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MARCO AURÉLIO PADOVAN JR.

Guia Básico de História da Arte

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Sumário
Introdução

Capítulo 1: Teoria da Arte

Capítulo 2: Nascimento da Arte

Capítulo 3: Arte Mesopotâmica

Capítulo 4: Arte do Egito Antigo

Capítulo 5: Arte Pré-Colombiana

Capítulo 6: Arte da Grécia Antiga

Capítulo 7: Arte da Roma Antiga

Capítulo 8: Arte Paleocristã

Capítulo 9: Arte Bizantina

Capítulo 10: Arte Românica

Capítulo 11: Arte Gótica

Capítulo 12: Arte Islâmica

Capítulo 13: Arte Renascentista

Capítulo 14: Difusão do Renascimento

Capítulo 15: Arte Barroca

Capítulo 16: Barroco no Brasil

Capítulo 17: Arte Africana

Capítulo 18: Arte Neoclássica

Capítulo 19: Arte Acadêmica no Brasil

Capítulo 20: Arte Romântica

Capítulo 21: Arte Realista

Capítulo 22: Arte Moderna

Capítulo 23: Arte Impressionista

Capítulo 24: Arte Pós-Impressionista

Capítulo 25: Arte Simbolista e Decorativa

Capítulo 26: Nabis e Fauves

Capítulo 27: Vanguardas

Capítulo 28: Cubismo


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Capítulo 29: Futurismo e Expressionismo

Capítulo 30: Abstracionismo

Capítulo 31: Dadaísmo

Capítulo 32: Surrealismo

Capítulo 33: Escultura Vanguardista

Capítulo 34: Modernismo Brasileiro

Capítulo 35: Arquitetura Moderna

Capítulo 36: Art Nouveau

Capítulo 37: Arquitetura Moderna Brasileira

Capítulo 38: Arquitetura do Pós-2º Guerra

Capítulo 39: Arte do Pós-2º Guerra

Capítulo 40: Abstração Expressiva

Capítulo 41: Objetividade Geométrica

Capítulo 42: Pop-Art e Semelhantes

Capítulo 43: Arte Experimental

Capítulo 44: Arte Brasileira do Pós-2º Guerra

Capítulo 45: Novas Artes

Capítulo 46: Arte e Sociedade

Capítulo 47: Escultura

Capítulo 48: Cerâmica

Capítulo 49: Análise Arquitetônica

Capítulo 50: Mosaico

Capítulo 51: Artes Decorativas

Capítulo 52: Artes Aplicadas

Capítulo 53: Análise de Pinturas

Capítulo 54: Desenho

Capítulo 55: Técnicas Pictóricas

Capítulo 56: Artes do Metal

Capítulo 57: Gravura

Capítulo 58: Produção Contemporânea

Capítulo 59: Destino da Arte


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Capítulo 60: Urbanismo

Capítulo 61: Conservação e Restauração

Bibliografia

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Introduçáo
Este livro faz parte da minha coleção intitulada Guia Básico, sendo resultado de seis anos como professor
de Ciências Humanas, onde cada palavra, cada frase e cada texto fazia parte dos textos que eu destinava
aos alunos.

A obra é voltada para quem tem interesse em adquirir uma visão panorâmica e a partir disso, formular um
panorama sobre a história da arte e suas principais técnicas, além da reflexão sobre a posição dela na soci-
edade atual.

Cabe aqui esclarecer que o livro não se destina a pesquisadores acadêmicos, embora utilizemo-nos de vá-
rias contribuições mais inspiradoras e apropriadas ao propósito da obra.

O leitor atento logo perceberá as vantagens e desvantagens de um projeto como este, que tende a apre-
sentar um volume maior de informações, abordadas, porém com menos profundidade. Daí a extensão da
bibliografia, sugerida e relacionada no fim do livro.

A presente edição consta em sequência da evolução artística do mundo ocidental através do tempo, co-
meçando pelos rituais das tribos primitivas até as tendências contemporâneas. Vale ressaltar que particu-
laridades da arte oriental e da arte africana ganham protagonismo apenas complementando a inspiração
da arte ocidental. Cada tendência artística ganha espaço com pelo menos um capítulo dedicado a ela, sen-
do que ao final, capítulos que discutem o processo criativo dos mais variados tipos artísticos.

Espero que meu trabalho sirva para ajudar no entendimento das diferenças correntes artísticas, e, sobre-
tudo, respeitá-las, seja para estudantes do Ensino Médio, Graduação ou até mesmo quem tem interesse
em aprender mais sobre a história da arte ocidental.

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Cápítulo 1 – Teoriá dá Arte
Como definir a arte? As respostas são tão numerosas quanto variadas, e nem mesmo os teóricos entram
em acordo sobre elas. Os fatores que influenciam a avaliação de um objeto como obra de arte são bastan-
te variados e dependem muito dos padrões estéticos com que cada época avalia a criação artística.

A) Apreciação Estética
Em linguagem coloquial, quando se fala de arte em referência à atividade humana dedicada à criação de
coisas belas, está-se diante de um termo fácil de definir, universalmente compreensível e historicamente
imutável. Mas a arte, no entanto, é um conceito bem mais complexo, cujos sentido, conteúdo e alcance
podem ser bastante variáveis, tanto no espaço quanto no tempo.

O principal problema para definir a arte, portanto, é a própria noção desse termo em determinado contex-
to cultural, isto é, a existência – ou não – de um processo que conduz à criação de um objeto belo, com
todas as suas implicações teóricas, técnicas, pessoais e sociais, consequência da apreciação da beleza como
parte essencial do resultado. Mas também é possível qualificar como arte objetos ou processos criativos de
outras épocas ou civilizações, julgamento esse realizado à margem da avaliação concreta que teve para seu
autor ou para a sociedade à qual pertencia. A mera apreciação estética posterior desse objeto ou processo
já é suficiente para que seja intitulado como arte. Tal qualificação é que possibilita hoje chamar de arte
obras pré-históricas, em outras épocas consideradas primitivas.

B) Teoria do Belo
A condição humana está ligada à produção e ao uso de objetos, que são, por sua vez, fruto de um pensa-
mento e de um processo de elaboração. Qualquer objeto está associado a determinadas funções e neces-
sidades, sejam elas materiais ou espirituais.

Tudo aquilo que tem acompanhado os seres humanos desde seu aparecimento sobre a Terra – do minús-
culo ao gigantesco, do mais primário ao mais complexo, do mais prático ao mais transcendente, do mais
necessário ao mais circunstancial, do mais perene ao mais perecível – foi convertido em testemunho ex-
pressivo de um modo de conceber, individual e socialmente, a vida, cuja eloquência é maior para quem
sabe analisar esse testemunho.

Quando se reflete sobre qualquer desses objetos, em virtude de sua beleza, bem como por meio da pessoa
que os criou ou da sociedade a que se destinou, tem-se uma definição do que é uma obra de arte.

A disciplina que se preocupa em definir teoricamente a beleza denomina-se Estética. Cada época – assim
como cada ser humano – tem valores estéticos próprios, essenciais para que se compreendam as diretrizes
gerais das obras de arte produzidas durante o período.

Esses valores estéticos reúnem questões muito variadas, que vão desde a preferência por certas formas,
cores, volumes e espaços até a adequação a determinados usos e funções. A beleza de um objeto concen-
tra valores sensoriais, mais ou menos intuitivos, e valores intelectuais, ligados aos anteriores; a síntese de
ambos produz determinada emoção artística.

C) Ideia de Arte

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Os antigos gregos foram os primeiros a considerar a beleza como um critério para a valoração das coisas.
Para eles, a contemplação do belo produzia um prazer espiritual à parte – ou além – da dimensão funcio-
nal, representativa ou simbólica dos objetos. Eles acreditavam que a beleza era um ideal baseado na apli-
cação de princípios como a ordem, a simetria, a regularidade e a correspondência entre as partes (propor-
ção).

No Ocidente, o chamado “modelo clássico” da Grécia Antiga tem sido uma referência, mais ou menos pre-
sente, em muitos movimentos da história, caso do Renascimento, do Neoclassicismo e até mesmo de al-
guns momentos da arte contemporânea. Com o fim do Mundo Antigo e a propagação do cristianismo du-
rante a Idade Média, outros modelos de sensibilidades e avaliação artística foram sendo criados. Nesse
período, o expressivo, o inato e o singular eram mais destacados do que o sereno, o elaborado e o univer-
sal.

No século XVIII, à medida que o ser humano conquistava novas fronteiras físicas e intelectuais, ele também
começou a empreender a sistematização das reflexões teóricas sobre arte (estética) e sobre sua evolução
formal (história da arte). A organização do pensamento artístico gerou correntes teóricas diversas e serviu
para tornar mais claros os temas essenciais da arte: a individualidade e a consciência do artista, que ti-
nham começado a ser reconhecidas no Renascimento; os modos de produção; a difusão; os objetivos; a
conservação e o colecionismo.

As várias propostas artísticas produzidas ao longo do século XX – novas matérias-primas, objetos e atitudes
– passaram a ser chamadas de arte, o que contribuiu muito para o enriquecimento do conceito do que seja
uma obra de arte. Essa ampliação de conceito foi estendida ao passado. Quando nos perguntamos por que
nos interessamos por estas ou aquelas obras, criadores ou circunstâncias, sempre partimos de uma pers-
pectiva atual, que determina o que qualificamos como artístico. A arte é, hoje, um conceito aberto, ainda
que nunca se possa perder de vista sua dimensão histórica. Toda obra de arte tem, em última instância,
algo de indescritível em sua caracterização como tal.

D) Valor Artístico
A dimensão de “artisticidade” que concedemos a determinados objetos supõe que os avaliemos a partir de
um valor que eles não tinham em si mesmos antes desse juízo. Esse valor, que chamamos “artístico”, não
depende dos materiais empregados, ainda que sejam tão valiosos como o ouro, nem da importância eco-
nômica que recebem por meio de mecanismos de mercado, o que inclui, até certo ponto, a antiguidade e o
estado de conservação.

No entanto, os ideais estéticos que cada época utiliza para hierarquizar as formas ou modos de conceber a
criação artística são muito importantes; e são decisivas as avaliações que épocas posteriores estabelece-
ram sobre esses valores, em especial a época contemporânea, porque dessa maneira eles ganham uma
perspectiva histórica que tangencia os problemas do presente. Assim, compreendemos que o valor artísti-
co é como o gosto: mutável. A tarefa do historiador da arte é descobrir os mecanismos que norteiam todo
esse processo ao longo do tempo.

E) Valorização da Arte
Aquilo que classificamos como obra de arte não pode ser qualificado apenas pelo seu alcance social, nem
julgado exclusivamente pelo respeito que mereceu de seus contemporâneos. Mas esses dois fatores reve-
lam uma dimensão crucial do fenômeno artístico.

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A valorização dos objetos em virtude de sua beleza teve origem na Grécia Antiga, mas foi a partir do Re-
nascimento que o exercício da atividade artística começou a desempenhar papel essencial na história. Ar-
quitetos, escultores e pintores passaram a ter mais importância na sociedade, assim como a proteção e o
estímulo a suas obras por meio do colecionismo.

Nos dias atuais, a arte ganhou papel estratégico. Isso se deve ao fato de os debates teóricos terem se in-
tensificado muito nos séculos XVIII, XIX e XX, à progressiva ampliação das variadas expressões artísticas,
incomparavelmente mais difundidas do que em qualquer época anterior, sobretudo no que diz respeito às
possibilidades de criação e apreciação. No entanto, além de sua valorização como obra de arte, as peças de
antigas civilizações, que hoje consideramos manifestações artísticas, cumpriram funções concretas, muitas
vezes decisivas, na vida pessoal e social dos indivíduos ao longo da história.

Na Pré-História, por exemplo, a criação está associada, com frequência, a uma atividade ritual. No Mundo
Antigo e Medieval, a religião, fortemente relacionada com a política, constitui fator consubstancial do fazer
artístico: por isso, a arte não pode ser compreendida sem que se entendam também as crenças coletivas e
os mecanismos econômicos e culturais da época. Essa vinculação da arte com o poder supõe determinado
modo de implicação da sociedade no processo criativo: a arte pode ser entendida como linguagem social,
que expressa conteúdos vigentes em determinada sociedade.

A importância das dimensões religiosa e política na compreensão das obras de arte não pode ser descarta-
da na Idade Moderna, mas tal período marca o momento em que as obras começam a ganhar, pouco a
pouco, valor autônomo.

A autonomia estética da obra de arte tem seu ponto alto no século XX, quando a secularização e a demo-
cratização da sociedade proporcionam uma liberdade de conceitos para a arte como nunca antes visto. De
um lado, favorece que muitas formas de criação artística se transformem em instrumentos de reflexão
sobre qualquer aspecto do ser humano, como maneira de escapar da uniformidade intelectual e estética
de um mundo globalizado; de outro, os meios de comunicação de massa constroem linguagens coletivas
que contribuem poderosamente para a unificação – mas também para o questionamento – de nossos con-
ceitos sobre a vida.

F) Historiador da Arte
Como objetos autônomos, as obras de arte são acrescidas de novos valores ao longo do tempo, que se
sobrepõem ao sentido primitivo e chegam eventualmente até a ocultá-lo. A missão do historiador da arte é
recuperar as diversas perspectivas que precisam ser adotadas para entender as peças no decorrer de sua
existência. Por isso, a presença das obras de arte no mundo que nos cerca é tão importante como as fun-
ções históricas concretas que, mais ou menos modificadas, foram mantidas até os dias atuais. As obras de
arte que, por motivos diversos chegaram até nós, formam parte da atualidade: constituem o que se chama
de patrimônio artístico. Esse patrimônio atua diretamente sobre nosso conhecimento histórico e, ao mes-
mo tempo, sobre nossa sensibilidade. Cabe ao historiador da arte estudar e difundir os objetos artísticos,
preservando assim sua integridade estética.

G) Conceito de Museu
O museu é o lugar onde estão guardadas coleções de objetos artísticos, científicos ou de outro tipo, em
geral de valor cultural, convenientemente organizados para que sejam observados. Não existem museus
apenas de arte, mas de todo tipo, como científicos, etnográficos e botânicos.

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Embora o hábito de colecionar exista desde a Antiguidade, somente a partir do século V a.C. há registros
de exposições públicas de coleções de objetos. Na Roma Antiga, era comum a exposição de peças de todo
tipo, saqueadas pelo exército na conquista de outras regiões. Sabe-se que o colecionismo de livros, está-
tuas de bronze e outros objetos artísticos era muito apreciado pela elite romana.

A Itália Renascentista é a origem dos museus de hoje. O humanismo fundamentou a ideia de cultivar e ex-
por as coleções. Vasari, fundador da historiografia artística, foi o primeiro a realizar um projeto para a
construção de um edifício cuja utilização exclusiva seria a de museu: o Palácio Uffizi, em Florença.

Em toda a Europa, o colecionismo foi usado para reforçar o prestígio da monarquia; Francisco I é conside-
rado o pioneiro dessa prática no início do século XVI. Durante os séculos XVI e XVII, os reis, a aristocracia, a
Igreja e os burgueses se transformaram em colecionadores apaixonados e construíram as bases para os
futuros museus nacionais.

O colecionismo reunia grande diversidade de objetos artísticos, o que provocou o surgimento de museus
bastante variados: de pintura, arqueológicos ou temáticos.

Há inúmeros exemplos: na Espanha, as coleções mais importantes de pintura foram organizadas pela di-
nastia dos Astúrias; na Holanda, o colecionismo foi obra da burguesia, embora em Flandres os aristocratas
tenham sido os maiores colecionadores. A Inglaterra também viveu um auge do colecionismo na corte, que
atingiu seu ponto máximo com Carlos I. O rei reuniu importante coleção de pintura, mas essas peças foram
dispensadas após a Revolução de 1648.

H) Museus Históricos
Até o século XVIII só existiam museus privados, acessíveis apenas à elite. A ideia de que o povo poderia
desfrutar das coleções guardadas naquelas instituições surgiu como produto da renovação ideológica pro-
posta pelo Iluminismo.

O primeiro museu público da Europa foi o Museu Britânico, em Londres, que abriu as portas ao público em
1759. O Museu do Louvre, em Paris, foi fundado em 1791 pelo governo republicano instaurado durante a
Revolução Francesa.

No Brasil, a chegada da Missão Artística Francesa, em 1816, foi um marco fundamental para a arte. Chefia-
da pelo literato e crítico de arte Joachim Lebreton, ela trouxe ao Rio de Janeiro os pintores Jean-Baptiste
Debret e Nicolas Taunay e o arquiteto Grandjean de Montigny, entre outros. Dois anos depois, o vice-rei
Luiz de Vasconcelos autorizou a construção do Museu de História Natural, hoje Museu Nacional, na Quinta
da Boa Vista. Em 1826, foi inaugurada a Academia Imperial de Belas Artes, que deu origem ao Museu Naci-
onal de Belas Artes.

I) Museus Contemporâneos
No século XX, as vanguardas artísticas passaram a criticar a antiga ideia de museu, considerando-o lugar
morto, onde a arte perderia seu vigor. A partir disso, hoje promove-se um “renascimento” e uma reestru-
turação da ideia de museu. Prevalece a ideia de um museu interativo, onde o público relaciona-se direta-
mente com o que está exposto. Um bom exemplo brasileiro é o Museu da Língua Portuguesa, em São Pau-
lo.

Nas últimas décadas, as fundações e os museus de arte contemporânea mais importantes do mundo, co-
mo o Museu de Arte Moderna (MoMA), de Nova York; o Centro Georges Pompidou, em Paris; o Centro de
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Arte Rainha Sofia, de Madri, e o Museu Guggenheim, em Bilbao, têm voltado sua atenção para os movi-
mentos artísticos mais recentes.

Nessa reestruturação dos museus, as instituições têm valorizado não só as peças consideradas artísticas,
mas também produções como moda, artes gráficas e vivências pessoais. No Brasil, a proposta do Museu da
Pessoa, por exemplo, é valorizar a memória social, registrando a história de vida de qualquer pessoa que
deseje compartilhar suas experiências e vivências.

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Cápítulo 2 – Náscimento dá Arte
As primeiras manifestações artísticas estão relacionadas com os aspectos essenciais da condição humana,
como a subsistência e a morte.

A) Arte na Pré-História
A arte pré-histórica engloba as manifestações gráficas e materiais realizadas no início da evolução cultural
do ser humano, em sociedades que não contavam ainda com escrita, tampouco com desenvolvimento téc-
nico complexo. Mas a partir delas descobre-se uma vontade artística intensa e criativa, muito vigorosa, que
revela valores ancestrais curiosamente ligados à percepção estética contemporânea. Fruto dessas socieda-
des, a arte pré-histórica é famosa por suas pinturas rupestres deixadas nas paredes de cavernas e nos abri-
gos rochosos. Posteriormente, as primeiras civilizações históricas se desenvolveram no Egito, na Mesopo-
tâmia e nas Américas.

Ao longo de milhares de anos, no período da história da humanidade conhecido como Paleolítico ou Idade
da Pedra Lascada, a espécie humana trabalhava objetos de sílex: recolhia pequenas pedras e as golpeava
até conseguir a forma desejada. Obtinha desse modo, machados, punhais, raspadeiras ou pontas de flecha,
reveladores de um desejo de alcançar a perfeição técnica. Tais objetos utilitários eram destinados em sua
maior parte a tarefas de subsistência, especialmente à caça, essencial ao modo de vida do período.

As cavernas eram aproveitadas para moradia, locais, portanto, em que foram encontrados muito dos res-
tos mortais dos habitantes desse período. O homem pré-histórico também recolhia coisas de formas e co-
res atraentes, como cristais, minerais e fósseis, e os levava às cavernas como amuletos ou os colocava jun-
to a seus mortos. A manipulação desses objetos, como, por exemplo, incisões em pedaços de ossos, já é
reconhecida como uma embrionária experiência artística.

À última fase do período Paleolítico, entre os anos de 35.000 a.C. e 8.500 a.C., chamada Paloelítico Superi-
or, correspondem as manifestações artísticas mais avançadas, que podem ser divididas em dois grandes
grupos: arte portátil ou arte mobiliar, que compreende objetos transportáveis; arte rupestre ou parietal,
referente às representações feitas nas paredes de cavernas.

B) Peças Mobiliares
Os objetos mais chamativos são as estatuetas de dimensões reduzidas (entre 5 e 25 cm), feitas de pedra,
que representam mulheres com formas arredondadas, em que se destacam as partes do corpo relaciona-
dos à procriação: seios, nádegas púbis e quadris. A cabeça não contém o rosto e os membros são muito
reduzidos ou inexistentes. As estatuetas mais conhecidas são as chamadas Vênus de Lespugue e de Wil-
lendorf, consideradas oferendas para favorecer a fecundidade da tribo. São, por isso, um símbolo da ma-
ternidade.

São também desse período as esculturas de animais e peças talhadas em osso ou marfim, como facas, pin-
gentes e bastões, que apresentam desenhos nas superfícies, com caráter simbólico.

C) Pintura do Paleolítico Superior


Várias cavernas da Cantábria, como a de Tito Bustillo, nas Astúrias, e a de Altamira, todas elas na Espanha,
bem como as do sul da França, como a de Lascaux, abrigam pinturas parietais.
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Para obter os pigmentos, utilizavam-se carvão e sangue, além do óxido de magnésio, com o qual se conse-
guiam tonalidades violáceas, e também se usava óxido de ferro, para produzir uma gama de cores entre o
vermelho e o ocre. Outro procedimento, chamado de estigma, baseava-se na utilização de um molde sobre
a rocha – a mão, por exemplo –, o que permitia a reprodução de sua silhueta com a tinta, em positivo ou
negativo. Em alguns casos, contornava-se a figura com um buril.

Apesar de as figuras humanas serem bastante esquemáticas, as de animais, na maioria dos casos bisões e
cavalos, surpreendem pelos recursos empregados, como o aproveitamento do relevo ou a gradação de
tonalidades para sugerir volume, o que demonstra uma intenção naturalista. Ainda que muitas das ima-
gens sejam bastante simples, desenhadas em perfil, há também aquelas mais complexas, como as que re-
correm à chamada perspectiva torcida, baseada em dois ou mais pontos de vista simultâneos na mesma
figura representada.

A interpretação dessas pinturas, porém, é conjectural. Imagina-se que compunham parte de um ritual de
magia, a exemplo da representação de um animal como forma de propiciar o êxito na caça. Alguns pesqui-
sadores, entretanto, já sugeriram que o cavalo e o bisão poderiam significar conceitos opostos: o masculi-
no e o feminino. Essas figuras fariam parte, consequentemente, de um ritual de fertilidade.

D) Pintura Levantina do Epipaleolítico


No final do Paleolítico Superior, há cerca de 11 mil anos, a Terra começou a sofrer uma transformação cli-
mática, com elevação de temperatura, o que transformou a vegetação, a fauna e os costumes humanos. O
período compreendido entre o Paleolítico Superior e o Neolítico, entre 8.500 e 5.500 a.C., que engloba
culturas ainda tradicionais, denomina-se Epipaleolítico.

As pinturas desse período, algumas encontradas ao leste da península Ibérica, são muito esquemáticas e
quase monocromáticas, realizadas em abrigos rochosos, abertos ao exterior. Possuem um caráter narrati-
vo: contam a vida da tribo, com suas diferenças de gênero e distintas atividades, como a caça e a extração
do mel.

E) Revolução Neolítica
A chamada Revolução Neolítica estendeu-se pela Ásia Anterior, norte da África e sul da Europa entre 7.000
a.C. e 3.500 a.C., chegando mais tarde a outras regiões. Houve uma transformação radical nos modos de
vida: as populações passaram a agrupar-se em aldeias, tornando-se sedentárias, as terras começaram a ser
cultivadas e os animais domesticados. Produziram-se objetos mais complexos em cerâmica, metalurgia,
tecidos e pedra polida. A religião, que em grande medida determina as formas artísticas, estava dominada
pelo culto às forças da natureza e aos mortos.

F) Construções Megalíticas
Na Europa Ocidental, ergueram-se as primeiras construções de pedra, reveladoras de complexa organiza-
ção social e religiosa. Chamam-se megálitos, termo grego que significa “grandes pedras”, por conta do ta-
manho das peças com as quais eram feitas as construções.

A forma mais simples é o menir, composto de peça única de pedra, alargada e cravada verticalmente sobre
o solo, com altura variável. Às vezes, os menires aparecem dispostos em fila, provavelmente em função da
existência de um campo sepulcral ou como culto ao Sol, já que estão devidamente orientados na direção
leste-oeste. Os mais famosos são os de Carnac, na Bretanha, França.
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G) Sambaquis
Entre 4.500 a.C. e 500 d.C., uma série de grupos nômades, ainda pouco conhecida por arqueólogos e pes-
quisadores, estabeleceu-se nos litorais do sul e sudeste do Brasil e, nos atuais estados da Bahia, Alagoas,
Piauí e Maranhão, e também ao norte da Baía de Todos os Santos e nas terras do baixo Amazonas e do
Xingu.

Caracterizados por forte dependência do ambiente aquático, esses grupos tinham como principais ativida-
des a pesca e a coleta de moluscos. Sua característica mais marcante, porém, era a construção de eleva-
ções arredondadas, feitas com conchas e ossos de animais e, eventualmente, frutos e sementes. Esses sí-
tios arqueológicos, chamados sambaquis, eram utilizados para várias atividades e rituais, como o sepulta-
mento, a moradia e a armazenagem de restos de alimentos para a dieta do dia-a-dia.

Os primeiros pesquisadores acreditavam que os sambaquis resultavam da ação da natureza. Mais tarde,
acreditou-se neles como meros locais de descarte, sem significado simbólico algum. Hoje, acredita-se que
tais elevações eram fruto de trabalho meticulosamente ordenado que objetivava dar-lhes sentido simbóli-
co e ritualístico, além de constituí-los como marcos da paisagem.

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Cápítulo 3 – Arte Mesopotámicá
Entre os séculos IX a.C. e IV a.C., desenvolveram-se sucessivamente no Oriente Médio três grandes impé-
rios, todos com marcantes características artísticas. Na Mesopotâmia desenvolveram-se várias culturas,
cada uma com evolução e características independentes.

A) Contexto
No Oriente Médio, em particular na região dos rios Tigre e Eufrates, uma zona de grandes possibilidades
agrícolas chamada Mesopotâmia – que em grego significa “entre rios” –, surgiram complexas sociedades
urbanas, desenvolvidas em paralelo à história egípcia. Sucessivas civilizações viveram nessa região, ainda
que cada uma delas tivesse suas próprias singularidades. As manifestações artísticas dessas sociedades
revelam a complexidade da estrutura social e a estreita relação entre poder político e religioso.

Apesar da variedade cultural e política, algumas culturas exerceram sucessivamente o controle sobre a
Mesopotâmia, reconhecendo-se certa herança de umas sobre as outras. No que diz respeito à arte, exis-
tem alguns traços comuns, relacionados aos grandes poderes que articulavam a sociedade. De um lado, os
deuses, ligados às forças da natureza, que o ser humano contempla com reverência e temor. De outro, os
reis, que ostentam um poder intermediário. Nesse sentido, a arte é produzida para templos e palácios.

B) Arquitetura
Os sumérios situaram as bases de sua arquitetura na Mesopotâmia, cuja primeira construção característica
foi o templo, o Eanna ou casa do céu. O material utilizado era o tijolo de adobe, sem cozimento, com o
qual se formavam grossas paredes capazes de sustentar cargas elevadas. No exterior, tinha a forma de um
paralelepípedo, maciço, eventualmente com decoração de formas geométricas. Os sumérios também co-
nheciam o arco de meio ponto e a abóbada.

Mas a construção religiosa mais característica é o templo-torre chamado de zigurate, que deve estar rela-
cionado à bíblica “Torre de Babel”. Trata-se de uma estrutura de vários terraços, com paredes em talude e
rampas de acesso, de imponente valor simbólico. Sua silhueta dominava as cidades.

C) Arte Figurativa
O desenvolvimento de uma arte figurativa entre os sumérios está ligado, muitas vezes, à comemoração
política, por sua vez relacionada com a recordação de algum feito histórico.

Destacam-se os relevos denominados “estelas”, onde se representavam cenas em faixas, com as figuras no
mesmo plano, sendo o corpo de frente e a cabeça e os pés de perfil. É o caso da Estela de Umanshe, de 40
centímetros de altura, em que o rei Umanshe de Lagash aparece em duas cenas: numa delas, como cons-
trutor; na outra, presidindo uma festa sagrada. A peça era perfurada para que pudesse ser fixada à parede
de um templo.

De tamanho maior é a chamada Estela dos Abutres, de 180 centímetros, que comemora a vitória do prínci-
pe Eannantum de Lagash sobre a cidade de Umma.

Também tiveram importância entre os sumérios os selos cilíndricos, que deixavam uma marca de compri-
mento indefinido sobre uma substância mole, do tipo da argila, assim como os objetos suntuários como o

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Estandarte Real de Ur, uma placa de concha e calcário sobre fundo de lápis-lazúli, representando cenas de
guerra.

Da época acadiense é a Estela de Naramsin, com modelagem mais cuidadosa e a preocupação em ambien-
tar de maneira naturalista a cena comemorativa da vitória do rei, protetor de seu povo, sobre os lulubitas.
Naramsin, de poderosa anatomia e representado em tamanho maior que seus soldados, porta um capace-
te de chifres, até então exclusivo dos deuses.

À época paleobabilônica corresponde a Estela de Hamurábi, que contém o primeiro código legal escrito,
gravado sobre diorito.

D) Escultura Isolada
As primeiras peças dos sumérios são figuras de deuses, cujo modelo escultórico mais conhecido da época
neossuméria é a estátua de Gudea, chefe político-religioso ou patesi de Lagash. Trata-se de figuras com-
pactas, robustas e maciças, que obedecem a uma intenção sintética, realizadas em diorito negro. Repre-
sentam a figura sentada do princípe-sacerdote, em atitude recolhida, com as mãos enlaçadas. Sobre as
pernas há um plano de um templo, desenhado em tábua, modo escolhido para apresenta-lo como devoto
construtor de templos. Em sua túnica aparecem textos gravados, alusivos à construção.

Também se conhecia na Mesopotâmia a técnica da fundição em bronze, como revela a Cabeça de Na-
ramsin, da época acadiense, obra de grande maestria, com materiais preciosos incrustados, que transmite
uma imagem quase sobrenatural desse rei.

E) Esculturas e Relevos Assírios


A capital assíria localizava-se na parte alta do rio Tigre, em Asur, nome da cidade, do deus principal e do
povo, com vários momentos alternativos de domínio sobre a área. Artisticamente, destaca-se o chamado
Novo Império (883 a.C.-612 a.C.), ao qual se segue um novo controle da Babilônia, conquistada em 539 a.C.
pelos persas que, oriundos do leste, impõem sua autoridade na região.

Os assírios formaram um povo com uma personalidade bastante forte, marcada pela rigidez e violência.
Chegaram a estabelecer um império poderoso, regido a partir do palácio do soberano, como o da cidade
de Kalakh, eleita capital por Assurbanipal II no século IX a.C. Encontrava-se inserido em cidadela murada,
cujo elemento artístico mais interessante é a singular decoração escultórica. A cidade-palácio do rei Sargão
II, do final do século VIII a.C., era Dur Sharrukin, ou Fortaleza de Sargão, hoje Khorsabad, ao qual dedicou
os últimos anos de sua vida, erguendo muralhas de extraordinária espessura e, provavelmente, abóbadas
de tijolos. As portas aparecem protegidas por animais reais ou imaginários, que encarnam diversos pode-
res, como o lamasu, touro alado androcéfalo, guardião de portas, símbolo de poder e força, relacionados à
autoridade a que defendiam. Com suas características cinco patas e a barba ondulada, própria dos reis,
impõem-se pela monumentalidade, fundindo-se arquitetura e escultura.

As paredes das salas principais do palácio eram cobertas por placas de alabastros com relevos, onde se
reconhecem cenas em distintos registros. Os do palácio de Assurbanipal, em Nínive, representam episó-
dios bélicos e de caça protagonizados pelo rei, que aparece como uma figura dotada de força sobre-
humana, com a qual domina o mundo, especialmente o mundo animal. Nos relevos de Sargão, em Khorsa-
bad, de tema bélico, aparecem cruéis castigos impostos aos vencidos. São relevos que remetem a um de-
senho mais esquemático, ainda que com muitos detalhes, indicativos do afã narrativo do artista que os fez.

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As figuras mais importantes, como o soberano, são monumentais. Reconhece-se um naturalismo intencio-
nalmente exagerado, com o fim de sublinhar a sensação de força e vigor, entre outras convenções repre-
sentativas, que proporcionam ao relevo assírio um estilo muito característico, bem diferenciado dentro do
mundo mesopotâmico.

F) Esplendor Babilônico
O esplendor da Babilônia do século VI a.C. constitui um episódio mítico da história, cuja grandeza e suntuo-
sidade têm sido propagadas desde a Antiguidade. A cidade era prodigiosa, com avenidas retas, adornadas
de ladrilhos com leões em relevos realizados em tijolos variados, próprios de técnica artística característica
do período. Um testemunho desse estilo é a reconstruída Porta de Ishtar, com seus volumes rotundos e
grandiosos, cuja superfície está decorada com ladrilhos coloridos em relevo. De efeito deslumbrante, era
símbolo de um poder amável e próspero, muito distante da brutalidade assíria.

G) Arte Persa
Os persas tinham o centro de sua cidade na região montanhosa ao leste da Mesopotâmia. Essas terras en-
tram em contato com o mundo grego e, em definitivo, com a história do Ocidente. O Império Persa conso-
lida-se com Ciro II, o Grande, que anexa o território da Babilônia. Até o reinado de Dario I, que morre no
ano 486 a.C., desenvolvem-se as formas artísticas mais características.

O centro da vida política persa é o palácio, que Dario I estabeleceu em Persépolis e cuja construção foi con-
tinuada por seus sucessores. Cabe destacar três de seus aspectos:

• A decoração, que reúne a tradição assíria na utilização de touros alados androcéfalos, nesse caso
com quatro patas, como guardiões, e a decoração de relevos, com cenas da corte, nas quais o rei é
representado sempre em maior tamanho.
• A monumentalidade espacial, com ambientes imensos, como a apadana, ou sala de audiências,
com colunas em grande altura.
• O emprego da pedra como elemento construtivo, com capitéis característicos em forma de cabeças
de touro, sustentando vigas de cobertura.

Outra manifestação arquitetônica bastante relevante entre os persas foi a tumba. A de Ciro II, em Pasárga-
da, onde também ergue seu palácio, tem forma de casa quadrangular, com cobertura em duas águas, so-
bre um embasamento escalonado. Seus sucessores optaram por escavar a tumba em rocha, em cuja super-
fície foi talhada uma cruz de extremidades largas, configurando uma fachada rebaixada, com pórtico, que
dá acesso à câmara funerária.

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Cápítulo 4 – Arte do Egito Antigo
Em torno do rio Nilo surgiu uma das primeiras grandes civilizações da história: o Egito dos faraós, que fas-
cinou os gregos da época de Homero.

A) Contexto
No Egito, uma população sedentária, que vivia da agricultura e da criação de gado, estava estabelecida às
margens do rio Nilo desde o período Neolítico. Ao longo de cerca de três mil anos de história, desde 3.100
a.C., desenvolveu-se ali uma civilização prodigiosa, fortemente condicionada pela geografia local, isto é,
entre o imponente deserto e as águas benéficas do rio. Os sólidos princípios da religião regiam toda a vida
no Antigo Egito e a monarquia, encarnação da divindade na terra, era a forma de governo. Como conse-
quência, a arte egípcia é imponente, surpreendente e grandiosa, revelando uma sensação de imutabilidade
e atemporalidade própria das aspirações de eternidade com as quais foi concebida.

Por volta do ano 3.100 a.C., o faraó Narmer, com a unificação do norte e do sul do Egito, inaugura a primei-
ra dinastia do Império Egípcio. Até a dominação macedônica, em 332 a.C., estabelece-se nas bordas do rio
Nilo uma civilização unitária que compreende 31 dinastias, divididas em vários períodos. Durante o cha-
mado Antigo Império (dinastias III-VI), entre 2.686 a.C. e 2.181 a.C., constroem-se as mais famosas pirâmi-
des e define-se a iconografia; durante o Novo Império (dinastias XVIII-XX), entre 1.550 a.C. e 1.069 a.C., são
erguidos grandiosos templos.

B) Religião
O desenvolvimento artístico no Antigo Egito estava determinado pelo complexo sistema religioso que regia
toda a sociedade. No topo da hierarquia religiosa encontrava-se o faraó, ser cuja natureza estava mais pró-
xima dos deuses do que dos seres humanos. As representações de deuses dividiam-se em antropomórficas
(formas humanas), zoomórficas (formas animais) ou uma combinação de ambas. Hórus, por exemplo, era o
deus falcão, Khun, o deus carneiro e Apis, o touro. Anúbis era comumente representado por um corpo de
homem e cabeça de chacal. Também possuíam importância as divindades solares, como Rá.

Esses deuses viviam nas esculturas de seus santuários. A crença na eternidade dos seres, animados ou ina-
nimados, unidos por laços indissolúveis, foi decisiva para explicar a realidade artística, absolutamente liga-
da à vida pós-morte e ao poder faraônico. A parte mais importante da alma do faraó era o ka, o espírito
vital que se separa do corpo depois da morte, permanecendo, porém junto a ele. Era por esse motivo que
se realizava a mumificação e se construía uma estátua do morto.

C) Pirâmides
Dada a importância da crença em uma vida ultraterrena, os edifícios funerários foram os mais característi-
cos. Já na Primeira Dinastia aparece a mastaba, tumba constituída exteriormente por estrutura retangular,
com paredes em talude, em que se abriga também uma capela de oferendas. Esse túmulo egípcio é ergui-
do orientado pelos quatro pontos cardeais e em seu interior encontra-se a câmara mortuária, com a mú-
mia, e o serdab, onde é guardada a estátua do ka. Fruto do desenvolvimento de túmulos primitivos, as
mastabas se agrupavam em necrópoles, espécie de cemitérios de grande extensão. Mas o edifício mais
comum à época foi a pirâmide, sepultura real típica do Antigo Império, derivada da mastaba. A pirâmide
escalonada de Zoser, em Saqara, constitui uma fase intermediária, que precede as pirâmides dos grandes

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faraós da 4° Dinastia: Quéops, Quéfren e Miquerinos, em Gizé. As características básicas são as mesmas,
embora as edificações já se apresentassem mais complexas. Do barro, passou-se aos blocos de pedra e a
minuciosos e estudados sistemas de disposição em fileiras condutoras ao centro da pirâmide. A forma de
construção apresenta notável sentido simbólico, evidenciado pela busca por relações numéricas e orienta-
ções solares.

D) Templos
Durante o Novo Império houve um amplo desenvolvimento tanto dos santuários, para atividades ritualísti-
cas, como dos templos de caráter funerário. Em relação aos últimos, configura-se o hipogeu, termo grego
que significa “debaixo da terra”. Exemplos desse tipo de templo funerário são o da rainha Hatshepsut, da
18° Dinastia, e o de Abu Simbel, dedicado a Ramsés II, da 20° Dinastia. Uma parte desses templos está es-
cavada na montanha.

Templos como o de Amon, em Karnak, eram os locais onde se realizavam os rituais aos deuses. Essas cons-
truções possuíam quatro partes fundamentais:

• Recinto amurado, com as paredes em talude, que simbolizavam as cordilheiras que cercam o vale
do Nilo, por onde aparece o deus solar Amon-Rá; em sua entrada, colocam-se estátuas, esfinges e
obeliscos.
• Pátio, geralmente rodeado de pórticos.
• Uma sala hipostila ou de colunas, muito próximas entre si, com capitéis em forma de vegetais for-
mando um bosque colunário; nessa zona, iluminada por pequenos orifícios abertos na cobertura,
são dispostos relevos decorativos.
• Santuário, onde é guardada a estátua do deus, despertado a cada manhã pelo sacerdote encarre-
gado de lhe oferecer frutos.

E) Estátuas
Embora se tenha perdido boa parte do acervo de estátuas de deuses que ficavam nos templos egípcios,
especialmente porque eram feitas de materiais preciosos, a maioria das esculturas que subsistiram até os
dias atuais representa o faraó e sua família, e destinava-se às tumbas, com o objetivo de abrigar o ka.

As características formais dessas peças são:

• A frontalidade que supõe a visão da figura de frente, percepção acentuada pela adoção de fundo
vertical em que ela se encosta.
• A rigorosa simetria do corpo respeitando um eixo.
• A inexpressividade dos rostos, que não evidencia traços particulares além de uma imponente seve-
ridade.
• O caráter sucinto e robusto da anatomia, que tende a representar traços idealizados, com os bra-
ços pregados ao corpo, caídos ou dobrados sobre a perna.
• Um evidente caráter estático da figura, que se relaciona com a ideia de eternidade.
• Algumas diferenças de gênero podem ser percebidas, como o fato de as figuras masculinas sempre
terem a perna esquerda à frente da direita, e as femininas apresentarem os pés juntos. No caso das
peças policromadas, a diferenciação apresenta-se no tom da pele – escuro nos homens, claro nas
mulheres –, como nas estátuas do príncipe Rahotep, filho do faraó Sneferu.

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• Apesar do caráter rígido e severo das representações do faraó e suas divindades, também é encon-
trado certo realismo nas estátuas. É o caso de O Escriba Sentado, em pedra calcária policromada,
uma figura mais humanizada e com expressão reflexiva, representada no momento em que realiza
seu trabalho, e do chamado Soberano do Povo, em que se reconhece um tipo humano corrente. O
estilo dessas estátuas permaneceu quase inalterado por vários séculos.

Não obstante, em algumas obras do Antigo Império há o desejo de dotar o rosto do faraó de alguma ex-
pressão, ao contrário da uniformidade do Médio Império. Unicamente no reinado de Amenhotep IV produ-
ziu-se uma transformação importante conhecida como o período de Tell-el Amarna, quando o faraó fun-
dou a nova capital e estimulou o culto ao deus solar Aton. O retrato de sua esposa Nefertiti evidencia al-
gumas novidades, como as proporções alargadas que, com outros traços da fisionomia, também são apre-
cidados por meio de relevos.

F) Iconografia
Os relevos e as pinturas que aparecem nas tumbas revelam a riqueza da iconografia egípcia: representam
principalmente crenças religiosas em cenas de banquetes funerários, com oferendas e cortejos fúnebres,
ou aspectos da vida cotidiana, como vitórias, rituais de adoração ou a criação e o cultivo de espécies ani-
mais e vegetais. Nessas cenas, há inscrições hieroglíficas, que compõem parte da decoração e conferem
significado à cena representada.

Essas inscrições eram realizadas com cuidado extraordinário. A relação entre escritura e imagem é tão es-
treita que não se pode entender uma sem a outra, como parte de um mesmo relato plástico-textual. A
forma de representar as cenas é bidimensional, por intermédio de contornos que definem a forma das
figuras e das coisas, renunciando à profundidade, ainda que às vezes ela seja sugerida por meio da repeti-
ção do perfil ou da superposição. Isso implica certos convencionalismos em relação à figura humana, como
a adoção da frente para algumas partes do corpo, como o torso e os olhos, e o perfil para a cabeça e as
pernas, além da localização da perna que está mais distante do espectador sempre à frente da outra.

As figuras principais são também maiores que as secundárias. Do ponto de vista técnico, as diferenças en-
tre relevos e pinturas são evidentes: o relevo, que por seu pouco volume denomina-se baixo-relevo, ob-
tém-se mediante a talha de uma superfície de pedra, enquanto a pintura, de caráter mural, realiza-se a
fresco, com cores diluídas em água de cal e aplicadas sobre uma camada de estuque fresco. Em seguida,
era adicionado um toque de têmpera, procedimento em que as cores se mesclam com uma cola solúvel.
Mas dado o caráter policromado do relevo e o tipo de representação linear que utiliza, ele se aproxima da
pintura: ambos devem ser considerados vinculados, tanto no que se refere à função como ao sistema de
representação. O relevo alcançou sua perfeição durante as 5° e 6° dinastias, enquanto a pintura adquiriu
grande autonomia, como especialidade, durante o Novo Império, como relevam as pinturas da tumba do
vizir Ramose.

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Cápítulo 5 – Arte Pre-Colombiáná
Bem antes de Colombo chegar à América, o continente era ocupado por povos de culturas expressivas e
singulares. Na Mesoamérica, destacaram-se olmecas, maias e astecas; na América do Sul, os povos andi-
nos, os marajoaras e os santarém.

A) Contexto
Na América, são chamadas de civilizações pré-colombianas as sociedades que, antes da chegada de Cristó-
vão Colombo em 1492, ocuparam diversas porções do território. Ao estudar povos como os sambaquieiros,
cujas origens datam de mais de quatro mil anos antes do início da Era Cristã, o historiador da arte deve
compreender que a chegada de conquistadores europeus como Colombo ou Pedro Álvares Cabral é apenas
uma etapa da longa história das Américas e que a história, a cultura e a arte de povos como os sambaquiei-
ros, olmecas, maias, astecas, mochicas, incas, marajoaras e Santarém são tão complexas quanto as das
primeiras formações culturais na Europa e na Ásia.

B) Povos da Mesoamérica
A Mesoamérica é uma macrorregião cultural de grande diversidade étnica e linguística, que inclui os terri-
tórios da Guatemala, El Salvador e Belize, o sul do México e porções ocidentais da Nicarágua, Honduras e
Costa Rica. Diversos povos de características muito distintas desenvolveram-se milênios antes da chegada
dos conquistadores europeus, mas é possível encontrar entre eles os seguintes traços em comum:

• O cultivo do milho como base da alimentação;


• O uso concomitante de dois calendários, um ritualístico (260 dias) e outro civil (365 dias);
• A realização de sacrifícios humanos em rituais;
• A construção de pirâmides escalonadas;
• Organização estatal;
• Convicção de que o mundo já passara por eras anteriores, em que tudo fora destruído, iniciando-se
uma nova era.

C) Olmecas
Dentre os diversos povos da Mesoamérica, destaca-se a civilização olmeca, considerada a “cultura mãe” do
antigo México, que de 1.800 a.C. a 600 a.C. ocupou os territórios que correspondem, na atualidade, apro-
ximadamente aos estados de Tabasco e Veracruz.

Em 1.500 a.C. surgiram os primeiros grandes centros cerimoniais olmecas, por conta do crescimento do
excedente agrícola: o excesso de produção criou classes sedentárias como os artesãos, guerreiros, sacer-
dotes e chefes, causando também um crescimento das aldeias. Esses centros eram dotados de estruturas e
edifícios piramidais, retangulares ou ovais, feito de palha, barro, areia, pedra ou madeira.

A produção de utensílios de cerâmica e, eventualmente, de jade, foi de início parte da necessidade de mai-
or armazenamento e estocagem de alimentos, mas com o tempo tal produção tornou-se intensa, propa-
gando-se entre os povos vizinhos. O traço comum dessa forma de arte era o desenho do jaguar, animal
fortemente cultuado. As imagens mais características da arte olmeca, porém, são as cabeças de enorme

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tamanho, esculpidas em blocos de rocha basáltica, que chegavam a pesar até 36 toneladas, provavelmente
transportadas de lugares distantes.

D) Maias
A civilização maia, considerada a mais notável entre as surgidas na Mesoamérica pré-colombiana, tem em
sua formação traços das culturas olmeca e zapoteca, entre outras. Desenvolveu-se principalmente entre os
anos 300 a.C. e 950 d.C., ocupando a extensa área da península de Iucatã.

As cidades maias eram construídas seguindo o desenho da topografia e cresciam conectando grandes pra-
ças com numerosas plataformas maciças que formavam a base de quase todos os edifícios. Essas praças
eram rodeadas por palácios simples e retangulares com várias salas e pátios internos, por templos, por
pirâmides escalonadas, que vistas a distância se assemelhavam a montanhas e, ocasionalmente, por cam-
pos para jogos de bola. O principal elemento das construções era a pedra calcária, extraída diretamente
dos sítios e utilizada em argamassas. Uma característica singular da arquitetura maia é a utilização de abó-
badas falsas e hieróglifos esculpidos ou pintados como motivos de decoração.

Nas pirâmides, uma escadaria central conduzia o sacerdote ao interior do santuário. Diante dela, quase
sempre se erguia um monolito rodeado de motivos simbólicos e hieróglifos. Um dos mais importantes mo-
numentos desse tipo está situado nas ruínas de Chichén Itzá.

A escultura maia era normalmente subordinada à arquitetura, sendo utilizada como elemento decorativo.
Era muito comum a instalação ao ar livre de estelas com relevos comemorativos, cujos exemplos mais no-
táveis estão em Copán e Uaxactún. As esculturas isoladas geralmente eram feitas em pedra ou estuque e
apresentavam-se em duas formas características, as figuras femininas bastante diminutas e as chamadas
pedras-cogumelo, ambas ligadas ao culto da fertilidade. As primeiras geralmente possuíam uma grande
barriga em que se apoiavam suas mãos. Já as pedras-cogumelo se associavam à fertilidade por meio de
formas fálicas simples ou hibridizadas com a figura humana.

Na pintura são importantes os murais, com técnica de afresco, sobre temas religiosos ou históricos, utili-
zando-se muitas cores. A pintura era também empregada para decorar a cerâmica e ilustrar os códices.

E) Astecas
Os astecas são a última força unificadora do México pré-colombiano, antes da colonização europeia, no
período entre 1325 e 1521. Na sucessão de povos mesoamericanos que deram origem a essa civilização
destacam-se os toltecas e os chichimecas. Também chamados de mexicas, os astecas migraram para o vale
do México, conhecido como Anahuác, no princípio do século XIII, assentando-se na maior ilha do Lago de
Texcoco (mais tarde drenado pelos espanhóis), e ao longo de batalhas nos anos posteriores foram continu-
amente conquistando cidades e anexando territórios.

Da arquitetura asteca, menos refinada que a maia, o que se conhece hoje é fruto do pouco que sobreviveu
à destruição espanhola à época da conquista e, mais ainda, do relato de conquistadores. A característica
mais marcante é a inserção de pequenos templos no alto de estruturas piramidais feitas de terra e pedra,
com escadarias que conduzem a portais. Imagens de pedra dos deuses e relevos com desenhos simbólicos
eram colocados nos templos e nas praças. Os palácios astecas eram semelhantes aos de outras culturas
mesoamericanas, caracterizados como grandes estruturas de pedra, divididas em vários cômodos, dentre
os quais, zoológicos e jardins como fontes e até mesmo lagos.

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Os astecas tingiam algodão, faziam cerâmica e ornamentos de ouro e prata e esculpiam joias em jade. Do-
minavam com perfeição as técnicas de fundição e forja de diversos metais, mas não conheciam o ferro.
Também valorizavam as plumas de aves, que serviam como adorno na ourivesaria.

F) Povos Andinos
Ocupando trechos distintos da cordilheira dos Andes e suas proximidades, os chamados povos andinos da
América Pré-Colombiana tinham como traços comuns as seguintes características:

• Intensa relação de interdependência entre os povos habitantes das diversas altitudes da cordilheira
dos Andes em virtude das dificuldades inerentes a seu sítio geográfico;
• Visão de mundo em que se valorizam as distâncias verticais e os conceitos de haman (“acima”, de-
signando vida, ordem e luz) e hurin (“abaixo”, designando morte, desordem e trevas), polaridades
complementares que não se rivalizam, proporcionada pelo contraste entre vales e montanhas,
também inerentes ao sítio;
• Princípio da reciprocidade (manay): mesmo em períodos de guerras, um povo deveria retribuir os
presentes dados por outro. Nesse sentido, dentre as trocas comerciais entre os povos, o escambo
apresenta-se de forma maciça, de forma a suprir a pouca variedade de cultivos agrícolas nas áreas
elevadas.

G) Mochicas
Ocupando os vales Pasmayo, Chicama, Moche e Virú no período que vai do início da era cristã até o ano
800, os mochicas possuíam um estado poderoso e centralizado, que controlava a produção artesanal e a
acumulação e a distribuição de alimentos.

Os mochicas apresentavam grande produção artesanal, de formatos e motivos muito variados. Com alto
grau de detalhamento e realismo, as peças cerâmicas mochicas tornaram-se, em seu período, as mais di-
fundidas entre os povos mesoamericanos. Dada a produção em larga escala, fez-se necessário o emprego
de moldes. As esculturas tinham formas humanas, animais ou híbridas, e vasos e tigelas eram dotados de
desenhos em alto-relevo que faziam alusões à caça, à pesca, ao combate, a cenas de procissão, a cerimô-
nias religiosas ou sacrifícios e a atos sexuais.

Os mochicas também se destacavam por meio de sua arte em metal: na tumba do Senhor de Sipán, os ar-
queólogos encontraram quantidade expressiva de objetos em metais preciosos, como máscaras, cetros,
brincos e ornamentos.

H) Incas
O Império Inca ocupou os territórios do extremo norte do Equador e do sul da Colômbia, todo o Peru e a
Bolívia, até o noroeste da Argentina e o norte do Chile.

Os incas chegaram ao vale de Cuzco por volta do ano de 1200, juntamente com outras etnias, e lideraram o
processo de aterramento, ocupação e cultivo das terras então pantanosas da região. No século XV, os incas
já controlavam todo o vale, confrontando-se com povos vizinhos como os inpacas, os collas, os chancas e
os icas.

A partir da capital Cuzco, o império de mais de 1 milhão de km², com mais de 200 etnias e cerca de 12 mi-
lhões de pessoas dividia-se em quatro regiões: a oeste, a região Chinchasuyu, úmida e fria, antiga sede das
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culturas huari e moche; ao norte, a região Antsuyu, de floresta amazônica, quente e úmida; ao leste a regi-
ão Collasuyu, seca e fria, sede da Tiahuanaco; e, por fim, ao sul, a região Cuntisuy, quente e seca, entre a
costa do Pacífico e o deserto.

Além das técnicas de aterramento, os incas esmeraram-se em construções de pontes pênseis entre gran-
des precipícios e suas edificações resistiam a fortes terremotos que assolavam a região, o que demonstra
um domínio técnico bastante elevado. A arquitetura dos incas é monolítica, despojada de ornamentos e de
frieza expressiva. As obras civis de menor importância, as casas populares e os depósitos de alimentos
eram construídos com pedras irregulares. Já os templos (normalmente circulares), palácios (em geral de
planta retangular) e edifícios do governo eram erguidos com paredes de pedras geométricas regulares,
polidas e encaixadas umas nas outras, sem argamassa.

Quanto às fortalezas e torres, ainda se desconhece o sistema utilizado para se encaixar tão perfeitamente
os enormes e pesados blocos de pedra.

A arte em cerâmica inca, conhecida como estilo cusquenho, possui motivos geométricos sobre fundo ver-
melho. Eram produzidas também, em menor escala, peças feitas totalmente em cerâmica negra, vermelha
ou branca.

Os incas também dominavam a metalurgia. Era comum a representação de seres humanos em miniatura
feitos de ligas metálicas como o ouro, a prata ou o cobre. A essas imagens eram acrescidos tecidos que
imitavam as vestimentas incas originais, também tendo suas cabeças adornadas com toucas de penas.

I) Povos das Terras Baixas da América do Sul


As terras baixas da América do Sul formam uma macrorregião de limites menos precisos que a Mesoaméri-
ca e os Andes. Suas delimitações geográficas são mais fluidas e tênues, estendendo-se por todo o conti-
nente sul-americano.

Nas regiões de floresta tropical, na bacia Amazônica, no centro do território brasileiro ou na imensa costa
do país, diversas populações desenvolveram técnicas e saberes que dialogavam de forma harmônica e sus-
tentável. Instalados em diferentes ecossistemas e com culturas distintas, os povos das terras baixas, em
conjunto, distinguem-se fortemente dos modos de vida da região andina. Possuem como traços comuns:

• Complexidade social, com chefia e práticas xamânicas;


• Cultivo da mandioca;
• Disponibilidade abundante de frutos, plantas, peixes e outros animais em seus ecossistemas;
• Técnicas sofisticadas de manufatura de objetos.

J) Marajoaras
Entre os anos 500 a.C. e 1300 d.C., o povo marajoara desenvolveu-se, como o nome indica, em Marajó, ilha
brasileira pertencente ao estado do Pará.

Dentre as características estilísticas da arte marajoara, a cerâmica constitui-se como a principal. Os vasos
para uso cerimonial e funerário são ricamente elaborados, com relevos e pinturas mono ou policromáticas,
geralmente desenhos geométricos feitos a partir de incisões. Os vasos domésticos são mais simples, e ge-
ralmente não apresentam relevos.

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Outro destaque são as estatuetas que, decoradas ou não, representam de forma estilizada seres humanos,
utilizadas como adornos ou em cerimônias. Os marajoaras também confeccionavam diversos objetos para
uso cotidiano, como bancos, colheres, apitos e adornos para as orelhas e os lábios.

K) Santarém
Santarém é a denominação dada aos diferentes grupos étnicos que formavam diversas aldeias intercomu-
nicantes, cada uma com mais de 2500 habitantes, localizadas entre os rios Tapajós e Amazonas por volta
do ano 1000.

Da cultura Santarém, destaca-se a cerâmica, sobretudo os vasos que, de decoração complexa, possuem
pinturas e alto-relevos de figuras geométricas e animais. Chamam-se cariátides as figuras humanas que
substituem a parte superior de um vaso, indicando a posição humana como a conexão entre o celestial e o
terreno. Além dos vasos, a arte Santarém em cerâmica produzia cachimbos e estatuetas de formas varia-
das. Bem diferente dos marajoaras, os Santarém, mais geométricos, priorizavam um estilo realista, ornado
com figuras humanas e animais.

Outros destaques são a cestaria, as redes de pesca e armas como os arcos e as flechas.

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Cápítulo 6 – Arte dá Greciá Antigá
Entre o terceiro milênio a.C., com suas manifestações mais arcaicas, e o século V d.C., desenvolveram-se as
civilizações grega e romana, consideradas o “período clássico” da arte.

A) “Arte Clássica”
Chama-se de “arte clássica” o conjunto de manifestações artísticas desenvolvido na Grécia Antiga, entre os
séculos VI e II a.C., mais tarde apropriado, interpretado e transmitido ao Ocidente pelo Império Romano,
até o século V d.C. Mas o papel representado pela Grécia e por Roma no Ocidente vai muito além da singu-
laridade que, como qualquer outra civilização, caracteriza sua arte.

A arte clássica tem constituído, para a cultura do Ocidente, um modelo permanente, refletido em momen-
tos distintos da história, a ponto de seus princípios configurarem de maneira decisiva os critérios de valo-
ração do juízo estético.

A arte grega tem como ponto-chave a representação do ser humano, sua aparência e interioridade. Esse
antropomorfismo constitui uma ideia de grande transcendência, pois associa ao corpo humano uma medi-
da, ordem e proporção baseadas em um modelo caracterizado pela racionalidade.

A arte romana é, por um lado, a primeira manifestação de admiração incondicional das referências artísti-
cas gregas, consideradas, por si mesmas, dignas de imitação, vistas como forma de continuidade estética.
Mas, por outro, dado o contexto político singular em que se desenvolveu a arte romana e, particularmen-
te, sua arquitetura, constitui um aporte específico e inovador, conformando uma linguagem de enorme
transcendência.

As duas civilizações tiveram importantes marcas artísticas, em grande parte pela projeção obtida no Medi-
terrâneo, mas apresentam certas diferenças: se a expansão grega ocorreu por meio de colônias tão inde-
pendentes como suas cidades de origem, Roma expandiu-se por intermédio de seu extenso império.

Assim, as colônias gregas também produziam arte, da qual podemos encontrar exemplos por todo o Medi-
terrâneo, de Alexandria a Ampúrias. O Império Romano, ao contrário, realizou uma ocupação efetiva, sen-
do muito mais fácil encontrar seus vestígios em antigos territórios ocupados. Dada a importância da enge-
nharia na arte romana, ainda é possível encontrar grandes obras dessa civilização em todos os países que
alguma vez formaram parte do império, da Romênia à Espanha, passando pela Grécia, Turquia, Croácia,
Itália, Tunísia e Síria, entre outros.

B) Arte das Cíclades


Durante o terceiro milênio a.C., reconhecem-se formas artísticas muito peculiares nas ilhas Cíclades, situa-
das no mar Egeu, cujos habitantes não eram gregos. As mais características são pequenos ídolos de linhas
muito simples que reproduzem formas femininas esquemáticas. Seguramente tratava-se de oferendas a
deuses, relacionadas com a transmissão da vida.

C) Arte Minoica
A arte minoica desenvolve-se em Creta, entre os anos 3.000 a.C. e 1.100 a.C. A importância da ilha foi mui-
to grande graças ao domínio marítimo dos cretenses. Suas construções mais características são os palácios-

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santuários e os centros econômicos, políticos e religiosos, em que se governam as cidades-Estado que divi-
diam a ilha.

Um dos palácios mais famosos é o de Cnossos, descoberto em 1900 pelo arqueólogo Arthur Evans. Por ter
relacionado tal palácio com o mítico rei-sacerdote Minos, denominou-se o termo cultura “minoica”. A
construção foi erguida nos princípios do segundo milênio, tendo planta retangular, com um pátio no centro
e em torno do qual se distribuem os compartimentos; no exterior não havia muralhas, mas pórticos aber-
tos à natureza; em sua construção utilizaram-se pedras para erguer os muros, tanto em blocos regulares
quanto irregulares e madeiras, formando uma estrutura arquitravada; seu interior era muito decorado,
com cenas cheias de vitalidade e colorido, alusivas às práticas religiosas. Quanto à sua função, havia ambi-
entes destinados à recepção e distribuição de mercadorias, com armazenamento na parte baixa. Outros se
destinavam à moradia, na parte superior, além dos ambientes para os rituais.

D) Arte Micênica
A cultura micênica, estreitamente vinculada à minoica, teve seu centro nevrálgico no continente, mas seu
povo também detinha forte caráter marítimo cuja influência alcançou todo o Mediterrâneo oriental: nos
afrescos como os da Casa de Acrotiri, na ilha de Tera (atual Santorini), representa-se a chegada dos barcos
de guerreiros, reflexo de uma tradição épica de heróis que recorrem aos mares em busca de façanhas, co-
mo as que narrou Homero na Ilíada. Suas construções palacianas situam-se sobre Acrópoles, ou seja, sobre
cidadelas com muros ciclópicos, como a de Micenas. Também construíram tumbas, como o chamado Te-
souro de Atreo (século XIV a.C.), sepultura real com um corredor (dromos) que desemboca em uma câmara
circular (tholos), coberta com uma falsa cúpula monumental.

E) Grécia Geométrica
Depois dos chamados “séculos escuros”, desenvolve-se na Grécia, entre os séculos IX e VIII a.C., o “período
geométrico”, cuja manifestação artística mais interessante é a cerâmica.

A denominação deve-se a um tipo de ornamento aplicado às peças de cerâmica, pintadas com linhas escu-
ras que produzem uma bicromia com o fundo claro em argila. Inicialmente, somente formas geométricas
como franjas, gregas e triângulos foram utilizadas. A partir do ano 800 a.C., porém, começam a ser repre-
sentados também animais e figuras humanas de formas bidimensionais muito estilizadas, em que se apre-
ciam somente traços essenciais da ação. Eles narram cenas de caráter heroico e funerais de nobres, rituais
estes com os quais essas peças estavam relacionadas.

F) Cerâmica Negra e Vermelha


A importância artística da cerâmica grega, tanto intrínseca quanto em relação à pintura, mantém-se nos
séculos seguintes. Nomes de oleiros e decoradores são conhecidos até hoje, o que revela a reputação que
possuíam.

Os vasos recebem nomes distintos, segundo sua forma: ânforas, crateras, hídrias, kylix, entre outros.

A partir do século VIII a.C. desenvolve-se em Corinto a técnica das figuras negras, mais tarde bastante di-
fundida: com a argila ainda mole realizam-se incisões que descrevem partes do corpo ou vestimentas, o
que permite superpor várias figuras e conseguiram maior complexidade narrativa, como no Vaso François,
composto de frisos com cenas mitológicas, como o cortejo aos deuses, que comparecem ao casamento de
Tétis e Peleu, pais de Aquiles.
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No século VI a.C. surge o uso da cerâmica de figuras vermelhas: o fundo é coberto de negro, de onde se
destacam as figuras, deixadas na cor avermelhada do barro. Os detalhes interiores são pintados.

G) Escultura
Em meados do século VII a.C. aparece o kuros, representação em pedra de um homem jovem desnudo, de
pé, com uma perna à frente, em uma rígida posição frontal e com os braços estendidos ao longo do corpo.
A postura e caracterização anatômica tendem ao geométrico, ainda que os músculos sejam salientes e
possua um sorriso peculiar. Tais estátuas representavam jovens que tinham alcançado a imortalidade, seja
por morte violenta, seja por vitória desportiva; a fama, a virtude reconhecida, em grego areté, é o único
consolo diante da morte. Também existia seu correspondente feminino: a koré. Vestida pudicamente, é
uma imagem votiva, tendo como função apresentar oferendas.

Na primeira metade do século V a.C., as superfícies simplificam-se e a rigidez começa a desaparecer, ainda
que as peças passem uma imponência característica. Também aparecem novos materiais, como o bronze e
o mármore, e novos temas. O Auriga de Delfos, parte de monumento que comemorava vitória em corrida
de quádrigas, é um exemplo: destaca-se o cuidado naturalista de alguns detalhes e a composição equili-
brada.

Feitas de bronze, as mais famosas esculturas isoladas da segunda metade do século V a.C. são conhecidas,
entretanto, a partir de cópias romanas em mármore. Só os relevos que decoram os templos permitem ver
as obras originais. No Partenon, importante templo grego, trabalhou Fídias, o artista mais famosa à época,
autor da escultura de Atena Partenos (Atenea Parthenos). No frontão oriental está representado o nasci-
mento de Atena e, no ocidental, a disputa de Atena e Poseidon pelo domínio da Ática; e, por fim, nos fri-
sos, a procissão das festas Panateneias. A composição das figuras é harmônica e equilibrada, havendo tra-
tamento psicológico dos rostos e uma extraordinária plasticidade na modelagem.

Miron alcançou notoriedade por seu Discóbolo, que representa um herói dos jogos, no momento de lançar
seu disco: trata-se de uma composição complexa, que reproduz a concentração de um instante de tensão
dinâmica, onde o rosto permanece alheio ao esforço.

Policleto escreveu o primeiro tratado sobre a escultura, refletindo sobre o cânone da beleza das propor-
ções do corpo. Segundo ele, o corpo devia medir 7 vezes o tamanho da cabeça. Um testemunho disso é
Doríforo, uma representação ideal da figura humana, onde se alcança um equilíbrio rítmico entre as partes
do conjunto.

H) Templo Grego
O rito religioso, ao ar livre, precisava de um altar para os sacrifícios, uma habitação alargada, o oikos, para
hospedagem coletiva e acolhida da estátua de culto e das oferendas, e um recinto sagrado, o témenos,
dotado de portas monumentais, ou propileus.

O oikos é o ponto de partido do templo: inicialmente possuía um pórtico com apenas duas colunas (in an-
tis), mas depois se monumentaliza: com apenas colunas na fachada principal é chamado próstilo e, segun-
do o número de colunas, possui distintas denominações: distilo, se tem duas; tetrástilo, se são quatro; exá-
stilo, se seis, e assim por diante. Caso também possua colunas na fachada dos fundos, denomina-se anfi-
próstilo; com o tempo, acaba por ser rodeado por colunas que formam um peristilo, sendo então o templo
chamado de períptero. O interior, onde está a imagem do deus, se chama cela. Com o tempo, foi acrescen-
tado o pronaos, uma espécie de vestíbulo, e o apisthodomus, espaço nos fundos para oferendas.
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O templo grego é a casa de um deus, cujo culto se realiza no exterior. Foi concebido para ser visto desde o
lado de fora, daí a importância que adquirem os volumes externos e os detalhes construtivos decorativos.

O templo assenta-se sobre um embasamento, o crepidoma, provido de dois degraus, ou estereóbato; a


parte superior se chama estilóbato. A ordem, conjunto de normas bastante concretas sobre a forma, pro-
porção e decoração do edifício, é o que configura seu aspecto. As ordens gregas são: dórica, jônica e corín-
tia.

A coluna dórica tem fuste estriado, com aresta viva, e um alargamento na parte central (éntasis). Não pos-
sui base e, assim, apoia-se diretamente sobre o estilóbato. O capitel é composto de várias saliências – a
gola, que o separa do fuste, o equino, de forma semicircular convexa, e o ábaco, prisma quadrangular –
sobre as quais pousa o entablamento, composto por uma arquitrave lisa e um friso decorado com moldu-
ras verticais, chamadas tríglifos, e motivos figurados pintados ou esculpidos, chamados métopas. O capitel
também possui uma cornija, cujo frontão se decora com um entalhe escultórico.

A coluna jônica é mais esbelta, com o fuste estriado e sem êntasis. Apoia-se sobre uma base, com duas
saliências convexas, os toros, e uma côncava, chamada escócia, e um plinto em forma de paralelepípedo. O
capitel se destaca por seu característico equino, com decoração de óvalos e duas volutas. No entablamen-
to, a arquitrave está formada por três faixas horizontais, sobre as quais pode haver um friso com decora-
ção contínua.

A coluna coríntia diferencia-se da jônica pelo capitel: o equino ou coxim é formado por folhas de acanto,
dispostas em duas ou mais fileiras, sendo as superiores enroscadas, formando o que se chamam caulículos.
Com o objetivo de obter harmonia e equilíbrio perfeitos, os gregos fizeram ajustes para compensar os de-
feitos de percepção do olho humano, como a ligeira elevação do centro, para conseguir-se um efeito de
absoluta horizontalidade, ou a levíssima inclinação das colunas, para se conseguir a máxima verticalidade
ótica.

I) Acrópole de Atenas
Por volta do século V a.C., a Atenas de Péricles vive um período de apogeu, que se manifesta nas constru-
ções da Acrópole, uma colina onde foram erigidas diversas construções sagradas. O templo principal, co-
nhecido como Partenon, foi dedicado a Atena Partenos, deusa tutelar da cidade: é um templo octostilo e
períptero, cuja cela tem a particularidade de estar dividida por colunas em naves; ali estava a famosa está-
tua da deusa, obra de Fídias. Originalmente, o templo possuía cores e um vasto conjunto escultórico.

O acesso à Acrópole era possível através dos monumentais propileus. À sua direita, localizava-se o templo
de Atena Niké, de ordem jônica.

O templo mais importante é conhecido como Erecteion, de planta complexa que se adapta às condições do
terreno, que deviam ser preservadas por tradições religiosas. Tem duas zonas diferenciadas: a oriental,
mais alta, com um pórtico jônico, dedicada a Atena Polias, respeitando assim o culto que existia nesse lu-
gar desde tempos antigos; e a mais baixa, dedicada a Poseidon Erecteo. Nessa parte ocidental abrem-se
dois pórticos, sendo o mais famoso situado no lado sul, que utiliza estátuas-colunas, denominadas cariáti-
des, obra do escultor Alcámenes, seguidor de Fídias.

O resultado produz variedade e complexidade, acentuadas por suntuosos detalhes ornamentais, que con-
trastam com a elegante sensibilidade do Partenon.

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J) Espaço Urbano
Toda arquitetura grega tem forte dimensão perceptiva externa. Por esse motivo, o aspecto estético exter-
no das edificações é tão importante quanto o espaço funcional de seu interior, servindo como marco da
cidade. As primeiras cidades ocuparam lugares escarpados que facilitaram sua defesa; eram cidades mura-
das e as edificações se distribuíam de maneira desordenada. Na expansão grega pelo Mediterrâneo, no
momento do estabelecimento de novas colônias e na reconstrução impulsionada depois das grandes guer-
ras, aplicou-se o traçado ortogonal, isto é, aquele em que as vias se cortam em ângulo reto, formando
quadras de tamanho regular. O caso mais conhecido é o da cidade de Mileto, cujo plano foi desenhado por
Hippodamos no século V a.C.

As primeiras cidades gregas possuíam, além de um ou mais templos, uma série de lugares que revelam a
importância concedida à vida urbana. O principal espaço público, cenário da política e do comércio, era a
ágora, espécie de praça, às vezes rodeada de pórticos com colunas, denominadas stoas.

Além dos edifícios destinados a atividades desportivas, teve particular importância o teatro ao ar livre, des-
tinado tanto a representações dramáticas como a reuniões. O que chegou ao presente de forma mais con-
servada foi o de Epidauro, datado do século IV a.C., que aproveita o desnível do terreno na construção das
arquibancadas ou théatron, que rodeiam o espaço circular da orchestra, na parte mais baixa, onde se loca-
liza o coro. À frente está a skené, ligeiramente elevada, onde se situavam os atores.

K) Povos Ibéricos
A península Ibérica encontrava-se no extremo oeste do mundo então conhecido. À sua costa foram che-
gando comerciantes, como os fenícios, que fundaram Gadir (Cádiz) por volta de 1.100 a.C. Os habitantes
mais ricos da região adquiriam certos objetos de luxo, como sarcófagos antropomórficos do século V a.C.,
conservados no museu dessa cidade. Os gregos, cujas atividades comerciais por toda a bacia mediterrânea
fizeram fundar diversas colônias, também chegaram à península Ibérica. Um dos centros principais foi Am-
púrias. O máximo desenvolvimento de seu comércio coincidiu com a consolidação da cultura ibérica, no
século V a.C. Do ponto de vista artístico, são importantes, de um lado, as moedas e, de outro, a cerâmica,
que se converteu em objeto de luxo entre as classes dirigentes ibéricas, frequentemente empregada como
elemento decorativo nas tumbas.

No reino de Tartessos, no sudoeste, tiveram muita importância os objetos de bronze e ouro, como o Te-
souro do Carambolo, de técnica similar àquela empregada pelos ourives fenícios. A escultura tem evidentes
influências helênicas, como pode ser observado no Torso de Guerreiro e Ginete de Obulco, provavelmente
parte de um monumento funerário onde, em conjunto com outras peças e de forma semelhante aos san-
tuários, estaria colocado como oferenda. Também são destaques a escultura animalística e as imagens
femininas, como a Dama de Elche ou a Dama de Baza, provavelmente imagens funerárias.

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Cápítulo 7 – Arte dá Romá Antigá
Com a influência da Grécia e dos etruscos, Roma tornou-se um grande império. Estendendo a cultura e a
arte pelas províncias, deixando exemplos, principalmente arquitetônicos, por todo o Mediterrâneo.

A) Etruscos
O sul da península Itálica e Siciliana, região conhecida então como Magna Grécia, foi foco importante da
cultura grega. Exemplos espetaculares são os templos de Paestum, ao sul de Nápoles, e de Agrigento ou
Selinunte, na Sicília. De todos os povos da península, os mais importantes foram os etruscos, estabelecidos
na Etrúria, mais tarde chamada de Toscana, cuja arte revela influência grega, mas com uma sensibilidade
própria, que repercutirá na arte romana.

A arte etrusca está associada a rituais religiosos e funerários. Os templos, construídos em materiais perecí-
veis, tinham pouco valor estético, mas incorporavam abundante decoração escultórica em terracota. É o
caso do Apolo de Veio, que se assemelha ao arcaísmo grego, ainda que revele alguns aspectos curiosos,
como a exagerada força muscular e o rosto muito expressivo, de olhos fixos e sorriso ferino.

Além das pinturas murais, o que mais se destaca nas tumbas etruscas são os sarcófagos que representam
figuras gozosas: para os etruscos a morte não era mais que um caminho para a felicidade. O Sacórfago dos
Esposos de Cerveteri, em terracota, representa um casal feliz descansando sobre um kline, o leito para co-
mer, que serve de tampa para o sarcófago. As convenções geométricas do rosto e cabelo assemelham-se
às gregas, exceto pelos olhos amendoados e o sorriso, características dos etruscos.

B) Influências
Toda a arte romana, em especial a arquitetura, foi muito influenciada pela arte etrusca, que se destacou
pela incorporação de elementos da arte grega e do estilo toscano. Ambos serão incorporados e utilizados
profusamente pela arquitetura romana, tendo como principal exemplo o embasamento que eleva a altura
dos templos. Outros elementos serão incorporados, como o uso de cimento, o revestimento em mármore
e a escala monumental, distante da escala humana, nas construções.

C) Arquitetura
A arquitetura é a manifestação artística mais importante dos romanos. É uma arte essencialmente urbana,
subordinada aos interesses políticos dos governantes estatais, em oposição ao caráter essencialmente reli-
gioso que tiveram os grandes edifícios de outras civilizações da Antiguidade. Assim se explicam duas carac-
terísticas capitais da arquitetura romana: o sentido utilitário e a sensação de grandeza, manifestados em
uma grande variedade de edifícios e soluções arquitetônicas.

Os romanos utilizaram as ordens e aperfeiçoaram os instrumentos de desenho e cálculo herdados do


mundo grego. Além disso, incrementaram o uso dos arcos, combinando arcadas e colunatas, estenderam o
uso de coberturas abobadadas e inventaram a cúpula. Também diversificaram os materiais construtivos:
tijolos, blocos de pedra e concreto obtidos da mistura de cal e pedra vulcânica.

A cidade, delimitada por uma muralha, ordenava-se por duas grandes vias: o cardo, eixo norte-sul, e o de-
cumanus, eixo leste-oeste. No cruzamento desses dois principais eixos, localizava-se o foro, um espaço
aberto de forma retangular, onde se instalavam os mercados e ocorriam as assembleias políticas. Segundo
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o cânone clássico, a largura do foro devia ser dois terços de seu comprimento e sua área proporcional ao
número de habitantes da cidade.

Havia vários tipos de templos em Roma. O mais comum era muito similar ao templo grego, mas possuía
duas diferenças principais: assentava-se sobre um patamar elevado, com uma escadaria na fachada princi-
pal, e os muros da nave prolongavam-se do interior até as colunas exteriores, depois do pórtico. Também
existem templos romanos de planta circular.

Um templo singular é o chamado Panteão, erguido a mando de Agripa, genro de Otávio Augusto, que o
concebeu para acolher todos os deuses, tendo sido refeito no período de Adriano. Sua planta é circular,
com um pórtico octostilo, tendo como cobertura uma imponente cúpula, sustentada por estrutura de oito
enormes pilares e arcos de descarga, que distribuem o peso, o que permitiu a abertura de êxedras no inte-
rior, gerando um espaço centralizado, de forte poder simbólico.

Os edifícios para espetáculos públicos foram muito importantes na arquitetura romana, tanto pela multi-
dão que abrigaram quanto por sua monumentalidade.

O teatro romano é uma adaptação do teatro grego, tendo como diferenças as arquibancadas e a orchestra
semicirculares e o fundo da cena decorado com colunatas.

O anfiteatro era um edifício de planta oval, que servia para espetáculos, como a luta de gladiadores. Con-
tava com arquibancadas e uma arena. O mais famoso é o Coliseu, com três pisos cobertos por abóbadas de
berço (desenvolvimento do arco de meio ponto) ou abóbadas de aresta (cruzamento de duas abóbadas de
berço). No exterior abrem-se galerias com arcos, marcados por seções de colunas encostadas na fachada,
em que se superpõem as ordens.

O circo era dedicado às corridas de cavalos. Tinha forma elíptica, com um eixo central, a spina.

A importância concedida às vias de circulação e abastecimento fez com que os romanos desenvolvessem
esplêndido progresso técnico, o que pode ser visto com a criação das calçadas, utilizadas por vários sécu-
los, as pontes, como a de Fabrício, em Roma, e os aquedutos, como o Pont Du Gard, junto à cidade france-
sa de Nimes.

Como prova de seu poder, e aproveitando seus triunfos militares, os romanos ergueram construções com
clara intenção propagandística. As mais relevantes são as colunas, como as de Trajano, e os arcos, de um
só vão, como os de Tito, ou de três vãos, como os de Sétimo Severo e Constantino, em Roma. Ambos apre-
sentam decoração em relevo.

As construções típicas para o uso público foram as termas e as basílicas, que tinham cobertura e estrutura
complexas.

As basílicas originalmente tinham uma função civil, ainda que seu esquema construtivo tenha sido aprovei-
tado, mais tarde, para o ritual cristão.

Nas termas, realizavam-se banhos públicos. Por sua monumentalidade e importância social como centros
de reunião, eram edifícios essenciais à vida e à arquitetura romanas. Possuíam um sistema de calefação,
por onde circulava ar quente.

As grandes termas, como as de Caracala ou Diocleciano, em Roma, consistiam em um recinto quadrado,


com espaço para exercícios desportivos (palaestra), leitura e conversação, e o espaço para o banho propri-

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amente dito, com distintas salas: piscina fria (frigidarium), piscina quente (calidarium), salas de descanso
(tepidarium) e para troca de roupa (apodyterium).

Os imperadores construíram, em Roma, imponentes conjuntos palacianos, como a suntuosa Domus Aurea
de Nero, com dependências múltiplas e amplos espaços abobadados.

Outro tipo de edificação suntuosa foi a residência suburbana, como a Vila Adriana, em Tivoli, nos arredores
de Roma, onde o imperador Adriano dispôs numerosas estâncias para o ócio, o culto e a meditação, em
um belo e variado entorno. A vila suburbana foi uma moda aristocrática, muito apreciada pelas classes
abastadas.

D) Escultura
A escultura romana cumpriu um papel muito diferente daquele exigido por essa forma de arte na Grécia
Antiga, onde a escultura nunca foi considerada arte decorativa, de caráter privado, mas sim objeto votivo,
compreensível no contexto de determinadas crenças religiosas. Em Roma, a escultura está vinculada, de
um lado, à tradição etrusca que se manifesta a partir da observação da realidade, e à função funerária, e,
de outro lado, aos modelos gregos.

A religião romana, grandemente relacionada com o poder político, exerceu forte papel no culto aos ante-
passados. Nas casas das grandes famílias da época republicana guardavam-se as magines maiorum, másca-
ras de mortos, feitas em gesso ou cera, que exemplificam a verossimilhança física e gestual exigida pelo
retrato do romano. A aristocracia republicana recorria a essa tradição como forma de imortalizar os gran-
des personagens públicos, caso da suposta cabeça de Lucio Junio Bruto, fundador da República, que se
destaca pelo realismo e pela expressão psicológica.

Na época imperial, a imagem do governante alcançou toda sua dimensão propagandística. A efígie do im-
perador converteu-se em representação de poder, às vezes divinizado. Se tal fato conduziu a representa-
ção a certa idealização, nunca se perdeu o compromisso com a semelhança física.

A famosa estátua de Augusto de Prima Porta, conhecida por sua cópia, sintetiza dois aspectos essenciais
dessas imagens: a influência grega observável na postura, que recorda o Doríforo de Policleto, junto a um
evidente embelezamento do gesto, e a típica preocupação romana por caracterizar o personagem não só
fisicamente, mas também pelos atributos da indumentária. Por essa razão, na armadura do imperador es-
tão representados diferentes símbolos, entre eles os das províncias da Germânia, Hispânia e Gália, recém-
conquistadas. Com o passar do tempo, intensificam-se os efeitos da contraposição entre claro e escuro na
modelagem e a preocupação em expressar o caráter por meio do gesto e do rosto: a escultura equestre
em broze de Marco Aurélio, por exemplo, uma das poucas conservadas até hoje, transmite um poder se-
reno e sábio.

Nos séculos III e IV, tem-se uma divinização simbólica, que se distancia da tradição clássica, o que pode ser
percebido na estátua do imperador Constantino.

E) Relevo
O relevo romano caracteriza-se por seu alto sentido narrativo. Por intermédio de frisos arquitetônicos,
arcos de triunfo e colunas, descreve acontecimentos concretos, geralmente batalhas históricas. Dotado de
elevado nível técnico e regido por esquemas compositivos de grande dinamismo, permite expressar em

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detalhes cenas variadas e diferentes tipos humanos, com seus gestos e suas atitudes, bem como o espaço
em profundidade.

O Ara Pacis Augustae é um altar rodeado por um recinto murado, erguido nos tempos de Otávio Augusto
no momento de suas campanhas na Hispânia. A decoração de sua base é de motivos vegetais, e a imagem
representa o cortejo com o imperador, membros do Senados e vestais, que oferecem sacrifícios aos deu-
ses.

Na Coluna de Trajano, em Roma (110-113), os relevos dispõem-se em espiral e representam as campanhas


de Trajano contra os dácios. Uma de suas peculiaridades é a ilusão de profundidade, conseguida com o
relevo, ainda que tenha pouca espessura.

F) Mosaicos e Pinturas
Os interiores domésticos romanos eram profusamente decorados. Os pisos cobertos de mosaicos, realiza-
dos com tesselas, formavam composições geométricas ou cenas.

A pintura mural é conhecida, sobretudo, pelos exemplos de Pompeia e Herculano, cidades soterradas pela
erupção do vulcão Vesúvio no ano 79. Caracteriza-se por seu sentido decorativo e pela suntuosidade dos
espaços. Em sua evolução formal podem ser percebidos quatro diferentes estilos. O mais antigo, chamado
primeiro estilo ou estilo de incrustação, baseia-se na imitação dos mármores utilizados nas construções
mais luxuosas; o segundo, denominado arquitetônico, reproduz ambientes com elementos das ordens
clássicas e, às vezes, cenas figurativas; o terceiro é uma evolução do anterior, com formas arquitetônicas
mais estilizadas e cenas mais livres; por fim, o quarto e último estilo chama-se teatral, que não só decora,
mas recria ambientes, com elementos ilusionistas.

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Cápítulo 8 – Arte Páleocristá
Os princípios do cristianismo repercutem nas manifestações artísticas do Império Romano. As artes plásti-
cas e a arquitetura romanas foram adaptadas às necessidades da religião cristã, que necessitava de figuras
e símbolos claros para conquistar e cativar seus fiéis.

A) Contexto
No ano 313 ocorreu uma transformação fundamental na política religiosa romana. Com o Édito de Milão,
que permitiu a liberdade de cultos, admitiu-se a religião cristã, que pouco a pouco se estenderia por todo o
Império Romano e seria defendida e fomentada pelos imperadores.

A gradual difusão do cristianismo pelos territórios do Império Romano, até se converter na religião oficial,
não acarretou mudanças estilísticas de imediato, mas indubitavelmente transformou de maneira radical o
caráter da criação artística. Ao outorgar um sentido transcendente à existência do ser humano, guiado por
um deus único que criara a Igreja como depositária de seus desígnios, a presença divina domina o espaço
arquitetônico e a simbologia das artes plásticas. O teocentrismo, traduzido por meio da expressividade do
sobrenatural, substitui o antropomorfismo clássico.

A arte dos antigos cristãos, desenvolvida sobretudo durante o Baixo Império, denomina-se arte paleocristã.
Nesse contexto, definiram-se modelos arquitetônicos que, em virtude de algumas mudanças, mantiveram-
se durante os séculos seguintes, cristalizando uma iconografia própria e o costume de interpretar os temas
artísticos de forma transcendente.

No Ocidente, instala-se profunda crise política, indutora de invasões e da fragmentação e dissolução do


império. No Oriente, ao contrário, mantém-se uma estrutura de poder herdeira de tradições romanas, ex-
pressa em grego e praticante da religião cristã. Nesse espaço, será formada uma cultura independente, o
mundo bizantino, que prolongará sua influência até o início da Idade Moderna.

B) Simbologia Ritualística
Para entender a adaptação que os antigos cristãos fizeram da arte romana em que estavam inseridos, é
preciso refletir sobre o valor concedido às imagens e às necessidades rituais, fatos que se manifestam, so-
bretudo, a partir dos séculos III e IV.

A importância outorgada pelos cristãos à vida pós-morte estimulou a construção de catacumbas – locais de
sepultamento em galerias subterrâneas em que se realizavam ritos funerários à salvação da alma e ao am-
paro das relíquias de santos, às quais era concedida importância transcendental. Desse modo, desenvolve-
ram-se, em especial, a escultura funerária e as imagens de redenção.

Os primeiros cristãos preocuparam-se em encontrar temas que ilustrassem a intervenção divina: passa-
gens do Antigo Testamento, como Noé na arca, Daniel na cova dos leões ou Jonas e a baleia, e do Novo
Testamento, como a ressurreição de Lázaro. Cristo aparece de forma alegórica, como pastor de almas, o
Bom Pastor. Não são imagens descritivas, mas expressam uma ideia; são ícones por meio dos quais o pen-
samento cristão é sintetizado e difundido. Por essa razão, a crucificação é representada a partir de um
símbolo – a cruz –, pois o cristianismo desde o princípio dedicou-se à leitura simbólica de imagens.

C) Protótipos Arquitetônicos
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O espaço arquitetônico utilizado pelos primeiros cristãos está estreitamente vinculado às funções rituais
agregadas à prática religiosa; os mais importantes são os espaços de reunião ou basílicas e os espaços de
honra aos mártires, os martyria.

O ritual central da religião cristã é a missa, celebração da Eucaristia. Para abriga-lo, adapta-se a basílica
romana, local para administração de justiça, com todo o simbolismo a ela relacionado, substituindo-se o
poder terreno de um juiz pelo de Cristo em um altar, ao mesmo tempo que o clero adota as vestimentas
dos magistrados e distancia-se fisicamente no presbitério, onde está o altar.

A nave principal da basílica romana tende a ganhar mais importância, em largura e altura, em comparação
às laterais, e a abside é posta em um extremo, ganhando um sentido longitudinal.

De princípios do século V, a basílica de Santa Sabina tem a abside sob essa orientação. É mais sóbria que a
arquitetura romana, em parte por necessidade, mas também por modéstia construtiva deliberada.

Os martyria são monumentos funerários destinados a honrar o lugar e a memória de um mártir que se
converte em intercessor diante de Deus. Como tal, concebeu-se originalmente a basílica vaticana, que che-
garia a ter cinco naves e veria transformadas suas funções em eucarísticas.

Outras vezes, os martyria adotam plantas centralizadas, tais como a dos mausoléus romanos. A planta cen-
tral, por seu acentuado poder simbólico, foi escolhida para alguns edifícios, como a basílica do Santo Se-
pulcro em Jerusalém, onde, lado a lado, estão uma construção circular e outra basilical. O exemplo mais
bem conservado é o chamado mausoléu de Santa Constança, cuja planta é definida por um primeiro anel,
em torno do âmbito central, entre arcos. Os nichos abertos nas paredes sugerem eixos em forma de cruz
grega, inserida em círculo, o que constitui uma primeira intenção de síntese enrte as plantas longitudinal e
central.

D) Pintura, Escultura e Mosaico


As artes plásticas do mundo paleocristão são, a princípio, pobres e muito dependentes do mundo romano.

Na pintura, continuam manifestando-se as preocupações decorativas, ainda que deixando de lado o ilusio-
nismo da perspectiva e a correção anatômica em favor de uma clarificação da mensagem por meio de figu-
ras e símbolos perfeitamente característicos.

A decoração dos sarcófagos tem muita importância, como no chamado Dogmático, cuja parte superior
central tem inserida uma concha com a representação do morto. Nele se reconhecem aspectos formais e
iconográficos muito característicos. Trata-se de uma sucessão contínua de cenas distintas, dispostas em
dois registros horizontais, que, sem dúvida, têm um tratamento unitário. No registro superior, por exem-
plo, reconhece-se na extremidade esquerda o Juízo de Salomão, e, na direita, a Ressurreição de Lázaro; no
centro da parte inferior representa-se um tema do Antigo Testamento, Daniel na Cova dos Leões, junto
com outros episódios dos evangelhos, como a Adoração dos Reis, no extremo inferior direito.

Quanto à arte do mosaico, ela se estendeu com a expansão das igrejas cristãs a partir dos séculos IV e V,
que contaram com maior apoio econômico. Absides e paredes são ocupadas com imagens de Cristo, da
Virgem Maria, dos apóstolos, dos santos e seus símbolos, conformando um espaço deslumbrante.

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Cápítulo 9 – Arte Bizántiná
As tensões que caracterizaram o encontro entre filosofia e cristianismo tiveram início no Império Romano,
estenderam-se ao longo da Idade Média e alcançaram o século XVII. O foco foi a interpretação filosófica do
dogma cristão.

A) Império Romano do Oriente


Após a morte do imperador Teodósio, no ano 395, o Império Romano dividiu-se entre seus filhos Arcádio, a
quem correspondeu a parte oriental, cuja capital era Constantinopla (Bizâncio), e Honório, que recebeu a
ocidental, com Ravena como capital. O Império Romano do Ocidente desapareceu no ano 476, mas o do
Oriente alcançou grande esplendor no decorrer do século VI, época do imperador Justiniano (527-565),
que se empenhou em transformar a cidade de Constantinopla.

B) Santa Sofia
Santa Sofia é a maior construção da época de Justianiano, uma grande igreja próxima ao palácio, o que
explica sua ostentação. A planta de três naves, com abside (arco ou abóbada) e um átrio portificado, o nár-
tex, geram uma disposição longitudinal, mas por estarem inscritas em uma cruz grega e, sobretudo, por
causa da portentosa cúpula sobre pendentes (triângulos curvados entre os arcos que sustentam a cúpula),
o espaço torna-se centralizado.

No interior – cujo grande destaque é a cúpula que parece suspensa no ar, graças a numerosas aberturas –,
há um inusitado aspecto dinâmico: nas paredes, cobertas de mosaicos reluzentes, abrem-se vãos que
inundam o espaço de luz, além de arcadas sobre colunas com capitéis compostos, sínteses das ordens co-
ríntia e jônica, trabalhadas a trépano, o que acentua as nuances de claro e escuro.

C) Construções de Ravena
Depois da queda do Império Romano do Ocidente, em 476, os ostrogodos invadiram a península Itálica.
Teodorico funda um reino com capital em Ravena, que mais tarde cai no poder de Justianiano. À época
correspondem os templos de planta basilical (Santo Apolinário in Classe e Santo Apolinário Novo) e um de
planta central (São Vidal), fundamentais em seus pontos de vista construtivo, funcional e decorativo, mar-
cos da antiguidade cristã tardia.

Santo Apolinário in Classe segue a tradição paleocristã, em que os pontos de fuga se dirigem até a abside,
mas São Vidal é um curioso templo de planta centralizada, octogonal, com um nártex descentrado em re-
lação ao eixo da igreja, que dá acesso à parte alta, com uma tribuna. No interior cria-se um espaço de mis-
tério que, junto com acentuada verticalidade e uma marcada compartimentação espacial, associa-se com o
espiritual. O exterior, como de costume, surpreende pela simplicidade.

D) Mosaico
As mais importantes construções justinianas estão recobertas de mosaicos que, junto com os mármores
dos pilares e dos pisos, produzem sensação de pompa sagrada e têm importante significação simbólica.

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No presbitério de São Vidal aparecem três cenas: no centro, Cristo entronizado entre Vidal e Eclésio e, nas
laterais, os imperadores e membros do clero apresentando oferendas. De tradição romana, o que se pre-
tende sublinhar é a natureza divina de Cristo e a dimensão religiosa do poder temporal.

Nele aparecem também Justiniano e seu séquito, do qual se distingue Maximiliano, arcebispo de Ravena.
Não se trata de relato – de fato, Justiniano que aparece como um jovem, nunca estudou em Ravena –, mas
sim de retrato simbólico e, portanto, convencional, do papel que se outorga à figura do imperador ou basi-
leu. A imagem de Justiniano presente neste mosaico respeita sua aparência física e verossimilhança, mas
refere-se principalmente ao seu papel social e simbólico de imperador. Essa percepção é influenciada por
algumas convenções representativas, como o alinhamento das cabeças a uma mesma altura (isocefalia), a
frontalidade, os pés abertos, os movimentos idênticos dos personagens ou a plenitude das cores.

O cortejo de Teodora, em que aparece a basilissa, ou imperatriz, tem a mesma função simbólica. A pers-
pectiva deixa de ter sentido como sistema de representação: as artes figurativas põem-se a serviço do pen-
samento religioso por elas sugerido.

Marfim
Os objetos decorativos e suntuários do Oriente, entre os quais se destacam os marfins, cujo trabalho se
denomina arte de eboraria, foram conhecidos por apropriação ou intercâmbio no Ocidente. Ao século VI
correspondem os dípticos, com valor comemorativo-simbólico, enviados às embaixadas. Neles, a perspecti-
va é suprimida e tem-se a frontalidade como modo de representação da figura, em que o tamanho indica
hierarquia. A progressiva perda de realismo está relacionada com um problema dos primeiros séculos do
cristianismo: a polêmica sobre a adoração de ícones, que muitos consideram idolatria. Tal processo de dis-
tanciamento da realidade trataria de facilitar a superação da dimensão material, convertido em instrumen-
to para a aproximação de Deus.

E) Iconoclastia
Entre os diferentes debates teológicos que se sucedem nos domínios imperiais desde o século V, o mais
importante para o desenvolvimento artístico e cultural é o que diz respeito à iconoclastia: no ano 726, o
imperador Leão III proibiu a veneração de imagens, os iconoclastas dirigiram-se contra o papa e, ainda que
se tenha restaurado o culto em 843, o acontecimento acarretou uma ruptura definitiva com a antiguidade
clássica.

Foi a partir de então que se consolidou uma cultura mediterrânea oriental distinta, ainda que alguns auto-
res a vinculem estreitamente à arte dos séculos anteriores, que perdurou até a tomada de Constantinopla
pelos turcos em 1453.

Herdeiro do poder político romano, com religião cristã e língua grega, o Império Bizantino expande-se, com
formas artísticas que definitivamente são distintas das ocidentais. Não obstante, é preciso entender que a
amplitude do bizantino não se restringe apenas ao território de seu império, mas também aos frequentes
contatos com o Ocidente, ao longo da Idade Média.

Por outro lado, a conversão da Rússia ao cristianismo ortodoxo prolonga algumas tradições bizantinas du-
rante a Idade Moderna, que permanecem no leste da Europa até a atualidade.

Ícone
O ícone é a representação de uma imagem sagrada, feita de qualquer material, que alcançou uma devoção
extraordinária com os bizantinos. Para superar a crise iconoclasta, aceitou-se que as imagens eram objetos
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de veneração e homenagem, mas não de adoração. O ícone, em geral, contém uma rigorosa codificação de
temas, como a Virgem mãe (Theótokos) ou o Cristo pai (Pantocrátor) e, sobretudo, de representação: pos-
sui imagens idealizadas, elegantes, muito estilizadas, com traços anatômicos e de vestimenta definidos de
maneira esquemática, com uma expressão rígida e hierática, que convidam a uma reverência espiritual.

F) Arquitetura
A etapa mais importante da arte bizantina ocorre entre os anos 843 e 1204, momento da entrada das Cru-
zadas em Constantinopla. Durante esse período, o Império está regido por duas dinastias e marcado pelo
Grande Cisma, que supõe a ruptura da Igreja oriental com Roma.

As igrejas bizantinas, ainda que também orientadas pelo leste, têm diversas particularidades em seus ritu-
ais. A cabeceira possui três absides, às quais os fiéis não tinham acesso: uma em que o oficiante concedia
bênçãos, a central para o altar com os assentos do clero, e a terceira para os ornamentos litúrgicos. Tal
zona era separada do resto por uma barreira ou cancela com ícones, chamada iconostásio, que com o
tempo se converteu em uma parede que isolava a classe clerical.

A Nea Ekklesia, uma igreja palatina consagrada pelo imperador Basílio I em 880 e conhecida somente por
descrições, possuía planta de cruz grega inscrita em um quadrado, cúpula ao centro e abóbadas de berço
nos braços da cruz, e serviu de modelo para as igrejas bizantinas.

A Theótokos, igreja do monastério de Hosios Lukas (São Lucas), perto de Delfos, permite reconhecer duas
características formais significativas: a combinação harmônica de uma cúpula sobre um espaço basilical e a
estrutura compacta, com espaços bastante fechados, revelando certo arcaísmo e rudeza em suas resolu-
ções de problemas formais. Mas o monastério bizantino apresenta outra organização arquitetônica distin-
ta: a igreja é pequena, para uso exclusivo dos monges, o que conduz a uma fragmentação do espaço.

G) Decoração das Igrejas


Depois da crise iconoclasta, ganha novo impulso a decoração interior das igrejas, cujas paredes se cobrem
com representações religiosas realizadas em mosaico. Ali aparece perfeitamente caracterizada uma icono-
grafia bizantina, que objetiva assegurar o conhecimento do dogma ortodoxo.

A imagem de Cristo aparece na abóbada, para onde o fiel olha em sua invocação. A abside destina-se à
imagem de Maria com o menino. Entre os temas que mais interessam destacar estão a redenção, pela
morte de Cristo, e o papel da Igreja, por intermédio dos santos, apóstolos, arcanjos e mártires.

A Crucificação do mosteiro de Dafne evidencia a reaparição de um tema até então ausente: a morte na
cruz deixa de ser algo infame, para ser reconhecida como um ato de amor, em que se fundamenta a reli-
gião. O sangue que escorre do corpo de Cristo é a fonte da vida. Os rostos de Maria e de José aparecem
humanizados, dentro de certo neo-humanismo grego percebido na arte após a crise iconoclasta e que im-
plica uma representação de seu sofrimento.

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Cápítulo 10 – Arte Románicá
O desenvolvimento da arquitetura e da arte românica coincide com a consolidação dos Estados cristãos
europeus, que se organizam sob um sistema feudal, em um momento de grande fé cristã.

A) Europa Medieval
Sobre o substrato artístico e cultural deixado pelo Império Romano do Ocidente, implanta-se uma nova
estrutura sociopolítica trazida pelos povos germânicos que, entre os séculos V e VIII, invadiram a Europa,
época em que o cristianismo avançava como religião oficial. No continente europeu, predomina a frag-
mentação política, que também se traduz na fragmentação dos estilos artísticos.

Depois de um período de crise, Carlos Magno, coroado imperador no Natal do ano 800, aspira restaurar
um império cristão: é o renascimento carolíngio, que se estendeu por todos os territórios de seu império.

No mesmo século IX, consolidam-se nas Astúrias um novo Estado e uma nova arte, alheios ao mundo caro-
língio, a nordeste, e ao islâmico, ao sul.

Tal acúmulo de experiências artísticas, repartidas no espaço e tempo, acaba genericamente por constituir
um grupo único, denominado arte pré-românica.

Em torno do ano 1000, em diversos núcleos geográficos do Ocidente europeu e a partir de tradições anti-
gas e desejos de renovação, começam a ser resolvidos de maneira nova – ainda que com soluções, todavia
distintas, no início – problemas construtivos que derivaram no que se chama “primeira arte românica”.
Aparecem os pilares compostos, que diversificam os empuxos, o abobadamento, as alvenarias articuladas
e a escultura monumental aplicada.

À sua difusão e unificação contribuíram decisivamente as ordens monásticas, no momento de expansão e


consolidação dos estados cristãos europeus. Ao final do século XI e durante o século XII aparece o români-
co pleno, estilo internacional derivado da liturgia comum.

B) Arte dos Invasores


As chamadas invasões dos “bárbaros” alteraram o modo de viver dos povos da região do antigo Império
Romano do Ocidente. O mundo romano, apesar de manter o latim e o cristianismo, sentiu os impactos da
chegada desses novos padrões culturais. Os germânicos influenciaram a formação dos idiomas – que viri-
am a se oficializar apenas séculos depois –, as práticas do cristianismo e, posteriormente, a formação do
ideal de cavalaria medieval. Essas transformações podem ser percebidas na arte do período.

Os germânicos tiveram grande influência na arte com metais – inclusive a ourivesaria, misturando seu esti-
lo próprio aos motivos cristãos. Destaca-se a arte animalista presente na Irlanda e em regiões da França,
Inglaterra e Alemanha, além de nos manuscritos e no mobiliário.

O cristianismo irlandês será o diferencial durante a Idade Média, uma vez que a região não estava inicial-
mente sob o domínio dos antigos romanos, portanto não tinha uma característica tão urbana. O cristianis-
mo adotado se inspirou nos modelos do Oriente, sobretudo do Egito, com grande número de conventos e
mosteiros na região.

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Durante o período de propagação do cristianismo para além das fronteiras do antigo mundo romano, o
papel dos monges copistas, dos calígrafos e dos iluminadores – que faziam as iluminuras – foi fundamental.
Muitos dos livros tiveram capas e textos adornados. Mesmo com a temática cristã, é possível identificar
nesses manuscritos elementos regionais das culturas “bárbaras”.

Em algumas regiões, a arquitetura do período tem forte interferência dos arquitetos e artistas árabes, so-
bretudo na península Ibérica. A influência islâmica na Europa vai além das artes figurativas, principalmente
nas cidades espanholas que ficaram sob o domínio árabe, e se encontra no idioma, na literatura, no com-
portamento e nos valores sociais.

Durante o período medieval, as igrejas são exemplos do desenvolvimento arquitetônico em várias regiões
da Europa, podendo-se observar um estilo sóbrio, com construções mais sólidas. Esse estilo românico tem
grande influência de artistas italianos, ainda muito arraigados ao antigo mundo romano.

Com tais princípios, desenvolve-se a arte dos visigodos, na Espanha; dos ostrogodos e lombardos, na pe-
nínsula Itálica; dos merovíngios, na Gália, e dos irlandeses, anglos e saxões nas ilhas Britânicas.

C) Arte Carolíngia
Carlos Magno, rei dos francos, alia-se ao papa, que o coroa imperador no ano 800. Assim, herda a unidade
política e religiosa do antigo mundo romano para então restaurar o império de Constantino, recuperando
valores e modelos romanos. O restauratio imperii de Carlos Magno pretende romanizar, num novo mode-
lo, as populações “bárbaras” recém-incorporadas na região. O Império Carolíngio é, por assim dizer, a
combinação de valores germânicos numa proposta romana, urbana e cristã.

Nesse contexto, em Aachen se estabelece um conjunto palaciano organizado urbanisticamente de forma


geométrica. Em seu flanco sul localizava-se a Capela Palatina, a cuja tribuna acendia o imperador por um
corredor desde a aula regia, de planta retangular, com abside, como as basílicas romanas. O núcleo central
da capela, oratório privado onde se guardavam relíquias preciosas, é de forma octogonal, com deambula-
tório, na tradição dos espaços centralizados desde os martyria paleocristãos. Está ornamentado com sun-
tuosos mármores trazidos de Roma, grossos pilares e arcos de meio ponto com aduelas que alternam duas
cores.

Os carolíngios também levantaram igrejas com uma abside a oeste, forma idêntica à futura basílica do Va-
ticano em Roma. Nesse lugar foi erguido várias torres, com uma entrada monumental, denominada, em
alemão, westwerk (obra ocidental). Originariamente teve diversos usos práticos, como paróquia ou tribu-
na, mas acabou cumprindo a função transcendental e simbólica de fortaleza da fé, bastião defensivo con-
tra os poderes do mal: aí está a origem das fachadas torreadas das igrejas ocidentais.

Nessa época fixou-se a distribuição do monastério, ao impor-se, por ordem imperial, a Regra Beneditina,
ditada por Benito, monge do século VI instalado em Monte Castelo. Tal regra estabelece rigorosa organiza-
ção: todas as atividades eram comunitárias, o que implicava desenhar espaços para cada função.

Entre todas as artes figurativas mereceu especial importância a miniatura. Numerosos ateliês, financiados
pela Corte, trabalharam na realização de livros em miniatura, de uso litúrgico. Iconograficamente, absor-
vem a tradição paleocristã, estabelecendo um elo que repercute na representação românica como um to-
do. Em termos estilísticos trazem imagens planas, muito esquemáticas e com convenções narrativas que se
repetem, mas muito imaginativas e, em algumas ocasiões, com detalhes delicados. Destacam-se, em espe-
cial, as letras capitulares historiadas, de grande expressividade. Por meio dessas imagens se reforça a men-

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sagem da existência de dois poderes, o terrestre, próprio do imperador, e o espiritual, reservado ao pontí-
fice.

O império de Carlos Magno durou pouco: o poder foi logo dividido entre seus netos, e depois passou para
os nobres locais. No entanto, a proposta de fundir os valores celtas, germânicos e romanos perdurou por
mais tempo.

D) Cronologia da Arquitetura Românica


A primeiras experiências artísticas românicas ocorreram por volta do ano 1000 e parecem bastante defini-
das em meados do século XI, representadas pelas seguintes características: silhares regularmentes talha-
dos, escultura aplicada que obedece a um programa iconográfico, pilares e paredes articulados, abóbadas
no lugar de coberturas de madeira e, por fim, construções monumentais, erguidas para perdurar.

A área geográfica inicial estende-se por uma faixa nas duas margens do rios Ródano e Reno, desde a Cata-
lunha até o norte da Itália, lugares onde a tradição está presente, mas onde também há desejos de reno-
vação.

Ao final do século X, cristaliza-se esse primeiro momento, que culmina, entre os anos 1100 e 1125, no
chamado Românico Pleno, um estilo unificado em todo o Ocidente graças às ordens religiosas que impõem
a seus monastérios as mesmas soluções técnicas, assim como a liturgia em toda a cristandade, acabando
com as particularidades de cada lugar. Ao mesmo tempo, são estabelecidas vias de intercâmbio por inter-
médio de caminhos de peregrinação abertos à veneração de relíquias dos santos.

Até meados do século XII produz-se um Românico Tardio que coincide temporalmente com a expansão
cisterciense e as primeiras experiências góticas.

E) Igreja Românica
A planta tende a ser de cruz latina, com cabeceira semicircular, ainda que haja algumas igrejas de planta
centralizada, ligadas a ritos funerários, no fim do século XII. A nave de transepto acentua a separação entre
o espaço dos fiéis e o espaço sagrado do presbitério.

Tal disposição traduz a sensibilidade de um estilo em que os espaços são gerados por adição. Reconhecem-
se, também, todos os elementos estruturais desenvolvidos anteriormente, o que supõe uma nítida distin-
ção dos volumes que configuram externamente o edifício. A escultura e a pintura, que constituem parte
inseparável do edifício, contribuem para oferecer uma imagem mais dinâmica. No exterior, um elemento
importante é a torre ou o campanário, às vezes isolado, como em Pisa, mas sempre destacado, como nas
pequenas igrejas dos Pireneus, decorado com arcos cegos de influência lombarda, ou as proporcionais
igrejas castelhanas, como Santo Estêvão, em Segóvia.

As paredes das igrejas românicas são grossas, às vezes reforçadas por contrafortes. Nelas se abrem peque-
nos vãos e há uma lógica construtiva onde todos os elementos se encadeiam: vãos, linhas de imposta, co-
lunas e arremates. As portas e janelas afunilam-se e recebem esculturas nas arquivoltas, que se apoiam
sobre colunas. A cornija pode ter elementos clássicos e detalhes decorados. Os esforços distribuem-se por
meio de colunas – que podem ser isoladas, apoiadas ou seccionadas pela metade –, formando um núcleo,
em torno de um pilar, mais ou menos complexo. Conserva as mesmas partes que a coluna coríntia do
mundo romano, ainda que as proporções sejam distintas e o capitel, historiado com cenas religiosas.

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F) Artífices
Deve-se distinguir o artífice teórico, isto é, o indivíduo geralmente religioso (bispo, abade e monge) que
concebe a criação, sobretudo o programa iconográfico do edifício, do artífice prático, que é o conhecedor
do ofício, cujo nome é transmitido em poucas ocasiões, ainda que ele tenha consciência profissional de seu
trabalho.

Os edifícios eram construídos por mestres-de-obras que operavam sem desenhos prévios, o que explica
transformações e mudanças nas obras, ainda que cada uma das transformações resultasse em maior aper-
feiçoamento das técnicas e proporções.

Será apenas a partir do Renascimento que os artistas ganharão reconhecimento por seu talento individual
e começarão a assinar as peças.

Para o artífice românico, o único criador é Deus, autor de obras permanentes e perfeitas, entendidas como
instrumentos de salvação.

G) Temor a Deus
A iconografia românica tem função expressiva e simbólica: as imagens enviam mensagem e encarnam um
poder sobrenatural. Grande parte delas deseja expressar a onipotência divina. Também são frequentes os
motivos que exaltam a glória e o triunfo de Cristo, como a Ascensão aos Céus ou, sobretudo, a Maiestas
Domini, a visão apocalíptica de Cristo em Majestade, como nas igrejas francesas de São Pedro de Moissac
ou de Santa Madalena de Vezelay.

A igreja trata de instruir os fiéis sobre o cumprimento dos preceitos divinos que, em meio a precariedades
mundanas, os permitem alcançar a glória eterna. Por isso também é abundante a representação do Juízo
Final, visão reveladora do que cada um deve esperar, seja prêmio ou castigo.

H) Escultura
As primeiras esculturas aparecem na metade do século XI, adaptando-se ao marco arquitetônico (capitéis,
pontais de porta) que se tornou uma de suas características. Os escultores adquirem cada vez mais destre-
za na hora de responder a essa exigência.

De início, percebe-se uma linguagem estereotipada, com recursos representativos bastante convencionais,
e uma forma muito simples de talha gradualmente substituída por um maior naturalismo, em ocasiões de
inspiração romana. Isso se percebe com maior força na Itália, como, nos relevos da catedral de Modena,
executados por Wiligelmo, que provavelmente se inspirou em sarcófagos romanos.

No final do período românico, o escultor empenha-se em se desprender do marco arquitetônico e começa


a interpretar as figuras com maior liberdade. A simples caracterização dos rostos cede lugar a um estudo
dos traços faciais, ao passo que a vestimenta adquire valores táteis. Um dos artistas que exemplificam esse
processo é o mestre Mateo, autor do pórtico da Glória na catedral de Santiago de Compostela.

I) Imagens e Tesouros
Existem imagens talhadas em madeira, como o crucificado conhecido como Majestad Batlló, onde Cristo
aparece vestido, com os olhos abertos, triunfante sobre a morte. Outras vezes são cobertas com placas de

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metais preciosos, mas a policromia sempre tem destaque, sendo comum a existência de capitéis policro-
mados.

A igreja românica recebe numerosos objetos de uso litúrgico que compõem um tesouro sagrado, como
altares portáteis, enriquecidos com esmaltes, relicários ou simplesmente peças ornamentais de ouro, prata
ou marfim, às quais se concede valor material e simbólico singular.

J) Pintura
A maioria das pinturas românicas são afrescos sobre as próprias paredes do interior das igrejas, cobrindo
amplas superfícies com a intenção de configurar um ambiente espiritualmente impactante.

Realizados a partir de traços muito grossos e cores planas, de grande intensidade, formam imagens sintéti-
cas, com elementos essenciais, sem concessões naturalistas, sendo, portanto, herméticos e convencionais,
ainda que com gestos muito expressivos, de efeito imponente. Vêm acompanhados de símbolos que ser-
vem para caracteriza-los de forma individual. O discurso narrativo é encadeado de forma hierárquica, por
meio de faixas ou filetes em que se instalam as figuras, não havendo efeito de perspectiva. O sentido deco-
rativo da simetria é valorizado.

Na abside central das igrejas situa-se o Pantocrátor (Cristo em Majestade) ou a Virgem, enquanto nas pa-
redes laterais são representadas cenas do Antigo e do Novo Testamento. No Maiestas Domini da igreja
leridana de São Clemente de Tahull, cuja data de execução é por volta de 1123, hoje no Museu Nacional de
Arte da Catalunha, pode-se ver Cristo como juiz, entre as letras alfa e ômega, símbolos do princípio e do
fim, emoldurado em uma mandoria e com um livro onde poder ser lida a frase Ego sum lux mundi; nas la-
terais, apresentam-se um querubim, um serafim e o tetramorfos, símbolos dos evangelistas; na parte de
baixo, situam-se a Virgem e os apóstolos.

Uma das decorações murais mais notáveis é a do panteão dos Reis, no colegiado de São Isidoro de León,
da primeira metade do século XII, onde se mesclam as raízes autóctones moçárabes com inovações trazi-
das do outro lado dos Pireneus, como França, Itália e Germânia.

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Cápítulo 11 – Arte Goticá
A arte gótica desenvolveu-se no contexto europeu durante mais de 300 anos, perdurando em alguns luga-
res por mais tempo. Nesse período, houve uma constante evolução de estilo, marcado pela identidade de
cada território.

A) Baixa Idade Média


Na sociedade da Baixa Idade Média são produzidas profundas mudanças nas formas de vida e na concep-
ção do pensamento religioso, o que condiciona diretamente o aparecimento de um novo estilo, o gótico.
As cidades estavam crescendo a passos largos, fazendo surgir uma nova classe social urbana de artesãos e
comerciantes que, na catedral, encontrará o tipo de edifício mais representativo dos novos tempos. Lá
convergem todas as atividades artísticas. Ao mesmo tempo, surge uma religiosidade que põe ênfase no
aspecto intangível do espírito de Deus, que enche com sua luz o espaço da igreja.

Ainda que seja possível detectar uma evolução orgânica, o gótico configura-se como estilo novo, mas mui-
to diverso, em razão de sua complexa evolução, como também em virtude das variações regionais, possibi-
litando assim que pudesse chegar até o século XV. Na arquitetura, o gótico caracteriza-se por uma estrutu-
ra articulada que permite abrir grandes vãos nas paredes, que tendem à leveza e à verticalidade. Nas artes
figurativas, a natureza, como obra divina, apresenta-se em múltiplos detalhes.

Durante o gótico, desenvolveu-se uma série de processos que marcaram as épocas posteriores, inclusive
no que se refere à arte.

É a época das universidades, que começam sua expansão e se estabelecem como berço da cultura, deslo-
cando o foco antes concentrado nas escolas catedralescas e monásticas.

As cidades começam sua expansão e nelas surgem exemplos mais característico do gótico, como símbolos
delas mesmas: as catedrais, que refletirão êxitos e gostos das classes urbanas, manifestando assim seus
ideais.

Durante o século XIII, os reinos ocidentais começam a assentar-se e a expandir-se, tornando-se as bases,
quando não o germe direto dos Estados Modernos. Neles, a monarquia se estabelece como forma política,
e em seu entorno realiza-se um amplo conjunto de representações artísticas que tem no gótico seu veículo
de expressão.

Inicia-se na mesma época um renascimento do comércio, que se apoiará nas incipientes classes urbanas e
no crescimento das cidades. Fruto disso será o surgimento de obras do gótico de caráter laico, como os
mercados mediterrâneos ou as sedes municipais do norte da Europa.

Ao mesmo tempo, as classes que enriquecem por intermédio do comércio começam a interessar-se por
arte, financiando-a ou comprando-a. Por isso, gostos específicos de cada porção territorial introduziram
diferenças regionais no panorama do gótico europeu que, com o tempo, tende cada vez mais à decoração
profusa e carregada.

B) Arquitetura

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A construção de um edifício gótico obedece ao emprego coordenado de uma série de elementos formais,
que respondem ao desejo de dar transparência às paredes, produzindo como resultado um espaço lumino-
so de limites materiais imprecisos.

Ao analisar uma igreja gótica, é possível ver a estrutura ascensional lógica onde, em seu interior, abóbadas
de ogiva sustentam-se sobre esbeltos suportes de colunas, que permitem abrir grandes vãos de arcos
apontados, com vitrais, pelos quais a igreja inunda-se de luz, e no exterior, através de arcobotantes e con-
trafortes, as cargas diversificam-se. Tal sistema supõe articulação do espaço em tramas formadas pela
abóbada e suportes correspondentes.

Os escritos de Suger, abade de Saint-Denis, explicam o espírito impulsionador do novo estilo e origens.
Imbuído de neoplatonismo, Suger considera que as belezas materiais constituem reflexo divino, o que jus-
tifica a riqueza da igreja: vitrais e vasos sagrados de ouro e pedras preciosas, que refletem a luz de Deus.

Na consagração da nova cabeceira de Saint-Denis, no ano 1144, autêntico marco do gótico, participou o rei
da França, Luís VII, o que prova a vinculação da Monarquia à Igreja.

O gótico nasce na Île-de-France, em Paris, cuja catedral é um dos definidores do primeiro momento gótico,
chamado “gótico pré-clássico”. Algumas de suas características são a utilização de abóbadas sexpartidas, a
alternância de suportes fortes e débeis e o uso de paredes interiores de quatro corpos, quer dizer, arcos,
tribuna, trifório e clarestório, como em León, na Espanha. Todas foram desenvolvidas durante a segunda
metade do século XII. A construção de catedrais originou a competição entre cidades, cujo objetivo era
erguer as maiores alturas.

À primeira metade do século XIII corresponde ao “gótico clássico”, quando se constroem as catedrais de
Chartres, Reims e Amiens, na França, cujas estruturas espaciais e proporções são bastante harmônicas.

Durante a segunda metade do século XIII e XIV é desenvolvido o “gótico radiante”, caracterizado por maior
leveza e luminosidade, multiplicando-se os raios das rosáceas, como na Saint-Chapelle de Paris.

Em geral, a evolução formal da arquitetura francesa também se aplica à da Espanha, ainda que de recep-
ção mais tardia. Nas catedrais espanholas, o coro dispõe-se no meio da nave central, interrompendo-se
assim a continuidade visual do eixo que vai da fachada até a cabeceira, como na França. As três grandes
catedrais góticas do século XIII, que receberam apoio dos bispos e reis, são as de Burgos, Toledo e León.

A de Burgos, de três naves, com transepto de nave única, recebeu numerosos acréscimos posteriores que
produzem grande diversidade. Já a de Toledo, de cinco naves, implica a inserção de modelo europeu em
ambiente de forte presença islâmica e judia. A de León, extraordinariamente luminosa, com os melhores
vitrais, mais francesa e, provavelmente, mais “purista”, características que contribuíram para a sua restau-
ração.

C) Escultura
As portadas com esculturas, da época gótica, são heranças das portadas românicas, tanto por seu sentido
didático quanto pela disposição das peças, que ocupam o tímpano, o dintel, as arquivoltas, a caxilharia e as
jambas. Além disso, as portadas góticas possuem gabletes, arremates em ponta em uma parede ou vão.
Não obstante, há diferenças nas formas iconográficas: de um lado, ainda que conservem a referência do
marco, as figuras aparecem mais independentes e, sobretudo, mostram em suas atitudes sentimentos

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humanos, como a doçura da Virgem ou o sofrimento de Cristo; de outro, cada portada tem um programa
iconográfico próprio.

Em Chartres, por exemplo, a fachada oeste faz referência à vida de Cristo, a norte à de Maria e a sul à dos
santos e ao Juízo Final. Embora nem sempre haja regulação estrita, é comum encontrar esses ciclos temá-
ticos nas portadas, de maneira que sejam reconhecidas passagens concretas da vida da Virgem, como a
Anunciação, a Visitação ou o Trânsito, ou da vida de outros santos, inspirados na Legenda Dourada de Ja-
cobo de Vorágine.

Durante os séculos XIII e XIV, os escultores parisienses alcançaram grande destreza no trabalho do marfim,
inspirando-se na escultura monumental: surgem peças de pequeno tamanho, delicadas e elegantes. São
muito modernas no sentido estilístico, pois nelas aparecem caracterizados os sentimentos das figuras re-
tratadas.

Na Inglaterra, durante os século XIV e XV, trabalhou-se a escultura de alabastro: figuras de dimensões
igualmente reduzidas, exportadas para todo o continente, que gozavam de grande apreço entre a burgue-
sia.

Entretanto, na Itália surge um modelo estilístico muito diferente do resto da Europa, no que se refere à
forma de conceber as artes figurativas. No que diz respeito à escultura, tomam-se como exemplo os mode-
los romanos, em especial, os sarcófagos. Em Pisa trabalha Nicolas Pisano, autor, em 1260, do púlpito do
batistério da catedral, um elemento que alcança um grande prisma; cada uma de suas faces é coberta com
esculturas. Ainda que os corpos sejam um tanto encurtados na Itália, as figuras têm forte relevo, com ca-
beças muito clássicas.

Em Borgonha trabalha, no final do século XIV, um grande escultor, Claus Sluter, caracterizado pelo estilo
monumental e realista: sua obra-prima é o Poço de Moisés em Dijon.

Em torno da morte desenvolve-se uma especialidade escultórica, favorecida por um sentido novo a respei-
to do fato que afeta a ênfase posta em sua dimensão pessoal: o indivíduo que enfrenta um juízo particular
de seus atos.

A relevância da morte na vida cotidiana da Baixa Idade Média traduz-se em uma abundante iconografia,
em forma de esqueleto com a foice, por exemplo, reflexo de uma ameaça permanente sobre a futilidade
da vida, mas, sobretudo, do próprio morto, geralmente acompanhado de relevos ou figuras que aludem ao
cortejo fúnebre.

Os sepulcros monumentais podem ser isolados, situados no centro de uma capela funerária, ou apoiados
em uma parede, variedade herdada do mundo paleocristão. O morto aparece de forma jacente ou supli-
cante.

A jacente, que a princípio trata-se de uma figura concebida para ser vista em vertical, mas disposta na hori-
zontal, destituída portanto de qualquer verossimilhança, evolui até o naturalismo: algumas vezes as figuras
aparecem no leito como se estivessem dormindo ou acabado de morrer, com todas suas armas e vesti-
mentas; outras vezes, deitadas com os olhos abertos, em atitude bem-aventurada; às vezes, também, são
representadas recostadas, como o rapaz Martín Vázquez de Arce, na catedral de Siguenza, na Espanha.

As figuras suplicantes situam-se diante do sarcófago, em atitude de adoração perpétua, como no sepulcro
do infante Dom Alfonso na cartuxa de Miraflores, de Gil de Siloé, em alabastro, profusamente decorado,
onde o autor alcança qualidade táteis.
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D) Pintura
Do século XIII, foram conservadas apenas as pinturas, mas por meio dos vitrais e iluminuras é possível
identicar um estilo linear – pela importância das linhas do desenho –, cujos melhores exemplos foram pre-
servados na França, onde se usam cores vivas e contrastantes.

No começo do século XIV tem destaque um extraordinário miniaturista, Jean Pucelle, cujas ilustrações
apresentam tonalidades de cor que definem composições dotadas de volume.

Um século mais tarde, alguns dos mais famosos artistas são os irmãos Limbourg, Pol, Herman e Jean, que
trabalhavam para o Duque de Berry, irmão do rei da França, Carlos V: de sua obra, destacam-se As Riquís-
simas Horas do Duque de Berry, em que são oferecidas imagens da vida campesina e cortesã.

Em virtude das circunstâncias culturais, tais como a vigência das tradições clássicas, a proximidade do
mundo bizantino, e da situação histórica em que o poder do papado e do Império impedem o desenvolvi-
mento e a autonomia das cidades, a pintura italiana dos séculos XIII e XIV apresenta singularidades em
relação ao restante do continente. Assim, se alude à profundidade espacial, ganham força os estudos ana-
tômicos em combinação com gestos sentimentais, e a luz serve para graduar as tonalidades e harmonizar a
gama cromática. Tais transformações produzem-se, sobretudo, em Florença e Siena.

Outra particularidade italiana é a importância dos afrescos, muito presentes apesar de seu crescente esgo-
tamento no restante da Europa. Em Florença, o grande artista renovador é Giotto (c. 1266-1337), um dos
maiores nomes da história da arte, considerado o ponto de partida da pintura moderna. Giotto busca ins-
piração no natural e por isso rompe com as convenções reinantes: suas sóbrias figuras apresentam grande
corporeidade, graças ao modo com que as cores são trabalhadas, tornando-se claras ou escuras em função
da luz, alcançando solenidade escultórica de volumes simples. Do ponto de vista da verossimilhança espa-
cial, suas cenas são coerentes. Referem-se a ações teatrais que podem ser descritas em termos narrativos.
Sua maior obra é a decoração mural da Capela Scrovegni, em Pádua, onde sobressai um domínio da repre-
sentação do espaço em profundidade para ordenar suas cenas.

A escola sienense, em transformação, é muito mais dependente das tradições, se comparada às novidades
introduzidas por Giotto: seus pintores desenvolveram um gosto pelo linear, com silhuetas sinuosas e com-
posições rítmicas, assim como uma preferência pelas cores vivas e limpas, acentuadas pelo brilho dos fun-
dos dourados. Os pintores mais importantes são Duccio di Buoninsegna, autor de Maestá (1308-1311), da
catedral de Siena, onde aparece a Virgem rodeada de anjos e santos, o que revela sua proximidade com o
bizantino; os irmãos Lorenzetti, sobretudo Ambrogio, autor das pinturas do Palácio Público, com cenas
urbanas e do campo que possuem grande ilusionismo; e Simone Martini, que é o mais delicado.

A partir de 1400, em toda a Europa as diferenças nacionais diluem-se no que tem sido chamado de “estilo
internacional”, em que se convergem, de um lado, o refinamento e a elegância relacionados com a tradi-
ção sienense, mesmo que com maior riqueza de detalhes e cores, e, de outro lado, o naturalismo, frequen-
te das iluminuras francesas, com um gosto pelo descritivo e anedótico.

Nos reinos peninsulares, o maior desenvolvimento do gótico internacional corresponde à Coroa de Aragão,
especialmente a Catalunha, onde Barcelona constitui um foco de significativa importância. Os nomes mais
relevantes foram Lluis Borrasà (de Girona, em atividade entre 1379 e 1426), que montou um ateliê onde se
produziram numerosos retábulos, como o de São Pedro, na Igreja de Santa Maria de Tarrasa, e Bernat
Martorell (em atividade entre 1427 e 1452), autor do retábulo da transfiguração da Catedral de Barcelona,
entre outros trabalhos.
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Em Castela, sem dúvida, as obras de maior envergadura foram realizadas por estrangeiros, como Dello Del-
li, autor do retábulo da catedral velha de Salamanca, e Nicolas Frances, em atividade em León.

E) Intelectuais
Desde o século XIX, quando se redescobriu e reinterpretou o estilo gótico, algumas vezes de maneira raci-
onalista e, em outras, espiritualista, os historiadores passaram a refletir sobre as circunstâncias intelectuais
e religiosas produtoras de sistema construtivo tão peculiar.

O historiador de arte alemão Erwin Panofsky (1892-1968) relacionou arquitetura gótica com pensamento
escolástico, encontrando princípios comuns: a subordinação das partes à ideia global, com cada uma en-
cerrando lógica dedutiva que leva às demais, apresentação de paralelismo com o sistema de pensamento
articulado do escolasticismo, em que tudo conflui em uma só totalidade.

Outros autores têm interpretado a igreja gótica não só como espaço funcional, mas antes de tudo como
símbolo, a Igreja dos eleitos, a Jerusalém celeste. Isso explicaria a harmônica geometria que rege as igrejas
góticas, tanto no que diz respeito às plantas baixas quanto às elevações, reflexos do arquiteto supremo,
Deus, o grende geômetra; e, também, a atmosfera resplandecente, obtida pelos vitrais coloridos que nos
aproximam de Deus.

F) Pintura Flamenga
A região de Flandres – onde se destacam, entre as cidades, Bruxelas e Gent –, dependente politicamente
do Duque de Borgonha, alcança riqueza considerável durante o século XV, como consequência do artesa-
nato e comércio. Tal momento de esplendor econômico coincide com a consolidação de uma escola de
pintura de extraordinária personalidade, que terá grande influência em toda Europa, mas especialmente
na península Ibérica. Ao mesmo tempo, a partir da Itália, difunde-se o Renascimento.

Quatro aspectos fundamentais definem a pintura flamenga do século XV:

• Sociologicamente, seu sistema de produção artístico é herdeiro da tradição medieval, com um sis-
tema gremial (mestres e discípulos), em que tem destaque a concepção artesanal diante da consci-
ência individual, fortemente intelectualizada, do mundo italiano do mesmo período;
• Tecnicamente, os pintores flamengos alcançam uma perfeição tão grande em suas pinturas a óleo
(técnica então nova) que constituem referência histórica indiscutível, destacando-se as veladuras
(tintas transparentes que suavizam o tom da pintura), a maior riqueza e intensidade do colorido e,
sobretudo, um virtuosismo sem precedentes na execução das obras;
• Do ponto de vista da concepção espacial das cenas, os pintores flamengos conseguem, de forma in-
tuitiva, um ilusionismo paisagístico em que se inserem as figuras, ainda mais espetacular que os
pintores italianos contemporâneos, mais interessados nos problemas teóricos da perspectiva geo-
métrica;
• E, por fim, no que diz respeito à percepção concreta, há o desejo de se representar as coisas como
são vistas pelo olho humano, entendido em termos de sua precisão detalhista; nesse sentido, ad-
quire importância o retrato, assim como os diferentes detalhes que intervêm na composição pictó-
rica, favorecendo paradoxalmente o simbolismo dos elementos representados.

G) Mestres Flamengos

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O maior dos pintores flamengos é Jan van Eyck (c. 1390-1441). Em colaboração com seu irmão Hubert, que
começou a obra, realizou o políptico do Cordeiro Místico, terminado em 1432, cuja tábua central mostra as
pradarias celestiais, com os diversos estados da condição humana, religiosos, magistrados, cavaleiros e
alegorias das virtudes. Tais personagens adoram o Cordeiro Místico em um amplo espaço exterior, típico
da arte flamenga. De sua obra como retratista cabe destacar O Casal Arnolfini, que deve ser entendido
como um elaborado “certificado de matrimônio”, com complexa linguagem de símbolos e metáforas, tes-
temunho do rebuscado pensamento que impregna a obra de Eyck, em que todos os objetos do quatro con-
têm significado.

Outros destacados pintores flamengos foram Rogier van der Weyden (c. 1400-1464), que alcançou grande
popularidade graças ao dramatismo emotivo de suas obras, como no esplêndido A Descida da Cruz; Hans
Memling, de origem alemã e em atividade em Bruxelas, que apresenta um estilo suave e delicado; Hugo
van der Goes, cujos rostos mostram uma inquietante intensidade expressiva; e, sobretudo, por sua origina-
lidade extraordinária, Bosch (c. 1450-1516), autor do espetacular tríptico O Jardim das Delícias, uma autên-
tica profusão de imagens estranhas e sugestivas, de simbolismo obscuro, tão fascinantes quanto inquietan-
tes.

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Cápítulo 12 – Arte Islámicá
Muito vinculada à religião que lhe deu origem, a arte islâmica é iconoclasta e supõe a valorização da escri-
ta, que se torna parte da decoração. A diversidade dentro da unidade é uma de suas principais característi-
cas.

A) Conceito de Arte
A arte do islã está profundamente vinculada a um sentimento religioso, que se inicia com a pregação de
Maomé na Arábia em princípios do século VII e engloba diferentes povos, de Gibraltar até a Índia, consti-
tuindo formas de expressão próprias até hoje. É difícil, por isso, determinar traços comuns que identifi-
quem uma cultura tão vasta no espaço e no tempo, construída com influências diversas.

Crê-se num Deus único (Alá), conhecido por sua palara (Alcorão). Pode-se dizer, também, que o islamismo
e sua arte supõem a valorização da escrita, que se converte em decoração como substituto da imagem da
figura humana. Um preceito alcoranista diz que é proibido a adoração de ídolos, portanto não são permiti-
das representações visuais de divindades.

O ato religioso é considerado uma experiência mística e vital, que impregna o cotidiano diante do natura-
lismo servil e da racionalização ocidentais. Assim, a arte islâmica é iconoclasta, cedendo à escrita um inusi-
tado valor decorativo, e muito variada, dada a grande diversidade geográfica e temporal possuída. A diver-
sidade dentro da unidade é, então, uma das principais características que a distinguem.

A permanência de certas formas, identificadas no âmbito cristão da Idade Média e começos da Idade Mo-
derna, dão como resultado uma arte de síntese, o arabesco, muito relacionado à península Ibérica, sendo
estendido às Américas espanhola e portuguesa, onde contará com numerosos exemplos, já desprendidos
da religião islâmica, mas não da arte que dela emana.

B) Origens do Islã
O islamismo surge a oeste da península Arábica no século VII, quando o profeta Maomé prega o islam, pa-
lavra que significa “submissão” a Deus. Nessa religião, gerada também a partir do contato com o judaísmo
e o cristianismo, o arcanjo Gabriel é quem comunica a Maomé os princípios do islã, escritos depois de sua
morte no Alcorão, no ano 653.

A expansão do islamismo é rápida e intensa e abrange ampla região que vai da península Ibérica ao norte
da África e Oriente Médio, até chegar à Índia. Não obstante, não se trata de um território, política ou cultu-
ralmente unitário, nem muito menos cabe identificar a arte islâmica como arte medieval – apesar de a arte
islâmica, na península Ibérica até o século XV, possuir elementos que contribuem para se reforçar tal equí-
voco. Bastante diferentes são as dinastias e os centros de poder que, desde a morte de Maomé, dão per-
sonalidade à cultura islâmica, com intercâmbios mútuos.

C) Centros Artísticos
O primeiro período importante da arte islâmica é o da dinastia Omíada, que estendem seu poder desde
Damasco até a península Ibérica. Um califa omíada converte a Andaluzia, na Espanha, em um califado in-
dependente, com capital em Córdoba, cujo maior esplendor corresponde ao século X. Depois do período
omíada vem o da dinastia Abássida, cujo centro mais importante é a cidade de Bagdá dos séculos VIII e IX.
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Os centros islâmicos também importantes na Idade Média são Cairo, no século IX, e Samarcanda e Grana-
da, no século XIV. Mas tal esplendor islâmico medieval não deve obscurecer outros três espaços funda-
mentais ao desenvolvimento artístico durante a Idade Moderna: em primeiro lugar, o Império Otomano,
cuja capital Istambul floresce especialmente no século XVI, quando o arquiteto Sinan concebe um típico
modelo de mesquita, de planta central, inspirado em Santa Sofia; em segundo lugar, o Império Sefévida, na
Pérsia, cuja capital Isfahan alcança grande esplendor no século XVII; e, por fim, o Império Mongol, na Índia,
onde é erguido o famoso mausoléu conhecido como Taj Mahal (1631-1648), em Agra, uma construção es-
petacular de mármores, que evoca o Paraíso.

D) Arte e Religião
Os princípios do Alcorão, que refletem a palavra de Alá, não só oferecem as pautas para o comportamento
social e moral no mundo islâmico como também explicam em grande medida o sentido da arte nessa cul-
tura.

Os cinco princípios ou pilares do islamismo, com suas consequências artísticas, são os seguintes:

• O professor da fé (“não há mais deus que Alá e Maomé, seu profeta”), o que supõe uma primazia
da mensagem sobre o mensageiro (diferente do cristianismo) e, portanto, da escrita, que se con-
verte em uma forma de ornamentação;
• A oração ritual, várias vezes ao dia, que não requer necessariamente um edifício, é praticada como
celebração na mesquita;
• A esmola, que se relaciona com a existência de diferentes instituições de caridade;
• O jejum, durante o mês de Ramadã, prática que possui menos inferências artísticas;
• A peregrinação a Meca, ao menos uma vez na vida, que gera forte sentido de unidade e de inter-
câmbios culturais. Em alguns momentos teve também importância a Guerra Santa, ou Luta contra o
infiel, que explica a expansão do islã.

E) Arquitetura
A mesquita é o maior símbolo da arquitetura islâmica. Mas há outras novidades construtivas, introduzidas
pelo islã, que podem ser mais bem reconhecidas a partir da configuração de alguns tipos arquitetônicos,
assim como em um sistema decorativo e de estruturação espacial, do que pela formulação de uma nova
linguagem arquitetônica em si mesma.

Entre os edifícios com função religiosa estão a madrasa, escola teológica onde também residem os estu-
dantes, estruturada em torno de um pátio, com salas comuns e mesquita privada; o rabat (ou arrábida),
que surge na época abássida, uma construção fortificada para abrigar monges guerreiros; e o mausoléu,
ainda que a ortodoxia islâmica preconize a igualdade de todos os crentes na tumba.

Os principais edifícios civis são o zoco (ou mercado), o caravançará (ou albergue fortificado), destinado aos
comerciantes, os banhos e, sobretudo, os palácios, com esplêndidos jardins, onde se sucedem diferentes
ambientes de uso público e privado. Também teve muita importância a arquitetura militar, com recintos
fortificados, portas monumentais e torres de defesa.

Iconoclastia
O Alcorão adverte contra a adoração de ídolos, mas não contra a representação de pessoas e de outros
seres vivos. Mas o Hadith, uma compilação dos fatos e palavras do profeta, escrita após a morte de Mao-

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mé, apresenta severas proibições contra a representação de seres humanos e de todos os animais. Tal se-
veridade é imputada à importante influência do judaísmo no início da religião islâmica, em virtude da ori-
gem semitaç de ambas as religiões. Sem dúvida, existem representações isoladas e menores de pessoas e
animais dentro da arte islâmica. Em alguns casos, aproveitou-se o trabalho dos não-muçulmanos para in-
troduzir representações de animais em suas obras.

F) Ornamento
A simplicidade dos materiais habitualmente empregados na arquitetura islâmica, como o tijolo, o gesso e o
estuque, que em si mesmo carregam certa sensação de mutabilidade (só Deus é inalterável, tudo o mais
muda), contrasta com o acúmulo de recursos decorativos ou cenográficos que fazem parte da percepção
artística do espaço islâmico, conseguindo gerar efeitos de ilusionismo. Pode-se dizer que, apesar de o exte-
rior ser pobre – a ostentação é geralmente considerada como de mau gosto –, o interior é sofisticadamen-
te cuidado, como se houvesse a vontade de esconder o profundo sob uma aparência humilde. Podem ser
destacadas, em particular, duas características dos interiores islâmicos: de um lado, um espaço evanescen-
te, obtido pela multiplicação dos planos de colunas e paredes, o que contribui para criar uma indefinição
dos limites do espaço; tal evanescência igualmente se configura mediante efeitos de luz incidida sobre su-
perfícies brilhantes de azulejos ou por entre frestas e pequenos vãos abertos nas paredes; de outro, a pro-
fusão ornamental, que se repete por toda parte, gera dinamismo e continuidade.

A religião muçulmana é anicônica, isto é, não utiliza imagens, mas palavras para apresentar os conteúdos
de sua fé: “não pinteis mais que árvores, flores e seres inanimados”, dizem os mais escrupulosos princípios
islâmicos. A exceção ocorre na representação de proeminentes governantes, mas quase sempre em recin-
tos privados ou em miniaturas. Entretanto, a decoração constitui capítulo fundamental da arte islâmica.
Está representada por três tipos: caligráfica, vegetal e geométrica. A importância da palavra na religião
islâmica determina sua valorização, não somente por seu conteúdo, mas também pela forma. Há dois tipos
de escrito, a cúfica, com signos angulosos e sóbrios, e a nasjí, com traços mais livres e cursivos.

Tal ênfase formal no signo implica que o exercício da escrita – copiar o Alcorão – era considerado uma ati-
vidade artística: o traço converte-se no portador da mensagem que, em combinação com outros traços e
mensagens, conforma um plano decorativo que transcende o ornamental por adquirir valor sagrado. Mas
há caligrafia também na decoração arquitetônica: os edifícios recebem inscrições, geralmente suras do
Alcorão, que de certo modo cumprem um papel similar ao das imagens cristãs.

A decoração vegetal relaciona-se com a evocação do Paraíso e com a importante presença da natureza,
sempre em estreita relação com a arquitetura na vida islâmica. Geralmente os motivos concretos tendem a
estilizar-se, como os atauriques, relevos de estuque que utilizam forma representativa de pinhas e folhas
de acanto, mas ao mesmo tempo parecem abstratos, apresentados em painéis planos quase sempre pin-
tados em cores vivas que, se comparados aos templos religiosos do Ocidente, conferem aos interiores as-
pecto exótico.

A decoração geométrica baseia-se na repetição e multiplicação de linhas que se cruzam formando motivos
diversos, tendo o painel como único limite. Aplica-se tanto a azulejos de cerâmica vitrificada que cobrem
as paredes, como a trabalhos de marchetaria, a exemplo das rótulas.

Além de algumas pinturas e esculturas importantes (por exemplo, em palácios omíadas), a grande manifes-
tação artística do mundo islâmico é o esmerado trabalho de objetos úteis, muitos deles oriundos dos ate-
liês de Andaluzia. Em primeiro lugar, devem ser considerados os tecidos de seda e com motivos geométri-
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cos que se repetem, semelhantes aos motivos arquitetônicos. São utilizados para fazer luxuosos vestidos.
Em segundo lugar, o enxoval doméstico, variado e complexo, é executado em diversos materiais (bronze,
vidro e cerâmica).

Concretamente, nos objetos de cerâmica são empregadas diversas técnicas, como a corda-seca, procedi-
mento de cerâmica vitrificada que possui as cores separadas por fina linha à base de material graxo volátil
ao se coser os objetos. O produto mais luxuoso é a louça dourada, fabricada em Granada. Também teve
muita importância o trabalho em marfim, especialmente na Córdoba dos séculos X e XI, talhado com moti-
vos vegetais ou geométricos e com escritura cúfica, cobrindo por completo a superfície do objeto, que era
muito apreciado como presente.

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Cápítulo 13 – Arte Renáscentistá
A partir do início do século XV, a Itália viu o surgimento de uma nova corrente cultural e artística, que bus-
cava suas raízes na Antiguidade Greco-Romana. Os artistas renascentistas se consideravam sucessores dos
mestres da Grécia e da Roma Antiga.

A) Contexto
O Renascimento é o período cultural que se desenvolveu na Itália a partir de 1400, e que se consolida no
século XV, conhecido pelo nome de Quattrocento. Sua plenitude é alcançada durante os primeiros anos do
século XVI, chamado de Cinquecento, período em que se difunde pela Europa.

A arte do Renascimento tem como objetivo a restauração dos ideais da Antiguidade Clássica, a partir de
uma concepção humanista da atividade criativa. Isso supõe uma valorização autônoma da obra de arte,
destinada a proporcionar um prazer sensível e intelectual como resultado de elaboração racional.

O Quattrocento é o século da experimentação e da especulação teórica, cujo centro principal é a cidade de


Florença: a ordem e a claridade da arquitetura de Alberti, a melancólica humanidade da escultura de Do-
natello ou a importante solenidade de Piero della Francesca constituem algumas das referências visuais da
época. A recuperação dos textos clássicos, a exemplo de Da Arquitetura, de Vitruvio, assim como a análise
das ruínas romanas, são o ponto de partida para os artistas renascentistas.

No início do século XVI o Renascimento alcança sua plenitude. É a época dos gênios: Bramante, na arquite-
tura, e Leonardo, Rafael e Michelangelo na escultura e na pintura. Roma converte-se, sob o mecenato dos
papas, no novo centro de gravidade da arte.

B) Humanismo
O Renascimento apoia-se no legado clássico como meio de alcançar um nível artístico perdido e mitificado,
como o dos antigos gregos e romanos. Não se trata, porém, de repetição do repertório do passado, mas
sim de interpretação do modelo considerado admirável. A aproximação em relação à Antiguidade verifi-
cou-se por meio da análise filológica dos textos e ruínas romanas, assim como das contribuições de sábios
bizantinos que chegaram à Itália fugindo de Constantinopla, no momento da tomada da cidade pelos tur-
cos em 1453.

O humanismo é um movimento cultural, surgido em Florença em meados do século XIV, que aspira alcan-
çar a plenitude das capacidades humanas por meio do conhecimento da cultura antiga, por sua vez trans-
mitida por textos e objetos. O humanismo manifesta-se no emprego de procedimentos reflexivos à análise
do mundo, baseados na experiência e comprovação de causas dos distintos fenômenos, com a explicação
racional de seus resultados. As consequências da cultura humanista para o desenvolvimento das artes são
decisivas. A arte do Renascimento é antropocêntrica, isto é, gira em torno do ser humano que contempla a
realidade do mundo, em contraposição ao teocentrismo medieval, com tudo o que isso influencia os cam-
pos da visão, dos temas, da justificação da criação e das proporções das obras. No entanto, o afã do co-
nhecimento está ligado ao colecionismo da obra de arte e de seu estudo, com a correspondente hierarqui-
zação crítica.

Por essa razão, desde o Renascimento, história da arte e atividade artística passaram a estar estreitamente
unidas. Além disso, a cultura humanista, ao tratar de integrar as distintas facetas do conhecimento, convi-
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da à consideração da arte como marco de outras experiências culturais, que vão da capacidade da pintura
para evocar uma narração literária ou mensagem poética ao estabelecimento dos fundamentos matemáti-
cos da arquitetura.

C) Teoria e Artista
A criação artística cobra forte sentido experimental, próximo à ciência, isto é, com um componente racio-
nal e objetivo. Nesse sentido apresenta-se, por exemplo, a necessidade de representar, nas artes figurati-
vas, um espaço verídico, controlado pela mente. Daí nasce a perspectiva artificial, sistema de representa-
ção que imita a visão natural e reproduz espaço e figuras segundo uma relação proporcional. Para isso,
tem-se no horizonte o ponto de fuga, em que convergem todas as linhas que partem do plano pictórico,
que é uma projeção do olho do artista/espectador. O grande teórico do Quattrocento foi Leon Batista Al-
berti, em cujas obras são estabelecidos princípios sobre pintura (De Pictura), escultura (De Statua) e arqui-
tetura (De Re Aedificatoria), aplicados até o século XVIII. Ele se mostra firme defensor da geometria, ciên-
cia em que se fundamenta proporções, composição e ordenação das partes. Todo esse esforço racional
direciona-se à ideia de que o trabalho do artista é o de um profissional, exigindo, portanto, profunda pre-
paração.

O poder político na Itália do século XV está fragmentado em diferentes Estados. Em Florença, a autoridade
reside no signore, um burguês com uma visão mais material e menos idealista do mundo. Em Roma, o pa-
pado sentiu-se herdeiro do império cristão de Constantino. Em ambos os casos, ainda que não se possa
falar de cultura à margem da religião, a criação artística é fortemente impregnada de paganismo.

Assim, surgem novos temas, como a mitologia e a história greco-romanas. O trabalho do artista, até então
considerado mecânico e artesanal, passa a ser valorizado por sua dimensão intelectual. A arte torna-se
apreciada porque é capaz de produzir o belo, categoria nova, à margem de uma utilidade. Por sua capaci-
dade de conferir forma física à beleza, o artista passou a ser considerado, pela primeira vez, um gênio, re-
conhecimento importante para que as obras de arte fossem apreciadas como objetos autônomos, não ne-
cessariamente vinculados a funções religiosas ou políticas.

D) Arquitetura
Os desenhos arquitetônicos das ruínas ou dos edifícios do passado, ainda conservados, assim como sua
própria restauração a partir de referências literárias, foram decisivos à formulação do sistema arquitetôni-
co renascentista. Ele se caracterizaria pelo uso dos elementos clássicos (colunas, frontões, ordens, tipos de
edifícios) e pela unidade espacial, com ambientes e proporções harmônicas, resultado de aplicações ma-
temáticas e geométricas.

Uma das principais fontes teóricas que serviram como inspiração e referência foi Da Arquitetura, de Vitru-
vio. Editado inúmeras vezes entre os séculos XV e XVI e acompanhado de inúmeras ilustrações, o trabalho
se tornaria amplamente conhecido e utilizado.

E) Arquitetos
Filippo Brunelleschi (1377-1446), como tantos outros artistas do Renascimento, foi homem de muitas ati-
vidades. Foi ourives e arquiteto, pesquisador da perspectiva e das ruínas romanas e grande conhecedor do
sistema construtivo gótico.

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Entre 1417 e 1420 projetou a cúpula da catedral de Florença, que se converteu em símbolo cívico de uma
nova era. Foi construída com um sistema de nervuras, ao estilo gótico e que oferece um perfil em ponta,
reforçado com ligaduras horizontais concêntricas, que na realidade formam um cúpula dupla, com um es-
paço oco, que alivia o peso sobre o tambor. Além de projetar a cúpula de Santa Maria del Fiore, Brunelles-
chi empreende a realização de duas igrejas de planta basilical: São Lourenço (1419) e Santo Spirito (1434).

São Lourenço, encomendada a Brunelleschi nos tempos de Cosme de Médici, mecenas do arquiteto, tor-
nou-se a igreja da família. Sua estrutura baseia-se em quadrículas, que formam uma relação entre as par-
tes: na planta se reconhece a racionalização do espaço, em busca de uma perfeição geométrica; no interior
vê-se um repertório de fórmulas clássicas, tomando-se a coluna como módulo; a cobertura da nave central
é plana, e as naves laterais possuem abóbadas baídas (resultado do corte de semiesfera por quatro planos
verticais e perpendiculares entre si).

Outras obras de Brunelleschi são o Hospital dos Inocentes, de 1419, com uma loggia, galeria coberta e
aberta, com arcos plenos sobre colunas; e a Capela Pazzi, em Santa Croce, de 1429, também em Florença,
uma construção centralizada, onde se utiliza um motivo muito característico, a serliana, combinação for-
mada por três vãos entre colunas ou pilares, sendo que o do centro é arqueado e os laterais apresentam
dintéis.

Leon Batista Alberti (1404-1472), além de arquiteto, era um humanista e teórico de primeira grandeza,
preocupado especialmente com o papel das ordens geométricas na articulação das paredes, a decoração e
a ordenação simétrica dos elementos tectônicos, com o fim de conseguir a harmonia entre todas as partes
que intervêm em um edifício, por meio da utilização de um módulo. Na arquitetura religiosa, Alberti preo-
cupa-se com a iluminação zenital, que requer a entrada de luz por vãos elevados.

Outros destaques são o Templo de Malatesta, em Rímini (c. 1450-1468), e a fachada da Igreja de Santa
Maria Novella, em Florença (1458-1470), em que tem uma solução unitária ao utilizar as volutas para pas-
sar visualmente o corpo inferior, mais largo, ao superior, mais alto e estreito, por corresponder à nave cen-
tral.

Sua obra de maior envergadura, sem dúvida, é a Igreja de Santo André de Mântua. No exterior aparece o
tema do arco triunfal, arrematado por um frontão que proporciona à fachada um aspecto completamente
novo, com uma superfície medida e rítmica. No interior, um grande espaço longitudinal coberto por uma
abóbada de berço contínua. As paredes ordenam-se por pilastras, com um vão central entre os maciços
adintelados, o chamado sintagma triunfal ou albertiano, que se repete serialmente formando o que se de-
nomina travata rítmica.

No Palácio Rucellai (c. 1459), em Florença, Alberti idealizou uma fachada de acabamento almofadado que
acentua o contraste de luzes e sombras e serve para conferir relevo ao geometrismo. Há também superpo-
sição de ordens: pilastras da ordem toscana na parte baixa da fachada e capiteis coríntios nos outros dois
pavimentos.

F) Urbanismo
A cultura do Quattrocento é eminentemente urbana, pois esse foi o ambiente em que se criou e desenvol-
veu a nova corrente artística. Tal fato deve-se ao momento político da Itália, à época dividida em numero-
sas cidades-Estado (algumas com sistema de república e outras com governo senhorial).

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Pode-se considerar a existência de um modelo de cidade ideal, reflexo de uma harmonia política e estética,
reconhecida em projetos e pinturas, mas que na maioria das vezes não foi posto em prática. Mas também
existem atuações concretas, como as de Pienza, obra de Alberti, Rossellino e Ferrara, cujos elementos im-
portantes eram a praça e o palácio, que proporcionam à cidade sua verdadeira dimensão civil.

G) Escultura
As duas principais mudanças produzidas na escultura no início do Renascimento são o interesse pelo corpo
humano, seguindo os modelos antigos no que diz respeito às proporções e ao tratamento da figura huma-
na desnuda, em busca de solidez, volume e movimento.

Nesse sentido, a escultura rivalizou com a pintura em sua capacidade de representação, o que supõe a
aplicação das leis da perspectiva e uma similar concepção narrativa dos temas. Não só há uma grande vari-
edade dos materiais, como pedra, bronze e terracota, como é valorizada a inserção da escultura em vários
tipos de edificação que respondem às distintas funções que a escultura vem cumprir na nova sociedade.

Assim, podem ser encontradas estátuas feitas especialmente para os edifícios e sobre pedestais, para hon-
rar a memória de uma pessoa na cidade. Como na antiga república romana, novamente se realizam bustos,
com o desejo de imortalizar a imagem de uma figura importante. Os sepulcros, que exaltam a nova ideia
renascentista da fama, também foram objeto da atenção dos mecenas e artistas, conscientes de sua im-
portância simbólica e propagandística. Tiveram grande atenção nos relevos, como ornamento dos edifícios
construídos, ou como acréscimo aos de épocas anteriores.

H) Escultores
Lorenzo Ghiberti (1378-1455), ourives, arquiteto e teórico, além de escultor, consolidou sua fama ao ven-
cer o concurso convocado em 1401 para realizar as portas de bronze do batistério de Florença. Tal episódio
artístico tem sido considerado por diversos historiadores como a data de início do Renascimento. Do traba-
lho, participaram um velho mestre, Jacopo della Quercia, e dois jovens, Ghiberti e Brunelleschi. O tema a
ser representado era o sacrifício de Isaac, em relevo localizado na sobreverga de bordas lobuladas. Era ne-
cessário, então, integrar alguns elementos da narração bíblica – os diferentes personagens (Abraão, Isaac,
o anjo, os criados), objetos (altar), um animal – e fazer uma referência explícita ao lugar (montanha).

Ghiberti concebeu a representação da cena como uma alegoria, ao modo do ritual clássico, em que a obe-
diência de Abraão antepõe-se aos afetos: o cânone, a roupagem e as anatomias remetem aos modelos da
Antiguidade; as figuras articulam-se em uma composição centrípeta que permite harmonizar duas cenas
diferentes, separadas por uma diagonal definida pela própria rocha, em cujos lados reconhecem-se duas
curvas divergentes – a que forma o corpo de Abraão e o colo do asno – e que encontram eco nos lóbulos
do marco; em contrapartida, a mão do anjo, o braço direito de Abraão e a visão de Isaac transmitem a
ideia de movimento detalhado, em que se concentra o sentido último da cena.

Donato di Niccoló, conhecido como Donatello (1386-1466), é um dos escultores mais célebres de todos os
tempos. Em sua juventude formou-se com Ghiberti. Desde o princípio dotou suas figuras de uma perturba-
dora dimensão humana que surpreendeu seus contemporâneos pela busca por efeito psicológico e dramá-
tico da expressão.

Entre suas obras mais importantes figuram: São Jorge (1415-1417), sereno como um santo e elegante co-
mo um aristocrata; Davi (c. 1430), em que o artista contrapõe a sensualidade e o lirismo do corpo, quase
frágil, ao que contribui sua postura, com uma visão reflexiva, própria de um espírito vitorioso; e Gattame-
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lata (1447-1453), estátua equestre erguida em Pádua em homenagem a um condottiero, que recupera a
tradição clássica.

Nos relevos, utiliza a técnica do schiacciato, uma incisão tão sutil que mais parece um desenho, tratando
de rebaixar o volume desde o primeiro plano, com o objetivo de conseguir uma sensação atmosférica.

As obras do sienense Jacopo della Quercia (c. 1374-1438), que pertence a uma geração mais antiga, possu-
em linhas mais tradicionais, como no sepulcro de Ilaria del Carretto, em Luca.

Outra figura importante é Nanni di Banco (1390-1421), autor dos Quatro Santos Coroados, obra em que
consegue um grupo de figuras de grande nobreza, com dobras volumosas, de grande aprumo, que reme-
tem ao espírito antigo.

Também se destacam Bernardo Rossellino (1409-1464), já mencionado por seus feitos na arquitetura, e
Lucca della Robbia (1400-1482), grande especialista em imagens e medalhas de cerâmica colorida ou vitri-
ficada.

O escultor mais importante da segunda metade do século XV é Andrea del Verrochio (1435-1488), que
também foi mestre de Leonardo da Vinci. É autor da Incredulidade de São Tomás (1467-1483), em que re-
presenta duas figuras de amplos volumes, dos quais os gestos e rostos traduzem as circunstâncias afetivas
da cena. Também é obra sua a estátua equestre Calleoni (1479-1488), em Veneza, vívida e expressiva, cuja
retórica se distancia da serenidade donateliana.

I) Pintura
Sem modelos antigos a seguir, a natureza foi a grande referência dos pintores do século XV, com duas li-
nhas principais: a forte idealização e a experimentação com a perspectiva, que se converteu em método
para compreender o mundo. As principais novidades são as seguintes:

• Do ponto de vista formal: utilização de composições harmônicas, frequentemente o resultado da


inserção de figuras em esquemas geométricos, da caracterização psicológica dos personagens, da
luz homogênea e das cores criteriosamente escolhidas;
• Do ponto de vista temático: abordam religião e alegorias, tendo como referência o marco do pen-
samento humanista;
• Do ponto de vista técnico: variedade no domínio de todo tipo de técnicas – óleo, afresco, têmpera
– sobre suportes fixos (paredes e tetos) ou não, como o quadro de cavalete.

J) Pintores
Masaccio (1401-1428) é figura-chave na transformação inovadora da pintura italiana do Quattrocento.
Herdeiro da sinceridade descritiva de Giotto, preocupa-se em racionalizar a representação por meio da
perspectiva, às vezes com ajuda de elementos da arquitetura, abandonando todo o decorativismo supér-
fluo em favor de uma coerência visual. Suas figuras são solenes, maciças e corpóreas, tão rotundas como
as estátuas antigas, ao mesmo tempo que ocupam um espaço lógico, onde a luz serve a efeitos dramáticos.
Suas obras mais famosas são: afrescos da Capela Brancacci, na Igreja do Carmo de Florença, com diversas
cenas da vida de São Pedro, nas quais as ações aparecem ordenadas por um ponto de vista único, apesar
da simultaneidade temporal; e a Trindade, para Santa Maria Novella, afresco funerário, destinado a ser
contemplado de baixo, que imita uma capela.

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Comparado a Masaccio, Fra Angelico (c. 1400-1455) é mais dependente das tradições góticas, ainda que
tenha desenvolvido novidades na perspectiva, com referentes arquitetônicos e proporções clássicas. A
linha marcada por Masaccio é de artistas como Paolo Uccello (1397-1475), interessado obsessivamente em
estudos de perspectiva, a ponto de geometrizar suas composições e empregar a cor para definir planos do
espaço, de maneira a dotar a cena de um ar quase irreal, como na Batalha de São Romano (c. 1456).

Também interessado pela profundidade do espaço, Andrea Mantegna (c. 1431-1506), ativo em Mântua e
Pádua, trabalha com figuras mais sólidas e volumétricas que recordam a estatuária antiga, mas de modo
mais refinado nos detalhes. Seu escorço do Cristo Morto (c. 1480), que se afasta um pouco do ideal de be-
leza renascentista, é obra bastante típica de suas inquietudes espaciais e expressivas, com um grande sen-
tido cenográfico, que pretende afetar emocionalmente o espectador.

O grande pintor do primeiro momento renascentista talvez seja Piero della Francesca (c. 1420-1492). Um
dos mais arrojados de sua geração, preocupou-se com o conhecimento científico-técnico da representação
pictórica. Trabalhou em Urbino, a serviço do duque Federico de Montefeltro, do qual fez um retrato, em
uma corte de sábios e humanistas. Ele foi o mecenas do quadro Virgem e Santos com Federico de Mon-
tefeltro, uma sacra conversazione, iconografia típica do momento.

Suas obras caracterizam-se pela perfeita inserção das figuras em marcos naturais ou arquitetônicos, com
poses majestosas, o que proporciona imponente solenidade. Tais figuras também são dotadas de propor-
ções e indumentárias clássicas e suas expressões traduzem sentimentos pessoais. Em Piero della Francesca
já se concentra toda a complexidade narrativa que a pintura ocidental desenvolveria até o século XIX.

O florentino Sandro Filipepi, chamado Botticelli (1445-1510), é um pintor culto, de graciosa sensibilidade e
obcecado pela beleza etérea, delicada e sútil, impregnada de mensagens filosóficas. Sua trajetória está
vinculada à proteção que obteve da família Médici; Lorenzo, o Magnífico, dirigiu a cidade de Florença entre
os anos 60 e 80 do século XV, uma época mítica da história, quando se reuniram em seu entorno eruditos
como o neoplatônico Marsilio Ficino (1433-1499).

As obras de Botticelli devem ser entendidas nesse contexto cultural, como ocorre com O Nascimento de
Vênus (c. 1478), representação da Vênus Celeste nascida dos genitais de Urano, deusa do amor a Deus,
que é levada à praia pelo sopro dos zéfiros, sendo recebida por Flora. Em contrapartida, A Primavera apre-
senta a Vênus Natural, filha de Zeus, deusa do amor humano.

K) Roma Renascentista
Desde o final do século XV, os papas estavam levando a Roma um grande número de artistas. A decoração
da primeira fase da Capela Sistina foi empreendida por intermédio do papado de Sisto IV (1471-1484), com
o objetivo de ilustrar a ideia do poder papal como a garantia da transmissão da lei no Antigo e Novo Tes-
tamento.

Nela trabalharam os melhores pintores florentinos e umbros: além do já citado Botticelli, cabe destacar
especialmente Domenico Ghirlandaio (1449-1494), que pinta cenas religiosas inspiradas no ambiente da
corte de sua época; Luca Signorelli (1450-1523), o artista do gesto exagerado, cuja obra principal é o Juízo
Universal da Catedral de Orvieto; e Pietro Perugino (1446-1523), autor de A Entrega das Chaves, que fica
na própria Capela Sistina. Com o papa Alexandre VI (1492-1503) são levados a cabo os chamados aparta-
mentos Borgia, obra de Bernardo Pinturicchio (1454-1513), de caráter mais decorativo. Mas o grande mo-
mento de esplendor da Roma papal chegará com Julio II (1503-1513), quando os grandes nomes do Renas-
cimento italiano convivem sob seu mecenato.
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L) Donato Bramante
Donato Bramante (1444-1514) foi pintor, arquiteto e grande conhecedor das obras de Piero e Alberti, e é a
grande figura do Renascimento pleno. Primeiro estudou em Milão, onde se interessou por estruturas cen-
tralizadas, de grande amplitude, com êxedras (obra de planta semicircular) e cúpulas; em 1499 vai para
Roma, onde levanta, a partir de 1502, o pavilhão de São Pedro em Montório, erguido no monte Giancolo
para comemorar o lugar do martírio de São Pedro. Pode-se dizer que a obra é a expressão mais depurada
da linguagem renascentista.

Em 1505 o papa Julio II encarregou o artista da remodelação do Vaticano: Bramante ergue o pátio de Bel-
vedere, um grande espaço regularizado em função de um eixo geométrico, ao fundo do qual se abre um
grande nicho. Realizou também um interessante projeto que acabou sendo descartado, para a nova basíli-
ca de São Pedro, em que idealizou um edifício centralizado, de cruz grega, inscrito em um quadrado, com
absides circulares e torres.

M) Michelangelo Buonarroti
A personalidade de Michelangelo Buonarroti (1475-1564), cuja longevidade ilumina tão poderosamente
todo o século XVI, construiu-se desde os postulados estéticos e culturais da Florença do final do Quattro-
cento. Ainda que por sua atividade polivalente tenha-se de considera-lo tanto escultor quanto pintor ou
arquiteto, foi a escultura que consolidou sua fama de artista genial. Michelangelo estudou a estatuária
clássica no jardim dos Médici e com Donatello. Em 1498, com seu estilo já consolidado, lhe foi encarrega-
da, em Roma, a Pietà, onde se concentra de maneira contida um sentimento tão profundo que parece sair
da alma.

Em 1501, em sua volta a Florença, empreende a realização de Davi, obra que reúne seus conhecimentos
clássicos com o significado cívico e religioso que representa a figura bíblica na tradição quatrocentista: uma
concepção heroica do ser humano, sob forma perfeita, cujo impulso anímico desenvolve-se de dentro para
fora. Quando volta a Roma em 1505, começa a realizar o túmulo de Julio II, um complexo monumento iso-
lado, interrompido e reiniciado em diversas ocasiões e a que pertencem o Escravo Rebelde e o Escravo
Moribundo (mesmo inconclusos, parecem ter vida brotada de seus mármores), e Moisés, uma escultura
talhada em 1515, que representa um herói de portentosa anatomia, com uma força sobre-humana que se
manifesta no olhar profundo e na postura tensa e severa.

Em 1520, o papa Leão X (1513-1521) lhe encomenda os túmulos da família Médici na sacristia nova da igre-
ja florentina de São Lourenço. Ali, Michelangelo opta por encostar o túmulo à parede, com a figura do
morto em um marco arquitetônico, que se converte em um retrato de caráter: Giuliano encarna a vida
ativa e Lourenço a contemplativa, colocados respectivamente entre a Aurora e o Crepúsculo e o Dia e a
Noite, alegorias do devir do tempo.

Após a morte de Bramante, que concebera uma planta centralizada, a direção das obras da Basílica de São
Pedro é entregue a Rafael Sanzio, que opta por planta de cruz latina, da mesma maneira que seu sucessor,
Antonio da Sangallo, O Jovem (1485-1546), que chega a projetar um corpo torreado.

É Michelangelo quem, depois da morte de Sangallo, encarrega-se da construção. Retoma a ideia de Bra-
mante, ainda que com apenas a entrada principal em um dos lados, e concebe uma cúpula ainda maior,
sobre um tambor circular com pares de colunas gêmeas, com as nervuras destacadas, o que proporciona
grande monumentalidade no exterior e extraordinária luminosidade e unidade espacial no interior.

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Tal interpretação livre da linguagem clássica é característica da arquitetura de Michelangelo, como pode
ser vista na Biblioteca Laureziana de Florença, terminada em 1558, onde busca a tensão espacial, tanto
pelo tamanho da escada, que parece derramar-se em um pequeno vestíbulo, como pela complexa articula-
ção das paredes, com pares de colunas retranqueadas, nichos e vãos que geram sensação de agonia e sur-
presa.

A principal atividade de Michelangelo como pintor está centrada na Capela Sistina. Julio II o encarregou de
pintar as abóbadas e as lunetas (porção de parede compreendida entre o arco de intersecção da parede
com a abóbada), que realizou entre 1508 e 1512. Ali se representa um ciclo narrativo desde a criação até
Moisés. Concebeu as diversas cenas, ordenadas por uma arquitetura de figuras poderosas, cujos volumes,
definem o espaço.

Alguns anos mais tarde, encarrega-se da decoração da parede central da capela, que começa em 1535,
onde representa O Juízo Final, uma apoteose de 300 figuras de portentosas anatomias, com rebuscados
escorços, em todas as posições imagináveis, o que representa sua particular concepção da ressureição da
carne. A cena se localiza no ar, sem profundidade, com um Cristo jovem, que possui traços de Apolo, de
força imensa; em cima, anjos sem asas portam os símbolos da paixão e, embaixo, outros com trombetas
chamam os vivos e os mortos; estes ressuscitam, os justos elevam-se e os condenados são tragados para o
inferno.

N) Leonardo da Vinci
Leonardo da Vinci (1452-1519) representa a culminação do “homem universal”, capaz de se interessar por
todos os campos do saber. Ele representa a essência do humanismo renascentista. Dotado de personalida-
de fascinante e misteriosa, como pintor se preocupa especialmente com a anatomia e a caracterização
fisionômica em relação aos estados de ânimo, como consequência da conexão das figuras entre si e com o
espaço que as rodeia. Do ponto de vista técnico, explora as mais diversas possibilidades, em particular o
óleo, e recorre ao sfumato (contornos vagos e esfumaçados) para oferecer uma sensação atmosférica que
produz visão misteriosa mutável.

Em 1483 pinta A Virgem dos Rochedos, uma composição piramidal, em que utiliza um suave jogo de luz e
sombra para modelar os volumes. Entre 1495 e 1497 pinta, para o refeitório do convento de Santa Maria
delle Grazie, em Milão, A Última Ceia, uma exercício de perspectiva, onde realiza investigação sobre as
reações da natureza humana, por meio dos gestos de todo o corpo, que se converte em expressão dos
afetos.

Os destaques de sua produção são: o retrato de Mona Lisa, conhecido como A Gioconda (1503), um típico
retrato renascentista, de composição e gestos equilibrados, em que a plácida expressão do rosto e das
mãos traduz uma profunda personalidade; e a composição de Santa Ana, a Virgem e o Menino (c. 1508-
1510), de acurada complexidade expressiva e simbólica, cujas três figuras entrelaçadas transmitem uma
doçura agradável, em acordo com a suave iluminação que modula volume e tonalidades das cores.

O) Rafael Sanzio
Rafael Sanzio (1483-1520) é o artista do equilíbrio clássico. Agrupa as experiências pictóricas de seu mes-
tre, Perugino, e de Piero della Francesca, em um rigoroso ordenamento compositivo das imagens. Nascido
em Urbino, onde trabalhou para os Montefeltro, passou por Florença, cidade em que recebeu a decisiva

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influência de Leonardo, antes de se transferir a Roma, em 1508, quando já aparece o estilo consolidado
típico de suas madonas (Virgens), com encanto poético, idealizado e sereno, próprio do Renascimento.

Em Roma, começou a trabalhar para o papa Julio II, que o encarregou de decorar espaços privados. Numa
delas, pintou A Disputa do Sacramento, que simboliza a verdade revelada, e A Escola de Atenas, que repre-
senta a verdade racional, onde aparecem, em um marco inspirado em Bramante e que alude ao templo da
sabedoria, os sábios da Antiguidade encabeçados por Platão e Aristóteles, com as esculturas de Apolo e
Atenas nos extremos, protetores do Pensamento e das Artes. É a suprema concepção da beleza renascen-
tista, em que a harmonia do indivíduo com o espaço está associado a profundo caráter moral de sua ação.
Os rostos respondem a personagens contemporâneos (Platão tem o rosto de da Vinci, por exemplo), o que
revela uma profunda significação: os artistas modernos são comparáveis a antigos sábios.

Continuou a decoração das estâncias vaticanas para Leão X, com O Incêndio do Borgo ou A Expulsão de
Heliodoro. Adquiriu prestígio como retratista, com grande penetração psicológica. Depois da morte de
Bramante foi nomeado arquiteto de São Pedro.

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Cápítulo 14 – Difusáo do Renáscimento
A partir da Itália, a cultura renascentista exerce influência sobre o resto da Europa, adaptando-se à cultura
de cada local, gerando uma diversidade estética dentro do próprio Renascimento.

A) Contexto
A arte renascentista havia surgido profundamente vinculada às formas de vida dos pequenos estados itali-
anos e, finalmente, desembocado na belíssima Roma papal do princípio do século XVI. Desde esse momen-
to os princípios dessa arte são aplicados em um contexto histórico novo, o dos emergentes e poderosos
estados europeus que competem pela supremacia do continente. Além disso, a chegada dos europeus à
América em 1492 apresenta um cenário novo.

A difusão da arte do Renascimento na Europa tem duas fases: em um primeiro momento, adotam-se os
elementos mais superficiais, a ornamentação em arquitetura e a clareza compositiva nas artes plásticas,
que se fundem com as tradições góticas locais ainda vigentes. Em um segundo momento, na arquitetura
estabelecem-se os princípios estruturais do classicismo e surgem escolas nacionais de pintura com perso-
nalidade própria.

Para a difusão do Renascimento contribuíram diversos fatores: a aparição da imprensa e a divulgação de


estampas com gravuras; as viagens, tanto de artistas estrangeiros à Itália como o inverso, e a mitificação
da arte italiana, fenômeno-chave para a consolidação de um modelo artístico. Mas, sobretudo, é importan-
te levar em consideração o papel que essa nova arte renascentista cumpriu na nova sociedade.

O mecenas renascentista, para quem colecionar obras de arte constitui motivo de prestígio, é agora, com
muita frequência, um monarca absoluto, para quem a ostentação externa tem um significado político. O
artista ganha gradual independência, já que é cada vez maior a valorização de seu trabalho.

B) Difusão
Em vista do esplendor artístico que se viu em Roma no início do século XVI, as propostas artísticas do Re-
nascimento diversificaram-se, tanto na Itália quanto no restante da Europa. Em sua expansão pelo conti-
nente, o Renascimento vinculou-se às novas circunstâncias históricas. Por isso, deve-se distinguir o ambi-
ente da Itália daquele do resto do continente.

Em relação à linguagem clássica, já perfeitamente codificada, há duas vertentes: ou o rompimento intenci-


onal com ela ou a sua adoção incondicional, aplicando-a com rigor e refinamento extremos. É o que se
chama de “maneirismo”, que não se trata de reação anticlássica, mas da interpretação particular do classi-
cismo, maneira que dura todo o século XVI. Entretanto, é corrente minoritária diante da Contrarreforma
que a Igreja Católica promove como reação aos protestantes.

A Europa recebe o classicismo em graus variados. Tal recepção está determinada tanto pelo que acontece
na própria Itália como, sobretudo, pelas particularidades históricas de cada lugar. Assim, na Espanha da
Contrarreforma, a pintura, a escultura e a arquitetura ganham muita importância, ainda que nos países
onde triunfou a Reforma a pintura religiosa tenha sido limitada pelas rígidas normas iconoclastas.

C) Maneira e Maneirismo

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Até 1520 produz-se uma diversificação na aplicação dos princípios clássicos, tanto na arquitetura como nas
artes plásticas. Vassari aplicou a palavra maneira para se referir ao estilo de certos quadros da época, em
que o exercício intelectual da forma de representação era primordial, diante da ordenada percepção natu-
ralista do auge do Renascimento. Identificou-se, assim, um fenômeno que seria chamado de Maneirismo.

O Maneirismo despertou extraordinária curiosidade entre muitos historiadores do século XX, que de início
o interpretaram como fruto de conflito espiritual entre ordem e liberdade, com traços estilísticos e socio-
lógicos próprios. Hoje, tende-se a ver o Maneirismo como uma busca por novidade, elegância e complexi-
dade, dentro da evolução lógica dos princípios clássicos, relativamente minoritária, sendo por isso arrisca-
do estender a todas as obras do período uma denominação que nasceu com aplicação tão restrita. Assim
mesmo, podem ser apreciados alguns traços comuns que permitem caracterizar a corrente, ao menos se
levadas em conta obras pertencentes à arte italiana do século XVI.

Assim, as principais características maneiristas, sempre em contraposição ao Renascimento, são:

• A busca de inquietude em oposição ao equilíbrio;


• Acúmulo de elementos, que tende a produzir agonia espacial, em oposição à amplitude;
• Intensidade cromática e contraste de luzes e sombras em oposição à homogeneidade e à suavida-
de;
• Volume em oposição à leveza;
• Tensão expressiva dos componentes plásticos em oposição ao idealismo;
• Desassossego em oposição à ordem.

Em todo caso, o Maneirismo também supõe mudança profunda no conceito de artista, ao conceber a arte
como um fim em si mesmo, sujeito às suas próprias leis, isto é, não destinado a fornecer informação sobre
outras coisas. Reafirma-se, portanto, o caráter do artista como um criador, em oposição ao artesão que
reproduz mecanicamente.

D) Contrarreforma
Durante o primeiro terço do século XVI ocorreu a Reforma Protestante, que rompeu a unidade religiosa da
Europa. Com a intenção de fortalecer os princípios da fé católica, foi realizado, entre 1545 e 1563, o Concí-
lio de Trento. Nascia assim o movimento da Contrarreforma, cujo novo sentido da religiosidade traria im-
portantes consequências artísticas, tanto à arquitetura como às artes plásticas.

No que se refere à arquitetura religiosa, a importância da eucaristia multiplicou as capelas para as missas,
e a relevância da pregação ampliou o espaço da nave central.

Para as artes plásticas foi decisivo o decreto promulgado em 1564, relativo ao decoro e à clareza iconográ-
fica que deviam ter as imagens e as histórias sagradas, com o fim de deixar bem claros a doutrina e o dog-
ma religiosos: tratava-se de guiar o fiel até a oração comunitária, diante da “perigosa” relação pessoal com
Deus defendida por Lutero. O espírito da Contrarreforma influencia toda a arte religiosa dos países católi-
cos a partir de meados do século XVI.

E) Arquitetura
Durante o século XVI, define-se totalmente o repertório arquitetônico renascentista, graças ao importante
trabalho dos teóricos. Cabe destacar, nesse sentido, o trabalho de Sebastian Serlio, que realizou uma nova
edição do texto de Vitruvio, com ilustrações de edifícios antigos (1537-1551). A ele se deve o motivo arqui-
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tetônico denominado serliana, formado por três vãos entre colunas e pilares, o centro arqueado e as late-
rais adinteladas. Outra contribuição teórica importante é o tratado conhecido como a Regra das Cinco Or-
dens da Arquitetura (1562), de Vignola.

Jacopo Barozzi da Vignola (1507-1573) é um dos principais arquitetos da Roma de seu tempo. Arquiteto
dos Farnese, Vignola concebeu em 1557 o palácio Farnese, em Caparola, cujo acesso é feito por meio de
rampas e escadas. Sua construção mais famosa é a Igreja del Gesù (1568), em Roma, para os jesuítas, um
templo de uma nave com capelas e nichos com comunicação entre si. A fachada, de 1573, é de Giacomo
della Porta (c. 1533-1602).

Junto à aristocrática Florença e à classicista Roma, emerge um centro artístico singular na Itália do século
XVI, a República de Veneza. Entre os arquitetos, destaca-se Andrea Palladio (1508-1580), nascido em Vene-
za, cuja obra chegaria a ser uma das mais influentes da Idade Moderna, não só por seu fecundo trabalho
teórico – os Quatro Livros da Arquitetura (1570) –, mas igualmente pela formulação de um tipo de edifício
singular, a villa, e de uma linguagem arquitetônica reiteradamente utilizada. A mais conhecida de suas vil-
las é a Villa Rotonda, de 1566, uma construção organizada em torno da ala circular, coberta por cúpula,
inserida em planta quadrada, onde em cada um dos lados se abre um pórtico hexastilo de colunas jônicas.

Os elementos mais característicos de seu repertório formal são o chamado motivo palladiano (também
utilizado por outros arquitetos) – uma composição arquitetônica consistente que insere uma serliana em
estrutura adintelada de colunas e entablamento, como na Basílica de Vicenza (1549) – e a ordem gigante,
que consiste em coluna que ocupa dois pisos.

Ainda que a riqueza expressiva de Michelangelo eclipse os outros escultores italianos do século XVI, alguns
nomes se destacam. Giambologna (1529-1608) era de origem flamenca, ainda que ativo na Itália, e foi ad-
mirador da tensão vital que Michelangelo imprimia a suas figuras. Uma de suas obras mais significativas é
Mercúrio (1564), em que representa o deus apoiado em seu pé esquerdo, em uma postura de graciosa
instabilidade, muito característica do momento. Mas sobretudo destaca-se Benvenuto Cellini (1500-1571),
que além de escultor e ourives foi importante escritor (aliás, por seus textos é possível conhecer informa-
ções sobre sua arte) e tratadista da escultura. Sua obra mais importante é Perseu (1554), que representa o
tema mitológico da morte da Medusa, cuja cabeça fica na mão esquerda do herói, arrogante e firme.

F) Pintura Italiana do Cinquecento


Algumas das questões teóricas sobre a pintura no Cinquecento são:

• Problema da comparação entre as artes, com o objetivo de determinar sua primazia, que contribui
para a consideração autônoma da pintura;
• Embate entre desenho e cor como alternativas, cuja eleição definirá tanto artistas e escolas como
conceitos de representação;
• Aparição de categorias estéticas para valorizar os resultados, como a grazia, qualidade que caracte-
riza o amável e o terno;
• Conceito de decoro ou representação conveniente da imagem sagrada;
• Consideração do artista como protagonista do discurso histórico-artístico que estabelece as obras,
dentro de um mecanismo de evolução, em que há momentos prodigiosos e de crise.

Na escola pictórica florentina do século XVI, fortemente influenciada por Rafael e Michelangelo, encontra-
se a caracterização mais típica do Maneirismo pictórico. Um de seus representantes mais característicos é
Jacopo Pontormo (1494-1557): sua Descida da Cruz (c. 1523) põe em evidência uma nova maneira de re-
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presentar os temas sagrados, onde o corpo humano se mostra em diferentes posturas, com as figuras dis-
postas de forma escalonada, o que permite estabelecer nova noção da composição pictórica, organizada
de maneira circular; o espaço agonizante e a cor, de um brilho irreal, sem a contraposição de luz e sombra
própria do pleno Classicismo, contribuem para acentuar essa sensação misteriosa, peculiar do Maneirismo.

Discípulo seu é Agnolo Bronzino (1503-1572), preocupado com o conceito de beleza como algo intelectual.
Uma de suas obras mais famosas é intitulada Vênus Abraçada pelo Cupido ou Alegoria da Luxúria (c. 1545),
uma complexa alegoria erótica, onde se põe em relevo a aparente vitória da beleza sobre o amor, ao re-
presentar a Vênus tomando de forma perversa uma flecha do Cupido; à direita aparecem o Prazer, uma
menina que porta um favo de mel e um ferrão, e o Engano, que derrama uma chuva de rosas sobre os
amantes; mais ao fundo, o Tempo desarma Vênus, ao desvelar o manto azul que irá colocar a Fraude.

Antonio Allegri, chamado Correggio (c. 1493-1534), é um nome fundamental na pintura italiana do início
do século XVI. Formou-se em Mântua, na tradição de Mantegna e muito influenciado por Leonardo, de
quem assimila o sfumato e os gestos suaves de suas figuras, assim como a beleza ideal de Rafael. Em suas
composições, como na cena evangélica de Noli me Tangere (c. 1525), desenvolve poética singular, cheia de
delicadeza, com graciosa combinação de naturalismo e gestos emotivos, fruto de emoção carnal.

Formado em estreita relação com Correggio, destaca-se também Francesco Mazzola, o Parmigianino
(1503-1540), um dos exemplos mais típicos do Maneirismo antinaturalista. Sua obra mais célebre é a Ma-
dona com Longo Pescoço (c. 1535), em que manifesta sua curiosidade pelas formas caprichosas, geradoras
de desconcerto.

Em Roma, é decisiva a influência de Rafael, cujo prestígio marca a carreira de todos os artistas e, em alguns
casos, também a de Michelangelo. Entre outros pintores, cabe mencionar Federico Zuccaro (1542-1612),
que gozou de grande consideração em seu tempo, a ponto de ser chamado para pintar o monastério de
São Lourenço de El Escorial, na Espanha; e Federico Barocci (1535-1612), que realiza composições mais
atrevidas, com luzes e cores sedutoras, o que marca um caminho para o Barroco.

No norte da península Italiana convergem as influências de Rafael e Michelangelo, o colorido que caracte-
riza a escola veneziana e o naturalismo europeu. Embora a região tenha vários nomes que mereçam figurar
na história da arte, como Pellegrino Tibaldi (1527-1593), que foi chamado a pintar na Espanha, talvez o
nome mais importante seja Giuseppe Arcimboldo (1521-1593), um singular personagem, colecionador de
objetos artísticos. Em sua obra, corpos e faces humanas são representados a partir de frutos, gravetos,
pedras e outros elementos da natureza.

G) Escola Veneziana
Os dois aspectos que definem a escola veneziana são cor e luz – elementos essenciais no modo de pintar,
mas que também se configuram a partir de um novo olhar. A relevância da luz e da cor supõe a primazia do
visual sobre o intelectual, definido pelo desenho e pela composição das escolas florentina e romana.

Cor e luz não são qualidades meramente sensoriais, mas sim elementos de enriquecimento expressivo e
narrativo. São recursos pictóricos cujas possibilidades específicas serão amplamente desenvolvidas.

Giorgio de Castelfranco (c. 1477-1510), mais conhecido como Giorgione, é uma enigmática personalidade,
humanista sensível, cuja atividade coincide com a dos pintores do auge do Renascimento, aos quais, por
sua singularidade e genialidade, merece ser comparado.

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Dentro de uma linguagem clássica, que conheceria por intermédio de Leonardo e Rafael, utiliza uma luz
cristalina, radiante de cor, resultado do emprego da cor diretamente sobre a tela, sem que seja antes feito
esboço ou desenho prévios. Assim, tem-se frescor e espontaneidade não vistos em outros pintores do pe-
ríodo.

Entre sua escassa produção, em vista de sua breve vida, figuram obras como A Tempestade (c. 1508), Con-
certo Campestre (1510) e o suposto retrato de Césare Bórgia. Estabelece-se, nessas obras, uma nova rela-
ção entre a figura e a natureza, que deixa de ser fundo complementar para se converter em espaço essen-
cial, que interfere na ação dos personagens.

Ticiano Vecellio (c. 1490-1576) é um dos grandes pintores de todos os tempos, um verdadeiro mito da his-
tória da arte, em virtude da longevidade, abundância, diversidade e difusão de sua obra.

Formado no mesmo período de Giorgione, caracteriza-se pelas composições complexas, refinadas e opu-
lentas, as cores suntuosas e brilhantes. O resultado final são composições dinâmicas e cheias de frescor,
chegando, nos últimos anos, a uma liberdade singular apoiada na dissolução da pincelada, fruto de sentido
puramente pictórico da representação.

Ticiano interessou-se por inimaginável quantidade de assuntos. Abordou diferentes paisagens da mitolo-
gia, com extraordinário tratamento sensual do nu, como a famosa Vênus de Urbino (1538), ou Danae Re-
cebendo a Chuva de Ouro (1553), nu quente e vital, com delicadas transparências, que transmite um senti-
do gozoso da existência; concebeu complexas alegorias, como Amor Sagrado e Amor Profano (1515); enri-
queceu a iconografia cristã com quadros de altar às igrejas venezianas, para devoção, adquiridos tanto
pelo imperador Carlos V da Espanha como por seu filho Felipe II, admiradores e colecionadores de sua
obra; justamente por essa razão, boa parte dela é conservada no Museu do Prado.

Ticiano foi também excelente retratista. Pertencem a esse gênero algumas de suas obras mais importan-
tes, como O Imperador Carlos V em Mühlberg (1548), solene imagem imperial que não deixa de exprimir
forte melancolia na figura representada, de intensidade dramática, ao que contribuem as luzes da paisa-
gem de um entardecer.

Paolo Caliari, conhecido como Veronese (1528-1588), é um pintor de enormes telas, em que se apresen-
tam cenários fabulosos, com decorações monumentais, cujas figuras, vestidas de forma rica, contribuem
para acentuar o brilhantismo pictórico, refinado e gracioso. As pinturas possuem um sentido espetacular,
alheio a qualquer arqueologismo.

Giacoppo Robusti (1518-1594), conhecico como Tintoretto, tem sentido cenográfico muito semelhante ao
de Veronese e, em última instância, ao de Ticiano. Mas, diferentemente destes, representa um mundo
tenebroso e dramático, distante da calma rítmica do mundo clássico, mais próximo à inquietude vista na
maturidade de Michelangelo e dentro de uma interpretação maneirista e pessoal.

H) França
O Renascimento italiano difunde-se na França muito rapidamente, em grande parte graças ao monarca
Francisco I, que competiu com a Espanha pelo domínio da península e cujo mecenato foi muito receptivo
aos novos modelos visuais.

Na arquitetura, cabe mencionar os castelos, como o de Chambord e, sobretudo, o de Fountainebleau:


mesmo sendo herdeiros de tradições medievais, sua ordenada articulação, com diferentes alas, é condici-
onada por modelos posteriores do Renascimento.
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Na escultura, é notável a presença de Benvenuto Cellini (1500-1571), que realizou obras fundamentais co-
mo o Saleiro de Francisco I, de ouro e esmaltes, onde se representa Netuno e Vênus.

Na pintura, confluem as influências flamengas com as italianas (vários pintores italianos do século XVI ati-
vos na França, como Leonardo e outros maneiristas), que deixaram rastros seguidos por pintores da cha-
mada Escola de Fountainebleau, de sofisticado erotismo.

I) Países Germânicos
A forte marca expressionista, tradicionalmente relacionada com a idiossincrasia própria do centro e do
norte da Europa, opõe-se ao Classicismo mediterrâneo. Durante o século XVI produziram-se obras muito
pessoais, de vários pintores germânicos, em que a recuperação dos ideais da Antiguidade não era a carac-
terística mais típica.

O mais fiel aos princípios expressivos da pintura é Mathias Grünewald (c. 1470-1528), autor de Retábulo de
Isenheim, obra fundamental da estética expressionista que apresenta impressionante cena central da cru-
cificação, em que a dor retorce corpos e crispa mãos.

Em contrapartida, o mais imbuído de Classicismo é Albrecht Dürer (1471-1528), destacada figura da Europa
Central e autor de tratado muito apreciado sobre as proporções do corpo e da perspectiva. Além de vários
retratos e autorretratos, levou a cabo significativa obra religiosa: em 1507, assinou as pinturas Adão e Eva,
realizadas durante sua segunda viagem à Itália, sínteses da perfeição ideal do corpo humano segundo os
ensinamentos italianos, ainda que se perceba um resíduo gótico na figura de Eva. Seus prodigiosos dotes
para o desenho fizeram dele um artista de importância excepcional para a história da gravura, extrema-
mente curioso pelo mundo que o rodeava, reproduzido com rigorosa fidelidade.

Figuras destacadas são, também, Hans Holbein (1497-1543) e Lucas Cranach (1472-1553). Holbein, chama-
do de O Jovem, acabou se tornando retratista oficial na Inglaterra. É o autor, também, da famosa obra inti-
tulada Os Embaixadores (1533), imagem cheia de conteúdos simbólicos em que se apresentam, a partir da
minúcia dos objetos representados ao estilo flamengo, a implacável passagem do tempo e a morte, em
oposição à aparente intranscendência da riqueza que as figuras ostentam.

Cranach, por sua vez, foi pintor do gótico tardio no sentido formal e reformista no aspecto religioso, já que
era amigo de Lutero, a quem retratou. Praticou a paisagem, mas se caracteriza sobretudo por seus tipos
femininos, de inquietante e refinada sensualidade.

J) Escola Flamenga
Dos grandes centros artísticos europeus do momento, Flandres é menos italianizado que os outros, pois a
destacada personalidade que a escola flamenga havia alcançado no século XV desenvolveu-se com auto-
nomia dentro do cenário europeu.

Curiosamente, artistas medievais tardios, como Hieronymus Bosch (c. 1450-1516), foram muito apreciados
no contexto das cortes europeias do Renascimento, como a de Felipe II, na Espanha, que adquiriu O Jardim
das Delícias (c. 1511-1515).

Porém, os grandes pintores flamengos do século XVI são Patinir e Bruegel. Joachim Patinir (c. 1480-1524)
quase chega a converter a paisagem em gênero independente, dada a relevância que a outorga como as-
sunto a ser representado em suas telas.

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Já Pieter Bruegel, o Velho (c. 1525-1569), é uma figura de intensa personalidade que se dedicou a um rea-
lismo, com intenções satíricas, e a fim de oferecer uma reflexão moral. Bruegel é um pintor da realidade,
que tem como tema os aldeãos flamengos em suas ocupações diárias, como em O Casamento, em que
oferece uma visão de felicidade simples e popular.

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Cápítulo 15 – Arte Bárrocá
A mudança de mentalidade entre o fim do século XVI e o século XVII influenciou profundamente a arte. No
século XVII, a Itália manteve-se em destaque como centro de difusão artística, não apenas por seus impor-
tantes artistas, mas também pelos mecenas e talentos originários de outros países.

A) Contexto
O Barroco é um período na história cultural do Ocidente que vai de 1600 até a segunda metade do século
XVIII, aproximadamente. Durante essa época, desenvolve-se um estilo artístico muito difícil de definir, da-
da a diversidade de condições religiosas, políticas, sociais e culturais de cada lugar onde ele se desenvol-
veu. Os elementos formais empregados por todas as formas artísticas são herdeiros do classicismo renas-
centista, mas sua utilização tende a ser grandiosa e sedutora aos sentidos, seja pela complexidade acumu-
lativa e simbólica, seja pelo virtuosismo naturalista das aparências.

Roma era a capital do mundo católico – a cujos ideais o Barroco serviu espetacularmente – e também o
cenário privilegiado dos principais debates estéticos envolvendo grandes artistas, como Bernini, Borromini
e Caravaggio. Por isso, a cidade foi referência na formulação e divulgação da linguagem barroca, sobre-
pondo-se a outros centros artísticos italianos como Veneza e Turim, que também se destacam no período.
Durante o século XVII, Roma transformou-se no grande centro de atração para os artistas, abrigando as
principais obras e encomendas da época. No século XVIII, outras cidades começam a ganhar importância,
caso de Nápoles, capital do Reino de Nápoles.

A mudança artística do Barroco vem acompanhada de transformação profunda na mentalidade europeia.


As verdades perpetuadas pela Igreja Católica, que colocavam a Terra, e consequentemente o ser humano,
como centro do Universo, começaram a ser questionadas pelas pesquisas científicas de Kepler e Galileu. Os
estudos astronômicos sobre o Sistema Solar e sobre a formação de planetas e estrelas andaram lado a lado
com a filosofia, que passou a questionar a insignificância do homem diante do Universo.

A riqueza do pensamento barroco é imensa. Filósofos como Francis Bacon apostaram que a experimenta-
ção seria o melhor caminho para o conhecimento no mesmo momento em que Descartes valorizou a razão
como a melhor forma de analisar a vida. Essa mudança de mentalidade pode ser traduzida, no campo da
arquitetura e das artes plásticas, no interesse pelo sensorial diante do intelectual. Isso supõe a aceitação
do mundo material e da natureza, ainda que se faça isso com frequência com sentido simbólico oculto.

Nesse período, a obra de arte deve ser considerada confluência de várias formas de percepção: uma peça
barroca é a soma de componentes visuais, espaciais, auditivos e ambientais, engendrados para gerar ilu-
são. O Barroco é expressão grandiloquente e sentimental, destinada a enviar mensagens que atuam no
ânimo do espectador.

O Barroco é um movimento artístico com valores estéticos que passam ao largo da religião e da ideologia.
No entanto, ainda que não tenha sido arte exclusivamente comprometida com a defesa do espírito da Con-
trarreforma, é importante entender as relações históricas entre a arte barroca e a reação da Igreja Católica
à Reforma Protestante, que mudou o cenário religioso e político da Europa. Roma, centro do catolicismo
mundial, será também o grande polo difusor do Barroco para as outras localidades católicas da Europa. A
arte barroca se desenvolverá na Espanha e em Portugal, países católicos que reprimiram severamente o

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protestantismo por meio da Inquisição, chegando também às colônias desses países no Novo Mundo, caso
do Brasil e da América Espanhola.

A arte barroca converteu-se em eficaz instrumento de propaganda religiosa, que ilustrava a verdade do
dogma formulado no Concílio de Trento. O Concílio, realizado entre 1545 a 1563, foi convocado pelo papa
Paulo III e é chamado de Concílio da Contrarreforma, por ter tentado reafirmar o poder da Igreja Católica e
a autoridade do papa como representante de Jesus Cristo na Terra. O fausto arquitetônico e urbanístico de
Roma e suas igrejas correspondem, naquele momento, à exaltação desta autoridade.

O século XVI coincide com a consolidação das monarquias absolutas, para as quais a arte também foi um
meio de exibição e consolidação de seu poder. A cidade, em especial a capital, era o cenário principal da
autoridade real, assim como da autoridade da Igreja. Assim, as capitais vão se converter nos principais pal-
cos o florescimento do Barroco, que amadurece como estilo eminentemente urbano.

O edifício barroco está sempre integrando à malha urbana, perdendo sua autonomia para transformar-se
em referência a todos os eixos visuais que formam uma rua ou praça. A cidade barroca converte-se, por-
tanto, em grande cenário arquitetônico.

B) Origem do Nome
“Barroco” é uma palavra originada de um termo para classificar uma pérola irregular. No fim do século
XVIII, a palavra começou a ser utilizada para classificar o estilo artístico imediatamente anterior de forma
pejorativa, como algo extravagante e desarmônico. Também se interpretou o Barroco como fenômeno
evolutivo inevitável ao fim de cada ciclo estilístico: dessa forma, ele seria uma evolução do Renascimento.
Hoje, o Barroco é considerado um mundo cultural complexo, que não só se apropria das formas clássicas
com critérios e objetivos novos, como também faz parte de um sistema de vida e pensamento, que detem
coerência própria.

C) Arquitetura Italiana
A arquitetura barroca foi concebida para gerar uma ilusão sensorial que cative e emocione. Para que isso
ocorresse, os arquitetos seguiram algumas regras:

• Cor e textura têm sempre muita importância na escolha dos materiais, já que o objetivo é produzir
uma impressão de enriquecimento e ostentação; para isso, são utilizados mármores coloridos,
combinados com metais e elementos dourados.
• Há um sentido rítmico nas fachadas e nos muros, com efeitos dinâmicos obtidos por meio de curvas
côncavas e convexas que buscam a continuidade espacial. Há ainda o uso de elementos que criam
ilusões ópticas, efeitos de luz e sensação de que certos elementos arquitetônicos estão flutuando
em relação ao resto da construção, caso, por exemplo, das cúpulas.
• A complexidade do repertório formal, que supõe uma escala gigantesca, monumental, além de co-
lunas salomônicas e entalhamentos em curvas.
• A profusão decorativa, com abundância de motivos vegetais, cortinagens e elementos sobrepostos
à estrutura, ainda que cumpram, muitas vezes, funções meramente cenográficas.

Roma, centro do mundo católico, emergiu com enorme vitalidade no fim do século XVI, durante o papado
de Sisto V, com os ideais da Contrarreforma. Os papas dotaram a cidade de urbanismo representativo e
funcional, de acordo com seu significado.

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As sete grandes basílicas percorridas pelos peregrinos foram unidas por avenidas que desembocam em
praças ou obeliscos, transformados em referência visual para a integração entre todas essas igrejas. O cen-
tro urbano foi erguido como o cenário de um grande teatro à celebração da vida religiosa e cada uma das
setes basílicas é também um palco para esta encenação.

A conclusão da obra da Basílica de São Pedro é um símbolo desse período. Não só pela grandiosidade, mas
também por espelhar o empenho da Igreja em demonstrar seu poder. E, por fim, por conferir visibilidade
ao mais significativo dos artistas do Barroco italiano: Gianlorenzo Bernini (1598-1680). Arquiteto e escul-
tor, Bernini projetou e executou boa parte das grandes obras produzidas em Roma nessa época. São Pedro
começou a ser erguida ainda no Renascimento, envolvendo artistas como Michelangelo, que fez o projeto
original da catedral, e Rafael. Com a basílica, a Igreja Católica planejava construir o templo mais suntuoso
do mundo e reafirmar seu poder político. Bernini assumiu a obra depois da morte de Carlo Maderno, no
momento em que Urbano VIII (1621-1644) foi escolhido o novo papa e o transformou no artista oficial da
Igreja e da cidade de Roma.

Bernini executou o dossel do altar principal e a estátua de São Longino, além de supervisionar a riquíssima
decoração em mármore do interior da igreja. Construiu ainda o túmulo de Urbano VIII. Com a morte de seu
protetor e a ascensão de Inocêncio X, o artista e arquiteto perdeu prestígio e foi afastado da obra, sendo
substituído por Alessandro Algardi (1595-1654), seu grande rival.

Mesmo afastado de São Pedro, Bernini realizou alguns projetos encomendados por Inocêncio X, como a
Fonte dos Quatro Rios (1648-1651), considerada a mais bela e espetacular das fontes na Piazza Navona.
Depois da morte desse papa, assumiu Alexandre VII (1655-1667), que voltou a convidar o artista para a
obra da basílica. Bernini criou então o fundo decorativo ilusionista em que aparece a imagem do santo, de
grande intensidade dramática, e a extensa colunata que envolve a praça em frente à igreja. Realizou ainda
projetos para particulares, como a Igreja de Santo André do Quirinal (1658-1670).

Francesco Borromini (1599-1667) é outro nome de destaque do Barroco italiano. Sua marca registrada foi
o uso de recursos criativos e de forte carga de fantasia e elementos simbólicos. Isso fica claro na igreja de
Santo Ivo della Sapienza (1642-1650), concebida a partir de complexa planta de triângulos sobrepostos que
produzem uma estrela, símbolo da sabedoria. A torre tem forma de espiral, como a de Babel, e é coroada
com uma pomba, representação do Espírito Santo e emblema dos Pamphili, família de Inocêncio X.

Uma de suas obras mais famosas é a igreja de São Carlo alle Quattro Fontane. No interior há um muro cur-
vo, com elementos côncavos e convexos que produzem efeito de vitalidade orgânica, concentrando e es-
palhando a luz. A fachada, descontínua e fragmentada, foi concebida com elementos contrapostos, com o
objetivo de atrair a atenção de quem passa pela rua.

D) Escultura Italiana
Arquitetura e escultura muitas vezes caminharam juntas no Barroco italiano, como com Bernini, que uniu
as duas artes ao projetar tumbas papais.

De qualquer forma, integrada ou não à arquitetura, a escultura italiana do século XVII apresenta grande
diversidade de temas. Há esculturas ornamentais, alegóricas ou mitológicas, e retratos, especialmente em
igrejas e túmulos. O material mais usado é o mármore, do qual se aproveitam todas as possibilidades de
cor e textura. O bronze é o segundo material mais utilizado. Formalmente, trata-se de uma escultura natu-
ralista, carregada de expressividade nos gestos, que insinua movimento e possui figuras cheias de energia

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e vitalidade formando composições complexas e teatrais, que transmitem ao observador grande instabili-
dade.

No início do século XVII, vários escultores buscam afastar-se da sofisticação maneirista em busca da simpli-
cidade. É o caso de Stefano Maderno (1576-1636), autor de Santa Cecília, peça que já aponta para a paixão
pelo corpo e o êxtase dos santos, forte característica do Barroco.

Além de grande arquiteto, Gianlorenzo Bernini foi o maior escultor do Barroco italiano. Mesclou peculiari-
dade a duas grandes influências: a obra de Michelangelo e as imagens helenísticas que via no acervo do
Vaticano.

Nos primeiros trabalhos, Bernini procurava captar a tensão do momento, como no Davi (1623-1624), obra
de enérgico movimento centrífugo, e em Apolo e Dafne (1621-1622), na qual segue o relato de Ovídio nas
Metamorfoses: Dafne começa a transformar-se em um pé de louro quando alcançada por Apolo. Uma me-
táfora dos desejos, que se desfazem no momento em que nos aproximamos deles, e de um mundo em
constante mudança.

Defensor da integração entre as artes, Bernini buscou unir arquitetura e escultura nas tumbas dos papas
Urbano VIII, em que ele aparece cercado pela Virtude e pela Justiça, e Alexandre VII, em que o pontífice é
rodeado por quatro musas. Nessas peças, são usados um jogo de luzes e um virtuosismo ímpar, especial-
mente no movimento das roupas. Sua obra-prima é Êxtase de Santa Teresa (1645-1652), na igreja de Santa
Maria della Vittoria. Nesse grupo de esculturas fabulosas, os integrantes da família Cornaro contemplam a
iluminação de Santa Teresa que, quase desfalecida, parece flutuar próximo a um anjo triunfante.

Outros arquitetos destacaram-se na Itália desse período. Entre eles estão Pietro da Cortona (1596-1669),
autor da fachada de Santa Maria della Pace (1656), em Roma; Baldassare Longhena (1598-1682), que con-
cebeu a igreja de Santa Maria della Salute, em Veneza, que possui uma rotunda octogonal bastante origi-
nal; e Guarino Guarini (1624-1683), que viveu em Turim, capital da monarquia dos Saboya e grande centro
barroco. Admirador de Borromini, ele projetou a capela do Santo Sudário como a união das formas do tri-
ângulo e do círculo, símbolos da Santíssima Trindade e da unidade de Deus.

E) Pintura Italiana
A pintura Barroca, inclusive a italiana, tem uma tal diversidade de técnicas, estilos e funções que se torna
difícil encontrar características que unifiquem as diferentes escolas.

Na Itália, assim como em todo o mundo católico, adquire muita importância a pintura religiosa, destinada a
familiarizar o fiel com a visão do sobrenatural e com os temas que ressaltam a glória do poder divino.

Paralelamente, também se refletiu sobre a vaidade dos triunfos mundanos, às vezes por meio de cenas de
gênero (temas da vida diária) e de naturezas-mortas, que tiveram desenvolvimento singular na época.
Também adquiriram importância a pintura mitológica e a histórica, assim como o retrato.

No início do século XVII, duas grandes correntes estilísticas dominam a pintura italiana: o naturalismo, re-
presentado pela figura de Caravaggio, que radicaliza as tendências esclarecedoras e populistas da Contrar-
reforma; e o classicismo, que teve em Annibale Carracci seu principal defensor, recuperando a tradição
clássica, com um sentido harmônico da beleza, como encarnação de um pensamento.

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Michelangelo Merisi (1563-1610), conhecido como Caravaggio, é um dos grandes nomes da história da
pintura. Dono de personalidade belicosa e rebelde, sua biografia está permeada de escândalos, o que con-
tribuiu para perpetuar sua imagem de pintor maldito e anticlássico.

Caravaggio só viria a ser valorizado como o grande gênio que foi depois do triunfo do realismo no século
XIX. Com o advento da fotografia, o olhar do público e da crítica já estava preparado para os dramáticos
efeitos de luz criados pelo pintor italiano, que muitas vezes chegam a insinuar a crueza da fotografia, opos-
ta a qualquer idealização, e o movimento do cinema. Muitos críticos acreditam que essa criação avessa aos
disfarces e à fantasia – até o santos que ele retrata expressam emoções nitidamente humanas – faz de
Caravaggio um dos pilares da arte moderna.

Mestre do chiaroscuro (claro-escuro), buscou intensos contrastes de luzes e sombras, que reforçam os ges-
tos dramáticos de seus personagens. Essa técnica de iluminação, que faz a figura surgir em meio às som-
bras, ficou conhecida como “tenebrismo”.

Caravaggio começou pintando retratos de jovens, que representavam Baco ou outras figuras mitológicas;
assim como cenas dos Evangelhos, sempre inspiradas em personagens cotidianos. A caracterização física
desses santos é crua, sem firulas: eles sentem fome, medo, cansaço e sua expressão facial demonstra isso;
podem ter os pés sujos de barro e as vestes amarfanhadas. São santos e comunicam-se com o céu, mas
vivem na Terra e passam por dramas humanos.

As pinturas da capela Contarelli na Igreja de São Luís dos Franceses, em Roma, demonstram a tensão com
que o artista trata os temas da fé. A grande peça desse grupo é a pintura A Vocação de São Mateus (c.
1600). Nas obras do fim da vida, a luz chega a dissolver o espaço, que vira metáfora a um grande vazio. A
realidade também fica ainda mais implacável, como acontece em A Morte da Virgem (1606). Não há disfar-
ces: apesar de sua santidade e de ser mãe de Jesus, Maria não ascende aos céus cercada por anjos ou luzes
etéreas. Morre como todo mortal, deixando um corpo inerte e espectadores chorosos e espantados.

Apesar de vida curta e errante. Caravaggio deixou inúmeros seguidores. Sua pintura servirá de base para o
Barroco europeu, influenciando – por adoração ou oposição – os grandes gênios que começam a pintar
depois dele. A grande escola de pintura espanhola, por exemplo, se relacionará diretamente com a pintura
de Caravaggio. Pintores como Ribera tornam-se completamente tributários da influência de Caravaggio,
enquanto um gênio como Velázquez se esforça para encontrar alternativas de desvio e superação do estilo
caravaggiano, paradigma anterior.

Alguns pintores italianos, no entanto, foram seus discípulos de fato: artistas com os quais conviveu em
várias cidades. Como assassinou um homem numa briga, Caravaggio vivia migrando de um lugar para ou-
tro. Esse é um dos motivos por que poucos quadros têm sua autoria genuinamente comprovada. Entre
seus seguidores mais diretos, pode-se destacar Horácio Gentileschi (1563-1629), Carlo Saraceni (1585-
1620) e Horácio Borgianni (1575-1616).

Contemporâneo de Caravaggio, Annibale Carracci (1560-1609) seguiu caminho próprio. É o representante


acadêmico e menos singular da pintura italiana do período. Artista que passou por formação rigorosa, usa
modelos clássicos para explorar conteúdos de caráter moral. Sua obra-prima é a decoração da Galeria Far-
nese (1597), onde desenvolve temas mitológicos para explorar o amor platônico em diversas cenas conce-
bidas como quadros.

A partir de meados do século XVII triunfa em Roma uma corrente pictórica que se denomina Barroco Deco-
rativo. Seus representantes são artistas que se dedicaram a completar a decoração das igrejas com grandes

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afrescos ilusionistas nas abóbadas e nas cúpulas, que transformavam o espaço de maneira efetiva. Se Mi-
chelangelo e Carracci haviam realizado em suas decoração quadri riportati, isto é, pinturas concebidas co-
mo se fossem quadros de cavalete transpostos para uma quadratura entramada, os artistas do Barroco
Decorativo rompem os limites visuais do espaço cênico.

Mediante a representação, na arquitetura ou na pintura, de objetos ou de formas que prolongam engano-


samente os limites físicos (fenômeno de ilusão de ótica denominado trompe l’oeil) e usando a perspectiva
sotto in sù (de baixo para cima), conseguem um espaço ilimitado pelo qual as figuras movem-se livremen-
te, produzindo sensação de majestoso e triunfal espetáculo.

Em Roma, os artistas que mais se destacaram foram o arquiteto Pietro da Cortona, autor, entre outros tra-
balhos, da decoração pictórica do teto do grande salão do Palácio Barberini, que representa a Glorificação
do Papa Urbano VIII (1685-1689), e, sobretudo, o padre jesuíta Andre Pozzo (1649-1709), que pintou o
arrebatador teto da Igreja de Santo Inácio com a Entrada de Santo Inácio no Paraíso (1685-1694). Na igre-
ja, o fiel que contempla o afresco tem a verdadeira sensação de estar em ambiente capaz de transporta-lo
ao céu.

Essa tradição decorativa sobreviveu em alguns artistas italianos ativos na primeira metade do século XVIII,
que deixaram profunda influência em outros países, caso da Espanha. Entre eles, vale mencionar dois pin-
tores procedentes do Reino de Nápoles, que substituiu Roma como grande centro da pintura decorativa:
Giordano e Giaquinto.

Luca Giordano (1634-1705) ficou conhecido como “Luca fa Presto” (Luca faz rápido) pela velocidade com
que trabalhava. Bebeu de todas as tradições barrocas. Corrado Giaquinto (1703-1765) combinou a monu-
mentalidade tradicional com maior delicadeza e refinamento cromático, próprios do século XVIII, que apli-
caria na decoração do Palácio Real de Madri, cidade a que chegou em 1753.

A importância e singularidade da pintura veneziana do século XVIII estão no fato de a história da pintura
italiana dessa época ser fundamentalmente a história de Veneza. A portentosa tradição veneziana, em
queda no século XVII, ressurge com ímpeto renovado no ocaso da república, que perderá sua independên-
cia antes de acabar o século.

Um dos gêneros pictóricos mais característicos são as vedute, ou vistas panorâmicas dos edifícios mais ca-
racterísticos da cidade que então tentava forjar sua imagem como destino dos viajantes.

O grande representante do gênero foi Giovanni Antonio Canaletto (1698-1768); a ele é atribuído, sobretu-
do, o desenvolvimento de um novo e atraente tema pictórico: os edifícios e as cidades em que se inseriam.
Através de suas pinturas, sabemos como eram Veneza e outras cidades, em detalhe, naquela época. Além
da Itália, Canaletto trabalhou na Inglaterra. Mediante estilo detalhado, quase de cronista, reproduz, com
fidelidade escrupulosa, festas, recepções e canais.

É possível unir ao nome de Canaletto o de outro artista singular, Francesco Guardi (1712-1793), que even-
tualmente realiza paisagens com uma pincelada mais diluída, como se estivesse condicionada pela percep-
ção atmosférica, alinhada com percepções estéticas posteriores.

Em Veneza também trabalhou Pietro Longhi (1702-1785), um dos grandes mestres da pintura do gênero
que se destacaram na Europa do século XVIII. Sua obra oferece uma visão “inocente” e cheia de encanto
dos burgueses do interior de Veneza. Mas o grande gênio da pintura veneziana do século XVIII foi Gianbat-
tista Tiepolo (1696-1770), herdeiro de toda a tradição do Barroco Decorativo.

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A meteórica carreira de Tiepolo pode ser explicada pelo grande domínio que tinha da técnica do afresco e
sua facilidade para dispor, de maneira espetacular, cenografias cativantes. Sua característica mais destaca-
da foi a do manejo das cores: em sua paleta, tornavam-se luminosas e transparentes. Suas figuras emer-
gem de atmosfera nítida, que parece buscar o infinito. Tiepolo consegue ir ao ápice da maior aspiração
desses pintores decorativos – afastar-se da pesada retórica do Barroco em nome da elegância. Seus perso-
nagens movem-se com muita sofisticação e suntuosa nobreza dentro de ambiente grandioso e envolvente.
No auge da carreira, em 1762, Tiepolo foi para Madri para decorar o Palácio Real.

F) Difusão do Barroco
Durante os séculos XVII e XVIII, os distintos poderes políticos que estabeleceram ao longo do continente
europeu formentaram variantes estilísticas do Barroco, uma expressão artística que se desenvolveu com
características peculiares em cada lugar que floresceu, mas sempre se relacionando com os princípios clás-
sicos do Renascimento italiano. Cada variação do Barroco é resultado de circunstâncias sociais, culturais e
religiosas específicas.

Conceitos como o aristocrático academicismo francês, o elegante gosto britânico em harmonia com a na-
tureza, a exuberância flamenga da Europa Central ou a precisão descritiva holandesa são nada mais do que
variantes locais do Barroco.

O momento em que o estilo amadurece corresponde à consolidação das grandes escolas pictóricas nacio-
nais, especialmente a francesa e a britânica. Coincide com o reconhecimento de gênios como o flamengo
Van Dyck ou o holandês Rembrandt.

Na maioria absoluta das regiões onde aparece, o Barroco serviu como um dos principais veículos de ex-
pressão e exibição do poder absoluto dos soberanos. Como já havia acontecido anteriormente na história,
a arte barroca esteve a serviço do poder.

Nos dois séculos em que o Barroco esteve no auge, o continente europeu viu-se sacudido por constantes
conflitos que significaram a decadência constante do império espanhol, junto com a ascensão da França
dos Bourbon, que alcançaria seu ponto culminante com Luís XIV, o Rei Sol. A Inglaterra também montou
pouco a pouco sua superioridade marítima e comercial, o que permitiu alicerçar as bases de seu império
colonial.

O centro da Europa foi devastado por inúmeras guerras, especialmente pela Guerra dos Trinta Anos (1618-
1648), que assolou o continente por mais de três décadas. Nesse panorama político, onde o conflito sem-
pre foi a tônica prevalecente, a arte serviu para representar o poder dominante.

Em meio a todo esse caos, o império dos Habsburgo da Áustria, se destacará pela habilitade política. Os
Habsburgo eram especialistas em casamentos com outras dinastias. Tinham sangue Habsburgo tanto Ma-
ria Antonieta, que esposaria o rei francês Luís XVI e acabaria na guilhotina como Leopoldina, que viria a ser
imperatriz do Brasil depois de casar-se com Dom Pedro I – as duas eram primas. Eles também eram apai-
xonados por cultura, conhecidos pelo fomento à ciência, música e artes visuais. Os Países Baixos também
se converteram em grande potência comercial no período, transformando-se em polos produtores de arte.

G) Barroco Espanhol
O século XVII é conhecido como o Século de Ouro na Espanha. Nesses cem anos ocorreu um período de
decadência política sob os reinados de Felipe III, Felipe IV e Carlos II que se dedicavam à caça, à oração e à

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vida na corte, enquanto o governo era dirigido por personagens controversos como o Conde-Duque de
Olivares e o Duque de Lerma. Ao mesmo tempo em que os soberanos tinham dificuldades para administrar
um território imenso – que na época compreendia boa parte das Américas, com o esforço necessário para
coloniza-las –, o país experimentou espetacular desenvolvimento artístico. Durante esse período viveram
os grandes mitos que ajudaram a formam a imagem artística da Espanha no mundo: escultores como Gre-
gório Fernández ou Martinez Montañez e, especialmente, pintores como Velázquez, Ribera, Zurbarán ou
Murillo.

Todos atribuíram sua própria interpretação à linguagem barroca comum, a serviço de uma monarquia ab-
soluta e conforme os ideais do catolicismo. No século XVIII não ocorre nenhuma grande mudança artística,
mas a chegada dos Bourbon ao poder coincide com a maior internacionalização das artes. A mudança de
dinastia também transformou preferências estéticas, com apelo maior ao refinamento classicista.

Pouco se sabe sobre a vida do pintor, escultor e arquiteto Domenikos Theotocopoulos (1541-1614), conhe-
cido como El Greco (O Grego). Nascido em Creta e radicado na cidade espanhola de Toledo, é considerado
um dos artistas que abrem caminho para a pintura barroca no país.

Suas figuras alongadas trazem forte influência da pintura bizantina. A maneira como coloca essas figuras
em um espaço ao mesmo tempo diáfano e fantasmagórico distancia-o do classicismo renascentista (carac-
terizado pela linha e pela clareza de formas) e antecipa características maneiristas e barrocas, como a
mancha e as formas que se dissolvem ou flutuam no ar. Em obras como Cristo Despojado de suas Vestes
(1577-1579) e O Enterro do Conde Orgaz (1586-1588), El Greco imprimiu a característica básica de sua
obra: seus personagens constantemente vivem êxtases místicos, que os libertam do corpo e encerram e
evidenciam o conflito entre carne e espírito. Anos mais tarde, o auge do Barroco ampliaria esse duelo de
contrários.

Nascido em Valência, José de Ribera (1591-1652) deveu sua formação ao contato com os grandes mestres
do Barroco italiano, sobretudo Caravaggio. Em 1616, instalou-se em Nápoles. A região italiana estava sob
controle da coroa espanhola, e a mistura de culturas que marcariam sua vida lhe rendeu o apelido de “Es-
panholzinho”. Sua pintura espelha o tenebrismo de Caravaggio, ainda que de modo mais conciso, sem tan-
ta retórica e teatralidade. Outra influência são as poses clássicas dos personagens, que se movem com
emotividade serena.

Primeira grande figura da escola sevilhana, Francisco de Zurbarán (1598-1664) dedicou a maior parte de
sua obra a telas de caráter religioso, encomendadas por conventos. Suas figuras são solenes, mesclando
força e ternura, e parecem ter certeza absoluta do que querem viver. As ações não têm detalhes supér-
fluos e seguem um ritmo que parece obedecer a uma verdade suprema. Os objetos são destacados com
grande objetividade, sem maiores adornos. O resultado é tenso e vigoroso, com uma força que parece
transformar o cotidiano em algo milagroso.

O também sevilhano Bartolomé Esteban Murillo (1618-1682) foi, por muito tempo, o mais popular dos
pintores espanhóis do Século de Ouro.

Abandonou o estilo da pintura sevilhana da primeira metade do século, focado no jogo de claro e escuro, a
favor de um estilo fluido, calcado em extraordinária riqueza cromática. Foi dono de grande sutileza com a
luz e as cores quentes.

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Mas Murillo ficou conhecido principalmente pela serenidade de suas composições religiosas, tratadas com
espontaneidade. Elas foram responsáveis pela devoção popular à sua obra. Também fez incursões pela
pintura de gênero, criando delfins e pícaros, que aparecem idealizados e plenos de carga simbólica.

“Pintor dos pintores”, Diego de Silva y Velázquez (1599-1660) nasceu em Sevilha, onde desenvolveu a pri-
meira fase de sua obra até ser nomeado pintor oficial de Felipe IV, em 1623. Esse começo sevilhano está
marcado por seu trabalho no ateliê de Francisco Pacheco, homem de grande erudição teórica, com quem
se familiarizou sobre temas e problemas da pintura.

Seu estilo nesses anos ainda é dominado pela influência de Caravaggio. Usa tons terrosos e figuras de
grande plasticidade e volume. Trata de temas religiosos e sobretudo de gênero, como em A Velha Fritando
Ovos (1618). Nesse tipo de tela, os personagens têm uma caracterização psicológica.

Chamado à corte pelo Duque de Olivares, inicia em 1623 sua fase madrilena, que conclui com a primeira
viagem à Itália (1629-1631). Faz seus primeiros retratos reais e de bufões, bem como Os Bêbados (1629),
pintura em que funde o tema mitológico com o de gênero, explorando esses contrastes. Na Itália, aprofun-
da o estudo do nu artístico e da perspectiva. O resultado desse amadurecimento é A Caldeira de Vulcano
(1630).

A maturidade de Velázquez como artista deve-se não somente à sua prodigiosa técnica, mas também à sua
personalidade. Habilidoso e político, foi o artista que mais se integrou ao mundo da corte, ocupando vários
cargos a serviço de Felipe IV.

Na volta de sua primeira viagem à Itália, Velázquez realizou, junto com outros pintores chamados para tra-
balhar na corte, a decoração do Salão do Reinado no Palácio do Bom Retiro, um projeto iconográfico desti-
nado a exaltar as façanhas da monarquia espanhola, com temas históricos, mitológicos e retratos. A esse
período pertence A Rendição de Breda (1635), onde o vencedor, Ambrosio Spínola, recebe respeitosamen-
te as chaves da cidade das mãos do vencido, Justino Nassau; além de prodigioso conjunto de retratos, cer-
cados de efeito atmosférico.

Em 1649 realiza sua segunda viagem à Itália, decisiva para as bases de seu estilo maduro. O rei Felipe IV
encarregou Velázquez de comprar pinturas para decorar seus aposentos e, graças a isso, o pintor teve
acesso às mais altas figuras italianas, chegando a retratar algumas delas, caso do papa Inocêncio X. Tam-
bém realizou duas paisagens da Vila de Médicis, que chamam a atenção pela captação de efeito visual ins-
tantâneo, da forma que fariam mais tarde os impressionistas. Fez ainda a magnífica Vênus no Espelho (c.
1650), considerada uma de suas grandes obras.

No período final de sua vida, Velázquez alcança a maestria suprema, com estilo fluido e vaporoso, de leve-
za atmosférica. A essa época pertencem seus melhores retratos reais e sua obra-prima, As Meninas (1656),
assim como As Tecelãs (1657); como nas obras anteriores, funde o tema mitológico com cena de gênero
para ocultar mensagem simbólica: o tapete do fundo representa as disputas de Minerva e Ariadne sobre os
modos de tecer; com o triunfo da primeira e o castigo da segunda. Na parte esquerda da tela, ele apresen-
ta o fazer “mecânico”, com a roca, sem sutilezas. No lado direito, aparece o fio já terminado e sendo enro-
lado, retratado com efeito etéreo e diluído. É um jogo sutil de pintura e ilusão, que marca a obra do gênio.

As Meninas
Esse quadro, batizado originalmente de A Família, é um retrato da corte. No centro, aparece a infanta Mar-
garita, auxiliada por suas damas de companhia, junto com outros empregados e personagens que circula-
vam pelo Palácio Real de Madri, onde ocorre a cena. Ao fundo se vê o criado de quarto.

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Na parede, refletidos em um espelho, estão o rei Felipe IV e Mariana de Áustria, que parecem observar a
filha da mesma posição do espectador do quadro. À esquerda, Velázquez faz seu autorretrato, no momento
em que pinta um quadro.
A pintura tanto poderia ser dos reis como das próprias Meninas, o que cria um jogo de ambiguidade sobre
o que realmente estamos contemplando. Esse jogo é plenamente barroco. Essa sutil ilusão, que chega a
transformar a ficção em realidade e a realidade em complexa linguagem simbólica, oculta diversos signifi-
cados e sintetiza a cultura visual da Espanha do Século de Ouro.

H) Barroco Português
Portugal ficou de fora do esplendor do Barroco. No auge do estilo, o país passava por período de decadên-
cia política e econômica, o que impediu que o estado português investisse na suntuosidade de igrejas e
palácios, à semelhança de outros países.

Em 1578, o império português havia perdido importantes entrepostos comerciais e vira seu rei, Dom Se-
bastião, morrer no Marrocos, numa batalha contra os árabes, sem deixar nenhum herdeiro. A batalha pela
sucessão do trono acabou fazendo com que Portugal fosse anexado pela Espanha. A crise durou até 1640,
com a reconquista da independência.

Durante esse período, a redução de poder político e financeiro teve reflexos na cultura. No lugar das sun-
tuosas catedrais dos países vizinhos, a arquitetura lusa passou a produzir igrejas simples, com torres no
formato de guaritas. É o período da arte chã, de edificações singelas, com pouca altura.

Como não havia mármore ou outras pedras nobres, os artistas usavam madeira e azulejos para decorar o
interior das construções. O improviso no uso de materiais acabou transformando a azulejaria em marca
registrada da arquitetura portuguesa. Por influência da metrópole, os azulejos transformaram-se em um
recurso bastante usado também nas igrejas do Barroco brasileiro.

I) Barroco Francês
A linguagem clássica importada da Itália aparece na França perfeitamente sistematizada, graças à força da
Academia de Arquitetura, fundada em 1671. A arquitetura francesa priorizou repertório formal de linhas
retas e volumes limpos em contraposição às curvas, e também de sóbria elegância ornamental, em oposi-
ção ao acúmulo excessivo das construções de outros países.

O principal arquiteto francês do século XVI foi Jules Hardouin-Mansart (1646-1708), autor da Igreja dos
Inválidos, em Paris (1678-1691), com uma grande cúpula sobre tambor. Vem de seu nome elemento arqui-
tetônico das residências francesas: “mansarda”, o aposento no último andar dos edifícios, com janelas
abertas no telhado e teto geralmente inclinado.

Junto com Louis Le Vau (1612-1670), Mansart projetou o conjunto palaciano de Versalhes (1669-1685)
para Luís XIV. O conjunto de residência real, centro administrativo e jardins foi concebido por Luís XIV com
a intenção de apresentar-se aos súditos como o mais suntuoso monarca de seu tempo. É a síntese da arte
francesa do seu tempo: linguagem clássica italiana filtrada por rigorosa sistematização acadêmica, por
meio da qual a simetria e a ostentação são consideradas os pilares da criação artística.

Versalhes exemplifica ainda a típica aspiração barroca de conseguir a fusão entre as artes. Charles Le Brun
(1619-1690) supervisionou sua ornamentação interna com pinturas ilusionistas e espelhos. A Galeria de
Espalhos é, aliás, seu aposento mais popular desde que o palácio se tornou museu. No jardim, um grupo de

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esculturas monumentais de François Girardon (1628-1715) destaca o deus Apolo, uma referência simbólica
a Luís XIV, o Rei Sol.

A polêmica entre naturalistas e clássicos, que havia marcado a pintura italiana no começo do século XVII,
transfere-se para a França em meados do século e, assim como na Itália, desenvolve-se entre os franceses
uma arte decorativa para agradar ao gosto da corte.

Talvez o grande marco da arte francesa do período tenha sido a criação da Academia – com esse centro de
aprendizado de arte, o artista passou a se submeter a um modelo codificado, sinônimo de bom gosto.

A Academia Real de Pintura e Escultura, fundada em 1648 com o apoio de Luís XIV, foi determinante para a
profissionalização do artista e o aprimoramento de algumas técnicas, como o domínio do desenho, e para
a consagração de alguns parâmetros artísticos que, naquela época, todos acreditaram ser eternos.

O naturalismo, de ascendência caravaggista, teve na França um representante singular. Georges de La Tour


(1593-1652), que utiliza como recurso plástico intenso foco de luz, frequentemente uma vela, que serve
para iluminar os objetos e personagens, transformando temas religiosos em emotivas cenas rústicas. Den-
tro da tendência mais realista, destacam-se os irmãos Le Nain, sobre Louis (1593-1648), que pintou humil-
des camponeses que pareciam aceitar com dignidade o seu destino.

Mas são os artistas clássicos os que sempre se identificaram mais com o espírito francês, apegado às for-
malidades e à ordem. Nessa tendência destacaram-se dois mestres excepcionais. Uma deles é Nicolas
Poussin (1594-1665), que, depois de longa temporada em Roma, estabeleceu-se na França a partir de 1642
como pintor da corte, fiel estudioso do modelo clássico, mestre do desenho e das composições equilibra-
das, que ele aplica a temas mitológicos tratados com serenidade e harmonia, evocando uma Idade de Ou-
ro, em que o ser humano vivia em concordância com a natureza.

O outro grande pintor do classicismo é o paisagista Claude Lorrain (1600-1682), o pintor dos lugares imagi-
nários, com arquiteturas clássicas dominadas por uma luz crepuscular, que imprime em tudo um lirismo
sossegado, como se fossem a evocação de maravilhoso sonho, onde sucedem pequenas histórias mitológi-
cas e religiosas.

O grande nome da pintura decorativa foi o já mencionado Charles Le Brun, autor de importantes decora-
ções e retratos que refletiram todo o esplendor da corte de Luís XIV. Além disso, Le Brun controlou a Aca-
demia e supervisionou toda a arte oficial do país, garantindo a representação politicamente conveniente
de personagens e a adequada aplicação dos modelos clássicos preestabelecidos.

Rococó
Uma derivação do Barroco é o estilo conhecido como Rococó. Originalmente, o termo era empregado
quando a ornamentação usava o rocaille, forma parecida com uma concha. O rococó utiliza ornamentos
delicados, que dão sensação de rapidez e fantasia. Os adornos também transmitem ao ambiente alegria, ar
de aconchego e intimidade. O auge dessa variante ocorre a partir de 1700 na França, cai no gosto de Luís
XV e difunde-se por toda a Europa no século XVIII, chegando inclusive ao Brasil. Há relatos de que o termo
“rococó” foi cunhado de forma preconceituosa e pejorativa por alunos do pintor Jacques-Louis David (1748-
1825), grande nome da Academia Francesa. Parte dos acadêmicos considerava o estilo, excessivamente
florido e decorado, um tanto afetado. A decoração do Hotel Soubise, em Paris (1734), feita por Germain
Boffrand (1667-1754), é tipicamente rococó.
Assim como acontece com a arquitetura, a pintura rococó do século XVIII desenvolve-se a partir de formas
mais ágeis e leves, reflexo de um mundo que se compraz na sedução e galanteio, no prazer das diversões
fáceis e nos sentidos bem apurados.

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É a apoteose do artifício, que se sobrepõe à naturalidade. Apesar disso, os melhores pintores deixam trans-
parecer, por trás da ficção, a doce fragilidade da vida, metaforicamente convertida em uma pintura que se
organiza em gestos, dinâmicas e cores etéreas que se dissolvem no ar. Pode-se dizer que o drama típico do
Barroco transforma-se em comédia, cuja aparente frivolidade não é nada mais que outra aparência da vida.
O melhor pintor desse estilo foi, sem sobra de dúvida, Antoine Watteau (1684-1721), que conheceu a des-
treza de Rubens e a inocente naturalidade da pintura holandesa e, ao mesmo tempo, a riqueza colorista
dos venezianos. Sua obra mais famosa é Embarque para Citera (1717), uma das obras mais características
do período, que faz alusão a uma viagem de um grupo de jovens à ilha da felicidade, numa metáfora das
várias fases da conquista amorosa a partir da sedução. Na sua pintura, Watteau tenta apresentar a vida
como algo sensual e aprazível, que chega a beirar a banalidade temática. Apesar disso, percebe-se em sua
obra uma melancolia íntima, uma espécie de gozo insatisfeito, por tudo o que há de efêmero naquilo que
se conquista facilmente. Há um eterno desassossego.
Na geração posterior, o destaque é François Boucher (1703-1770), pintor de sensuais nus femininos, que
podem ser deusas mitológicas ou simples camponesas. O filósofo iluminista Diderot o combateu por consi-
dera-lo sinônimo da decrepitude da aristocracia, alegando que os temas de suas pinturas eram viciosos e
careciam de carga moral.
O último grande artista dessa corrente é Jean-Honoré Fragonard (1732-1806), pintor de cenas eróticas e
picantes e dono de estilo de exuberante vitalidade. Suas pinturas têm traços vigorosos, efeitos luminosos e
cores claras e agradáveis. Para alguns críticos, suas obras já são o prelúdio do conceito moderno de execu-
ção pictórica que, no entanto, será interrompido pelo Neoclassicismo.

J) Barroco Inglês
A Inglaterra já era um dos principais centros artísticos do mundo nos séculos XVII e XVIII. Os ingleses rece-
beram a linguagem arquitetônica italiana como algo novo, que podia se contrapor às formas góticas que
ainda sobreviviam no país. O principal arquiteto inglês do Barroco foi Christopher Wren (1632-1723). Além
de projetar a reforma urbanística de Londres depois do incêndio de 1666, foi encarregado de projetar a
Catedral de São Paulo (1675-1710), em que usa modelos italianos do Cinquecento, mas com colunas, lumi-
nosidade e cúpula tipicamente barrocas.

Até o século XVIII, a pintura na Grã-Bretanha não adquire a personalidade e o gabarito de outras escolas
nacionais. No século XVII, a presença de Van Dyck em Londres obscureceu os artistas ingleses contempo-
râneos e deixou profunda herança às gerações posteriores. Isso comprova-se pelos autores do século se-
guinte tanto pelo estilo – dominado pelas cores e pela pincelada solta – como pela maneira de compor os
retratos, ambientados em fundos de paisagem, com aparente espontaneidade. Essa ênfase na individuali-
dade, como um marco na natureza, constitui característica da pintura britânica, que não se submete ao
peso da tradição de histórias mitológicas e religiosas que assolam todo o continente europeu.

Além de variadíssima gama de retratos, há uma série de especialidades pictóricas que encontram desen-
volvimento bastante peculiar na Inglaterra. É o caso da pintura de gênero, com cenas domésticas e ativida-
des públicas, e, sobretudo, da paisagem, que alcança maturidade como gênero autônomo.

William Hogarth (1697-1764) é considerado o pai dos artistas ingleses. Fez da pintura um meio para adver-
tir seus espectadores sobre os defeitos morais de seu tempo, por meio da ridicularização dos costumes. De
um modo geral, suas pinturas formam séries que contam vários episódios de uma mesma história. Possu-
em também um acurado sentido narrativo, como se fossem vinhetas. É o caso das cenas de O Casamento à
Moda (1743-1745), onde o artista relata o drama de um casal que se casa por interesse. Essas imagens
alcançaram grande divulgação graças à reprodução por intermédio da gravura.

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Hogarth também foi hábil retratista, seguindo o estilo de Van Dyck de dispor as figuras com certa naturali-
dade, como se não estivessem posando, buscando sua expressividade e carga psicológica.

Thomas Gainsborough (1727-1788) foi afamado retratista, gênero em que radicalizou a melancolia de Van
Dyck. Em suas telas, os aristocratas ingleses, em meio a perucas e vestidos, são impregnados de atmosfera
íntima e reflexiva que exacerba sua humanidade.

Alguns retratos, como Robert Andrews e sua Esposa (c. 1749), revelam a serenidade típica de época que
demonstra amoroso interesse pela paisagem. Por isso, Gainsborough foi também um dos pioneiros na ex-
ploração das possibilidades da paisagem como gênero, fenômeno que está na origem da arte moderna e
que será, um século e meio depois, uma das chaves da arte de Cézanne.

Joshua Reynolds (1723-1792) teve um talento especial para assimilar a arte de Van Dyck. Também conti-
nuou múltiplos talentos de outros mestres da história da arte ao descrever e compor personagens. Ainda
que seus retratados sejam os ingleses de seu tempo, o artista confere a eles certo refinamento culto, como
se fossem grandes heróis da história ou da mitologia. Consegue que cada modelo atue e responde à carac-
terização psicológica imaginada para sua idade, sexo e condição, dentro da teatralização tipicamente bar-
roca que, em sua pintura, revela serenidade contida com inclinação para o clássico.

No retrato O Coronel Banastre Tarleton (c. 1780) intuímos um homem de ação, que encara o perigo com
firmeza. Contribuem para a cena os cavalos ariscos, as bandeiras ao vento e o canhão.

Os pintores britânicos atreveram-se a explorar diversas facetas da realidade cotidiana porque o exercício
da pintura, como arte da representação, não esteve submetido ao peso de tradição histórica – tem sua
origem na observação do cotidiano. Seus clientes, uma aristocracia rural, eram amantes de paisagens e
desejavam ser retratados nesses ambientes, mas também demonstravam curiosidade pelos fenômenos
científicos e por tudo que rodeava sua rotina.

É nesse contexto que surge Joseph Wright of Derby (1734-1797), que se dedicou a representar indústrias e
experiências científicas, como Experimento com um Pássaro nos Campos de Aire (1768). Nele, faz um estu-
do de reações psicológicas e efeitos luminosos.

As diversões da aristocracia britânica foram tema de vários pintores. George Stubbs (1734-1806) fez telas
sobre caça e cavalaria que, apesar de pintadas com ingenuidade plástica, evidenciam vontade de descrever
com objetividade o mundo que caracteriza o espírito moderno.

K) Barroco Germânico
Viena tem um dos mais belos edifícios barrocos do mundo: o Belvedere Schloss, palácio projetado por Lu-
kas von Hildebrandt (1668-1745) a pedido do príncipe Eugênio de Saboia (1663-1736), que queria uma
residência de verão fora das muralhas da cidade. Na Alemanha, o grande exemplo é o Palácio de Sanssouci
(1745-1747), em Postdam, erguido a mando de Frederico, O Grande. O palácio, conhecido como Versalhes
Germânica, teve o prédio principal, com fachadas e cúpulas ricamente ornadas, projetado por Georg Wen-
zeslaus von Knobelsdorff (1699-1753). Mas há pequenas construções espalhadas pelo parque, desenhadas
por outros arquitetos. Entre elas, merecem destaque a Casa de Chá Chinesa, dourada com motivos orien-
tais, e o Templo da Amizade, de inspiração greco-romana.

L) Barroco Flamengo-Holandês

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A pintura na aristocrática e católica Flandres do século XVII é, de um lado, resultado da evolução de um
centro artístico já importante nos séculos anteriores. A região manteve as características humanistas da
concepção pictórica, centrada na ideia da criação pessoal de artista a serviço de um mecenas.

Mas, de outro, seu desenvolvimento dependeu da estreita relação com o mundo italiano, do qual se nutre
estilisticamente, sobretudo na sua vertente mais espetacular e exuberante. Também são importantes seus
vínculos com a pintura espanhola, uma influência decisiva por causa das relações políticas e do interesse
dos Habsburgo, grandes colecionadores das obras dos artistas flamengos.

Peter Paul Rubens (1577-1640) é um dos mais importantes e prolíficos artistas de todos os tempos, exer-
cendo influência extraordinária na pintura europeia. Personificou a imagem do artista bem-sucedido, triun-
fante, culto e distinto, cuja vida é comparável à de um nobre. Comandou um imenso ateliê e inúmeros dis-
cípulos, construindo uma obra imensamente produtiva.

Sua exuberância plástica, como uma incessante e transbordante cascata de formas e cores, constitui um
dos fenômenos mais característicos do Barroco. Rubens foi formado por pintores que seguiam a tradição
de Michelangelo, o que explica a corpulência e a vitalidade de suas figuras.

Em sua pintura convergem três aspectos típicos da arte italiana seiscentista. Em primeiro lugar, as obses-
sões da composição clássica, que Rubens converte em procedimento para imprimir dinamismo e tensão
aos temas, graças às linhas curvas e diagonais. Em segundo lugar, a riqueza colorista dos venezianos, que
em sua obra aparece mais opulenta e faustosa. E, por fim, os recursos de iluminação dramática dos cara-
vaggistas, com a qual tenta criar um cenário adequado aos efeitos dramáticos.

Com esses componentes consegue um estilo absolutamente pessoal, apoiado em prodigioso domínio téc-
nico. Sua fama deveu-se tanto às grandes composições religiosas, com enfática retórica gestual, que con-
verte os grandes episódios da vida de Cristo e dos santos em momentos culminantes de um drama, como
também à sua versão bastante singular dos temas mitológicos, com as pinturas de nus femininos revelando
um sentido vital da existência. Sua pintura apresenta-se como um prazer que mescla o visual e o táctil.

Discípulo de Rubens, Anton van Dyck (1599-1641) é a segunda grande figura da pintura barroca flamenga e
pintor de fama universal. Viveu muitos anos na Inglaterra e foi nomeado pintor do rei Carlos I, a quem re-
tratou.

Uma de suas grandes obras é justamente a tela de 1638 na qual o monarca aparece em meio à natureza
sem a rígida etiqueta com que os outros pintores costumavam retratar a nobreza. Esse modelo da figura
imersa na natureza, que tem tanta importância na tela quanto o personagem, deixaria uma marca muito
profunda na escola inglesa, que bebeu nas fontes estilísticas e iconográficas de Van Dyck durante várias
décadas.

Van Dyck foi, antes de mais nada, excelente retratista: soube imprimir aos personagens uma aristocrática
elegância, com poses atrevidas. Às vezes a aparência de seus personagens é compassiva, mas eles têm um
semblante sempre atraente graças às suas emoções, característica tipicamente barroca. Herdou de Rubens
a facilidade pictórica e o suntuoso sentido da cor, mas foi mais refinado e lírico, com gestos e olhares im-
pregnados de certa melancolia – e nela concentra toda a sua habilidade.

O número de pintores relevantes da escola flamenga é considerável. A terceira grande figura é Jacob Jor-
daens (1593-1678), que trabalhou no ateliê de Rubens. Ele difere de Van Dyck pelo gosto pelo popular,
com uma pintura fresca e expressiva.

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Todos os pintores flamengos tiveram inclinação inata para o naturalismo, resultado da observação minuci-
osa da realidade. Isso se transformou num traço típico dessa escola. Em Flandres, mais do que em nenhum
outro lugar da Europa, houve desenvolvimento espetacular da pintura de animais, tanto vivos quanto mor-
tos; a pintura decorativa de flores e, sobretudo, a pintura de gênero, de formato reduzido, destinada a
decorar casas burguesas.

Ainda merecem destaque os pintores Jan Brueghel (1568-1625) – cujas obras detalhistas mostram o senti-
do descritivo da concepção pictórica – e, numa geração bem posterior, David Teniers (1610-1690), o pintor
das cenas populares em que figuras e anedotas aparecem reproduzidas com amabilidade.

A pintura burguesa e protestante da Holanda do século XVII corresponde ao novo estilo de vida que a regi-
ão vivencia depois de sua independência de seus vizinhos do sul, os Países Baixos, que acontece em 1648.

Essas mudanças sociais e religiosas tiveram consequências decisivas para o desenvolvimento artístico. O
artista passou a ser promovido como parte importante da sociedade, considerado profissionalmente e
ampliou o leque de clientes e temas que retratou. Os pintores do país também realizavam obras de menor
tamanho, motivadas por encomendas de menor valor, feitas pela classe média burguesa.

A Holanda também pôs sob os holofotes a figura do marchand, profissional que se dedica à compra e à
venda de quadros. Com o tempo, ele ganhou grande importância como intermediário entre os artistas e o
público. Os artistas passam a ser submetidos a leis de mercado, que, por natureza, é alheio à existência de
regra que defina o bom gosto.

Os holandeses pintaram temas diferentes dos usados por outras escolas pictóricas, dominadas pela mito-
logia e pela religião. Na Holanda, houve interesse por tudo o que estava ligado à realidade cotidiana; por
histórias bíblicas usadas como reflexão moral; por personagens e suas atividades profissionais, naturezas-
mortas e paisagens.

Assim como o flamengo, o pintor holandês foi marcado estilisticamente por fidelidade, à realidade, como
uma obsessão por reproduzir os detalhes com precisão visual. Isso foi possível graças à habilidade técnica,
admirada pelos colecionadores como sinônimo de qualidade.

É nesse contexto que um dos pintores mais geniais de todos os tempos cria sua obra. Dono de personali-
dade serena e introvertida, Rembrandt van Rijn (1606-1669) detinha enorme cultura, decisiva à construção
de seu estilo: sua pintura nasce da meditação pessoal, tem grande domínio do chiaroscuro e produz luz de
brilhos intensos em atmosfera dourada, conseguida com uma camada intensa de cor. Construiu a pintura
que é uma reflexão profunda sobre o espírito humano e os sentimentos que o movem. Em suas telas en-
contramos uma meditação plástica sobre a fragilidade dos seres, que, animados por impulsos comoventes,
desintegram-se diante de nossos olhos em uma aparência de luz e matéria, quase onírica, ajustada perfei-
tamente ao espírito barroco. Rembrandt alcançou grande prestígio como retratista; mas se revela como
artista genial nos quadros de composição, tanto nas cenas bíblicas quanto em cenas cotidianas de seu
tempo. Nesse último grupo se enquadram as obras-primas Lição de Anatomia (1632) e A Ronda Noturna
(1642).

Frans Hals (c. 1586-1666) é um dos grandes retratistas da história da arte, que alcançou sucesso extraordi-
nário durante os anos 20 e 30 do século XVII. Assim como Rembrandt, realizou retratos coletivos das cor-
porações locais, onde cada personagem mostra orgulhoso sua condição profissional. A atmosfera festiva
caracteriza o otimismo que contamina a sociedade da época. Sua maestria também se revela nos retratos
individuais, de forte expressividade e aguda observação psicológica. Com o tempo, seu estilo se torna cada

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vez mais livre: as pinceladas soltas, quase borradas, parecem querer captar a instantaneidade do momen-
to.

Um tema recorrente na pintura holandesa é a descrição dos interiores cotidianos, onde acontece a rotina.
Em vez de reis, rainhas e nobres que dominam a cena em outros países, na Holanda recém-independente e
burguesa, impregnada pela moral protestante – que valoriza o enriquecimento por meio do trabalho –
quem vai estar sob os holofotes são os chefes de família, os comerciantes, os profissionais liberais e até
mesmo os criados. Os quadros valorizam o trabalho silencioso, por meio do qual se atinge o verdadeiro
sentido da existência. O mais completo pintor desse tipo de cena foi Jan Vermeer (1632-1675). Radicado
na cidade Delft, o artista conseguiu impregnar sua obra com a satisfação por tudo o quanto rodeia o mais
simples da vida. Entre suas obras-primas estão quadros como Moça com Brinco de Pérola e A Cozinheira.
Nesse último, uma cena trivial – a ama derramando leite de uma jarra – ganha uma luminosidade cuidado-
samente estudada, como se vê em poucos quadros da história da arte. Com Vermeer, o talento holandês
para a percepção puramente óptica da realidade alcança sua plenitude. A luz envolvente de suas telas su-
blima figuras e paisagens em uma serenidade profunda.

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Cápítulo 16 – Bárroco no Brásil
A estética barroca manifesta-se tardiamente no Brasil, onde desenvolve características peculiares, tanto na
arquitetura das igrejas como nas esculturas de santos.

A) Contexto
Assim como em Portugal, o Barroco no Brasil tem manifestação tardia em relação à Europa. No Brasil, a
ascensão do estilo acompanhou a descoberta do ouro em Minas Gerais – a primeira corrida do ouro do
Ocidente. Minas confere um ar muito peculiar ao estilo no país.

Nas cidades litorâneas, como Rio de Janeiro, Recife e Salvador, a influência da metrópole portuguesa era
maior, o que fez com que o estilo guardasse fortes características europeias; em cidades mineradoras co-
mo Vila Rica, atual Ouro Preto, ou Diamantina, isoladas pela distância e pela precariedade da comunicação,
o Barroco ganhou características próprias. Traços negros e mulatos são recorrentes nas imagens de santos
e pinturas de capelas e igrejas, dada a forte influência dos escravos.

Processo semelhante ocorre em algumas regiões do sul do país, onde, por influência das missões jesuíticas,
índios catequizados emprestam às imagens de santos suas próprias feições e às asas de anjo as cores das
penas de aves tropicais.

A atração causada pelo ouro tornou Minas Gerais a capitania mais populosa do Brasil. De 1711 a 1730,
além de Vila Rica, destacam-se São João del Rei, no sul, e Sabará, no norte. O ouro movimentou a econo-
mia de toda a colônia, criando um mercado para o gado do Sul, fumo e açúcar do Nordeste e escravos do
Rio de Janeiro.

A Coroa confiscava um quinto do ouro extraído e o contrabando era crônico. Sempre influente, a Igreja
concorria com a Coroa em poder. Por isso mesmo, Portugal tentou controlar a expansão do domínio católi-
co no Brasil, proibindo a instalação das Ordens Primeiras (de frades e monges) e Segundas (de freiras), em
1738. Como consequência, proliferaram as Ordens Terceiras, Irmandades e Confrarias, que congregavam
os leigos. A devoção laica foi a grande patrocinadora do esplendor do Barroco mineiro.

Cada congregação vai ter características próprias e influenciar diretamente na confecção de suas igrejas.
Em Vila Rica, a Ordem Terceira de São Francisco de Assis proibia mulatos, negros, judeus, mouros e heréti-
cos ou seus descendentes até a quarta geração. Já a Ordem Terceira do Rosário dos Pretos era mantida
pelos escravos. Uma prática comum dos negros no período era esconder pequenas pedras de ouro no ca-
belo. O ouro podia comprar a alforria e ajudar na construção de igrejas. Cada irmandade tinha seu santo,
suas festas e construía sua igreja exclusiva, competindo com as outras em glória e prestígio. Para o devoto,
o grande prêmio era ser enterrado no interior do templo – garantindo o céu depois da morte. Em boa par-
te das cidades brasileiras, Nossa Senhora do Rosário era a manifestação de Maria preferida dos escravos.
Também no Rio de Janeiro, a paróquia da santa, em região estratégica do centro, foi mantida por negros
no período colonial. Como atendiam a apenas uma confraria, as igrejas e capelas diminuíram de tamanho
em relação aos templos do século XVII.

A força de Minas também provocou mudanças no uso de materiais. O azulejo não suportava a subida da
serra no lombo das mulas. Foi por isso que o Barroco mineiro acabou abandonando essa influência lusita-
na, muito presente nas igrejas do Rio de Janeiro e Salvador. Os azulejos foram substituídos por painéis pin-

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tados. Por ser maleável e facilmente encontrável na região, a pedra-sabão também foi usada como substi-
tuta do mármore.

B) Ciclos
O primeiro ciclo do Barroco brasileiro é conhecido como “período nacional português” e vai de 1700 a
1730. Marca o aparecimento do estilo, sobretudo em Salvador e Recife. Nesse momento, a influência bar-
roca muda o interior das igrejas, mas não interfere no exterior, mantendo as construções modestas dos
primórdios do período colonial. As fachadas e plantas continuaram retilíneas, mas, por dentro, as igrejas
viraram templos suntuosos, com paredes e tetos inteiramente revestidos de madeira esculpida em alto ou
baixo-relevo (talha), e pinturas encaixadas em molduras (os caixotões). Os painéis que ficam atrás e acima
do altar (retábulos) apresentam colunas torcidas e decoração profusa. É o caso da Capela Dourada (1695),
em Recife, da Igreja de São Francisco de Assis (1703), em Salvador, e da Capela de Nossa Senhora do Ó, em
Sabará (1719), Minas Gerais.

A partir de 1730, nota-se uma mudança. É o período joanino, que vai até 1760, marcado pelo gosto italiano
do rei português, Dom João V. As estátuas integram-se à madeira dos retábulos e os caixotões desapare-
cem, substituídos por pinturas que têm como grande característica a utilização da ilusão de ótica. São
obras de grandes dimensões, que podem recobrir todo o teto do templo. A arquitetura adota linhas cur-
vas, naves alongadas e torres circulares, como nas igrejas de Nossa Senhora da Conceição da Praia (1758),
em Salvador, Nossa Senhora do Pilar (1734) e Nossa Senhora do Rosário (1750), estas duas últimas em Ou-
ro Preto.

Outras mudanças cristalizam-se a partir de 1760, com o ciclo rococó, que vai até aproximadamente 1800.
Nesse período, as fachadas das igrejas ganham leveza e audácia, com curvas, torres redondas e portadas
com relevo de pedra-sabão. Os ambientes são claros e arejados, e a luz natural enfatiza a ornamentação
sobre fundos caiados de branco. Os templos projetados por Aleijadinho, como a igreja de Nossa Senhora
do Carmo (1766), em Ouro Preto, e a de São Francisco de Assis (1774), em São João del Rei, são obras-
primas da época. O interior dessas igrejas é cuidadosamente estudado pelos autores de seus projetos. Um
dos principais objetivos é fazer com que a luz incida sobre as pinturas internas, destacando cores e o jogo
entre claro e escuro. Tudo é pensado como uma sinfonia de luz e cor.

C) Aleijadinho
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, nasceu em Ouro Preto em 1730, quando a cidade ainda se chama-
va Vila Rica. Era filho bastardo do mestre-de-obras português Manuel Francisco Lisboa e da escrava africa-
na da qual se sabe apenas o nome, Isabel.

Muito se escreveu sobre Aleijadinho, mas pouco se sabe com certeza sobre sua vida, pois, a bibiografia é
em grande parte baseada num único trabalho, Traços Biográficos Relativos ao Finado Antônio Francisco
Lisboa, de Rodrigo José Ferreira Bretas. O livro, publicado em 1858, mais de quatro décadas após a morte
de Aleijadinho, mistura fatos e mitos sobre o personagem. Até sobre a data e o local de nascimento pairam
dúvidas.

É certo que por volta de 1777, quando já tinha mais de 40 anos, Aleijadinho desenvolveu uma doença de-
generativa que lhe causava dores intensas e lhe deformava o corpo e as feições. Nunca se chegou a um
diagnóstico exato, mas é mais provável que tivesse sido lepra. Seja como for, segundo o relato de Bretas, a
partir daquele ano Aleijadinho, tendo perdido os dedos dos pés, não conseguia mais andar e locomovia-se

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de joelhos. Mais tarde, com os dedos das mãos atrofiados, teria decidido corta-los, “servindo-se do formão
com que trabalhava”. Para continuar a esculpir, pedia a seus escravos que amarrassem o cinzel e o martelo
em suas mãos.

Com aspecto “asqueroso e medonho”, Aleijadinho evitava contatos sociais, dedicando-se totalmente ao
trabalho. Embora tivesse escravos, ganhou pouco dinheiro. Perto do fim da vida, pobre, ficou completa-
mente cego. Morreu em 18 de novembro de 1814, aos 84 anos.

Conhecido sobretudo como escultor, Aleijadinho foi também entalhador, desenhista e arquiteto. Cursou
apenas o primário e aprendeu o ofício com o pai e o tio, Antônio Francisco Pombal, entalhador de prestígio
em Vila Rica. É provável que também tenha estudado com o pintor português João Gomes Batista e o enta-
lhador José Coelho de Noronha.

A obra de Aleijadinho não pode ser dissociada do ciclo do ouro em Minas Gerais, de intensa atividade inte-
lectual e artística. Embora praticamente nunca tenha viajado para além das cidades mineiras, Aleijadinho
tomou conhecimento da tradição barroca por meio de textos e ilustrações. Consta que teria buscado inspi-
ração nos livros da biblioteca do poeta Cláudio Manuel da Costa, um dos líderes da Inconfidência Mineira,
e em gravuras góticas e bizantinas da Bíblia.

A partir dessas informações, desenvolveu uma arte brasileira a partir de matérias-primas como a madeira
ou a pedra-sabão, e não o mármore e o bronze dos artistas europeus.

Sua produção costuma ser dividida em duas fases distintas: antes e depois da doença. Mário de Andrade
foi um dos primeiros a apontar a distinção. No período em que trabalhou com saúde, sua obra é marcada
pela serenidade, equilíbrio e clareza. Exemplos dessa produção são o projeto das igrejas de São Francisco
de Assis, em Ouro Preto e em São João del Rei, e a capela-mor da igreja Nossa Senhora das Mercês e Per-
dões, em Ouro Preto. Suas principais obras-primas datam da fase em que ele estava doente. É nesses anos
que surgem elementos góticos e expressionistas. Os dois trabalhos magistrais dessa fase são as figuras dos
Passos da Paixão e os Doze Profetas.

O conjunto monumental Passos da Paixão, que data dos últimos anos do século XVIII, é composto por 66
estátuas em madeira de cedro policromada, em tamanho natural, que representam a paixão de Cristo. A
obra é preservada na cidade de Congonhas, no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. Dessas figuras, tal-
vez a mais conhecida seja a de Cristo carregando a cruz, em que o personagem com a coroa de espinhos é
retratado com expressão de horror acentuada pela tensão dos dedos e sangue das pernas.

Quanto aos Profetas, dos primeiros cinco anos do século XIX, esculpidos em pedra-sabão para o adro da
mesma igreja, são bem maiores que o tamanho natural e em total sintonia com a arquitetura.

Obras de Aleijadinho encontram-se espalhadas pelo circuito das cidades históricas de Minas, principalmen-
te Sabará, Mariana e Tiradentes, além de Ouro Preto e Congonhas. No século XIX, quando predominou o
gosto acadêmico, sua obra foi praticamente ignorada. O maior expoente do Barroco brasileiro só seria re-
valorizado no início do século XX.

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Cápítulo 17 – Arte Africáná
As artes plásticas desenvolveram-se na África desde tempos remotos, mas só ganharam visibilidade no
Ocidente a partir do século XX. No Brasil, artistas de origem negra começaram a se manifestar na época do
Barroco.

A) Variedade
Uma das características da arte africana é o fato de ser produzida em pequena escala dentro de sociedades
tradicionais. Embora os estudiosos se refiram a uma arte africana em geral, a unidade dever ser relativiza-
da pela coexistência de estilos diferentes de cada grupo social.

Atualmente, tem-se a falsa impressão de que a arte africana se resume às esculturas. Na realidade, desde
os tempos pré-coloniais, a arquitetura predominou como forma de arte. Exemplo dessa arquitetura são as
magníficas mesquitas de argila de Mopti, em Mali, e as igrejas esculpidas em rocha na Etiópia. A pintura
também se desenvolveu no continente. Os temas são variados. Algumas formas são geométricas, outras
reproduzem cenas de caça ou de guerra.

B) Máscaras
As máscaras são o elemento mais distintivo da arte africana. É sobretudo na Nigéria e no Congo que existe
a tradição das máscaras. As mais antigas datam do século VI a.C.

Elas são trabalhadas em vários materiais, como argila, marfim e metais. Mas a madeira é a principal maté-
ria-prima. Além do valor artístico, as máscaras têm significados simbólicos. Muitos africanos acreditam que
elas protegem quem as carrega. Elas também teriam a faculdade de captar a força vital de um ser humano
(ou animal) no momento da morte e redistribui-la à sociedade. Esse valor simbólico perdeu-se no Ociden-
te, que, no entanto, deixou-se fascinar por seus mistérios.

As máscaras africanas tiveram grande impacto sobre a produção de artistas europeus de vanguarda. Pablo
Picasso deixou clara a influência da arte africana em seu trabalho. O cubismo, movimento que liderou a
partir de 1907, tem elementos de máscaras e esculturas africanas que ele conheceu poucos anos antes.

C) Arte Africana no Brasil


Durante muito tempo, entre os séculos XVII e XIX, os artistas negros no Brasil produziram obras de acordo
com padrões europeus. Eram escravos ou descendentes de escravos que aprenderam o ofício com portu-
gueses ou outros europeus. Para o estudioso e artista plástico Emanoel Araújo (1940-), durante esse perío-
do as manifestações afro-brasileiras são em geral anônimas, “saem de um inconsciente coletivo”. Ele cita
como exemplo os ex-votos do Nordeste.

Ex-voto é a abreviação latina de ex-voto suscepto e quer dizer “o voto realizado”. O termo significa qual-
quer tipo de obra popular, como pintura ou estatueta, doada a alguma divindade como forma de agrade-
cimento por uma graça alcançada. Em geral, o ex-voto tem uma placa descrevendo o motivo da obra.

Entre artistas negros ou mestiços que se expressaram segundo padrões europeus, o mais destacado é Alei-
jadinho (1730-1814), que usou uma forma europeia, o Barroco, para realizar obra marcadamente brasilei-
ra.

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Outros artistas foram os acadêmicos José Teófilo de Jesus (c. 1758-1847) e Estêvão da Silva (c. 1845-1891).
Nascido em Salvador, Teófilo de Jesus estudou com José Joaquim da Rocha (c. 1737-1807), descendente de
português e um dos pintores de motivos religiosos de maior prestígio na Bahia do século XVIII. Foi ele
quem levou Teófilo de Jesus a Lisboa, onde frequentou a Escola de Belas Artes. Sua obra é marcada pela
transição entre o Barroco e o Neoclassicismo.

Estêvão da Silva estudou na Academia Imperial de Belas Artes, onde foi aluno de Victor Meirelles (1832-
1903). O escritor Arthur Azevedo o chamava de Diamante Negro. Ficou conhecido por ter recusado, em
1879, um prêmio secundário do imperador Dom Pedro II. Enfrentou o preconceito, fato que não transpa-
rece em sua obra. Estêvão da Silva é considerado um dos melhores pintores de naturezas-mortas do perío-
do, retratando quase sempre frutas tropicais.

Foi só a partir do século XX que artistas negros começaram a produzir obras autorais com maior identidade
étnica. É o caso de Mestre Didi (1917-2013) e de Rubem Valentim (1922-1991).

Escultor e ensaísta, Deoscóredes Maximiliano dos Santos, o Mestre Didi, é considerado um sacerdote-
artista. É reconhecido mundialmente como artista de vanguarda e tem obras expostas no Museu Picasso,
de Paris. Costumava trabalhar com contas, búzios e couro.

Também nascido em Salvador, Valentim foi autodidata. No início dos anos 1950 fazia uma pintura não-
figurativa de base geométrica, num tempo e numa cidade em que o abstracionismo não era bem-aceito.
Mais tarde, morou no Rio e na Europa. Valentim trilhou a fronteira entre o popular e o erudito, atento à
ancestralidade africana. Dizia que sua fonte era afro-ameríndia-nordestina-brasileira.

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Cápítulo 18 – Arte Neoclássicá
Entre os séculos XVIII e XIX desenvolveu-se uma sensibilidade que mudaria a forma dominante de conce-
ber a arte dominante na Europa desde o Barroco. A racionalidade e os modelos antigos uniram-se para dar
origem à arte neoclássica.

A) Contexto
A segunda metade do século XVIII será caracterizada pelo Iluminismo. O movimento valoriza o estudo raci-
onal da natureza, assim como das sociedades.

Em contraste com esse movimento racional, o período caracteriza-se por agitada situação política. Depois
das guerras entre França e Inglaterra pelo domínio dos mares e das colônias americanas, as Américas serão
sacudidas pela Guerra de Independência dos Estados Unidos, que se configurou como a primeira das revo-
luções burguesas. Paradoxalmente, o estado absoluto francês, que seria derrubado pela mais conhecida
das insurreições burguesas – a Revolução Francesa de 1789 –, apoiou os americanos rebelados na luta para
se libertar da Inglaterra.

Os princípios levados a cabo pela oligarquia burguesa que torna os Estados Unidos independentes acaba-
ram sendo adotados pelos revolucionários franceses em 1789. A queda da aristocracia na França é consi-
derada o marco do início da idade contemporânea.

O Antigo Regime, que havia imperado até o momento, começa a desmoronar. Ao mesmo tempo, a nascen-
te Revolução Industrial começa a mudar o mundo economicamente e socialmente, a partir da Inglaterra.

B) Estética
Durante o período histórico de 1750 a 1815 amadurece uma concepção racional da beleza que produz pro-
fundas transformações no significado da criação artística. De um lado, são estabelecidos critérios de julga-
mento que dão sentido à história da arte como ciência que explica os objetos belos de todos os tempos,
convertidos em modelos estéticos; de outro, aparecem as bases da arte contemporânea, ao outorgar-se
plenamente à obra de arte de caráter de realidade autônoma.

Esse período não corresponde a um estilo único, até mesmo pela dificuldade de estabelecer parâmetro
para o belo. Apesar disso, do esforço em busca dessa sistematização nasce um modelo dominante que se
situa na Antiguidade Clássica. Ele traz consigo a vontade de recuperação formal da arte greco-latina, que se
opõe à complexidade barroca incorporada pela linguagem clássica em meados do século XVIII.

Essa nova forma de enxergar a arte, com outra aproximação dos cânones clássicos, recebeu o nome de
Neoclassicismo.

Não se deve esquecer que esse esforço restaurador nasce durante o Antigo Regime francês, fortemente
dominado pelo gosto moralizante e sóbrio, próprio da mentalidade ilustrada, nem sempre fácil de ser dife-
renciado da mera vontade de simplificação – tendência detectada em toda a Europa.

Os revolucionários franceses adotaram o Neoclassicismo porque o associaram a seu ideal cívico e patrióti-
co. O estilo acabou impondo-se como padrão acadêmico e estereotipado, contra o qual rapidamente se
opuseram as primeiras manifestações românticas.

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C) Arquitetura
A singularidade da arquitetura neoclássica não deriva apenas da utilização mais fiel e limpa da linguagem e
do espaço clássico, em muitas ocasiões misturados com arqueologia erudita que se distancia nitidamente
do classicismo barroco, mas da insistência em racionalizar as estruturas arquitetônicas com o exemplo que
a Antiguidade representa.

Os melhores arquitetos neoclássicos evidenciam o desejo de submeter seus edifícios a organização lógica,
em que os espaços e suas funções estão intimamente relacionados, tanto no sentido prático quanto repre-
sentativo. A Antiguidade não se limita a proporcionar repertório de formas e tipologias; acima de tudo,
atribui um conceito para cada prédio.

Esse conceito tem a ver com a clareza, estrutura que permite distinguir elementos de sustentação e volu-
mes arquitetônicos empregados como resultado de reflexão teórica. Ela produz resultado sóbrio e solene,
cuja expressividade não reside em jogos visuais fictícios, mas, ao contrário, na coerência com a “verdade”.

Na França do século XVIII é onde se percebe de forma mais forte a vontade de simplificação, racionalidade
construtiva e imitação da Antiguidade. O arquiteto mais significativo do período foi Jacques-Germain
Soufflot (1713-1780), conhecedor tanto do Barroco como do Clássico. Em 1754, foi responsável pelo proje-
to da Igreja de Santa Genoveva, em Paris. Convertida pelos revolucionários burgueses em Panteão, é o
exemplo mais característico da nova arquitetura.

Algumas das ideias mais interessantes da época flertam com a utopia. Dois arquitetos notáveis – Étienne-
Louis Boullée (1728-1799) e Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806) – criaram projetos em que o racionalismo
geométrico, a representatividade simbólica e a linguagem clássica combinam-se para criar sentido arquite-
tônico absolutamente original e novo. Quase nenhuma de suas propostas chegou a ser realizada, por isso
chegaram à posteridade como visionários. No entanto, sua contribuição à história da arquitetura é valiosa.
Uma das obras mais surpreendentes de Boullée é o projeto para o túmulo do físico Isaac Newton (1784),
cuja monumental simplicidade, baseada apenas em formas geométricas puras, produz efeito importante.

Na Espanha trabalhou Juan de Villanueva (1739-1811), grande conhecedor da história da arquitetura, im-
portante bagagem sobre as origens da modernidade, pois permite a compreensão da existência de solu-
ções distintas para cada uso. Seus edifícios obedecem à cartilha do sistema construtivo clássico, com as
necessidades espaciais organizadas de acordo com uma lógica estrutural.

Suas obras possuem volumes nítidos articulados com limpeza e sobriedade, buscando contrastes e ritmos
harmônicos. Sua obra-prima é o Museu do Prado (1787), em Madri, cuja planta combina corpo em forma
de basílica no centro com dois edifícios, um em cada lado da basílica, unidos por galerias intermediárias.

D) Urbanismo
Os mais importantes projetos urbanísticos do período acontecem em Londres e Paris. Na capital francesa,
a Rue de Rivoli é completamente renovada a partir de 1807: os grupos de casas passam a seguir um ritmo
serial, tipicamente neoclássico. Londres desenvolve modelo típico – o terrace – que corresponde a um gru-
po de casas de aspecto palaciano erguido ao longo de uma rua ou em volta de um parque, sempre na ten-
tativa de criar ar pitoresco. Ao longo do século XIX, o Neoclassicismo tornou-se alternativa cada vez mais
viável e comum.

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No Brasil, depois da chegada da corte portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808, o estilo neoclássico se difun-
dirá com muita força. A Casa França-Brasil, projeto do arquiteto Grandjean de Montigny (1776-1850), é
considerado o primeiro traço do estilo no país. Foi inaugurado em 1820, como Praça do Comércio; fechada
em 1821 depois do conflito das tropas de Dom Pedro de Alcântara, futuro Pedro I, contra populares que
exigiam a proclamação da constituição liberal, e reaberta em 1824 como alfândega.

E) Escultura
Um dos mais importantes artistas do Neoclassicismo é o escultor veneziano Antonio Canova (1757-1822).
Tinha tendência a sublimar a beleza natural em uma percepção universal, ideal que se refere a um modelo
abstrato. Ao mesmo tempo, foi depositário do pensamento teórico que preconiza a imitação da Antiguida-
de. Sua obra é versátil: criou desde esculturas funerárias, até retratos de encomenda, como os de Napo-
leão e sua irmã Paulina Bonaparte. Criou, sobretudo, estátuas de figuras mitológicas, como As Três Graças
(1815).

Outro importante escultor neoclássico é o dinamarquês Bertel Thorvaldsen (1770-1844), rigoroso conhe-
cedor da escultura clássica, até da criada antes do séculos V a.C., que imitou os modelos greco-romanos
com fidelidade arqueológica, produzindo obras de efeito solene, distante e frio.

F) Pintura
No fim do século XVIII e início do século XIX, a história da Europa gravita em torno das transformações polí-
ticas ocorridas na França. A raiz de toda a mudança é a Revolução Francesa de 1789, que culmina com a
ascensão de Napoleão ao poder. O conturbado período napoleônico chega ao fim com o Congresso de Vi-
ena, em 1815, e a evolução pictórica oferece claro testemunho das alterações do neoclassicismo como
modelo estético. O estilo foi marcado tanto pelas relações entre arte e política quanto pela tensão entre a
aplicação da regra e sua posterior interpretação.

A formação artística de Jacques-Louis David (1748-1825) acontece em Roma, uma espécie de meca para
aqueles que cultuavam o modelo da Antiguidade como padrão estético. No século XVIII, todos aqueles que
demonstravam boa aptidão para a arte estudavam na capital italiana.

Com David não foi diferente, e em Roma ele realizou sua primeira grande obra, O Juramento dos Horácios
(1784), que representa os três irmãos Horácios, de Roma, no momento em que se comprometem a arriscar
a vida para enfrentar os curiacios, de Alba, pelo domínio do Lácio. O tema foi interpretado pela crítica co-
mo manifesto ético: o quadro exalta a virtude cívica, o patriotismo e o heroísmo.

Nesse momento de grandes acontecimentos históricos, a pintura passou a encarnar valores com grande
alcance moral. O triunfo de David ocorreu na volta à França, quando o pintor passou a comprometer-se
com os ideais revolucionários. Em 1793, sua filiação ao grupo político que tinha chegado ao poder fica clara
com a tela A Morte de Marat. O líder é visto no lugar real de seu assassinato – a banheira de sua casa –,
mas David o retrata de forma heroica: o rosto de olhos fechados, serenos, a pena em uma mão, papel na
outra, o tinteiro com mais papéis repousando em apoio lateral. Mesmo no banho, Marat estaria traba-
lhando pela revolução. A simplicidade dos elementos da cena acentua a intensidade emocional, como se os
sentimentos mais profundos só pudessem ser expressos por meio do imenso vazio do fundo da tela.

Esse compromisso políticio de David o leva a simpatizar com Napoleão, o qual passa a admirar como her-
deiro do processo revolucionário: em 1800 pinta Napoleão Cruzando os Alpes, um retrato do líder a cavalo
que representa o momento em que passou pelo Monte São Bernardo com seu exército. Pouco depois, pin-
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tou A Coroação de Napoleão (1806-1808), em que a austeridade do início da carreira se transforma em
espetáculo de propaganda política, mas sem perder o estilo preciso e descritivo.

Há três grandes características da obra de David que influenciam os pintores da geração seguinte, conside-
rados seus discípulos: grande subjetividade, que vincula a atividade criativa aos desejos e à ideologia do
artista; utilização do passado para ilustrar grandes ideais políticos do período; e interpretação memorável
de grandes feitos do momento, que permite a observação curiosa de todos os aspectos daquele instante.

Os discípulos de David seguiram esses caminhos apontados pelo pintor. A radicalização dessas característi-
cas, com a idealização de grandes personagens históricos, deságua anos mais tarde no Romantismo. Por
isso, os pintores que sucedem a David não podem ser chamados estritamente de neoclássicos. A obra des-
ses artistas é híbrida, embora, do ponto de vista formal, não tenham rompido com o modo de representa-
ção tributário do clássico.

François Gerard (1770-1837), Anne-Louis Girodet Trioson (1767-1824), Pierre-Paul Prud’hon (1757-1823) e,
sobretudo, Antoine-Jean Gros (1771-1835) representaram Napoleão em algumas de suas telas. Gros pintou
Napoleão Visitando os Doentes de Jaffa (1804), obra de propaganda política que exalta as virtudes do go-
vernante, mas que plasticamente já se aproxima do espírito romântico, descrevendo a cena com vivacida-
de e emoção.

A estética neoclássica foi marcada por esforço incessante para alcançar a perfeição do ideal absoluto. Nes-
se processo extremo de depuração surge a obra de um artista fundamental para a história da arte: Jean-
Auguste Dominique Ingres (1780-1867).

Suas preocupações com o desenho e a representação do corpo humano nasceram do desejo de encontrar
uma fórmula perfeita que seja a encarnação da beleza. Essa busca incansável transformou Ingres na radica-
lização mais extrema dos princípios neoclássicos.

Assim como ocorre com outros sucessores de David, é possível falar de atitude romântica em sua obsessiva
aplicação da norma clássica, referência que fez questão de manter ao longo de toda a sua carreira.

Seu estilo segue um desejo purificador, dominado pelo ritmo linear, que nasce da ordem abstrata da visão
das coisas. Há profunda interiorização no trato das figuras e da cena. Consagrado retratista da alta socie-
dade de sua época, Ingres caracterizou seus clientes com idealismo, mas também com rigor, como de-
monstra A Banhista Valpinçon (1808), tela que melhor resume suas aspirações por fazer da representação
pictórica a transformação da ordem visual, baseada num sistema objetivo.

G) Grã-Bretanha
O fato de ser ilha deixou a Grã-Bretanha distante das disputas políticas e das tendências ideológicas da
Europa. O isolamento não significou, no entanto, que os britânicos estivessem alheios às preocupações
continentais, muito pelo contrário. Os britânicos permaneceram sempre interessados na Europa, especi-
almente na cultura clássica. A Gentleman’s Tour, viagem que os jovens aristocratas realizavam pelo Medi-
terrâneo para completar sua formação, tinha como maior objetivo oferecer à elite visão privilegiada das
ruinas gregas e romanas. No entanto, a Inglaterra adaptou de forma muito peculiar os ideais estéticos do
período.

Os aficionados faziam expedições arqueológicas às ruínas gregas e romanas, divulgando o conhecimento


adquirido nessas viagens entre os arquitetos e a elite culta. Esse fato permitiu a criação de debate entre o

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palladianismo, isto é, a interpretação da arquitetura clássica realizada por Palladio – cuja influência já era
antiga na Inglaterra –, e a conveniência do estudo direto dos monumentos antigos.

O conhecimento de motivos greco-romanos foi possível graças à extraordinária difusão das gravuras que
os retratavam. É na decoração de interiores onde se identifica primeiro, e com muita força, a instauração
do novo gosto: Robert Adam (1728-1792) desenhou interiores dominados pela simplicidade e pela geome-
tria, com muitas referências clássicas.

O grande arquiteto britânico da época foi John Soane (1753-1837), que se alimentou de muitos elementos
de origem clássica. Mas, em vez de aplica-los diretamente, sem nenhum tipo de reflexão particular, como
faziam os seus contemporâneos, Soane levou os itens desse vocabulário clássico a estilização extrema.
Para ele, o importante era a profunda compreensão da estrutura que cria amplos espaços de imponente
grandeza, com eixos de iluminação vertical.

Um dos componentes plásticos do Neoclassicismo é a ênfase no linear como sinônimo de máxima depura-
ção. John Flaxman (1755-1826) é o maior nome do Neoclassicismo inglês. Grande desenhista, soube dar
ênfase à linha como sinônimo de clareza máxima, com grande fidelidade ao estilo. Seu desenho é firme,
marca com nitidez os contornos e cria um ritmo abstrato que vai além do tema. Suas gravuras, rigorosa-
mente lineares, fascinaram os mais inquietos artistas europeus da época, que identificaram nos trabalhos
do artista a essência da beleza, sem o uso de elementos acessórios, supérfluos.

Flaxman também foi conceituado designer de objetos em porcelana para a fábrica Wedgwood. Criou rele-
vos em que figuras brancas e luminosas se destacam em relevo sobre fundo azul. As peças, além de consi-
deradas um clássico do design de utensílios domésticos, reproduzem a sonhada perfeição do mundo antigo
perseguida pelos artistas do período.

Na Inglaterra trabalharam artistas que ultrapassaram o limite do Neoclassicismo, abrindo caminho aos
primeiros arroubos do estilo que se firmaria com força logo depois – o Romantismo.

Um desses artistas é Johann Heinrich Füssli (1741-1825), chamado na Grã-Bretanha de Henry Fuseli. Nasci-
do na Suíça, sempre trabalhou próximo da literatura e acreditava que a criação plástica era uma resposta
ao chamado que nascia nas profundezas da alma humana.

Em 1765, Füssli estabeleceu-se em Londres, onde passou a admirar a expressividade de Shakespeare – pin-
tou um quadro em homenagem à grande personagem do dramaturgo, Lady Macbeth Sonâmbula – e a pro-
fundidade das baladas escocesas. Também foi tradutor da obra teórica de Winckelmann sobre o classicis-
mo greco-romano e, em viagem à Itália, sucumbiu à vitalidade de Michelangelo. Construiu sua obra a partir
dessas referências.

Sua pintura mais famosa é O Pesadelo (1781), para a qual realizou várias versões. A mais notória delas está
na National Portrait Gallery, em Londres. Nela, explora o mundo dos sonhos, tão presente na obra shakes-
peariana, do qual emergem monstros representando a irracionalidade e as paixões sexuais que perturbam
a ordem e a beleza. A aspiração de Füssli ao sublime tangencia uma característica tipicamente romântica.
Apesar de muito influente em vida, ficou esquecido por quase 100 anos depois de sua morte, até que ex-
pressionistas e surrealistas o resgataram como mestre da sublimação pelo uso do fantástico.

H) Espanha
Francisco de Goya (1746-1828) nasceu no pequeno povoado de Fuendetodos, onde aprendeu os primeiros
fundamentos da atividade artística. Poucos anos depois, em 1752, era fundada em Madri a Academia de
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Belas Artes de San Fernando, uma imitação da Academia francesa que tinha como maior objetivo controlar
a atividade artística a partir da vontade da corte, por meio de modelos franceses e italianos.

Cinco anos depois da fundação de San Fernando, subiu ao trono o rei Carlos III, simpatizante do Iluminis-
mo, que reina até 1788. Durante seu governo, vão trabalhar na decoração do Palácio Real dois pintores de
grande importância e tendências artísticas opostas: o veneziano Tiepolo (1696-1770), último esplendor do
barroco tardio, e Anton Raphael Mengs (1728-1779), natural da Boêmia, firme defensor da herança clássi-
ca da Antiguidade.

Um dos mais prestigiados discípulos de Mengs era Francisco Bayeu (1734-1795), que, entre outras ativida-
des, criava os cartões para a Real Fábrica de Tapetes de Santa Bárbara, responsável pelas peças que deco-
ravam as paredes dos aposentos reais. Esses projetos em papel podiam ter vários metros de largura e seus
temas, fortemente decorativos e de estilo rococó, eram transferidos para a superfície bordada.

É nesse ambiente competitivo, contraditório, mas profundamente fértil em termos artísticos, que transcor-
rem os primeiros anos de Goya em Madri. Depois de importante viagem à Itália, por volta de 1770, o pintor
retornou à Espanha e tentou aproximar-se da corte com o desejo de triunfar profissionalmente. Acabou
casando-se com Josefa Bayeu, irmã do renomado artista. Passou a realizar cartões para tapetes por indica-
ção do cunhado e logo conseguiu conquistar a nobreza, por sua extrema habilidade nos temas populares,
muito valorizados nesse momento.

Em Madri, Goya tomou contato com obras das coleções reais. Conheceu a pintura de Velázquez, a quem
considerou seu verdadeiro mestre – preferia a obra do compatriota à estereotipada retomada da tradição
clássica –, e as gravuras de Rembrandt, a quem admirava profundamente.

Em 1792, uma doença misteriosa deixou Goya completamente surdo. A sequela seria um trauma que car-
regaria pelo resto da vida. ainda convalescente, criou, um ano depois, a série de pequenas pinturas de Fan-
tasias e Invenção. Sua própria dor fez com que ficasse mais atento às dores humanas, flertando com o gro-
tesco e a crítica social. O amadurecimento dessas vertentes deu origem à série Caprichos (1799), formada
por 82 gravuras em água-forte e criada no mesmo ano em que, já dirigindo a Academia de San Fernando
depois de suceder Bayeu, Goya foi nomeado primeiro pintor da corte. O triunfo como artista é paradoxal-
mente oposto à tragédia de sua vida pessoal.

Ainda em 1800, pintou o mais famoso retrato de grupo, A Família de Carlos IV. Seus primeiros retratos
eram feitos à moda de Mengs, muito clássicos, mas, à medida que foi estudando a obra de Velázquez, deu
à pincelada ar mais leve e desenvolto, destacando os contrastes entre luz e sombra.

Na mesma época em que começa a retratar a família real, Goya envolve-se em um romance escandaloso
com a Duquesa de Alba, uma bela viúva que, segundo os rumores da época, é a mulher retratada em duas
de suas obras mais famosas Maja Vestida e Maja Desnuda. A forte carga erótica desses trabalhos chocou a
nobreza espanhola e levou Goya a ser julgado pela Inquisição.

A ocupação francesa da Espanha revela todas as contradições do período e fornece matéria-prima para
uma guinada na obra do artista. As ideias iluministas, com as quais havia compactuado, eram agora detur-
padas pelos franceses que tomavam o governo espanhol. Goya manteve seu posto de pintor da corte no
governo de José Bonaparte e testemunhou os horrores da guerra e dos fuzilamentos, em praça pública, da
posição relativamente confortável de artista oficial. Somente em 1814, quando a restauração traz Fernan-
do VII ao trono espanhol, pinta Fuzilamentos de 2 de Maio de 1808 e Fuzilamentos de 3 de Maio de 1808,
em que retrata a brutalidade dos anos anteriores. É absolvido da acusação de ter servido ao inimigo, rene-

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gando as medalhas que ganhou da França, e traz a público sua espantosa série de gravuras Os Desastres da
Guerra, criadas entre 1810 e 1814.

A partir de 1815, praticamente retirou-se da vida pública. Quatro anos depois, adoece gravemente de novo
e vai para o campo, onde, em 1820, realiza as soturnas Pinturas Negras. Com estilo bastante livre, grande
intensidade de pinceladas e espessas camadas de tinta, essas telas foram executadas em tons de preto,
marrom e cinza e retratam cenas de horror e pesadelo. A mais famosa delas é Saturno Devorando um de
seus Filhos, uma releitura da mesma alegoria mitológica pintada por Rubens em 1636. Nas Pinturas Negras,
há temas mitológicos e religiosos, mas também animais e pessoas simples. Em comum, todas têm a angús-
tia, como em Cão Soterrado, uma tela quase abstrata, toda em tons terrosos, formada por apenas duas
massas de tinta: o vulto do cachorro e a montanha de areia para dentro da qual ele está sendo dragado.

Goya já estava tão doente que sabia que faleceria em breve. Em 1824, recebeu a permissão do rei para
deixar a Espanha. Em Bordeaux, região francesa onde se estabeleceu, criou ainda a série de litogravuras
Touros de Bordeaux. Morreu em 1828, como um dos mais produtivos e geniais artistas da história da arte.

À medida que Goya foi paulatinamente saindo de cena, por conta de seu exílio na França, a pintura na cor-
te de Fernando VII foi oscilando entre o estilo acadêmico, que assimilava o estilo de David e dos neoclássi-
cos franceses, e uma volta às tradições barrocas. O pintor José de Mandrazo (1781-1859) faz parte do pri-
meiro grupo, enquanto o valenciano Vicente López (1772-1850), que sucedeu Goya na direção da Acade-
mia de San Fernando, é o expoente do segundo grupo. As duas tendências são profundamente conserva-
doras e refletem o estilo retrógrado de Fernando VII, que dirige a Espanha com cautela exagerada e pouca
criatividade depois do trauma da ocupação francesa promovida por Napoleão.

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Cápítulo 19 – Arte Acádemicá no Brásil
Para atender à Corte portuguesa, transferida para o Brasil em 1808, a monarquia buscou na Europa artistas
para lecionar no Rio de Janeiro. O ensino da arte acadêmica elevou o nível técnico da pintura brasileira,
mas dividiu opiniões.

A) Missão Francesa
Formado por um grupo de 40 artistas, a missão francesa chegou ao Rio de Janeiro em 1816. A vinda da
missão, chefiada por Joachin Lebreton (1760-1819), coincide com a derrota de Napoleão Bonaparte, de
quem vários deles eram simpatizantes. Entre os artistas mais importantes estavam os pintores Jean-
Baptiste Debret (1768-1848) e Nicolas Taunay (1755-1830) e o escultor Auguste-Marie Taunay (1768-
1824).

Os franceses trabalharam na Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios, criada no mesmo ano e que se trans-
formaria, a partir de 1826, na Imperial Academia e Escola de Belas Artes.

A direção da escola foi motivo de disputa entre artistas luso-brasileiros e franceses. Lebreton, o primeiro
diretor, morreu em 1819 e foi substituído pelo pintor português Henrique José da Silva (1772-1834), que
dificultaria a vida dos franceses. O pintor Taunay retornou ao seu país de origem em 1821, mas Debret
continuou no Brasil, tornando-se o artista mais importante da missão.

Debret foi o responsável pela primeira exposição pública de arte no Brasil, realizada em 1820. Seu prestígio
nasce sobretudo da série de desenhos, estampas e gravuras que retratam a sociedade brasileira do início
do século XIX. O trabalho está reunido em Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.

Os entusiastas da missão acreditam que ela tenha elevado o nível da arquitetura e da arte que se produzia
no Brasil. Seus críticos, no entanto, acham que foi apenas um corpo estranho introduzido no cenário artís-
tico brasileiro, que significou colonialismo cultural, apesar da maior sofisticação.

B) Missão Austríaca
Em 1817, um ano depois da missão francesa, chegou ao Rio a missão austríaca, acompanhando a futura
princesa Leopoldina, que se casaria com Dom Pedro I.

Ao contrário da missão francesa, a austríaca teve cunho mais científico. Ainda assim, entre seus integran-
tes estava o pintor Thomas Ender (1793-1875). Ele passou apenas um ano no Brasil, mas produziu cerca de
800 desenhos e aquarelas em que retratou a paisagem e os costumes do Rio de Janeiro.

O alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) encantou-se com o Brasil em 1818, depois de ver os dese-
nhos de Ender expostos no Imperial e Real Museu do Brasil, em Viena. Em fins de 1821, partiu para o Rio
de Janeiro para participar, como desenhista, da expedição científica de Langsdorff. Esse trabalho foi publi-
cado no livro Viagem Pitoresca ao Brasil. Em 1825, voltou para a Europa e de lá partiu para vários países
americanos, tendo recebido a alcunha de Pintor das Américas. Ele é considerado o melhor entre os artis-
tas-viajantes que estiveram no Brasil no século XIX.

C) Artistas Brasileiros

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A arte acadêmica no Brasil resulta do trabalho realizado pelos artistas franceses na Imperial Academia e
Escola de Belas Artes. O ensino era fiel à orientação do Neoclassicismo e do academicismo então vigentes
na Europa.

O resultado desse ensino teve aspectos positivos e negativos. De um lado, forneceu aos artistas brasileiros
conhecimentos técnicos. De outro, desprezou a arte brasileira produzida até então. Foi essa atitude que
fez Aleijadinho, por exemplo, não ser devidamente reconhecido no século XIX.

Os dois grandes expoentes da arte acadêmica no Brasil são Victor Meirelles e Pedro Américo.

Nascido em Desterro, atual Florianópolis, Victor Meirelles (1832-1903) transferiu-se para o Rio em 1847
para estudar na Imperial Academia e Escola de Belas Artes. Em 1853 viaja para a Europa, fixando-se na
Itália e em Paris. É na Europa que pinta A Primeira Missa no Brasil (1861), seu quadro mais conhecido. Mei-
relles expressou-se em vários gêneros, mas é mais reconhecido como pintor de temas históricos. Meticulo-
so, estudava o assunto antes de sentar-se diante do cavalete. Exemplo de reconstituição histórica é Bata-
lha de Guararapes, de 1879, que consumiu quatro anos de trabalho.

Pedro Américo (1843-1905) nasceu em Areia, na Paraíba, e desenhou desde criança. Aos dez anos, mem-
bros da missão francesa em expedição ao Nordeste passaram por sua cidade e o naturalista Louis Jacques
Brunet, impressionado com seu trabalho, obteve permissão do pai para que o garoto os acompanhasse. Ele
retornou aos 11 anos, amadurecido precocemente. Em 1854, matriculou-se na Imperial Academia e Escola
de Belas Artes e a partir de 1859 passou cinco anos na França, onde estudou com Ingres. Mais tarde, mo-
rou por mais de dez anos em Florença, onde se tornou popular. Foi nessa cidade que, a convite do governo
brasileiro, pintou Batalha do Avaí, pela qual sofreu acusação de ser plágio de Gustave Doré. Seu quadro
mais conhecido é Independência ou Morte ou O Grito do Ipiranga, de 1888.

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Cápítulo 20 – Arte Románticá
O Romantismo surgiu na Alemanha do final do século XVIII, propondo a exaltação do indivíduo, a liberdade
de criação do artista e a supremacia dos sentimentos sobre a razão.

A) Contexto
Toda a primeira metade do século XIX caracterizou-se por grande instabilidade política no continente eu-
ropeu. Desde a Revolução Francesa, com suas sucessivas fases, até as revoluções de 1848 e o início dos
nacionalismos na Itália e Alemanha, as guerras nacionais sucederam-se ao longo desses cem anos. A insta-
bilidade conviveu com o grande desenvolvimento industrial e econômico na Europa Ocidental, mas trouxe
também uma nova forma de organização da vida nas cidades.

B) Romantismo e Realismo
Não é possível entender Romantismo e Realismo de forma isolada. Embora essas duas correntes artísticas
sejam muitas vezes a antítese uma da outra e tenham valores opostos, o período de vigência delas é con-
comitante e acontecimentos marcam um e outro estilo, separados por um curto espaço de tempo.

Além disso, apesar de antagonismo evidente na superfície, o Realismo foi, na verdade, a radicalização de
alguns princípios românticos. Por outro lado, artistas e teóricos esforçaram-se para encontrar uma síntese
válida entre essas posições contrárias. Um ecletismo sistemático afetou muitas carreiras da época, quando
até mesmo algumas manifestações clássicas foram preservadas. O século XIX é, por tudo isso, o período de
entendimento complexo, em que várias ideias convivem no tempo. A passagem de um estilo a outro nunca
é estanque, e esta mescla é uma forma de manifestação marcante da época.

Os aspectos mais característicos do Romantismo são reconhecidos com maior clareza na primeira metade
do século. O movimento artístico cria raízes em uma Europa que vive a ressaca das grandes revoluções do
fim do século XVIII, que nem sempre levaram as nações ao patamar ideal que prometiam; ao mesmo tem-
po, os europeus já sentem o impacto da urbanização um tanto descontrolada, causada pela industrializa-
ção. Ainda contagiado pela empolgação nacionalista, o movimento percebe o impacto das decepções e
propõe saídas utópicas. A palavra de ordem do romântico é o escape, a fuga. É preciso deixar o mundo
hostil, viajando para um território utópico, ideal, seja ele sonho, loucura, droga, uma terra exótica, desco-
nhecida e idealizada, um amor platônico, de preferência impossível; a infância, o passado remodelado co-
mo algo perfeito, que nunca existiu de fato, e por fim a própria morte, o grande desconhecido, onde é pos-
sível descansar das agruras do cotidiano e da decepção diante da vida comum.

O romântico preza a liberdade individual como aspiração irrenunciável; o nacionalismo como sentimento
do povo diante das autoridades impostas; a nostalgia dos tempos passados como modelo intelectual e es-
tético que se deseja recuperar, a curiosidade em relação a outras culturas; a atração pelo mistério do in-
consciente e dos sonhos; a entrega incondicional à emoção; a certeza de que os ideais são inatingíveis e,
ao mesmo tempo, a vontade paradoxal e irresistível de persegui-los até a morte.

Na segunda metade do século, o Realismo entra em cena. As manifestações populares passaram a ser si-
nônimo de moralidade e autenticidade, substituindo o convencionalismo da arte oficial, tão em voga du-
rante o período neoclássico. Tudo o que não pertencia ao mundo dos sentidos começou a abandonar o
campo da arte: só era considerado artístico aquilo que podia ser visto e vivido, experimentado sensorial-

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mente, como uma espécie de “prova dos nove” da obra. É o momento em que a arte é confrontada com
duas formas de apreensão do “real”: a fotografia e, depois, o cinema. Com a chegada dessas novas mídias,
artistas e críticos repensam as formas de representação.

Apesar da herança da tradição renascentista e barroca, que ambos os movimentos reconhecem, Roman-
tismo e Realismo já apontam com clareza para muitos caminhos transformadores pelos quais a arte passa-
rá no século XX.

C) Romantismo Francês
A pintura romântica francesa tem importante papel na evolução do estilo no século XIX. Apesar da vigência
dos princípios clássicos, que sobrevivem aos anos românticos – Ingres, por exemplo, manteve-se em ativi-
dade até o fim da vida, em 1867, e defendia a perfeição clássica com fervor –, um grupo de artistas, inves-
tido na defesa da cor e da concepção movimentada da pintura, foi recebido pela crítica como vanguardista,
isto é, como o segmento mais avançado da produção daquele momento.

Assim como o poeta inglês Lord Byron, Théodore Géricault (1791-1824) encarnou o protótipo do artista
romântico. Morreu aos 33 anos, vítima de um acidente enquanto andava a cavalo. A equitação era uma
das paixões desse artista inquieto, que marcou a história da arte com a obra A Jangada do Medusa (1818),
uma alusão ao naufrágio do navio Medusa, ocorrido em 1816. O desastre atribuído à incompetência do
governo francês, foi um dos primeiros temas contemporâneos a figurar em pintura. Géricault, que come-
çou a carreira copiando obras-primas do Louvre – era grande admirador de Rubens –, fez estudos de cadá-
veres e membros amputados para realizar o quadro.

Entre 1820 e 1822, o artista viveu na Inglaterra, onde pintou corridas de cavalo, sua grande paixão, e foi
profundamente influenciado pela tradição paisagística do país, sobretudo pela obra de Constable. Morreu
sem ter tido tempo de se fixar num gênero específico de pintura, mas marcando definitivamente a história
do Romantismo francês.

O maior nome do movimento na França foi, no entanto, Eugène Delacroix (1798-1863). Outro admirador
de Rubens e da pintura de paisagem inglesa, Delacroix foi colega de Géricault no estúdio de Pierre Guérin,
onde ambos fizeram os primeiros estudos. Sempre rejeitou o academicismo de David e a busca pela perfei-
ção de Ingres.

Sua primeira obra de sucesso foi A Barca de Dante (1822), uma alusão ao mesmo tema abordado por Bla-
ke: a descida do protagonista de A Divina Comédia ao inferno, para resgatar sua amada Beatriz. Foi com O
Massacre de Quios – referência ao episódio da história grega que o artista retrata sem nenhum paliativo
para o sofrimento – que Delacroix atingiu a verdadeira notoriedade. Em 1832, foi ao Marrocos, levando na
bagagem impressões sobre aquele país até então desconhecido, imaginado como exótico.

Outras obras importantes são as pinturas Jacó e o Anjo e Heliodoro Expulso do Paraíso, feitas pelo artista
para a Igreja de Saint-Sulpice, em Paris.

D) Romantismo Inglês
Artista, filósofo e poeta, o inglês William Blake (1751-1827) é considerado um dos grandes expoentes do
Romantismo em todo o mundo. Tinha visões desde a infância e chegou a fazer desenhos e gravuras de
conteúdo místico, em que constrói simbologia própria e pessoal. Uma delas é José de Arimateia (baseada
numa figura de Michelangelo, um de seus ídolos), feita quando Blake tinha apenas 16 anos. Seu universo

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particular foi criado a partir da identificação com as figuras bíblicas, literárias ou históricas que encarnam
os mistérios mais profundos da vida. Seres imaginários, os profetas das escrituras cristãs, um escritor como
Dante Alighieri, de A Divina Comédia, ou um cientista como Isaac Newton são influências que se movem na
obra de Blake como aparições, frutos de visões mágicas.

Blake foi autodidata e começou a carreira como gravador, mas, em 1787, criou método próprio para ilus-
trar seus poemas, que batizou de “iluminuras impressas”. Segundo o artista, a técnica lhe fora revelada
pelo fantasma de um irmão, Robert, que morrera anos antes. Uma dessas ilustrações mais famosas é O
Casamento do Céu e do Inferno. Realizou importantes ilustrações para A Divina Comédia, de Dante, e para
o Livro de Jó. Tinha preconceito contra a pintura a óleo e desenvolveu técnicas próprias também para a
pintura, misturando impressão colorida, ilustração e têmpera na tela. Suas cores contrastantes e a lumino-
sidade de seus trabalhos – que sugerem sempre horas de transição, como o amanhecer e o crepúsculo, ou
mesmo luzes completamente irreais, fantásticas – transformaram esse artista inclassificável numa espécie
de porta-voz do mundo dos sonhos.

Joseph Mallord William Turner (1775-1851) é o mais original gênio da pintura de paisagem do século XIX.
Talento precoce, herdeiro da tradição paisagística britânica, foi admitido nas aulas da Royal Academy com
apenas 14 anos. Seu primeiro óleo exposto na Academia foi Pescadores do Mar (1796), que revela a grande
influência dos primeiros anos de sua carreira: a pintura marítima holandesa. Entre 1817 e 1819, fez repeti-
das viagens à Europa continental. A visão impressionante de Veneza, com seus canais, bem como das mon-
tanhas e lagos da Suíça, mudou seu olhar sobre a paisagem e impulsionou sua obra. Turner desprendeu-se
do modelo holandês e criou uma abordagem completamente inovadora da paisagem, que prestigia a luz e
a atmosfera e que, com o passar dos anos, foi se tornando cada vez mais dramática. Retratou batalhas ma-
rítimas de forma épica, com navios em chamas. A partir de 1830, seu pincel fica cada vez mais livre e as
suas obras transformam-se, por meio de pinceladas rápidas e esfumaçadas (quase uma prévia dos impres-
sionistas), em áreas de cor, que variam de acordo com a luz. As formas dos navios diluem-se na água, no
fogo, no céu. Sobre essa atmosfera aérea de seus quadros, seu conterrâneo Constable escreveu que ele
parecia “pintar com vapor colorido”. Foi talvez o pintor que conseguiu transformar em forças abstratas
tanto o drama romântico, transmitindo de forma subjacente em suas telas, como o próprio fenômeno da
luz, pesquisado com a mesma ênfase e originalidade dos impressionistas que viriam algumas décadas mais
tarde.

E) Romantismo Alemão
Caspar David Friedrich (1774-1840) é o mais importante dos românticos alemães. Nasceu em Greifswald,
na costa do mar Báltico, e levou uma vida relativamente tranquila em Dresden, para onde viajou depois de
estudar na Academia de Belas Artes de Copenhague. A importância de Friedrich deve-se à escolha dos te-
mas de suas telas. Sua obra revela grandes extensões de mar e de montanha, onde frequentemente se vê
um personagem observando a imensidão da natureza de costas para quem olha para o quadro, isto é, com
a mesma perspectiva do espectador da pintura. Além dessa inteligente metalinguagem – quem olha a pin-
tura está também olhando a natureza, como o personagem –, suas telas apresentam profunda visão meta-
física e espiritual da existência sem precisar recorrer às metáforas religiosas. Afinado com um sentimento
absolutamente romântico, o artista retrata a pequenez de seus personagens diante de natureza gigantes-
ca, admirável e sublime; esse mesmo personagem, no entanto, é também desbravador, pronto para co-
nhecer o mundo e atingir os montes mais altos e as praias mais distantes. O próprio Friedrich só saía de
casa para ir às montanhas ou ao litoral da Pomerânia. Morreu sem fazer grande sucesso e só com o surgi-
mento dos simbolistas, no fim do século XIX, é que passou a ser valorizado como grande artista.

102
F) Arquitetura
Na arquitetura, o Romantismo manifestou-se pela apropriação de outros estilos do passado. Pode-se falar
de “classicismo romântico” quando vemos construções do século XIX com clara influência da Antiguidade
grega e romana, ainda ecoando o fim do período do Neoclassicismo.

Diferentemente dos neoclássicos, os arquitetos românticos não se restringem ao período clássico em seu
leque de influências. Outra grande mudança é fazer esta releitura sem tanta contenção e fidelidade na
aplicação do historicismo, seguindo o espírito de liberdade e exotismo que definem o movimento.

O estilo mais utilizado foi o neogótico, sobretudo na Inglaterra, onde se ligou ao movimento pitoresco. O
estilo não demorou a se ligar a um sentido religioso que também norteia esse período. Esteve presente em
várias igrejas e catedrais e logo passou a ser usado em prédios públicos, onde assumiu significados nacio-
nalistas. É o caso do Parlamento Inglês, projeto do arquiteto Augustus Welby Northmore Pugin (1812-
1852), maior expoente do neogótico.

G) Escultura
Na escultura, houve transformações nítidas na concepção das peças: maior contraste entre luz e sombra;
maior complexidade de composição; utilização, às vezes exagerada, de gestual no corpo e no rosto com
fins expressivos; sensualidade e emoção que aproximam a peça do espectador. Um dos principais esculto-
res do período foi François Rude (1784-1855), autor de A Marselhesa, relevo que adorna o Arco do Triunfo.

103
Cápítulo 21 – Arte Reálistá
O Realismo foi o movimento histórico cuja aspiração era oferecer uma representação verdadeira e objetiva
do mundo sensível, baseada na observação detalhada da vida e do tempo em que o artista vivia.

A) Pré-Rafaelistas
Em 1848 foi fundada em Londres uma irmandade de sete membros, três dos quais eram pintores: William
Holman Hunt (1827-1910), Dante Gabriel Rossetti (1828-1882) e John Everett Millais (1829-1886). Rejeita-
vam a linguagem plástica propagada pelas academias, porque consideravam que esvaziara a arte de sua
transcendência. Em contraposição, diziam seguir o exemplo de artistas que haviam vivido antes de Rafael
Sanzio – a obra do grande mestre seria o ponto final dessa genealogia – com o objetivo de devolver à cria-
ção artística a autenticidade perdida.

Essa reação, ligada às profundas transformações sofridas pela sociedade inglesa, encontrou eco em grupos
para os quais a arte se converteu em espécie de refúgio poético e vital.

O grupo passou por duas fases. Na primeira, na época da fundação, seu estilo caracteriza-se por represen-
tação bastante minuciosa dos detalhes, com desenho muito cuidadoso, uso de cores vivas e luminosas e
ambientação natural. Preferiam os temas religiosos, sobretudo a vida de Cristo ou da Virgem, concebidos
com a maior sinceridade visual, ou ainda cenas cotidianas, que guardavam mensagem simbólica ou moral e
convidavam à reflexão literária ou sentimental. Nesse primeiro momento, o movimento contou também
com a participação do pintor Ford Madox Brown (1821-1893).

Na segunda fase, o grupo, que acabou se dissolvendo, foi atraído por intenso decorativismo e também por
lendas e histórias literárias, dando preferência aos personagens taciturnos e deprimidos, que pareciam
traduzir intensa vida interior. O pintor Edward Burne-Jones (1833-1898), que participou das experiências
simbolistas do fim do século, estava ligado ao grupo nesse momento.

B) Escola de Barbizon
Théodore Rousseau (1812-1867) foi o líder do movimento de pintores franceses que se estabeleceu na
pequena cidade de Barbizon, na época uma aldeia nos arredores da floresta de Fontainebleau. O grupo
formado por Rousseau e artistas como Constant Troyon (1810-1865), Charles-François Daubigny (1817-
1878) e Narcisse-Virgile Diaz (1807-1876) estabeleceu-se na região por volta de 1840. O grupo opunha-se
às convenções do academicismo e às rígidas influências clássicas e tinha particular interesse pelo desen-
volvimento da pintura de paisagem – na época prática pouco comum na história da arte francesa. Não por
acaso, as grandes influências desses artistas vêm da Inglaterra: a obra de John Constable (1776-1837) e
Richard Parkes Bonington (1802-1828), sobretudo a do primeiro. Todos os artistas de Barbizon pregavam a
observação direta da natureza, sem idealizações. Assim como fariam mais tarde os impressionistas, eram
muito atentos às mudanças de cor e luz que folhas, flores e espelhos d’água sofriam ao longo do dia. O
culto à natureza ainda é manifestação romântica, já que a vida no campo se torna a alternativa idealizada
às frustrações da cidade.

Jean-Baptiste-Camille Corot (1796-1895) é frequentemente incluído como membro da Escola de Barbizon,


mas sua obra detém singularidade que o destaca das características do grupo. Também é por vezes apon-
tado como pintor estritamente realista, mas apresenta igualmente diferenças com o movimento que teve

104
Millet e Daumier como principais expoentes, como será visto adiante. Assim como os membros de Barbi-
zon, Corot saía ao ar livre e fazia esboços baseados na observação da natureza, mas atribuiu, à sua pintura
de paisagem, uma poética única e pincelada solta e vaporosa. Acreditava, como os realistas, que era preci-
so pintar exatamente o que os olhos viam. Entretanto, não idealizou a figura dos trabalhadores do campo,
como o fez Millet, nem realizou a crônica social, tema-base dos realistas, bem desenvolvido por Daumier.

C) Escultura
Se as fronteiras da escultura romântica eram imprecisas, o mesmo ocorre à escultura realista. Mas na se-
gunda metade do século XIX, temas próprios do Realismo, como a crônica de ações mais cotidianas e a
percepção dos detalhes, começam a aparecer com mais frequência, embora convivendo sempre com ca-
racterísticas anteriores.

O escultor mais tipicamente realista foi, sem dúvida, o belga Constantin Meunier (1831-1905), que retra-
tou os trabalhadores como heróis.

D) Conceito
A partir de meados do século XIX, o Realismo passa a afetar a literatura e as artes visuais do mundo oci-
dental. O movimento tem variações e influenciará a arte até o fim do século. Visava ao desprendimento
das convenções narrativas e figurativas que, até então, tinham vinculado a ideia de beleza a uma fórmula
consagrada. O Realismo pretendia a observação mais livre da vida, sem tantas idealizações; por isso, ainda
que não tenha conseguido por vezes realizar completamente seu projeto, foi sem dúvida o ponto de parti-
da às revoluções artísticas que mudariam o curso da história no século XX.

A reivindicação do que se apreende da realidade como campo específico da criação artística trouxe consigo
a referência de contemporaneidade de que se sobrepõe à historicidade: o trivial substitui o transcendente,
a improvisação ganha o espaço da tensão narrativa, a uniformidade do que é representado passa a ser
mais importante que a hierarquização intelectualizada. Temas históricos, religiosos e mitológicos são subs-
tituídos pela crônica cotidiana, em cenas em que a vida moderna é apresentada sem idealizações.

E) Representantes
O pintor francês Gustave Courbet (1819-1877) é o artista realista por excelência. O termo “realismo”, na
verdade, acabou sendo indiretamente cunhado por ele. Durante a Exposição Universal de Paris, em 1855,
depois de revoltar-se com o pouco espaço concedido aos seus trabalhos, ele construiu um pavilhão total-
mente dedicado à sua obra e o batizou de Le Réalisme (O Realismo). Sua tela mais famosa, O Ateliê do Pin-
tor (1854-1855), estava nessa exposição. Nela, Courbet retrata-se no trabalho, transformando a atividade
artística em tema central da tela.

Courbet aprendeu a pintar como autodidata, imitando grandes mestres naturalistas como Velázquez e Ca-
ravaggio. Suas primeiras pinturas ainda recebem muita influência romântica, mas telas como Os Quebrado-
res de Pedras, Os Camponeses em Fragey e Enterro em Ornans já apresentam o artista amadurecido, des-
preocupado em ocultar “defeitos” dos personagens e do cenário retratado. A cena do funeral em Ornans,
sua cidade natal, causou grande impacto, porque em nenhum momento o pintor procurou disfarçar a cru-
eza da cena e muito menos a feiura de alguns dos retratados. Além disso, contrariamente ao que se fazia
anteriormente, os personagens não estão organizados no espaço, mas parecem dispersos e amontoados.

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Na segunda metade do século XIX, o socialismo é a ideologia que começa a ganhar força na Europa. Cour-
bet abraçou o novo ideal e, depois da deposição de Napoleão III, participou da Comuna de Paris de 1871.
Sua obra refletiu esse engajamento ideológico, valorizando os trabalhadores e as camadas menos favore-
cidas da população.

As novas ideias políticas que tomarão conta da Europa com o socialismo, somadas à grande miséria causa-
da pela industrialização e urbanização, conduzem à transformação da pintura realista em espécie de crôni-
ca desse novo panorama socioeconômico. Artistas como Jean-François Millet (1814-1875) e Honoré Dau-
mier (1808-1879) captam tal momento histórico, transformando a classe trabalhadora em protagonista de
sua obra.

Millet foi o cronista da vida do campo por excelência. Em suas telas, os camponeses são retratados traba-
lhando com afinco, mas apresentados com grande resignação e serenidade. Não aparecem idealizados,
como fizeram os românticos, pelo menos não no que se refere à aparência: suas roupas são simples e típi-
cas do mesmo século XIX em que vive o pintor. Millet também não esconde o esforço físico dos retratados,
ao contrário – é ele que parece dignificar seus personagens.

Daumier, grande desenhista e caricaturista de importantes jornais franceses, foi o cronista mordaz de uma
sociedade desigual, crítico implacável das desigualdades das grandes cidades. Mostrou que a miséria era,
na verdade, o outro lado da moeda do fausto e da riqueza dos poderosos. A luminosidade de suas telas
lembra a de Rembrandt, destacando as figuras de um fundo negro, de onde emergem com humanidade
profunda e respeitável. Em sua obra, cenas urbanas, como o transporte de pessoas em trens ou ônibus,
começam a tornar-se importantes.

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Cápítulo 22 – Arte Moderná
Nas últimas décadas do século XIX, vários acontecimentos mudam o rumo da arte: os impressionistas fa-
zem sua primeira exposição; Paris torna-se o centro da arte; nasce o debate sobre a criação artística e o
mercado de arte de colecionadores.

A) Nascimento
Em Paris, em 1874, um grupo de pintores, que seriam mais tarde impressionistas, expôs pela primeira vez
no estúdio do fotógrafo Félix Nadar (1820-1910). O Impressionismo, como será visto, não foi um movimen-
to homogêneo e os termos “impressionista” e “impressionismo” não apareceram na primeira mostra cole-
tiva, mas na segunda, realizada em 1876, depois que Claude Monet já tinha pintado sua tela Impressão: Sol
Nascente. 30 anos depois, no Salão de Outono de 1905, um dos vários eventos alternativos ao salão aca-
dêmico e oficial, nasceria outro movimento importante: o Fauvismo. O nome do grupo viria da palavra fau-
ve (selvagem, em francês), e esses artistas eram assim chamados pela agressividade de suas cores.

Entre essas duas datas, 1874 e 1905, Paris converteu-se no palco privilegiado do nascimento da arte mo-
derna. Esse nascimento não pode ser entendido apenas como ponto culminante das transformações ocor-
ridas anteriormente. A formação de uma massa de críticos de arte – que passam a debater sobre o sentido
da criação artística, sua relação com a vida – e o aparecimento de incipiente mercado artístico à margem
do Estado e dos salões oficiais – onde galeristas, marchands e colecionadores particulares começam a pa-
trocinar e a promover artistas que só com o tempo serão absorvidos pelo senso comum – são cruciais para
o entendimento dessa época.

Em Paris, esses artistas, que começam como não-oficiais, marcam uma ruptura com a tradição e expõem
em público com bastante frequência. Eles estão agrupados em vários movimentos que coexistem no tem-
po e espaço, e cujos limites por vezes são muito tênues. Os integrantes do movimento, que seria chamado
de Impressionismo, desenvolveram carreiras com estilos bastante distintos. Mais tarde, o caminho aberto
por tais artistas originaria a obra de outros grandes artistas, importantíssimos para o amadurecimento da
arte moderna: os pós-impressionistas. Paralelamente, a Europa conhece outras tendências, como o simbo-
lismo e os movimentos que testaram os limites da cor e da expressão, caso do Fauvismo e do Expressio-
nismo.

Todos esses movimentos fazem parte do processo de modernização da pintura, que cada artista interpreta
de maneira pessoal. Tal transformação implica o enfraquecimento dos elementos narrativos, que procu-
ram reproduzir de alguma forma uma cena externa ao quadro, para a valorização de elementos da própria
pintura, como a cor e a forma.

B) Contexto
A segunda metade do século XIX foi marcada pelo triunfo de alguns nacionalismos (tanto separatistas
quanto unificadores) na Europa, assim como pelos conflitos entre França e Alemanha pela primazia como
potência hegemônica do continente. Essa luta – que tem consequências também na África, onde os países
se enfrentam pela posse de colônias – vai delinear o perfil da Primeira Guerra Mundial. Ao mesmo tempo
que a guerra é gerada, a desigualdade social aumenta depois da urbanização acelerada gerada pela Revo-
lução Industrial. Surgem então os primeiros movimentos operários e as primeiras ideologias classistas. A

107
Inglaterra transforma-se em um grande império colonial, e Itália e Alemanha fazem suas unificações, mu-
dando drasticamente o cenário político da Europa.

Além das mudanças de ordem política, houve transformações decisivas para a percepção do mundo e das
relações entre os seres humanos. As viagens tornaram-se mais rápidas e mais frequentes com o trem, o
crescimento desmedido das cidades foi provocado pela industrialização, e a multiplicação de notícias e
imagens surgiu com o fortalecimento da imprensa e a invenção da fotografia.

108
Cápítulo 23 – Arte Impressionistá
A reação contra as exposições oficiais, a investigação sobre a natureza física da percepção da cor e da luz,
certas inovações técnicas e um conceito moderno do sentido da vida foram algumas das causas do nasci-
mento do Impressionismo.

A) Contexto
O Impressionismo é a escola pictórica que se desenvolveu na França, na segunda metade do século XIX.
Esse grupo de artistas produziu obras a partir da captação da impressão imediata do cenário observado
pela visão, daí o nome do movimento. Tal observação era geralmente ao ar livre, e os artistas não faziam
rascunhos – procuravam pintar diretamente na tela, com pinceladas soltas e cores puras, aquilo que sua
percepção lhes ditava. O aparecimento dessa escola foi acompanhado por uma série de circunstâncias:

• Reação contra os conteúdos narrativos da pintura dos salões oficiais, que defendiam a aplicação de
espécie de receituário histórico-artístico, em detrimento da valorização dos valores intrínsecos da
pintura, da linguagem plástica;
• Consciência da fugacidade da vida moderna, que parece um contínuo devir, dominado por sensa-
ções;
• Experiências ópticas diversas, que os pintores usaram intuitivamente, como a influência que produ-
zem determinadas cores ao lado de outras. Essa “mistura óptica” de cores, contemplada a distân-
cia, podia criar a ilusão de volume ou de ligeiro movimento na tela;
• Inovações técnicas no material usado pelo pintor, como novos tecidos industriais para as telas e tu-
bos de tinta portáteis, com os pigmentos de cor pré-preparados, prontos para uso. Além de cores
mais vivas, a tinta industrializada permitiu mais materialidade na superfície da pintura, que ganha
grossas camadas de cor;
• Com a invenção da fotografia e o amadurecimento das experiências em virtude da nova técnica, a
possibilidade de vários enquadramentos em um mesmo plano põe em xeque a composição pictóri-
ca ordenada em termos tradicionais;
• A chegada de estampas japonesas à Europa difunde um olhar muito diferente do ocidental para a
perspectiva – nessas imagens, o espaço é plano – e um gosto bastante diferentes para as cores, vi-
vas e luminosas.

B) Origens
A origem do Impressionismo está localizada nos anos 60 do século XIX, quando, em Paris, vários pintores
amigos passam a retratar a realidade que os rodeia a partir de sensações visuais, traduzidas na tela por
pinceladas rápidas. Elas abriam mão de retratar grandes temas históricos e mitológicos, distantes do coti-
diano do artista e do espectador/consumidor de arte. Passam a retratar a vida nas ruas e os lugares de ócio
– bares, cafés, cabarés – tanto na capital quanto no interior. Os artistas pintavam os jardins de suas casas e
os caminhos e paisagens dos arredores. Sem disposição para adotar a cartilha da pintura oficial, eles se
sentem à margem da estrutura artística estatal francesa, que selecionava as obras a serem admitidas nos
salões.

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Essa desconexão com o sistema, somada às afinidades que eles mantinham entre si, conduziu esses pinto-
res à organização em torno do mais velho deles, Édouard Manet (1832-1883). Foi Manet quem empreen-
deu o esforço inicial para diminuir a importância do tema na pintura.

Dono de profunda formação cultural – visitou os mais importantes museus da Europa e sua família era rica
– e de fina ironia, descobriu as contradições que pesavam sobre a suposta valorização artística das pinturas
enviadas aos salões, sempre dependentes de questões morais. Em 1863, Almoço na Relva foi banido pelo
júri do Salão Oficial, acusado de obscenidade, e virou peça-símbolo do Salão dos Rejeitados. A razão da
recusa da tela pela Academia teve fundo moral: Manet retratava uma dupla de aristocratas usando roupas
contemporâneas, fazendo um piquenique na relva do parque ao lado de uma mulher nua. A menção à ho-
ra do almoço contida no título dava margem a que se pensasse que a mulher seria uma prostituta. Ao fun-
do, uma outra moça, apenas de lingerie, banha-se no lago.

Até então a nudez numa obra de arte só era admitida quando situada em um tempo e espaço distantes da
realidade. No Salão de 1865, outra tela pintada em 1863, Olympia causou ainda mais polêmica pela nudez
frontal da mulher refestelada sobre um divã.

Além do tema, a técnica que Manet utilizava também chocou os acadêmicos: sua pintura é realizada à base
de manchas de cor, que definem as coisas com pinceladas enérgicas.

Apesar de ser ídolo para pintores mais jovens – como Monet, Renoir, Degas, Sisley e Cézanne –, Manet
ficou um pouco alheio ao Impressionismo como movimento. Frequentava as corridas de cavalo com Degas,
que também tinha origem aristocrática, e adotou a técnica de pintar ao ar livre estimulado por Berthe Mo-
risot (1841-1895), pintora impressionista que era sua cunhada. Mas, apesar da enorme influência sobre a
geração seguinte, manteve sua autonomia.

C) Pintores
As experiências impressionistas começaram a tornar-se conhecidas em 1874, quando o crítico Jules Cas-
tagnary utilizou o título de um quadro de Claude Monet (Impressão: Sol Nascente) para identificar a nova
maneira de pintar. O grupo de artistas que adotou esse estilo e a percepção ao ar livre é considerável, mas
cinco merecem destaque.

Camile Pissarro (1830-1903), considerado o principal paisagista do impressionismo, ficou famoso por suas
vistas de Paris, pintadas nos últimos anos de vida, a partir da década de 1890. Pissarro vai ser o cronista de
uma capital francesa que já dá claros sinais de urbanização. Vai retratar prédios e praças tomados por uma
multidão que se move o tempo inteiro, dividindo as ruas com carruagens e cavalos. A influência de pinto-
res realistas como Corot e Courbet em sua pintura é notável, já que o Realismo abriu caminho para a crôni-
ca social na pintura. Mas o artista difere dos realistas completamente quanto à técnica, com pinceladas
mais soltas, traços borrados e figuras construídas a partir de manchas, procedimentos típicos do Impressi-
onismo.

Alfred Sisley (1839-1899) teve aulas com Monet e Renoir no estúdio do artista suíço radicado em Paris
Charles Gleyre (1808-1874), professor de renome na época. Assim como seus colegas, afastou-se da obra
do mestre em busca de uma pintura mais luminosa e mais livre, cujo resultado final dependia diretamente
da percepção da natureza ao vivo. Transmitia para a tela as mudanças de luz e cor que aconteciam ao lon-
go do dia.

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Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) aplicou a visão impressionista à figura humana, feita sempre a partir de
pinceladas diminutas de tinta a óleo. Muitos críticos acreditam que o início de sua carreira como pintor de
porcelanas – atividade que exigia precisão e delicadeza no ato de pintar – influenciou diretamente sua téc-
nica. Renoir tinha grande preocupação com as variações de tom e os brilhos que os efeitos de luz produzi-
am na pele. As imagens são formadas a partir de manchas de cor que se misturam nos olhos de quem ob-
serva a tela. Um vestido aparentemente azul e suas variações nas dobras e no volume do tecido. Nos últi-
mos anos de vida, Renoir voltou ao desenho mais acadêmico, atribuindo menos importância à cor na com-
posição.

Claude Monet (1840-1929) foi quem melhor personificou o Impressionismo. Criou quadros bastante típicos
no início do movimento, em que registrava as variações da luz do sol em paisagens e prédios – é famosís-
sima a série em que mostra a Catedral de Rouen (1891-1895) em vários momentos do dia. Depois disso,
radicalizou sua pintura, desmaterializando os objetos em manchas de tinta. Dizia que queria “pintar sem
ver os objetos pintados”. Vai morar na pequena cidade de Giverny, numa casa cercada por um imenso jar-
dim com lagos de plantas aquáticas. Nos últimos anos de vida, perde paulatinamente a visão, mas ainda
assim continua pintando. Criou uma série de quadros com lírios d’água (Ninfeias), alguns deles painéis gi-
gantescos que hoje criam um panorama de 180° no Museu l’Orangerie, em Paris.

Edgar Degas (1834-1917) seguiu caminho singular no Impressionismo. Apaixonado por balé e por corridas
de cavalo, ele vai retratar obsessivamente as duas atividades. Foi um artista independente, com uma pin-
tura elaborada com rigor e sem ligação direta com cenas ao ar livre e a observação da paisagem. Apesar
disso, frequentava o grupo dos impressionistas e participou de todas as exposições. Degas foi, acima de
tudo, um observador das figuras, que descreve em movimentos triviais, mas com grande expressividade
plástica.

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Cápítulo 24 – Arte Pos-Impressionistá
O termo pós-impressionismo é atribuído aos pintores influenciados pelo grupo impressionista, mas que, a
partir dos anos 1880, trilham um caminho de radicalização formal, que leva a pintura a perseguir questões
completamente distintas.

A) Vertentes
As transformações que o Impressionismo empreendeu na pintura marcariam o nascimento do Pós-
Impressionismo e da arte moderna. Nesse grupo, é preciso distinguir os que se preocuparam em promover
uma solução objetiva ao problema da representação visual, caso de Seurat e Cézanne, e os que se inclina-
ram à utilização da cor com fins expressivos e simbólicos, caso de Van Gogh e Gauguin.

B) Seurat
A obra pictórica e teórica de Georges Seurat (1859-1891) é o ponto de partida de uma corrente da pintura
denominada divisionismo ou pontilhismo, que pretendeu fazer do impressionismo uma ferramenta de re-
presentação científica, baseada na análise de como as cores são percebidas pelo olho humano.

Trata-se de técnica de reprodução mediante pequenos pontos de cor justapostos, cada um dos quais tra-
duz os distintos tons de cor vistos: o da superfície do objeto; o da luz que incide sobre ela; o que emana da
superfície depois que ela absorve a luz; os reflexos produzidos nos objetos próximos e as cores comple-
mentares.

Seurat estava disposto a calcular também a combinação de linhas, com o fim de atingir a máxima harmonia
em suas composições. Assim, na obra O Circo (1891), as linhas ascendentes que se repetem junto com co-
res claras e tons quentes querem expressar alegria e vitalidade. Ainda que o ponto de partida seja pura-
mente sensorial, o resultado exige tal elaboração que a pintura se converte em construção estilizada e ob-
jetiva, onde a superfície vibrante contrasta com o equilíbrio matemático da composição, que anuncia uma
abstração “ideal”.

C) Cézanne
Paul Cézanne (1839-1906) é considerado por boa parte da crítica o grande pai da arte moderna. Amigo
íntimo de Pissarro, com quem chegou a estabelecer uma parceria de trabalho. Cézanne expôs no Salão dos
Rejeitados e aproximou-se socialmente dos impressionistas no primeiro momento do movimento. Com o
passar dos anos, no entanto, desenvolveu uma obra menos preocupada em transmitir a percepção da na-
tureza ao ar livre e completamente mergulhada nas questões que constituem a forma.

Teve uma vida isolada em Aix-en-Provence, onde trabalhou criando naturezas-mortas e paisagens. Por es-
se motivo, sua obra permaneceu desconhecida até 1895, quando o conhecido marchand Ambroise Vollard
resolveu fazer uma exposição de seus quadros, chamando a atenção dos críticos e de outros artistas. Cé-
zanne explorava composições com jarros e frutas – ficou imortalizado por seus quadros com maçãs –, em
que explorava à exaustão a questão da volumetria. Seu estudo do volume é feito sem o uso da técnica do
chiaroscuro. Em vez disso, justapõe vários tons da mesma cor, por meio de pinceladas uniformes e parale-
las que geram estrutura harmônica entre os planos.

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O fato de conseguir dividir maçãs e montanhas em planos de cor, formando áreas geométricas nessas figu-
ras, fez com que muitos considerassem Cézanne um precursor da arte abstrata e geométrica. Outra carac-
terística marcante de sua pintura é o fato de que, dentro de um mesmo quadro, as figuras podem ter inde-
pendência uma das outras, o que rompe com a perspectiva tradicional e amplia a impressão de que esse
artista já enfoca questões que seriam radicalizadas pelos pintores abstratos.

D) Van Gogh
Vincent van Gogh (1853-1890) é um dos pintores mais populares do mundo. O carisma de sua obra é pro-
porcional ao grau de sofrimento do artista em sua vida curta e atormentada. Nascido numa austera família
protestante, Van Gogh escreveu uma carta ao seu irmão, Theo, que passou a vida tentando fazer com que
sua pintura “perseguisse o sol”.

No início da carreira, ainda na Holanda natal, seus quadros são sombrios, com tons de cinza e marrom. Em
1886, muda-se para Paris e conhece a pintura impressionista e a vida boêmia. Retrata cafés e personagens
da vida boêmia, conquistando cores como o azul cobalto, o vermelho e os tons de amarelo.

A gravura japonesa – com suas figuras chapadas e fundo plano, usando perspectiva completamente dife-
rente da ocidental – tem grande influência em seu trabalho. Também foi marcado pelas cores vivas de
Gauguin, com quem dividiu ateliê em Arles, cidade para onde segue depois de Paris. Outra influência é a
crônica social de Millet. Os camponeses retratados por Millet no trigal são reproduzidos por Van Gogh
quase fielmente. Ganham, no entanto, a roupagem formal desse artista genial, com grossas camadas de
tinta.

A mais marcante das características de Van Gogh só foi desenvolvida no sul da França, em Auvers-sur-Oise,
para onde se dirigiu para se tratar de problemas mentais. Lá ele retrata os ciprestes locais com formas re-
torcidas, balançando com o vento, revelando a instabilidade da paisagem, mas também de sua vida íntima.
A vistosa camada de tinta torna a cor uma matéria capaz de ser marcada pelo pincel do artista. Van Gogh
faz isso com os fios do pincel, mas muitas vezes também com o cabo, que “arranha” a superfície de tinta. O
resultado é de grande expressividade e revela muito das emoções deste artista.

Van Gogh sofreu a vida inteira de epilepsia e problemas mentais, provavelmente esquizofrenia. Nos mo-
mentos em que não estava agressivo, fora do surto, era amigo afetuoso e criou laços muito profundos com
Gauguin, com quem dividiu ateliê. Foi depois que Gauguin recusou-se ir ao seu encontro que ele cortou o
lóbulo de uma das orelhas. Depois de muitas tentativas de tratamento, acabou se suicidando com um tiro,
em 1890, em Auvers-sur-Oise.

E) Gauguin
A obra de Paul Gauguin (1848-1903) representa o esforço do artista para tocar o mundo primitivo e as
questões essenciais à condição humana, em um mundo que se urbanizava e se modernizava cada vez mais.

Para conseguir realizar sua intenção, isola-se na Bretanha, onde amadurece o estilo pictórico denominado
sintetismo, inspirado nos vitrais da arte medieval, em que as figuras são definidas por linhas e há uma su-
perfície de cores brilhantes e irreais, produzindo efeito “mágico”. Ao se exercitar formalmente nessa apa-
rente simplicidade, Gauguin descobre as possibilidades da pintura para expressar conteúdos simbólicos,
sempre insinuados enigmanticamente em suas telas.

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Em 1891, instala-se no Taiti, onde funde símbolos religiosos do Oriente e do Ocidente, que imagina como
um universo idilicamente harmonizado, fruto de pureza ancestral. Anos mais tarde, sua obra vai influenciar
o Expressionismo alemão.

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Cápítulo 25 – Arte Simbolistá e Decorátivá
Opondo-se ao caráter sensorial do Impressionismo, o Simbolismo pretendia sugerir ideias por meio de
formas e cores; nas artes decorativas, o estilo Art Nouveau tentou romper com a academia criando formas
orgânicas.

A) Simbolismo
O Impressionismo, que influenciou toda a pintura europeia no século XIX, pregava a exploração das sensa-
ções visuais como ponto de partida para a criação artística. Portanto, era um movimento que encontrava
inspiração no mundo real e que, segundo alguns artistas que surgiam, era incapaz de alcançar os objetivos
transcendentes aos quais a arte deveria se dedicar.

É assim que se origina o Simbolismo, corrente artística internacional que pretendia fazer do objeto artístico
uma plataforma para ideias imateriais, emoções e espiritualidade. Esse conteúdo metafísico e profundo
deveria ser passado para o espectador simbolicamente, por meio de cores e formas, desconectadas de
seus significados físicos, reais. Os temas das pinturas simbolistas frequentemente eram inspirados na reli-
gião, na mitologia ou em rituais e atitudes misteriosas, adquirindo valores metafóricos. Os simbolistas re-
cuperam o interesse pelo místico em vez do natural, pelo enigmático em vez do compreensível e, sobretu-
do, pelo intelectual em vez do sensorial.

A essa corrente pertenceram muitos artistas formados dentro da tradição romântica, como Gustave More-
au (1826-1898), Pierre Puvis de Chavannes (1824-1898) e Odilon Redon (1840-1916). Artistas pós-
impressionistas, como Gauguin, também flertaram com o Simbolismo. Mas Gauguin desenvolveu uma obra
com muitas variações de estilo, que no fim de sua carreira não se encaixa em rótulos estilísticos. O Simbo-
lismo é um estilo que não é unitário ou uniforme, e sim receptivo a muitas conquistas formais da arte mo-
derna.

B) Decorativo
O Simbolismo foi uma corrente escapista, com fortes conexões literárias, que pretendeu converter a arte
em paraíso artificial, em refúgio de beleza e felicidade, além da poética do objeto representado. Isso levou
alguns pintores a uma concepção decorativa e suntuosa, com as telas e o objetos feitos a partir de materi-
ais caros e luxuosos.

Esse momento histórico cria artistas de influências híbridas, como Henri de Toulouse-Leutrec (1864-1901),
artista boêmio que conviveu com os impressionistas e foi influenciado por eles, mas que também recheia
seus desenhos de dançarinas e frequentadores de cabaré com molduras e elementos decorativos, próprios
do Art Nouveau.

C) Escultura
Ainda que a escultura tenha sofrido uma evolução própria, também refletiu as duas grandes atitudes inte-
lectuais que dominaram o período: a submissão à realidade, que tende a se apresentar como algo que se
desvanece, fruto de uma visão fugaz, como na pintura, e a possibilidade de sugerir um impulso espiritual,
simbólico, mais além da matéria.

115
O artista que melhor sintetiza essas duas alternativas é Auguste Rodin (1840-1917), cuja encomenda mais
importante foi a realização das portas do Museu de Artes Decorativas de Paris, conhecidas como As Portas
do Inferno. Esse trabalho, inspirado no canto do Inferno de A Divina Comédia, do poeta medieval Dante
Alighieri – ou seja, um tema literário tradicional, típico da poética simbolista –, constitui um “bloco”de figu-
ras que, com o tempo, seriam fundidas e contempladas independentemente. A mais famosa de todas é O
Pensador, originalmente situada na parte superior das portas. Figura concebida como uma representação
do poeta, cujo pensamento passam as cenas que se representam nas portas, ao ser extraída daquele con-
texto adquiriu outros significados.

Toda a escultura do fim do século XIX é dominada, em grande parte devido à influência de Rodin, por um
gosto pelas superfícies moldáveis, em que o mármore ou o bronze adquirem um aspecto orgânico, como
se estivessem a ponto de se transformar com o impulso vital que os artistas conseguem sugerir na matéria.
Em geral, porém, as obras desse período cumprem as mesmas funções tradicionais: o monumento come-
morativo, as esculturas de cemitérios, a decoração arquitetônica, os bustos e as estatuetas de caráter or-
namental e as peças destinadas a exposições públicas.

Alguns escultores, por volta de 1900, começam a advogar a necessidade de devolver à escultura sua condi-
ção essencial de volume no espaço, obedecendo a uma vontade geral de simplificação expressiva, como a
dos pós-impressionistas. É o caso de Aristide Maillol (1861-1944), que aspira devolver à escultura a clarida-
de e o equilíbrio, além da sinceridade e da força da Antiguidade, quando a simplicidade começa a associar-
se ao profundo.

D) Gustav Klimt
Embora tenha sido influenciado pelo Impressionismo, pelo Simbolismo e pela arte decorativa – sobretudo
pelo Art Nouveau, que tem suasa raízes na Áustria –, o pintor e artista gráfico austríaco Gustav Klimt (1862-
1918) construiu uma obra original que está distante das classificações muito fechadas. Ao longo da história
da arte, inúmeros artistas percorreram um caminho solitário, embora por vezes sua obra se assemelhe a
esta ou àquela tendência. Esse é o caso de Klimt. Ele viveu numa Viena efervescente culturalmente e foi o
primeiro presidente da Secessão, congregação de vários grupos de artistas alemães e austríacos que rom-
peu com as academias oficiais e passou a organizar suas próprias exposições de vanguarda.

Por influência do Simbolismo, algumas de suas telas retomam os temas mitológicos, misturando-os a ale-
gorias ancestrais das culturas austríaca e alemã e conferindo a eles forte carga sensual e psicológica. Klimt
teve várias amantes e era grande admirador do corpo feminino. Em suas telas douradas, compostas por
fragmentos de cor que lembram mosaicos decorativos, a mulher é a mensageira da vida e da morte, é Eros
e Tanatos ao mesmo tempo. Em sua tela mais famosa, O Beijo, o idílico enlace dos amantes já foi interpre-
tado como uma volta ao tema da morte. Para alguns críticos, a mulher retratada pelo pintor está desfale-
cendo amparado pelo homem que a ama. Essa obra que alia a certeza da transitoriedade do corpo e certo
decadentismo a um grande arrojo formal vai influenciar dois artistas que mudariam a história da arte na
Viena do século XX: os expressionistas Egon Schiele (1890-1918) e Oscar Kokoschka (1886-1980).

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Cápítulo 26 – Nabis e Fauves
Enquanto a Europa interpretava o Impressionismo, em Paris amadureciam propostas cada vez mais radi-
cais, baseadas no aproveitamento de elementos essencias à pintura, como as cores. A autonomia da cor é
essencial para compreender a revolução que os nabis anunciam e os fauves realizam.

A) Nabis
A partir de 1900, um grupo de pintores seguiu os conselhos de Gauguin para que se radicalizasse o tom das
cores de todas as coisas. Os pigmentos usados na tela eram os mais puros possíveis, tentando atingir a es-
sência de cada cor. Para esses artistas, a cor foi convertida em espécie de revelação mística essencial. A
relação desse movimento com uma atmosfera mística e messiânica era tão forte que eles se autodenomi-
naram nabis, que, em hebraico, quer dizer “profetas”.

O principal nome do grupo foi Pierre Bonnard (1867-1943), autor de marinhas espetaculares no uso da cor
– mar, céu e areia formam massas de tinta e são basicamente cor, a um passo da abstração – e de interio-
res com figuras dominadas por uma intimidade misteriosa. Nesses casos, toda a composição da tela tam-
bém é derivada do emprego de cores. As áreas de cor são construídas algumas vezes com grandes pincela-
das e outras com a tinta diluída, criando jogos e variações, como se a tela fosse uma celebração visual, mas
também pudesse se avizinhar do paladar e do tato. A vida de Bonnard foi tão tranquila quanto as de Gau-
guin e Van Gogh foram agitadas. Em 1940, no entanto, a serenidade foi perturbada pela morte de sua es-
posa e por uma atitude drástica que ele tomou logo depois: falsificou o testamento e se envolveu em uma
série de complicações legais. Por conta disso, boa parte de sua esplêndida obra foi tirada de circulação,
impedindo seu reconhecimento como pintor genial que é. Recentemente, o trabalho de Bonnard começou
a ser recuperado aos olhos da crítica e do público.

Outros nomes importantes do grupo nabi são Maurice Denis (1870-1943) e Édouard Vuillard (1868-1940).
Denis vai cunhar a frase que sintetiza o movimento: “Lembre-se de que a pintura – antes de ser um cavalo
de batalha, uma mulher nua ou uma anedota – é essencialmente uma superfície plana coberta de cores
organizadas segundo certa ordem”.

B) Fauves
A cor também vai ser o ponto de partida para o grupo formado pelos pintores que se autodenominaram
fauves (feras). Mas na tela dos artistas desse movimento, que conquista notoriedade depois do Salão de
Outono de Paris de 1905, a cor ganha um componente a mais em relação aos nabis: além de intensa, ela
deixa de ser naturalista. Com isso, pintores que compuseram o Fauvismo romperam com mais uma frontei-
ra da representação, permitindo que objetos, paisagens, animais, seres humanos e tudo que era retratado
na tela entrassem no território da subjetividade e da imaginação. As massas de cor que formam todas as
coisas expressam o desejo do pintor e não mais a realidade.

A figura central do Fauvismo é Henri Matisse (1869-1954), artista genial e referência indispensável do gru-
po, mas cuja obra se desenvolveu de forma completamente independente mais tarde. Outros nomes im-
portantes são André Derain (1880-1954), pintor de paisagens com cores muito vivas, mas em harmonia, e
Maurice Vlaminck (1876-1958), dono de uma obra passional e vibrante.

C) Matisse
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A contribuição de Matisse para a história da arte é incalculável. Tanto na fase fauve quanto no desenvol-
vimento posterior e autônomo de seu trabalho, esse artista inquieto e versátil – pesquisou a cor em pintu-
ras, mas também em gravuras, murais e colagens – criou novos parâmetros para a representação e a com-
posição.

No período fauve, Matisse começou a fazer experiências na divisão da tela em áreas de cor, constituindo as
figuras e os fundos com pinceladas cada vez maiores e separadas. Isso fez com que o desenho e a cor se
transformassem em modalidades diferentes e autônomas, sem relação de dependência e hierarquia entre
eles, como previa a forma acadêmica de pintar. O flerte com o decorativo, com os padrões de estamparias
e os motivos e tonalidades da arte árabe – era apaixonado pelo Marrocos – vai dar às suas telas um ar se-
dutor e exuberante, como se elas fossem a celebração da luz e da cor.

Em 1906, Matisse conhece mais a fundo a arte africana, com suas máscaras feitas com traços simples. O
contato com a África vai ser fundamental para manifestações artísticas posteriores, caso do cubismo, e
também para a transformação da pintura de Picasso. Na obra de Matisse, a concepção escultórica da arte
africana faz com que ele crie planos de cor arredondados, que em alguns casos chega a sugerir volume e
relevo, trabalhando mais com luz e sombra do que o chiaroscuro tradicional.

Na maturidade, ele se distancia cada vez mais do desenho, trabalhando com a cor como se ela fosse uma
massa capaz de tingir a tela. Define muito vagamente o perfil de cada coisa e a cor domina todo o quadro,
como se fosse fruto de uma dissociação entre sensação e realidade ou de um acorde musical.

Na última etapa de sua vida, faz colagens com papéis pintados e recortados, que formam figuras femininas,
motivos vegetais e arabescos. Ao trabalhar com o corte direto no papel colorido, Matisse radicaliza a im-
portância da cor e tenta eliminar completamente a linha, o contorno, o desenho, já que a forma colorida é
aplicada diretamente à superfície.

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Cápítulo 27 – Vánguárdás
No começo do século XX, a criação artística passa por uma ruptura radical. Os diversos movimentos que se
sucedem, desde os primeiros anos até 1940, são chamados de “vanguardas históricas”.

A) Origem
O termo militar “vanguarda”, que indica o grupo de soldados que está à frente do pelotão, é usado para
ilustrar a maneira arrojada com que esses movimentos abriram caminho na história da arte, rompendo
com modelos estéticos preestabelecidos e tradicionais. Muitas vezes, para realizar seus objetivos e propor
suas ideias, os artistas e grupos de vanguarda precisaram enfrentar a adversidade e a crítica, já que choca-
ram o senso comum.

As “vanguardas históricas” mudaram o rumo da arte ocidental e revelaram o talento de alguns artistas no
século XX: Picasso, Kandinsky, Mondrian, Duchamp, Dalí e Miró, que hoje são artistas “clássicos” que figu-
ram em qualquer livro de história da arte, e fizeram parte de movimentos que romperam com a visão habi-
tual de enxergar a produção artística.

A grande característica comum de todas as vanguardas é a noção de que há múltiplas maneiras de enxer-
gar e perceber a arte, tão variadas quanto os múltiplos suportes que o produto artístico pode ter. A arte
deixa de ser expressão de um ideal coletivo unitário, porque já se entende que a sociedade não é unifor-
me. O artista já não reproduz aquilo que considera belo, mas investiga formas de encontrar a beleza ou a
singularidade, mesmo que para isso precise romper com padrões estéticos cristalizados, tidos como nor-
mais.

Cada movimento de vanguarda do início do século XX teve características próprias, mas todos procuraram
de alguma forma conectar a arte com a vida, outorgando ao artista uma capacidade transformadora, como
nunca houvera antes. Por tudo isso, seus princípios estéticos muitas vezes são indissociáveis de sua biogra-
fia e cotidiano. Apesar de romperem de forma radical com padrões anteriores, os principais movimentos
do período – Cubismo, Futurismo, Expressionismo, Dadaísmo, Surrealismo e as várias correntes de arte
abstrata – acabam se tornando parte do gosto comum. Com seu amadurecimento, criam padrões e geram
um patrimônio estético que é absorvido e entendido como parte das possibilidades de criação.

B) Contexto
A primeira metade do século XX caracteriza-se por grandes mudanças na arte, mas também em outros
campos: na sociedade, com o amadurecimento do discurso sobre luta de classes e as primeiras vitórias das
revoluções proletárias, sobretudo com a Revolução Russa, em 1917; na política, com duas guerras mundi-
ais agitando a Europa e demonstrando ao mundo a força dos Estados Unidos, União Soviética e Japão co-
mo potências. As guerras e, entre elas, a Grande Depressão econômica dos anos 1930, geram grande im-
pacto econômico e psicológico no mundo inteiro, afetando diretamente a produção artística.

Já no início do século XX, a luta social começa a obter suas primeiras vitórias, tanto por meio da negociação
quanto pela revolução. Isso se torna possível porque a burguesia, que chega ao poder com a Revolução
Industrial, percebe a necessidade de fazer concessões paulatinas para não ter de enfrentar uma revolução
radical como a sofrida pela Rússia, transformada pelos comunistas em União Soviética.

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O panorama político europeu assiste nessas duas primeiras décadas à descentralização de grandes impé-
rios continentais, que depois da Primeira Guerra foram desmembrados em várias repúblicas. Apesar disso,
não é o momento do triunfo absoluto da democracia. O crack da Bolsa de Valores de Nova York faz o mun-
do mergulhar na Grande Depressão, e a situação difícil favorece o aparecimento de ditaduras que voltam a
disputar a primazia de poder na Europa e rumam para os atritos que darão origem à Segunda Guerra. A
fragilidade socioeconômica também é terreno fértil ao aparecimento e à difusão de ideologias totalitárias,
como o fascismo e o nazismo.

Os avanços científicos, médicos e técnicos durante a primeira metade do século XX revelaram um universo
até então completamente desconhecido. A visão de raios X; o cinema, que leva a um mundo de sonho; os
aviões que parecem burlar a lei da gravidade; os imensos transatlânticos que atravessam os mares; as so-
fisticadas armas de guerra; e a luz elétrica permitiram aos indivíduos outra noção da realidade. Os artistas
também ganham muito mais subsídios para pensar o mundo por meio de seu trabalho. Além das invenções
da ciência para a vida plástica, um outro avanço no ramo das descobertas muda o rumo da arte: Sigmund
Freud funda a psicanálise, revelando que os seres humanos têm subconsciente e desejos latentes, não rea-
lizados, que seus sonhos têm significados e que as relações familiares são jogos de poder que podem gerar
traumas de grandes consequências.

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Cápítulo 28 – Cubismo
O Cubismo acabou com a representação pictórica feita a partir de um único ponto de vista, favorecendo a
compreensão corpórea e mental do objeto representado.

A) Origens
O Cubismo começa a partir das experiências que Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963)
realizam entre 1906 e 1909. Picasso, que começou a carreira muito jovem, assimilando a herança pós-
impressionista, passou para um período de simbolismo expressionista dividido em duas fases batizadas
com nomes de cores – “fase azul” e “fase rosa”. Em 1906, toma contato com uma série de influências deci-
sivas em sua trajetória:

• 1906 é o ano da morte de Cézanne, quando sua obra – que transformou o Impressionismo em algo
sólido e duradouro, em que as coisas têm unidade à margem de sua contemplação – passou a ser
ainda mais valorizada;
• Os relevos ibéricos de Osuna, de forma simples e estilizadas e com grande força expressiva;
• A arte africana, cujas máscaras, de traços angulosos e arredondados, têm uma corporeidade impo-
nente e abstrata.

O resultado de todas essas influências é uma obra fundamental em sua carreira: Mademoiselles d’Avignon,
onde representa prostitutas de Barcelona, mostradas nuas ao espectador. Mas o realmente transformador
em sua tela não é a nudez, mas sim sua construção, feita a partir de planos quebrados, como se fosse um
relevo que nega a ilusão de profundidade da perspectiva, embora produza profunda sensação de volume.

O nome “cubismo” seria criado por um crítico em 1908, quando Picasso e Braque expuseram algumas pai-
sagens no Salão de Outono. Essas pinturas pareciam identificar uma forma de pintar baseada em planos
luminosos e transparentes que definiam as coisas.

Para representar o objeto, o artista cubista realizava primeiro sua fragmentação em planos pictóricos – o
Cubismo Analítico – e mais tarde com a adição de elementos reais e pintados que fazem alusão ao objeto
principal – o Cubismo Sintético. Essa última fase tem como consequência o aparecimento de um novo su-
porte, o objeto-quadro, concebido como construção com valor real, que substitui a ideia de quadro como
janela ilusória que se abre para outra realidade.

B) Cubismo Sintético
A partir de 1911, Picasso e Braque começaram a pintar em suas telas partituras musicais, manchetes de
jornal e, no caso específico de Picasso, retratos de sua amante naquele momento, Eve (apelidada de Ma
Jolie). A inclusão desses elementos era uma maneira de os pintores fragmentarem a composição e fazerem
alusão às coisas reais, do mundo. Outra possibilidade era sugerir a textura do papel, da palha dos assentos
de cadeira ou da madeira de um violão, que também eram dados da realidade.

Em um segundo momento, passaram a colar esses elementos diretamente na tela, provocando uma soma
de percepções. Dessa forma, o quadro configurava-se como construção. O Cubismo Sintético surge em
1914 como resultado dessas experiências e difere muito do Cubismo Analítico. No sintético, o sentido de
cada um dos planos aparece mais bem delimitado, mas a autonomia das percepções visuais, táteis e men-
tais é absoluta. Há com essa variante do movimento um grande paradoxo: se por um lado a inclusão de
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objetos reais dá uma dimensão mais evidente à obra, por outro o objeto artístico resultante exige compre-
ensão intelectual, uma apreensão que vá além da mera observação.

C) Consequências
A repercussão do Cubismo foi imediata. A moda de “cubificar” a visão das coisas difundiu-se como um ges-
to associado à ideia de parecer moderno e de vanguarda. A verdadeira importância do Cubismo, no entan-
to, vai além dessa moda superficial: o movimento demonstrou que a pintura não precisa ser algo que exis-
te apenas visualmente, mas que pode fazer parte de uma reflexão intelectual.

Vários outros movimentos aproveitaram características do Cubismo, entre eles o Futurismo, o Expressio-
nismo e o Dadaísmo. Outro artista que vai se apropriar das ideias do movimento para realizar uma obra
singular é Fernand Léger (1881-1955), que reduz as figuras a tubos pintados com cores simples, que pare-
cem obedecer a esquemas mecânicos. Léger foi uma grande influência para a pintora modernista brasileira
Tarsila do Amaral. Houve ainda o grupo dos “puristas”, artistas que queriam reduzir o Cubismo a uma fór-
mula matemática, que gerava organizações geométricas e influenciou muito a arquitetura moderna.

D) Pablo Picasso
Pablo Picasso foi uma das grandes figuras da arte do século XX. Participou de todas as experiências de van-
guarda, do Surrealismo ao Cubismo, passando pelo Expressionismo, e por todas as áreas: pintura, escultu-
ra, cerâmica e cenografia.

O grupo surrealista de Paris, com André Breton à frente, sempre considerou Picasso um dos seus. O pintor
espanhol era tido mais como referência, pela riqueza de sua obra, em que o subconsciente atua como mo-
tor da criação. Não havia, portanto, subordinação ao grupo, até devido a resistência do próprio Picasso. De
qualquer forma, boa parte da obra de Picasso realizada a partir de 1925 deve ser entendida no contexto da
poética surrealista. A relação com Olga Koklova, cuja mentalidade burguesa se chocava com o jeito de Pi-
casso, gerou uma agressividade que, em seguida, se traduziu em sua pintura.

Em 1925, Picasso pintou A Dança, tela em que, apesar do uso de elementos do Cubismo Sintético seme-
lhantes aos que utilizou em Os Três Músicos, as figuras aparecem distorcidas, como se elas quisessem dei-
xar-se levar pelo frenesi do baile, e sugerem uma violência irracional. Pela primeira vez, aparecem imagens
típicas do Surrealismo, como o seio-olho e a boca-vagina dentada, que se repetem no quadro com insis-
tência, como uma obsessão em que se mesclam o desejo e a destruição.

Existem muitos pontos em comum entre os conflitos emocionais de Picasso e a fascinação surrealista pelo
“amor louco”. A ideia da mulher como devoradora de homens, que tem equivalente na natureza, em cer-
tas espécies em que a fêmea devora o macho depois da cópula, sugere a Picasso uma série de pinturas,
conhecidas como “figuras de Dinard”. São espécies de figuras femininas, como pedras erodidas pela natu-
reza, com aspecto ameaçador e terrível dos grandes insetos.

A enorme vitalidade de Picasso, porém, o leva a conceber, quase simultaneamente, imagens muito distin-
tas de mulher. Ele pinta uma série de retratos inspirados em Marie-Therèse Walter, jovem de formas arre-
dondadas com quem manteve uma relação. São quadros de cores muito vivas, em que há uma espécie de
vitalidade orgânica autônoma nas distintas partes do corpo, em interpretação sensual surrealista, como
em O Sonho.

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Picasso também investiga novas possibilidades escultóricas. Ele concentrou grande energia para realizar
projetos como Monumento a Apollinaire (1928), em que define o espaço mediante perfis de arame, como
se a escultura fosse uma espécie de desenho no espaço. Picasso supõe uma inversão absoluta dos valores
tradicionais da escultura como arte, ou seja, o desaparecimento da massa e da solidez.

Picasso confessou, anos mais tarde, que a década de 1930 foi o pior período de sua vida. No plano pessoal,
separou-se definitivamente de Olga em 1935 e começou a se relacionar com a fotógrafa e pintora Dora
Maar, que no final da década será a modelo em uma série de quadros, como Mulher Chorando, em que
combina recursos expressionistas, cubistas e surrealistas em alusão a uma dor intensa.

Na esfera pública, Picasso foi nomeado diretor do Museu do Prado, cargo que não exerceu, mas que com-
prova seu compromisso com a causa republicana na Espanha e com seu desejo de revitalizar as ideias de
vanguarda.

Em 1933, desenhou a capa da revista surrealista Minotaure, em que aparece o minotauro, metade homem,
metade touro, que ele adota como símbolo de força do subconsciente, e que seria reproduzido muitas
vezes. Nos anos anteriores a Guernica (1937), sua obra-prima dessa época, Picasso parece obcecado com o
tema taurino, em particular com o enfrentamento entre o touro e o cavalo: este está representado no
momento de ser ferido pelo touro ou em sofrimento agônico, espécie de alegoria da paixão, que alcança
seu ponto culminante na destruição.

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Cápítulo 29 – Futurismo e Expressionismo
O Futurismo e o Expressionismo, estilos que se desenvolveram na Itália e na Alemanha, respectivamente,
não usaram formas plásticas muito diferentes das de seus antecessores, mas causaram ruptura na arte do
início do século XX.

A) Futurismo
Em 20 de fevereiro de 1909, o escritor italiano Filippo Marinetti (1876-1944) publica, no jornal parisiense
Le Figaro, um manifesto em que, com linguagem entusiasmada e em tom categórico, clamava por um
mundo novo. Apelava para a agressividade juvenil como instrumento para acabar com as tradições cor-
rompidas; e para a violência e a guerra como meio de regeneração. Ao mesmo tempo, exaltava as virtudes
do progresso científico e técnico, o progresso, com suas consequências estéticas, e assumia as vertiginosas
transformações mentais acarretadas pela velocidade dos meios de transportes, a rapidez de comunicação
ou a superposição de conteúdos de informação em um mundo massificado.

A esse manifesto seguiram outros de pintura, escultura, teatro e música, que revelam os esforços do futu-
rismo por integrar múltiplas experiências artísticas, dominadas pela mudança radical da maneira de ser e
de sentir, e, sobretudo, pelo desejo de alcançar o futuro.

Um grupo de artistas jovens italianos, de caráter inconformista, ficou fascinado por essas ideias. Começa-
ram a criar obras que destacavam o frenesi da vida moderna: trens que irrompem velozmente a tela, efei-
tos dinâmicos de bicicletas ou figuras em movimento, sensações confusas das ruas e dos cafés. No princí-
pio, recorreram a técnicas e procedimentos próximos do divisionismo dos fauves, com pinceladas grandes
e separadas entre si, que, em certas ocasiões, parecem atraídas por um fluxo migratório.

Em quadros como Menina Correndo em uma Varanda (1912), de Giacomo Balla (1871-1958), reconhece-
mos as diferentes fases do movimento em uma mesma imagem “fotográfica” representada pela pintura.
Essa convivência de vários tempos produz a sensação de movimento almejada pelo artista.

Mas o mais interessante no Futurismo acontece em um segundo momento do movimento, quando os ar-
tistas aplicam os princípios do Cubismo Analítico e Sintético em suas peças. Umberto Boccioni (1882-1916)
é o pintor que faz isso de forma mais característica em Estados de Ânimo. As Despedidas (1911), em que
mescla, a partir da sinestesia e de sensações vindas dos vários sentidos, a melancolia do adeus, o movi-
mento da locomotiva e a confusa acumulação visual e olfativa da plataforma de uma estação onde o trem
está prestes a partir.

B) Expressionismo
O Expressionismo foi um movimento heterogêneo que, por meio da distorção das formas e do uso de co-
res que não correspondem ao padrão natural, destaca aspectos emocionais e psicológicos – muitas vezes
turbulentos – que vêm das camadas mais profundas da alma humana. Não foi um movimento organizado e
sim a reunião de vários grupos de artistas que, em vez de criar obras a partir da observação do mundo ex-
terno, voltava-se para o seu próprio interior, com sua angústia e imaginação.

Gauguin, Van Gogh, Matisse e mesmo alguns pintores românticos são grandes influências desses artistas,
que usam a cor com intensa carga emocional. Cores muito vivas e espetaculares, combinadas com um mo-
do agressivo e violento de lidar com a tela, revelam uma relação passional entre o artista e sua criação.
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O norueguês Edvard Munch (1863-1944) faz parte da primeira geração de expressionistas. Em telas como
O Grito (1893), usa formas distorcidas e perturbadoras, pintadas em tons sombrios. A obra que retrata a
angústia e impossibilidade de comunicação dos indivíduos, foi roubada em 2004 e encontrada dois anos
mais tarde.

O país em que o movimento ganhou mais força foi a Alemanha. O primeiro grupo que ganhou notoriedade
foi o Die Brücke (A Ponte), fundado em Dresden, em 1905. Dele fizeram parte Ernst Ludwig Kirchner (1880-
1938), que, em 1913, escreveria: “Aceitamos todas as cores que, direta ou indiretamente, representam o
impulso criativo puro”. Apesar de semelhanças com o Fauvismo, o movimento alemão foi muito mais vio-
lento e radical, torcendo as figuras e usando cores impensáveis (homens pintados de amarelo, grama pin-
tada de azul) para quebrar padrões e demonstrar revolta contra o status quo.

Em 1911, Franz Marc (1880-1916), August Macke (1887-1914) e o russo Wassily Kandinsky (1866-1914)
fundam em Munique o grupo Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul). Esses artistas assimilaram as experiên-
cias de vanguarda, mas atribuíram a elas um caráter mais metafísico e espiritual, com as cores aplicadas
como reflexos de visões místicas. Essas características eram atribuídas sobretudo por Marc, que retratou
animais obsessivamente e queria usar a pintura para descobrir as forças interiores que orientam a nature-
za. Kandinsky radicalizou as experiências com a cor rumo à abstração e tornou-se um dos professores da
Bauhaus, escola que vai mudar o rumo da pintura no século XX. Macke era mais próximo da pintura fran-
cesa Fauvista e dono de paleta mais lírica e menos abstrata. Morreu na frente de batalha, durante a Pri-
meira Guerra Mundial.

C) Paul Klee
Pintor e artista gráfico suíço, Paul Klee (1879-1940) ajudou a mudar a história da arte no século XX. Embora
não tenha sido um dos fundadores do Der Blaue Reiter, participou da segunda exposição do grupo e é um
dos elos entre o Expressionismo alemão e o Abstracionismo.

Dono de obra calcada na geometria lírica, Klee vai transformar, ao longo dos anos, os telhados, as portas e
paredes das casas que retrata em figuras geométricas. Produtivo professor da escola da Bauhaus em Wei-
mar, vai formar várias gerações de pintores até ser perseguido pelo nazismo durante a Segunda Guerra
Mundial.

Klee sentia-se à vontade tanto na pintura figurativa quanto na abstração. Com exceção dos quadros som-
brios criados anos antes de sua morte, causada por uma doença degenerativa rara, sua obra transmite
grande alegria e leveza.

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Cápítulo 30 – Abstrácionismo
Na segunda metade do século XX, a compreensão da pintura como reunião de linhas, cores e formas com
determinado caráter expressivo é o ponto de partida para os abstratos, que procuram depurar as experi-
ências anteriores em busca de uma linguagem universal.

A) Kandinsky
A obra de Wassily Kandinsky (1866-1944) distingue-se por algumas formas do mundo visível, definidas por
cores intensas que parecem mover-se por si mesmas, como resultado de emoção interna.

O início da pintura abstrata forma-se num primeiro momento a partir de raiz expressionista: as formas e as
cores revelam universo espiritual, que transporta para plano mais elevado, de emoções puras. Trata-se de
pintura de conteúdos, que parte sempre de uma referência real; nas obras realizadas por Kandinsky entre
1910 e 1914 há certa memória de cadeias de montanhas, árvores e raios de sol, cujas silhuetas vão sendo
estilizadas até o extremo; ou ainda alusões a paisagens concretas, como a explosão floral na primavera ou
a confusão de uma tempestade.

O resultado busca harmonia semelhante à da composição musical, onde cores e linhas ocupam o lugar cor-
respondente a notas e tons, capazes de suscitar emoção lírica que não pode ser expressa por meio da sim-
ples reprodução da realidade visível.

B) Mondrian
Além do caminho expressivo, outra via levou à abstração com caráter mais objetivo, fruto da busca por
ordem universal, imutável e perfeita que se esconde atrás de todas as coisas.

A essa vertente pertence o holandês Piet Mondrian (1871-1944), colaborador da revista De Stijl (O Estilo).
Publicada a partir de 1917, converteu-se em veículo difusor da corrente estética denominada Neoplasti-
cismo, que se baseia na representação de linhas pretas, horizontais e verticais, e planos de cores primárias,
que revelam harmonia intrínseca, derivada da adequada organização do espaço.

O Neoplasticismo aspira, por meio da redução às formas mais simples, alcançar uma espécie de pureza
esquemática absoluta, sem perturbações de nenhum tipo. A origem dessa forma de pintar é a depuração
do Cubismo Analítico, consequência do desenvolvimento da estrutura linear e dos planos cromáticos que
ocupavam os lugares dos objetos.

C) Materialismo Suprematista
De certa maneira, tanto Kandinsky quanto Mondrian dão à pintura abstrata um caráter de “representação
superior”, que nasce depois que se prescinde da dimensão concreta das coisas. No caso de Kandinsky, a
abstração de uma emoção; no de Mondrian, uma abstração física.

Outros artistas propuseram a abstração como meio de devolver materialidade à pintura. É o caso do Su-
prematismo, que se desenvolve na Rússia nos anos imediatamente anteriores à Revolução de 1917, asso-
ciado ao desejo de vincular a nova arte à nova ordem ideológica e social que se anunciava. Essa mudança
foi possível graças à assimilação das experiências de vanguarda, em especial do Cubismo, e de desejos re-
volucionários comparáveis à força do Futurismo.

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A figura central do Suprematismo é Kasimir Malevitch (1878-1935). Seus quadros baseiam-se na represen-
tação de figuras geométricas simples, que, longe de qualquer transcendência, reivindicam sua existência
em virtude da estrita condição material. Malevitch dá a suas formas geométricas coloridas de branco, pre-
to e vermelho a possibilidade de comportar-se como elementos plásticos com uma dimensão real – a deles
mesmos. Mais que abstração, pois, trata-se de arte não-figurativa, mas absolutamente concreta.

Com Malevitch, a abstração converte-se em procedimento de investigação criadora. O artista trabalha so-
bre o efeito que produz certa colocação de figuras ou linhas de força, manipula efeitos dinâmicos e estáti-
cos, espaços densos ou vazios, tensões ou estabilidade.

O amadurecimento dessas pesquisas foi fundamental para a base teórica da arquitetura e do desenho mo-
derno. A influência de Malevitch sobre Kandinsky foi imensa. Quando escreve Ponto e Linha Sobre o Plano
em 1926, Kandinsky demonstra uma guinada rumo à abstração geométrica e racional proposta por seu
conterrâneo russo.

127
Cápítulo 31 – Dádáísmo
O Dadaísmo foi uma atitude subversiva que negava todos os valores culturais estabelecidos por uma soci-
edade “da ordem” – que, paradoxalmente, havia experimentado a loucura destruidora da Primeira Guerra
Mundial.

A) Contexto
O Dadaísmo é uma revolucionária corrente artística que surge em 1916, na efervescência do Cabaret Vol-
taire, em Zurique, onde o escritor e diretor teatral Hugo Ball (1866-1927) e o poeta romano Tristan Tzara
(1896-1963) organizavam saraus musicais e literários e exposições com o objetivo de construir uma ordem
artística nova, com experiências sensoriais distintas, que fossem além do universo de valores mercantilistas
e contemplativos que orientavam a arte até então.

A palavra “dadá” não significa nada e, segundo contam, foi escolhida ao acaso. Apesar disso, as lideranças
do movimento investiram-na de caráter mítico, identificando-a com uma atitude vital oposta ao que a so-
ciedade considerava artístico ou de bom gosto.

A corrente está baseado em dois pilares. Um deles é o escândalo, a polêmica e a provocação contra todo
juízo estético pré-concebido; o outro, a reivindicação do acaso e da dimensão irracional da condição hu-
mana como componentes essenciais da criação, que acontece como uma descoberta, uma relação surpre-
endente jamais vista antes.

B) Estética
O Dadaísmo explorou três formas de criação, que mais tarde alcançaram desenvolvimento considerável. A
primeira, a poesia fonética, isto é, a poesia de caráter abstrato que renuncia ao significado das palavras em
favor do sentido profundo que os sons possuem por si próprios; nessa mesma linha, propõem a utilização
de linguagem de signos abstratos, descolando as formas de seu significado prévio.

A segunda forma de criação é a possibilidade de aproveitar qualquer objeto como material artístico; nesse
sentido, foram importantes a fotomontagem, realizada com recortes fotográficos, e a collage (colagem),
derivada do Cubismo Sintético.

A terceira levou os dadaístas a deslocar a essência do fazer artístico do objeto para sua vivência. Como no
Futurismo, os saraus artísticos são importantes. O Dadaísmo é a origem da arte de ação, da performance,
da participação direta do artista em eventos que não podem ser vendidos nem colecionados.

C) Representantes
Em Zurique, destaca-se Hans Arp (1887-1966), que usa o acaso como recurso plástico. Simultaneamente,
Nova York também se transforma em centro de arte efervescente. Muitos artistas europeus fogem do hor-
ror da Primeira Guerra e misturam-se aos talentos emergentes da cena americana. Moravam na cidade
Marcel Duchamp (1887-1968), principal nome do movimento, Francis Picabia (1879-1953) e Man Ray
(1890-1976). Picabia pesquisou engenhocas mecânicas como metáforas do mecanismo amoroso, enquanto
Man Ray, grande fotógrafo, manipulou objetos cotidianos com o intuito de chamar a atenção para seu uso
paradoxal e absurdo.

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Na Alemanha destacam-se Raoul Hausmann (1886-1971), em Berlim, artista multifacetado que realizava
uma espécie de collage tridimensional misturando peças heterogêneas; e, em Hannover, Kurt Schwitters
(1887-1948), que reuniu em suas collages objetos do seu cotidiano, convertidos em material artístico.

A obra de Duchamp é a mais singular do dadaísmo, tanto que conseguiu romper os limites do movimento e
converter-se em referência inevitável para os artistas da segunda metade do século XX. Depois de experi-
ências com o Cubismo e o Futurismo, o artista mostra sua fascinação por aspectos, que desenvolverá mais
tarde, como o funcionamento das máquinas, como metáfora de perfeição essencial, e a busca por ultra-
passar os limites físicos por meio de planos transparentes.

Em Nova York, filia-se à Sociedade de Artistas Independentes. Para a primeira exposição do grupo, em
1917, envia a obra intitulada A Fonte. Trata-se de um mictório de banheiro masculino, girado em 90 graus
de sua posição habitual e que leva a assinatura “R. Mutt”. Nasce assim o primeiro ready made, isto é, a
primeira obra de arte criada a partir de um objeto preexistente, industrializado. A transformação gerada
pela obra é imensa: o artista passa a ser um manipulador poético, e a faceta intelectual e conceitual da
criação passa a ter valor mais estratégico que sua realização artesanal.

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Cápítulo 32 – Surreálismo
Paris é novamente a origem de uma corrente de arte – e André Breton, o precursor do Surrealismo, que
busca expressar a verdadeira função do pensamento e transpor à arte os meandros do sonho e do sub-
consciente.

A) Manifesto
Em 1924, o escritor francês André Breton (1896-1966) lança em Paris o primeiro manifesto do Surrealismo.
Breton diria que a intenção do movimento era “resolver a contradição até agora vigente entre sonho e
realidade pela criação de uma realidade absoluta, uma suprarrealidade”. O nome do movimento vem des-
se desejo do suprarreal ou “sur” (em francês, “acima”) real. É um movimento que cria atitude mental aber-
ta ao desconhecido, que tem consequências nas artes plásticas e na literatura.

Esse desejo de descobrir outro mundo, além das restrições mentais e morais que aprisionam as possibili-
dades de felicidades, esconde uma dimensão revolucionária: a vontade de transformar radicalmente as
bases em que se sustenta a vida de cada um e sua relação com as outras pessoas. Por isso, os surrealistas
tiveram consciência de seu papel como grupo e de sua dimensão ética e política.

Diversas revistas e publicações difundiram a ideologia do movimento, que aparece como vanguarda conso-
lidada nos anos 1920 e 1930, quando inspira artistas de origens e aspirações variadas, ainda que alguns
nunca tenham estado vinculados formalmente ao grupo. A sobrevivência da herança surrealista no pós-
guerra também é notável.

Os dois pilares sobre os quais se apoiam as obras nascidas do Surrealismo são a negação da moral tradicio-
nal, especialmente no que se refere ao sexo e à violência (a exploração das mais reprimidas pulsões eróti-
cas constitui uma forma de liberação); e a reivindicação da dimensão irracional e instintiva da condição
humana. Essa característica herdada do Dadaísmo é, para os surrealistas, uma forma inesperada e surpre-
endente de acompanhar o fluxo do mundo. Essas características afetam a criação artística, já que a beleza
passa a ser relativa, pois não pode ser definida previamente. O belo nasce da casualidade ou do absurdo,
fruto da descoberta inesperada que se assemelha a um maravilhoso jogo.

B) Fase Automática
Originalmente, os surrealistas ficaram fascinados pelas técnicas de criação automática, sem controle da
razão, que produziam resultados intrigantes. A chamada “escrita automática” fazia aflorar imagens inespe-
radas, fruto da associação imediata de palavras díspares que emanavam um pensamento sem o controle
da mente.

Houve também desenhos automáticos, como os de André Masson (1896-1983), cujas linhas parecem fluir,
formando figuras e formas imprecisas, que não haviam sido idealizadas previamente.

O alemão Max Ernst (1891-1976), originalmente vinculado ao Dadaísmo, é o inventor da técnica conhecida
como frottage, que consiste em passar um lápis ou giz de cera por cima de papel ou tecido colocado em
cima de superfície em relevo. As marcas do relevo são assimiladas pelo suporte, e o artista completa o tra-
balho a partir dessa base sobre a qual não teve controle. Ernst também justapõe formas desconexas em
pinturas e collages. Nesse último caso, usa gravuras antigas com motivos diversos, que recorta e aplica
sobre outro papel, criando novas imagens, com inquietante efeito poético.
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C) Materialização do Sonho
Um bom número de surrealistas orientou sua criatividade para tornar nítida a visão do interior do ser hu-
mano, especialmente com a estranheza produzida pelos sonhos, tanto por seu conteúdo quanto pelas re-
lações ilógicas que se estabelecem entre os espaços e a imprecisão do significado das coisas.

As pinturas de Yves Tanguy (1900-1955) recriaram espaços visionários que parecem tanto com desertos e
oceanos quanto com lugares siderais, onde há elementos indefinidos, de caráter biomórfico, às vezes com
alusões sexuais difíceis de definir, como se fossem metafóricas imersões vindas do subconsciente.

Os quadros de Paul Delvaux (1897-1994) explicitam mais esse desejo manifestado durante o sonho. Retra-
tam um mundo dominado pela penumbra, pela arquitetura clássica e por onde figuras femininas nuas e
esqueletos vagueiam, formando uma espécie de pesadelo.

O belga René Magritte (1898-1967) explora as contradições da visão, como subversão mental daquilo que,
a princípio, devemos contemplar com determinada lógica. Suas obras são executadas com acabamento
cuidadoso, quase industrial, que objetiva enfatizar o caráter conceitual da representação.

Seja pela invenção de mundos estranhos, como na obra de Tanguy, seja por deslocamentos das relações
do mundo real, como em Magritte, o Surrealismo põe em xeque a noção de realidade.

D) Surrealismo Espanhol
Nascido em Barcelona, cidade extremamente receptiva aos movimentos de vanguarda, Joan Miró (1893-
1983) aprendeu desde jovem a interpretar os motivos figurativos de seu entorno como se fossem signos
vivos, autônomos, com universo próprio. Esses signos não remetem a uma imagem como os outros podem
vê-la. Seriam mais próximos de um jogo imaginativo, resultante de sonhos distorcidos, estilizados, como
um eco subjetivo da forma que lhes deu origem. O resultado situa-se entre a vaga referência a uma reali-
dade convertida em mágica e a mais transbordante fantasia nascida do inconsciente.

É na Paris dos anos 1920 que Miró amadurece como artista. Nessa época, ele desenvolve as bases do estilo
que o tornaria conhecido. Um exemplo dessa produção é O Carnaval de Arlequim (1924-1925). Nessa tela,
a miséria do mundo que o rodeia se transforma como que por encanto em outro universo de seres vivos e
coisas novas, maravilhosas, que flutuam por um espaço quase renascentista, que traz em si sementes de
sua obra posterior.

Miró aproxima-se da vertente mais automática do surrealismo por meio dessas formas orgânicas com vida
própria que se movem com total liberdade pelo quadro, ou através de elaborações abstratas de motivos
concretos, como lua e estrelas ou homem e mulher. Seus quadros parecem obedecer a uma criação sem
controle, como a expressão plástica de um menino ou de um homem de uma tribo primitiva, que se aluci-
na com o que o perturba. Ele associa essa criação às suas obsessões e, de vez em quando, deixa-se levar
por ela.

Salvador Dalí (1904-1989) segue o caminho surrealista da materialização figurativa do sonho como forma
de liberação de traumas. A gestação desse mecanismo foi influenciada pelas teorias psicanalíticas de Sig-
mund Freud. Dalí concebeu um método, chamado “paranoico-crítico”, que converteu em fonte inesgotável
de criação artística. Por meio desse método, descobriu as relações ocultas que, à luz de seu subconsciente,
existem entre as coisas. Seguindo essa direção, pintou associações figurativas delirantes que, em si mes-
mas, possuem grande intensidade poética.

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Graças a Gala, que seria sua companheira por toda a vida, entrou no círculo surrealista de André Breton
em 1929. Desde então, as pinturas de Dalí passaram a exibir suas patologias mais ocultas. É dessa fase a
tela O Grande Masturbador, um autorretrato em que aparece como uma figura suave que se dissolve em
resultado da ação aludida no título; de seu rosto emergem símbolos habituais de Dalí surrealista, como o
leão, que faz referências a paixões, ou o gafanhoto com formigas, que alude à ereção e à sensação de de-
sejo que o perturba. À direita, um anzol insinua a captura de Dalí por Gala. Abaixo do rosto do pintor apa-
recem dois amantes numa praia, uma paisagem severa, cristalina, típica de sua obra, e que contrasta com
a ternura com que descreve as figuras.

Na concepção de suas pinturas, de acordo com o método paranoico-crítico, Dalí utiliza o recurso da ana-
morfose, ou seja, representação de figuras que podem ser interpretadas de mais de uma maneira. Por
exemplo, em O Enigma Sem Fim (1938) é possível reconhecer imagens distintas, como um retrato que
guarda certa semelhança com o poeta Federico García Lorca, seu amigo e companheiro, debaixo de um
cachorro, alusão a Um Cão Andaluz, filme realizado com Luis Buñuel, a partir de sua influência. O quadro
pode ser interpretado como exaltação do amor de Dalí por Gala, cuja visão, à direita, paira sobre outras.

Um dos escultores mais interessantes do Surrealismo é Julio González (1876-1942), estreitamente vincula-
do a Picasso desde os anos de Barcelona. Mais tarde, ele ensinaria muitas das técnicas que Picasso, o geni-
al malaguenho, desenvolveria como escultor.

Artesão do ferro forjado e soldador da fábrica Renault em 1918, Gonzaléz aproveitou essa experiência para
realizar suas esculturas. Seu ponto de partida, como de tantos outros, é a ideia do Cubismo Sintético que
ele aplica ao ferro forjado. Mas a sua obra madura deve ser compreendida como fantasia do Surrealismo:
ele utiliza elementos filiformes e orgânicos, com referências religiosas, como o Picasso dos anos 1930.

Suas peças são agressivas, quase brutais, sem estilizações decorativas, com uma força estranha: como ou-
tros surrealistas, ele nos convence de que seu mundo existe, mas nos inquieta ao evocar uma ameaça des-
conhecida.

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Cápítulo 33 – Esculturá Vánguárdistá
A experiência artística das vanguardas leva a uma expressão plástica nova: a ruptura com as tradicionais
diferenças entre pintura e escultura. As transformações conceituais provocam grande impacto sobre a es-
cultura como atividade artística.

A) Cubismo
A primeira grande revolução conceitual da escultura no século XX está ligada às transformações estéticas
causadas pelo Cubismo, como a valorização da luz, do espaço e do volume como qualidades da represen-
tação, assim como o uso da textura como referência real das coisas. O manejo desses aspectos como valo-
res próprios da escultura como arte foi usado como fonte de inspiração por muitos escultores.

Picasso realiza experimentações muito importantes. Primeiro, transfere a decomposição de planos propos-
ta pelo Cubismo Analítico para a escultura; mais tarde, aplica a técnica da collage à construção de objetos.

As versões mais próximas da pintura cubista no campo da escultura foram realizadas por Henri Laurens
(1885-1954), que recorre à sobreposição de planos, e Jacques Lipchitz (1891-1973), cujas esculturas são
formadas às bases de volumes geometrizados, que criam grande massa monumental. Também são influ-
enciados pelo Cubismo as incursões na escultura do futurista Boccioni, ainda que seu objetivo maior fosse
a expressão do dinamismo e movimento.

B) Construtivismo Russo
A contribuição dos construtivistas russos para o campo da escultura foi decisiva. O Construtivismo maneja
volumes geométricos em um processo rigoroso de depuração matemático-científico das formas. É uma
arte não objetiva, isto é, não possui referências concretas e nasce da lógica do próprio material e sua for-
ma.

Vladimir Tatlin (1885-1953), autor do projeto para o Monumento à 3º Internacional, e Alexandre Rodt-
chenko (1881-1956) utilizaram espirais, paralelepípedos, retas e curvas, criando oposição entre massa e
vazio, e peças abstratas que simbolizam os êxitos de uma nova era.

São herdeiros desse processo Naum Gabo (1890-1977) e Antoine Pevsner (1886-1962), que continuaram
explorando a essência espacial da escultura que se constrói a partir da qualidade física, transparente ou
flutuante dos materiais empregados.

C) Surrealismo
O suíço Alberto Giacometti (1901-1966) pertenceu ao grupo surrealista francês e realizou “construções”
orgânicas filiformes, que fazem alusões a obsessões do subconsciente. Apesar disso, suas obras mais co-
nhecidas são as do pós-guerra, quando não está mais filiado a nenhum grupo e cria figuras humanas alon-
gadas, que parecem ter iniciado um ininterrupto processo de desintegração das formas, reflexo da angús-
tia existencial da segunda metade do século XX.

As obras de Alexander Calder (1898-1976) também têm um componente surrealista. Conhecidas como
móbiles, são, na maioria absoluta das vezes, peças formadas por vários componentes que pendem do teto
a partir de um fio. O movimento das peças é orientado pelo acaso, já que elas se movem de acordo com o

133
vento e as condições do lugar onde estão instaladas. A mudança de posição dos componentes é um estí-
mulo à imaginação e rompe os limites da escultura tradicional.

Traços surrealistas também sobrevivem na obra do britânico Henry Moore (1898-1986), muito popular no
pós-guerra. Suas peças retratam figuras humanas muito estilizadas, próximas à abstração orgânica.

D) Brancusi
Um dos escultores com mais personalidade na primeira metade do século XX foi o romeno Constantin
Brancusi (1876-1957), cuja obra artística é difícil de ser circunscrita em um dos movimentos de vanguarda,
mas impossível de ser compreendida sem leva-los em conta.

Apesar da absorção dos novos conceitos, Brancusi também foi artesão à moda antiga, que entalhava amo-
rosamente a madeira e polia a pedra com primor. Também conservou dois dos princípios característicos do
século XX: de um lado, a incomensurável força do arcaico; do outro, a mais refinada estilização formal.

Em suas obras dos anos 1930 é possível notar a preferência por formas orgânicas arredondadas, próximas
da abstração, em que joga com valores táteis, próximos ao Surrealismo.

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Cápítulo 34 – Modernismo Brásileiro
O movimento teve início quase cinco anos antes da Semana de Arte Moderna, com uma exposição de Ani-
ta Malfatti, que conhecera a arte de vanguarda na Europa e nos Estados Unidos. Depois de 1922, tornou-se
fonte de várias tendências.

A) Início
Embora associado à Semana de Arte Moderna de 1922, o Modernismo no Brasil data de 1917. Em dezem-
bro desse ano, era inaugurada em São Paulo uma polêmica exposição expressionista da jovem Anita Mal-
fatti (1889-1964). Anita dedicara-se à pintura desde que aprendeu a usar a mão esquerda, depois de ter
operado a direita deformada, aos 3 anos. A primeira professora foi a mãe. Mais tarde, financiada por um
tio, foi para Berlim, onde viveria de 1910 a 1914. Na Alemanha, entrou em contato com o expressionismo,
então no auge.

Com o início da guerra na Europa, Anita mudou-se em 1915 para Nova York, onde teve mais contato com a
arte contemporânea. Por quase dois anos, conviveu com artistas de vanguarda, como Duchamp. Em 1916
desembarcou no Brasil com a bagagem dessas duas estadas. O descompasso com o público no Brasil ficaria
evidente na exposição do ano seguinte. As figuras distorcidas e as cores carregadas em quadros como A
Mulher de Cabelos Verdes e O Japonês provocaram impacto.

Entre os críticos destacou-se o escritor Monteiro Lobato, adepto da arte naturalista. Ele publicou um artigo
violento qualificando a arte de Anita de “anormal ou teratológica”.

Oswald de Andrade (1890-1954) defendeu a pintora e a polêmica ajudou a fixar a exposição como “o esto-
pim do Modernismo”, na expressão de Mário da Silva Brito, um dos maiores historiadores do movimento.
As fortes críticas, no entanto, a fizeram recuar do ousado projeto estético. Anita ainda participaria da Se-
mana de Arte Moderna, mas os modernistas aos poucos foram se afastando dela.

Alguns críticos consideram o russo naturalizado brasileiro Lasar Segall (1891-1957) como precursor do Mo-
dernismo, por uma razão cronológica: sua primeira exposição no Brasil, também de caráter expressionista,
foi realizada em 1913. Mário de Andrade (1893-1945), porém, argumenta que o evento não tivera o mes-
mo impacto. “Foi ela, foram os seus quadros, que nos deram uma primeira consciência de revolta e de co-
letividade em luta pela modernização das artes brasileiras”, afirmou Mário de Andrade.

B) Semana de Arte Moderna de 1922


A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um divisor de águas. Resultou da convergência de várias estéticas
e dela emergiram outras tantas.

Em 1920, o escritor Oswald de Andrade lamentava o estado de indigência das artes no Brasil e defendia
que a efeméride do centenário da Independência, em 1922, fosse comemorada como “independência
mental e moral”.

A ideia vinha desde a década anterior. Em 1912, o próprio Oswald faria a primeira viagem à Europa, onde
conheceria o Manifesto Futurista, do escritor ítalo-francês Fillipo Marinetti. O texto aparece três anos an-
tes, mas ainda influenciava a vanguarda europeia. O Futurismo defendia uma arte que captasse o impacto
das novas tecnologias do cotidiano.

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Para Oswald, o movimento vinha ao encontro de suas inquietações estéticas. Ele, Mário de Andrade e Ani-
ta Malfatti formaram o núcleo principal do movimento modernista. Mais tarde, com a pintora Tarsila do
Amaral (1886-1973) e o poeta Menotti del Picchia (1892-1988), formariam o conhecido Grupo dos Cinco.

Nas artes plásticas, ao lado de Anita, a musa da Semana, um dos maiores articuladores foi Emiliano Di Ca-
valcanti (1897-1976). Ele não apenas criou o cartaz oficial do evento, como expôs 12 obras. Nascido no Rio
de Janeiro, fez a ponte entre os modernistas cariocas e paulistas.

Depois do evento de 1922, Di Cavalcanti viajou para a Europa, onde conviveu com artistas de vanguarda,
como Picasso, Léger, Braque, Matisse e De Chirico. É dessa época o interesse pelas mulatas brasileiras, que
marcaria sua obra. No final dos anos 1920, Di Cavalcanti filiou-se ao Partido Comunista e chegou a ser pre-
so duas vezes. No final dos anos 1940, numa célebre conferência no Museu de Arte Moderna de São Paulo,
mudou de posição, criticou a arte abstrata e defendeu a arte realista e social.

A Semana de Arte Moderna teve também música e literatura. Na música, a grande estrela foi Heitor Villa-
Lobos (1887-1959). Na poesia, além dos Andrades (que não eram parentes), havia Manuel Bandeira (1886-
1968), que já publicara Carnaval, marco renovador na literatura nacional.

Os barões do café financiaram o evento. O dinheiro veio a reboque do entusiasmo intelectual Paulo Prado
(1869-1943) com o Modernismo. Herdeiro de uma das famílias mais ricas de São Paulo, tinha entre seus
negócios fazendas de café, ferrovias e bancos. Por sua influência foi cedido o Teatro Municipal. Sob sua
liderança, os cafeicultores financiaram a Semana, que teve também apoio oficial do governo de São Paulo,
inclusive do Correio Paulistano, jornal do Partido Republicano Paulista.

Com eventos nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, a Semana consistiu em apresentações que intercalavam
conferências, exposições, concertos e leituras de obras. Foram principalmente estas que provocaram as
previsíveis vaias. Havia muita incompreensão do público, a começar pelo rótulo “futurista”, que, embora
impróprio, os modernistas aceitaram para potencializar o impacto do movimento.

O legado mais importante dos modernistas é ter colocado a cultura brasileira na pauta de debates. Para
eles, a arte deveria refletir nossa condição de país americano, tropical, subdesenvolvido e, ao mesmo tem-
po, engajar-se nas discussões de vanguarda, adotando procedimentos modernos e internacionais como o
Cubismo e o Expressionismo.

C) Fotografia
Mário de Andrade é considerado o pai do Modernismo no Brasil. Ele atuou em praticamente todos os
campos: poesia, prosa, crônica e música. Uma de suas facetas é a de fotógrafo, atividade à qual se dedicou
depois da Semana de Arte Moderna, entre 1923 e 1931. Fiel ao espírito modernista, chamava sua máquina
de forma abrasileirada – Codaque. Com ela, viajou para o Norte em 1927, de onde tirou matéria-prima
para o livro O Turista Aprendiz.

Outro nome importante da fotografia a partir da primeira metade do século XX é o do franco-brasileiro


Pierre Verger (1902-1996). Etnólogo e estudioso das religiões africanas no Brasil, Verger fixou-se em Salva-
dor e continuou fotografando até o início dos anos 1970. Na Fundação Pierre Verger, em Salvador, há mais
de 60 mil fotografias e negativos.

D) Tarsila do Amaral

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Nascida em Capivari, no interior de São Paulo, Tarsila do Amaral (1886-1973) iniciou o aprendizado de ar-
tes plásticas apenas aos 30 anos. Não participou da Semana de Arte Moderna, pois estava em Paris, onde
continuou os estudos e chegou a participar de uma exposição do Salão dos Artistas Franceses. Na volta ao
Brasil, em junho de 1922, entrou em contato com os modernistas.

Sua primeira fase, a partir de 1924, é conhecida como “pau-Brasil”, marcada pela geometrização cubista.
Nesse ano, foi influenciada por uma viagem às cidades históricas de Minas Gerais junto com um grupo mo-
dernista. Tarsila disse ter encontrado em Minas as cores que gostava quando criança, embora tenham lhe
ensinado que eram feias e caipiras: “Vinguei-me da opressão, passando-as para minhas telas: azul puríssi-
mo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante, tudo em gradações mais ou menos fortes”. A partir daí
seu estilo foi totalmente nacional. O nome “pau-Brasil” ela tirou de um livro de Oswald de Andrade, que
ilustrou.

Tarsila e Oswald casaram-se em 1926. Dois anos depois, ela lhe deu de presente de aniversário um quadro
chamado Abaporu, que significa em língua indígena “antropófago”. Oswald ficou tão impressionado com a
tela que, a partir dela, criou toda uma teoria de antropofagia cultural, lançada em 1928.

José Roberto Teixeira Leite, em Dicionário Crítico da Pintura no Brasil, aponta as características da pintura
antropofágica: “Gigantismo, violenta deformação, pureza cromática, redução da palheta a alguns tons es-
senciais, despojamento da composição, por um lado, e por outro apelo ao fantástico, ao mágico e ao oníri-
co”. Essa fase de Tarsila, no entanto, durou apenas de 1928 a 1929. Nos anos 1930, ela pintou temas soci-
ais, como Operários (1933).

Sua contribuição maior foi ter ajudado a compreender o repertório visual popular, além de ter incorporado
estas formas na cultura modernista, ao fundir, em suas pinturas, o Brasil arcaico com formas modernas e
de vanguarda.

E) São Paulo
O Modernismo dos anos 1920 teve o epicentro em São Paulo. Na escultura, o maior destaque foi Victor
Brecheret (1894-1955). O artista estudou em Roma, voltou a São Paulo em 1919, e logo em seguida foi
descoberto pelos modernistas. Brecheret teve suas obras expostas na Semana de Arte Moderna, embora
na época estivesse em Paris como bolsista do governo de São Paulo. Suas esculturas são caracterizadas
pela linearidade e pelo despojamento. Uma de suas obras mais conhecidas é o Monumento às Bandeiras,
instalado no parque do Ibirapuera, em São Paulo.

Flávio de Carvalho (1899-1973), embora nascido em Barra Mansa, no Rio de Janeiro, fixou-se em São Paulo
a partir de 1922 e foi aí que se tornou um dos pioneiros da arquitetura moderna no Brasil. Também escul-
tor e pintor, liderou grupos de vanguarda nos anos 1930, como o Clube dos Artistas Modernos (CAM).

F) Rio de Janeiro
Embora São Paulo tenha sediado a Semana e atraído muitos artistas, no Rio de Janeiro também atuaram
vários modernistas. Embora nascido em Belém, no Pará, Ismael Nery (1900-1934) morou desde criança no
Rio. Depois de passar um período na Europa, tornou-se precursor do surrealismo no Brasil. Suas obras in-
fluenciam Di Cavalcanti, mas só seriam valorizadas postumamente.

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Cícero Dias (1907-2003), outro modernista, deixou cedo Jundiá, em Pernambuco, fixando-se no Rio. Nos
anos 1930, passou a residir em Paris e interessou-se pelo surrealismo. A partir de 1945, tornou-se pioneiro
da arte abstrata no Brasil. Nos anos 1960, voltou à pintura figurativa.

Nascido em Nova Friburgo, Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) estudou na Alemanha e voltou ao Brasil
em 1929. Paisagista, tinha sensibilidade moderna, mas nunca foi um iconoclasta.

O gravador e desenhista Oswaldo Goeldi (1895-1961) nasceu no Rio e estudou na Suíça. Influenciado por
Edvard Munch, é considerado o pioneiro do Expressionismo no Brasil.

G) Muralismo
O muralismo teve grande desenvolvimento no México, na primeira metade do século XX. Com forte senti-
do político e social, o muralismo encontrou ambiente propício depois da Revolução Mexicana (1910-1920).
Os murais em geral narram a história do país e os feitos do povo. No México um dos expoentes do mura-
lismo foi Diego Rivera (1886-1957). Para ele, os grandes murais eram um meio de luta contra a opressão.

Rivera passou uma temporada na Europa e absorveu a arte de vanguarda lá produzida, sobretudo o Ex-
pressionismo alemão, que ele mesclou com influências da arte russa.

Os outros dois grandes nomes do muralismo mexicano são José Clemente Orozco (1883-1949), influencia-
do pela arte americana, e David Siqueiros (1896-1974), que se inspirou no Surrealismo.

No Brasil, o muralismo mexicano teve influência sobre o trabalho de Di Cavalcanti e Cândido Portinari
(1903-1962). Filho de imigrantes italianos, Portinari nasceu em Browdoski, no interior de São Paulo, e mu-
dou-se para o Rio, onde estudou pintura. Nos anos 1930 ele passaria a pintar murais. Seus temas são soci-
ais e sua abordagem cobre amplo espectro da história da arte, indo da pintura renascentista (observada na
perspectiva) ao Cubismo (na geometrização das formas). Uma das obras mais conhecidas de Portinari,
Guerra e Paz, é composta por dois painéis de 14 metros por 10, que estão expostos na sede da ONU, em
Nova York.

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Cápítulo 35 – Arquiteturá Moderná
O movimento moderno supõe um novo modo de conceber a arquitetura, a partir da incorporação de novas
técnicas. Os avanços técnicos tão presentes na nova arquitetura permitiram aos engenheiros exercer um
papel muito importante.

A) Modernismo
Entre as metades dos séculos XIX e XX percorre-se um caminho de experiências arquitetônicas tão diversas
entre si e que culminam no chamado movimento moderno. Trata-se de um novo modo de conceber a ar-
quitetura, baseado, em primeiro lugar, na incorporação de todo tipo de materiais e novidades técnicas. As
consequências fundamentais são o emprego da estrutura armada que, independente das paredes da edifi-
cação, possibilita a chamada “planta-livre” e a valorização plástica de elementos que intervêm na constru-
ção. Em segundo lugar, o movimento moderno reivindica a função como o problema essencial da arquite-
tura, isto é, a razão de ser de determinado espaço, o que proporciona a essa atividade uma até então des-
conhecida dimensão social de caráter utilitário. Em terceiro lugar, os arquitetos do movimento moderno
concebem os edifícios em termos abstratos, de massas, volumes, espaços e superfícies, o que os leva a
prescindir de toda forma de decoração e ornamentação, por acreditar que não fazem parte da essência
arquitetônica.

Mas esse caminho estava cruzado por ampla gama de alternativas estilísticas, com personalidade própria,
que só na atualidade podem ser compreendidas como marcos de um processo evolutivo. Na verdade, cada
uma dessas alternativas – desde o ecletismo, baseado em elementos históricos, até as soluções modernis-
tas mais próximas às vanguardas pictóricas – constitui modelos arquitetônicos perfeitamente coerentes
em si mesmos, que trataram de dar soluções originais às necessidades construtivas do mundo contempo-
râneo.

Durante a segunda metade do século XIX, grande parte do debate arquitetônico era sobre a conveniência
de se imitar um ou outro estilo do passado. A escolha ocorria segundo a função do edifício e sua localiza-
ção. Assim, para as igrejas se preferia, por exemplo, o gótico, mas as construções oficiais erguiam-se em
estilos classiscistas. Considerava-se, portanto, que cada uso estava condicionado a um estilo histórico.
Além disso, determinadas formas artísticas associavam-se com um país, cedendo lugar aos supostos “esti-
los nacionais”.

B) Avanços Técnicos
Ao longo da história, o avanço tecnológico sempre foi importante para a arquitetura, pois permitia a apli-
cação de certas técnicas. Mas nenhum outro período se comparou à Revolução Industrial, cujos avanços
tecnológicos levaram a importantes transformações no modo de conceber a arquitetura.

O desenvolvimento da indústria metalúrgica tornou possível a criação de elementos de sustentação menos


volumosos que a pedra e muito mais resistentes que a madeira. A arquitetura não tardou em se apropriar
desses elementos, e a construção com metal permitiu rapidamente a execução de obras antes considera-
das impensáveis, como os arranha-céus.

C) Arquitetura em Ferro

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O ferro já era utilizado como material auxiliar da construção, mas alcançou seu auge quando surgiu a pos-
sibilidade de se fabricar em série peças de ferro fundido que podiam ser transportadas e montadas de mo-
do rápido e fácil. O desenho era realizado por engenheiros, como se seu emprego fosse uma concessão
utilitária e sem a beleza da arquitetura, que devia ser histórica e ter um estilo.

Primeiramente utilizado em pontes, o ferro ganhou popularidade graças aos pavilhões das exposições uni-
versais, tais como o Palácio de Cristal de Joseph Paxton (1803-1865), na Londres de 1851, ou a Galeria das
Máquinas de Ferdinand Dutert (1845-1906) e Victor Contamin (1840-1893), na Paris de 1889. Nessa ocasi-
ão ergueu-se a Torre Eiffel, concebida pelo engenheiro Gustave Eiffel (1832-1923) como um gigantesco
monumento ao êxitos da civilização, uma ostentação inusitada da estrutura e do material como parte fun-
damental de uma nova ideia de arquitetura.

O ferro foi utilizado também em outros tipos de edifícios, como a sala de leitura da Biblioteca Nacional
(1862), em Paris, obra de Henri Labrouste (1801-1875), acomodando-se próximo a formas históricas, o que
gerou um espaço diáfano.

D) Ecletismo
Além de ecletismo de caráter historicista, fundamentado no conhecimento do passado, os edifícios cons-
truídos durante a expansão das cidades europeias e americanas na virada do século XIX para o XX utiliza-
vam de maneira arbitrária, ao capricho do arquiteto, elementos formais dos estilos do passado, tais como
colunas, pilares, arcos e frontões. Isso era claro sobretudo no que diz respeito ao tamanho e à combinação
desses motivos: um dos melhores exemplos é o Ópera de Paris (1861-1874), de Charles Garnier (1825-
1898), que constitui modelo amplamente imitado por toda a arquitetura oficial e representativa, como no
Theatro Municipal do Rio de Janeiro, projeto de Francisco de Oliveira Passos (1836-1913) em colaboração
com Albert Guilbert (1895-1958), inaugurado em 1909.

Na corrente eclética é possível perceber certa dualidade estética entre os desejos de esplendor e luxo da
burguesia, visíveis nos edifícios mais representativos de cada cidade ou de diversas instituições. A partir
deles será oferecida ao mesmo tempo uma imagem monumental que se apoia esteticamente na história,
mas também na utilização de novos materiais, como o ferro, às novas necessidades arquitetônicas, cujas
estruturas eram idealizadas por engenheiros e, depois, “embelezadas” por arquitetos. Talvez sejam as es-
tações ferroviárias, além dos grandes armazéns e galerias comerciais, os “templos modernos” em que se
pode analisar melhor essa coexistência.

E) Escola de Chicago
No ano de 1871, período de auge econômico, Chicago sofreu um incêndio que a destruiu. Foi nesse mo-
mento que surgiram as condições para o aparecimento de um novo tipo de edifício, o arranha-céu. Tais
condições foram as seguintes:

• A especulação imobiliária, que animava os proprietários a conseguir a máxima rentabilidade;


• A sensibilidade americana, mais aberta às novidades que a europeia, podendo-se tanto utilizar ale-
atoriamente os elementos históricos quanto evita-los;
• O aperfeiçoamento do elevador;
• A aplicação de estruturas metálicas internas que, pela primeira vez, permitiam superpor espaços
iguais, mais tarde decorados com a discrição, o que inicia o desaparecimento da alvenaria autopor-
tante que havia sido, até então, a base da arquitetura.

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Assim nasce a chamada Escola de Chicago, cuja figura mais importante foi Louis Sullivan (1856-1924), au-
tor, entre outros, do Auditório de Chicago; articulado externamente com referências históricas, o edifício
usava uma estrutura modular.

F) Protorracionalista
Uma das propostas protorracionalistas é a de uma arquitetura sem ornamentação, que aspira a resolver
com simplicidade os problemas do espaço, a partir de formas geométricas elementares. Essas experiências
opõem a razão objetiva à emotividade que havia sobrevivido na arquitetura modernista. Sublinhada a con-
cepção racional dos edifícios, tem-se uma das bases do movimento moderno que, sem dúvida, anuncia-se.

Um dos propulsores dessa alternativa, formado na Secessão Vienense que já apontava nessa direção, foi
Adolf Loos (1870-1933). Em seu manifesto Ornamento e Crime (1908), faz uma defesa moral da necessida-
de de suprimir a ornamentação aplicada aos edifícios, que não considerava parte integrante da verdadeira
ideia de arquitetura.

Outro testemunho importantíssimo se produz na Alemanha. Ali é fundada, em 1907, a Deustche Werk-
bund, ou Associação Alemã do Trabalho, formada por artistas independentes e empresas industriais, cuja
finalidade era a fabricação de objetos de qualidade, em série e baseada em desenhos de modelos próprios.
Esse conceito abstrato da criação também podia aplicar-se à arquitetura: assim, a tarefa de construir se
empenhou em criar soluções para problemas universais, o que dignificava as exigências da indústria.

O principal arquiteto formado nesses princípios foi Peter Behrens (1868-1940), autor da fábrica de turbinas
AEG (1908-1909), em Berlim, onde, sem renunciar à funcionalidade, enobrece a forma do galpão a partir
da estilização que remete a formas clássicas: combina-se, assim, a solenidade monumental com o sentido
prático.

Um de seus discípulos foi Walter Gropius (1883-1969), autor da fábrica Fagus (1910-1914), onde o vidro é
utilizado para conformar uma fachada flutuante, que traduz uma estrutura aberta, sem suportes de esqui-
na. Trata-se de modelo original e surpreendente, que mais tarde terá oportunidade de desenvolver-se.

Na França, também se produziram avanços importantes, sobretudo técnicos, como o aperfeiçoamento do


concreto armado, cujas possibilidades plásticas e de resistência foram aproveitadas por arquitetos como
Auguste Perret (1874-1954).

G) Futurismo e Expressionismo
Como exaltação do maquinismo presente na nova civilização, uma cidade de arranha-céus é descrita no
manifesto da arquitetura futurista de Antonio Sant’Ellia (1888-1936). Suas formas geométricas contribuem
para maior sensação de impulso ascendente, assim como suas avenidas em diversos níveis e seus elevado-
res aparentes. Ainda que a proposta não tenha ultrapassado o terreno da utopia, o imaginário coletivo da
metrópole do século XX nutriu-se dessas ideias, servindo de inspiração, inclusive, para clássicos do cinema,
como Metrópolis (1927), de Fritz Lang.

O Expressionismo teve maiores consequências, apesar de poucos edifícios terem sido construídos. Um de-
les é a Torre Einstein (1917-1921), obra de Erich Mendelsohn (1887-1953). Foram numerosos os projetos
em que se pode perceber entusiasmo pelas construções cristalinas ou pelo sentido orgânico do volume,
interpretado em sentido escultórico, e da superfície que o envolve. Também se valorizava a intensidade
ameaçadora dos blocos, a partir de contrastes bruscos entre a massa arquitetônica e o vazio dos vãos, que

141
geram dramático diálogo entre luz e sombra, ou por meio de violentos ângulos agudos, que parecem ir-
romper no espaço. Todos esses “encontros plásticos” estarão ocasionalmente presentes na arquitetura
posterior.

H) Art Déco
Em 1925 aconteceu em Paris a Exposição de Artes Decorativas, que serviu para dar nome a um estilo. O Art
Déco constitui nova forma de ecletismo, que se nutre de elementos diversos, desde a Secessão de um mo-
dernismo estilizado às misturas mais ou menos vanguardistas, sempre dentro de um decorativismo geo-
metrizante, pouco inovador no que diz respeito a soluções que transformem o espaço arquitetônico.

É curioso observar que enquanto na Europa tem-se a difusão do Art Déco como estilo de época, coexistin-
do com enriquecedoras experiências de vanguarda, nos Estados Unidos ele aparece sem dúvida como cor-
rente dominante, identificada pelos arranha-céus e pelas formas modernas de vida. O edifício Chrysler
(1928-1930) constitui autêntico emblema da pujante prosperidade americana dos “felizes anos 1920”.

Ele, como outros edifícios, marca a silhueta de Nova York com sua geometrização decorativa.

I) Estilo Internacional
O chamado “estilo internacional” caracteriza-se pelos seguintes princípios:

• A consciência moral de que, por conta dos imperativos econômicos, deve construir-se de modo
mais simples e não por posições estilísticas como no século XIX;
• A ideia de que a arquitetura é, antes de tudo, um volume definido por uma estrutura interna que se
encerra em termos vertical e horizontal, o que praticamente implica a cobertura plana e a suspen-
são por cima do terreno;
• O revestimento atua como uma pele, de modo que as paredes são destituídas de qualquer função
estrutural;
• Os edifícios ordenam-se a partir da modulação de medidas proporcionais que se aplicam nas três
dimensões do espaço, e não a partir de eixos de simetria;
• Abdica-se de qualquer ornamentação, considerada como algo que não pertence à arquitetura;
• Concebe-se o exercício da arquitetura como tarefa técnica;
• O uso da planta-livre nas edificações, que não está condicionada a protótipos, sendo ajustada à
função a que se destina;
• O volume de um edifício é gerado pelo desenvolvimento espacial que nasce de dentro para fora, de
modo que sua forma não está determinada por nenhuma estrutura urbanística prévia.

J) Neoplasticismo e Construtivismo
Tanto o Neoplasticismo, na Holanda, como o Construtivismo, na Rússia, concebeu a criação como um sen-
tido totalizante, já que se considerava que os princípios que regem as artes plásticas poderiam ser aplica-
dos na arquitetura.

As experiências neoplasticistas materializaram-se na arquitetura por meio da obra de Theo van Doesburg
(1883-1931), pintor e arquiteto, alma e teórico do grupo formado em torno da revista De Stijl. Um dos
membros mais destacados foi Gerrit Rietveld (1888-1964).

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K) Bauhaus
A Bauhaus foi uma escola de desenho e arquitetura criada em 1919, em Weimar, por Walter Gropius
(1883-1969), que havia flertado com o Expressionismo e era partidário da arte abstrata. Em 1925 foi trans-
ferida para Dessau, outra cidade alemã. O novo edifício da Bauhaus, projetado por seu fundador, é sua
obra mais emblemática, mas foi fechado em 1933 pelos nazistas, que acusaram de arte degenerada toda e
qualquer vanguarda alemã.

O primeiro manifesto da Bauhaus, de 1919, destaca a “unidade entre as artes figurativas sob a primazia da
arquitetura” e a “necessária relação do artista com as atividades artesanais”. A aplicação de um desenho
sem ornamentos, baseados na função que os objetos têm de cumprir, rompeu com a tradicional dissocia-
ção entre a criação individual mecânica e a fabricação industrial em série como algo distante da beleza
artística.

Ainda que a Bauhaus tenha passado por diversas fases, com diferentes orientações em seu programa do-
cente, sua principal preocupação foi promover a união de arte e técnica na concepção de um desenho ra-
cional de objetos belos e úteis. Para isso, antes de tudo considerava a função como condicionante essenci-
al da forma (funcionalismo) e adotava, em particular, o estudo dos materiais como forma para se adaptar à
produção industrial.

Na arquitetura, esse sentido prático associa-se a volumes ortogonais, e o que é desnecessário é suprimido.
O edifício da Bauhaus (1925-1926), em Dessau, Alemanha, desdobra-se em vários volumes, independentes
segundo sua função. O volume central é elevado e, como se não possuísse peso algum, responde à ideia de
circulação em diferentes níveis, com muitos acabamentos em vidro.

Após o fechamento da Bauhaus, um dos grandes mestres do movimento moderno, Ludwig Mies van der
Rohe (1886-1969), emigrou para os Estados Unidos, onde no pós-guerra alcançou renome internacional.
Em sua obra anterior se reconhece o estilo característico, neutro e contínuo, limitado por planos, como no
pavilhão alemão da Exposição Universal de Barcelona (1929).

Nos Estados Unidos, onde realizou importante obra, interessa-se por estruturas ortogonais que se tradu-
zem no exterior dos edifícios como grande esqueleto, com acabamento em vidro. Dessa forma, permite o
uso livre do espaço criado, como no chamado Crown Hall (1950-1956), do Instituto de Tecnologia de Illi-
nois, em Chicago, ou na nítida e depurada geometria do edifício Seagram (1954-1958), em Nova York, mo-
delo reproduzido em outras cidades, como Chicago.

L) Le Corbusier
Nascido na Suíça, Charles Édouard Jeanneret (1887-1965), conhecido como Le Corbusier, mudou-se para
Paris aos 29 anos, onde entrou em contato com os circuitos da vanguarda cubista. É, provavelmente, o
arquiteto mais singular do movimento moderno, o que supõe reconhecer sua condição de gênio excepcio-
nal, cujo pensamento é um dos mais influentes, debatidos e respeitados do século XX, mesmo que alguns
dos princípios da nova arquitetura, que contribuiu para definir, tenham sido postos em dúvida.

Seu livro Por uma Arquitetura (1923) e seus numerosos artigos o converteram em um visionário da revolu-
ção construtiva e urbanística que viria. Nesse sentido, os ensinamentos de Le Corbusier são muito mais
importantes que suas obras. Le Corbusier propôs aproveitar a imparcialidade e efetividade do desenho
industrial: valorizava a engenharia das máquinas, sem renunciar o profundo sentido poético que possuem

143
em si mesmas. Suas formas eram criadas a partir da simplicidade dos volumes, de sua adaptação funcional
e da sinceridade no uso dos materiais.

Passional, Le Corbusier pretendia resolver as necessidades de um novo mundo, por meio de simbolismo
também novo, que alude aos inventos que haviam transformado a vida da humanidade, como os barcos,
os aviões e os carros. A tarefa de construir é comparável à de montar uma máquina cada vez mais perfeita,
que incorpore todos os avanços técnicos, uma “máquina de morar” posta em prática na obra mais emble-
mática dessa nova arquitetura, a Villa Savoye, residência nos arredores de Paris que estabelece relação
contemplativa com o entorno.

Ainda que Le Corbusier tenha realizado diversos projetos antes da Segunda Guerra Mundial, suas constru-
ções mais famosas pertencem ao pós-guerra. É o caso da Unidade de Habitação de Marselha (1945-1952),
concebida como um grande edifício para uso coletivo, cujos elementos de concreto são aparentes, e nos
quais o arquiteto aplicou o sistema de proporções de sua invenção chamada Modulor. Essa construção
continha todas as dependências necessárias para resolver os problemas da comunidade. Pouco depois, o
arquiteto desenha a Capela de Nôtre Dame du Haut, em Ronchamp (1950-1955), de forte sentido escultó-
rico, onde desenvolverá todas as possibilidades expressivas do concreto armado. E, por último, o projeto
da cidade de Chandigarth, na Índia, e seus edifícios principais.

M) Organicismo
O americano Frank Lloyd Wright (1869-1959) foi um arquiteto independente que desde muito cedo fez
propostas inovadoras que coexistiam com a enorme difusão que o art déco alcançou nos Estados Unidos. A
obra de Wright é uma interpretação orgânica do movimento moderno.

Os elementos mais característicos de sua arquitetura são a simetria dos volumes, que parecem “crescer”
segundo as necessidades, e a ausência de fachadas, ou melhor, de planos que limitem o espaço. O edifício
é concebido como expansão a partir de um eixo, seja em terraços, seja em superfícies contínuas.

É do período entreguerras a Casa Kauffman, mais conhecida como a Casa da Cascata (1934-1937), conce-
bida como superposição de níveis salientes, que parecem ter crescido de um tronco, em meio a paisagem
privilegiada. Essa disposição permite ao usuário absoluta intimidade e respeito ao exterior que, sem dúvi-
da, pode contemplar sem interrupções. Como em outras construções, Wright utiliza o apelo rústico, em
combinação com texturas e cores, o que confere expressividade à sua arquitetura.

Da mesma forma que Mies van der Rohe e Le Corbusier – que junto com ele formam a trindade dos gran-
des mestres triunfantes do pós-guerra –, Wright realiza várias obras singulares. As mais importantes são: o
Museu Guggenheim de Nova York (1944-1959), cujo espaço é determinado por uma rampa em espiral que
os visitantes devem descer suavemente enquanto contemplam as obras; e a torre dos laboratórios John-
son Wax (1944-1950), com uma grande estrutura central da qual saem os pavimentos.

Cinco pontos constituem a síntese de suas propostas:

• A construção fica suspensa no ar sobre pilotis, dispostos em distâncias regulares;


• Os terraços planos desdobram-se em jardins, com flores, árvores e gramados;
• A planta é um espaço livre, pois, se as paredes não são autoportantes, não dependem umas das ou-
tras;
• Os panos de vidro, isto é, o uso sequencial de vidros, dispõem-se ao longo do espaço horizontal-
mente e sem interrupções, para facilitar a iluminação uniforme;
144
• A fachada possui concepção livre, atuando como membrana que cobre o exterior, pois os pilares
que sustentam a estrutura dividem entre si o peso da edificação.

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Cápítulo 36 – Art Nouveau
Desenvolvida por volta de 1900, a Art Nouveau foi um movimento que pretendeu a revolução completa
das artes, em especial da arquitetura e das artes aplicadas, incluindo o desenho gráfico.

A) Características
A Art Nouveau pode ser identificada por meio de características básicas: de um lado, certa preferência pela
ornamentação curvilínea, de caráter naturalista; de outro, pelo refinamento no emprego de todo tipo de
materiais, inclusive o ferro, mas trabalhados artesanalmente e aproveitando todas as suas possibilidades
plásticas, como cor e textura.

Mesmo que se sustente em atitude de aberto repúdio aos modelos históricos dominantes, e que, por isso,
marque uma ruptura com o passado, a Art Nouveau é inseparável das preocupações burguesas em criar
beleza em um mundo industrializado, resultado de sua aceitação radical aos novos materiais e às novas
necessidades.

Suas distintas denominações ilustram sobre a imagem externa que oferecia: art nouveau (arte nova, em
francês); stile floreale (estilo floreado, em italiano); jugendstil (estilo jovem, em alemão); e o modern style
(estilo moderno, em inglês).

B) Formas Curvilíneas
Na Bélgica e na França, a Art Nouveau apresenta preferência pelas formas ondulantes, que em algumas
ocasiões sugerem tensão linear semelhante a um golpe de chicote ou a talos vegetais. Isso proporciona às
construções dimensão orgânica, vital, que parece obedecer a uma concepção global da criação autêntica,
como se procedesse de um mesmo impulso que se estende por toda parte.

Na Bélgica, tem destaque o arquiteto Victor Horta (1861-1947). Tendo começado como assistente do pro-
fessor Alphonse Balat (1818-1895), em 1886, passa a trabalhar sozinho em projetos de pequenos edifícios.
Sete anos depois criou sua primeira grande obra, a chamada casa Tassel, em Bruxelas. Nela ganham forma
as características da Art Nouveau, nas quais a riqueza decorativa se conjugava com uma série de formas
novas, diferentes dos estilos anteriores. A casa Tassel é considerada a primeira construção Art Nouveau
totalmente independente dos estilos historicistas que haviam dominado o século XIX.

Na França, trabalhou Hector Guimard (1867-1942), que desde o seu primeiro edifício, o Castelo Béranger
(1894-1898), em Paris, demonstrou notável influência do estilo irradiado pela vizinha Bélgica de Victor Hor-
ta. Nessa obra, Guimard começou a empregar estruturas metálicas, às quais se aplicavam formas sinuosas
e motivos vegetais, e a realizar o projeto arquitetônico completo, do exterior e do interior.

C) Caso Britânico
Na Grã-Bretanha, já se desenvolvera anteriormente um movimento conhecido como Arts & Crafts (Artes &
Ofícios), voltado para o desenho artesanal de objetos utilitários, e que se contrapunha à vulgarização da
fabricação industrial. Ainda que seu objetivo fosse o contrário, essa proposta utópica e elitista influiu deci-
sivamente sobre a necessidade de conceber uma forma própria para os objetos, construções e ilustrações
gráficas, que não haviam “pedido emprestado” sua forma da história.

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Por tudo isso, a Art Nouveau britânica, cujo principal arquiteto foi Charles Rennie Mackintosh (1868-1928),
autor da Escola de Arte de Glasgow (1898-1909), adota a simplificação de volumes e a estilização formal
dos elementos, buscando a máxima expressividade de paredes e vãos.

D) Antonio Gaudí
Ainda que o catalão Antonio Gaudí (1852-1926) tenha uma interpretação criativa, não-acadêmica, de cer-
tas tradições construtivas peninsulares, e que seus resultados apresentam semelhanças com a vertente
orgânica da Art Nouveau franco-belga, sua genialidade vem da vontade pessoal de aproximar-se da “arqui-
tetura natural”, obra de Deus, o grande arquiteto do universo. Algumas de suas fontes de inspiração são as
colmeias de abelhas, a disposição do tecido celular, os ramos das árvores, as escamas dos répteis, a estru-
tura dos ossos e das cartilagens ou a pétrea rusticidade das montanhas. Por trás delas, há um profundo
sentido religioso.

A obra mais famosa de Gaudí é o templo da Sagrada Família, onde todo um impulso geológico, mais escul-
tórico que arquitetônico, parece ter levantado sua fachada, a única inacabada quando morreu. Mas não
menos importantes são os edifícios de apartamentos, como a Casa Battló (1904) ou a Casa Milá (1906-
1912).

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Cápítulo 37 – Arquiteturá Moderná Brásileirá
Em 1929, Le Corbusier visitou pela primeira vez o Brasil, onde uma geração de jovens arquitetos influenci-
ados por ele escreveria seu nome na história. Entre eles, destacaram-se Lucio Costa e Oscar Niemeyer.

A) Le Corbusier
Ao longo da carreira, Le Corbusier viajou para muitos países, pois a pretensão de realizar uma arquitetura
universal que pudesse resolver tantos os problemas de planejamento das cidades quanto as necessidades
mais básicas do homem – habitar, trabalhar, recrear e circular – despertou seu interesse em conhecer os
mais diversos lugares. Particularmente quando divulgava e trabalhava suas ideias em países em desenvol-
vimento, encontrava os desafios para a adaptação a climas mais quentes e as demandas urgentes por habi-
tações populares, diferenças marcantes em relação à realidade da Europa.

Na primeira visita ao Brasil, em 1929, o arquiteto franco-suíço realizou conferências sobre urbanismo. De
volta à Europa, levou consigo uma série de esboços que sugeriam um inusitado plano urbanístico: encan-
tado com a paisagem carioca, o arquiteto previu para a cidade um longo, sinuoso e contínuo edifício sobre
pilotis que se instalava sobre os morros, atravessando a parte plana da cidade e contornando o Pão de
Açúcar, formas curvilíneas que mais tarde repetiria para um projeto na Argélia.

B) Palácio Gustavo Capanema


Desde a Semana de Arte Moderna de 1922, o Brasil já desenvolvera uma arquitetura moderna alicerçada
pelo trabalho de competentes engenheiros que aprimoravam a tecnologia do concreto armado e de jovens
arquitetos dispostos a conceber nova forma de construir. Essa arquitetura rivalizava, porém, com o ecle-
tismo mais tradicional que ainda encontrava apoio no gosto do público. A grande oportunidade da nova
geração aconteceria somente em 1935, quando se anulou o concurso para o edifício do Ministério da Edu-
cação e Saúde, vencido pelo arquiteto Archimedes Memoria (1893-1960), com um projeto tradicional rejei-
tado pelo ministro Gustavo Capanema (1900-1985). A incumbência do projeto foi passada ao jovem arqui-
teto Lucio Costa (1902-1988), que convocou uma série de colegas de sua geração: Affonso Eduardo Reidy
(1909-1964), Jorge Moreira (1904-1992), Ernani Vasconcelos (1912-1989), Carlos Leão (1906-1983) e o pra-
ticamente desconhecido Oscar Niemeyer (1907-2012), que fora aluno de Lucio Costa na Escola de Belas
Artes.

O projeto da equipe utilizou os cinco preceitos-chave do corbusianismo – a planta livre, a fachada inde-
pendente, os pilotis, os terraços-jardins e os panos de vidro – e agradou ao ministro de ideias progressis-
tas. Era importante para o governo do então presidente Getúlio Vargas ter seus edifícios oficiais construí-
dos com estética que simbolizasse modernidade e transformação, mas uma comissão de autoridades con-
vocada em 1936 para avaliar o projeto estrutural não o aprovou. Le Corbusier, o inspirador do projeto, foi
então chamado à capital carioca para dar consultoria à equipe, sugerindo poucas mudanças. Em 1942, o
edifício estava pronto, sendo considerado à época e até hoje um dos mais notáveis exemplos da arquitetu-
ra moderna.

C) Novos Mestres
O projeto e a construção do Palácio Gustavo Capanema e o contato com Le Corbusier foram decisivos para
o desenvolvimento da arquitetura moderna no Brasil. De um lado, as controvérsias em torno do projeto e

148
o extremo impacto obtido pelo resultado final serviram de plataforma para a divulgação das ideias, formas
e estética dessa nova arquitetura, despertando o gosto do público e influenciando jovens arquitetos e es-
tudantes; de outro, tal experiência fez amadurecer um grupo que, logo em seguida, marcaria época com
seus projetos individuais.

De Lucio Costa, destacam-se os projetos do Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova York (1939),
em parceria com Niemeyer, o Park Hotel São Clemente (1944), em Nova Friburgo, o Parque Guinle (1944),
no Rio de Janeiro, a sede social do Jockey Club do Brasil (1956), ambos no Rio de Janeiro, e o Plano Piloto
de Brasília (1957).

Niemeyer foi um dos arquitetos mais ativos da arquitetura moderna brasileira, e construiu quantidade ex-
pressiva de edifícios no Brasil e exterior. Sua singularidade está nas formas sinuosas que projeta levando
em consideração as propriedades do concreto armado. São notáveis, nesse sentido, o conjunto da Pampu-
lha (1943), em Belo Horizonte; a Casa das Canoas (1953) e o Sambódromo (1984), no Rio de Janeiro; o edi-
fício Copan (1953) e o Memorial da América Latina (1989), em São Paulo; o Palácio do Planalto (1958), en-
tre dezenas de construções para Brasília; o Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói (1996); a sede
do Partido Comunista Francês (1967), em Paris; a mesquita de Argel (1968) e a Universidade de Constanti-
ne (1969), na Argélia.

Do grupo do projeto do edifício do Ministério da Educação e Saúde, outro grande destaque é Affonso Edu-
ardo Reidy, que, talvez por ter sido chefe do departamento de urbanismo da cidade do Rio de Janeiro, pro-
curava fazer uma arquitetura discreta, menos preocupada com o impacto estético e mais com a funcionali-
dade e a solução de problemas sociais brasileiros. Como funcionário público, foi responsável por grandes
obras de urbanização, entre elas a do Aterro do Flamengo (1954-1959), parque de sete quilômetros de
extensão e mais de um milhão de metros quadrados, que recebeu paisagismo modernista de Roberto Bur-
le Marx (1909-1994). Ali foi erguido outro projeto de Reidy, o Museu de Arte Moderna (MAM – 1952). Pro-
jeto também notável de sua carreira é o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, conhecido co-
mo Pedregulho (1946), construído para abrigar funcionários do então Distrito Federal.

Outro expoente da arquitetura moderna no Brasil é a ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992). Seu traba-
lho mais conhecido é o Museu de Arte de São Paulo (Masp), de 1958: considerado sua obra-prima, o edifí-
cio suspenso sobre quatro pilares vermelhos possui o maior vão livre da América Latina. Outras obras im-
portantes da arquitetura são o Instituto Pietro Maria Bardi, conhecido como Casa de Vidro (1951), e o Sesc
Fábrica Pompeia (1990), ambos em São Paulo.

D) Brasília
A ideia de ter uma capital federal no interior do Brasil era bastante antiga: já em 1761, o Marquês de Pom-
bal (1699-1782) sugeria tal ação, respaldada por dispositivo na primeira Constituição brasileira republica-
na, de 1891, que previa a mudança da capital. O nome “Brasília” fora sugerido por José do Patrocínio, pa-
trono da República, mas somente se tornaria realidade em 1960, quando o então presidente Juscelino Ku-
bitschek simbolicamente fechou as portas do Palácio do Catete, sede do governo no Rio de Janeiro, trans-
ferindo a capital para o Planalto Central.

O projeto de Lucio Costa para a nova capital foi escolhido por concurso do qual participaram importantes
nomes da arquitetura brasileira: Henrique Mindlin (1911-1971), Rino Levi (1901-1965), Vilanova Artigas
(1915-1985) e Joaquim Guedes (1932-2008) foram alguns dos profissionais que entregaram propostas. O
edital exigia soluções para o traçado básico da cidade, indicando a disposição dos principais elementos da

149
estrutura urbana, a localização e interligação dos diversos setores, centros, instalações e serviços e a dis-
tribuição dos espaços livres e as vias de comunicação. O júri era composto por cinco arquitetos, entre eles
Niemeyer e dois estrangeiros.

Brasília pode ser considerada um triunfo do movimento moderno, pois foi projetada e construída a partir
dos preceitos racionais que a caracterizaram. Por seu valor histórico, foi considerada patrimônio cultural
da humanidade pela Unesco, em 2001. A área tombada do Distrito Federal corresponde a 112,25 km² e
compreende o Plano Piloto e as cidades-satélite de Cruzeiro e Candangolândia. É a maior área tombada do
mundo, cujo tombamento atípico permite flexibilizações. Mas justamente por ser a materialização de mo-
delo radical de cidade, que em outros países não passou do nível utópico, Brasília revela os problemas do
pensamento urbano do movimento moderno, como sua escala monumental pouco acolhedora, as grandes
distâncias a serem percorridas pelo pedestre e a ineficiência do zoneamento monofuncional.

150
Cápítulo 38 – Arquiteturá do Pos-2º Guerrá
Na segunda metade do século XX, o movimento moderno esgota suas propostas e surgem novas formas de
entender a arquitetura, desenvolvendo em direções distintas alguns de seus princípios, sem causar dife-
rença em termos de estilo.

A) Contexto
A derrota dos governos fascistas na Segunda Guerra Mundial diante do heterogêneo grupo dos Aliados
promoveu a irrupção de novas potências mundiais que diviriram os países em grupos antagônicos. É o co-
meço da Guerra Fria.

Esses dois blocos mantiveram duas concepções muito distintas de política e sociedade, que exerceram
marcante influência na arte em geral, e na arquitetura em particular. Assim, nos países capitalistas agrupa-
dos em torno dos Estados Unidos, triunfa o movimento moderno, que no mesmo período é eclipsado pelas
tendências impulsionadas pelo Estado nos países sob a égide comunista, muito semelhante ao tipo de arte
aparentemente grandiosa e classista que os governos fascistas defenderam e impulsionaram.

B) Evolução do Modernismo
Ao final da Segunda Guerra Mundial, o movimento moderno estava associado à ideia moral democrática,
particularmente condicionada pelo protagonismo que os Estados Unidos adquiriram desde então como
modelo político e econômico. Assim, nos anos 1950 e 1960 e a partir dos grandes mestres então ainda vi-
vos – Le Corbusier, Mies van der Rohe e Frank Lloyd Wright – tem-se o momento culminante dessa nova
arquitetura, cujo modelo, na realidade, havia sido gerado na Europa dos anos 1920 e 1930. Na década de
1970, quando as ideias do movimento moderno já faziam parte do gosto coletivo, em vários lugares são
produzidos testemunhos que evidenciam seu esgotamento. No final do século XX, assiste-se à irrupção de
tendências tecnológicas: parte delas põe ênfase retórica nas formas da indústria; há também as chamadas
pós-modernas, que utilizam com ironia motivos históricos; e, por fim, tem-se a arquitetura dos desconstru-
tivistas, que rompem com a lógica objetiva da neutralidade do espaço arquitetônico.

No entanto, um capítulo essencial da prática arquitetônica no fim do milênio foi a recuperação de edifícios
históricos, em particular espaços de valor histórico ou cultural. Tal tarefa tem transformado o campo da
restauração arquitetônica que, se já havia adquirido importância na época contemporânea, passou ao pri-
meiro plano na atualidade, em especial na Europa.

C) Organicismo
Vários arquitetos escandinavos, cujo nome mais significativo é o do finlandês Alvar Aalto (1898-1976), de-
senvolvem uma arquitetura orgânica que, mesmo relacionada com Wright, deve muito ao gosto por for-
mas sinuosas assemelhadas às formas dos seres vivos, postas em moda pelo surrealismo, bastante presen-
te no pós-guerra.

Aalto concebe edifícios sóbrios em que se aproveitam ao máximo as qualidades expressivas dos materiais,
em especial a madeira e o tijolo. Em suas obras também aparecem elementos curvos, que traduzem uma
espécie de fluidez espacial, sempre em contato com a natureza.

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Talvez os edifícios mais populares dessa corrente sejam o terminal da TWA (1956-1962), no aeroporto JFK
de Nova York, obra do também finlandês Eero Saarinen (1910-1961), que com suas formas aerodinâmicas
se assemelha a um pássaro ao alçar voo, e a Ópera de Sydney (1957-1962), do sueco Jorn Utzon (1918-
2008), com uma série de conchas brancas dispostas sobre plataformas.

D) Monumentalismo
A obra dos mestres, no pós-guerra, apresenta-se com um representativo monumentalismo, apesar de o
movimento moderno ter nascido como proposta funcional e neutra. A possibilidade de conciliar moderni-
dade e impacto monumental, aproveitando todos os seus simbolismos plásticos que em termos abstratos
conduzem à equiparação com a arquitetura antiga, aparece nos projetos do americano Louis Kahn (1901-
1974). Em 1950, ele entra em contato direto, em Roma, com a arquitetura das civilizações antigas. Recupe-
ra, por isso, valores antigos, como os da imponente massa dos egípcios ou dos grandiosos espaços roma-
nos, sem renunciar à simplicidade de formas geométricas e, sobretudo, ao emprego do concreto armado,
com estrutura à vista, o que produz grande expressividade.

E) Tendências Revitalizadoras
Já nos anos 1960 surgem sintomas de uma crise do movimento moderno, que se tornará mais visível na
década seguinte. Na recuperação dos princípios originais e na atribuição de novo conteúdo são constituí-
das as bases de uma visão muito mais crítica, que começa a se caracterizar como distinta.

Uma das alternativas é o chamado Brutalismo, que aproveita a textura do concreto armado e utiliza volu-
mes dissonantes, quer dizer, que compõem relações desarmônicas ou estranhas nos edifícios, com o obje-
tivo de recuperar a sensibilidade humana à percepção da arquitetura.

Talvez a figura mais singular dessa tendência seja o britânico James Stirling (1926-1992). Entre seus traba-
lhos, pode-se destacar a Faculdade de Engenharia de Leicester (1959-1963), em colaboração com James
Gowan (1923-2015), onde as superfícies de vidro são combinadas com tijolo vermelho, ou a biblioteca da
Faculdade de História (1964-1967), em Cambridge, que lembra a arquitetura industrial do século XX.

No mesmo período têm-se as radicalizações futuristas. Em 1961, um grupo britânico começou a publicar a
revista Archigram, em que se mostram arquiteturas de ficção científica, semelhantes a gigantescas estrutu-
ras industriais, chegando ao extremo da crença de que a sofisticação técnica era a via de progresso da ar-
quitetura.

Disposição semelhante ocupa o Metabolismo no Japão: Arata Isozaki (1931-) propôs levantar gigantescas
estruturas que sustentavam cápsulas habitáveis, com o objetivo de solucionar os problemas de espaço.

Outro movimento importante é o Neorracionalismo, cujos principais representantes são cinco arquitetos
de Nova York, conhecidos como The New York Five (Os Cinco de Nova York). Dentre eles, destaca-se Peter
Eisenmann (1932-). Ainda que se inspire nas relações ortogonais que estabelecem linhas e planos na arqui-
tetura mais simplificada dos anos 1920 e 1930. Eisenmann consegue sugerir complexidade de estruturas e
ambientes a partir de meios tão rudimentares como prismas interpenetrados, que se apresentam torcidos
em relação a eixos determinados. Tal complexidade deve-se a superposição simultânea de duas realidades
espaciais distintas, de forma diferente da tradição moderna, em que eram indicadas por planos, o que pro-
duz uma imagem contraditória de construção vazia e quase inabitável.

F) Desenvolvimento Tecnológico
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As obsessões para dar forma à arquitetura do futuro, já apresentada nos anos 1960, dão lugar à ênfase no
tecnológico. Os arquitetos fazem uso irônico dos motivos relacionados a máquinas e indústrias. Um senti-
do prático os leva a deixar à mostra aqueles elementos destinados a satisfazer as verdadeiras necessidades
dos edifícios, como a calefação, a refrigeração, o sistema hidráulico e os elevadores.

O Centro Georges Pompidou (1971-1977), de Paris, obra do italiano Renzo Piano (1937-) e do britânico
Richard Rogers (1933-), constitui modelo que já se tornou muito popular, em que se combina o espaço
cúbico, suscetível de ser transformado para qualquer uso, com seu encobrimento por ferros, escadas me-
cânicas e condutores que dão ao edifício aspecto descontraído e provisório, ao modelo do gigantesco pro-
jeto em construção. Em geral, o uso dos elementos relacionados com a tecnologia e a indústria é frequente
entre os arquitetos do final do século XX.

Arquitetura hightech muitas vezes é o termo empregado para identificar essa tendência. Norman Foster
(1935-) é o autor de várias construções que deixam à mostra elementos estruturais ou de serviços, tais
como tubos de ventilação e gruas, que adquirem grande relevância visual. Com o objetivo de acentuar seu
aspecto industrial, esses edifícios costumam ser revestidos de vidro ou metais reluzentes.

G) Populismo e Pós-Modernidade
O americano Robert Venturi (1925-2018) publicou em 1966 um livro bastante influente entre a nova gera-
ção de arquitetos, Complexidade e Contradição em Arquitetura, que se atreveu em pôr em xeque valores
até então muito enraizados, como o repúdio à decoração a partir da utilização de referências históricas.

O chamado Populismo, liderado pelo próprio Venturi, reivindica a ambiguidade, a sensualidade e o simbo-
lismo da arquitetura, de modo que se permite fazer uso completamente caprichoso de elementos históri-
cos ou decorativos, como a robusta coluna do Museu de Arte do Oberlin College (1973-1976), em Ohio,
autêntica caricatura da ordem jônica.

O italiano Aldo Rossi (1931-1997), autor do livro A Arquitetura da Cidade (1966) e protagonista da Tenden-
za dos anos 1970, também se interessa pela recuperação histórica. Ele questiona a ingenuidade com a qual
tinha sido aplicado o funcionalismo, que em sua opinião se convertera em autêntico mecanismo de agres-
são à cidade. Por isso, Rossi reivindica o valor simbólico dos edifícios públicos das cidades, com todo seu
significado. Suas construções públicas têm como modelo os tipos históricos, ainda que seja partidário da
redução de superfícies limpas a volumes essenciais.

Tudo isso culmina no fenômeno da Pós-Modernidade. Talvez o edifício que melhor encarne o espírito des-
sa corrente seja o da Prefeitura de Portland (1980-1983), em Oregon, EUA, obra de Michael Graves (1934-
2015). Mas muitos outros edifícios também se converteram rapidamente em autênticos ícones desse “no-
vo estilo”, em particular os arranha-céus da AT & T (1979-1984), em Nova York, de Philip Johnson (1906-
2005).

As principais consequências da Pós-Modernidade na arquitetura são as seguintes: o emprego irônico dos


motivos históricos, dissociados da função e das proporções que tiveram no passado, a utilização de deco-
ração excessiva como elemento simbólico para singularizar os edifícios, o sentido provocador da cor e das
formas, o tratamento escultórico do volume, e a utilização fragmentada dos elementos que constituem o
edifício, que aparecem superpostos.

H) Desconstrução

153
Uma exposição celebrada em 1988 no Museu de Arte Moderna de Nova York, da qual participaram, entre
outros, Frank Gehry (1929-), mais tarde autor do Museu Guggenheim de Bilbao (1992-1997), permitiu arti-
cular corrente importante da arquitetura na última década do século XX. Diante da ideia de que a arquite-
tura é uma realidade física ordenada, estável, fechada e isolada dos valores externos, os desconstrutivistas
questionaram a suposta lógica geométrica dos espaços e volumes arquitetônicos na tradição moderna.

Suas inspirações distantes são o Expressionismo e o Construtivismo do entreguerra. Mas o Desconstruti-


vismo vai muito mais além, graças a sofisticados programas de computador que permitem expandir formas
diversas a partir de planos, nas distintas direções do espaço, em função de determinados coordenadas
prévias e da combinação aleatória de umas com as outras. Os arquitetos desconstrutivistas apreciam ângu-
los muito agudos, volumes que se rompem e se interpenetram e superfícies curvas.

154
Cápítulo 39 – Arte do Pos-2º Guerrá
A partir de 1950, o centro da arte ocidental é transferido de Paris para Nova York, coincidindo com a he-
gemonia norte-americana.

A) Contexto
Depois da Segunda Guerra Mundial e do avanço dos Estados Unidos como uma das grandes potências
mundiais, foram produzidas notáveis mudanças nos principais centros de arte. A grande potência militar
também era uma potência econômica, e o vigor da economia se vê atraído pela arte. Assim, Nova York vai
desbancar Paris como centro do desenvolvimento artístico. Por abrigar o trabalho de alguns dos principais
criadores da segunda metade do século, a metrópole americana vai se converter no equivalente do que
era Paris no século XIX e na primeira metade do XX.

A situação política mundial do momento está caracterizada pela Guerra Fria, ou seja, pelos enfrentamen-
tos ocorridos entre o comunismo (representado pela União Soviética e China) e o capitalismo (encabeçado
pelos Estados Unidos). É a época também das guerras da Coreia, do Vietnã e do Afeganistão, que deixarão
novas imagens de horror. Ao mesmo tempo, leva-se a cabo a descolonização da África e da grande parte
da Ásia, assim como a divisão cada vez mais marcada entre ricos e pobres.

B) Paris para Nova York


Em meados do século XX, o centro da gravidade da arte ocidental deslocou-se para o outro lado do Atlânti-
co, como consequência da Segunda Guerra Mundial, cujo principal cenário foi a Europa, e do papel que
adquiriram os Estados Unidos. A América do Norte acolheu com entusiasmo os artistas, as obras e as ideias
vanguardistas originadas na Europa que, até então elitistas e contestatórias, adquiriram impulso próprio,
mas também universal, convertendo-se em manifestações artísticas amparadas ou consentidas pelas de-
mocracias ocidentais. O expressionismo abstrato e a pop art, as duas tendências mais significativas dos
anos 1950 e 1960, apresentavam elementos europeus, mas encontraram na América sua genuína expres-
são.

No final do século, sem dúvida, ainda que artistas e a crítica americanos tenham conservado sua importân-
cia, assistiu-se à globalização dos fenômenos artísticos semelhantes à que vem ocorrendo com a economia.
Nos últimos anos várias propostas da vanguarda foram concretizadas, tais como a valorização absoluta do
pensamento como parte essencial da criação, como propõe a arte conceitual, ou os esforços por superar
os limites da percepção artística, que se manifestam pelo corpo e pela ação, ou por meio da apropriação
das fronteiras mais distantes do espaço e da natureza.

C) Sociedade de Massas
A cultura visual contemporânea não pode ser reduzida a um número limitado de imagens com função con-
siderada correta, nem é possível controlar as relações entre o criador e o receptor.

O artista atual vive imerso numa sociedade tão saturada de imagens e conteúdos que reage de modo mui-
to diferente no que diz respeito ao papel da arte no mundo. Daí a complexidade intelectual que se exige de
qualquer proposta contemporânea.

155
Cápítulo 40 – Abstráçáo Expressivá
Nos anos 1940 e 1950, a herança da vanguarda desdobra-se em três aspectos: o desejo de fazer da arte
uma criação absoluta e abstrata; a ideia, derivada do Cubismo, de que o quadro é um objeto plano impe-
netrável; e a importância do automatismo no processo criador.

A) Expressionismo Abstrato
O Expressionismo Abstrato é uma corrente pictórica desenvolvida nos Estados Unidos após a Segunda
Guerra Mundial. Além de assumir o legado vanguardista europeu, os artistas sentem-se atraídos pelas filo-
sofias orientais, ao passo que tratam de fazer uma arte americana, enraizada com as tradições artísticas
dos primeiros povoadores, cuja plástica está ligada a profundas crenças.

Para esses artistas, a criação nasce de processo impulsivo, em que existe um enfrentamento entre o artista
e a tela por meio das cores, que aderem a ela como a impressão de um gesto profundamente sentido. Te-
las maiores são executadas com grandes manchas, que produzem tensão entre cores e formas, vazios e
cheios, energia e calma. A figura mais representativa, líder da suposta “Escola de Nova York”, foi Jackson
Pollock (1912-1956). Para realizar suas telas, ele utilizava a técnica do gotejamento (dripping): a pintura
jorra sobre a tela, seguindo os movimentos do artista, que vive intensamente o momento criador, verda-
deiro sentido de sua arte que, por isso, chama-se action painting (pintura de ação). Outros pintores impor-
tantes são Franz Kline (1910-1962), que cria telas que lembram ideogramas chineses, e Willem de Kooning
(1904-1997), que pinta com grande crueza, à base de grandes pinceladas.

B) Pintura do Pacífico
Na costa americana do Pacífico, há outro grupo de pintores com características similares às do grupo nova
iorquino. Os pintores da costa oeste fazem uso mais contido da cor, a partir da técnica denominada color-
field painting (pintura de campos de cor), que ocupa grandes superfícies. Trata-se de corrente de pintura
contemplativa, que aspira gerar emoção mística.

Os pintores mais significativos são Mark Rothko (1903-1970), cujas telas, formadas por superfícies retangu-
lares, difusas e de várias cores, atuam intensamente sobre a sensibilidade do espectador, sem conteúdos
precisos; e Barnett Newman (1905-1970), que pinta grandes telas monocromáticas, reivindicando assim a
dimensão geométrica do quadro como objeto.

C) Informalismo
Nesses anos, a Europa está destroçada pela guerra e vive um período angustiante. Os artistas europeus
tratam de adaptar, em grande medida, as preocupações estéticas dos americanos. Sob a denominação de
Informalismo, situam-se artistas e grupos que compartilham a negação de tudo aquilo que se traduza em
formas artísticas concretas.

Ao contrário, reivindicam o aspecto informe da matéria, como expressão da realidade inevitável, parte de
uma atitude existencialista. Esse movimento fica conhecido como art autre (outra arte), em referência ao
radicalismo niilista de seus pensamentos.

Dois pintores franceses tiveram papel essencial na configuração do Informalismo: Jean Fautrier (1898-
1964), inventor de elementos biomórficos, de vaga ascendência surrealista, mas com textura suntuosa,
156
abrupta ou rugosa e de grande força expressiva; e Jean Dubuffet (1901-1985), interessado em explorar a
dimensão artística da arte infantil, dos loucos e do grafite. A força de sua pintura, próxima à abstração,
baseia-se na textura dos materiais empregados, como terra ou recicláveis. No entanto, entre outras expe-
riências artísticas interessantes da Europa do pós-guerra, cabe destacar o grupo CoBrA, formado pelo di-
namarquês Asger Jorn (1914-1973), o belga Pierre Alechinsky (1927-) e o holandês Karel Appel (1921-
2006). O nome do movimento vem da união das iniciais das capitais de seus respectivos países – Copenha-
gue, Bruxelas e Amsterdã. Esses artistas voltam o olhar à arte pré-histórica e primitiva, mas também recor-
rem a referências de vanguarda, como Picasso, para criar quadros de grande espontaneidade, em uma
combinação provocativa cujas cores exageradas e formas estranhas contrapõem-se violentamente.

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Cápítulo 41 – Objetividáde Geometricá
Nos anos 1960, há duas reações contra a abstração do pós-guerra: uma delas, a Pop Art, de caráter figura-
tivo, recorreu às imagens dos meios de massa; a outra, de caráter abstrato, tem antecedentes atrelados à
fascinação pela geometria presente na vanguarda.

A) Abstração Pós-Pictórica
Os artistas da abstração pós-pictórica (Post Painterly Abstraction) reagiram contra a emotividade presente
na expressão abstrata. Assim, propõem uma reflexão autônoma sober os elementos da pintura: o suporte,
a tela, a cor e o formato.

Alguns dos nomes mais característicos dessa corrente são Frank Stella (1936-), cujas obras não são estrita-
mente quadros, no sentido tradicional de sua forma, mas sim estruturas geométricas planas, cujas bordas
se repetem no interior da obra; Kenneth Noland (1924-2010), que pinta círculos concêntricos, do centro às
bordas, com os quais quer reivindicar a pintura como um plano bidimensional colorido, à margem da tex-
tura ou do suporte; Ad Reinhardt (1913-1967), admirador de Malevitch, famoso por suas telas monocro-
máticas, com ínfimas variações de tons, e suaves justaposições de retângulos e quadrados; e Morris Louis
(1912-1962), que, ao tingir a tela, exclui a sensação de as cores estarem por cima dela, sendo percebidas
em seu interior.

B) Op-Art
A arte ótica (Op-Art), que alcança o apogeu nos anos 1960, propõe produzir efeitos visuais de relevo, pro-
fundidade ou movimento a partir de linhas e cores planas e estáticas. Alguns dos nomes mais significativos
são Victor Vasarely (1906-1997), que combina cores e dois tipos de perspectiva para criar imagens ambí-
guas e contraditórias, e Bridget Riley (1931-), que pinta figuras geométricas e estrias em branco e negro,
com as quais consegue uma estranha vibração da superfície.

Muitas das experiências da arte ótica culminam na arte cinética, que utiliza o movimento real, por inter-
venção do espectador, por causas naturais ou por um motor. Não obstante, o cientismo logo se converte
em recurso com resultados muitos diversos. De fato, os artistas que o empregam são muito heterogêneos.
Um dos mais famosos é Jean Tinguely (1921-1991), que concebeu máquinas sem função.

C) Minimalismo
A arte minimalista foi constituída em meados dos anos 1960, e caracteriza-se como a radicalização extre-
ma de algumas ideias da tradição vanguardista. Baseia-se na redução da forma artística a um volume geo-
métrico sucinto, “mínimo”, que se limita a comunicar sua presença.

Os objetos minimalistas entram mais no campo da escultura do que da pintura, ainda que para eles não
faça sentido essa classificação tradicional. Na verdade, eles constituem unidades de superfície, forma e cor
absolutamente objetivas e positivas.

Além de usar formas geométricas simples, a arte minimalista apresenta mais duas características básicas:
de um lado, o aspecto de produção seriada, que sugere tanto a ideia de repetição ao infinito como sua
importância como estrutura, bem mais que uma contemplação; e, de outro lado, o aspecto frio, industrial
que, em razão dos materiais empregados – pranchas de aço, plásticos ou luzes neon, entre outros –, é ca-
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rente de qualquer expressividade. A exigência de compreensão intelectual que promove é herança que
será acolhida pela arte conceitual.

Alguns dos artistas mais significativos dessa corrente são Donald Judd (1928-1994), que elabora caixas
abertas ou fechadas, em materiais bem frios, dispostas em série e em intervalos regulares; Carl André
(1935-), que monta peças a partir da adição de elementos geométricos idênticos, mas de materiais diver-
sos, sem pedestal, com relação direta com o espectador, Sol LeWitt (1928-2007), que utiliza um módulo
geométrico como base de suas obras, repetindo-o indefinidamente para revelar seu caráter gerador; Ro-
bert Morris (1931-2018), que manipula panos de feltro, colando-os à parede ou dispondo-o sobre o solo,
tendo como resultado final uma reflexão sobre as forças da gravidade, a estrutura do material ou a inter-
venção do artista; e, por fim, Dan Flavin (1933-1996), que trabalha com tubos fluorescentes de neon, pelos
quais explora uma nova relação entre formas e cores.

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Cápítulo 42 – Pop-Art e Semelhántes
Da abstração do pós-guerra, emerge nos anos 1960 uma arte que remete a objetos visíveis – ao sentido
irônico e subversivo de seu significado em uma sociedade massificada. Essa atitude é uma recuperação do
espírito do dadaísmo.

A) Neodadaísmo
A exposição de 1961 intitulada A Arte da Colagem (The Art of Assemblage), no Museu de Arte Moderna
(Museum of Modern Art – MoMA), de Nova York, projetou mundialmente essa corrente, baseada no agru-
pamento de objetos, geralmente inúteis ou parte de dejetos, com o fim de convidar à reflexão estética.
Ainda que sua origem não seja somente dadaísta, a vertente provocadora, que supunha a incorporação do
lixo da sociedade ao sagrado campo da arte, remetia ao movimento. Por isso, fala-se em neodadaísmo.

Dois artistas americanos são os mais representativos: Robert Rauschenberg (1925-2008), conhecido sobre-
tudo por seus objetos combinados (combine objects), em que integra elementos heterogêneos como pro-
vocação ao consumismo visual de nosso tempo; e Jasper Johns (1930-), que reproduz objetos cotidianos
como bandeiras ou mapas, sublinhando sua condição de objetos pintados.

Na Europa, as atitudes neodadaístas ecoaram em diversos lugares, influenciando o chamado novo realismo
(nouveau réalisme), na França, ou artistas italianos como Piero Manzoni (1934-1963), que enlatou seus
próprios excrementos com a etiqueta Merda d’Artista.

B) Pop Art
A obra O Que Faz os Lares de Hoje Tão Diferentes e Atraentes?, de Richard Hamilton (1922-2011) foi capa
do catálogo da exposição londrina Isto É o Amanhã (This is Tomorrow), que marca o início da Pop Art. Nes-
sa colagem de 1956, vemos uma interpretação burlesca da sociedade de consumo: a partir de recortes de
revistas de fisioculturismo e pornografia, o artista constrói a imagem de um universo banal, mas aparen-
temente promissor, o da “feliz” sociedade do consumo.

Nos Estados Unidos, a Pop Art teve mais repercussão. Os artistas inspiravam-se nos objetos e mitos visuais
da sociedade de massa e mantinham com eles uma relação dual: se de um lado sua incorporação à grande
arte traduz certa adoração, de outro lado, por meio deles, multiplicam-se lampejos irônicos sobre a perda
do sujeito e da relação humana na contemplação artística. Sua compreensão aparentemente fácil é per-
turbadora porque revela a opressão que exercem sobre a sociedade. Ao mesmo tempo, é possível captar
seu inesperado atrativo.

A figura mais importante da Pop Art é Andy Warhol (1930-1987). De suas obras, talvez as mais interessan-
tes sejam os retratos seriados, serigrafias sobre tela de mitos como Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor, Jac-
queline Kennedy ou Elvis Presley, que fazem deles imagens sagradas, como novos deuses, sem deixar de
questionar a banalidade de sua origem.

Roy Lichtenstein (1923-1997) realiza ampliações das ilustrações de histórias em quadrinhos, em que se
reconhece a trama de pontos de cor uniforme a partir da qual, pela fotomecânica, são reproduzidas essas
imagens. Utiliza a imagem das histórias em quadrinhos, em parte, como é comum na Pop Art, ou seja, com
um sentido irônico, ao elevar os quadrinhos à categoria da grande arte e valorizar sua condição de produto
de massa.
160
Claes Oldenburg (1929-) é, antes de tudo, conhecido por suas “esculturas pop”: reproduções em grande
tamanho dos “promissores” alimentos da sociedade consumista do bem-estar, como sorvetes ou hambúr-
gueres, ou leves imitações dos objetos que essa sociedade parece venerar, como vasos sanitários e telefo-
nes. Com eles, o artista glorifica o insignificante, ao mesmo tempo que brinca com ele.

Georges Segal (1924-2000) cria figuras em tamanho natural, isto é, em escala humana, inserida em cená-
rios reais, como um comércio com luzes de neon ou uma concorrida calçada de pedestres: com aspecto
fantasmagórico, tais figuras provocam enigmático contraste entre o anonimato dos indivíduos completa-
mente desumazinados e a deslumbrante vida dos artistas de consumo.

C) Hiper-Realismo
Corrente nascida na América do Norte no final dos anos 1960, que aspira à representação neutral, de um
feito visual sem implicação emotiva pessoal. Geralmente, os artistas hiper-realistas trabalham sobre temas
banais, escrupulosamente reproduzidos, que configuram imagens convidativas à reflexão sobre a percep-
ção da realidade, como os tipos americanos de Duane Hanson (1925-1996).

161
Cápítulo 43 – Arte Experimentál
Nas vanguardas históricas, assim como no Barroco, a criação artística era concebida como experiência múl-
tipla, mental e vital, diferente da mera contemplação do objeto criado pelo artista. Agora, o fenômeno
aprofunda-se e torna-se mais complexo.

A) Arte Povera
A arte povera (arte pobre) é uma tendência do final dos anos 1960, cujos criadores utilizam materiais que
sofrem pouca ou nenhuma transformação: placas de chumbo ou vidro, vegetais, telas, carvão ou argila, ou
restos de materiais sem valor econômico. No esforço de fugir da comercialização do objeto artístico, ocu-
pam o espaço e exigem a participação do público. Tratam de provocar reflexão sobre o objeto e sua forma,
por meio da manipulação do material e da observação de suas qualidades específicas. Um artista típico é
Mario Merz (1925-2003), famoso por seus “iglus”, estruturas hemisféricas construídas com materiais diver-
sos.

B) Land Art
A land art (arte da terra) propõe uma visão mais ampla da arte, redefinindo suas fronteiras e confrontan-
do-a com a paisagem. As atuações dos artistas são efêmeras, como a Plataforma Espiral, de Robert
Smithson (1938-1973), um caminho de pedras dispostas em espiral sobre as águas do lago Salt, em Utah,
nos Estados Unidos. À distância, a obra mostra-se como uma grande escultura que intenciona reviver signi-
ficados primitivos misteriosos.

C) Arte Conceitual
Sob a denominação de arte conceitual agrupam-se várias posturas artísticas que têm em comum a vontade
de destacar a importância da parte intelectual como a essência do fato artístico. Trazem, também, a libera-
ção dos problemas técnicos e de estilo, já que a obra de arte, em sua dimensão material, converte-se em
mero suporte para a criação, da qual não se pode prescindir. Boa parte da arte conceitual desenvolveu-se
em torno da linguagem, como simulacro da representação, o que pode ser visto nos jogos linguísticos de
Bruce Nauman (1941-). O artista mais representativo é Joseph Kosuth (1945-), que apresentou uma insta-
lação que consistia em uma cadeiral real pregada à parede, ao lado de uma foto dela e de sua respectiva
definição no dicionário, gerando a reflexão sobre a razão de ser do objeto artístico.

D) Arte de Ação
Em 1958, Allan Kaprow (1927-2006) realiza os primeiros happenings (acontecimentos): a partir do roteiro
esquemático, um grupo de participantes executa ações simples, independentes ou simultâneas, manipu-
lando objetos dispostos no encontro. Nessa forma de arte, submetida ao acaso, ganham relevância a im-
provisação e a participação do público. O objetivo é refletir sobre a essência do ato artístico, para tornar
claro que o autor e a vivência temporal de sua obra constituem a verdadeira essência da arte. Essa vontade
de fundir arte e vida, de origem dadaísta, alcançou uma de suas mais importantes expressões artísticas
com o movimento Fluxus, a partir de 1961.

Um de seus principais criadores foi Wolf Vostell (1932-1998). Ele utilizava um método de trabalho denomi-
nado dé-collage, que consistia em apagar, recobrir ou modificar as produções dos meios de comunicação,

162
arrancar cartazes, trocar letras e fotos de lugar. Mais tarde, incorpora receptores de rádio e televisão em
suas obras.

Uma vertente específica da arte em ação é a performance, que, seguindo em maior ou menor grau um
roteiro, manipula diversos acessórios, com o objetivo de gerar uma situação teatral. Corpo, gesto e palavra
ganham importância essencial, e a arte torna-se fenômeno a ser consumido imediatamente, em tempo
real, ainda que possam ser executados e comercializados fotografias ou vídeos, como recordações do ato
artístico.

Joseph Beuys (1921-1986), o representante mais característico, concebeu a tarefa criadora do artista como
a de um transformador da consciência humana. Uma de suas mais famosas performances leva o título Co-
mo Explicar Quadros a uma Lebre Morta (1965). Com a cabeça coberta de mel e ouro em pó, o artista man-
tinha-se em silêncio como uma lebre morta, animal veloz e inteligente, símbolo da vida e da terra, que se
converte em metáfora do espectador.

163
Cápítulo 44 – Arte Brásileirá do Pos-2º Guerrá
A aproximação entre arte, vida e política marca a arte brasileira nos anos 1960. Na década seguinte, é a vez
da performance e da arte conceitual. Na sequência, a Geração 80 revaloriza a pintura e a subjetividade.

A) Tropicália
Os integrantes do movimento Neoconcreto, que eclodiu nos anos 1950, vão radicalizar, na década seguin-
te, as experiências que tentam fundir arte e vida e conjugam várias manifestações artísticas numa única
obra. Hélio Oiticica (1937-1980) criou a obra Tropicália, exposta pela primeira vez em 1967, na mostra No-
va Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Espécie de labirinto a ser percor-
rido pelo público, Tropicália une dois penetráveis (PN2 – A Pureza é um Mito, de 1966, e PN3 – Imagético,
de 1967). Pisando num chão de areia, o espectador confronta-se com poemas-objetos, araras vivas num
viveiro, plantas, Parangolés e uma televisão. É nessa época que o artista estreita seus laços com a Man-
gueira, tornando-se passista da escola de samba e convivendo com a arquitetura da favela.

A realização de Tropicália entrou em sintonia com outras manifestações artísticas: o teatro do Grupo Ofici-
na, dirigido por José Celso Martinez Corrêa (1937-), o Cinema Novo, e na música o Tropicalismo, que teve à
frente Caetano Veloso (1942-) e Gilberto Gil (1942-).

A crítica ao sistema de arte e aos limites dos conceitos de “museu” e “exposição” marcou fortemente os
anos 1960. Lygia Clark (1920-1988) criou, em 1968, o penetrável A Casa é o Corpo, que tinha como objetivo
explorar a experiência sensorial do espectador.

Em todas essas formas de arte do período, há uma espécie de nova antropofagia, isto é, uma deglutição de
elementos da arte universal, reprocessados e filtrados a partir do contexto local. A cultura popular também
faz a crítica política – velada ou explícita – ao ufanismo desmedido, à censura e à violência da ditadura mili-
tar.

B) Grupo Rex
Em São Paulo, os integrantes do Grupo Rex (1966-1967) vão experimentar um projeto de criação coletiva,
com performances, obras públicas e ruptura dos espaços de exposição. Formado por dois artistas egressos
do concretismo – Geraldo de Barros (1923-1998) e Waldemar Cordeiro (1925-1973) – e por Nelson Leirner
(1932-), Wesley Duke Lee (1931-2010), José Resende (1945-), Carlos Fajardo (1941-) e Frederico Nasser
(1945-), o Rex tinha um lugar de exposições – a galeria Rex & Sons – e o periódico Rex Times. Ambos criti-
cavam o sistema de arte vigente.

Mais tarde, Leirner desenvolveria obra marcante, criando a versão nacional do ready made. Com Porco
Empalhado (1966) – um porco empalhado de verdade – criticou os júris dos salões de arte. O artista radica-
lizou a pesquisa da cultura popular.

O popular está presente tanto na instalação Adoração (1966), em que o visitante entre numa espécie de
capela, com direito a genuflexório, para adorar um Roberto Carlos em neon, quanto em peças recentes
como A Grande Parada (1999), obra feita com centenas de pequenas esculturas compradas prontas – ima-
gens de Zé Pilintra e São Jorge, bonequinhos inspirados em desenhos animados – e arranjadas como uma
parada militar.

164
C) Nova Figuração
Uma das faixas do disco Tropicália é Lindoneia, de Gil e Caetano. A canção celebra a musa de Rubens
Gerchman (1942-2008) em Lindoneia, a Gioconda do Subúrbio. Gerchman foi um dos pilares da nova figu-
ração, movimento apressadamente considerado versão brasileira da Pop Art. Gerchman, Antonio Dias
(1944-), Roberto Magalhães (1940-), Carlos Vergara (1941-), Carlos Zílio (1944-) e Anna Maria Maiolino
(1942-) estão entre os artistas reintrodutores da figura nas obras e que voltam a experimentar na pintura.
Eles flertaram com a linguagem popular dos quadrinhos, mas também com o cordel, o futebol e os jornais.
A obra deles passa ao largo da crítica da sociedade de consumo da Pop Art, relacionando-se diretamente
com a realidade brasileira.

D) Arte Conceitual
A arte brasileira também vai experimentar as transformações propostas pela arte conceitual enunciada por
Joseph Kosuth (1945-) e Sol LeWitt (1928-2007). Cildo Meireles (1948-) é um dos nomes mais marcantes da
produção artística nacional nos anos 1970. Meireles participou da histórica exposição Information, realiza-
da no MoMA de Nova York em 1970, considerada um marco da arte conceitual. O artista realizou o traba-
lho Inserções em Circuitos Ideológicos, em que imprimia frases em cédulas e garrafas de Coca-Cola feitas
de vidro e as devolvia à circulação, passando adiante mensagens como “Quem matou Herzog?” (referência
à morte do jornalista Wladimir Herzog durante interrogatório, em 1975, em plena ditadura). Outra obra
com forte conteúdo político é a performance Tiradentes – Totem-Monumento ao Preso Político, realizada
em 1970, em Belo Horizonte. O artista queimou uma galinha viva, numa referência à tortura e ao desapa-
recimento de militantes que se opunham ao regime militar. Meireles tem desenvolvido uma obra que exi-
ge a participação do espectador, convidado a entrar/experimentar instalações como Desvio para o Verme-
lho (1969), Fontes (1992) e Marulho (1991-1997).

O carioca Waltercio Caldas (1946-) mistura desenho, escultura, cenografia, gravura e projetos conceituais.
Seu trabalho é marcado pela ironia – como se vê em Convite ao Raciocínio, de 1978, em que um casco de
tartaruga é atravessado por um tubo de ferro – e por fortes referências à literatura (é fã do argentino Jorge
Luis Borges) e à história da arte. Ainda em 1978, criou a peça Mondrian na TV, homenagem à obra do artis-
ta geométrico. Sua Série Veneza (1997) reuniu esculturas feitas de fios de alumínio que faziam referência
às pinturas de natureza-morta.

O pernambucano Tunga (1952-2016) completa uma espécie de Santíssima Trindade da arte conceitual bra-
sileira. Escultor, desenhista e performer, construiu carreira cheia de referências ao corpo humano – como
suas esculturas em forma de tranças –, aos arquétipos e à mitologia. Tunga é grande influência para artis-
tas dos anos 1980 e foi um dos colaboradores da revista Malasartes (1975-1976), da qual Cildo Meireles
era um dos diretores.

Artistas que começaram a carreira como pintores ou gravadores aproximaram-se da arte conceitual nos
anos 1970. Foi o caso dos já mencionados Antonio Dias e Rubens Gerchman juntos de Regina Silveira
(1939-), Anna Bella Geiger (1933-) e Luiz Alphonsus (1948-).

E) Performance
Artistas como Hélio Oiticica e os integrantes do Grupo Rex já realizavam performances nos anos 1960, que
se tornam mais frequentes na década seguinte. Antonio Manuel (1947-) e Artur Barrio (1945-) são alguns
dos artistas que se destacam no período. Em 1970, Manuel apresentou O Corpo é a Obra – em que desfi-

165
lou, completamente nu, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. No mesmo ano, Barrio criou a Situ-
ação T/T1 com detritos e material orgânico. O uso de material perecível marca a obra desse artista nascido
em Portugal e radicado no Brasil, aproximando sua poética da arte povera italiana. Barrio usou carne de
animal para criar Livro de Carne (1979).

F) Geração 80
Nos anos 1980 há uma “retomada da pintura”. No Rio de Janeiro, a exposição Como Vai Você, Geração
80?, realizada em 1984 por Marcus Lontra na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, revelou Daniel Senise
(1955-), Beatriz Milhazes (1960-) e Luiz Pizarro (1958-). Eles estudavam com Luiz Áquila (1943-) e John Ni-
cholson (1951-), entusiastas da pintura. Antes da Geração 80 ser reconhecida, artistas como Jorge Guinle
Filho (1947-1987) e Victor Arruda (1947-) já se reaproximavam da pintura. Participaram também da expo-
sição: Karim Lambrecht (1957-), Alex Vallauri (1949-1987), Leonilson (1957-1993), Luiz Zerbini (1959-), Leda
Catunda (1961-) e Sergio Romagnolo (1957-)

O grupo Casa 7 – formado por Nuno Ramos (1960-), Carlito Carvalhosa (1961-), Fabio Miguez (1962-), Paulo
Monteiro (1961-) e Rodrigo Andrade (1962-) – vai ser emblemático para a arte do período. A criação coleti-
va e as grandes dimensões são duas características dos trabalhos da Casa 7 e também da arte dos anos
1980.

O termo “retomada da pintura”, muito usado na época, hoje é visto com reservas. Apesar da proeminência
da arte conceitual nos anos 1960 e 1970, a pintura nunca deixou de ser forma de expressão. Mais do que
“retomar” a pintura, os artistas reaproximaram-se de questões subjetivas. À medida que foram amadure-
cendo sua obra, os expoentes dessa geração distanciaram-se da pintura tradicional. Daniel Senise já “pin-
tou” a tela com ferrugem de pregos; Beatriz Milhazes pinta suas exuberantes mandalas em pedaços de
plástico.

G) Design Nacional
O Brasil tem grande tradição em móveis de design. Nos anos 1940 e 1950, o português Joaquim Tenreiro
(1906-1992) desenvolveu mesas e cadeiras que fizeram história. Entre o fim dos anos 1950 e o curso da
década seguinte, arquitetos tributários do modernismo, como Lina Lo Bardi e Oscar Niemeyer, também
vão desenvolver móveis premiados. No mesmo período, Sérgio Rodrigues (1927-2014) conquista o mundo
com sua Cadeira Mole. Os irmãos Campana, Humberto (1953-) e Fernando (1961-), marcam o design brasi-
leiro a partir dos anos 1980. O trabalho da dupla caracteriza-se por formas vindas da geometria, do humor
e, sobretudo, pelo uso de materiais pouco convencionais – a marca registrada da dupla são tubos de plásti-
co e fios de tecido coloridos. A Poltrona Flintstone (1989), feita de ferro, surpreendia por usar apenas for-
mas geométricas no encosto, no pé e no assento. A premiada Cadeira Vermelha (1993) é feita apenas de
fios de algodão, trançados sobre levíssima estrutura de alumínio. O Sofá Papel (1993), feito todo em linhas
retas, é construído apenas de papel prensado, com pés de alumínio. A cor e o acúmulo de materiais mar-
cam os objetos e móveis feitos pelos irmãos Campanaa partir dos anos 2000. Em 2002, a imagem da Pol-
trona Sushi, feita de grandes retalhos de tecido, foi reproduzida nas principais revistas de design do mun-
do. No mesmo ano, criaram a Poltrona Banquete, com assento e encosto constituídos apenas por bichi-
nhos de pelúcia.

H) Virada do Milênio

166
O fim do século XX e o início do século XXI são marcados pela mistura de linguagens. Há trabalhos domina-
dos pela pintura, como o de Adriana Varejão (1964-), ou aqueles em que a pintura se insinua, caso de Thia-
go Rocha Pitta (1980-). Há outros que exploram diversas linguagens, mas que têm na escultura sua expres-
são predominante, como Ernesto Neto (1964-), Efrain Almeida (1964-) e Felipe Barbosa (1978-). A fotogra-
fia, linguagem muito usada nos anos 1960 e 1970, é o ponto de partida da obra de artistas como Rosângela
Rennó (1962-), Matheus Rocha Pitta (1980-) e Vicente de Mello (1967-), e está muito presente na obra de
Marcos Chaves (1961-).

I) Arte Popular
A arte folclórica, ou popular, é ingênua por natureza. A própria expressão “folclore” embute a definição do
conceito. É formada pelas palavras inglesas “folk” e “lore”, que significam “povo” e “saber”. A arte popular,
portanto, refere-se a esse saber do povo, em oposição ao conhecimento erudito.

Ela é ingênua e aborda coisas concretas, e não ideias abstratas. Pode retratar um velório, por exemplo,
sem necessariamente refletir sobre a morte. Outra característica da arte popular é não ser acadêmica.
Conceitos de perspectiva, profundidade e sombras, que exigem conhecimento técnico, estão ausentes na
arte popular. Em geral, a habilidade do artista popular é transmitida de pai para filho, ou de mestre a discí-
pulo.

É mais comum que a arte popular se desenvolva em comunidades mais afastadas dos grandes centros. É
desse isolamento relativo que nasce a valorização das tradições.

Enquanto o artista erudito procura expressar uma complexidade subjetiva, o artista popular trabalha com
a simplicidade objetiva: ele quer enforcar os símbolos da vida da comunidade. Seus temas mais comuns
são a religião, as festas, os ritos, as diversões, os costumes e o trabalho. A arte popular é produzida em
telas, esculturas, cerâmicas, rendas e bordados.

Grande parte dessa produção é consumida localmente e muitos artistas não alcançam o prestígio de seus
pares eruditos, nem são conhecidos além das cidades onde moram. Alguns, no entanto, têm suas obras
expostas em museus.

Um dos principais museus do gênero no Brasil é a Casa do Pontal, no Rio de Janeiro. O Museu Casa do Pon-
tal possui acervo com oito mil esculturas populares de todas as regiões do Brasil e é considerado também
um museu antropológico.

Alguns artistas merecem destaque pela temática incomum. O mineiro Antônio de Oliveira (1912-1996), por
exemplo, optou por um tratamento cômico da morte. Em uma de suas esculturas, ele carnavaliza a morte
ao apresentar um cortejo em que os vivos levam o morto para beber.

Outros merecem destaque pelo reconhecimento obtido, como Antônio Batista de Souza, o Antônio Poteiro
(1925-2010). Nascido em Portugal, mudou-se ainda criança para Goiânia, onde aprendeu com a família a
trabalhar com cerâmica. Mais tarde, incentivado por jovens artistas, como Siron Franco (1947-), passou a
pintar. Com uma imaginação já descrita como incandescente, Poteiro mistura histórias bíblicas, erotismo e
festas populares.

J) Arte do Inconsciente
Como a arte popular, a arte do inconsciente trabalha com símbolos. Nesse caso, no entanto, eles estão
associados à esfera psíquica do artista. Talvez o caso mais ilustrativo seja o dos artistas que, acompanha-
167
dos pela psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999), faziam desenhos em forma de círculos. São estruturas
concêntricas, que em sânscrito se chamam mandalas. Para Nise, seriam imagens primordiais da totalidade
psíquica, interpretação endossada por Carl Jung (1875-1961), que também analisou tais obras. Para ele,
essas mandalas são símbolos que evidenciam uma tentativa de reordenação psíquica em pacientes com
diagnóstico de esquizofrenia; como se as mandalas, em sua regularidade visual e harmonia estética, repre-
sentassem uma compensação inconsciente para a provável vivência de caos consciente.

Essas obras foram realizadas por internos do hospital de Engenho de Dentro, do Rio de Janeiro, onde Nise
montara a seção de terapia ocupacional. Em 1949, a qualidade das obras justificou uma exposição no Mu-
seu de Arte Moderna de São Paulo.

A produção artística dos internos do hospital de Engenho de Dentro está reunida no Museu de Imagens do
Inconsciente, que ela fundou em 1952.

Um dos internos que obtiveram maior projeção foi Emídio de Barros (1895-1986). Nascido na Paraíba, mu-
dou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como torneiro mecânico e aprendeu a pintar letreiros com
um pintor de paredes. Em meados dos anos 1920 foi internado num hospital psiquiátrico, onde permane-
ceu por 22 anos em absoluto mutismo. Em 1946, começou a participar da terapia ocupacional que Nise da
Silveira acabara de iniciar. Ele pintou sobretudo paisagens, cenas urbanas e naturezas-mortas, trabalhos
que logo chamaram a atenção de críticos.

Mas talvez o mais conhecido artista que viveu na fronteira entre a loucura e a genialidade tenha sido Ar-
thur Bispo do Rosário (1909-1989). Descendente de escravos, Rosário nasceu em Sergipe e morou no Rio,
onde chegou a trabalhar como marinheiro. Pouco antes dos 30 anos foi internado na Colônia Juliano Mo-
reira com diagnóstico de esquizofrenia e paranoia. Nessa instituição, conhecida por abrigar pobres e alcoó-
latras, ele permaneceu por mais de 50 anos. Foi lá que começou a produzir objetos a partir de materiais
encontrados no lixo. Ele gostava de construir navios, que remetiam à sua atividade da juventude, além de
estandartes e objetos domésticos. O manuseio da sucata seria logo considerado arte de vanguarda. Uma
de suas obras mais conhecidas é o Manto da Apresentação, que ele deveria usar no dia do Juízo Final.

168
Cápítulo 45 – Novás Artes
A percepção visual do mundo contemporâneo está indissociavelmente ligada aos novos sistemas visuais,
da linguagem cinematográfica aos quadrinhos.

A) Novos Sistemas Visuais


Conseguir reproduzir imagens idênticas à realidade sempre foi uma antiga aspiração artística, mas a pri-
meira grande revolução veio somente com a fotografia, em 1839, que permitia reproduzir a realidade por
meios óticos e químicos. A partir de constantes aperfeiçoamentos técnicos, a máquina fotográfica conver-
teu-se em instrumento ao alcance de todos. Paralelamente, ao longo da segunda metade do século XX,
conseguiu-se significativa melhora nos sistemas de impressão. Desenvolveram-se procedimentos que pos-
sibilitaram a inserção de fotografias nas publicações ilustradas e, sobretudo, difundiu-se o interesse pelo
desenho gráfico e pelo cartaz, onde texto e imagem são combinados em uma superfície plana e autônoma,
destinada a ser reproduzida.

Palavras e imagens em simultaneidade são também a base dos quadrinhos, que têm linguagem própria e
extremamente rica. Já o cinema, que se fundamenta na rápida percepção de imagens sucessivas que pro-
duzem sensação de movimento, compõe uma narrativa em que se fundem experiências artísticas diversas,
visuais e acústicas.

Fotografia, cartaz, desenho gráfico, quadrinhos, cinema, televisão e vídeo são meios de comunicação de
massa, e cada um deles é resultado de desenvolvimento técnico específico, cuja característica comum é a
possibilidade de reprodução maciça. Mas os meios de massa têm sofrido os mesmos percalços para sua
aplicação que outras práticas artísticas de épocas passadas, com soluções e progressos técnicos desenvol-
vidos ao longo do tempo. Sua dimensão criativa, por isso, não nasce da aplicação da técnica por si mesma,
ainda que esteja condicionada por ela, mas sim de seu aproveitamento como veículo de ideias.

B) Fotografia
No Renascimento, um dispositivo chamado câmera escura foi utilizado na observação do efeito ótico pro-
duzido pela entrada de luz por um pequeno orifício colocado em um espaço de plena escuridão: na parede
oposta ao orifício, formava-se a imagem invertida do que estava no exterior.

No processo fotográfico, a imagem que se obtém pela passagem da luz por um orifício em um espaço escu-
ro incide sobre superfície sensível à luz, que se fixa por meio químicos.

No século XVIII, ficou comprovado que um papel impregnado com nitrato de prata enegrecia-se ao entrar
em contato com a luz, o que possibilitou a produção de algumas imagens. Mas elas desapareciam com o
tempo, pois não se conhecia ainda maneira de neutralizar material tão sensível. Só nos anos 20 e 30 do
século XIX, os progressos para fixar os sais de prata que não haviam sofrido ação da luz desenvolveram-se
de forma notável.

Um dos problemas mais difíceis era obter uma imagem em positivo. Nicéphore Niepce (1765-1833) debru-
çou-se sobre a questão. Mais tarde, seu filho Isidore continuou suas pesquisas, ao lado de Louis Daguerre
(1787-1851), tendo como resultado o daguerreotipo, que consistia em uma imagem única obtida sobre
placa de metal. Também foram importantes as experiências de William Henry Fox Talbot (1800-1877), pri-

169
meiro a conseguir produzir negativos fotográficos, denominados calótipos, que copiavam para um papel
branco a partir da emulsão química.

A partir de meados do século XVIII, esses procedimentos foram colocados de lado em vista do surgimento
da técnica do colódio úmido, que consistia na impressão de placas de cristal úmidas, banhadas em nitrato
de prata, que a seguir eram reveladas. Em 1888, Georges Eastman (1854-1932), que alguns anos antes já
havia investigado a película em rolo, lançou, à frente de uma companhia, a primeira câmera Kodak portátil,
o que possibilitou o acesso das grandes massas à fotografia.

A fotografia não produziu a morte da pintura, como alguns previram, mas desde o princípio afetou decisi-
vamente a criação plástica, com a qual tem mantido estreita relação, assim como com o próprio conheci-
mento das obras de arte do passado, fundamental para o historiador da arte.

Inicialmente, a fotografia contribuiu para reforçar a importância da luz na visão e a seleção detalhista do
motivo artístico, como se reconhece nos pintores realistas. Mais tarde, a fotografia instantânea convida à
reflexão sobre a casualidade, a fugacidade e o dinamismo. Experiências como as de Edweard Muybridge
(1830-1904) e Étienne-Jules Marey (1830-1904) permitiram decompor o movimento de seres e coisas, an-
tes imperceptíveis ao olho humano, influenciando o olhar de diversos artistas, do impressionismo ao futu-
rismo.

Da enorme riqueza que possui a história da fotografia, como procedimento criativo autônomo da pintura,
cabe destacar três momentos ou circunstâncias indispensáveis à configuração da sensibilidade estética
contemporânea. Em primeiro lugar, o esforço de muitos fotógrafos por sublinhar o aspecto artístico de
suas fotografias, o que se inicia no século XIX e alcança seu auge nas primeiras décadas do século XX. O
fenômeno, que se conhece como Pictorialismo, consiste na imitação dos gêneros artísticos a partir da utili-
zação de todo o aparato técnico e sofisticação de um estúdio fotográfico, somados a eventuais retoques
pintados sobre as fotografias. O Pictoralismo apresenta-se de forma mais potente nos retratos, mas tam-
bém se direcionava a outros gêneros, como paisagens e naturezas-mortas.

Outro fator que merece destaque é o uso como documento que a fotografia instantânea acabou por ad-
quirir: em guerras ou grandes tragédias, o registro fotográfico dos fatos tem marcado profundamente nos-
sa sensibilidade e percepção da realidade, mesmo que se considere seu inevitável caráter seletivo.

Por fim, também é importante a estreita vinculação entre o desenvolvimento plástico das vanguardas e a
fotografia, tanto por parte dos fotógrafos, que exploram procedimentos e composições novas, como pelo
uso generalizado de imagens fotográficas fragmentárias, por meio da collage.

C) Fotografia no Brasil
Hercules Florence (1804-1879) foi um pintor naturalista francês radicado no Brasil que, a partir de 1833,
desenvolveu pesquisas semelhantes às de Daguerre, tornando-se um dos pioneiros da fotografia na Améri-
ca Latina.

Em 1840, Louis Compte (1788-1859), capelão de um navio-escola francês que aportou no Rio de Janeiro,
apresentou o daguerreotipo a Dom Pedro II (1825-1891). Com apenas 14 anos de idade, o imperador tor-
nou-se um aficionado por fotografias e, mais tarde, um grande mecenas e colecionador da arte fotográfica.

Marc Ferrez (1843-1923) foi um dos mais importantes fotógrafos do Brasil, tendo retratado cenas do final
do Império e do início da República. Inovador, introduziu no mercado as chapas secas dos irmãos Lumière
e o flash de magnésio. Tinha predileção pela paisagem. Outro nome importante do início do século XX é o
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de Augusto Malta (1864-1975). Era fotógrafo oficial do Distrito Federal, o que garantiu para a história um
acervo gigantesco de registro das transformações urbanísticas do período.

O escritor Mário de Andrade (1893-1945) também era fotógrafo e colecionador de imagens e cartões-
postais e desenvolve entre 1923 e 1931 um trabalho fotográfico arrojado, com grande senso de composi-
ção, em que são subvertidos planos e enquadramentos.

Entre os contemporâneos, os dois grandes nomes são Sebastião Salgado (1944-), com suas imagens de
forte impacto social, e Miguel Rio Branco (1946-), espanhol radicado no Brasil, com obra marcada pelo uso
expressivo da cor e de temática centrada nos habitantes do Rio de Janeiro e da Bahia.

D) Cartaz
A ideia de anunciar um produto ou acontecimento com imagem é antiga, mas só a partir da segunda me-
tade do século XIX foi possível a sua reprodução autêntica, com o desenvolvimento da litografia. Desde
então, o papel, aderido a um suporte rígido, passou a invadir as ruas das cidades para chamar a atenção do
público.

Entre as inúmeras características estéticas e formais presentes no cartaz, a harmonização entre palavra e
imagem, que devem mutuamente se reforçar e emitir uma mensagem convincente sobre o objeto anunci-
ado, constitui elemento essencial. A imagem deve ser literal, ou seja, mesmo que graficamente simples e
com cores planas precisa evocar por si mesma um discurso, ao passo que o texto deve competir ou se inte-
grar com os planos pictóricos da imagem.

A arte do cartaz viveu sua primeira idade de ouro na virada do século XIX para o XX, quando os mais mo-
dernos artistas se dedicaram ao gênero, como Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901). Nesse período,
também surgem os primeiros artistas que utilizam o cartaz como expressão própria: Jules Chéret (1836-
1933) ou, sobretudo, Alphonse Mucha (1860-1930), cuja concordância de elementos é absoluta graças a
uma estrutura caligráfica em superfície, comparável ao vitral. Paris era, no período, o principal centro de
experimentação, ainda que também tenham se destacado importantes ilustradores ingleses, como Aubrey
Beardsley (1872-1898), e alemães.

O período entre as duas guerras mundiais foi fundamental para o desenvolvimento do cartaz. Cabe consi-
derar, de um lado, a especial atenção que dedicaram os artistas de vanguarda, em particular do construti-
vismo russo: a liberdade tipográfica com que El Lissitzky (1890-1941) ou Alexander Rodchenko (1891-1956)
empregaram formas geométricas, com fins expressivos ou simbólicos, era dotada de eficácia extraordiná-
ria. De outro, existiu toda uma corrente popular, relativamente próxima à Art Déco, em que se produz uma
simbiose entre experiências modernistas e vanguardistas junto à figuração tradicional, que se utiliza como
meio de propaganda política e comercial em todo o mundo ocidental.

E) História em Quadrinhos
Desde a aparição da imprensa, existiam livros cujas ilustrações aludiam ao conteúdo literário, mas que es-
tavam separadas dos textos. Antes, inclusive, em figuras de selos, nas iluminuras medievais ou nos relevos
egípcios se produzia uma união expressiva entre imagens e palavras para construir a narrativa.

Os quadrinhos começaram a se desenvolver nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século XX, como
Little Nemo in Slumberland, de Winsor McCay (1871-1934), a partir de 1905, ou o famoso Mickey Mouse,
criado por Walt Disney (1901-1966) em 1929. As imagens conservavam, muitas vezes, a condição caricatu-

171
ral e os recursos satíricos das ilustrações do século XIX, tais como a humanização dos animais, as diferenças
de escala dos personagens e o colorido exagerado das cenas.

Os Estados Unidos converteram-se no centro da produção de quadrinhos, com figuras como Burne Ho-
garth (1911-1996), que aperfeiçoou a composição da ilustração como se cada uma delas fosse um quadro
complexo; Chester Gould (1900-1985), criador do detetive Dick Tracy (1931), de traços mais simples; ou
Alex Raymond (1909-1956), criador de Flash Gordon (1937).

Na Europa, destaca-se o criador de Tintim, o belga Georges Remi (1907-1983), mais conhecido como Her-
gé. A importância dos quadrinhos desse personagem torna-se extraordinária nos anos 1960, quando alcan-
çou alto grau de complexidade: os desenhistas trabalharam em estreita relação com a vanguarda plástica
de seu tempo, como a Pop Art, além de utilizar os quadrinhos do personagem como veículo de crítica aos
valores sociais vigentes.

F) História em Quadrinhos no Brasil


No Brasil, em 1869 o artista gráfico ítalo-brasileiro Ângelo Agostini (1843-1910) publica Nhô-Quim, ou Im-
pressões de uma Viagem à Corte, considerada a primeira história em quadrinhos brasileira e, possivelmen-
te, do mundo. Em 1902, José Carlos de Brito e Cunha, conhecido como J. Carlos (1884-1950), tem seus tra-
balhos publicados na revista Tagarela. De traço peculiar, o artista desenhou para as principais revistas de
seu tempo. Seu trabalho mais conhecido não se refere, porém, aos quadrinhos, mas sim às charges das
figuras típicas do Rio de Janeiro, então capital federal, como os políticos, os sambistas e os foliões do car-
naval.

Na revista Tico-Tico, outro destaque foi o trabalho de Luiz Sá (1907-1979), que desenhava Reco-Reco, Bo-
lão e Azeitona, personagens infantis de muito sucesso perante os anos 1930 e 1950. Em 1960, começa a
ser publicada O Pererê, a primeira revista em quadrinhos brasileira de um só autor, Ziraldo (1932-), com
temática bastante brasileira: seu personagem-título era um saci que, junto com seus amigos animais, pro-
tegia uma floresta. Ziraldo foi fundador e depois diretor do jornal O Pasquim. No mesmo tabloide Henrique
de Sousa Filho, o Henfil (1944-1988), publicava tiras da personagem Graúna, que satirizava os problemas
do Brasil.

Maurício de Sousa (1935-) publicou suas primeiras tiras de jornal com o cãozinho Bidu e saiu seu dono
Franjinha em 1959. Em 1960, criou o personagem Cebolinha, seguido no ano seguinte pelo sujinho Cascão.
Somente em 1963 surgiria Mônica, a menina gorducha e dentuça que se tornou seu maior sucesso. A pri-
meira revista da personagem saiu em 1970, seguida pelas publicações próprias do Cebolinha (1973), do
Cascão (1982), do caipira Chico Bento (1982) e da gulosa Magali (1989), todas em circulação até hoje.

Já artistas como Laerte (1951), Angeli (1956-) e Glauco (1957-2010) consagraram-se nos anos 1980 publi-
cando personagens e histórias na revista Chiclete com Banana, que ajudou a estabelecer um mercado re-
gular de quadrinhos alternativos para adultos. De Angeli, destacam-se os personagens Rê Bordosa, os Skro-
tinhos e Wood & Stock; de Glauco e Laerte, Geraldão e os Piratas do Tietê, respectivamente. Angeli, Glauco
e Laerte criaram em conjunto Los Três Amigos, que de forma satírica transportava questões brasileiras pa-
ra o ambiente do faroeste.

No fim da década de 1990 e do início do século XXI, os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá (1976-) ganharam
notoriedade tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Em 2008 receberam um dos maiores prêmios dos
quadrinhos, o Eisner, pela antologia 5, ao lado do também brasileiro Rafael Grampá (1978-) e de outros
autores.
172
G) Cinema
Antes que um filme seja assistido pela plateia numa sala escura, um processo longo e complexo desenrola-
se. Primeiro, escreve-se um roteiro. Em seguida, selecionam-se um diretor e os atores, montam-se cená-
rios, produzem-se figurinos. As cenas são então filmadas, sendo mais tarde montadas em uma ilha de edi-
ção. Filme pronto, ele é enfim distribuído para as salas por uma produtora. Assim, se não há como negar
que o cinema seja uma forma de arte, também não há dúvidas de que seja arte coletiva. E, se há um prin-
cipal responsável (o diretor), também participa dessa criação uma grande e variada quantidade de profissi-
onais. Além disso, também não há como questionar que o cinema é uma arte nitidamente dirigida ao pú-
blico. Ele é, ao mesmo tempo, arte e negócio, sempre oscilando entre essas duas características.

O cinema consiste na projeção de um filme sobre tela, a partir da película, uma fita translúcida em que
estão impressas fotografias instantâneas projetadas à velocidade de 24 imagens por segundo. Isso permite
ao olho humano, que capta durante uma fração de segundo qualquer objeto luminoso, encadear essas
imagens, criando a ilusão de movimento e, portanto, de espaço e tempo.

Ao longo do século XIX foram idealizados diversos mecanismos que produziam imagens em movimento,
como o quinetoscópio de Thomas Edson (1847-1931), que apareceu em 1894 nos Estados Unidos. Tratava-
se de uma máquina que permitia ver, através de um pequeno visor, uma sucessão de fotografias impressas
em película de celuloide com perfurações laterais, utilizando-se de um mecanismo de movimento e de
iluminação posterior. Ao final do século, os irmãos Auguste Lumière (1862-1954) e Louis Lumière (1864-
1948) criam o cinematógrafo. A diferença fundamental entre a invenção dos irmãos Lumière para a de Ed-
son estava no fato de que, enquanto o quinetoscópio proporcionava uma experiência individual, os france-
ses promoviam exibições coletivas dos filmes.

Inicialmente, os filmes eram espetáculos mudos, ainda que a projeção fosse acompanhada de música ao
vivo. Os primeiros filmes recorriam a cenas anedóticas, tiradas do cotidiano, próximas ao estilo documen-
tal. Em seguida, diretores como Georges Méliès (1861-1938) começaram a desenvolver recursos expressi-
vos próprios, que se tornaram cada vez mais complexos com o surgimento dos filmes sonoros nos anos
1920.

Desde então os progressos técnicos e econômicos têm acompanhado o crescimento do fenômeno cinema-
tográfico. A televisão, o VHS, DVD e o Blu-Ray favoreceram a expansão cinematográfica, agora auxiliados
pela expansão dos serviços de streaming, iniciados pela companhia Netflix.

A execução de um filme inicia-se na filmagem, que consiste em captar imagens ou fotogramas de determi-
nada cena.

Ao diretor de fotografia cabe a tarefa, no momento da filmagem, de selecionar tomadas ou planos, que
podem ser de diferentes tipos e significados. Cada um deles possui fins expressivos próprios, como o des-
critivo ou o emocional.

O enquadramento, isto é, o ponto de vista de quem contempla uma cena, é um elemento importante da
constituição dos planos. Ele pode indicar uma observação imparcial ou até mesmo a visão de um dos per-
sonagens (câmera subjetiva), bem como a angulação que, ao ser manipulada, pode ser de cima para baixo
ou de baixo para cima. Ao realizar as tomadas, a câmera pode estar em movimento, seja a partir do recur-
so da panorâmica, isto é, do movimento da câmera sobre si mesma, de um lado para o outro (panning),
seja de cima para baixo (tilting) – muito utilizada quando se pretende mostrar paisagens –, ou ainda em

173
qualquer direção do espaço, como sugere o termo travelling, que se refere a qualquer deslocamento da
câmera que seja basicamente horizontal.

Quanto à configuração do espaço, podem-se eleger cenários naturais ou decorados, tarefa a qual se dedi-
cam especialistas. Ao longo da história do cinema, há exemplos de trabalhos de cenografia grandiosos,
construídos a partir de maquetes, em tamanhos reais ou, mais recentemente, em computação gráfica que,
memoravelmente delirantes, tornam-se referências singulares. É o caso dos cenários de Intolerância
(1916), dirigido por D. W. Griffith (1875-1948) com cenários de Walter L. Hall, e também de filmes como
Metrópolis (1927), Ben-Hur (1925 e 1959), Cleópatra (1963), Blade Runner (1982) e Matrix (1999).

H) Cinema no Brasil
Alfonso Segreto inaugurou as imagens cinematográficas do Brasil filmando a Baía de Guanabara, no Rio de
Janeiro, em 1898.

O mercado exibidor começa a estruturar-se mais fortemente a partir de 1907, quando o sistema de distri-
buição de energia elétrica no Rio de Janeiro e em São Paulo passa a ser mais confiável. Fazem sucesso nes-
se período os filmes “falantes e cantantes”, como O Guarany (1911), em que atores e atrizes ficavam por
detrás da tela transparente, assistindo ao filme do avesso, para que soubessem os momentos da ação em
que precisavam dublar ou cantar.

Em 1929, é criada, no Rio de Janeiro, a Cinédia, estúdio que produz quantidade significativa de longa-
metragens. Humberto Mauro (1897-1983) é o diretor brasileiro mais aclamado do período, dirigindo obras-
primas como Ganga Bruta (1933). Já Adhemar Gonzaga (1901-1978) dirigiu para o estúdio musicais de su-
cesso como Alô Alô Carnaval (1936), que lançou a canção Cantoras do Rádio, enorme sucesso de Carmen
Miranda (1909-1955) e Aurora Miranda (1915-2005).

Nos anos 1940, ganham destaque os filmes da Atlântida Cinematográfica, que possuíam enorme apelo
popular, tendo lançado ao estrelato nomes como Oscarito (1906-1970) e Grande Otelo (1915-1993). Os
filmes característicos da Atlântida eram as chanchadas, comédias musicais com temática de carnaval, co-
mo Este Mundo é um Pandeiro (1947), de Watson Macedo (1918-1981).

Já a Companhia Cinematográfica Vera Cruz é criada em 1949, em São Bernardo do Campo, interior de São
Paulo. Financiada por empresários paulistas, sua marca é o cuidado técnico excepcional. São da Vera Cruz
filmes tão diversos como o musical Tico-Tico no Fubá (1952) e a comédia caipira Candinho (1954), com
Amâncio Mazzaropi (1912-1981). Um dos grandes responsáveis pelo sucesso das produções do estúdio foi
o produtor Alberto Cavalcanti (1897-1982).

Em 1955, Nelson Pereira dos Santos (1928-2018) dirige Rio 40 Graus, filme de baixo orçamento que pode
ser considerado o marco inicial do Cinema Novo. Inspirados pelo Neorrealismo italiano, cineastas do Rio de
Janeiro e da Bahia buscam o máximo de realismo, contrapondo-se à cenografia e à dramaturgia dos filmes
dos grandes estúdios, consideradas artificiais, caras, exageradas e alienadas.

O principal nome do Cinema Novo é Glauber Rocha (1939-1981), diretor de Deus e o Diabo na Terra do Sol
(1964) e Terra em Transe (1967), de linguagem revolucionária para a época. Ele escreveu o manifesto Uma
Estética da Fome (1965), que definiu as diretrizes do movimento.

Em 1969, é promulgada a lei que cria a Embrafilme. Toda produção nacional era feita a partir do aporte de
recursos da estatal, que entra em crise na década de 1980 e é finalmente extinta em 1990. O cinema brasi-
leiro entre na maior crise de sua história, quadro negativo que só começa a reverter-se em 1995. Naquele
174
ano, a atriz Carla Camurati (1960-) dirige Carlota Joaquina, considerado o marco inicial da chamada reto-
mada do cinema brasileiro, quando os filmes passaram a ser produzidos a partir da captação de recursos
de setores públicos e privados.

I) Televisão
A televisão resulta de avanços tecnológicos do início do século XX relacionados à transmissão de dados. O
primeiro aparelho surgiu em 1924 e o primeiro programa de TV foi ao ar na Inglaterra, em 1929. Na década
de 1930, a televisão passa a ser comercializada e logo invade o mundo. Inicialmente exibindo somente
imagens em preto-e-branco, ganha uma versão em cores em 1954, nos Estados Unidos.

Só em 1950 o Brasil assistiu a seu primeiro programa de televisão, ainda em preto-e-branco, transmitido
pela TV Tupi de São Paulo. Nesse momento, na capital paulistana só havia 200 aparelhos, mas Assis Chate-
aubriand (1892-1968), proprietário de jornais e emissoras de rádio, tratou de espalhar aparelhos em pon-
tos estratégicos da cidade. A TV só ganharia transmissão em cores no país em 1972.

J) Telenovela
Diretamente ligada ao gênero literário do folhetim, a telenovela existe em muitos países, apresentando
características distintas: a soap opera americana é bastante diferente do chamado dramalhão mexicano.

A telenovela brasileira também tem natureza própria, e é um dos nossos principais produtos culturais de
exportação, responsável por altos índices de audiência das emissoras.

A primeira telenovela brasileira foi Sua Vida me Pertence (1951), mas, como era encenada ao vivo, não
podia ser exibida diariamente. Com o surgimento do videoteipe, a telenovela diária passou a ser possível,
formato que veio a se consagrar. A primeira foi 2-5499 Ocupado (1963).

A telenovela no Brasil sofreu gradativas transformações. Se no início o tom era extremamente melodramá-
tico e muitas das tramas desenrolavam-se em mundos fantásticos, sua linguagem e narrativa passaram a
ser mais coloquiais e cotidianas; os personagens e as tramas tornaram-se mais expressivos, e a localização
geográfica da narrativa passou a ser preponderantemente no Brasil. Criada em 1964, a Rede Globo de Te-
levisão começa a produzir novelas no final da década, investindo cada vez mais em um padrão de excelên-
cia técnica que se consolidou ao longo dos anos 1970.

Importância Social
Em um país com profundas desigualdades sociais e culturais como o Brasil, a televisão é um meio de entre-
tenimento e informação barato para parcela significativa da população. A telenovela brasileira, especifica-
mente, tem a particularidade de ser assistida diariamente por imensa massa de espectadores de todas as
classes sociais e idades.
Por isso mesmo, as telenovelas nacionais apresentaram ao longo de sua história temas relevantes à socie-
dade brasileira, que suscitam reflexão e debate. Entre os muitos exemplos, destacam-se O Bem-Amado
(1973) e Roque Santeiro (1985), fenômenos de audiência que discutiram com humor a corrupção nas insti-
tuições políticas e religiosas, e Vale Tudo (1988), que questionava se valia a pena ser honesto no Brasil.
Mais recentemente, grupos e culturas estigmatizadas passaram a receber mais espaço nas tramas: Panta-
nal (1990) apresentou o simbolismo da cultura pantaneira; A Próxima Vítima (1995) mostrou a primeira
família negra de classe média da teledramaturgia brasileira, enquanto Xica da Silva (1996) teve a primeira
protagonista negra; Senhora do Destino (2005) apresentou personagens homossexuais sem estereótipos,
conquistando a simpatia do público.

175
K) Videoclipe
Com imagens fragmentadas e sem uma narrativa linear obrigatória, o videoclipe é um filme musical de
curta duração que mistura linguagens do cinema e da publicidade. Geralmente é utilizado como veículo de
divulgação de uma canção de um artista ou banda, mas não impede que seja por si mesmo uma forma de
arte com profundo apelo estético e sensorial, extremamente popular: a carreira bem-sucedida de artistas
como Madonna (1958-) e Michael Jackson (1958-2009) está diretamente associada aos videoclipes de suas
canções.

O auge do videoclipe ocorreu na década de 1980, quando foi criada a MTV americana, emissora de televi-
são que inicialmente se dedicava à exibição maciça de videoclipes. A MTV brasileira surgiria em 1990. Com
a popularização da Internet e da plataforma do YouTube, porém, o videoclipe perdeu seu espaço na televi-
são.

176
Cápítulo 46 – Arte e Sociedáde
Na história da arte, é preciso levar em conta as condições materiais da produção das obras, desde as eco-
nômicas ou sociais do autor até os métodos de criação e divulgação das peças, passando por seus usos
públicos e privados.

A) Artistas
O termo “artista”, usado para identificar a pessoa que cria obras de arte, está ligado à consideração das
peças feitas por suas mãos e seu pensamento como “artísticos”. Foi a partir do Renascimento que tal con-
dição relacionada à pintura, à escultura ou a qualquer forma de arte começou a ser levada em considera-
ção, associada aos traços estilísticos e às habilidades pessoais. Isso não impede, retroativamente, que se
qualifique como artista qualquer indivíduo, anônimo ou não, que seja autor de objeto considerado como
obra de arte. Mas à medida que o individual se sobrepõe ao coletivo, e, sobretudo, que a obra de arte é
julgada como fruto de criação pessoal e livre, o conceito de “artista” torna-se mais forte e mais claro. É
fundamental, por isso, conhecer um pouco da biografia dos artistas: mesmo que participantes de movi-
mentos artísticos com determinadas características, antes de tudo, são seres humanos com características
e histórias de vida próprias.

B) Processo Criativo
A compreensão de uma obra de arte depende, entre outros elementos, do processo intelectual e técnico
que permite sua realização. No entanto, depende também das circunstâncias sociais e pessoais de seu cri-
ador. Por isso, além de levar em conta as questões estéticas e a forma e a matéria-prima que constituem
uma obra, pode ser interessante saber o contexto em que viveu o artista que a criou.

C) Consideração Social
Chamado ou não de “artista” o criador de obras que hoje faça parte da história da arte, seu papel na socie-
dade variou muito de acordo com o lugar e o tempo em que viveu. Para a compreensão de seu trabalho, é
muito revelador determinar se ele participava de determinado grupo social e as dificuldades que enfrentou
– ou não – para ser reconhecido. Tais fatos podem ter relação com a valorização e o significado das obras
de arte em seu contexto histórico, assim como o papel que sobre elas exercem os fatores individuais e in-
telectuais, mais relevantes quanto maior a consideração pelo artista.

D) Mecenato
A produção e a divulgação pública das obras de arte ao longo da história nunca foram controladas, exclusi-
vamente, pelo artista. Por isso, desde a existência do conceito “artista” e da qualificação de um criador
como tal, ele depende da intervenção de pessoas e engrenagens econômicas que se deve conhecer para
entender melhor o mercado e a crítica de arte.

A palavra “mecenas” refere-se à pessoa ou entidade, rica ou poderosa, que protege o artista e promove
certo tipo de obra de arte. O termo “colecionador” identifica o comprador de obras de arte que as mantém
em bom número em sua casa. O colecionador frequentemente é cliente do mecenas. Hoje, o mecenas é
representado pelo marchand ou galerista, o dono de uma galeria de arte que, por meio dela, representa
determinado número de artistas que são de seu interesse. Na Europa, nos Estados Unidos e mesmo no

177
Brasil, há galerias que representam a obra de artistas vivos e mortos, vendendo as peças desses criadores
para o mercado de colecionadores. Há ainda galerias temáticas, especializadas apenas em um tipo de su-
porte, como a fotografia.

E) Contexto Histórico
Em virtude dos múltiplos parâmetros que intervêm na produção de obras de arte e na configuração do
trabalho de um artista, as peças que ele concebe respondem sempre a uma confluência entre seu processo
criativo e os fatores ideológicos, políticos, religiosos, sociais, econômicos, estéticos e culturais que caracte-
rizam o momento histórico em que ele vive.

Ainda que tal determinismo sociológico esteja desacreditado – pois não explica o interesse puro e simples
despertado por certa obra – permite o uso das peças como testemunhas privilegiadas do conhecimento
desse contexto: mediante análise adequada, as obras de arte podem transformar-se em poderosos docu-
mentos históricos.

Mas o mais enriquecedor é descobrir como essas peças singulares contribuem à construção de determina-
das identidades históricas e, sobretudo, como se converteram em depositárias dessas identidades ao longo
do tempo, mesmo que, à medida que a história avança, estejam recebendo novos valores e interpretações.

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Cápítulo 47 – Esculturá
A escultura é uma forma de expressão artística que consiste na manipulação da matéria (volume) com a
intenção de criar formas tridimensionais.

A) Definição e Apreciação
Toda peça escultórica supõe um volume no espaço, que tem valor tanto em si mesmo como em sua rela-
ção com o entorno. A escultura define certa silhueta e gera determinada massa, que pode sugerir tanto
peso e solidez como fluidez e leveza.

A massa afirma-se por meio da superfície: aí entram em jogo os valores táteis, ainda que percebidos por
meio da visão, como o mole e o duro, o liso e o rugoso, bem como a cor.

A apropriação do espaço que envolve a peça pode vir predeterminada, como consequência, em alguns
casos, da parte que se toma como ponto de partida ou, em outros, da submissão a um determinado marco
arquitetônico. Nesse sentido, é muito importante a localização da escultura. Por isso, é preciso sempre
manter certa distância para sua contemplação, que deve considerar vários pontos de vista e outros ele-
mentos artísticos ou naturais do lugar, especialmente a luz.

B) Classificação
A escultura isolada, também chamada de volume redondo, é aquela que admite um deslocamento visual
ao seu redor para ser contemplada. Para tanto, concentra em si mesma todos os valores simbólico-
perceptivos. Às vezes está associada à arquitetura, com a qual estabelece relações iconográficas e repre-
sentativas, fazendo-se alusões ao edifício, ou ornamentais, ocupando certas superfícies e até grandes es-
paços que determinam o aspecto do edifício.

O relevo é outra forma escultórica. Existem os altos-relevos, em que as figuras são moldadas sobre uma
superfície da qual se destacam em acentuado relevo, e os baixos-relevos, esculturas pouco salientes execu-
tadas sobre um plano do qual se destacam em menos da metade do volume real. Nas duas formas, há uma
submissão aos problemas de representação que, em cada época, influenciam também a pintura.

C) Esculpir e Talhar
O processo mais comum de produção de esculturas consiste em eliminar matéria de um bloco de pedra ou
madeira, que são os materiais mais comuns, até encontrar a forma desejada. O mármore é um dos materi-
ais mais usados pelos escultores, bem como outros materiais pétreos, como o alabastro, a pedra calcária
ou o granito, além de materiais orgânicos, como o osso ou o marfim.

Para trabalhar a pedra recorre-se a objetos pontiagudos, que são inseridos no material diretamente ou por
meio de um martelo como a ponteira, que leva ao desbastamento inicial do material; vários tipos de cin-
zéis, de fio reto ou dentado, com dentes pontiagudos ou retos, para conformar as superfícies; a broca de
mão, para perfurações profundas; ou o trépano, para fazer furos.

No entanto, até chegar ao acabamento, é necessária a utilização de limas grosas e pedras para polir, como
a pedra-pomes, o esmeril e materiais abrasivos com os quais se esfrega a peça para se obter a pátina dese-
jada.

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Ao longo da história, os escultores vêm trabalhando cada vez mais em ateliês especializados. Ao trabalha-
rem com pedras, inicialmente realizam modelos prévios da mesma forma e volume, frequentemente em
gesso. Seu uso requer conhecimento de procedimentos geométricos (cuja execução, muitas vezes, não é
realizada pelo próprio artista que concebe a escultura) que permitem avaliar, mediante uma caixa de vare-
tas ortogonais, em que ponto se deve aplicar o golpe.

D) Modelar
Além da concepção da escultura como resultado de um processo de subtração, existem vários procedi-
mentos em que a expressão do volume se alcança mediante um conceito inverso, o da adição. A ocupação
do espaço escultórico ocorre a partir da adição e modelagem de material mole (barro, gesso ou cera), até
se alcançar a forma idealizada. Esses materiais são trabalhados com pontas de madeira, diferentes tipos de
espátulas, telas úmidas e, fundamentalmente, com a mão, que outorga uma dimensão criativa direta à
tarefa.

No caso da peça escultórica modelada, é preciso diferenciar a que constitui uma obra final concebida como
tal daquela que supõe um momento do processo que gera a obra definitiva, fundida ou em pedra.

E) Fundir
A escultura em bronze exige um modelo concebido anteriormente, com volume idêntico. A partir desse
original, realizam-se em negativo os moldes, que permitem a produção em série.

O procedimento mais habitual é a fundição oca, que pede a construção de um núcleo sobre o qual se colo-
cam os moldes, deixando-se um espaço vazio para a soldagem.

Outro método muito comum consiste em revestir de cera um suporte de material refratário. Uma vez mo-
delada a cera, o suporte é novamente coberto e submetido ao calor. A cera se funde e deixa um vazia que
servirá à soldagem – essa tarefa em geral é realizada em ateliês especializados. Uma vez extraída a escultu-
ra, leva-se a cabo a tarefa de retoque e polimento.

F) Colagem
A ideia de integrar elementos de procedências diversas, com a intenção de configurar um objeto suscetível
de ser julgado globalmente como uma peça escultórica unitária, está com frequência presente na tradição
histórica (na estatuária, por exemplo), ainda que o desenvolvimento sistemático da ideia da escultura, co-
mo construção, em sua dupla dimensão técnica e conceitual, esteja estritamente ligado às aspirações de
arte contemporânea. O fato de que, circunstancialmente, esses materiais tenham a forma de objetos com
significados em outros contextos e estejam ligeiramente modificados não afeta a essência do processo em
si. Quando esses objetos se integram em um corpo único, o resultado é denominado assemblage (“cola-
gem”, em francês). Em todo o caso, o volume resultante é suscetível, segundo o desejo do artista, de ser
fundido em outro material.

G) Análise
A escultura é uma forma de expressão artística que consiste na manipulação de matéria-prima com a in-
tenção de criar formas tridimensionais com significação estética autônoma. Toda peça escultórica supõe
um volume no espaço, que precisa ter tanto valor em si mesmo como se relacionar ao espaço à sua volta.

180
Para isso, define certa, ou eventualmente incerta, silhueta e gera determinada massa, que pode sugerir
tanto peso e solidez como, ao contrário, leveza e imaterialidade.

A massa afirma-se por meio da superfície, aí entram em jogo os valores táteis, ainda que percebidos por
meio do olhar: o brando, o duro, o tenso, o rugoso, assim como a cor. A apropriação do espaço que envol-
ve a peça pode vir predeterminada como consequência do material que se toma como ponto de partida. A
peça também pode estar submetida ou mesmo agregada a determinado marco arquitetônico.

Nesse sentido, é muito importante o ambiente da escultura. Em sua contemplação, é preciso ter sempre
certa distância para todos os pontos de vista possíveis, levando em consideração a relação da peça com
outros elementos artísticos ou naturais do lugar. Também é muito importante sua relação com a luz.

A escultura livre, autônoma, é aquela que exige desprendimento em relação ao espaço a seu redor, de
modo a ser observada como peça única. Para tanto, concentra em si mesma todos os valores simbólico-
perceptivos. Às vezes está associada à arquitetura, com a qual estabelece relações iconográficas e repre-
sentativas, já que por meio da escultura é possível aludir às funções de determinado edifício. Também há
relações ornamentais com a arquitetura: a escultura pode ocupar superfícies ou grandes espaços, trans-
formando-se em peça determinante do aspecto de um prédio.

181
Cápítulo 48 – Cerámicá
Todas as civilizações reconheceram a importância da cerâmica, tanto nas manifestações para uso cotidiano
como na produção de peças suntuosas.

A) Definição e Composição
Cerâmica é uma peça de argila modelada, endurecida pelo calor. Sua composição é de dióxido de silício
(cerca de 60%), alumínio (entre 15 e 20%), óxido de ferro (cerca de 7%) e óxidos de magnésio, cálcio, sódio
e potássio. O material precisa ser modelável e, ao mesmo tempo, capaz de conservar a forma quando tra-
balhado e, por fim, de não a perder quando a peça passa pela queima no fogo.

B) Tipos de Cerâmica
As peças de barro são as formas mais delicadas e conhecidas de cerâmica, realizadas com argilas comuns,
frequentemente com impurezas, aquecidas a uma temperatura entre 800 °C e 1100 °C. Há outras modali-
dades mais elaboradas, como a porcelana, que contém alta porcentagem de caulim, material que procede
da desintegração de rochas cujos sedimentos não contêm as impurezas do óxido de ferro ou outros mine-
rais orgânicos.

C) Técnicas de Trabalho
A forma mais simples de trabalhar a argila é por meio da modelagem à mão: coloca-se a argila na parte
superior de um torno, que gira pelo movimento de uma roda (antigamente o próprio artesão movia a roda
com o pé), até dar forma à peça. Também se utilizam moldes para reproduzir formas específicas não possí-
veis à mão.

D) Decoração
O aspecto que costuma interessar mais ao historiador da arte é a decoração superficial da peça de cerâmi-
ca, que se concentra em duas questões: a textura e a cor.

A textura é realizada com a pressão dos dedos ou com instrumento que provoque incisões, produzindo
formas em relevo; às vezes utilizam-se moldes, que reproduzem um tema ou motivo.

A cor, que depende, em primeiro lugar, da composição da própria argila e das condições do cozimento;
mas a peça também recebe pigmentos, antes ou depois de ser queimada, às vezes com formas figurativas,
geralmente trabalhadas como se fossem cenas pintadas.

E) Esmaltado
Revestimento cristalino que se aplica à peça com o objetivo de torna-la impermeável a líquidos ou por mo-
tivos estéticos. Utilizam-se diferentes compostos e formas de aplicação, como a pulverização sobre a peça,
produzida sob determinada temperatura.

F) Cerâmica no Ocidente
Ao longo da história, o centro principal de produção de cerâmica foi a China, cujas peças se estenderam
por toda a Ásia, com grande importância como objetos ornamentais na Europa da Idade Moderna.
182
Na produção ocidental, cabe destacar: a cerâmica grega, decorada com cenas pintadas, difundidas por to-
do o Mediterrâneo, na Antiguidade; a terra sigillata dos romanos, de característica cor alaranjada e deco-
ração realizada com moldes, em lugar da pintura; e, por fim, as vasilhas esmaltadas islâmicas, cuja forma
se difundiu por toda a Europa nos século XV e XVI.

O século XVIII é um período importantíssimo para o desenvolvimento da cerâmica na Europa Ocidental.


Destaca-se a fábrica Sèvres, entre outras que realizaram peças destinadas a residências aristocráticas de
toda a Europa; a porcelana inglesa de Wedgwood; assim como a Real Fábrica de Porcelanas de Madri.

183
Cápítulo 49 – Análise Arquitetonicá
O conhecimento dos detalhes construtivos de um edifício é indispensável à sua análise, mas nunca deve
ser dissociado das circunstâncias históricas e sociais.

A) Material Prévio
Ainda que o conhecimento objetivo do edifício seja imprescindível à sua análise completa, o historiador da
arte precisa estudar a arquitetura empregada por intermédio de determinados materiais básicos.

Primeiro, o desenho da planta do edifício, denominada planta baixa, que constitui um secionamento da
construção, executado por um plano que o corta de forma paralela ao solo (à altura de um metro, aproxi-
madamente, incluindo-se elementos de acesso, como escadas e rampas). O número de plantas correspon-
de ao número de pavimentos do edifício. Pela planta, é possível analisar a espessura das paredes, os eixos
de distribuição dos espaços, os elementos que sustentam as coberturas que, quando não planas, também
devem ser desenhadas.

Em segundo lugar, o desenho de elevações externas e internas, em que se estudam aspectos particulares
do edifício, o que permite ver a composição estrutural, a iluminação e as proporções. Também devem re-
ceber atenção seções ou cortes verticais, ou seja, planos que cortam o edifício em ângulo reto em relação
ao solo, possibilitando visualizar estrutura, proporções e projeções, geralmente das linhas verticais do edi-
fício, a partir da planta, de baixo para cima, que permitem globalizar as percepções anteriores.

Por último, as fotografias, elementos de ajuda à análise de visualizações de conjunto, tanto externas (fa-
chadas e vistas aéreas, por exemplo) como internas e, sobretudo, os motivos ornamentais concretos, às
vezes de difícil acesso.

B) Pontos de Vista
Pode-se analisar um edifício por meio de diversos pontos de vista. Geralmente, convém fixar-se em quatro
aspectos: o léxico arquitetônico, os problemas espaciais e de volumetria, os aspectos técnico-estruturais e
os funcionais e representativos. A historiografia artística tem definido os estilos por intermédio de deter-
minado vocabulário construtivo que, embora ainda separado de funções estruturais e simbólicas, pode
servir, por si mesmo, à identificação formal. Basicamente, deve-se levar em conta, de um lado, os elemen-
tos de sustentação – as colunas com todos os seus elementos, pilares, pilastras, dintéis e arcos – e, de ou-
tro lado, as coberturas – planas, em forma de abóbada. Ao analisar tais aspectos em uma edificação, é pre-
ciso distinguir os elementos próprios do estilo à época, de um arquiteto em especial ou de determinada
região geográfica, assim como tratar de relacioná-los com outros exemplos da mesma época ou de épocas
anteriores.

C) Problemas Espaciais e Volumetria


A arquitetura nasce da necessidade de um espaço, que se traduz externa e interiormente como conse-
quência da aplicação do vocabulário formal. No interior do edifício, deve-se analisar a estruturação, obser-
vando, por exemplo, se a planta é articulada a partir de eixos, se é central, livre ou concebida por intermé-
dio de um módulo. No exterior, é preciso apreciar a articulação dos volumes do edifício entre si. Já na esca-
la urbana, é importante observar a relação do edifício com os demais de seu entorno. A iluminação tam-
bém é importante, assim como as proporções de cada um dos espaços, seja pelas dimensões da figura hu-
184
mana, seja de um módulo previamente fixado. Por fim, o tamanho do edifício, em si mesmo e em relação
ao lugar, é outro aspecto a ser considerado.

D) Aspectos Técnico-Estruturais
Um aspecto que deve ser valorizado na análise arquitetônica é o tipo de material utilizado na construção
(adobe, madeira, tijolo, pedra, mármore, ferro, vidro, concreto etc.) e sua aplicação em cada parte, na es-
trutura ou percepção externa, o que supõe apreciar cor e textura resultante, o modo de trabalhar a massa
edificada ou a importância dos elementos decorativos incluídos. Também é preciso captar o papel da téc-
nica na concepção de determinadas soluções espaciais, assim como a adaptação do arquiteto a elas.

E) Aspectos Funcionais e Representativos


Todo edifício nasce com um objetivo e sua permanência o enriquece com valores simbólicos cultivados ao
longo do tempo. É importante saber quem utiliza o edifício e para quê. Além disso, quem financiou sua
construção, quantas e quais foram suas fases e o tempo de sua duração. É importante observar, por fim, se
a construção responde a uma tipologia determinada e se adquiriu nas esferas cultural, política, urbana ou
histórica o caráter de ícone arquitetônico.

185
Cápítulo 50 – Mosáico
Desde a Antiguidade, o mosaico tem sido utilizado como elemento decorativo de valor, tanto pelo aspecto
deslumbrante como pelo custo elevado e execução trabalhosa.

A) Função
O mosaico é uma arte ornamental que se apresenta como revestimento de pisos, paredes ou tetos, com o
objetivo de conseguir efeito espacial suntuoso. Por sua capacidade representativa, está submetido aos
mesmos problemas iconográficos das artes figurativas. Nesse sentido, a análise do mosaico deve conside-
rar sua localização, já que ele depende dos usos e significados arquitetônicos.

B) Técnica
A técnica do mosaico consiste basicamente em acoplar sobre uma superfície fragmentos de pedra (de sei-
xos a pedras preciosas), vidro ou cerâmica, de diferentes cores, geralmente formando figuras ou motivos
geométricos.

A relação entre o tamanho e a qualidade destes fragmentos constitui três tipos principais de técnicas de
elaboração do mosaico:

• Opus Sectile, realizado com fragmentos de grande tamanho, de resultado mais rudimentar, geral-
mente empregado nos pisos;
• Opus Tesselatum, assim denominado quando os fragmentos são quadrados ou retangulares;
• Opus Vermiculatum, termo que se aplica quando os fragmentos são muito pequenos, permitindo
grande precisão descritiva.

C) Importância Histórica
Os gregos empregavam o mosaico em pisos, utilização esta continuada pelos romanos, para os quais tal
forma de arte teve extraordinária importância. São numerosos os mosaicos encontrados em ruínas roma-
nas, especialmente aqueles que pertenciam a residências de classes mais abastadas, tanto em habitações
urbanas (domus) como em campestres (villas).

A época dourada do mosaico coincide com o desenvolvimento da arte paleocristã e bizantina. A arte do
mosaico ocupou papel igualmente relevante no fim do século XIX, com o modernismo, época em que se
encontram bons exemplos de numerosas obras arquitetônicas que utilizaram o mosaico como uma das
formas mais habituais de decoração mural.

186
Cápítulo 51 – Artes Decorátivás
As artes decorativas, apesar de subordinadas a uma necessidade funcional, possuem identidade e riqueza
suficientes para serem consideradas obras de arte.

A) Vitral
O trabalho com vidro é parte das artes do fogo, junto com a cerâmica, a azulejaria e o esmalte. O vidro é
fabricado pela fusão de óxidos de silício com outros materiais, a altas temperaturas, para a criação de obje-
tos de uso cotidiano.

Uma das aplicações artísticas mais interessantes do uso do vidro é a fabricação de vitrais, cujo desenvolvi-
mento foi especialmente importante na Baixa Idade Média e no fim do século XIX, na época da Art Nouve-
au.

Para sua realização, é preciso levar a cabo, previamente, um desenho com o motivo que seria representa-
do no vitral. Depois são cortados os pedaços de vidro colorido, que eventualmente podem ser pintados
com óxidos metálicos para se obterem formas e detalhes. As peças são unidas por tiras de chumbo. Final-
mente, a estrutura acopla-se a uma armadura, geralmente de ferro.

Nas catedrais góticas o vitral teve importância fundamental, tanto por seu efeito sensorial que produz a luz
colorida que ilumina a igreja e sugere a intangibilidade do espírito de Deus, quanto por sua capacidade
metafórica, pois o sol entra e sai pelo vitral, sem rompê-lo nem mancha-lo, assim como se manteve intacta
a Virgem Maria depois da concepção e do nascimento de Cristo.

B) Esmalte
A técnica do esmalte baseia-se na aplicação de uma pasta vítrea sobre um suporte metálico, geralmente
ouro, prata ou bronze. O modo de aplicar a pasta vítrea no suporte determina os distintos tipos de esmal-
te:

• Esmalte Alveolado ou Cloisonné: a pasta é aplicada sobre pequenos alvéolos formados por tabiques
de fios metálicos que formam desenhos;
• Esmalte Escavado ou Champlevé: o esmalte é aplicado sobre espaços escavados no metal com um
cinzel;
• Esmalte Pintado: aplica-se a pasta vítrea depois de o metal ser pintado, levando-se em seguida a
peça ao forno.

Na época gótica, tanto os esmaltes quanto todas as artes suntuárias relacionadas à ourivesaria tiveram
grande desenvolvimento ao serem aplicados na ornamentação de cálices, cruzes e relicários, entre outras
peças. São de grande beleza os esmaltes de Limoges, na França.

C) Iluminura
O termo iluminura aplica-se tanto à pintura dos manuscritos (também chamada de “miniatura”) quanto à
pintura em pequenas dimensões, sobre qualquer suporte, com destaque para os retratos que, mais fre-
quentes e com grande desenvolvimento no Ocidente entre os séculos XVI e XVII, são realizados com extra-

187
ordinária precisão. Nos dois casos, o tamanho minúsculo das representações contrasta com a especial pre-
cisão de detalhes.

A importância da pintura de manuscritos, mais comuns sobre pergaminho e realizada por diferentes técni-
cas, foi muito grande na Idade Média, especialmente durante os séculos XIII e XV. Pode-se falar em autên-
tica “idade de ouro da iluminura”, com obras de excepcional refinamento. Tais iluminuras têm sempre re-
lação com um texto. Aparecem a princípio inseridas entre as fases ou intercaladas.

Na Idade Média, os livros que mais utilizaram iluminuras foram a Bíblia, os saltérios, ou os Livros da Horas,
que eram livros de devoções para distintas “horas”, relacionadas com a vida de Cristo ou da Virgem Maria,
e de atividades ligadas aos mortos ou de orações a santos.

Não obstante, os Livros das Horas continham variantes ao incorporar calendários com atividades distribuí-
das ao longo dos meses do ano, o que permitiu a representação de cenas diversas.

188
Cápítulo 52 – Artes Aplicádás
As artes têxteis, paisagísticas e em couro são manifestações artísticas em que se reconhece o espírito cria-
dor de diversas culturas.

A) Artes Têxteis
O trabalho com fibras, que podem tornar-se tecidos, compõe especialidade artística, sobretudo valorizada
por algumas culturas e épocas históricas. Geralmente empregados na fabricação de indumentárias para
grandes acontecimentos civis ou religiosos, constituem, com seus procedimentos de fabricação, materiais
(sedas, fios de ouro ou prata, entre outros), decoração e desenho dos trajes, um objeto do historiador da
arte.

Os museus de artes decorativas guardam tecidos que datam das épocas mais antigas até aqueles dos dias
atuais. Nos melhores exemplos sempre se descobrem estreitas relações com outras artes, em particular
com a ornamentação.

O tapete é um tecido grosso usado para cobrir as paredes, os pisos ou as portas, de tal maneira que com a
combinação de fios de diferentes cores são obtidas representações figurativas. A matéria-prima essencial é
a lã, ainda que enriquecida com fios de seda, ouro ou prata. Os tapetes alcançaram grande desenvolvimen-
to na França e em Flandres, no final da Idade Média, mas a demanda continuou ao longo de toda a Idade
Moderna: o século XVIII foi uma época de particular esplendor para o tapete, quando os melhores artistas,
como Goya, realizaram desenhos para sua fabricação.

Os dois procedimentos técnicos mais comuns são o alto liso, que consiste em trabalhar em um tear verti-
cal, com um modelo realizado anteriormente em cartão, por um pintor, que é então copiado, de baixo pa-
ra cima, pelo artesão; e o baixo liso, elaborado em tear horizontal, mas de qualidade inferior.

Outras manifestações da arte têxtil são os tapetes, que cobrem os pisos, com motivos ornamentais e cores;
os bordados, trabalhos com enfeites que formam desenhos sobre os tecidos ao se fazerem os pontos; e as
rendas, que são tecidos reticulados preenchidos com desenhos.

Definitivamente, a principal importância da arte têxtil, do ponto de vista da reflexão histórico-artística, está
na sua capacidade de ornamentar, seja por meio do abstrato, seja do figurativo, transmitindo uma concep-
ção estética e, portanto, um sistema de pensamento que em si mesmo não é menos válido do que aquele
que pode ser descoberto, por exemplo, na arquitetura.

B) Artes do Couro
O trabalho artístico sobre a pele curtida de animais é uma especialidade artística nas chamadas artes deco-
rativas ou aplicadas. Os adornos com pele de cabra curtida são chamados de cordobane, nome que deriva
de sua fabricação em Córdoba. O guadameci ou guadamecil é uma peça de couro adornada com desenhos
ou pinturas, usada como colgadura. Uma das aplicações mais comuns do couro é a encadernação de livros,
que alcançou desenvolvimento espetacular a partir do Renascimento.

C) Paisagismo

189
O desenho que rege a ordenação das plantas, assim como de outros elementos (esculturas, ornamentos,
espelhos d’água e fontes) que intervêm na configuração de um espaço de recreação, detém um interesse
artístico em si mesmo, considerado uma planificação de espaço, mas também em relação com a arquitetu-
ra.

Entre os povos islâmicos, o jardim é uma evocação do Paraíso. No Alcorão promete-se “um jardim recorri-
do por arroios” a quem agir corretamente. Concebe-se, pois, um oásis interior de prazer e frescor, em opo-
sição a um exterior selvagem. Organizam-se de forma geométrica, em torno de quatro partes, cortadas por
canais que evocam quatro rios, com flores, árvores e arbustos.

O pátio dos Leões era um jardim. Os canteiros de flores de Generalife, em Granada, na Espanha, estavam
reunidos, com a intenção de criar a ilusão de caminhar por um tapete floral. A água, com seu som ritmado,
reflexos e evocações, tem papel essencial.

No Ocidente, o jardim constitui uma manifestação artística fundamental durante a Idade Moderna. O jar-
dim do Renascimento italiano tem um desenho regular, ordenado segundo formas geométricas, que se
difunde, com variantes, por toda Europa.

O paisagismo alcança grande refinamento na França de Luís XIV, onde são criados jardins baseados em
grandes eixos, principais e secundários, que formam aleias relacionadas às fachadas palacianas. Comumen-
te chama-se essa configuração de “jardim francês”. A moda do jardim pitoresco chega à Inglaterra do sécu-
lo XVIII, em transformação, quando é criado o chamado “jardim inglês”, com caminhos ondulantes e em
terreno com altos e baixos, onde são combinadas superfícies planas com massas arbóreas e plantas.

190
Cápítulo 53 – Análise de Pinturás
O papel da pintura muda a cada momento. A formulação de princípios comuns gera análises convencio-
nais, mas aspectos analisados de formas diferentes em cada caso e época possibilitam comentários consis-
tentes.

A) Aspectos Técnicos
O primeiro passo para a análise de uma pintura é a determinação precisa de como foi executada, de seu
suporte e de suas medidas. Os aspectos técnicos são fundamentais para se conseguir determinados resul-
tados, como texturas, cores ou efeitos superficiais de qualquer tipo. A técnica também tem sua própria
história: da mesma maneira que determinadas técnicas são praticadas mais em algumas épocas do que em
outras, a evolução de algumas é decisiva para que sejam entendidas propostas artísticas inovadoras. As-
sim, por exemplo, não é possível entender o impressionismo sem o surgimento da fabricação industrial dos
tubos de tinta, com pigmentos que produzem resultados mais impactantes.

B) Aspectos Iconográficos
Ainda que seja um grave erro confundir a história da pintura com a história da representação, qualquer
pintura, até a mais abstrata, tem um motivo ou tema. Certamente a essência da pintura não está na repre-
sentação desse motivo concreto, que pode repetir-se de modos completamente distintos em diversos ar-
tistas ou épocas. Por isso mesmo, ele se torna incompreensível se não estiver vinculado a um determinado
contexto cultural, de caráter pessoal ou social. Mas é conveniente refletir sobre seu valor, antes ou depois
de analisar sua forma.

As grandes culturas históricas têm desenvolvido uma iconografia relativa a seu panteão de deuses: no Oci-
dente, são frequentes os temas extraídos da mitologia greco-romana ou dos textos bíblicos. Também têm
destaque os temas históricos, do passado ou contemporâneos, e os temas alegóricos e literários, todos
fontes essenciais da pintura de assunto. Quadros que recorrem a narrativas mais ou menos intranscenden-
tes da vida cotidiana recebem o nome de quadros de gênero. Além desses, há que se considerar o retrato
(assim chamado quando se conhece a identidade do personagem, sua biografia e significação), a paisagem,
as vistas de arquitetura e as naturezas-mortas.

Desde o realismo, que acabou com a hierarquia dos assuntos, o tema pictórico tem sido tratado de manei-
ra diferente. O pintor contemporâneo alude, de diversos modos, a elementos plásticos que procedem de
determinada noção de realidade, seja visível ou imaginária, figurativa ou abstrata, mas sempre suscetível
de ser descrita em termos concretos.

C) Aspectos Formais
A linguagem pictórica possui determinados códigos, cuja correta leitura permite compreender os fins ex-
pressivos próprios que tornam a pintura uma especialidade artística. Ao ser analisada, devem-se levar em
conta os seguintes aspectos:

• A linha permite reconhecer determinadas formas: há pinturas desenhadas com um traço firme e
fechado, que demonstram certa intenção descritiva, enquanto outras têm um traço mais leve ou
aberto, que pode se identificar com imaginação ou fraqueza. A linha também pode gerar uma es-
trutura independente ou, ao contrário, integrar-se a outros elementos, como a cor.
191
• O volume: ainda que a pintura seja bidimensional, as figuras podem, eventualmente, sugerir corpo-
reidade, isto é, parecer “modeladas” a partir da manipulação de luz e sombra empregada pelo ar-
tista.
• O espaço: na pintura ocidental, do Renascimento até o século XIX, a ilusão da terceira dimensão é
sugerida pela perspectiva, de modo que a pintura se converte em uma espécie de janela que se
abre a um espaço imaginário. Mas fora desses limites cronológicos e em outras culturas, há formas
distintas de sugerir o espaço, seja por procedimentos simbólicos, como na arte medieval, seja por
superposição de planos, como no cubismo.
• A cor é o elemento que define uma pintura. Existem diversas classificações das cores. A mais co-
nhecida é a que separa as primárias, que são o amarelo, o vermelho e o azul, das secundárias, nas-
cidas a partir da mistura das primeiras. Outro exemplo é a separação entre as cores quentes, aque-
las que expandem luz e que se aproximam do espectador, como o vermelho e o amarelo, e as frias,
que sugerem distância, como o azul e o verde. Mas, antes de tudo, deve-se levar em conta a rela-
ção da cor com outros elementos da obra, seja por seu sentido simbólico, seja pela possibilidade de
caracterizar determinado argumento expressivo.
• A luz essencialmente deve-se distinguir três formas de iluminação. A uniforme, que se distribui por
igual em todas as partes do quadro, a dirigida, que serve para destacar com maior intensidade al-
gumas partes, gerando tensões expressivas e dinâmicas, e, por fim, a iluminação que se vincula aos
planos de cor, como nas origens da pintura moderna.
• A composição deriva da ordenação harmônica dos elementos do quadro. Pode-se falar de compo-
sições fechadas, isto é, que convergem ao centro do quadro, ou abertas, que se expandem até os
extremos. Em geral, podem ser distinguidos esquemas compositivos e linhas e força, centrífuga ou
centrípeta, que tendem a sugerir movimento ou estabilidade.

D) Aspectos Estéticos, Sociais, Funcionais e Simbólicos


A análise histórica e artística a que a pintura é passível está estreitamente vinculada à metodologia com
que se aborda seu estudo. Mas, em geral, podem-se dirigir conclusões às seguintes vertentes:

• Toda pintura responde ao gosto de uma época, lugar ou artista concretos, o que permite classifica-
la em determinada corrente, que responde a determinadas características.
• Uma imagem constitui um objeto cultural, que teve, em seu tempo, determinado papel pessoal ou
social, que se transforma, em todo ou em parte, com o passar do tempo.
• Ainda que a maioria das pinturas seja objetos artísticos móveis, elas foram concebidas para cumprir
determinada função em um lugar, conservado ou perdido, estritamente associado a seu significado
histórico. Podem também fazer parte de uma coleção.
• Como toda linguagem artística, uma pintura possui muitos significados que vão além dos meramen-
te derivados de sua forma e tema; expressa ideias abstratas que podem ter seu valor apreciado.

192
Cápítulo 54 – Desenho
O desenho é uma forma de expressão artística que consiste em traçar linhas ou figuras sobre um suporte
adequado.

A) Conceito
Em sentido genérico, entende-se por desenho todo traço linear ou de figura, realizado sobre suporte ade-
quado, que expressa uma ideia estética. Ainda que se possam considerar antecedentes distintos, das grafi-
as rupestres às mais diversas manifestações medievais, como os álbuns de arquitetura (como o Villard de
Honnecourt) ou, em especial, as sinópias (esboços preparatórios que antecediam os afrescos italianos des-
de o século XIV), foi em fins do século XIV e, sobretudo, a partir do Renascimento italiano, que o desenho
aparece tal como é entendido modernamente, tendo o papel como suporte.

A partir de então, e até o século XIX, o desenho torna-se o fundamento de todas as artes, o primeiro passo
imprescindível para empreender qualquer obra artística. Vasan foi um dos primeiros colecionadores de
desenhos, o que demonstra o apreço que, desde muito tempo, tais obras despertam, tanto quando se tra-
tam de apontamentos rápidos (reflexo da personalidade ou de inspiração imediata) como quando são mais
elaborados (expressão suprema da ideia da obra de arte). Já no século XVIII, mas sobretudo ao longo dos
séculos XIX e XX, o desenho apresenta-se como obra artística autônoma, não necessariamente concebida
como estudo prévio de outra, o que supõe, de certo modo, um retorno às origens.

B) Elementos
Do ponto de vista técnico, a análise de um desenho deve levar em consideração dois aspectos fundamen-
tais:

• A superfície, com seu colorido e textura: ainda que no passado se utilizasse o pergaminho, feito de
pele curtida de animais, o suporte mais comum é o papel, que pode ser de muitos tipos.
• A forma do desenho propriamente dita. Há três formas de desenhar: o desenho por contorno ou li-
near; o modelado, que dá ideia de volume a partir de riscos paralelos; O pictórico, que se organiza
por manchas e se interessa pelo contraste de luzes e sombras, tendendo a fundir as figuras no es-
paço.

C) Técnicas Tradicionais
Há três grandes grupos de técnicas de desenho, divididos com base no instrumento empregado para dese-
nhar:

• Os meios de ponta fina, o mais comum é o grafite, que proporciona um traço negro bastante fino.
Outros meios de ponta fina são as pontas de metal e o bico-de-pena;
• Os meios de traço largo, que podem ser naturais, como o carvão (fruto da semicombustão da ma-
deira, que produz traço negro), o bastão argiloso (gera traço de cor sépia e penetra no papel), a
sanguínea ou lápis vermelho (à base de argilas com ferro) e o giz branco; não-naturais, como o lápis
de arte ou pastel (técnica próxima à pintura, já que utiliza pigmentos coloridos nos lápis);
• Os meios portadores de tinta, dos quais o mais comum seria a pena de cânhamo ou pena de ave.
Há vários tipos de tinta, de acordo com seu material principal (sempre mesclado com um diluente):
193
a tinta esferográfica, que leva pigmentos de ferro que, às vezes, chegam a destruir o desenho,
manchando-o por detrás; a tinta chinesa ou nanquim, à base de pó de carvão; o bistre, à base de
cinzas de madeira, que possui cor amarronzada; a tinta de sépia, feita a partir do animal marítimo
de mesmo nome.

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Cápítulo 55 – Tecnicás Pictoricás
A pintura, um dos principais meio de expressão artística, tem grande variedade de técnicas e procedimen-
tos.

A) Cores
Independentemente de qualquer polêmica teórica, o que define uma pintura é a cor. A cor é matéria que
consta dos elementos básicos, o pigmento propriamente dito, que produz determinada tonalidade de cor,
e o aglutinante, elemento imprescindível, misturado ao pigmento e graças ao qual se faz uma emulsão
homogênea, capaz de colorir uma superfície contínua. O aglutinante “cola” o pigmento na tela.

Há pigmentos naturais, como o lápis-lazúli para a cor azul; os óxidos de ferro para o vermelho; os silicatos
para as cores terrosas; ou o carbonato de cálcio para o branco. Há também compostos químicos diversos
que, no século XIX, passaram a possibilitar variadíssima gama de pigmentos.

A natureza da técnica pictórica é determinada pelo aglutinante. Eles podem ser solúveis em água, como a
gema de ovo, as gomas vegetais ou o cal; ou gordurosos, caso dos óleos e ceras. Os antigos pintores fabri-
cavam suas cores, de modo que a execução de uma pintura dependia de importante fase prévia, muitas
vezes cheia de experimentações técnicas.

Para realizar as pinturas rupestres, os homens da Pré-História fixavam os pigmentos na superfície das ca-
vernas usando gordura animal, sangue ou água. Na Antiguidade, só eram conhecidos aglutinantes como o
carbonato de cálcio, usado nos afrescos, e a gema de ovo, para pinturas sobre madeira. Por causa do aglu-
tinante, esse tipo de trabalho ficou conhecido como “têmpera de ovo”.

O Renascimento trouxe uma grande transformação: o uso do óleo de linhaça aplicado com o pigmento
sobre linho esticado em painéis de madeira. Era o nascimento da técnica que conhecemos como “óleo so-
bre tela”.

A partir do século XX, começou-se a utilizar a resina acrílica como aglutinante. O uso da tinta acrílica, de
secagem muito rápida, facilitou a execução de grandes painéis, como os pintados nos anos 1980 pelo neo-
expressionismo alemão e pela chamada Geração 80 Brasileira.

B) Procedimentos
Os distintos procedimentos pictóricos dependem de duas variantes essenciais: o suporte e o aglutinante.

Afresco é a técnica de pintura mural em que o pigmento puro, misturado apenas com água, é aplicado so-
bre superfície ainda úmida, de gesso ou cal. As cores impregnam esse revestimento, tornando-se parte
integrante da parede ou teto. Por isso, a durabilidade do afresco é muito grande. Mas sua execução sem-
pre exigiu muita perícia dos pintores, já que não admite correções.

Pintura a óleo é a técnica que usa óleos para diluir pigmentos. É aplicada a qualquer tipo de suporte, entre-
tanto é mais utilizada sobre madeira ou tela (tecidos variados esticados sobre moldura de ripas de madei-
ra, o chassis). A pintura a óleo oferece vantagens técnicas consideráveis, como brilho e textura, a possibili-
dade de fazer correções ou de sobrepor várias camadas pictóricas, que produzem transparências e veladu-
ras.

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Têmpera é a técnica que utiliza gema de ovo ou colas vegetais como aglutinante. Aplicada a diversos su-
portes, sobretudo madeiras e paredes murais. Oferece vantagem sobre o afresco: a possibilidade de retifi-
cações, mas, em compensação, não adere à superfície, durante bem menos.

A aquarela usa apenas muita água para dissolver as cores. Exige grande rapidez e segurança na execução e
permite a criação de delicadas transparências.

O guache usa gomas, sobretudo goma arábica, como aglutinante. Geralmente, aplicada sobre tela ou pa-
pel. Produz texturas pastosas e grossas, de grande expressividade.

A tinta acrílica é a pintura plástica, fabricada industrialmente com resinas sintéticas. Consegue tonalidades
uniformes e possibilidade de diferentes texturas com secagem rápida.

C) Verniz
Toda pintura precisa ser coberta por capa protetora que também proporciona efeito brilhante. Ao longo da
história, clara de ovo e ceras diversas foram usadas nessa cobertura final. A partir do século XVIII, os verni-
zes passaram a ser a cobertura mais comum das pinturas. No século XIX, os pintores europeus passaram a
cultivar o hábito de chamar seus colegas para o momento em que a tela ia ser envernizada. Era um mo-
mento de confraternização, que podia incluir comida e bebida. Vem daí o termo vernissage, que até hoje é
utilizado nas inaugurações de exposições.

196
Cápítulo 56 – Artes do Metál
Desde o final da Pré-História, o metal é um dos principais suportes para a realização de obras humanas que
podem ser chamadas de arte. Sua funcionalidade e seu destino têm variado muito ao longo da história.

A) Definição
Como o próprio nome indica, são conhecidas como artes do metal as manifestações artísticas, de caráter
utilitário e/ou decorativo, que utilizam qualquer tipo de metal na fabricação. Ainda que haja registro dessa
técnica desde os períodos mais antigos da história, os historiadores da arte têm se detido nas peças produ-
zidas entre o final da Idade Média e o século XIX.

B) Grades
A grade é uma rede de barras metálicas, geralmente de ferro forjado (também existem as de bronze), que
protege um aposento ou altar. Estilisticamente, esse tipo de arte corresponde à evolução da história da
arquitetura e da decoração, de modo que é possível fazer uma catalogação de formas e usos, ligados aos
problemas espaciais, ornamentais e simbólicos de cada período histórico.

Desde o final do século XV e sobretudo durante o século XVI, a grade tem papel fundamental como limite
espacial dos presbitérios e capelas nas igrejas. No Renascimento, houve verdadeiros mestres nesse tipo de
peça, como o mestre Bartolomé, autor da grade da Capela Real de Granada (1518-1523), um elemento
indispensável desse conjunto arquitetônico.

As grades também tiveram muita importância na época barroca, quando foram utilizadas em palácios (bal-
cões e janelas) e portões de jardins. No século XX, as grades passam a ser elemento associado à arquitetu-
ra civil, além da religiosa.

C) Ourivesaria e Prataria
No sentido literal, ourivesaria é a arte de fabricar objetos em ouro, ainda que, ocasionalmente, possa ter
sentido mais extenso, que incorpora não só a prata, mas qualquer tipo de trabalho com metais e pedras
preciosas.

Em todas as civilizações, as peças de ourivesaria sempre tiveram lugar de destaque. Graças ao valor do
material com que são realizadas, estão associadas a atividades de profundo sentido simbólico.

O termo prataria aplica-se à arte de fabricar vasilhas e objetos em prata. Seu uso é antiquíssimo, mas os
estudos dessa atividade concentram-se nas peças feitas entre o fim da Idade Média e o século XIX.

Para sua utilização, a prata é misturada com materiais de qualidade inferior, que diminuem sua pureza e
assim garantem maior durabilidade aos objetos. Como esse procedimento acaba diminuindo o valor intrín-
seco dos objetos, sempre houve leis reguladoras da quantidade de prata utilizada em cada peça, para que
não se cobre um valor superior ao real.

O trabalho de prataria e ourivesaria acontece de diversos modos, com martelos, prensas, estampas, mol-
des de madeira, soldadores e peças de fundição. No estudo da prataria, o historiador da arte tem de ob-
servar, em primeiro lugar, as marcas dos prateiros, que são os selos que os artífices desenham nas peças.

197
Os prateiros, como os demais ofícios artísticos, eram regidos por sistema de associação cooperativa, que
começava com o aprendizado (sempre a serviço do mestre); finalizado esse período, o aspirante tornava-se
oficial, que trabalhava para distintos prateiros; por fim, para alcançar o posto de mestre precisava se sub-
meter a exames em certas regiões. Como todos os outros artífices, o prateiro era considerado um artesão.
No entanto, o valor de sua matéria-prima e o contato com aristocratas levaram muitos desses profissionais
a tomar consciência de seu trabalho.

A realização das peças era feita mediante contrato. Na Espanha, por exemplo, a clientela dos prateiros foi,
frequentemente, eclesiástica, o que determinou o tipo de objetos mais comuns, que faz parte da liturgia:
cálices, custódias, hostiários, relicários, candelabros, cruzes, coroas etc.

Os trabalhos em prata também foram muito influenciados pela arquitetura, à qual se associavam estilisti-
camente. Existem estampas com modelos decorativos que se difundiram com certa constância na Europa.
Elas reúnem muitos elementos figurativos, mas também desenhos abstratos. Por tudo isso, o estudo de
um objeto em prata, além de levar em conta seu uso funcional, representativo e simbólico, deve observar
como ele se relaciona com a linguagem arquitetônica, o ornamento e a plástica escultórica.

198
Cápítulo 57 – Grávurá
A gravura é obtida a partir de desenho com objeto cortante ou substâncias químicas em chapa de metal,
pedra, madeira ou tecido. Essa superfície, a matriz, produz uma série de impressões idênticas.

A) Técnica
A gravura geralmente é produzida com objeto cortante ou substância química que cria motivo plástico em
superfície de natureza variada – madeira, metal, pedra ou tecido, entre outras. Essa superfície é chamada
matriz e tem a imagem invertida da que será vista na gravura, que é a obra em papel gerada pelo processo
de gravação. Esse processo ocorre depois que a matriz recebe camada de tinta e entra, junto com o papel,
em uma prensa, isto é, uma máquina com cilindros que pressiona a matriz sobre o papel. Cada série de
gravuras tem um número de cópias predeterminado pelo artista, que controla a execução e a legitimidade
do trabalho assinando a gravura depois de pronta.

Geralmente, o artista assina o nome no canto inferior direito da obra e, no canto inferior esquerdo, nume-
ra o exemplar da gravura, com dois números separados por barra ou travessão. O primeiro número corres-
ponde à posição da gravura na sequência de impressões; o segundo mostra a quantidade de gravuras da-
quela série. Quando, em vez dos dois números, uma gravura traz no canto esquerdo inferior a abreviação
P.A. significa “prova de autor”. Muitas vezes, antes de realizar a série de impressões o artista faz algumas
provas de autor para verificar se o resultado foi o planejado.

Por se tratar de obra em série, a gravura muitas vezes custa menos do que a pintura de um mesmo artista.
Isso não diminui o valor artístico do trabalho em gravura, apenas seu valor de mercado. Alguns artistas,
como Rembrandt e Albrecht Dürer, têm obras excepcionais em gravura, sendo que o segundo foi predomi-
nantemente um gravador. Goya também realizou algumas de suas obras-primas, como as séries Caprichos
e Os Desastres da Guerra, usando essa técnica.

B) Tipos
As diferentes denominações das gravuras referem-se ao suporte utilizado como matriz e o instrumento
que criou o desenho em sua superfície. São elas:

• Xilografia: gravação, numa superfície de madeira, feita com buril, uma ponta de ferro geralmente
em forma de prisma.
• Ponta-Seca: grava-se com agulha de ferro ou outro metal em placa de cobre ou ferro.
• Água-Forte: como o nome sugere, líquido com propriedades químicas, o ácido nítrico, é fundamen-
tal nessa técnica. A matriz também é de metal, mas coberta com verniz, depois retirado com ponta-
seca nos lugares de desenho. O ácido atua sobre a área desenhada, desgastando-a ainda mais, mas
não atua sobre a área envernizada. O artista controla o grau de desgaste da chapa metálica com a
quantidade de ácido e com o tempo em que ele permanece em contato com a matriz.
• Litografia: processo baseado na incompatibilidade entre água e gordura. A matriz, uma pedra calcá-
ria, em vez de cortada, permanece plana e é impressionada apenas com lápis gorduroso ou pincel
com tinta gordurosa, responsável pelas áreas de cor, e com goma arábica, que cria máscaras bran-
cas que preservarão a integridade do papel sem nenhum desenho após a obra ter sido colocada na
prensa. Depois que o desenho com tinta gordurosa está seco, aplica-se água à pedra. A umidade é
rejeitada pelo desenho, mas absorvida pela superfície porosa da pedra. Essa é então untada com
199
tinta, que adere só à imagem, pois o resto da pedra está úmido. Passa-se então à prensa e o papel
sai impressionado com a imagem invertida do desenho feito na matriz. A litografia proporciona
grande liberdade ao criador, que pode administrar as máscaras de goma arábica, impressionando-a
com pontas-secas e criando várias camadas de fundo e textura.
• Serigrafia: com tecido fino, cria-se tela, que, impressionada quimicamente, ganha uma máscara va-
zada com o desenho feito previamente em papel. Esse desenho vira uma espécie de molde, há que
a tinta passa pelas áreas vazadas na tela, mas não consegue penetrar nas que permanecem opacas,
tratadas quimicamente. Todas as técnicas de gravura permitem a utilização de mais de uma cor,
mas é na serigrafia que tal uso se torna frequente. Artistas contemporâneos internacionais, como
Andy Warhol e Keith Haring, e os brasileiros como Cláudio Tozzi e Rubens Gerchman, fizeram ampla
utilização dessa técnica.

200
Cápítulo 58 – Produçáo Contemporáneá
A ruptura da arte contemporânea com os modelos anteriores deixou o público com dúvidas a respeito do
papel atual da arte.

A) “Não entendo o que significa”


A arte contemporânea é certamente complexa. Não é fácil sintetizar o significado das obras de vanguarda,
nem fornecer uma única pista para sua compreensão. Mas a arte de outras épocas também é difícil de en-
tender, embora não se tenha essa impressão, uma vez que as formas sugerem a existência de um significa-
do. É natural que o homem sinta atração ou rejeição por formas, cores e objetos aos quais empresta signi-
ficado. É essa percepção que desperta interesse pela arte de determinadas épocas. Nada impede a valori-
zação da arte de vanguarda por caminho semelhante. No entanto, o alcance do significado da arte con-
temporânea não é comparável ao de outras épocas. Uma obra de vanguarda pode não significar coisas
reconhecíveis. Em geral, ela não narra, mas evoca sensações ou apresenta outras formas de ver o mundo.
Às vezes, querer saber o significado é uma curiosidade impertinente: não se pergunta sobre o significado
de uma tapeçaria ou sobre a disposição dos móveis numa casa. Mas é evidente que a arte contemporânea
responde a determinado sentido estético.

B) “Isso qualquer um faz”


Uma obra encerra sempre um pensamento em um objeto. Em nenhuma época esses aspectos podem ser
separados. Mas, em geral, os artistas do século XX, graças sobretudo a um processo iniciado no Renasci-
mento, consideram-se mais intelectuais que artesãos. A criatividade que há em um objeto qualquer, inde-
pendentemente de ser considerado ou não artístico, não está em sua existência física, mas na ideia de ter
sido concebido de determinada maneira. Não se questiona que os edifícios são obra de determinado arqui-
teto, ainda que ele não tenha feito nenhuma intervenção física na construção. A criatividade artística, por-
tanto, é fruto da atividade intelectual. Entretanto, na arte contemporânea, como na vida, valores como a
espontaneidade ou a engenhosidade não são obtidos facilmente. Muitas obras que parecem fáceis são, na
realidade, muito difíceis de realizar. Exigem uma depuração e uma perspectiva que demonstram habilida-
des excepcionais.

C) “Eu não pagaria nada por isso”


Sabe-se que o preço das coisas nada tem a ver com seu valor. O preço é resultado de certas leis do merca-
do. Os artistas são profissionais que comercializam determinada mercadoria e seus produtos têm um pú-
blico disposto a pagar certo valor. São complexas as razões que explicam por que determinada obra atinge
um preço que parece desproporcional. Como todo objeto, a obra de arte também pode carregar valores
sentimentais ou simbólicos, difíceis de serem traduzidos em termos comerciais para quem não se relaciona
dessa maneira com ela. De qualquer forma, existem alguns valores que fazem o preço subir, como a origi-
nalidade ou a condição de obra única.

D) “Não merece estar num museu”


Existe a tendência de encarar museus como templos, à maneira do século XIX e, consequentemente, con-
siderar seu acervo sagrado. Mas um museu, sobretudo de arte contemporânea, é muito mais próximo da
realidade cotidiana. Por isso, contemplar uma obra de arte num museu tem importância relativa. O museu
201
permite apreciar obras, mas isso não significa que elas têm consagração artística pelo simples fato de esta-
rem expostas. No entanto, a presença de uma peça num museu certamente é resultado da intervenção de
várias pessoas, como críticos, historiadores, curadores, patrocinadores e mesmo artistas. Ainda assim, tra-
ta-se de decisões que só com tempo poderão ser confirmadas ou rechaçadas. A perspectiva histórica ajuda
a reduzir esse risco: é preciso lembrar que os museus guardam a memória do que já foi feito.

E) Apreciação
A apreciação da arte contemporânea demanda o mesmo tipo de estudo exigido para apreciar a arte de
qualquer outra época. É necessário que se realize uma contemplação detida, que se analise o processo
criativo, as repercussões da obra em seu tempo e sua valorização histórica. Mas, inicialmente, é importan-
te refletir de maneira geral sobre o que a arte significou em épocas passadas, ou seja, é preciso levar em
conta a teoria da arte. A maior causa da incompreensão da arte contemporânea resulta da suposição de
que toda a arte anterior obedece a princípios únicos que, de repente, mudaram no século XX. No entanto,
dificilmente é possível apreciar a arte contemporânea se as ideias por trás da criação não dizem nada. Não
que seja necessário concordar com o pensamento que impulsionou toda a criação artística contemporâ-
nea, nem de épocas passadas. Mas sem uma tentativa efetiva de conhecer as motivações do artista de
vanguarda será difícil compreender suas propostas estéticas.

Uma outra condição para apreciar a arte contemporânea é entender a diversidade de questões, de pro-
blemas e de soluções estéticas que os artistas têm posto em pauta. Ao mesmo tempo que a arte dita con-
sagrada, que transita em museus e galerias, há pressões que sejam aceitas como arte formas de expressão
produzidas na rua, como o grafite.

202
Cápítulo 59 – Destino dá Arte
As obras de arte, em muitos casos, perdem sua função original devido ao papel que assumem como ele-
mentos culturais vivos, suscetíveis de emitir mensagens permanentes. Quais são, então seu destino e seu
real sentido?

A) Significado
As obras de arte são objetos materiais. Algumas têm caráter móvel, ou seja, podem ser levadas de um lu-
gar para outro, como a maior parte das esculturas, desenhos e pinturas. Outras são imóveis, como a arqui-
tetura. Todas estão submetidas a um processo de envelhecimento em consequência da passagem do tem-
po. Mas, em virtude do valor que as diversas civilizações atribuíram a esses objetos, eles foram conserva-
dos.

Hoje não tem o mesmo significado que tiveram quando foram concebidos. É sua dimensão artística que
lhes proporciona singularidade.

B) Museu
O desejo de possuir obras de arte para desfrute privado é o que move o colecionador. A história do hábito
de colecionar vem desde a Antiguidade, mas foi sobretudo a partir do Renascimento, quando começaram a
se formar as grandes coleções de arte das monarquias europeias e das principais famílias nobres, que as
coleções passaram a ser um patrimônio pessoal transmitido por herança de pais para filhos.

Ao final do século XVIII, e especialmente no século XIX, as coleções dos monarcas converteram-se em cole-
ções do Estado e foram abertas ao público. Foi assim que nasceram os grandes museus nacionais. Gradu-
almente, esses museus foram incorporando obras que, por terem sido compradas, doadas, desapropriadas
ou tomadas em guerra, deixaram de pertencer a seus proprietários. A partir daí o público poderia ter aces-
so a algo que, até então, era objeto da contemplação de um círculo reduzido.

Uma vez formulada a noção de museu, como instituição artística destinada à exibição pública e permanen-
te de obras de arte, sua proliferação tem sido crescente nos últimos séculos. A procedência das peças, os
objetivos ou a razão de ser de cada um deles são muito variados, mas sua existência condicionou decisiva-
mente a criação de arte contemporânea. Por isso, os museus de arte contemporânea constituem variante
específica em relação aos demais museus: deve-se falar em “centros de arte” para se referir à estreita rela-
ção que se estabelece entre criação, exibição e conservação.

Os museus são, em sua maioria, instituições públicas. Eles têm dois objetivos fundamentais. Em primeiro
lugar, o estudo e a conservação adequada das obras que abrigam, o que supõe a catalogação rigorosa das
peças, bem como a tarefa de levar a cabo uma eventual restauração. Em segundo lugar, a difusão do acer-
vo. A base de tudo isso é uma adequada apresentação da coleção permanente do museu (a maioria conta
com mais obras do que é possível exibir), mas também implica a realização de exposições e atividades edu-
cativas, sem esquecer seu papel de referência cultural e de estímulo ao turismo.

C) Monumento
Muitos edifícios do passado conservam a mesma função para as quais foram concebidos. É o caso, por
exemplo, das igrejas e das catedrais. Nelas, a dimensão histórico-artística é mantida com a realização do
203
culto. Isso significa que o espaço e sobretudo os objetos que lá se encontram são resultado de uma elabo-
ração que se estende ao longo do tempo. Em consequência, a percepção desses monumentos é global.

Além da historicidade, que nos permite situar cada peça ou elemento arquitetônico num contexto estilísti-
co e cultural determinado, há que se valorizar a permanência do todo como consequência de estar inte-
grado a uma unidade funcional viva.

Também nas cidades, por sua própria condição de realidades vivas e mutantes, a trama urbana que gera os
monumentos tem essa dupla dimensão. No caso de cidades históricas, alguns edifícios que perderam suas
funções históricas ou que são inclusive ruínas permanecem junto a outros que mantêm seu uso. Às vezes,
é difícil separa-los de outros que são pouco significativos. No estudo da evolução urbanística há que se
levar em conta a sequência temporal, sem deixar de lado nenhum vestígio histórico.

D) Itinerário
Grande parte de nosso conhecimento do entorno produz-se através de testemunhos artísticos que se con-
servam. Esses testemunhos pertencem a um espaço, ao qual as obras de arte proporcionam determinada
identidade cultural ao longo da história.

Assim, as obras de arte, em particular o patrimônio arquitetônico e o patrimônio móvel a ele associado,
constituem referências culturais de primeira ordem. As grandes obras de arte, embora possuam existência
concreta ligada à existência de determinados seres humanos, são patrimônio da humanidade.

204
Cápítulo 60 – Urbánismo
O estudo do urbanismo requer conhecimento multidisciplinar e critérios além dos estéticos, simbólicos ou
funcionais. Também devem ser considerados fatos geográficos, históricos e econômicos, bem como os de
caráter legal, técnico ou sociológico.

A) Arte
Na perspectiva do historiador da arte, que considera o resultado urbanístico como obra de arte, o urba-
nismo adquire uma dimensão espacial e temporal, portanto aberta, que o diferencia profundamente não
somente dos pontos de vista de outras disciplinas, mas também do estudo de outros objetos do passado
aos quais se queira dominar por meio de uma dimensão histórica e fechada. Por isso, nos estudos históri-
cos de urbanismo são conjugados aspectos teóricos e uma realidade não-planificada, transcorrida ao longo
do tempo. O historiador da arte deve levar em conta a localização e os condicionantes naturais de uma
cidade, assim como suas conexões com o território, sobretudo no que diz respeito às vias de circulação e
às funções de caráter político, econômico, comercial, industrial, defensivo ou simbólico que desempenha.
Sucintamente, o historiador da arte deve estudar os seguintes aspectos:

• O traçado urbano, quer dizer, a estrutura geral em que se situam os edifícios. Pode ser regular ou
formal, isto é, resultante do pensamento teórico, ou irregular ou informal. Do primeiro caso, os
mais comuns são o traçado em quadrícula, também chamado de “traçado em xadrez” (com as vias
cortadas em ângulo reto) e o traçado radiocêntrico (com as vias dispostas em anel a partir de um
ponto central). No caso de traçado irregular, não há lógica ou modelo formais que o expliquem,
sendo os casos mais evidentes o traçado medieval, na Europa, ou, no caso brasileiro, o da favela,
cujas vias resultam, no tempo e no espaço, do processo da autoconstrução;
• O significado dos edifícios, quer dizer, o uso da volumetria externa e simbolismo, dentro do traça-
do;
• O espaço exterior, definido pelos edifícios, particularmente em sua relação com a via e a praça.

B) Revolução Industrial
Desde o século XIX, mas sobretudo a partir de 1945, os problemas urbanísticos, tanto de caráter teórico
como histórico, atingiram nível tão sem precedentes que a arquitetura contemporânea está, mais que em
nenhuma outra época, ligada ao planejamento urbano. Tenta-se atender, em grande parte, às urgentes
necessidades de espaço que se apresentam nas cidades modernas, que receberam quantidades imensas
de população em pouco tempo.

Dois são os principais fatores que se apresentam como essenciais no urbanismo contemporâneo. De um
lado, a necessidade de mobilidade e acessibilidade tem exigido a abertura de amplas avenidas que permi-
tam a comunicação rápida entre os bairros, a partir de novos meios de transporte. Desse modo, as vias de
circulação, dentro da cidade, têm recebido atenção especial. De outro lado, a especulação do solo urbano
ligada ao sistema capitalista exige seu máximo aproveitamento, em altura e superfície.

Uma das primeiras e mais significativas experiências foi a reforma urbanística de Paris, entre 1852 e 1870,
dirigida pelo Barão Haussmann (1809-1891), que reestruturou completamente a malha urbana, à custa da
destruição da cidade antiga e da marginalização dos lugares não contemplados pela intervenção. Abriram-
se grandes avenidas e boulevares, que conectaram os antigos bairros e condicionaram a forma das novas
205
edificações. Ao mesmo tempo, foram criadas espetaculares visões cenográficas dos monumentos antigos e
modernos, convertidos em pontos focais dos eixos viários.

No Rio de Janeiro, durante o curto período entre 1902 a 1906, aconteceu a maior transformação já verifi-
cada no espaço carioca. O então prefeito do Distrito Federal, Francisco Pereira Passos (1835-1913) – que
havia estudado em Paris e presenciado as reformas de Haussmann – empreendeu um programa de refor-
mas que objetivava transformar a cidade de características ainda coloniais, com ruas estreitas e sombrias,
em um espaço que expressasse o desenvolvimento econômico e cultural das elites do país que era o maior
produtor de café do mundo. Para isso, seguiram-se o alargamento e a arborização de diversas vias, a de-
molição do Morro do Senado, a abertura da Avenida Beira-Mar, a construção do porto, entre outras inicia-
tivas radicais. Mas, sem dúvida, sua maior e mais impactante obra foi a construção da Avenida Central,
atual Avenida Rio Branco, que acarretou a demolição de mais de duas mil edificações.

C) Século XX
As propostas urbanísticas do século XX oferecem respostas diferentes, ainda que partam de análise similar
dos problemas. Na base do movimento moderno instala-se um compromisso social direcionado à resolu-
ção dos espaços coletivos. Nos anos 1920, na Europa Central, nascem nos arredores das cidades os primei-
ros condomínios residenciais, com casas em linha, isto é, dispostas lado a lado e ajustadas a um módulo,
ou grandes quadras de casas com serviços comuns.

Mas seria Le Corbusier o arquiteto para o qual a casa e a cidade se tornariam questões inseparáveis. Em
1922, ele projetou o modelo de Ville Contemporaine (Cidade Contemporânea), base de numerosas atua-
ções posteriores: trata-se de traçado aberto onde no centro se localizam 24 arranha-céus, isolados e ele-
vados para integrar a natureza à cidade, com grandes quadras ao redor e onde o tráfego de veículos e pe-
destres ocorre em níveis diferentes. Uma característica fundamental é o caráter independente do conjunto
de moradias em relação ao traçado urbano, pois sua orientação e forma dependem apenas da luz, do es-
paço e da natureza.

206
Cápítulo 61 – Conserváçáo e Restáuráçáo
A conservação de bens culturais é uma atividade que tem adquirido grande importância na atualidade.
Considera-se que tais bens constituem patrimônio comum, que merece ser mantido para as gerações futu-
ras.

A) Valor
Ainda que em todas as épocas tenha havido maior ou menor cuidado na conservação de certos objetos,
em virtude da admiração que suscitavam, nunca, como atualmente, desenvolveu-se uma consciência cole-
tiva tão grande sobre a necessidade de salvaguardar os objetos que guardam a memória do passado. As-
sim, têm recebido maior importância social os historiadores e teóricos da arte, cuja principal missão é pro-
porcionar conhecimento adequado das obras artísticas. No entanto, a conservação de obras de arte exige
proteção legal, o que atualmente constitui campo específico da legislação nacional e internacional, e pro-
teção técnica, que implica sua restauração.

B) Restaurador
Todas as obras artísticas de caráter móvel (pintura, escultura, obra em papel etc.) estão submetidas ao
processo de inevitável deterioração, em razão de causas físicas (umidade, secura ou exposição à luz), bio-
lógicas (fungos ou insetos) e humanas (uso, transporte, adaptação a outros contextos, contaminação ou
simples abandono). A tarefa de conservação por parte do técnico encarregado supõe, em primeiro lugar,
encontrar tais causas, fundamentalmente a partir de análise fotográfica e química. E, em segundo lugar,
aplicar técnicas consideradas mais adequadas para pôr fim à deterioração e, na medida do possível, para
devolver à obra seu aspecto original.

C) Deterioração
A primeira tarefa é estancar a deterioração. Tratando-se de pinturas, por exemplo, inicialmente o trabalho
implica a reforma ou substituição dos suportes. No que diz respeito à pintura mural, isso ocorre mediante
o tratamento do muro ou de sua transferência a outro suporte, no caso daqueles que utilizam telas coladas
onde está a pintura, que por sua vez será colocada em nova tela.

Quando a obra é uma pintura originalmente executada em tela, deve-se averiguar, em primeiro lugar, a
resistência dos bastidores, que podem ter sido atacados por xilófagos (roedores de madeira), e nesse caso
será conveniente a sua substituição. A própria tela pode ter sido atacada por fungos, e por isso necessite
de limpeza. Quando está muito deteriorada, se “reentela”, isto é, cola-se na parte posterior uma nova tela,
com o objetivo de reforçar a original. As tábuas também exigem tratamento específico e sofrem, muito
mais que as telas, as mudanças de temperatura e umidade. No entanto, também é preciso deter-se sobre a
própria pintura, que pode ter se desprendido do suporte.

D) Recuperação
Uma segunda tarefa, em alguns casos polêmica, é recuperar a peça como foi concebida em seu momento
histórico. A controvérsia é maior quanto mais antiga é a obra de arte, por várias causas: a dificuldade para
definir a percepção original do artista, os obstáculos para atingir esse fim a partir dos mesmos procedimen-
tos e, sobretudo, a destruição de outra percepção histórica distinta, que possui seu próprio valor. Até

207
mesmo Goya foi consciente de que o tempo “é também quem pinta”. Em qualquer caso, a recuperação de
pintura ou de escultura tem duas vertentes: a limpeza e a substituição do que foi perdido. No caso da pin-
tura, para a limpeza da camada pictórica são utilizados diversos produtos, de ácidos a álcoois, com os quais
se pode chegar ou não até o pigmento original. Em relação à substituição do que foi perdido, na pintura
mural a reintegração pode ser realizada a partir do estuque, ou seja, completando-se as zonas em que não
há mais vestígio da pintura original com uma massa de gesso e cola, sobre a qual se repintam as partes
desaparecidas. No caso da pintura em tela, ainda que se respeitem escrupulosamente os critérios de estilo
do artista, a restauração realiza-se quase sempre a partir do uso de aquarela, que pode ser facilmente re-
movida, caso no futuro ocorram mudanças nos critérios de restauração. Com muita frequência, em vez de
serem reproduzidas as hipotéticas formas da obra original, que são irrecuperáveis, adotam-se manchas
neutras no lugar das zonas perdidas. Trata-se, nesse caso, de uma aproximação das formas originais irre-
cuperáveis, sem interferências visuais novas que inevitavelmente seriam imprecisas. No caso da escultura,
se a obra for de mármore e estiver completa, as pequenas perdas de material podem ser recuperadas com
estuque ou cera de pó de mármore. Se apenas fragmentos estão conservados, o usual é integrá-los por
meio de esqueleto de ferro ou cobre, que sugira a forma original.

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