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O NEXO DA FORMA
Oscar Niemeyer: da Arte Moderna ao Debate
Contemporâneo
Luís Eduardo Borda
Aos amigos
INTRODUÇÃO 1
A REFERÊNCIA EUROPÉIA
1. O VÍNCULO DA IMAGEM 5
2. O CONTORNO SINUOSO 21
3. O EQUILÍBRIO PURISTA 37
O CONTEXTO BRASILEIRO
4. O POVO E A RUA 61
5. O TRAÇO NATIVO 79
A LÓGICA CONSTRUTIVISTA
6. PLANO E ESPAÇO 105
7. MATÉRIA E TÉCNICA 125
O DEBATE CONTEMPORÂNEO
8. COMPOSIÇÃO E COLAGEM 147
9. ESPAÇO E LUGAR 165
CONCLUSÃO 197
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
BIBLIOGRAFIA
14
15
INTRODUÇÃO
1
A frase está afixada à maquete, em exposição na Fundação Oscar
Niemeyer (Rio de Janeiro).
18
19
A Forma em Brancusi
A Forma em Niemeyer
Despojamento e Leveza
Matéria e Imagem
Notas:
1
(Definir diferença entre arte abstrata e concreta).
2
(Jianou: espiritualidade).
3
(Tucker: materiais tradicionais: usados como se fosse
pela primeira vez).
4
“Se a escultura é polida, a base é tosca – observa W.
Tucker – se é cerrada e ordenada, a base é livre e
engraçada. Se é concentrada, a base é expansiva”. Tucker,
1999, 57.
5
Veja-se, por exemplo, Reencontro e Mulheres na Praia.
São figuras femininas, sensuais, iluminadas por uma
claridade tropical, corpos que se situam num ponto definido
do espaço. Comentar mais.
6
(Comentar cidade figurativa).
7
Tal questão será retomada nos capítulos Plano e
Espaço e Espaço e Lugar.
8
Diferente de uma primeira fase, em que o cuidado com a
orientação solar determinava edifícios com faces
diferenciadas (algumas delas protegidas por quebra-sóis:
36
COPAM, São Paulo, 1951; Hospital Sul-América, Rio de
Janeiro, 1952, entre outros), com o passar dos anos o
caráter despojado dos volumes passa a implicar a
uniformidade da superfície. Para obter esse efeito de
continuidade do plano e obter o desejado efeito de
despojamento plástico, Niemeyer opta pelo vidro negro.
Dispensa qualquer proteção, como os quebra-sóis que
usava na primeira fase de sua obra. O problema é que o
vidro negro apenas ameniza a radiação solar, sem ter a
mesma eficiência do brise-soleil.
Nos capítulos O Contorno Sinuoso e Plano e Espaço
continuarei a discutir esse direcionamento de Niemeyer
rumo às formas densas, despojadas e de forte sentido
escultórico, algo que – se significa um investimento no
valor pregnante da imagem – é feito, às vezes, em
detrimento de questões funcionais.
9
É claro que a principal diferença em relação a Brancusi
é o fato de que Niemeyer realiza arquitetura e não escultura
(muito embora o arquiteto tenha feito incursões nesta área.
Pouco me demorarei em suas esculturas, aliás, visto que
se tornam insignificantes em comparação com a
importância de sua obra arquitetônica).
De qualquer modo, é preciso considerar que, muito das
críticas corriqueiras a Niemeyer, prendem-se ao fato de
que – priorizando aspectos plásticos – Niemeyer sacrifica
a qualidade espacial dos ambientes. O próprio arquiteto
declarou várias vezes, aliás, que pela beleza realiza
qualquer artifício.
Se não há dúvida de que Niemeyer sacrifica por vezes
questões funcionais em detrimento de aspectos plásticos,
é inegável – por outro lado – que muitos dos seus projetos
implicam grande qualidade funcional bem como condições
satisfatórias de conforto ambiental.
No presente estudo não estou interessado em me demorar
nas condições de conforto de suas obras, algo bastante
contemplado em minha dissertação de mestrado sobre
Niemeyer. (Borda, 1994). O que me interessa é apontar
aproximações entre a obra e a arte moderna, via importante
– a meu ver – para o entendimento de sua produção.
37
Interessa-me também analisar a relação entre a obra e o
espaço, no caso: o espaço da cidade.
10
Para Niemeyer, a obra arquitetônica deve ser capaz de
produzir surpresa e emoção, questão aliás defendida por
Corbusier e também por Lúcio Costa. (Citações).
11
A cor, por outro lado, pode ajudar a estabelecer contraste
– acrescenta Hildebrand – se os efeitos de sombra são
confusos. (Idem)
12
Citar outros exemplos.
13
Embora alguns aspectos discutidos por Hildebrand sejam
também questões para Niemeyer, é preciso considerar que
Hildebrand escreve num momento em que a escultura não
tinha adquirido, ainda, total autonomia em relação à pintura.
A manutenção de um ponto de vista frontal atesta esse
sentido pictórico que permanecia atrelado à escultura.
Diferente disso, Niemeyer começa sua obra num momento
em que a escultura, através do Construtivismo, já se havia
afirmado enquanto um elemento espacial, apreensível por
todos os lados.
De qualquer modo, Niemeyer insistirá em privilegiar
determinadas perspectivas da obra, do mesmo modo que
se manterá vinculado a sentidos mais tradicionais da arte:
a idéia de volume, a relação figura/fundo, a luminosidade
clássica, bem como os valores perenes ligados à idéia do
belo (proporção, equilíbrio, harmonia, etc). Isso não o
impedirá, todavia, de absorver determinadas questões
modernas: além do valor de autonomia da forma (
anunciado na escultura abstrata e plenamente desenvolvido
no Construtivismo), questões espaciais discutidas pela
vertente construtiva. Abordarei tal aspecto na Parte III: A
Lógica Construtivista.
14
(Comentar sobre o revestimento em mármore, no caso
do Panteão. Lembrar que continuará discutindo a questão
da matéria no capítulo Matéria e Técnica).
38
15
No capítulo Espaço e Lugar aprofundarei a relação entre
objeto e espaço, tomando como ponto de partida – desta
vez – a noção contemporânea de Site Specific.
A Autonomia da Superfície
EXTREMA ESQUERDA.
Niemeyer, Oscar – Centro
Administrativo do Recife.
Pernambuco, 1978. Não
construído. Publicado em Puppi,
1988, 50.
A Referência Figurativa
Notas:
6
“O movimento, na escultura de Brancusi – escreve Ionel
Jianou – é um impulso inscrito numa elipse perfeita, como,
por exemplo, no seu Pássaro no Espaço. O movimento,
na escultura de Arp, é a metamorfose em ação, a mutação
do vegetal em humano, a fascinação da vida múltiplo e
EXTREMA ESQUERDA. Arp, imprevisível. As metamorfoses de Arp tendem par o
Hans – Relógio. Madeira pintada,
imaginário, as de Brancusi para o sagrado ... (E ainda):
29 ½ “. Collection Graindorge.
Liège. Publicado em Giedion-
“Arp é o primeiro (artista) que ousa meter o polegar na
Welcker, 1957, 6. forma de Brancusi e deslocar seu volume perfeito, observa
(com certo toque de humor) o escultor Etienne Hajdu”.
ESQUERDA. Arp, Hans –
(Jianou, 1973,16). O escultor refere-se à peça de Brancusi
Relógio. Madeira pintada, 20 7/8 O Início do Mundo, em que a forma de um ovo, em sua
x 21 ¼”. Collection Graindorge. perfeição, evoca o mito do nascimento e da renovação da
Liège. Publicado em Giedion- vida.
Welcker, 1957, 6.
54
7
Tais formas planares, por vezes geométricas por vezes
orgânicas, são tratadas como se fora um desenho abstrato.
Nelas, Arp por vezes recorta vazios. Simples, depuradas,
obtém sua expressividade, ademais, do próprio ritmo do
corte (contorno). (Jianou,1973, 39). Antecipam, aliás, os
recortes que Matisse realiza nos anos 50. (Néret, 1994.
Cowart, 1987).
8
Em seu livro Caminhos da Escultura (2001), Rosalind
Krauss discute longamente a tese de que é característica
da produção escultórica posterior a Rodin a independência
da superfície em relação à estrutura interna. Segundo a
autora, isso se dá em função da autonomia da forma em
relação à mímese clássica (onde a representação do corpo
era coerente com a estrutura interior), à autonomia da
superfície enquanto elemento expressivo e, finalmente, ao
próprio abandono da idéia do corpo enquanto diretriz da
formulação escultórica.
9
Discutirei a questão da curva no capítulo O Traço
Nativo.
10
Retomarei tal questão nos capítulos Plano e Espaço e
55
Matéria e Técnica.
11
Se, em virtude de ser em geral climatizado, um projeto
de auditório admite uma forma cerrada, compacta, em
outras situações a ênfase no caráter contínuo da superfície
pode gera, todavia, problemas de conforto térmico. É o
caso do Hotel Nacional (Rio de Janeiro, 1968) ou do projeto
para a CESP (São Paulo, 1979, não construído. Fig. ),
onde as faces mais expostas ao sol requereriam um
tratamento diferenciado. Optando pela forma despojada,
Niemeyer utiliza o vidro negro, contínuo. Isso, contudo,
apenas ameniza a radiação solar, sem resolver o problema.
12
É isso, aliás, o que escandaliza o artista e arquiteto suíço
Max Bill quando de sua visita ao país. Defensor de uma
orientação construtivista, não pode tolerar a alusão à
natureza. (Bill, 1953). Por agora, interessam-me apenas
destacar que é Max Bill quem primeiro detecta esse nexo
figurativo da arquitetura de Niemeyer e o vínculo dessa
arquitetura às formas de Hans Arp, entre outros artistas
europeus. (Bill, 1953). (Discutirei a crítica de Bill nos
capítulos O Traço Nativo e Matéria e Técnica).
Ainda a respeito do nexo figurativo das formas de Niemeyer,
discutirei (capítulo O Traço Nativo) o fato de que o vínculo
à natureza, à mulher brasileira ou mesmo ao Barroco –
EXTREMA ESQUERDA. signos de brasilidade que, através do discurso, são
Kandinsky, W. – Sucessão. 1935. associados à sua arquitetura – irá permitir que a obra de
Óleo sobre tela, 80 x 100 cm. The Niemeyer seja lida enquanto autenticamente nacional.
Philips collection, Washington.
Publicado em Néret, 12. 13
O arquiteto e professor Eduardo Dias Comas já observara
ESQUERDA. Matisse, Henri – essa evocação figurativa de Niemeyer, figuratividade
Lagoa (Jazz), 1944. Estêncil. relacionada ao tema do programa e, por vezes, a aspectos
Publicado em Néret, 47. do sítio (proximidade do mar, etc). (Comas, 1994). Voltarei
a tal questão no capítulo Espaço e Lugar.
14
Discutindo a arquitetura pós-moderna, o arquiteto e
teórico inglês Charles Jencks observa a retomada
contemporânea da questão do signo na arquitetura
(Semiótica). Diferente do sentido abstrato da arquitetura
56
moderna, comenta que muitos arquitetos pós-modernos
(anos 70 e 80) passam a preocupar-se em comunicar a
função, o que inclui a utilização de signos facilmente
identificáveis (elementos chineses, por exemplo, para
indicar a presença oriental) ou de recursos figurativos, como
o expediente Pop de desenhar uma lanchonete em forma
de Hamburguer. (Jencks, 1980).
15
É interessante notar que, quase sempre revestidas de
mármore, as formas de Niemeyer só não o são quando
aspectos econômicos ou quando o caráter arredondado
dificulta ou impossibilita o revestimento com a pedra. É o
caso das cúpulas (Congresso Nacional, Partido Comunista
Francês, entre outros) ou de formas sinuosas como o
auditório da Bolsa do Trabalho.
O Purismo
O Desenho da Cidade
Do ponto de vista estético, observa-se que Niemeyer 31. ACIMA. Niemeyer, Oscar –
busca uma relação recíproca entre os elementos Cidade Vertical. Deserto do
Neguev, Israel, 1964. Maquete e
construídos. O setor administrativo é uma composição fotomontagem. Foto publicada
onde se busca um equilíbrio assimétrico, certo jogo em Puppi, 1988, 144.
formal dinâmico, tudo isso a partir de elementos
concisos, despojados. Os setores habitacionais em 32. DIREITA. Niemeyer, Oscar –
altura são prismas retangulares delgados, alguns deles Cidade Vertical. Deserto do
Neguev, Israel, 1964. Maquete.
curvos. Niemeyer os agencia de modo a obter
Foto publicada em Petit, 1995,
configurações variadas. O resultado final é um forte 141.
sentido de unidade estética.8
A Estética da Cidade
intrínseco à arte; ou seja, não se articula à função de 37. Niemeyer, Oscar – Centro
comunicar um sentido espiritual ou satisfazer uma Administrativo do Recife.
“constante necessidade humana de ordem”. (Pelo Pernambuco, 1978. Não
construído. Maquete. Foto
menos, nenhum dos textos de Niemeyer sugere tal publicada em Revista Módulo, n.
idéia). Para Niemeyer, a beleza parece constituir, tão 62, março de 1981, p. 26.
somente, algo sem o qual a arte deixaria de ser
verdadeiramente arte.
Figura e Espaço
Notas:
1
38. ACIMA. Le Corbusier — Plano Movimento que se seguiu ao Cubismo, o Purismo inseriu-
Urbanístico para Saint-Dié. se no que Cocteau denominou retorno à ordem. Tratava-
França, 1946. Plano de figura e se de evitar, comenta C. GREEN, “a arte conturbada de
fundo. Desenho publicado em um período conturbado” para, ao invés, buscar um sentido
Rowe, 1998, 66. de ordem requerido para o presente. Esse sentido de ordem
39. ESQUERDA. Cidade de corresponderia a uma necessidade humana. “É natural que,
Parma, Itália – Plano de figura e procurando a felicidade”, escrevia Le Corbusier, “dirijamos
fundo. Desenho publicado em nossos esforços para um sentimento de equilíbrio. Equilíbrio
Rowe, 1998, 67. = calma, domínio dos meios, leitura clara, ordenação,
74
satisfação do espírito, medida, proporção na verdade:
criação. O desequilíbrio atesta um estado de luta, de
inquietude, de dificuldades não resolvidas, de sujeição, de
buscas, estágio inferior e anterior, preparatório.
Desequilíbrio: esta de fadiga. Equilíbrio: estado de bem-
estar”. (Le Corbusier, 1992, 34).
Segundo Le Corbusier, aliás, bastaria olhar para o
desenvolvimento das formas, através da história, para
percebermos que aos momentos de serenidade e
solidez correspondiam formas igualmente estáveis e
equilibradas. Se a arte e a arquitetura de períodos de
instabilidade poderia até mesmo nos comover, seria nos
períodos de calma que encontraríamos, considerava, as
formas verdadeiramente belas. Seriam essas formas:
“horizontais, prismas magníficos, pirâmides, esferas,
cilindros. Nossos olhos os vêem puros e nosso espírito
enlevado calcula a precisão de seu traçado. Serenidade e
alegria”. (Le Corbusier, 1992, 56).
2
Um engenheiro só se tornaria artista afirmavam
se, diante de várias alternativas, selecionasse aquela que
fosse “mais claramente harmoniosa em suas proporções”.
Green, 1994, 60.
3
Os princípios puristas eram trazidos, no anos 20, tanto
para o desenho geral da cidade quanto para a definição
das proporções arquitetônicas. Em suas proposições
urbanísticas Ville Contemporaine (1922), por exemplo
a cidade era formulada enquanto composição;
buscavam-se relações entre as formas; um rigoroso
controle estético determinava um espaço urbano ordenado,
legível, estruturado através de grandes eixos e voltado para
a busca do equilíbrio e do sentido de unidade. Os volumes
brancos, despojados, característicos das residências
lecorbusierianas dos anos 20 volumes onde as
proporções eram corrigidas pelo método clássico da seção
áurea e do traço regulador seriam a referência para a
determinação de um espaço urbano onde se buscava, do
mesmo modo, um equilíbrio clássico.
75
Isso implicaria, por outro lado, a uniformidade das
construções, uniformidade compensada – por outro lado –
“pelos grandes ordenamentos de conjunto”. O resultado –
tal qual as belas cidades da antigüidade – seria harmonia,
beleza e satisfação do espírito. “As realidades passadas”,
escrevia Corbusier, “amoldam-se aos dois postulados nas
cidades ditas ‘de arte’: Bruges, Veneza, Pompéia, Roma,
Paris antiga, Siena, Istambul, etc: algumas grandes
intenções de conjunto, uma uniformidade notável no
detalhe. Sim, no detalhe! As pessoas tinham, naquelas
épocas felizes, hábitos idênticos de construir (...) Na Turquia,
na Itália, na França, na Baviera, na Hungria, na Sérvia,
antes da perturbação do século XIX, as casas dos homens
são invólucros da mesma natureza e mesmo os séculos
só as mudaram devagarinho, à medida que a cultura e os
meios reclamavam e permitiam modificações da qualidade.
Padrão em toda parte, uniformidade no detalhe.
Tranqüilização do espírito”. (Corbusier, 1992, 65-67).
Para se chegar à unidade pretendida seria necessário,
todavia – acreditava Corbusier – que o desenho de cada
nova cidade fosse definido de uma vez por todas: traduzisse
um ato de vontade, de inteligência, configurando uma
solução definitiva para um problema dado. Isso permitira
que, além de resolver de uma vez os problemas funcionais,
fossem mantidos sob controle os aspectos formais em jogo.
4
“Todos os homens têm as mesmas necessidades”,
escrevia Corbusier. (1981, 101). Perguntava ainda: “estudar
a casa para o homem comum, qualquer um, será algo mais
que reencontrar as bases humanas, a escala humana, a
necessidade-tipo, será outra coisa que encontrar a emoção-
tipo?” (Corbusier, 1981,27).
5
Figura: PAPADAKI, S.; 1950, p. 160.
6
Como opta por um número reduzido de vias principais, é
possível que o sistema passasse a enfrentar
congestionamentos, sendo necessários ajustes.
7
No capítulo O Povo e a Rua, discutirei questões funcionais
deste e dos demais projetos urbanísticos de Oscar
76
Niemeyer. Por agora, interessa apenas analisar os aspectos
plásticos implicados no desenho de seus grandes projetos
urbanísticos.
Apenas gostaria de registrar que o sistema viário aproxima-
se muito da concepção das 7 Vias de Circulação,
desenvolvida por Le Corbusier a partir de discussões
urbanísticas com grupos associados aos CIAMs. Tal
sistema apareceria nas propostas de Corbusier para Bogotá
e Chandigarh, ambas de 1950. O eixo verde criado por
Niemeyer corresponderia, por sua vez, a V7 de Corbusier.
(Sobre o assunto, consultar: Le Corbusier, 1946-52, 94-
98).
8
Note-se que somente o setor de residências unifamiliares
deixa margens para expressões arquitetônicas
individualizadas; isso, descartando-se a possibilidade da
construção através de um processo serial. Restaria verificar
tal possibilidade. Contudo, mesmo que implique expressões
diferenciadas, a unidade plástica do espaço urbano fica
garantida pelo desenho dos demais elementos (setor
administrativo, residência multifamiliares, etc), definidos
de uma vez por todas e segundo critérios de unidade e
harmonia.
9
Equipe: H. Muller, S. Rawet e G. Dimanche
(PETIT,J.;1995, p. 144). NIEMEYER, O. Plano Neguev.
Módulo, n. 39, pp. 1-12.
10
Sobre a questão da “escala medieval”, comentarei no
capítulo O Povo e a Rua.
Do ponto de vista ambiental, é questionável, por outro lado,
se constitui solução adequada. Na tradição árabe, o
problema climático é resolvido por uma estrutura urbana
baixa e compacta, ruas estreitas e sombreadas, jardins
internos e fontes, o vento e a poeira passando por sobre a
cidade. Exceto na praça central, Niemeyer não prevê
proteção contra o vento e a poeira.
11
Diferente de suas demais soluções, determina uma
centralidade mais dinâmica. Justapõe funções
administrativas, culturais, comerciais e de serviços,
77
garantindo maior vitalidade ao lugar. Todos esses
equipamentos são abrigados por uma grande estrutura (aço
e madeira) que delimita um espaço público generoso,
denominado Praça da Sombra.
Fora deste setor, pequenos núcleos de equipamentos e
serviços (escola, creche, play-ground, pequeno comércio,
etc) servem a unidades residenciais. Organizam-se no
espaço aberto, sem prover contudo o mesmo sentido de
acolhimento do núcleo central.
A circulação de veículos é feita através da grande via
marginal, com acessos a estacionamentos subterrâneos.
Outro aspecto do projeto é que, embora determine um
centro com diversidade de funções, Niemeyer mantém a
idéia das grandes setorizações. Assim, prevê que fora
da elipse que elimina o núcleo possam ser organizados
um setor cultural, uma zona de indústria, outra de
agricultura, etc, “a natureza (ou o deserto) como uma pausa
na urbanização”. (Niemeyer, 1974). Voltarei a essa questão
no cap. O Povo e a Rua.
12
Módulo, n. 43, p. 16 e ss. PUPPI, L.;1988, p. 146.
13
Comentarei sobre essa questão na Parte IV:O Debate
Contemporâneo.
14
No cap. O Povo e a Rua, comentarei sobre as
implicações políticas ligadas ao desenho deste e de outros
centros cívicos projetados por Niemeyer.
15
Discutirei essa proposta no próximo capítulo: O Povo e
a Rua.
16
Em Dieppe (não construída), Niemeyer distribui os blocos
de modo concêntrico, acompanhando a topografia do
terreno. A unidade da composição, facilmente apreensível
por quem percorresse a pé o espaço, seria dada pela forma
e ritmo dos blocos. Sobre o projeto, consultar: Niemeyer,
1975, 486-487. Puppi, 1988, 52 e Niemeyer, 1979 – I.
17
Architecture d’Aujourd’Hui, n. 171. PUPPI, L.;1988, p.
78
53.
18
No projeto para Athayde Ville (Rio de Janeiro, 1973. Fig.
), a coesão visual é garantida pela utilização de diversos
blocos cilíndricos. Note-se que o aspecto despojado deriva
de uma imposição plástica, não funcional; critérios de
conforto ambiental indicariam um tratamento diferenciado
conforme a orientação solar, o que prejudicaria contudo a
pureza formal buscada para os volumes. A unidade do
conjunto pode ser percebida facilmente por quem se
aproxima do núcleo residencial ou transita na extensa praça
linear interior do conjunto e que reúne comércio e
serviços. (Sobre o projeto, consultar PUPPI, L.;1988, p.
51).
19
Proposta significativa, no Centro Administrativo do Recife
Niemeyer utiliza os mesmos blocos curvos que
compareciam nas ZACs da França e no Centro Comercial
de Miami; distribui os blocos de modo concêntrico,
formando núcleos de três edifícios. A organização formal
do conjunto é feita em bandas, como na Cidade Marina
(projeto anterior) ou como na Ville Radieuse (1922) de
Corbusier. Em seqüência às unidades concêntricas,
Niemeyer distribui prismas retangulares, paralelos,
alinhados a um dos eixos da composição. Em seguida,
organiza uma extensa praça sêca. Nesta, surpreende com
variações. As cúpulas brancas, utilizadas em Brasília ou
no Partido Comunista Francês, são seccionadas
lateralmente: uma, segundo um plano reto; outra, por um
plano curvo. O resultado são elementos de forte presença
plástica. A forma circular dos planos de concreto que
servem de base às cúpulas repetem-se em dois espelhos
d’água, um menor que o outro. Completam o conjunto:
anexos e um volume retangular, este estruturado a partir
de uma viga virandel. (Comentários sobre o projeto podem
ser encontrados em Puppi, 1988, 50, Mafhuz, 1988, 64 e
em Comas, 1986).
20
Torna-se interessante observar que Niemeyer tem
percorrido, de certo modo, um trajeto inverso ao de
Corbusier. Este, sem nunca ter abandonado os princípios
79
urbanísticos de unidade, equilíbrio e legibilidade (princípios
puristas), encaminhou-se – a partir dos anos 30 – para
formas atenuadas de referências clássicas e onde
elementos vernaculares, bem como a textura e a cor dos
materiais, passaram a comparecer de modo expressivo
na arquitetura. O projeto para Saint Dié (1946. Fig. ), por
exemplo – proposta que talvez possa ser apontada, do
ponto de vista urbanístico, como uma das configurações
esteticamente mais equilibradas de Corbusier – foi realizado
num momento em que sua arquitetura, longe da
luminosidade clássica de sua obra dos anos 20, incluía
fortes efeitos de cor e textura. Veja-se, por exemplo, a
Fábrica Duval, projetada para Saint Dié no mesmo ano em
que propõe o plano urbanístico para a cidade. (Boesiger,
1994,90).
A meu ver, Niemeyer retém os princípios clássicos da
ordenação purista (presentes do mesmo modo, em sua
formação acadêmica) reforçando, com o tempo, o sentido
de pureza e despojamento formal do volumes.
21
O fato de Le Corbusier ter utilizado recursos como a
seção áurea e os traços reguladores, provam esse sentido
objetivo conferido à beleza. Para Corbusier, o belo seria
facilmente alcançável se obedecidas as leis que o
determinam. “O que distingue um rosto belo”, escreve, “é
a qualidade dos traços e um valor todo particular das
relações que os unem”. Le Corbusier, 1981, 15.
22
O debate atual, centrado no que tem sido denominado
Desenho Urbano, tem discutido a idéia de um controle
estético mais rigoroso do espaço urbano. Diferente da idéia
de Planejamento, a qual fixa critérios muito gerais para o
desenvolvimento da cidade (zoneamento, taxas de
ocupação do solo, altura máxima dos edifícios, usos
permitidos, etc), o Desenho Urbano determina, de modo
mais preciso, o perfil de cada sítio, os usos, a altura exata
dos edifícios, a configuração dos prédios e até mesmo a
linguagem arquitetônica (materiais, formas, cores, etc).
Pode implicar, inclusive, o desenho final das estruturas
arquitetônicas. Torna-se de grande utilidade, sobretudo,
quando a idéia é preservar sítios históricos ou de interesse,
evitando que as novas construções contrastem fortemente
80
com o existente. Em seu livro Introdução ao Desenho
Urbano (1990), aliás, o arquiteto Vicente del Rio traça o
desenvolvimento dessa vertente do urbanismo
contemporâneo, analisa seus vários aspectos e cita os
importantes trabalhos que tem sido realizados nessa linha.
A diferença em relação a Niemeyer é que se este –
preocupando-se com o aspecto visual da cidade, define
composições onde “nada pode ser aumentado ou
subtraído, se não for para pior” (o conceito clássico de
Alberti) – a concepção contemporânea de Desenho Urbano
é mais flexível a interferências e a modificações espaciais,
ao mesmo tempo que mais receptiva à diversidade
(mantidos, é claro, determinados critérios previamente
estabelecidos). Outro aspecto é que se trata de uma
metodologia aberta a várias linguagens, sem que se defina
o urbanismo modernista, por exemplo, enquanto a única
possibilidade de resolução urbanística. (Del Rio, 1990).
Se observarmos as composições de Niemeyer, veremos
que – diferente disso – o que está em jogo é uma concepção
muito bem definida sobre o modo de resolução da vida
urbana (o urbanismo modernista), a que se acrescenta uma
linguagem pessoal e inconfundível.
Voltarei a discutir o problema no capítulo Composição e
Colagem.
23
Niemeyer deixa claro tal aspiração quando, ao esboçar
o croqui de uma cidade ideal, afirma que neste espaço
ideal não haveria “distinção de classe ou fortuna (...)
apartamento melhor ou pior (...) nem as antigas ‘casas
populares’ cujo nome já sugere a discriminação capitalista.
Nessa cidade, sem pobres nem ricos, viveria o homem do
amanhã. (...) Esta é uma opção para a cidade ideal que
imagino e que somente o socialismo poderia oferecer”.
(Niemeyer, 1979 – I, 80). Voltarei a discutir a questão no
capítulo Matéria e Técnica.
24
Discutirei tal questão nos capítulos Composição e
Colagem e Espaço e Lugar.
Outro problema é o que se refere à ampliação das
propostas urbanísticas. (Comentar mais).
81
25
Muitas razões são argumentadas pelos modernistas para
a autonomia espacial dos elementos arquitetônicos: veto
à rua-corredor, considerada a causa de todos os males
urbanos; necessidade de liberar todas as fachadas, de
modo a obter maiores possibilidades de iluminação e
ventilação; necessidade de afastar os prédios uns dos
outros, de modo a prover maior integração com a natureza;
vontade de determinar visuais mais desimpedidas;
necessidade de liberdade para pesquisar novas formas de
organização urbanísticas (distintas da tradicional), entre
outras. (Le Corbusier, 1992).
82
83
A Vitalidade da Rua
As Arenas Políticas
Notas:
2
Questão discutida pela crítica contemporânea, o que tem
sido hoje defendido ¾ ao contrário da setorização
100
modernista ¾ é a diversificação das atividades, algo que
tende a assegurar a vitalidade do espaço urbano a maior
parte do dia. (Holston, 1993. Portoghesi, 1985).
3
Sobre o projeto para a beira do Tietê, voltarei a comentar
no capítulo Composição e Colagem, bem como em Espaço
e Lugar. Situações que também exemplificam o problema
são, entre outras, a proposta de Niemeyer para a Feira
Internacional e Permanente do Líbano (Trípoli, 1962;
Revista Módulo, n. 30, 1960/64), para a Universidade de
Haifa (Palestina, 1964. Revista Módulo, n. 39; 1965),
Universidade Científica de Argel (1969. Revista Módulo, n.
43; 1976), ZAC de Villejuif (França, 1972; Revista Módulo,
n. 53, 1979) e Centro Administrativo do Recife
(Pernambuco, 1978; Revista Módulo, n. 58 e 62).
Em todos esses casos, aliás, a distância entre os setores
é tal que se tem algo similar à idéia de desurbanização,
noção discutida pelo Construtivismo Russo. Tal idéia,
defendida por Mosei Ginszburg e M. Okhitovich, entre
outros arquitetos construtivistas, apoiava-se na facilidade
de conexão possibilitada pelos rápidos meios de
comunicação e transporte. Via-se nisso a possibilidade
(considerada adequada) de assentamentos esparsos, ou
seja, localizados de modo livre em meio ao verde. (Sobre
o assunto consultar: Cooke, 1999 e Frampton, 1991,
capítulo La Nueva Colectividad: Arte y Arquitectura en la
Unión Soviética, 1919-1932).
Questão conceitual a meu ver não resolvida em Niemeyer,
suas propostas oscilam entre a grande distância entre os
setores e, por outro lado, a intenção de recuperar o “caráter
acolhedor da cidade medieval”. Projetos de mesma data
como Cidade Vertical (Fig. ) e Urbanização de Algarve
(Fig. ) são exemplo disso.
A meu ver, a dificuldade de resolver conceitualmente tal
questão está no caráter complexo da vida urbana. Tem
considerado analistas contemporâneos, a dinâmica da
cidade não pode ser solucionada dentro do reduzido
perímetro de um assentamento como Cidade Vertical. (Citar
autores). O fato de Niemeyer prever nesta mesma proposta,
aliás, que o desenvolvimento continue através da criação
de outros setores (industriais, de lazer etc) evidencia o
101
caráter contraditório de tal proposição: leva, por sua vez, à
perda do caráter “medieval” inicialmente proposto; faz com
que a própria Cidade Vertical se transforme, neste caso,
em um setor de uma cidade mais complexa. (Niemeyer,
1965,11).
4
Sobre a questão da vitalidade urbana e sobre o papel da
praça e da rua em garantir tal caráter (enfoque diverso do
de Niemeyer) consultar: Holston, 1993, bem como Rowe,
1998, cap. La Crisis del Objeto: dificuldades de textura.
5
Outras vezes o problema consiste, inversamente, na falta
de delimitação de tais espaços. Neste caso, limites como
caminhos, vegetação ou a proximidade de um bloco
construído mostram-se insuficientes para caracterizar com
precisão o ambiente público. É o caso, entre vários
exemplos, das praças junto aos blocos de apartamentos,
na Cidade Marina (proximidades de Brasília, anos 50-60.
Fig. ), bem como da organização geral da Cidade Vertical
(Israel, 1964. Fig. ) e da Cidade do Amanhã (1979. Fig. ).
6
Tal aspecto já foi apontado no cap. O Equilíbrio Purista;
voltará a ser tratado na IV Parte: O Debate Contemporâneo.
7
Essa é uma característica, aliás, de todo o setor da
Esplanada dos Ministérios. Não há qualquer equipamento
destinado a receber a população comum. O caráter inóspito
do espaço é reforçado, ademais, pelo sentido monumental
da organização, marcada por grandes eixos e extensos
gramados.
8
Na proposta inicial, desenhada pelo arquiteto (Fig. ),
existia, é verdade, um espaço pavimentado à frente do
Congresso, espaço que talvez sugerisse a possibilidade
de uma manifestação popular. Porém, desvinculado da
praça (desde que situado no outro lado do edifício), tendo
dimensões reduzidas e, ainda, sem qualquer conforto, não
serviria (pelo menos de modo adequado) a tal função. Por
razões que desconhecemos, acabou não sendo construído.
102
9
Niemeyer desenha, ao invés, um parlatório à frente do
Palácio do Planalto, sugerindo - evidentemente - uma
relação mais próxima entre o povo e o presidente da
República. Subtrai à sua proposta, portanto, um sentido
verdadeiramente democrático, a qual passa a adquirir um
caráter paternalista ou, até mesmo, populista.
10
No capítulo Espaço e Lugar voltarei a discutir a proposta
de O. Niemeyer para a Reurbanização das Margens do
Tietê, enfocando justamente a relação entre o objeto
arquitetônico e o entorno.
11
Para não fugir ao tema do capítulo (a dimensão política
implicada na relação entre povo e espaço público) deixei
de lado aproximações plásticas entre a obra de Niemeyer
e a de Tarsila do Amaral. A meu ver, tal proximidade se dá
a partir de elementos vinculados ao Pós-cubismo e ao
movimento de Retorno à Ordem, quais sejam: o sentido
de integridade e legibilidade das formas, o nexo figurativo
das imagens (não obstante o sentido de abstração), a
manutenção dos volume enquanto diretriz da resolução
plástica (a despeito da presença do plano cubista, algo
que discutirei II. Parte: A Lógica Construtivista), a
valorização dos aspectos perenes ligados ao belo
(harmonia, equilíbrio, unidade etc) e, por fim, a inclusão
de traços autóctones.
Embora não tenhamos passado pela experiência de
desarrumação proposta pelas vanguardas, a leitura feita
pelos brasileiros da arte européia centrou-se em aspectos
deste movimento. Isso não significaria, contudo, reduzir a
experiência dos artistas brasileiros a tal movimento; afinal,
são várias as influências de cada artista. Sobre o assunto,
escreve Carlos Zílio: “Dentro deste panorama de ‘retorno
à ordem’ é que chegam os brasileiros à Paris. Mal
informados e sem conhecimento íntimo das lutas internas
pelas quais passava a arte moderna, eles contemplarão
de fora este desenrolar. Para os artistas brasileiros, ainda
se tratava de adquirir um contato direto com a produção
moderna e compreender, num mesmo momento, todo o
processo que se havia desenvolvido na história da arte a
103
partir da segunda metade do século XIX. Naturalmente,
eles se orientarão no sentido dos nomes mais consagrados
da arte francesa e que já repercutiam no Brasil. A esse
fator que os aproximaria dos pós-cubistas, é preciso
adendar o fato destes possuírem um tipo de imagem que,
buscando um compromisso com o tradicional, estava mais
próximo do universo dos artistas brasileiros, recém-saídos
do Impressionismo.
“Assim, essa fase da arte moderna brasileira estará
vinculada a uma visão plástica - o retour à l’ordre - que
se caracterizava por sua postura conservadora.
Pouquíssimas eram as possibilidades dos brasileiros
perceberem os movimentos mais radicais, como as
tendências construtivas, o Dadaísmo e o Surrealismo, e
quando o fazem será sempre superficialmente”. Zílio, 1982,
73. (Sobre o assunto consultar também Batista, 1987 e
Chiarelli, 1996).
Próximo ao movimento de Retorno à Ordem estaria
também a produção de dois escultores que comparecem
freqüentemente na composições de Oscar Niemeyer. São
eles Bruno Giorgi e Alfredo Ceschiatti. Tanto quanto para
Niemeyer, a forma é para esses escultores um elemento
maciço, íntegro e que ocupa um ponto definido do espaço.
São poéticas figurativas que, não obstante certa abstração
formal, mantém o vínculo a aspectos tradicionais da arte,
ao mesmo tempo que incorporam, de modo geral, as
questões discutidas pelo movimento de Retorno à Ordem.
A meu ver, não é por acaso a presença freqüente destes
escultores nas composições do arquiteto. Partilham com
a obra de Niemeyer uma concepção plástica similar.
Monumento à Juventude (M.E.S. Rio de Janeiro, 1936),
Candangos (Praça dos Três Poderes. Brasília) e Meteoro
(Palácio do Itamaraty) são peças de Bruno Giorgi que têm
lugar de destaque na arquitetura de Oscar Niemeyer. Cf.
Amaral, 1997. (Fotos publicadas em Papadaki, 1950, 54).
Alfredo Ceschiatti participa com Os Evangelistas e Os Anjos
(Catedral de Brasília), Justiça (Supremo Tribunal Federal.
Brasília) e As Banhistas (Palácio da Alvorada. Brasília).
Niemeyer possui obras do artista, entre elas O Abraço,
tendo aberto, em 1956, a Residência à Estrada das Canoas
104
para uma exposição individual de Ceschiatti. (Weiss, 2000).
(Comentar também a aproximação de Niemeyer à Sérgio
Camargo).
12
Tal questão, discutida no capítulo O Vínculo da Imagem,
será retomada no capítulo Espaço e Lugar.
preocupação nacionalista.
67. ALTO, À ESQUERDA. “É uma morfologia que Aalto não é o único a estudar,
Niemeyer, Oscar – Casa do Baile. experimentar, assumir como primária e fundamental
Pampulha, Belo Horizonte. 1942.
Foto publicada em Petit, 1995,
da linguagem expressiva da arte, e como substituta
152. da morfologia geométrica das diversas tendências
construtivas. Basta pensar, em primeiro lugar, em Arp,
68. ACIMA. Niemeyer, Oscar – mas também em Picasso, Miró, Moore. Retomando,
Residência à Estrada das
Canoas. Rio de Janeiro, 1953.
talvez sem saber, uma antiga tese iluminista (Hogarth),
Croqui publicado em Petit, 1995, a linha curva e ondulada é a linha expressiva da vida,
87. de tudo o que nasce, cresce, invade (e não ‘constrói’)
Notas:
1
Di Cavalcanti Sem Titulo (Nu e Barco). Nanquim,
crayon e guache sobre papel, 33,7 x 42,0 cm. (Foto
publicada em Gonçalves, 1997, 45).
2
Quando discutir, no cap. Plano e Espaço, a questão da
espacialidade moderna, tratarei detidamente acerca dessa
ambigüidade interior/exterior, algo aliás característico da
arquitetura niemeyeriana pré-Brasília. Quanto a Mies van
der Rohe, o desenho se organiza a partir da linha reta e do
sistema ortogonal. Embora também tenha investigado a
curva (Court-house with garage, de 1934), logo a abandona.
(Blaser, 1994).
3
É importante assinalar que, nestes painéis e pinturas de
Portinari, a curva divide a superfície da tela em áreas planas
de cor e textura, suporte para figuras (de outro modo)
tridimensionais. Trata-se de uma organização tipicamente
pós-cubista e que guarda relação, portanto, com o Cubismo
130
Sintético. Duas obras do mesmo gênero – um mural de
Portinari (Fig. ) e outro de Burle Marx (Fig. ) – aparecem
também no Iate Clube. Em todas essas obras, a presença
de formas planares (silhuetas) evidencia, a meu ver, uma
referência comum tanto aos pintores quanto a Niemeyer.
A meu ver, a marquise da Casa do Baile, por exemplo –
tanto quanto aquelas silhuetas ou superfícies planares
definidas por Burle Marx e Portinari – tem no Cubismo
importante referência formal.
Nos capítulos Plano e Espaço e Matéria e Técnica, voltarei
a essa questão.
4
No caso da Casa do Baile, o contraste é entre a forma
cilíndrica do salão e o plano da marquise. Já no Cassino,
Niemeyer contrasta a geometria do prisma retangular com
o plano leve e sinuoso que abriga o acesso ao salão de
jogos. Esse recurso de contraste entre uma forma pura
(geralmente o edifício principal) e uma forma livre
(comumente o anexo), a partir daí será muitíssimo utilizado
por Niemeyer.
5
Escreve M. Bill: “ ... a forma livre, a forma orgânica, o
plano livre. Esta forma renasceu no Art Nouveau antes de
1900. Na arte de hoje ela foi introduzida primeiramente por
Kandinsky nos seus quadros, em 1910 aproximadamente.
Na sua forma contemporânea, elas são a expressão típica
de Hans Arp, que, após dezenas de anos, ainda a pratica
nas suas esculturas e relevos muito harmoniosos. A
aplicação dessas formas na decoração, no têxtil, na
publicidade, nos stands de exposições horríveis, é um fato
que se encontra a todo instante na Europa. Ter introduzido
estas formas livres nos projetos de jardins, é mérito de Le
Corbusier, e também ele as introduziu na arquitetura,
fazendo muros curvados e ‘roof-gardens’ (aplicando estas
formas livres). A forma livre pode ser útil quando se trata
de seguir uma função, de tornar uma casa mais confortável;
isto, porém, seria uma exceção, pois, a maioria das
aplicações da forma livre, por nós encontrada, são
131
puramente decorativas e nada tem que ver com uma
arquitetura séria”. (Bill, 1954).
6
Discutir algumas leituras sobre a presença da curva na
arquitetura de Niemeyer: Dorfles, Bruand, Puppi, Lúcio
Costa e Sophia Telles.
7
Escreve Dorfles que “com efeito, a tentativa de infringir a
estaticidade, de criar um temporalização do espaço viria
de três bem distintas maneiras; enquanto um ‘primeiro’
grupo de arquitetos (como Le Corbusier, Mallet-Stevens,
Buys, Lurçat) tentava obter os efeitos de renovação espacial
através da sobreposição, multiplicação dos pontos de fuga,
através da fragmentação do bloco monolítico, sem se
ocupar da modulação da linha construtiva; um ‘segundo’
grupo (Taut, Mendelsohn, Scharoun e enfim Aalto) tentava
renovar as exigências plásticas da arquitetura, servindo-
se da nova ductilidade própria do cimento armado (como
já se tinham valido da possibilidade oferecida pelo ferro e
pelo cimento alguns arquitetos do último oitocentos: Olbrich,
Gaudí, Horta, Van de Velde, etc). Um ‘terceiro’ grupo enfim
recorria à eliminação da parede divisória no interior do
edifício, e portanto a uma ‘Raumdurchdringung’ (ou seja, a
uma interpenetração espacial), obtida mediante a ‘fluidez’
da planta, das quais temos um exemplo típico em muitas
obras de Mies van der Rohe, talvez influenciado pelas
doutrinas de Mondrian e de Van Doesburg”. (Dorfles, 1951,
36).
8
É bastante provável que Dorfles não conhecesse bem a
obra de Niemeyer, pois caso contrário certamente teria
incluído o Pavilhão para a Feira de Nova Iorque (1938)
enquanto inserido em tal tendência. Vale dizer que a
dinamização do pavilhão nova-iorquino, por exemplo, é
muitíssimo mais ousada que a ondulação do painel de vidro
do Banco Boavista (Fig. ).
No que se refere à abordagem de Dorfles, é preciso lembrar
que, embora as características apontadas pelo crítico
estejam presentes de fato na arquitetura do século XVII, a
ambigüidade interior/exterior que se vê na arquitetura
moderna, bem como a autonomia que a superfície adquire
enquanto diretriz da organização espacial somente podem
ser compreendidos a partir da espacialidade construtivista.
132
O Barroco jamais chegou a tal nível de dinamização
plástico-espacial. (Discutirei o assunto no capítulo Plano e
Espaço).
9
Bruand se apoia em depoimentos de Oscar Niemeyer,
entre eles o da Revista Módulo, n. 3, dezembro de 1955, p.
19-22. (Cf Bruand, 1991, 114, nota 129)
10
Papadaki já notara, escreve Puppi: “’A paisagem brasileira
variada e plástica, o clima que requer somente um mínimo
de equipamento técnico para ser moderado, um modo de
viver que se baseia mais no presente do que no incerto
fluxo do devenir, um povo rico de capacidades emotivas,
cuja forma externa é a poesia lírica, enquanto a forma
interna tende a se identificar com os próprios arquétipos –
tudo isso pode explicar vários aspectos do florescimento
arquitetônico do Brasil moderno’”. (Puppi, 1988, 25).
11
Escrevia Mário de Andrade: “Ora, na arquitetura religiosa
de Minas a orientação barroca – que ó o amor da linha
curva, dos elementos contorcidos e inesperados – passa
da decoração para o próprio plano do edifício”. (Andrade,
1920, 103).
12
A referência à Lei do Meandro é extraída de Le Corbusier
– Precisions on the Presente State of Architecture and City
Planning. Cambridge e Londres, MIT Press, 1991, p. 142-
143. (Underwood, 2002, nota 10, p. 145).
13
Escreve R. Ortiz que para Euclides da Cunha, Sílvio
Romero ou Nina Rodrigues (considerados precursores das
ciências sociais do Brasil) se a sociedade brasileira não
alcançara ainda certo estágio de desenvolvimento, isso não
seria devido somente à mentalidade retrógrada ou primitiva
dos estratos mais rudes da população; nem seria devido
apenas a uma mentalidade que impedia o estabelecimento
de instituições sociais e políticas verdadeiramente
modernas (o exemplo de Canudos); segundo tais
pensadores, a dificuldade de criar instituições modernas e
racionais no Brasil, seria devida também a questões
relativas à influência do meio (clima), e também à própria
constituição racial do brasileiro. (Ortiz, 1985). É interessante
notar que Euclides da Cunha ou Sílvio Romero eram
133
todavia otimistas. E isso porque, para eles, o
aperfeiçoamento progressivo dos povos era algo inevitável.
14
Vale dizer que se tratava de uma leitura da realidade, na
qual o múltiplo e o heterogêneo passavam a ser visto
enquanto unidade. Somente assim tornava-se possível
construir a identidade cultural do brasileiro. (Ortiz, 1985).
15
Em recente tese de doutoramento, o arquiteto Luís
Recamán de Barros (1996) discute a importância que Mário
de Andrade teria tido, juntamente com Lúcio Costa, no
sentido de determinar as diretrizes da arquitetura brasileira.
A idéia de que a dinamização sinuosa dos planos seria
contribuição autenticamente brasileira – algo que, segundo
Mário de Andrade, teria surgido com o Aleijadinho –
constituiria uma dessas diretrizes. Aliado a isso estaria a
valorização de certa tradição construtiva brasileira (algo
valorizado por Ricardo Severo, Lúcio Costa, Mário de
Andrade e estimulado por Le Corbusier).
Independentemente da validade ou não de tal hipótese,
acredito que isso não baste para explicar o modo como a
curva surge na arquitetura de Oscar Niemeyer; isso porque,
se existe uma referência à sinuosidade barroca, o traço de
Niemeyer é moderno; sua linha implica a autonomia que
os elementos plásticos (forma, plano, linha, cor, textura)
adquiriram na arte do século XX. Trata-se de abstração,
algo que se vê, por exemplo, nas telas cubistas ou no
expressionismo abstrato de Kandinsky. Continuarei a
discutir tal aspecto no capítulo Plano e Espaço.
16
Escreve Costa: “... tal empreendimento (Ministério de
Educação e Saúde) foi levado a bom termo graças
sobretudo a Oscar Niemeyer Soares, cuja obra pessoal
revelar-se-ia, em seguida, decisiva no que concerne à
formulação objetiva e ao desenvolvimento da arquitetura
brasileira. Para que se dê conta disso, é suficiente assinalar
o conjunto magistral da Pampulha que data, praticamente,
da mesma época. Do mesmo modo que Antônio Francisco
Lisboa, o Aleijadinho, em circunstâncias análogas na Minas
Gerais do Século XVIII, ele é a chave do enigma que
134
desconcerta todos aqueles que querem conhecer mais de
perto o estranho processo de súbito desenvolvimento da
arquitetura brasileira e que se admiram da maestria
alcançada e de seu caráter particular. Pois, não obstante o
sentido internacional da arquitetura moderna... a arquitetura
brasileira de hoje se destaca do conjunto contemporâneo
construído e obtém reconhecimento dos estrangeiros como
uma manifestação de caráter local, não somente porque
ela retoma alguns recursos próprios da tradição do país,
mas fundamentalmente porque é a personalidade nacional
ela mesma que se exprime através das individualidades do
135
Tatlin, Vladimir – Relêvo de Canto. No Relevo de Canto (1915. Fig. ), de Vladimir Tatlin,
1915. Ferro, alumínio, zinco, não existe um ponto a partir do qual o observador
possivelmente destruído. 78,7 x possa ter uma compreensão total do espaço. É preciso
152,4 x 76,2 cm. Reconstrução
feita em 1966-70 por Martyn Chalk abordar o objeto a partir de vários pontos de vista
a partir de fotografias do original. para que se possa compreender a lógica que preside
Foto publicada em Tucker, 1999, a organização espacial.
121.
A impossibilidade de uma compreensão imediata da
forma se deve tanto à assimetria da composição
quanto à disposição dos planos. Cada visada é diversa
da anterior; mostra um novo aspecto do espaço; faz
ver uma nova particularidade do objeto. A coerência
espacial só pode ser apreendida ao nível mental:
implica a somatória das várias experiências espaciais
vivenciadas no tempo. Tal percepção requer, portanto,
138
uma temporalidade extensa; é impossível uma
apreensão imediata do espaço.
A Espacialidade Construtivista
A Lógica do Espaço
89. ACIMA. Niemeyer, Oscar – As formas, por sua vez, passaram a adquirir um
Museu de Arte Moderna.
Caracas, Venezuela, 1954. caráter escultórico muito semelhante – tenho
Perspectiva do interior. Desenho salientado – à escultura abstrata.
publicado em Papadaki, 1956, 90-
91. No próximo capítulo, continuarei discutindo o sentido
escultórico de tais formas, agora considerando os
aspectos estruturais e técnicos implicados na
configuração plástica.9
152
Notas:
1
O termo surge no manifesto do Produtivismo, em 1922.
(Reproduzido em Amaral, 1977, 39).
2
Adiante, voltarei a me referir à espacialidade
corbusiana.
3
Esse último raciocínio será muitíssimo usado por Oscar
Niemeyer. Ficará mais evidenciado na fase madura do
arquiteto, quando optando pelo volume compacto
reservará exclusivamente para o interior da forma a lógica
do plano. (Analisarei, adiante, tal situação). Até então,
veremos uma arquitetura mais permeável ao espaço
externo, mais transparente e onde a superfície comparece
não enquanto contorno da forma, mas primordialmente
enquanto elemento divisor do espaço.
(Interior: outras superfícies: teto, piso do mezanino. Comas,
1989, 97).
4
Isso é algo característico de Oscar Niemeyer. Na maioria
dos interiores projetados pelo arquiteto mesmo naqueles
interiores em que o plano é a geratriz da organização
espacial tem-se sempre uma visão unitária e clara do
espaço. Exemplo disso é o hall do Palácio do Congresso
(Brasília, 1957. Fig. ) ou a biblioteca do Memorial da
América Latina (São Paulo, 1992, Fig. ). Em ambos, o
usuário orienta-se com facilidade, compreendendo quase
que de imediato a lógica da organização espacial.
5
“Nosso desejo”, explica Niemeyer, “era desenvolver uma
153
forma compacta, destacada claramente da paisagem, e
que expressasse em sua pureza de linhas a força da arte
contemporânea” e que oferecesse “ao visitante a surpresa
e a emoção resultantes do violento contraste entre certo
exterior dado e um interior repleto de luz”. (Niemeyer, O.
apud Papadaki, 1956, 83).
6
A última laje lembra um recorte de Matisse. É o mesmo
princípio de desenho utilizado para a marquise do
Ibirapuera (1951. Papadaki, 1956, 124-152).
O projeto para o Museu de Caracas, outro aspecto, é a
meu ver uma evidente continuação das pesquisas formais
realizados por Oscar Niemeyer por ocasião do projeto para
o Ibirapuera. Croquis publicados no livro de Papadaki
(1956, 85) mostram que uma das possibilidades para o
museu era uma forma semelhante ao auditório do
Ibirapuera (1951. Não construído). Em Caracas, Niemeyer
opta por uma forma absolutamente simétrica, empregando
por outro lado o mesmo raciocínio utilizado para o
Pavilhão das Artes do Ibirapuera (Lajes horizontais,
recortadas e que integram os diversos pavimentos. Projeto
de 1951, é conhecido hoje como Oca. Projeto publicado
em Papadaki, 1956, 150-152). O espaço interno é
totalmente liberado, assegurando a ambos os projetos
grande flexibilidade interna.
7
(Comentários de Y. Bruand. Ver rascunho Tradição,
nota 1, p. 32-37)
8
Exemplo disso é o Memorial da América Latina (1992).
Trata-se de algo completamente distinto da primeira fase
do arquiteto. Diferente desta fase – onde a ambigüidade
espacial era determinada, inclusive, pela transparência dos
grandes panos de vidros (protegidos eventualmente por
quebra-sóis) – no Memorial as vidraças escuras enfatizam
a pureza do volume, ao mesmo tempo que protegem do
sol.
9
Para não fugir ao tema central do capítulo – o modo
singular como a espacialidade construtivista comparece
154
A Questão Construtivista
Reprodutibilidade e Forma
99. ALTO DA PÁGINA. Niemeyer,
É preciso salientar: Niemeyer é um dos arquitetos Oscar – Instituto de Teologia.
brasileiros que mais têm utilizado processos seriais. Brasília, 1960. Não construído.
Seus inúmeros projetos grande parte deles Perspectiva publicada em Revista
Módulo, n. , 52-53.
propostas de larga escala seriam inviáveis, no
sentido da economia e da rapidez da execução, se
não implicassem a seriação dos elementos
construtivos.
1
( Comentar sobre a origem do termo. Cochiarelli, nota
16, p. 15, r. 1).
2
A vontade de superar a idéia de representação leva alguns
artistas e movimentos construtivos a posições radicais. No
Neoplasticismo, por exemplo, só entram cores primárias,
vistas como construção intelectual isenta de referências
naturalistas. Naum Gago e Antoine Pevsner vão mais
longe. No Manifesto Realista (Moscou, 1920), excluem a
própria cor. “A cor é acidental e não tem nada em comum
com o conteúdo interno dos corpos. Proclamamos que o
tom dos corpos, isto é, sua substância material absorvendo
a luz, é a única realidade pictórica”. (Gabo, N. e Pevsner,
A.; 1920. In Amaral, 1977, 35). Desvinculando-se
radicalmente da representação, Gabo e Pevsner lançam
também um veto à linha (seu valor “gráfico” ou
representativo), e também ao volume e à massa. Nos
objetos criados por Gabo e Pevsner, a linha é transformada
em “direção das forças estáticas”, ritmo. O volume e a
massa tornam-se espaço. (Gabo, N. Variações sobre
um Tema Esférico. 1937. In Amaral, 1977, 37). Os valores
estáticos, outro aspecto, tendem a ser negados, afirmando-
se ao invés os “ritmos cinéticos, formas essenciais de nossa
percepção do tempo real”. (Idem, p. 35).
3
Na arquitetura e no design, soma-se a isso o sentido
funcional que se requer dos objetos. Em alguns casos,
aliás, tal preocupação será levada ao extremo, a diretriz
estrita da forma sendo o seu sentido utilitário, não
preocupações estéticas.
A polêmica entre Corbusier e Carel Teige é bastante
ilustrativa nesse sentido. Teige, 1988. Le Corbusier, 1988).
Do mesmo modo, o pensamento de Hannes Meyer a
respeito da relação entre forma e função. (Meyer, 1928).
Associado à idéia de funcionalidade está também a
evocação da imagem da máquina, questão que se torna
importante para certa vertente construtiva. Na Rússia, por
exemplo, enquanto artistas como Malevich ou El Lissitzky
172
tendiam para uma formulação mais abstrata (baseada na
geometria), outros, como Tatlin ou Rodchenko buscavam
(sem descartar a geometria) uma aproximação à máquina
e à engenharia, trazendo para a linguagem plástica a
expressividade dos encaixes e das articulações mecânicas.
( Cooke, 1989, 18). É o que o faz também o arquiteto e
técnico russo I. Chernikhov. Tomando como base para a
organização formal os princípios de funcionalidade e
racionalidade da máquina, Chernikhov absorve do sistema
maquínico certos princípios ligados à interconexão dos
elementos construtivos (penetração, dobra, encaixe, fixação
etc). Vê-se que, mais que um princípio de organização
funcional, a máquina se torna o próprio modelo formal .
(Cooke, 1989, 48-49).
4
No Construtivismo Russo, a renovação da linguagem
artística já havia apontado para a integração total entre
arte e vida. Tendia-se para a estetização total do espaço
da existência, para a produção de formas acessíveis a
todos, no contexto de uma sociedade sem classes. As
vertentes construtivas ocidentais não foram, contudo, tão
radicais; moveram-se dentro dos marcos da social
democracia; ou seja, buscaram a reforma social; não o
abandono do capitalismo, e sim a possibilidade de uma
convivência política mais solidária.
De qualquer modo, tanto a vertente russa quanto a ocidental
passaram a demandar do artista uma nova posição.
Solicitaram-lhe que produzisse, enquanto técnico, os
objetos de uma sociedade renovada, mais racional,
socialmente mais equilibrada. (Argan, 1990).
5
Pergunta S. Telles: “a presença da natureza, o interior
sensível, imensa superfície de território virgem, de sertão
noturno, a presença indígena e cabocla – não permanece
sendo essa a interioridade modernista? Não é essa a
brasilidade que o olho modernista, de escanteio, aqui e ali,
reconhece como sendo o fundo difuso de uma natureza
brasileira, da própria alma brasileira?” (Telles, 1983, 20).
Considera, por outro lado, que trata-se de apego à tradição,
regionalismo, bem como não enfrentamento com a
racionalidade construtivista.
173
6
O edifício fora inicialmente construída para abrigar a
equipe que, sob a orientação do arquiteto, projetaria a
Universidade e também orientaria e conduziria os cursos
da Faculdade de Arquitetura. (Niemeyer, 1963).
7
Niemeyer dirá que os “acabamentos respeitarão a
austeridade necessária – quase tudo de tijolo e concreto
aparentes – harmonizando-se assim com a filosofia de
pobreza e humildade dos que o deverão habitar”. (Niemeyer,
1961).
8
Sophia Telles já apontara tal aspecto ao escrever que
“quando Niemeyer sugere em seus projetos a presença
mais ativa do esforço técnico ou da pré-fabricação, perde
a leveza da forma, a clareza do desenho, a precisão do
perfil, como em seus últimos projetos, o Sambódromo ou o
Centro Musical para o Rio de Janeiro ..”. (Telles, 1988, 81).
9
O Centro Administrativo do Recife (1978), por exemplo,
é determinado por apenas dois tipos de blocos, os quais
se repetem em grande número. Trata-se, portanto, da
serialização dos elementos urbanísticos, o que implica a
utilização de procedimentos técnicos afins.
10
Sobre o sentido da cidade enquanto composição,
consultar o capítulo O Equilíbrio Purista. Continuarei a
discutir o assunto na última parte deste trabalho: O Debate
Contemporâneo.
11
Outros exemplos: Museu de Arte Contemporânea de
Niterói (Fig. ), Teatro de Araras, Torre de TV (Fig. ), Centro
Cultural do Havre (Fig. ), Museu de Caracas (Fig. ), etc.
12
Comentando a leitura de Heidegger, Jaeger e Gadamer
sobre a distinção grega entre técnica (tekné) e poética
(poeisis), o teórico da arquitetura Juan Sanz (1992)
esclarece que, enquanto poética adquire o sentido de “fazer-
se presente através da linguagem”, a técnica – algo que
se fundamenta na poética – seria a “sabedoria enquanto
174
vontade determinada de fazer algo”. Isso implicaria um
“conhecimento sobre a verdadeira natureza do material”,
um “saber eminentemente prático”. (Sanz, 1992, 21-33).
Consideradas tais noções, eu diria que – em Niemeyer – a
técnica consiste em erguer formas que, embora atentas
às possibilidades estruturais do concreto, deixam todavia
de evidenciar sua característica enquanto material
(densidade, cor e textura) ou mesmo elidir encaixes,
articulações ou lógica estrutural. É nesse sentido que se
afastam do raciocínio construtivista, baseado na
visibilidade do procedimento técnico e na expressividade
da matéria.
(Comentar Telles( 1988): hipótese formal; e também a
consideração da mesma autora (Telles, 1994) de que o
conhecimento do material já está no risco do arquiteto).
13
Tomando como ponto de partida a racionalidade
construtivista, Sophia Telles aponta esse mesmo
distanciamento de Niemeyer no que concerne à visibilidade
técnica e à expressividade dos materiais. A hipótese da
autora é que isso se dá em virtude de as formas de
Niemeyer estarem referidas ao desenho, ou seja,
resolverem-se no papel (a folha em branco). Segundo
Telles, é isso o que explicaria – inclusive – o estranhamento
que se tem diante de suas imagens: a sensação de
deslocamento em relação ao espaço onde se estabelecem.
É isso também o que explicaria a ausência de
expressividade do material empregado (o concreto). (Telles,
1988).
A meu ver, o problema com tal abordagem é que ela não
parece levar em conta a forte materialidade que adquirem
as formas de Niemeyer quando construídas.
Minha hipótese é que a falta de investimento na textura do
material (o concreto) se dá em virtude do valor de imagem
das formas, algo que o levaria a dispensar o investimento
na expressividade da matéria.
(Discuti tal hipótese nos capítulos O Vínculo da Imagem e
O Contorno Sinuoso).
14
É justamente esse caráter figurativo e plasticamente
175
denso o que torna complexa, por outro lado, a vinculação
de Oscar Niemeyer à pesquisa construtivista brasileira dos
anos 50. A investigação concreta e neoconcreta, baseada
nas configurações planares, buscava afastar-se da
figuratividade abstrata e da volumetria tradicional da
escultura. Niemeyer mantém-se vinculado à questão do
volume e da figura; e, embora traga para o interior da forma
a articulação espacial construtiva (conforme procurei
demonstrar no capítulo anterior), muitos de seus planos
apontei no capítulo Plano e Espaço são ainda
figuras, silhuetas, não superfícies construtivas.
15
Atendo-me ao modo como a técnica e a matéria surge
na obra de Niemeyer (tema central do capítulo), comentei
pouco sobre a questão da reprodutibilidade, questão
construtivista a que adere um importante sentido político:
qual seja, a vontade de realizar uma arquitetura acessível
a todos, e não restrita à burguesia. Na década de 50,
quando o Construtivismo começa a ser discutido mais
intensamente no Brasil, esse aspecto transforma Oscar
Niemeyer em alvo de acerbas críticas. Vindo ao Brasil por
ocasião da Bienal de 1951, o suíço Max Bill – por exemplo
– condena Niemeyer pelo que considera uma arquitetura
desvinculada de qualquer projeto coletivista, de ampla base
social, projeto que incluísse a questão da reprodutibilidade.
(Bill, 1954. D’Aquino, 1953).
A essa crítica segue-se a observação do arquiteto alemão
Walter Gropius quando visita a residência de Niemeyer à
Estrada das Canoas. “Sua casa é muito bonita, porém não
é reprodutível”, diz Gropius a Niemeyer num misto de
admiração e desencanto.
Em 1953, Mário Pedrosa também critica duramente
Niemeyer. Afirma que “o luxo e a gratuidade formal” que
caracterizam as obras da Pampulha decorreria do comércio
de Niemeyer com a burguesia e com a ditadura local.
(Pedrosa, 1981,257). Era em obras como as do Pedregulho
(Rio de Janeiro, ), de Afonso E. Reidy, onde Pedrosa
identificaria – isto sim – uma arquitetura mais abrangente
do ponto de vista social, e por isso mais moderna.
De fato, até Brasília, Niemeyer não tinha realizado ainda
projetos de larga escala, projetos onde pudesse expressar
176
o sentido social que esperava para a arquitetura. (É, aliás,
a partir de Brasília que M. Pedrosa muda sua opinião sobre
Niemeyer. Pedrosa, 1981). Projetos como Cidade Marina
(Brasília, cerca de 1957. Fig. ), Urbanização de Trípoli
(1962), Plano Neguev (Israel, 1964. Fig. ), Urbanização
de Argel (Argélia, 1968. Fig. ) iriam deixar claro, nos anos
seguintes, a destinação social de tais propostas, sua
viabilidade sendo prevista através de um sistema serial.
Em 1979, a especulação de Niemeyer sobre uma cidade
ideal deixaria claro, do mesmo modo, sua expectativa
(política) em relação ao urbanismo. Nesta cidade, escreve
Niemeyer, não haveria “distinção de classe ou fortuna (...)
apartamento melhor ou pior (...) nem as antigas ‘casas
populares’ cujo nome já sugere a discriminação capitalista.
Nessa cidade, sem pobres nem ricos, viveria o homem do
amanhã. (...) “Esta é uma opção para a cidade ideal que
imagino e que somente o socialismo poderia oferecer”.
(Niemeyer, 1979 – I, 80).
Em todos esses projetos, de qualquer modo, a incorporação
das técnicas seriais não implica, todavia, a questão da
visibilidade do sistema construtivo ou da expressividade
dos materiais. Conforme pude analisar ao longo deste
capítulo, trata-se de agenciar “volumes sob a luz”, formas
que ocultam, sob a superfície, os encaixes, as conexões
da estrutura e o material empregado (o concreto).
Por fim, é preciso advertir que, se o ideal político de uma
cidade destinada a todos está na base da vontade
arquitetônica de Oscar Niemeyer, isso não significa
necessariamente uma dimensão verdadeiramente
democrática. É na configuração do espaço onde se faz
necessário flagrar o sentido último (político) de suas
propostas. Comentei tal aspecto nos capítulos O Povo e a
Rua e o Equilíbrio Purista. Continuarei a tratar do problema
na última parte deste estudo.
177
A Estética da Colagem
Urbanismo e Colagem
A Perspectiva de Intervenção
Urbanismo e Diversidade
Notas:
1
É interessante assinalar que, se as colagens de Picasso
e Braque ainda implicavam a busca de correspondências
entre as formas (harmonia, ritmo, equilíbrio, etc), a
introdução de elementos espúrios à tela não só romperá
com a distinção clássica entre pintura e escultura como
abrirá caminho para experiências estéticas baseadas em
relações de sentido, não tanto em correlações formais entre
as coisas. Compare-se, por exemplo, a colagem Guitarra
(1913. Walther, 1992,41.Fig. ), de Picasso, com a obra
Motivo Perpétuo (1920. Argan,1995,483. Fig. ), do artista
norte-americano Man Ray (1890-1976). Enquanto Picasso
busca correspondências entre os elementos plásticos (o
ritmo determinado pela repetição do papel de parede ou
do pedaço de jornal afixado, as linhas paralelas às bordas
da tela, a tonalidade azul que tudo reúne e que assegura
unidade à composição, etc), Man Ray ocupa-se
exclusivamente com as relações de sentido determinadas
pela agregação de uma imagem (o olho fotografado) a um
metrônomo. Enquanto a operação de Picasso é
eminentemente plástica (atém-se aos princípios clássicos
da composição), o gesto de Man Ray – coerente com a
busca dadaísta e surrealista de buscar relações casuais
entre as coisas – abre caminho para uma experiência
estética posterior, onde o que se enfatizará serão as
relações de sentido entre os elementos, não tanto as
correspondências plásticas. Acrescenta-se a isso o próprio
veto aos princípios clássicos da composição e a afirmação
do disforme, do feio ou do provocativo enquanto estratégia
para comunicar significados artísticos. Discutirei, adiante,
o modo como isso é trazido para o debate urbanístico.
2
As palavras de Picasso ajudam-nos a compreender sua
perspectiva de intervenção, e a noção de tempo daí
194
decorrente. “Para mí no hay pasado ni futuro en el arte ...
Las diversas modalidades que yo he utilizado em mi arte
no deben ser consideradas como una evolución, ni como
pasos hacia un ideal desconocido de la pintura. Todo cuanto
he hecho lo hice para el presente y com la esperanza de
que siempre permanezcan en el presente”. Em contraste,
proclama Marinetti: “Cuando han de sacrificarse vidas no
nos entristecemos si ante nuestras mentes resplandece la
soberbia cosecha de una vida superior que surgirá a partir
de sus muertes... nos encontramos en el cúspide de los
siglos! De qué sirve mirar hacia atrás... vivimos ya en el
absoluto, puesto que hemos creado la eterna velocidad
omnipresente. Cantamos las grandes michedumbres
movidas por el trabajo, la multicolor y polifónica oleada de
la revolución”. (As citações são extraídas de Barr, A.
Picasso Fifty Years of his Art, NY, 1946, pp 270 e 271 e de
Joll, J. Intellectuals in Politics, Londres e Nova Iorque,
1960. Cf. Rowe, 1998, 140).
3
Para além da riqueza de significados aí envolvida, o
conteúdo aleatório de tal operação é também uma atitude
de protesto contra o pretenso sentido de ordem e lógica de
uma cultura que, naquele momento, transforma a realidade
num espetáculo insano e absurdo. (Jianou, 1973).
4
Estou utilizando aqui a abordagem do artista e crítico de
arte Edward Lucie-Smith, o qual, ao discutir a arte
contemporânea em Movements in Art Since 1945, refere-
se aos Assemblages, Happenings e Environments norte-
americanos enquanto movimentos Neo-Dadaístas. Entre
os artistas ligados aos Assemblages, Lucie-Smith cita
Arman, Joseph Cornell, Enrico Baj e Robert Rauschenberg;
associados aos Environments estão Edward Kienholz,
Bruce Corner e Paul Thek ; e, a instigantes Happenings,
Jim Dine e Claes Oldenburg. (Lucie-Smith, 1992, Cap. Pop,
Environments and Happenings).
5
Rompe-se inclusive com os limites usuais entre pintura,
escultura e outros meios, desde que tal procedimento passa
195
a envolver diversas linguagens e mídias. “Utilizei em outra
ocasião a noção de domínio expandido para descrever o
estilhaçamento dos meios de expressão da escultura. De
agora em diante tudo pode ser utilizado para exprimir o
caráter ilimitado do real: a arquitetura, o desenho, a
fotografia, a ação política, o filme”, escreve a estudiosa
Rosalind Krauss ao analisar o assunto. (Krauss, 1986, 252).
6
Dentro dessa perspectiva, aliás, o próprio urbanismo
modernista torna-se objeto da memória, passando a ser
resgatado não enquanto imposição totalizadora, mas
possibilidade de diversidade urbanística. (Rowe & Koetter,
1998; Sanz, 1992).
7
Comentando também sobre o projeto para Mellun-Senárt
(1987), “uma cidade esparramada, uma das ‘cidades novas’
que se criaram à volta de Paris resultantes da junção de
pequenos vilarejos com morfologias, composição social e
tradições díspares, necessitando portanto de um
acontecimento arquitetônico que os unificasse”, escreve
Otília Arantes que “o projeto apresentado em concurso por
OMA-Koolhaas (grupo holandês) – ao contrário por exemplo
de Sarfati que tomou a centralidade a sério – trabalhava
com a desordem no plano do desenho, portanto de forma
menos alegórica e mais efetiva do que Fuksas: um conjunto
de faixas cruzadas que se inscrevem sobre o terreno como
um ideograma chinês, delimitando ora vazios, ora áreas
com funções e arquiteturas diversas, mas com pontos de
contato que funcionariam como campos magnéticos. Já
Himmelblau (arquiteto austríaco) propôs algo como linhas
de força também, mas em conflito, obedecendo a lógicas
diferentes que viriam a animar o futuro desenvolvimento
da cidade – travar-se-ia aí uma verdadeira batalha, na forma
de um ‘urbanismo épico’, na visão de Sompeirac. De
qualquer modo são todos exemplos que abrem mão de
qualquer esforço de retificação da desordem, seguramente
nem sempre como consagração, ao menos no plano mais
remoto das intenções – quem sabe uma forma de
explicitação das mazelas urbanas via redundância enfática
...(é ao menos o que parece acreditar Jameson a propósito
196
dos últimos projetos de Koolhaas e Frank Gehry, do que
aliás tenta discordar seu conterrâneo Mike Davis, que vê
nisto, especialmente nas obras para Los Angeles de Gehry,
apenas ‘inteligentes sublimações’)”.(Arantes, 1985,83).
8
A proposta faz lembrar o projeto de Niemeyer para Botafogo
(1955. Fig. ); ao definir o projeto para a Fundação Getúlio
Vargas, Niemeyer sugeria que o antigo casario do bairro
fosse substituído por torres ritmicamente espaçadas. (A
proposta está publicada em Papadaki, 1956, 168 e 169).
Quanto ao acervo de prédios pré-modernos em Copacabana,
consultar Conde et al.,1985.
9
(Citar Niemeyer. Comentar Roland Corbisier).
10
Torna-se útil considerar, por contraste a tal orientação,
que – dentro da perspectiva contemporânea do Desenho
Urbano – a diversidade é contemplada numa ordenação do
espaço onde, ao mesmo tempo em que se busca unidade e
controle estético, prevêem-se expressões arquitetônicas
diferenciadas. (Del Rio, 1990). A meu ver, se o mérito de
Oscar Niemeyer é, portanto, apontar para a necessidade do
controle visual das formas urbanas (algo que o aproxima da
noção contemporânea de Desenho Urbano), o limite é o
caráter restritivo como isso se dá.
197
Forma e Espaço
Intenções de Contextualização
1938. Fig. ) é uma situação em que Niemeyer se 124. ALTO. Niemeyer, Oscar –
Grande Hotel de Ouro Preto.
defronta com um sítio de reconhecido valor histórico Minas Gerais, 1940. Foto
e artístico. Sua primeira proposta é rejeitada; publicada em Bruand, 1991, 108.
considera-se o edifício demasiado moderno para o
local, estabelecendo ruptura com a antiga paisagem
urbana. (Bruand, 1991, 107). Niemeyer refaz então o
projeto, tentando adequá-lo o máximo possível.
Utiliza-se de elementos do léxico colonial: a telha de
barro, a gelosia, a estrutura em madeira, a pedra,
213
etc. Trata-se, portanto, de uma situação inescapável;
ou o arquiteto se ajusta às diretrizes prefixadas, ou o
prédio não pode ser construído.10
131. ESQUERDA, ALTO DA geral, Niemeyer faz com que um dos lados do edifício
PÁGINA. Niemeyer, Oscar –
fique apoiado sobre pilotis. Organiza assim uma
Centro Cultural do Havre. França,
1972. Vista desde a Baía do espécie de loggia ou passagem coberta, a qual –
Comércio. Foto: Luís Eduardo integrando-se à rua de pedestres existente – propicia
Borda, 2000.
serviços como bar, café, etc. O desenho das colunas
132. ESQUERDA, AO CENTRO.
Niemeyer, Oscar – Centro Cultural
é similar ao dos prédios vizinhos, o que determina
do Havre. França, 1972. Foto: um interessante sentido de continuidade visual. O tom
Luís Eduardo Borda, 2000.
verde-escuro das vidraças faz um contraponto,
133. ESQUERDA, EMBAIXO. ademais, com o cobertura verde da igreja, reforçando
Niemeyer, Oscar – Centro Cultural o sentido de unidade do setor.
do Havre. França, 1972. Vista da
praça rebaixada. Foto: Luís
Eduardo Borda, 2000. A meu ver, trata-se de outra situação em que ao
arquiteto não restou outra alternativa senão adequar-
se à detalhada orientação urbanística determinada
134. ENCIMA. Niemeyer, Oscar –
para o setor. Foi o caso também do hotel de Ouro
Centro Cultural do Havre. França,
1972. Maquete. Foto publicada em Preto ou do Banco Boavista, aqui discutidos, situações
Puppi, 1988, 126. a que se poderia acrescentar outros exemplos.14
218
Arquitetura e natureza
Objeto e Espaço
Notas:
1
Citando como exemplo da lógica do monumento duas
esculturas italianas, escreve R. Krauss que a escultura
eqüestre de Marco Aurélio “foi colocada no centro do
224
Campidoglio para simbolizar com sua presença a relação
entre a Roma antiga e imperial e a sede do governo da
Roma moderna, Renascentista. Outro monumento utilizado
como marco num lugar onde devem ocorrer eventos
específicos e significativos é a estátua Conversão de
Constantino, de Bernini, colocada no sopé das escadas do
Vaticano que ligam a Basílica de São Pedro ao coração do
governo papal. As esculturas funcionam portanto em
relação à lógica de sua representação e de seu papel como
marco; daí serem normalmente figurativas e verticais e seus
pedestais importantes por fazerem a mediação entre o local
onde se situam e o signo que representam”. (Krauss,
1985,88).
2
Acrescenta ainda a autora que “outro testemunho da
perda de local é a intenção de Brancusi em representar
partes do corpo como fragmentos que tendem a uma
abstração radical; neste caso, local é compreendido como
o resto do corpo, o suporte do esqueleto que abrigaria uma
das cabeças de bronze ou de mármore”. (Krauss, 1985,
89).
3
(Citar outros nomes. Lucie-Smith, R. 15-19).
4
Mais do que as características físicas do sítio (a praça),
o contexto era aí – portanto – o próprio ambiente social e
político. (Sobre o assunto, consultar Serra, 1990).
5
As propostas de Le Corbusier para Paris e Saint Dennis
são paradigmáticas do sentido de ruptura da intervenção
urbanística modernista. A implantação da proposição para
Paris (1925), por exemplo, implicaria a destruição de um
setor parisiense de grande densidade histórica. Em Saint
Dennis, os estragos produzidos por um bombardeio durante
a Segunda Guerra Mundial seriam a oportunidade para
implantar ex nihil a nova proposta.
6
Interessante é constatar, aliás, que as fotos que têm
225
divulgado o projeto enquadram somente as formas, sem
esclarecer sua relação com o entorno. Trata-se de uma
situação típica das abordagens fotográficas que têm sido
feitas da obra de Niemeyer. O mesmo se verifica em relação
aos croquis do arquiteto, croquis que jamais esclarecem o
contexto onde os edifícios se implantam. Trata-se, quem
sabe, de uma tentativa de eludir a incômoda situação de
desajuste entre os volumes e o entorno.
7
No projeto do Memorial, o teatro, a biblioteca e o pavilhão
da criatividade estão de tal modo desvinculados uns dos
outros que dificultam a possibilidade de integração
funcional entre os edifícios.
No que se refere especificamente ao programa, considero
que, embora seja válido prover um grande teatro ou um
museu de folclore, o programa carece de espaço para
pequenas atividades teatrais e oficinas, justamente o que
promoveria maior integração com o público. O Pavilhão
da Criatividade, contradizendo seu próprio nome, não é
mais que um museu. A atitude do visitante restringe-se,
neste caso, a contemplar o valioso acervo. O espaço não
se propõe a ser, de fato, lugar para o exercício da criação.
Isso implicaria prover salas adequadas para essa
finalidade. É certo que, optando pela planta livre
(internamente, inexistem colunas e paredes fixas),
Niemeyer confere ao edifício flexibilidade para adequar-se
a novas funções. As vidraças escuras e o ar condicionado
privam-no, entretanto, de uma ambiência apropriada a esse
tipo de programa.
8
Comentar em nota aspectos gerais da história do
bairro.
9
Situação diametralmente oposta, e que nos ajuda a
compreender o problema, é o projeto da arquiteta Lina Bo
Bardi para o centro esportivo e cultural do SESC da
Pompéia (1977. Fig. ), a poucos quarteirões do Memorial.
Ao invés de pôr a baixo os galpões fabris existentes no
terreno proposto, Lina Bardi os reaproveita, integrando-os
226
à nova demanda funcional. A intervenção significa o resgate
da memória do bairro e a valorização do papel representado
por aqueles que construíram a história da cidade.
Outro aspecto é que, tornando o acesso interno da fábrica
da Pompéia uma extensão do espaço da rua, Lina Bardi
oferece o Centro Cultural do SESC enquanto parte do
espaço público. Diferente disso, tem-se no Memorial uma
descontinuidade com o entorno que é acentuada tanto pelo
caráter fechado das formas quanto pelo plano árido que
configura a praça.
10
A despeito de tentativa de contextualização, há todavia
quem considere que o resultado ficou aquém do esperado.
Sophia Telles, comentando o projeto, avalia que o problema
é, de imediato, a escala do edifício; para a autora, isso
revela certa “indecisão frente ao ambiente histórico onde
se encontra. O projeto representou para Niemeyer
seguramente, continua Telles, um constrangimento difícil
de superar. O partido colonial que deveria seguir para não
romper a malha da cidade era por demais estranho ao seu
próprio raciocínio. Localizado em terreno escarpado,
Niemeyer optou pela leveza de pilotis excessivamente altos
que vazam a entrada do hotel e continuam até o último
andar, deixando o volume dos quartos numa situação quase
aérea em relação à cidade, embora deseje manter a linha
horizontal e o telhado baixo, próprio da paisagem colonial”.
(Telles, 1988, 49).
Embora considere pertinente a crítica de S. Telles sobre
certa dificuldade de implantação revelada no desenho do
edifício, penso que não se pode dizer que o urbanismo
tradicional é algo “por demais estranho” ao raciocínio de
Niemeyer. Vivendo numa cidade de tradição urbanística
como o Rio de Janeiro, Niemeyer tem certamente grande
intimidade com o urbanismo tradicional. A meu ver, o que
ocorre é uma dificuldade de aceitar, em seus termos, a
lógica implicada na organização portuguesa. Niemeyer
tenta conciliar, sem muito sucesso, tal raciocínio à diretriz
modernista.
Por fim, é importante considerar – conforme comentei no
capítulo O Traço Nativo – que o uso de elementos do léxico
227
tradicional, nesta situação, articulava-se a um momento
(1938) em que a arquitetura brasileira buscava trilhar um
percurso moderno, sem renegar, ao mesmo tempo, o
passado colonial (visto enquanto referência importante).
Trata-se de uma orientação geral para a arquitetura
(fortemente defendida por Lúcio Costa) e que Niemeyer foi
abandonando aos poucos. (Sobre essa questão, consultar
o capítulo O Traço Nativo).
11
A meu ver, trata-se de um projeto de grande qualidade
plástica e espacial. Solução típica da fase pré-Brasília, a
permeabilidade do edifício ao espaço externo é resolvida
através de uma diferenciação das fachadas conforme a
orientação solar e a necessidade de privacidade. Niemeyer
utiliza quebra-sóis diferenciados e corretamente orientados
nas duas fachadas expostas ao sol. Além do tijolo de vidro,
que define uma parede ondulada no térreo (algo que garante
privacidade e iluminação adequada ao nível do térreo),
Niemeyer utiliza sutilezas como colorir com um tom mais
forte de azul os quebra-sóis mais elevados. Como a luz
incide mais intensamente nos andares mais altos, a
sensação que se tem é que possuem todos o mesmo tom.
(Papadaki, 1950, 143). Internamente, as diversas texturas
de mármore que definem o setor de atendimento ao público
constituem, a meu ver, um dos interiores mais refinados já
definidos pelo arquiteto.
12
Situação contrastante, e que nos ajuda a compreender
melhor o problema, é a proposta dos arquitetos Renzo Piano
e Richard Rogers para o Centro Georges Pompidou (Paris,
1977). Contemporâneo ao projeto de Niemeyer, difere deste
– não obstante – pelo caráter extrovertido da proposta.
Integrando-se a um amplo setor reservado para pedestres,
o edifício organiza uma praça para atividades culturais e
eventos artísticos. Da mesma forma que Niemeyer, os
arquitetos rebaixam o nível da praça. Porém, o fazem de
modo gradual, inclinando o piso como se fôra uma rampa.
Essa solução permite integrar o edifício à estrutura física
do entorno; significa um convite ao transeunte para que
228
entre no edifício. O edifício, quase que totalmente
transparente, permite entrever o movimento e os eventos
no interior, animando com seu ritmo fervilhante todos os
setores adjacentes ao prédio. Significa, por outro lado, a
intenção de promover determinada vitalidade urbana, algo
que é conseguido através da integração de atividades
diversas (moradia, comércio, cultura, etc).
13
No capítulo O Contorno Sinuoso comentei que a
autonomia conferida à superfície – algo que Rosalind
Krauss considera, aliás, como característico da escultura
figurativa desde Rodin – é o que permite que Niemeyer
possa determinar, independentemente do interior do
edifício, a forma externa que melhor lhe convém. A meu
ver, é o que acontece no Havre. A superfície dos auditórios
é conformada de modo a evocara s chaminés dos iates
ancorados na baía.
14
(Citar mais alguns exemplos).
15
É interessante notar que, no caso do Journal L’Humainité,
Niemeyer se viu forçado a abandonar tal linguagem,
linguagem que já se tornou, aliás, inconfundivelmente sua.
Neste caso, aproximou-se da estratégia de contextualização
que tem sido adotada por alguns arquitetos
contemporâneos. Em muitos projetos contemporâneos o
edifício adquire a forma do entorno, absorvendo materiais
e técnicas construtivas típicas do contexto onde a obra se
estabelece. Niemeyer faz o mesmo no caso da sede do
jornal francês. Trata-se, todavia, de uma exceção.
De qualquer maneira, vale considerar que essa operação
de contextualização era facilitada na fase pré-Brasília,
quando suas formas ainda não possuíam um caráter tão
contrastante em relação ao entorno. Foi o caso da proposta
para o Banco Boavista, comentada aqui.
16
É interessante destacar, aliás, que – embora a arquitetura
moderna implique uma grande autonomia em relação à
própria topografia (os volumes sobre pilotis são previstos
229
para qualquer tipo de terreno), prevê, de qualquer modo,
certa adaptação à topografia local. O teórico da arquitetura
Carlos Martins, aliás, aborda muito bem tal aspecto quanto
analisa as proposições urbanísticas de Le Corbusier.
(Martins, 1992). O que os modernistas não se propõem é
fazer intervenções pontuais que signifiquem a manutenção
do urbanismo tradicional.
230
231
CONCLUSÃO
O NEXO DA
BERLIN, Isaiah Herder e o Iluminismo. In: BERLIN,
I. Vico e Herder.
BERMAN, Marshall — Tudo Que É Sólido Desmancha