espelho do mundo real. Para
conseguir a exatidão, ele aperfeiçoou significativamente
sua capacidade de pintar, inventando a pintura a óleo, que
permite uma grande riqueza de detalhes.

Uma das principais contribuições dos artistas, tanto na Itália


(sul da Europa) quanto em Flandres (norte da Europa), foi a
demonstração de que a arte podia ser usada não só para contar
a história sagrada de uma forma comovente (uma das principais
preocupações da Igreja católica), mas para refletir também um
fragmento do mundo real.

Giovanni Arnolfini era um negociante italiano, que se


estabeleceu em Bruges com sua esposa. O casal foi representado
por van Eyck no interior de uma residência, que reflete o seu
cotidiano. Isso é possível perceber devido ao alto grau de
detalhamento realista que foi utilizado para mostrar elementos
domésticos como o cãozinho (na parte inferior do quadro), as
frutas (na mesa) e o espelho, na parede ao fundo. Esse espelho se
converte em um interessante elemento no quadro, pois em uma
observação mais detalhada, é possível perceber nele a presença
de outros personagens na cena.

17
Unidade I

Apesar da aparente naturalidade e simplicidade da cena, são


vários os elementos simbólicos que remetem ao matrimônio,
representado de forma discreta pelo autor da pintura, como era
hábito entre os artistas da época.

Jan van Eyck - O casal Arnolfini (1434)


National Gallery, Londres, Inglaterra.

Nesse ambiente, os artistas passaram a organizar-se


em corporações bastante fechadas, que correspondiam aos
sindicatos de hoje. A transmissão do conhecimento também
era restrita: não havia escolas e os interessados em aprender
algo tinham que começar bem cedo, como jovem aprendiz
de algum mestre habilitado. É nesse ambiente, no século XVI,
que se formaram algumas gerações de artistas e arquitetos
mais importantes da Itália e que se tornariam referência para
o mundo ocidental nos séculos seguintes, criando algumas das
obras mais significativas da arte na Europa. Mas, ao contrário de

18
HISTÓRIA GERAL DA ARTE

outros períodos na História, os artistas que hoje reconhecemos


como grandes mestres, já eram reconhecidos como tal naquele
período. O artista era tratado como indivíduo criativo, autor
único de talento incomparável, quando reconhecido como tal
por seus pares. A ideia do artista, e também do arquiteto, como
ser criador, único ou principal, responsável pelas qualidades de
sua obra, se consolida nessa época. É daí que provêm nomes da
Península Itálica como Leonardo da Vinci, Rafael, Michelangelo,
Fra Angelico e Ticiano, e do norte da Europa, como Albrecht Dürer
e Hans Holbein e vários outros mestres famosos. Não é por acaso
que durante a Renascença o artista consolida-se como mestre
dotado de autonomia, não podendo alcançar fama e glória sem
explorar os mistérios da natureza e sondar as leis secretas do
universo. Para isso os artistas, principalmente depois de Alberti,
deveriam ser completos: intelectuais, músicos, estudiosos da
natureza em seus vários aspectos, letrados, filósofos. Essa situação
é muito diferente do que acontecia antes, como já foi dito na
apresentação deste texto. Até então, o artista se confundia com
o artesão, profissional que produzia desde objetos do cotidiano,
como sapatos e roupas até pinturas e grandes esculturas,
mediante encomendas específicas. A ascensão dos grandes
mestres, em face de um preconceito que existia contra pintores
e escultores, se deve em parte à necessidade que os nobres e
ricos mercadores, desejosos de ascender socialmente, tinham de
construir belos edifícios, fazer túmulos suntuosos, ou oferecer
uma pintura para o altar-mor de alguma igreja famosa.

Foi na arquitetura que essa mudança ocorreu de forma mais


acentuada. Os mestres eruditos do século XV, conhecedores do
passado clássico por meio dos escritos de Vitrúvio (construtor
e escritor que viveu no império romano), desejavam realizar
obras usando como referência a arquitetura de Roma e Grécia
antigas. O arquiteto renascentista buscava projetar e construir
um edifício no qual pudesse aplicar todo o seu conhecimento
de proporção, simetria e regularidade, características daquela
arquitetura. Donato Bramante teve essa oportunidade e realizou
o Tempietto (pequeno templo), no início do século XVI. Essa

19
Unidade I

escolha também estava carregada do desejo de utilizar a razão,


incrustada na matemática e na geometria, para criar formas
perfeitas, segundo aqueles construtores.

Leonardo da Vinci (1452-1519) foi aprendiz em uma importante


oficina de Florença, e destacou-se como uma das mais capazes e
ricas personalidades de todos os tempos. Estudou, ampliou os
conhecimentos, criou e imaginou artefatos que somente viriam a
se tornar realidade séculos depois. Atuou nas áreas de medicina,
anatomia, engenharia militar, ótica, arquitetura, pintura, geometria,
entre outros campos. Em uma das suas mais conhecidas obras, a
Mona Lisa, Leonardo consegue superar os mestres anteriores, usando
uma técnica de pintura denominada sfumato, que possibilitou criar
uma ilusão de vivacidade nunca antes conseguida na pintura de
uma figura humana.

Leonardo da Vinci - Mona Lisa, ou La Gioconda (1503-1507)6


Óleo sobre madeira. Museu do Louvre, Paris, França.

Neste detalhe do rosto da Mona Lisa se pode perceber o uso


da técnica do sfumato: as pinceladas aparentes de uma pintura
são retiradas usando verniz de madeira, que corrói a tinta,
deixando um gradiente perfeito no local. Como consequência
da técnica, é quase impossível perceber pinceladas nesta e em
outras obras de Leonardo da Vinci.

6
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:MonaLisa_
sfumato.jpeg> e <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Mona_Lisa.jpeg>.
Acessos em 31 jan 2011.

20
HISTÓRIA GERAL DA ARTE

Saiba mais

Sfumato é uma palavra italiana, usada por Leonardo


da Vinci para descrever uma técnica que resultava em
uma pintura sem linhas ou limites, semelhante à fumaça.
Para obter esse efeito, a transição entre uma cor e outra é
feita por meio de um gradiente, ou seja, a sobreposição de
vários níveis intermediários de tonalidades ou matizes, indo
suavemente de uma cor para outra. O objetivo é reduzir
o contraste, ou seja, suavizar a diferença abrupta de uma
área da pintura para outra. Leonardo foi um dos artistas
que mais contribuiu para o aprimoramento dessa técnica, a
qual alguns pesquisadores consideram que foi ele, o próprio
criador dela.

Hoje, o sfumato faz parte do conhecimento básico


transmitido a todos os estudantes de artes em geral,
consequência de sua popularização, iniciada no
Renascimento. Certamente, o mais famoso exemplo
da aplicação dessa técnica seja o rosto de Mona Lisa,
principalmente seu sorriso, adjetivado popularmente de
“enigmático”.

Resumindo

Principais características do Renascimento:

• os artistas e intelectuais se voltam para o estudo do


passado clássico, e utilizam esse conhecimento para
produzirem e criarem arquitetura e arte;
• o uso da razão como forma de explicar e de intervir no
mundo, contrapondo-se ao teocentrismo (a religião no
centro do universo);
• o uso da matemática e da geometria para elaborar
formas arquitetônicas e representações pictóricas,
inclusive por meio da perspectiva;
• a busca da representação mais semelhante à realidade
visível.

21
Unidade I

4.2 O Maneirismo: clássico e anticlássico

Outro grande florentino cuja obra tornou tão famosa a arte


italiana do século XVI, foi Michelangelo Buonarrotti (1475-1564).
Em sua longa vida, foi testemunha de uma completa mudança
na posição do artista dentro da sociedade. A sua capacidade
de representar o corpo humano em qualquer posição ficou
logo conhecida, e nisso superou todos os antigos mestres. Essa
habilidade foi desenvolvida a partir do estudo da anatomia
humana feita diretamente em cadáveres, como Leonardo da
Vinci e outros artistas já haviam feito.

Em uma de suas obras, a pintura do teto da Capela Sistina,


pode-se admirar toda a habilidade e imaginação de Michelangelo
em manipular a anatomia do corpo humano. Até hoje, aquelas
imagens nos seduzem e são reproduzidas pelo mundo inteiro,
resultado de um árduo trabalho de quatro anos de extrema
dedicação.

Porém, Michelangelo não pode ser considerado um artista


exclusivamente renascentista. Apesar de seu trabalho estar
carregado de premissas semelhantes às de outros artistas da
época, que acreditavam na razão como meio de intervir, conhecer
o mundo e criar obras perfeitas, Michelangelo não se limitou
a esse ideal. A partir de suas obras arquitetônicas (o vestíbulo
com a escada da Biblioteca Laurenciana), urbanas (Piazza del
Campidoglio, ou Praça do Capitólio, Roma, Itália, feita entre
1536 e 1546) e até mesmo de pintura (o teto da Capela Sistina),
ele começou a criar uma posição anticlássica, que iniciava uma
contraposição a certa rigidez clássica característica de obras mais
antigas de outros artistas. Essa situação anticlássica pode ser
percebida nas suas obras por meio de um elo em comum entre
elas: a utilização de formas clássicas de uma forma diferente, sem
uma organização exclusivamente lógica e geométrica, buscando
elaborar composições plásticas inovadoras por meio de novas
maneiras de criar espaços, esculturas, pinturas, representações
humanas, e até mesmo espaços urbanos.

22
HISTÓRIA GERAL DA ARTE

Essa posição de Michelangelo deu origem ao período


chamado de Maneirismo, que significa à maneira de, ou
seja, de acordo com a vontade do artista. Tem início um
momento na história da arte europeia – que se contraporia ao
Renascimento – que privilegiou os desejos pessoais e o talento
individual dos artistas e arquitetos em criarem arte segundo
seus princípios individuais, ao contrário de perseguir regras
matemáticas, geométricas, ou, como já foi dito, clássicas. O
momento anticlássico então se inicia e se manifesta de forma
mais intensa no período seguinte, o Barroco, ficando este a
serviço dos interesses de uma das mais fortes instituições que
havia na Europa naquele momento, a Igreja católica.

Michelangelo Buonarroti - vista geral do interior do teto da Capela Sistina7

7
Disponível em: <http://www.barrysstudio.com/artistsBio/
michelangeloBuonarroti.htm>. Acesso em: 31 jan 2011.

23
Unidade I

Michelangelo Buonarroti - Maria e Jesus, detalhe do Juízo Final. (1534-1541)8


Capela Sistina, Roma, Itália.

Quando Michelangelo foi contratado para realizar o teto da


Capela Sistina, ele já era um escultor e artista consagrado. Suas
esculturas, com uma anatomia manipulada de forma magistral
graças aos seus conhecimentos do corpo humano, já o definiam
como um dos grandes artistas da transição entre o Renascimento
e o Barroco. Ao ser chamado para realizar um grande trabalho de
afresco, Michelangelo já havia realizado trabalhos de pintura, mas
não desse porte. A escolha do artista foi inovadora: a sua pintura
não seguiu os cânones renascentistas, optando por realizar a
transposição de formas escultóricas e tridimensionais para um
trabalho bidimensional. Daí a percepção de que as imagens
no famoso teto da capela são representações de esculturas de
caráter masculino, o que realça a plasticidade do conjunto que
consumiu parte da vida e da saúde de Michelangelo.

8
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Michelangelo>.
Acesso em 31 jan 2011.

24
HISTÓRIA GERAL DA ARTE

Saiba mais

Gradiente

É a transição de uma área de uma pintura com uma


determinada cor, matiz, luz ou sombra para outra. Essa
transição pode ser feita de maneira suave, com pouco ou
nenhum contraste (como o sfumato renascentista), ou
realizada de maneira mais intensa, com mais contraste
entre as diversas cores utilizadas para fazer o salto entre
uma área e outra da pintura.

Resumindo

Principais características do Maneirismo:

• período de transição entre o Barroco e o


Renascimento;
• o desejo e a capacidade pessoal do artista se sobrepõem
às regras clássicas;
• manipulação de formas antigas de uma nova
maneira;
• invenção de novas formas plásticas, mas com alguma
influência ainda das artes greco-romanas.

4.3 O Barroco: a invenção do movimento

Na história da arte, o momento que sucede ao Renascimento


e Maneirismo, é chamado de Barroco. Originalmente, esse nome
fora dado a algumas obras como um meio de caracterizá-
las como grosseiras e absurdas, ou seja, dando um sentido
pejorativo. Essa denominação foi atribuída à arquitetura e às
obras de arte produzidas durante o século XVII, por homens que
insistiam em que as formas das construções clássicas jamais

25
Unidade I

deveriam ser usadas ou combinadas senão da maneira adotada


na Antiguidade por gregos e romanos.

Na foto abaixo, está reproduzido o conjunto de estátuas


feito em mármore que forma o centro da capela Cornaro, na
qual a estrutura arquitetônica, as esculturas e os elementos
decorativos formam um todo unitário, ou seja, um cenário
completo. A representação do drama se materializa de maneira
cenográfica no centro da capela. Em ambos os lados, abrem-se
duas cavidades, como se fossem palcos, nas quais se debruçam
estátuas que representam a família Cornaro.

A santa, arrebatada de amor divino, se junta a seu esposo


místico. A materialização desse ato espiritual tem uma explicação
formal, na qual estão presentes aspectos puramente carnais e
eróticos. Essa ambiguidade, marcada pela convivência, na mesma
obra, de referenciais do cristianismo e do paganismo, constitui
uma característica do período barroco, intencionalmente
utilizada pelo autor da escultura.

Gian Lorenzo Bernini - Êxtase de Santa Teresa. (1645-1652)


Santa Maria della Vittoria, Roma, Itália.

26
HISTÓRIA GERAL DA ARTE

Saiba mais

Arquitetura, arte e religião

Desde a formação da Igreja católica até meados do


século XX, era muito comum que igrejas e capelas fossem
utilizadas como túmulos. Muitas delas eram construídas
especificamente para serem utilizadas como jazigos de
famílias inteiras ou de personalidades poderosas, como reis
e papas. Para esse serviço, contratavam-se grandes artistas,
que nelas realizavam obras que, muitas vezes, extrapolavam
sua mera utilização como sepulcro. Michelangelo Buonarroti
e Lorenzo Bernini são alguns desses artistas. Em muitas
dessas construções, encontram-se algumas das mais belas
obras de arte do mundo ocidental.

Esse rigor na utilização e na reprodução de formas


provenientes da Grécia e da Roma antigas foi o critério utilizado
pelos críticos para denominar as obras de arte que não seguiam
os cânones clássicos de barroco (esse era um termo comumente
usado para denominar uma pérola imperfeita, com deformações).
O que os arquitetos e artistas barrocos faziam era, aos olhos de
seus críticos, modificar as regras clássicas e organizar suas obras
segundo uma lógica e um raciocínio próprios, reinventando a
maneira de usar as formas tradicionais e até mesmo criando
outras.

Já no Maneirismo, na Igreja Il Gesù, de Giacomo della


Porta (1538? – 1602), o uso das formas clássicas (frontões,
colunas, capitéis) foi feito de uma maneira inovadora. Além
disso, della Porta empregou formas como a voluta (posicionada
na parte superior da fachada), que sequer existia no passado
clássico. No entanto é preciso ressaltar que, essas composições
aparentemente anticlássicas, não são meros caprichos, e estão,
na verdade, a serviço da composição formal do edifício, e de uma
melhor organização da estrutura da edificação. Isso significa
que aqueles artistas e arquitetos do período não faziam essas

27
Unidade I

invenções e modificações arbitrariamente. Eles reconheceram


e exploraram a capacidade de invenção que se transformaria
mais tarde, com as devidas diferenças conceituais, em uma das
buscas mais intensas nas artes plásticas e na arquitetura a partir
do início do século XX: a obsessão pela novidade.

A fachada da Igreja Il Gesù (cerca de 1564), feita por Giacomo


della Porta é representativa da utilização dos elementos clássicos
de maneira anticlássica, característica maneirista. Nota-se o
frontão e o entablamento com reentrâncias e saliências e as
pilastras duplas na parte superior. Na parte inferior, percebem-
se os plintos e pilastras duplas, com portal com colunas e
pilastras e frontão sob um arco. A maneira de compor todos
esses elementos abre as possibilidades de busca do movimento
desenvolvido e aprimorado no Barroco. As volutas e as imagens
em nichos quebram a bidimensionalidade do plano da fachada.
Mas, o mais importante, é que a planta da igreja passa a ter nova
forma, isto é, planta em nave única, que será adotada em todo o
período Barroco. Por isso, Il Gesù, obra maneirista, é a precursora
das inovações barrocas.

Foto da fachada da Igreja Il Gesù em Roma, Itália.9

9
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Il_Gesu.jpg>.
Acesso em: 31 jan 2011.

28
HISTÓRIA GERAL DA ARTE

Na pintura, assim como na arquitetura, os artistas também tiveram


que recorrer a novos métodos de trabalho que se aprofundaram no
século XVII: a ênfase sobre a luz e a cor; o desprezo pelo equilíbrio
simples e a preferência por composições mais complicadas. Começa,
também no século XVI, um costume na sociedade, que até então
não havia anteriormente. Iniciava-se a prática do debate sobre a arte
e os seus movimentos, inclusive com questões sobre hierarquia (qual
obra era a melhor dentre outras).

A representação naturalista escolhida por Caravaggio adota


como modelo a realidade mais fiel possível à cena, e utiliza
uma luz artificial, que ilumina de forma conceitual o espaço da
composição de maior importância para o tema do quadro. Por
isso, a luz incide de fora sobre a figura de São Pedro, captando
com nitidez sua atitude diante do martírio de ser crucificado. A
luz, dessa forma, auxilia Caravaggio a transmitir sua mensagem
com veracidade. O santo tem uma expressão, entre temerosa
e surpresa, que está muito distante da exaltação mística dos
santos barrocos. Neste quadro, o personagem foi introduzido ao
seu drama, e sua instabilidade emocional é a melhor prova de
que se trata de um homem real.

Michelangelo Merisi (Caravaggio) - Crucifixão de São Pedro (1601)10


Igreja de Santa Maria Del Poppolo, Roma, Itália.

10
Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/0/03/Caravaggio-Crucifixion_of_Peter.jpg>. Acesso em: 31 jan
2011.

29
Unidade I

É possível apreciar as qualidades de uma composição de


uma obra de arte mesmo que não se conheça a história ou tema
representado. Basta observar como os elementos que compõem
a pintura, escultura, alto ou baixo relevo, desenho, ou qualquer
outro suporte, estão organizados e direcionam o olhar do
observador.

Resumindo

Principais características do Barroco:

• na pintura, há uma valorização dos contrastes intensos,


para aumentar a dramaticidade das cenas;

• na arquitetura, a manipulação das formas clássicas


não utiliza referências rígidas, havendo até mesmo a
criação de novas formas, que não existiam no passado
clássico. A composição plástica do edifício é mais
importante do que o uso de regras antigas;

• a Igreja católica, para se recuperar do enfrentamento


com o Protestantismo, utiliza a arte e a arquitetura
para difundir suas ideias.

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