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FUNDAMENTOS DA CRÍTICA LITERÁRIA

Quando falamos sobre Crítica Literária, existem várias coisas a serem


colocadas em pauta para que possamos abarcar sua essência e objetivos,
como eventos sociais marcantes, a cultura de um povo, os critérios de seleção
de uma obra para nomeá-la literatura, o público a que se destina a literatura, as
ideologias de um autor e suas experiências pessoais, o embasamento em
outras obras literárias, um momento social que permite a criação de uma obra,
uma obra que impacta e influencia vários ramos sociais e culturais de toda uma
geração, entre outras.
Considerando que a Crítica Literária fornece meios e ferramentas para
que possamos manusear e esmiuçar conteúdos literários, que por sua vez têm
grande valia para a construção da cultura e pensamento social, e que ela só
passou a ser aceita popularmente em meados de 1960, quando se tornou mais
aceitável discutir textos literários por diferentes visões (CULLER, 1997), é
interessante que abordemos e desenvolvamos ideias preliminares a respeito da
Crítica Literária, pois é por meio dela que escolhemos uma corrente literária
específica para analisar qualquer tipo de literatura.
Quando ouvimos a palavra literatura, é de se esperar que passe por
nossa mente autores como Machado de Assis, Lima Barreto, Mário de
Andrade, Graciliano Ramos, entre vários outros. Isso acontece porque estamos
envoltos no consenso de que esses autores fazem literatura, e a Literatura é
feita por eles. Para compreender o que é literatura, necessitamos fugir do
senso comum pré-estabelecido de que “é assim porque é”.
Bennett e Royle (2004) fazem uma reflexão muito interessante a respeito
de quando podemos considerar um texto como literário, deixando no ar
questões particulares do autor que podem especificar seus objetivos com a
criação da obra, assim como questionam quando surgi uma obra literária. Será
a obra fruto de experiências vividas pelo autor na sua infância?
A relação entre leitura, escrita e interpretação, para mais adiante se ter
uma visão da literatura foi o que proporcionou o sentido existencial da Crítica
Literária. Bressler (1999) comenta que a função da Crítica Literária é ponderar
o propósito da literatura, E foi em Atenas, no século XV, que as pessoas
realmente começaram a questionar o ato da leitura e escrita, e foi por meio da
crítica da obra de Aristophanes The Frogs (405 BCE). A obra foi vinculada à
categoria dramatúrgica e recebeu o primeiro lugar, já que outras obras também
foram selecionadas e, para saber qual seria eleita, foi realizado um júri. Assim
foi inaugurado o estudo formal da Crítica Literária e a partir disso os eruditos
começaram a debater sobre a natureza e a função da literatura.
De fato, o autor de uma obra literária influencia diretamente no conteúdo
da mesma. Bem, é claro que ele a influencia, já que a obra é escrita por ele,
então poderíamos considerar tolice essa afirmação, por ser algo tão óbvio.
Porém, há algo além de tal informação que precisamos deduzir, algo que pode
passar, talvez, despercebido pelos leitores da literatura. É que o autor, além de
ser o agente ativo e criador de sua própria obra, tambem é influenciado, ainda
que inconscientemente, pelo momento histórico e cultura a qual pertence.
Para Zappone e Wielewicki (2009), a literatura é construída com base
em eventos sociais e históricos, e surgiu especificamente como arte na metade
do século XVIII e se desenvolveu no século XIX, pois antes desse período, a
literatura era considerada sinônimo de erudição, já que ela pertencia a um
grupo seleto de leitores. As pessoas alfabetizadas e de classe econômica
elevada eram os supostos consumidores de literatura, porém, ates de se voltar
à arte, ela se designa apenas à capacidade de ler e escrever, não de produzir.
Sendo assim, a literatura começou a caminhar de forma que não se importava
com a produção artística, fato que começou a mudar em meados do século
XVII, quando se voltou à sensibilidade.
Na contemporaneidade, graças ao avanço da tecnologia, o processo de
impressão de conteúdos literários passou a ter um custo mais baixo, o que fez
com que a literatura alcançasse um novo público-alvo. Esse processo ajudou
na especialização de conteúdos escritos que, além de atingirem a esfera
pública, também chegaram às instituições acadêmicas (ATHERTON, 2005), e
por consequência, “popularizou” a utilização de correntes literárias em análises.
Sempre que alguém está mergulhado no senso comum, a palavra crítica
soa como algo ruim, que desestabiliza, prejudica, denigre algo ou alguém. De
fato, essa palavra pode ser empregada com essa conotação em muitas
situações cotidianas, porém, sempre que nos referimos aos estudos literários,
tendo em vista a prévia do tópico anterior, a função da palavra Crítica é outra.
Para Durão (2016), ao analisar uma obra literária, é inevitável que a
descrição da obra, tanto seus aspectos positivos e negativos. Porém a
premissa da crítica não se contenta apenas em observar passivamente uma
obra e oferecer um parecer parcial a respeito da estrutura do texto, ela vai
além. A crítica cria uma dimensão paralela entre uma obra e sua análise, uma
concepção de um mundo diferente, projetando a mesma em uma instância
onde se evidencia os equívocos e insuficiências dela, agindo minuciosamente
nas entrelinhas.
Segundo Eagleton (1991), ela possui uma forte função social, e seu
julgamento é direcionado à uma determinada clientela, por isso a crítica parte
da esfera privada para a pública, para concretizar os objetivos ou interesses
próprios da obra ou do crítico. Essa afirmação se alinha ao pensamento de
Durão (2016), que diz que a crítica tem um poder tão grande que passa a
influenciar as obras contemporâneas antes mesmo de elas serem escritas.
Desde que consigamos compreender os princípios básicos a respeito do
que trata a crítica segundo os enfoques da literatura, e como a literatura se
comporta em meados do século XVII, considerando o que Zappone e
Wielewicki (2009) mostram que a sensibilidade e as artes tiveram destaque na
literatura da época e séculos vindouros, revolucionando-a ao expandir o
número de pessoas que tinham acesso a ela, podemos abordar os princípios
que norteiam a Crítica Literária.
De acordo com Lajolo (2009), a Crítica Literária se debruça a estudar a
relação entre o criador e a obra criada, assim como a relação entre a obra
literária e o momento histórico ao qual a obra se insere, para assim esmiuçar
os pensamentos do autor, a entender as razões pelas quais o criador da obra
abriu mão de expor determinado fato em detrimento de outro. Além disso, a
Crítica Literária fornece diversas perspectivas para a análise de uma obra,
relacionando a interpretação do crítico à obra e aos fatores influenciadores da
criação dela. Lajolo (2009) ainda afirma que as diversas perspectivas de
interpretação de uma obra podem convergir. É totalmente compreensível que
haja choques de pensamentos e ideologias entre as correntes utilizadas pela
Teoria Literária para a interpretação da literatura, porém é isso que torna a
Teoria Literária um campo de conhecimento tão vasto, passível à expansão em
frente a novos desafios ideológicos.
Sara Upstone, em seu livro Literary Criticismxxx(2017) explica de
forma bem concisa o porquê da possível ocorrência desses choques de
pensamentos e ideologias nas correntes literárias. A autora afirma que as
correntes literárias são abordagens que oferecem maneiras diferentes de se
ver o mundo, um conjunto de diferentes respostas para perguntas que
possamos ter, são visões particulares para pensar sobre textos literários. A
Crítica Literária é qualquer ideia que se conecte à literatura ou não, mas que
possa contribuir para análises literárias e que sirva para interrogar assuntos
amplos.
O surgimento de novas manifestações literárias contribuiu para que
surgissem estudiosos preocupados com o comportamento da Crítica Literária
em relação à análise das obras. Consideramos necessário abordar, as
correntes pertencentes à Crítica Literária, pois elas se distinguem e trabalham
áreas de conhecimentos diferentes. Já que a literatura é objeto de estudo da
Crítica Literária, o Formalismo Russo e a Nova Crítica foram, de acordo com
Junior (2009), foram responsáveis para que a Teoria Literária fosse afirmada
como disciplina, respaldada por parâmetros científicos.
Bonnici (2009) afirma que a estrutura contribui para que o leitor possa
ser levado à mensagem da obra. Por conta disso o Estruturalismo e Pós-
Estruturalismo contribuíram bastante para a análise da estrutura das obras
literárias, apesar de que os mesmos estruturalistas foram alvos de críticas, já
que a análise da estrutura física de uma obra foge um pouco da interpretação
da literatura em si.
Outra abordagem que se destacou no tocante a Teoria Literária e a
análise de obras literárias foi a abordagem Estilística, que segundo Rodrigues
(2009), prioriza a beleza estética da linguagem e suas expressões, e tambem
as peculiaridades da escrita, tais como a morfologia semântica e sintaxe. Ao
discorrer sobre o Estruturalismo e a abordagem Estilística, que seguem por
tangentes diferentes, porém com um mesmo alvo: a análise de obras literárias,
seja a análise da estrutura delas ou sua linguagem, percebemos que as
convergências nos campos da Crítica Literária podem ser um fator positivo
para a literatura, por expandir novos conceitos e formas de lidar com as obras.
Uma teoria que ganha bastante espaço na Crítica Literária, é a Marxist
Theories, que segundo Brooker, Selden, e Widdowson (2005), foi um fenômeno
do século XX, por ter contribuído com a sociedade revolucionando a sociedade
por meio de pensamentos ideológicos, como por exemplo, o pensamento de
que não é a consciência do individuo que o torna quem é, mas o ser social que
determina sua consciência particular.
A crítica Feminista tem sua origem em 1970, com a publicação da tese
de doutorado da americana Kate Millet, intitulada de Sexual Politics. A Crítica
Feminista vem fazendo o papel de intervenção, mediando o papel da mulher e
as obras literárias contemporâneas e quebrando a cultura do patriarcado
(ZOLIN, 2009).
A teoria e crítica Pós-Colonialista, de acordo com Brooker, Selden e
Widdowson (2005), estuda o discurso colonialista, e analisa o impacto cultural
do imperialismo. A literatura, de acordo com a teoria Pós-Colonialista, fazia
papel de segregação cultural, e o papel dessa teoria é de quebrar os
paradigmas estabelecidos.
A Crítica Sociológica mostra, de acordo com Silva (2009), que a
literatura faz parte de um contexto amplo, que prioriza uma crítica que remete
não só à vida do autor, mas tambem a que grupos sociais ele está inserido.
A teoria da desconstrução de Jacques Derrida parte da premissa de que
há muito mais a se extrair de um discurso, é um processo que busca revelar a
estrutura interna dele, ou seja, as condições que favoreceram ou
desfavoreceram de alguma forma as peculiaridades do discurso. Derrida
estava preocupado em analisar os caminhos que levam à linguagem, e não
somente desvendar a estrutura do discurso por meio de um olhar pragmático
(NAAS, 2003).
Já a corrente literária do Existencialismo lida com a literatura a fim de
analisar discursos acerca do sentido da vida. O primeiro filósofo e teólogo
existencialista foi o danish Soren Kierkegaard, embora ele mesmo não
descrevesse a si mesmo nesses termos. Segundo Upstone(2017), o
existencialismo trás à tona perguntas como: onde a identidade e o
reconhecimento do eu se originam?; O ser humano possui o controle sobre o
destino de sua própria vida?; O que devemos fazer para sermos bons
cidadãos? Outros filósofos deram continuidade a esse movimento e o fizeram
notável. Nomes como os de Martin Heidegger (1889-1976), Frederic Nietzsche
(1844-1900) e Jean-Paul Sartre(1905-190) influenciaram fortemente tal
corrente literária, que por sua vez, teve influência em grandes movimentos de
identidade política, como feminismo, post-colonialismo e o a teoria queer
(UPSTONE, 2017).
De forma bem simples, podemos explicar o processo de análise da
crítica Literária por meio de quaisquer correntes de pensamento: Imaginemos
um cubo mágic o que possui seis lados. Quando configurado da maneira
correta, cada lado do objeto revelará uma cor diferente. Se alguém, por decisão
própria, escolher um dos lados do cubo mágico (o lado vermelho, por exemplo),
de forma que o ângulo de vista permita que apenas o lado escolhido seja
observado, então esse alguém poderia, por intuito, afirmar que o cubo mágico
é inteiramente configurado com a cor vermelha. Porém, supondo que haja
outro alguém analisando o mesmo cubo mágico por um ângulo diferente do
primeiro sujeito, ele poderia afirmar que o objeto possui a cor amarela, por
exemplo. Ainda que os dois sujeitos estejam analisando o mesmo objeto, cada
um aponta uma característica diferente dele, e assim podemos inferir que cada
cor do cubo mágico é uma corrente literária, e que cada corrente literária lida
com o mesmo assunto ou objeto de maneira diferente.
Outra analogia que podemos fazer para exemplificar como a Crítica
Literária trabalha, é a da parábola dos cegos e o elefante (FERREIRA, 2009):
um grupo de homens cegos tocaram o corpo de um elefante para identificar
sua aparência. Cada homem tocou em uma parte do animal. O sujeito que
sentiu a tromba do elefante afirmou que ele era como uma cobra, o que
agarrou as orelhas do animal estava certo de que ele era como um leque, o
outro cego retrucou, afirmando que o elefante era como um tronco de árvore,
um dos homens, já irritado, afirmou que o animal era como uma lança, pois
teria agarrado a presa dele.
São pontos de vista diferentes de uma mesma coisa, objeto, sentimento,
literatura.

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