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Conclusão

Depois de tudo, o museu é um dos lugares


que transmite a mais alta idéia do homem.
André Malraux

A relação entre arte e arquitetura nos museus de arte moderna e


contemporânea nunca é pacífica, é sempre problemática. Este trabalho situou-se
no limite do ensaio, procurando, ao invés de concluir, problematizar um tema que
ainda nos é tão caro e atual.

Embora o conceito de museu tenha se alterado ao longo do século XX, e


ele há muito não seja o museu iluminista – lugar que, por definição, deve
selecionar, conservar e expor os fatos do passado, sua relação com a produção e
com os objetos produzidos pela atualidade permanece problemática.
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O museu de atualidades é o museu moderno, no sentido que lhe deram Le


Corbusier, Alfred Barr e André Malraux, e mais tarde Pontus Hulten, Wilhem
Sandberg e tantos outros que aqui não couberam. Mas, o museu de atualidades
também pode ser o museu pós-moderno, no qual não é arte em si que está em
questão, mas seu efeito: a arte como discurso cultural.

A confrontação entre trabalhos artísticos é uma operação intelectual, que


não cessou de crescer e se tornar cada vez mais complexa ao longo do século XX.
Os museus carregam e mantêm em si esta complexidade, ao mesmo tempo em que
procuram tornar-se lugar de lazer. Trata-se ainda, portanto, do confronto das
visões de Marcel Proust e de Paul Valéry apontadas por Theodor Adorno. Mudou
o contexto, mas as questões iniciais permanecem.

A instituição-museu tornou-se tema da arte na segunda metade do século


XX, debatendo os intercâmbios entre a arte, a instituição e a institucionalização da
arte, retomando e ampliando questões já apontadas na poética de Marcel
Duchamp. Esta dinâmica foi descrita por Hubert Damisch na passagem do museu-
manufatura para o museu-máquina.

O museu-máquina engendra, em suas engrenagens, desdobramentos


variados: sua relação com a produção, com o mercado, com a crítica e com a
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história da arte como disciplina. O museu promove o debate historiográfico. O


objeto artístico faz parte do arsenal do historiador da arte. A maneira de agrupá-
los e de apresentá-los no museu configura uma leitura que se estabelece sobre
eles. A revisão do conceito de museu é consubstanciada pela revisão
historiográfica.

As primeiras propostas modernas tentaram livrar a obra do aspecto


sacralizado que ela adquiriu ao adentrar no lugar das musas. As propostas
modernas de Le Corbusier e Alfred Barr defendiam a reunião de um conjunto de
objetos não mais sacros, mas da vida cotidiana. A proposta de Mies van der Rohe,
por seu turno, apostara no efeito sublime de uma transparência radical. Este é o
ponto mais agudo na transposição da idéia de um museu como contenedor de
objetos do passado para um museu de atualidades: a destruição da caixa de
tesouros.
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O espaço foi a grande questão para os arquitetos do movimento moderno.


Para Frank Lloyd Wright, o primeiro a construir uma espacialidade moderna, a
destruição da caixa arquitetônica do passado, e não só do museu, era crucial. Na
concepção wrightiana, a idéia do centro como gerador espacial do museu confere
ao núcleo um caráter problemático, paradoxal.

No MSRG, o vazio central é dominante e impositivo, mantendo uma


forte hierarquia não-clássica. A subordinação de tudo à unidade gerada pelo vazio
central teve a desaprovação do meio artístico de sua época, e só foi valorizada
pelos artistas quando a arte passou a se relacionar com o contexto no qual se
insere.

O MSRG carrega em si uma outra contradição. Projetado como um


museu-manufatura, para abrigar arte herdada, foi construído no momento em que
se configurava o museu-máquina, que participa da produção artística, posição esta
que lhe é cobrada e constitui o pólo dos conflitos descritos.

A concepção de museu de Le Corbusier é idealista. Em seu museu do


crescimento ilimitado, o conteúdo é o universo. Na síntese das artes de Le
Corbusier, as paredes são lugares porta-vozes, completamente relacionados com
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uma ordem proporcional e um sistema de medidas. Os lugares porta-vozes


corbusianos se reportam a uma relação entre figura e fundo, na qual a cor, o vazio
e a luminosidade têm papel formador.

Se os lugares de Le Corbusier são porta-vozes, já os muros de Mies van


der Rohe têm uma existência muda, pois não fecham o espaço. O museu de Mies
van der Rohe abandonou a idéia da arquitetura como contenedor; a caixa de
tesouros do passado foi implodida, porque o tesouro é a própria vida.

No Beaubourg, Piano e Rogers retomaram a concepção de Mies, negando


o envelope, mantendo e reforçando ironicamente a idéia de transparência. Mas
recriaram a noção de abrigo, através de muitas metáforas, como o pavilhão de
exposições, a fábrica, e a máquina como abrigo do homem e da arte.

Frank Gehry retornou literalmente à idéia tradicional do contenedor, não


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como abrigo, mas como forma, pois arquitetura cerca o espaço.

O Guggenheim de Frank Lloyd Wright e o Beaubourg ousaram na


maneira de expor, propondo novas respostas museológicas. O Guggenheim de
Bilbao não ousa neste aspecto; apresenta uma experiência conformada com a
museologia como ciência do conhecimento de expor.

Beaubourg, em sua ausência radical de estruturas internas, é uma paródia


da alta tecnologia, é uma representação exagerada do mundo industrial. Os jovens
arquitetos não tinham conceito de cultura; tinham uma vaga noção, que se resumia
ao que viviam: a contracultura. Como não tinham resposta para o ideal de cultura,
fizeram um abrigo, que coincidiu com as aspirações dos promotores, permitindo a
interdisciplinaridade.

O Beaubourg e o Guggenheim de Bilbao são os exemplos mais


significativos de caráter institucional e arquitetônico da segunda metade do século
XX e de grande sucesso de público; são modelos institucionais inovadores.
Ambos são empresas, uma pública e outra privada, que adotam em seus
gerenciamentos práticas empresariais e medem seus ganhos por critérios
comerciais. É importante ressaltar que a filosofia do Centro está voltada para o
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benefício público, enquanto a filosofia da Fundação está voltada para seu seu
próprio proveito.

Seus edifícios apresentam proposições inovadoras no que se refere às


questões urbanas. O Centro tem postura de enfrentamento com a cidade, e a praça
cumpre papel integrador. Já o Guggenheim de Bilbao representa outro momento
na história da arquitetura, no qual há maior troca entre o objeto arquitetônico e a
cidade. Fazendo uma analogia entre arte e arquitetura, o edifício de Gehry pode
ser visto com uma obra do tipo site especific, pela maneira como é integrado ao
contexto urbano. Ambos “emprestam” seu valor simbólico às cidades onde se
situam. Trata-se de grandes brinquedos urbanos.

Ambos são importantes museus-máquinas (tal como definiu Damisch),


que têm atuações determinantes na institucionalização da arte. São museus que
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valorizam o público, o culto de massa, e neste sentido aproximam-se do “museu-


Proust”. O museu de Bilbao procura conciliar o “museu-Proust” com o “museu-
Valéry”, apresentando espaços arquitetônicos favoráveis à contemplação de
concepções artísticas diferenciadas, procurando eliminar a contradição inicial
inerente a este tipo de museu, na qual reside sua essência: a complexidade no
confronto de uma arte que sempre se pretendeu independente e nada mais.

Resta, por ora, perguntar se, com as qualidades apontadas, o Guggenheim


de Bilbao terá a capacidade de envelhecer com a vitalidade, a jovialidade e a
dignidade do Beaubourg. O futuro nos dirá da capacidade do Guggenheim de
Bilbao de se manter contemporâneo e, o mais importante, da resposta artística em
face desta nova configuração.

A história narra os caminhos percorridos por essa instituição que nasceu


conflituosa no século XIX, como o Museu dos Artistas Vivos, que se tornou o
“museu de arte moderna”, e, a fim de evitar seu sepultamento, expandiu-se,
incorporando a arte contemporânea. Os conflitos do museu de arte moderna e
contemporânea permanecem ainda como reflexo dos conflitos da arte moderna e
da própria modernidade.
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A arquitetura, outrora “mãe das artes”, reinventa novamente sua relação


com a arte. As vanguardas artísticas modernas já haviam colocado limites fluidos
e compartilhados entre arte e arquitetura, a partir de objetivos comuns.

O debate entre arte e arquitetura se renova, na medida em que essas


linguagens assumem parâmetros uma da outra e suas atitudes se assemelham. Ao
abandonar os suportes tradicionais, a arte problematiza a idéia de lugar. A
arquitetura questiona, assim como a arte, seus próprios limites e conceitos.

A arquitetura contemporânea, desprovida de uma crítica interna


consistente, busca, na tradição crítica da arte, meios para um debate crítico e para
uma nova prática. O diálogo com artistas e com a arte é um ponto importante para
arquitetos contemporâneos como Peter Eisenman, Jean Nouvel, Bernard Tschumi
e a dupla Herzog & de Meuron, entre outros.
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A poética de Frank Gehry incorpora esta relação integrada entre arte e


arquitetura, exatamente como ela se processa: sem definição acurada dos limites,
em plena colaboração, com muitas referências compartilhadas e na busca mútua
de autoconceituação.

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