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A antítese do Cubo Branco: A Síntese das artes.

O Museu Solomon R. Guggenheim, Nova York.

Mr. James Johnson Sweeney Director, and the Trustees


The Solomon R. Guggenheim Museum
7 East 72nd Street
New York, New York
Prezados senhores:
O grupo de artistas abaixo assinado notou que o Museu está prestes a
entrar em fase de construção de um novo edifício, projetado por Frank Lloyd
Wright.
Os desenhos, a descrição e a planta do edifício que apareceram nos
jornais de Nova York e em outras publicações deixaram claro que o interior do
prédio não se presta a uma exibição satisfatória de pinturas e esculturas. O
conceito básico da inclinação em curva para a apresentação de pinturas e
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esculturas mostra um insensível descuido com o enquadramento retilíneo


fundamental, que é referência necessária para a contemplação visual adequada
de obras de arte.
Clamamos fortemente que os responsáveis pelo museu Guggenheim
reconsiderem os planos para o novo edifício.
Sinceramente,
Calvin Albert
Milton Avery
Will Barnet
Paul Bodin
Henry Botkin
Byron Browne
Herman Cherry
George Constant
William de Kooning
Herbert Ferber
Adolph Gottlieb
Philip Guston
Franz Kline
Seymour Lipton
Sally Michel
George L. F. Morris
Robert Motherwell
Charles Shucker
John Sennhauser
Leon P. Smith
Jack Tworkov1

1 WRIGHT, Frank Lloyd. The Guggenheim Correspondance. Selected and with commentary by
Bruce Brooks Pfeiffer. Fresno: The Press at California State University/ Carbondale and
Edwardsville: Southern Illinois University Press, 1986, p. 242 (trad. da autora).
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A carta acima apresentada é obviamente um protesto, feito por nomes


expressivos da arte norte-americana, contra a arquitetura de um museu destinado
essencialmente a pinturas modernas, igualmente importante para a arte americana.
Esses artistas tiveram suas queixas respaldadas pelos especialistas do mundo das
artes, tema publicado no New York Times de 22 de dezembro de 1956.

O partido arquitetônico é um espaço vazio central envolvido por um


cinturão, iluminado zenitalmente por uma cúpula que cobre o vão central.
Exteriormente, o volume é um tronco de cone invertido, que rompe com a escala
do entorno. O princípio de circulação adotado também é notadamente
transgressor: o visitante atinge o topo do edifício por elevador e desce por uma
espiral contínua de 430 metros de comprimento, na qual estão expostas as obras.
A rampa tem dupla função: circulação e exposição.
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Este edifício-museu – que inaugura uma concepção museológica, ao


propor nova relação com o objeto artístico – causou polêmica, na época, entre o
cenário artístico e Frank Lloyd Wright. Inicialmente destinado a acolher a coleção
de pinturas não-objetivas de Solomon Guggenheim, foi ulteriormente modificado
para abrigar outras correntes e outros tipos de obras. Entre as inovações
museológicas está presente a noção de ambientação, sugerindo que a integração
entre obra e invólucro deriva de uma proposta de síntese das artes. A inserção do
edifício na cidade, a proposta de percurso interno, a escolha da iluminação zenital,
o simbolismo da forma do volume, a definição das cores, as preferências artísticas
do arquiteto e tantas outras questões e fatos são importantes para a análise desta
obra polêmica.

O ex-Museu de Pinturas Não-Objetivas, atual Museu Solomon R.


Guggenheim (MSRG) de Nova York, até hoje é considerado, do ponto de vista
museológico, um mau museu. As paredes curvas dificultam a colocação de
pinturas. A rampa é insuficientemente larga para que os espaços de circulação e
exposição não intervenham um no outro. A contemplação em piso inclinado é
desconfortável. A unidade espacial dificulta a convivência entre as obras,
impingindo a intervenção e até mesmo a dominação de umas sobre as outras. O
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espaço único dificulta o trabalho interno do museu, como montagem,


desmontagem e reparos na exposição. Estas são as principais críticas de uma
longa lista.

Este projeto de Frank Lloyd Wright foi um dos escolhidos para estudo de
caso, por diversas razões. É o exemplo de museu mais significativo dentro do
movimento moderno, ao propor uma nova relação entre arte e arquitetura. Trata-se
de uma proposta singular, se comparada com os paradigmas de formas retilíneas
de Le Corbusier e de Mies van der Rohe, tornando-se ela própria um novo
paradigma, o da forma curvilínea.

A questão central deste capítulo consiste em analisar as relações que este


edifício-museu estabelece com outras esferas do fazer artístico, que o
transformaram, além de ícone da arquitetura, em ícone da própria arte moderna
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americana. Como é possível que um objeto arquitetônico gerador de tanta


polêmica seja tomado como modelo de seus próprios opositores?

As premissas que orientam esta discussão confrontam a tese do


antagonismo entre o arquiteto e os artistas americanos e das hostilidades entre o
continente e o conteúdo do objeto arquitetônico, com a busca de afinidades e
analogias entre a arquitetura e a arte, no caso entre a obra de Frank Lloyd Wright
e o expressionismo abstrato.

2.1

O Empreendimento

2.1.1

Um museu para pinturas não-objetivas

O Museu Solomon R. Guggenheim de Nova York nasceu de uma


produtiva parceria entre seus principais protagonistas: o industrial Solomon R.
Guggenheim, a artista Hilla von Rebay e o arquiteto americano Frank Lloyd
Wright.
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Em junho de 1943, Frank Lloyd Wright recebeu uma carta da baronesa


Hilla von Rebay convidando-o a comparecer a Nova York para discutir o projeto
de um edifício destinado a abrigar a coleção de pinturas não-objetivas de Solomon
R. Guggenheim. Segundo ela, não se tratava de simples pinturas de cavalete: “elas
são ordem criando ordem e são sensíveis (e até mesmo corretivas) ao espaço.
Como se sente o chão, o céu e o intermediário, talvez você as sinta também, e
encontrará o caminho.”2 . Hilla von Rebay desejava um “templo do espírito, um
monumento”, um espaço no qual as obras-primas seriam organizadas, algo que,
segundo ela, somente a arquitetura orgânica de Frank Lloyd Wright seria capaz de
criar.3

Solomon Guggenheim ansiava por um espaço de museu tão


revolucionário quanto o que suas próprias pinturas significavam para a época. Em
sua coleção, contavam obras de Wassily Kandinsky, Paul Klee, Marc Chagall,
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Pablo Picasso e Fernand Léger, entre outros artistas modernos. Solomon


Guggenheim provinha de uma família de origem suíça que fez fortuna com a
indústria de mineração. A partir da década de 1910, o empresário constituiu uma
coleção eclética de arte tradicional, da qual faziam parte paisagens americanas e
mestres da pintura flamenga renascentista. A partir da década de 1920,
Guggenheim foi incentivado por Hilla von Rebay a colecionar arte de vanguarda,
sobretudo obras de Wassily Kandinsky, admirado pela consultora. De origem
germânica, a artista esteve ligada às vanguardas européias nos anos 1910.

Em 1937, foi criada a Solomon R. Guggenheim Foundation e, em 1939,


sua coleção foi exposta, em imóvel alugado na 54th Street. A coleção e a
Fundação careciam de uma sede para abrigá-las. Curadora e colecionador tinham
em mente a construção de um museu especial, que não se limitasse à exposição
tradicional e pudesse abrigar a coleção de pintura moderna denominada por ambos
não-objetiva.

2 Carta a Wright em 01/06/1943. In: WRIGHT, Frank Lloyd. Op. cit., p. 4.


3 Carta a Wright em 14/06/1943, ibid., p. 6.
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No texto da exposição, The Power of Spiritual Rhythm, localizada na


sede temporária, Hilla von Rebay define a pintura não-objetiva diferenciado-a do
cubismo e da abstração:

[as pinturas abstratas e cubistas] encontram sua inspiração em um objeto,


enquanto que a pintura não-objetiva existe por ela mesma como criação
inteiramente livre, concebida a partir do regozijo intuitivo do espaço. Assim, a
pintura não-objetiva é o apogeu da potência espiritual tornada visível pela
intuição. 4

Hilla von Rebay desejava que as pinturas fossem observadas em um


espaço “sagrado”, referindo-se ao futuro edifício como um “templo da não-
objetividade”. Frank Lloyd Wright não concordava com o termo pintura não-
objetiva, adotado por Solomon Guggenheim e Hilla von Rebay, mas não se
considerava capaz de propor um substituto.

PUC-
Durante o período inicial de convivência, o arquiteto e a curadora
Rio -
Certific compartilharam muitas afinidades. A paixão pela música e pela abstração na arte
ação
Digital os unia. Desde 1913, Frank Lloyd Wright já havia manifestado sua falta de

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interesse pela representação na Arte, que ele nomeava de realismo, argumentando
1/CA que a linha reta e o plano literal já faziam parte de seus edifícios desde o início de
sua carreira, nas casas de pradaria.5 Com concepções distantes do significado de
abstração, Hilla Von Rebay e Frank Lloyd Wright conciliavam-se nos aspectos
espirituais da obra de Wassily Kandinsky. No entanto, a partir da primeira
apresentação do projeto, as divergências começaram a surgir.

Para ele, a pintura não-objetiva dizia mais respeito à relação entre forma
e espaço, o que explicava sua determinação em não construir um museu
simplesmente para “pendurar pinturas nas paredes”, mas que pudesse relacionar a
idéia de espaço na pintura com espaço arquitetônico. Ele propunha uma estrutura
cuja qualidade espacial poderia enaltecer a arte abstrata.

4 Hilla Rebay apud MASSU, Claude. Le dessein contourné de Frank Lloyd Wright. Le Solomon
R. Guggenheim et les artistes. Les Cahiers du Musée National d’Art Moderne. Paris : Centre
Georges Pompidou, n. 39, printemps, 1992, p. 81.
5 WRIGHT, Frank Lloyd. An Autobiography. New York: Horizon Press, 1932, 1943, 1977, p.
204.
81

Desde o início, Frank Lloyd Wright vislumbrou nessa comanda a


possibilidade de um edifício extremamente original, com qualidades espaciais e
museológicas diferenciadas de outros edifícios existentes. Wright era categórico
na oposição aos museus tradicionais, incluindo-se o MoMA. O Museu do Louvre,
para ele, representava o status quo dos museus, tornando as pinturas
insignificantes6 . O arquiteto considerava-se um revolucionário. Para ele, sua
concepção de edifício-museu viria transformar completamente a relação entre arte
e arquitetura, afirmando ele tratar-se da primeira espacialidade verdadeiramente
moderna na arquitetura de museus.

O ponto de partida foi a busca da unidade espacial, fundamentada na


unidade entre arquitetura e pintura, a partir da compreensão da espacialidade
moderna como campo de experiência.
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Frank Lloyd Wright justificou o projeto para seus clientes afirmando


basear toda a concepção espacial arquitetônica na espacialidade pictórica abstrata
kandinskiana, propondo analogias entre a espacialidade da pintura de Kandinsky e
o espaço interno e museográfico. As obras “flutuavam” no espaço fluído, contínuo
e ascendente do museu. O arquiteto partiu da intenção de criar um ambiente para a
arte abstrata. Sua modern gallery estabelecia novas relações entre observador e
objeto a partir de múltiplos pontos de vista, desprezando o convencional, frontal e
estático.

É possível identificar vários aspectos partilhados nas obras de Frank


Lloyd Wright e de Wassily Kandinsky. Educado no final do século XIX,
Kandinsky viu desmoronar o sistema baseado na perspectiva renascentista, um
sistema ilusório. Logo descobriu que o mundo percebido pelos sentidos é muito
distante da realidade das coisas. Ao invés de imitar um sistema decadente, voltou-
se para si próprio como a única fonte que acreditava restar-lhe. O individualismo e
a criação do novo pelos sentidos, compreendidos por Kandinsky, também são a
base da criação artística para o arquiteto.

6 Carta a Harry Guggenheim em 15/07/1958, ibid., p. 269-270.


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Tal como para Wright, para Kandinsky a estreita ligação entre teoria e
prática é uma característica essencial de sua obra. Do Espiritual na Arte, o
primeiro livro de Kandinsky, escrito em 1910, foi uma espécie de manifesto.

Kandinsky acreditava na idéia romântica de síntese das artes, como


correspondência ideal e diacrônica das obras de todas as épocas, e na equivalência
absoluta das diferentes artes entre si. Para ele, a arte é um dos mais poderosos
agentes da vida espiritual e traduz-se não somente em fazer parte do seu tempo,
mas em engendrar o amanhã, o futuro.

Na concepção artística de Frank Lloyd Wright, encontram-se questões


partilhadas com a obra de Kandinsky, ainda que os conceitos sejam individuais,
como a idéia de síntese das artes, a espiritualidade da arte (entendida como
arquitetura orgânica), a valorização da abstração, a relação entre teoria e prática e
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a construção do futuro. A noção de ambientação proposta para o MSRG por


Wright assemelha-se às estruturas espontâneas das aquarelas de Kandinsky;
ambas criam situações de envolvimento. No entanto, as semelhanças se atêm a
estes aspectos.

A compreensão de Frank Lloyd Wright sobre o processo do fazer


artístico denunciava certo tradicionalismo, pois ele acreditava que o cavalete era o
ambiente natural da pintura e todas as pinturas eram realizadas em cavaletes. Ele
pretendia fazer um museu exclusivo para a exibição de pinturas, no qual a escala
humana era um forte referencial para as tornar atraentes e as disponibilizar para os
observadores. Sua intenção era dispor as pinturas a partir do que considerava
como seu habitat e entorno “natural”: ele propunha que as pinturas fossem
expostas inclinadas, remetendo à idéia da inclinação do cavalete.

A idéia de unidade entre a arte e a arquitetura seria feita a partir do


espaço. Wright defendia sua proposta criticando a montagem da galeria de
exposições temporárias, realizada por Hilla von Rebay7 . O arquiteto apontava que
o futuro da pintura não-objetiva dependia da sua relação com o ambiente ao seu

7 A coleção de SRG estava exposta temporariamente em um edifício alugado para este fim. Hilla
von Rebay era a responsável pela exibição.
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redor, através da boa proporção, eviatndo-se pés-direitos altos e paredes


texturizadas, e buscando uma atmosfera clara8 .

Wright queria controlar o enquadramento das pinturas suprimindo as


verdadeiras molduras e transferindo a função de enquadramento para a
arquitetura, uma das razões da defesa do pé-direito baixo e das paredes curvas.

As paredes curvas criariam então a fluidez necessária para o ambiente,


afastando-o da caixa estática da arquitetura tradicional, ao mesmo tempo em que
funcionariam como molduras especiais para as pinturas. A ausência de
planaridade das paredes e sua relação com a pintura viriam a ser recolocadas em
1957, pelos artistas americanos.

Frank Lloyd sempre se mostrou consciente e interessado no impacto que


um edifício não-convencional causaria no mundo das artes. Solomon Guggenheim
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desejava este impacto, e o arquiteto abraçou sua causa durante mais de uma
década, apostando no aspecto inovador do projeto, não somente arquitetônico e
construtivo, mas também museológico. No entanto, a proposta museológica de
Frank Lloyd Wright provocou um enorme ceticismo em Guggenheim e em Hilla
von Rebay, bem como em seus sucessores, Harry Guggenheim e James Sweeney,
respectivamente, e ainda mais amplamente no mundo das artes.

2.1.2

As etapas do empreendimento

Os contatos iniciais, em 1943, foram de estreitamento e de refinamento


das relações do arquiteto com o cliente, nos quais trocaram impressões sobre arte
e sobre o museu. Entre o convite feito ao arquiteto, em 1943, e a inauguração do
museu, realizada em 1959, decorreram dezesseis anos, dos quais treze dedicados
ao projeto, revisado inúmeras vezes e apresentado ao longo desse tempo em seis
jogos de plantas, com um total de 749 desenhos.

8 WRIGHT, Frank Lloyd. The Guggenheim Correspondance, op. cit., p. 40.


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Conforme o contrato inicial, a procura do terreno caberia ao arquiteto.


Foi escolhida a cidade de Nova York, conforme desejo de Solomon Guggenheim
e contrariedade de Wright. A crítica do arquiteto a Nova York, Chicago e outras
metrópoles americanas era cáustica, concentrando-se na alienação, no caos e no
anonimato da vida urbana em grandes aglomerações. Algumas possibilidades
foram levantadas antes que fosse efetivado o terreno definitivo, localizado na
Quinta Avenida, entre as ruas 88th e 89th , ao qual foram somadas outras parcelas
adquiridas posteriormente.

Em 30 de dezembro de 1943, Frank Lloyd Wright escreveu a Hilla von


Rebay e depois a Solomon Guggenheim, informando que havia mudado de idéia
sobre a proposta do edifício, de horizontal para vertical, e sugerindo que tal
transformação fora pensada em função da localização do museu.
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Logo após essa formulação, em janeiro de 1944, surgiu a forma definitiva


do museu, um edifício em espiral. Até sua versão final, o projeto sofreu inúmeras
modificações, oriundas ou de problemas de adaptação ao terreno escolhido, ou de
modificação da natureza do museu – que, da proposta inicial, um museu de
pinturas não-objetivas, transformou-se paulatinamente em standard de museu, por
parte não somente da Fundação, mas do próprio arquiteto, que o pensava como
um modelo, como um edifício que mostraria como se expor uma pintura9 .

O primeiro projeto apresentado foi intensamente criticado por todos.


Frank Lloyd Wright defendeu-se, argumentando que estavam se afastando da
originalidade da proposta inicial.

Em 1946, Wright foi acusado por Hilla von Rebay de ter concebido um
museu que desfavorecia a pintura, submetendo-a à arquitetura. Wright defendeu-
se em carta a Solomon Guggenheim, explicando que não havia pinturas
representativas [grifo meu] no interior de seus projetos por sua própria escolha,
mas que ele era apreciador da arte chinesa antiga e do período Momoyama
japonês, assim como a arte não-objetiva também era bem-vinda em interiores por
ele planejados.
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Apesar de desejar um edifício inovador, Guggenheim pretendia que ele


fosse adequado à exibição de pinturas, sem subjugá-las – considerando que cada
pintura necessita de condições diferentes de contemplação, algumas com fundo
profundo, outras com fundo plano; outras um ambiente frio, ou caloroso; algumas
requerem isolamento, outras companhia, devendo ser agrupadas. O arquiteto
argumentou que as pinturas não-objetivas teriam um ambiente adequado, dentro
de uma atmosfera amigável que revelaria e potencializaria suas melhores
qualidades, o que não aconteceria em um ambiente ortodoxo.

As desconfianças e o desagrado de Hilla von Rebay com o projeto


cresceram e agravaram a tensão de sua relação com o arquiteto. No entanto, a
confiança e admiração entre Solomon Guggenheim e Frank Lloyd Wright
manteve-se estável, aumentando o afeto e o respeito entre ambos. Até seu
falecimento, em 1949, Guggenheim foi o grande defensor do projeto. Sua
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ausência foi um golpe fatal para a realização do museu. Embora o colecionador


tenha deixado gravado em seu testamento o desejo da construção do edifício, ele
não especificava o arquiteto, nem o projeto. O conselho administrativo não queria
construir o museu, por temer que o custo excedesse o previsto.

O custo da obra foi outro grande entrave na construção do projeto. Na


previsão inicial da Fundação, o empreendimento não deveria exceder a soma de
750.000 dólares, acrescidos de 250.000 destinados à aquisição do terreno. No final
de 1946, Wright fez nova estimativa de custos, que dobraram, devido à recessão,
mas sobretudo devido aos custos de engenharia aumentados pela complexidade e
inovação do edifício (fundação, superestrutura, instalações elétricas e hidráulicas,
aquecimento e ar condicionado, cobertura, revestimentos, etc.).

Em 1947, a Fundação adquiriu uma nova parcela de terreno, os planos


originais foram revistos e o museu, aumentado. O aumento sucessivo dos custos
em face do problema da economia americana, somado à dificuldade de resolução
da complexidade construtiva, foi sempre um foco de problemas para o arquiteto.
Os honorários de Wright foram assunto constantemente debatido na

9 WRIGHT, Frank Lloyd. The Guggenheim Correspondance, op. cit., p. 22.


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correspondência entre ele e os membros da Fundação. Wright fez um


investimento grandioso nesse projeto, não medindo esforços, o que acarretou
permanente defasagem entre os serviços contratados e os prestados.

Em 1950, Harry Guggenheim, sobrinho do colecionador, assumiu a


presidência da Fundação. O novo presidente era completamente desinteressado e
desconhecedor de arquitetura. Somente a persistência do arquiteto pode vencer a
resistência do conselho administrativo e da então diretora, Hilla von Rebay. A
partir de 1951, o arquiteto passou a contar com novos defensores do projeto: Lady
e Lord Castle-Stewart, filha e genro de Solomon Guggenheim, além do suporte
relativo de Harry Guggenheim e do apoio total de sua esposa Alicia, que se tornou
amiga do casal Wright.

Em 1951, a aquisição de nova parcela de terreno, ao lado do já existente,


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levou a uma total revisão do projeto. A rampa principal, ao lado da 89th Street, foi
relocada ao lado da 88th Street, como no projeto original de 1944. A proposta do
apartamento de alto luxo destinado ao diretor foi retirada do programa.

Naquele mesmo ano, foi inaugurada na Itália a exposição 60 Years of


Living Architecture – Frank Lloyd Wright, que no ano seguinte seguiu para os
EUA e posteriormente correu por diversos países, incluindo o México, o que
requisitou a presença do arquiteto. Em 1953, foi construído no terreno do museu
um pavilhão temporário, para abrigar a exposição. Cresceu o prestígio do
arquiteto e, conseqüentemente, aumentaram as encomendas.

Paralelo a diversos projetos, o do museu estava em constante revisão e


sofreu diversas pequenas alterações, até estar pronto para ser avaliado pela New
York Court of Appeals, a fim de obter aprovação para a construção. O New York
Building Department fez em relação ao projeto uma série de exigências, que
postergaram sua construção.

Até 1952, as diretrizes do programa do museu tinham sido as


estabelecidas por Solomon Guggenheim, Hilla von Rebay e Frank Lloyd Wright.
Nessa época, o conselho administrativo da Fundação consultou profissionais
especializados, que sugeriram a revisão do projeto a fim de que o museu pudesse
87

abrigar outras linguagens artísticas. Criticado por esses especialistas, Wright


defendeu-se, respaldado na idéia de museu de Solomon Guggenheim. O arquiteto
não concordava com a nova intenção de enriquecer o museu com esculturas,
design, música, etc., porque fugia à proposta original de um museu especializado
em pintura não-representativa. Feitas as críticas, o arquiteto viu-se obrigado a
rever o programa do museu, incluindo as sugestões técnicas, como um
departamento experimental e um local para a preparação de exposições.

Em 1953, Hilla von Rebay foi demitida, e o novo diretor contratado,


James Johnson Sweeney, acabou por se tornar inimigo do arquiteto. James
Sweeney não aprovava o direcionamento da coleção, nem o próprio edifício.
Harry Guggenheim também não estava muito convencido acerca deste, mas foi
encorajado a aceitá-lo por sua esposa Alicia. Quanto a Frank Lloyd Wright,
considerava Sweeney um homem de museu padronizado, com idéias e amigos
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preestabelecidos, representando tudo o que ele havia renegado desde o início do


contrato.

Com a entrada de James Sweeney na direção do museu, a empreitada


ganhou um cunho mais profissional. A coleção foi quantificada e detalhada,
segundo solicitação do próprio arquiteto10 . A partir de 1954, as diferenças entre
ele e o diretor foram se afirmando e nos anos seguintes transformaram-se em
conflito aberto. Sweeney havia passado pela University of Chicago, pela Toronto
Art Gallery e pelo MoMA. Depois da Fundação Guggenheim, construiu uma
carreira bem sucedida nos EUA e no exterior. Seu conceito de museu divergia
radicalmente da proposta visionária e anticonvencional de Wright, e o diretor
reclamava cada vez mais um espaço institucional mais próximo ao do MoMA.

As desavenças entre os dois passavam por detalhes, mas se


fundamentavam em concepções bastante distintas. O diretor solicitou a construção
de um depósito no subsolo, ao qual Wright foi totalmente contrário, por não ser o
local adequado para armazenar pinturas valiosas. O segundo ponto crítico da

10 Carta de Wright a James Sweeney em 07/10/1954. In: WRIGHT, Frank Lloyd. The
Guggenheim Correspondance, op. cit., p. 209.
88

discussão entre os dois foi a iluminação. Sweeney desejava iluminação artificial,


ao que Wright recusou.

O arquiteto previu no projeto duas fontes diversas de iluminação natural:


através da cúpula de vidro que cobre o vazio do vão central e em fendas laterais
altas ao longo da espiral, que tinham como objetivo iluminar diretamente as
pinturas. Para ele, a atmosfera cambiante da luz natural corresponderia às
condições de criação do artista, revelando uma compreensão ingênua do fazer
artístico, muito mais próxima do impressionismo do que das vanguardas.

Este último dispositivo já havia sido colocado em cheque por Hilla von
Rebay e Solomon Guggenheim. Quando o colecionador visitou a fazenda-escola
Taliesin em Wiscosin, Wright demonstrou-lhe a eficiência de seu princípio de
iluminação, mostrando-lhe, em sua própria cozinha, como a janela alta em fita era
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capaz de bem iluminar a área de trabalho abaixo. A defesa improvisada convenceu


o colecionador, mas não os especialistas. Para estes, não se tratava apenas de
garantir a luminosidade suficiente para a boa visibilidade, mas de proteger as
obras da ação nociva da iluminação natural direta e, ainda mais, de isolar a obra
do exterior.

Do ponto de vista técnico, a convenção internacional realizada em 1934


em Madri pelo Office International des Musées (OIM), ancestral do International
Council of Museums (ICOM) estabeleceu diretrizes técnicas para os museus. No
que diz respeito à iluminação, a convenção deliberou sobre as vantagens da
utilização da iluminação artificial em detrimento da natural, condição esta que,
segundo Juan Carlos Rico, permaneceu até o final do século XX, quando se
passou a recorrer novamente à luz natural, devidamente controlada pelas novas
possibilidades técnicas11 .

É importante ainda ressaltar que, na época, grande parte dos museus


americanos utilizava a luz artificial porque permitia o funcionamento noturno.

11 Foram apontadas as seguintes vantagens para o uso da iluminação artificial: é constante e


segura; a luz branca pode imitar a luz natural; a instalação e adequação é mais barata; não destrói
pigmentos; a supressão das janelas permite maior superfície de exposição e isolamento do exterior
(RICO, Juan Carlos. Los Espacios Expositivos. Museo, Arquitectura, Arte. Madrid: Silex,
1996, p. 218-220).
89

Fazia parte do ideal americano de democracia manter suas instituições culturais


disponíveis para os trabalhadores após seu turno de trabalho 12 . A solução adotada
por Wright permitia uma utilização mista, pois adotava também a iluminação
artificial, combinada à natural.

Em março de 1954, o projeto revisado ficou pronto para ser divulgado. O


resultado final era uma estrutura monolítica de concreto armado, sem separação
entre os diversos níveis, sem janelas exteriores, partindo do pavimento térreo com
uma espiral crescente, flutuante, enclausurada e contida. Nesse ano, a fim de
cortar custos, Wright despediu Arthur Holden, seu correspondente em Nova York,
e decidiu dedicar-se ele próprio à construção do museu. Alugou e reformou uma
suite no Plaza Hotel, a qual batizou de Taliesin East, ocupando-a por cinco anos,
até seu falecimento, em 1959.
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Em 1955, Frank Lloyd Wright refez os custos do projeto e conseguiu


alcançar a soma de dois milhões de dólares, tal como havia prometido a Solomon
Guggenheim13 . Em 16 de agosto de 1956, começaram as escavações para a
construção do museu. Para Wright, era vital que o edifício fosse adequadamente
construído. O ano decorreu entre as querelas com James Sweeney, com os
problemas de engenharia relativos à construção e as divergências contratuais do
arquiteto com a Fundação. Exceto pelo museu, que lhe exigia esforços extras, o
escritório de Wright ia muito bem e, nesse mesmo ano, ele projetou uma série de
edifícios importantes no contexto de sua obra.

Harry Guggenheim, instruído por James Sweeney, decidiu aumentar a


capacidade do museu para 500 pessoas. O arquiteto não aprovou, limitando-a em
350, mas a prefeitura já havia aprovado a capacidade máxima de 300 pessoas.
Este fato prova não ter havido nenhuma preocupação programática inicial com o
número de visitantes, nem por parte da instituição, nem por parte do arquiteto. O

12 Segundo HAUTECŒUR, Louis. Architecture et aménagements des musées (1934). Paris:


Réunion des Musées Nationaux, 1993, p. 69.
13 George Cohen, da Euclid Construction Company, venceu a concorrência para a construção do
museu, com um orçamento de 3 milhões de dólares, enquanto os outros candidatos apresentaram
orçamentos de 4 milhões.
90

projeto foi dimensionado em função da forma e de sua implantação, e não das


necessidades e interesses institucionais, nem sequer do público como alvo.

Entre os diversos pedidos de modificação do projeto do museu, Harry


Guggenheim solicitou mais janelas, ao que o arquiteto retrucou ponderando que as
pessoas vão ao museu para olhar para dentro, e não para fora, e que várias
propostas para integrar interior/exterior foram cortadas do projeto por uma
questão de custos, como, por exemplo, o terraço-jardim no topo da galeria
principal.

O ano de 1957 foi proveitoso para o escritório de arquitetura de Frank


Lloyd Wright. Com cinqüenta novos projetos, Wright parecia incansável em sua
produtividade, em sua disposição para acompanhar o canteiro de obras do museu
sob qualquer condição climática, mas, aos noventa anos, suas forças físicas se
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esvaíam. O excesso de trabalho, os problemas com seus honorários, assim como


os desentendimentos constantes com James Sweeney, desgastavam a saúde do
arquiteto. Dotado de uma personalidade autoritária, Wright não cedia à pressão de
seus clientes fazendo concessões quanto ao projeto. Não as fez para seus clientes
de residências particulares, como também não as fez para os conservadores do
museu, nem para os artistas.

A fim de melhor defender sua proposta, em 1958, o arquiteto apresentou


uma série de cinco perspectivas do interior, com notas explicativas sobre a
museografia, constituindo assim um book sobre o museu enviado aos membros da
Fundação14 . Nos desenhos, as obras são penduradas inclinadas, próximas às
paredes, iluminadas através das fendas superiores, separadas entre si por painéis
perpendiculares ao sentido da rampa, criando zonas de circulação e de
contemplação que se mesclam. Vários bancos circulares se dispõem ao longo da
rampa. O ambiente é neutro, na cor bege, e sobressaem as cores das pinturas.

14 As pranchas eram: Reception, Watercolor Society, The Average – Sculpture and Painting, The
Middle of the Road e The Masterpiece. Wright enviou o book aos grandes jornais e revistas
americanos europeus, entre os quais Andre Bloc, da Architecture d’Aujourd’hui, e Bruno Zevi, do
Architettura.
91

Wright faleceu em abril de 1959, e não pôde ver sua obra, inaugurada em
outubro. Foram o projeto e a construção que mais exigiram sua atenção,
continuamente alterados desde a sua feição inaugural, e com muitos percalços
políticos, monetários e construtivos.

O museu foi inaugurado com a proposta museográfica de James


Sweeney, as pinturas expostas na extremidade de tubos metálicos de 1,20 m de
comprimento presos nos muros curvos da espiral. Montadas sobre suportes
verticais, as obras pareciam flutuar, destacando-se do muro. Fechadas as fendas
laterais, Sweeney previu novo sistema de iluminação, com tubos de luzes
fluorescentes. Substituiu ainda a cor bege pelo branco.

Por conta de necessidades funcionais e por vontade da administração,


várias modificações foram realizadas depois de 1959. James Sweeney, demitido
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nove meses após a inauguração, foi substituído em 1961 por Tomas Messer, que
ocupou a direção até o ingresso de Thomas Krens, em 1988. As fendas de
iluminação não foram abertas na inauguração, permanecendo fechadas até a
restauração realizada durante a construção do anexo (1990-92). Outros itens foram
restaurados nessa época: a rampa do topo da espiral foi restituída ao espaço
expositivo, fez-se a iluminação zenital, o restaurante foi removido para a 88th St.,
o auditório foi restaurado, mas a rotunda foi repintada de branco e não de creme,
conforme o projeto de Wright 15 .

Em 1992, o museu foi acrescido de uma torre, projetada por Charles


Gwathmey e Robert Siegel, com base no desenho de Frank Lloyd Wright de 1952,
para o edifício dos estúdios, na parcela vizinha ao terreno. Projetada para a
ampliar o espaço de exposição, rompe com a linearidade da espiral, há muito
descaracterizada pelas transformações internas do museu.

15 Segundo NEWHOUSE, Victoria. Towards a new museum. New York: The Monacelli Press,
1998, p. 167.
92

2.2

Arquitetura

2.2.1

A espiral

No conjunto de projetos realizados para o museu, nenhum foge à idéia


inicial da espiral. A idéia de um movimento contínuo, “de cima para baixo e de
baixo para cima”16 , como um zigurat otimista, é o ponto de partida. Uma
transformação das proporções da espiral é o que se sucede nesses projetos, com a
dilatação sucessiva desta e do vazio central. A transformação mais significativa
ocorreu em 1948, quando, a partir da aquisição de nova parcela do terreno, houve
uma inversão na implantação e a galeria principal passou para o lado direito do
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terreno, na fachada da Fifth Avenue, posição adotada como definitiva.

No que concerne à funcionalidade arquitetônica, o ponto de partida de


Frank Lloyd Wright é a questão da circulação, como ele próprio explicita:

Ben, sempre me pareceu que, quando você vai a um museu de arte, como tem sido
projetado e construído nos últimos quatrocentos ou quinhentos anos, você anda,
anda, anda olhando para várias pinturas, esculturas, coleções, o que quer que seja.
Ao terminar, você tem que refazer seus passos e ver tudo de novo, somente para
voltar ao ponto de partida. O que eu quero atingir com este Museu é, de uma vez
por todas, eliminar o ir e vir, o para frente e para trás, e prover uma circulação
melhor para ver pinturas. Veja você, neste edifício você vem da rua principal e
entra em um átrio de proporções generosas e bem iluminado, pega um elevador até
o topo e começa sua descida de maneira gradual por uma confortável rampa. Em
qualquer ponto do seu passeio, você pode parar e ver o saguão, olhar para onde
esteve e para onde está indo. Se o seu olho se detém em uma determinada pintura
adiante, você pode se dirigir ao elevador, sempre tangencial em relação à rampa, e
pedir ao ascensorista que o conduza dois andares acima ou abaixo, ou o que quer
que você deseje. Uma vez terminada a sua visita, você está de volta ao lugar de
partida. Você pode ir à cafeteria e tomar um café ou um chá, comprar cartões ou
livros, se assim o quiser, tudo no nível de entrada, e finalmente sair em direção à

16 Carta a Hilla von Rebay em 06/10/1944. In: WRIGHT, Frank Lloyd. The Guggenheim
Correspondance, op. cit.
93

Quinta Avenida. Não há retorno no seu circuito. Uma vez o tendo feito, só há uma
direção, para frente, e ao fim você se encontra novamente na entrada.17

O problema da circulação como algo ininterrupto já estivera presente em


seus projetos anteriores, como o Larkin Building (1903) e o Unity Temple (1905).
A idéia da circulação vertical de cima para baixo deriva claramente do projeto do
mirante Sugarloaf, o mais importante antecedente da espiral na obra do arquiteto.
Em 1924, ele projetou uma grande espiral para o mirante da Sugarloaf Mountain,
em Maryland. A circulação era feita por uma rampa exterior para automóveis. Os
visitantes subiam até o topo em seus veículos, entregavam-nos a garagistas, que os
conduziam até o estacionamento no térreo, e desciam por outra rampa, para a
observação da paisagem, tal como um mirante em movimento acionado pelo
observador.

Claude Massu sugere que a idéia de construir a espiral era uma obsessão
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do arquiteto, sem chegar a analisar seus propósitos18 . O interesse pela espiral pode
estar pautado na associação entre forma e função, tão cara a Louis Sullivan, uma
das referências iniciais do jovem Frank Lloyd Wright. Historicamente, é uma
forma derivada da antiga Mesopotâmia, o zigurat, assumidamente empregada pelo
arquiteto, que se interessava abertamente por formas de culturas distintas como as
pré-hispânicas, a japonesa e as indígenas americanas. A espiral é capaz de integrar
espaço e circulação a partir de sua unidade, e é neste aspecto que reside o
interesse de Wright por essa forma. Posteriormente, ele voltou a empregar a
espiral, no projeto do Self-Service Garage (1949). A rampa espiralada em
concreto foi utilizada na loja Morris, em São Francisco (1948).

Bruce Pfeiffer considera a preocupação com a circulação recorrente na


obra de Wright, que sempre procurou melhores maneiras de circular dentro de um
edifício, passando do quadrado ao hexágono, de ângulos de 90° a 120°, até chegar
ao círculo, o que pode ser observado nas plantas de algumas residências

17 Carta de Frank Lloyd Wright a seu editor, Ben Raeburn da Horizon Press, quando perguntado
porque havia feito o MSRG em espiral. WRIGHT, Frank Lloyd. The Guggenheim
Correspondance. Op. cit., p. 111.
18 MASSU, Claude. Op. cit.
94

projetadas pelo arquiteto19 . A espiral é o círculo em terceira dimensão, a esfera


movimentada, reunindo as noções de forma e movimento, tão caras a ele.

Historiadores da arquitetura europeus buscam estabelecer uma filiação de


aspectos da obra do arquiteto americano a seus contemporâneos do velho
continente. A leitura de Reyner Banham20 , na qual se respalda Jean-Louis Cohen,
considera a idéia de percurso em Frank Lloyd Wright como uma ilustração do
conceito de promenade de Le Corbusier, tal como apresentado na Ville Savoye
(1928-29). Para reafirmar essa influência, Cohen cita a visita de Frank Lloyd
Wright, em 1937, ao Centrosoyuz (1928-1936), projeto de Le Corbusier, em
Moscou, no qual o arquiteto suíço inseriu a rampa curva21 . Nesta mesma linha de
pensamento, Juan Carlos Rico afirma que a espiral de Frank Lloyd Wright é fruto
do desenvolvimento da teoria do Mundaneum (1929) de Le Corbusier22 . É
possível que tais considerações tenham alguma pertinência. Podemos perceber
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que, após a Exposição do Estilo Internacional23 , ainda na década de 1930,


ocorreram transformações significativas na obra de Frank Lloyd Wright, como o
abandono progressivo da gramática ornamental e a maior afirmação do plano
geométrico. No entanto, o uso da rampa espiralada na obra de Frank Lloyd Wright
está muito mais associado a suas referências históricas do que às contemporâneas.

A rampa contínua do MSRG é simultaneamente local de circulação e de


exibição, além de ser a própria forma do edifício. O museu em espiral de Frank
Lloyd Wright, com sua iluminação zenital no grande vazio central e nas laterais,
atinge a síntese funcional histórica do programa arquitetônico do museu.
Circulação e iluminação são problemas cruciais no edifício-museu, desde que este
foi criado – no século XVIII, quando as coleções privadas passaram a ser exibidas

19 Segundo PFEIFFER, Bruce Brooks; LARKIN, David. Frank Lloyd Wright – The
Masterworks. New York: Rizzoli, 1993, p. 110.
20 BANHAM, Reyner. Age of the Masters: a personal view of Modern Architecture, apud
COHEN, Jean-Louis. Monuments pour un culte de masse – Le Solomon R. Guggenheim Museum
et le Centre Georges Pompidou. Les Cahiers du Musee National d’Art Moderne. Paris: Centre
Georges Pompidou, n. 67, p. 12, printemps 1999.
21 COHEN, Jean-Louis. Op. cit., p. 5-29.
22 RICO, Juan Carlos. Los espacios expositivos. Op. cit., p. 241-242.
23 O arquiteto americano foi excluído da Exposição Estilo Internacional, organizada por Philip
Johnson e Henry-Russel Hitchcock em 1932 no MoMA-NY.
95

ao público, necessitando de um edifício independente do palácio. Duas tipologias


dominaram o século XIX, a da galeria linear e a da rotunda distributiva da
circulação, gerando uma terceira, no Altes Museum de Karl Friedrich Schinkel,
que é a combinação das duas anteriores. Juan Carlos Rico defende a idéia de que o
espaço central do MSRG não é pensado como organizador, tal como a rotunda de
Schinkel no Altes Museum, mas como uma radicalização da galeria linear
histórica24 .

Na obra de Frank Lloyd Wright, a escolha do círculo como melhor forma


de circulação não passou pela influência direta do esquema de circulação
tipológico da galeria no século XIX, conforme o acredita Rico, mas pela pesquisa
da relação orgânica entre forma e função, que, no caso da circulação, se associa à
idéia de movimento. Como dito anteriormente, há um sentido progressivo na
resolução da circulação por Frank Lloyd Wright, que parte do quadrado até chegar
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ao círculo e à espiral. No entanto, não há a priori com a idealidade geométrica. O


modelo de Wright não é a geometria, mas o organicismo, o modelo biológico, não
decomponível.

O ponto de vista da abordagem aqui apresentada não é fortalecer um


raciocínio sobre a evolução da tipologia do século XIX ao XX, mesmo porque a
questão da tipologia não é pertinente no contexto dos museus no século XX. Não
se trata tampouco de discutir a genealogia do movimento moderno, mas sim de
observar como questões fundamentais da cultura americana, como as idéias de
deslocamento e de movimento, estão no cerne da obra de Frank Lloyd Wright e
frutificaram para as gerações posteriores.

24 RICO, Juan Carlos. Los espacios expositivos. Op. cit., p. 241-242.


96

2.2.2

Frank Lloyd Wright e a espacialidade americana

Frank Lloyd Wright descende intelectualmente da tradição agrária


americana, que se ocupou do problema da ocupação do vasto e vazio território.
Ele tinha consciência do papel do arquiteto na cultura americana, bem como da
natureza dividida desta disciplina, entre a questão social e a artística. Seu
pioneirismo artístico frente à arte americana é apontado por diversos historiadores.

Sigfried Giedion afirma que Frank Lloyd Wright foi mais do que um
arquiteto, impondo-se, ao lado dos grandes missionários norte-americanos, através
de sua vontade de protestar e de perseverar na rebeldia. Ele manteve na
arquitetura a tradição literária da segunda metade do século XIX, de Walt
Whitman e de Henry Thoreau. Para Giedion, a base da obra de Wright apoia-se
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em um tripé: a tradição americana, sua tendência ao orgânico e sua capacidade de


expressão através de uma linguagem artística adequada a seu tempo25 .

Vincent Scully apresenta a América como a primeira cultura ocidental a


desprender-se das polaridades do Clássico e Romântico do século XIX26 . Com a
carreira iniciada no século XIX, Frank Lloyd Wright esteve ligado às questões que
forneceram a base do movimento moderno. Como homem americano, ele
desembaraçou-se das polaridades dialéticas do Clássico e do Romântico – não
pela via de um processo histórico, que tem na sua base o Realismo, tal como
aconteceu na Europa, mas pelo enfrentamento direto com o ambiente natural, a
paisagem hostil e o sentimento de vazio das pradarias americanas. A valorização
do movimento e do fluxo contínuo da era moderna é crucial na espacialidade de
Frank Lloyd Wright, cuja invenção deriva de sua concepção de natureza.

Por volta de 1914, competiam as duas américas: a velha, baseada em


tradições e raízes da terra, e a nova, industrializada e rica. Segundo Scully, Frank

25 GIEDION, Sigfried. Espacio, Tiempo y Arquitectura. El futuro de una nueva tradición.


Traduzido do inglês por Isidro Puig Boada. Barcelona: Hoepli, 1955p. 442.
26 SCULLY, Vincent. Arquitetura moderna (1961). Trad. Ana Luiza Dantas Borges. São Paulo:
Cosac & Naify, 2002, p. 30.
97

Lloyd Wright foi o único arquiteto de sua geração a superar os limites impostos
pela estrutura de pensamento do século anterior. Buscou referências que
evidenciassem as imagens da permanência na natureza, fora da cultura americana
e fora da arte ocidental – inicialmente no Japão e posteriormente na América pré-
hispânica27 .

A destacada espacialidade planar das primeiras obras de Frank Lloyd


Wright o diferencia, segundo Scully, do humanismo de Louis Sullivan, a quem
Wright esteve ligado no início de sua carreira28 . O humanismo de Sullivan reside,
para Scully, na capacidade que ele tem de identificar arquitetura com os aspectos
físicos humanos; é antropomórfico. Na obra de Wright, há a presença do espaço
moderno abstrato. As primeiras obras de Wright consistem em plantas abertas,
estendidas horizontalmente em cruz. O edifício acentua a continuidade espacial a
partir de seu centro, incorporando a plasticidade do espaço, como na Residência
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Ward Willits (1900-02) 29 .

Frank Lloyd Wright realizou a maior parte de sua obra já no fim de sua
carreira. O MSRG representa um marco na sua história, e faz parte da última fase.
A partir da década de 1930, o arquiteto começou a utilizar as formas curvas. São
nítidas as influências do projeto da S. C. Johnson & Son Company Administration
(1936), como a criação de uma unidade interna, consubstanciada na ambientação
iluminada zenitalmente, e na associação entre arquitetura e engenharia, em formas
escultóricas orgânicas e unificadas.

No edifício Johnson & Son, há o interior oco e envolvente, no qual reina


a “grande paz”, tal como no MSRG. Em ambos, o exterior é produto do volume
interno. No MSRG, forma, espaço e estrutura formam um todo. O espaço interno
é onipresente; ele envelopa, enclausura e envolve, ao mesmo tempo em que

27 SCULLY, Vincent. Op. cit., p. 58.


28 Ibid., p. 38.
29 É difícil estabelecer uma classificação para a obra de Wright, sendo usual entre os historiadores
separá-la em três, quatro ou cinco períodos. Em linhas gerais, ela pode ser dividida em três grandes
fases, a primeira de 1900 a 1910, a das Casas de Pradaria, na qual desenvolve sua concepção
espacial, após a qual o arquiteto entra em crise pessoal e profissional. O período de 1910 até os
anos 1930 é considerado fase intermediária de revisão dos conceitos. A terceira fase inicia-se na
segunda metade dos anos 1930 com a Casa da Cascata (1935), prolongando-se até sua morte.
98

movimenta. Para Scully, o museu personifica os opostos de segurança absoluta e


movimento contínuo. É o monumento à mobilidade, ao movimento de massas da
mitologia democrática americana30 .

A questão central à poética de Frank Lloyd Wright é a espacialidade


interna, assumida pelo próprio arquiteto, que retorna à Lao Tse para explicar que a
realidade de um edifício não reside nas quatro paredes e no teto, mas no espaço
que eles enclausuram31 . Ou ainda, que a essência da arquitetura orgânica é o
espaço, fluindo para fora e para dentro32 . Frank Lloyd Wright nunca abandonou a
idéia do espaço irradiado de um núcleo central, um espaço onde as forças
centrípetas atuam a partir de um eixo direcional.

Para Wright, todo conceito estético tem sua implicação na natureza. A


plasticidade pode ser vista como um tecido muscular que estabelece uma
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continuidade com o esqueleto que o recobre. O arquiteto admite que o conceito de


plasticidade varia ao longo da História da Arquitetura, e seu próprio ponto de
partida está na transformação das idéias de seu mestre Louis Sullivan do plano
material para o espiritual. Se, para Sullivan, a forma segue a função, para Wright,
a forma e a função devem ser uma coisa só; forma e função são pensadas como
um todo, eliminando a idéia de agregação das partes em favor de uma superfície
contínua.

O sentido de continuidade já havia sido trabalhado por Louis Sullivan,


mas em relação ao ornamento, ou melhor, à integridade da ornamentação aplicada
sobre o edifício. Para obter a continuidade integral, Wright propôs que paredes,
tetos e pisos fossem contínuos, fluindo como membros uns dos outros. A estrutura
do edifício é pensada em conjunto com suas partes, através da eliminação da

30 SCULLY, Vincent. Op. cit., p. 65.


31 WRIGHT apud ZEVI, Bruno. Historia de la Arquitectura Moderna. Traduzido do italiano
por Héctor Álvarez. Buenos Aires: Emecé, 1954 p. 460.
32 Frank Lloyd Wright in: PFEIFFER, Bruce; NORDLAND, Gerald. Frank Lloyd Wright. In
the realm of ideas. Carbondale and Edwardsville: Southern Illinois University Press, 1988, p. 26.
99

estrutura em partes (sistema dintel/pilar) ou da eliminação dos elementos da


arquitetura clássica (cornijas, entablamentos, pilastras etc.).33

O crítico e historiador italiano Bruno Zevi foi o maior defensor da


arquitetura orgânica de Frank Lloyd Wright. O crítico traça a comparação entre o
sentido de modernidade para os mestres europeus e para os norte-americanos,
observando que nestes “a consciência de um contraste entre cultura e vida é mais
aguda”34 . O conceito de Wright, no qual a natureza da arquitetura deriva da vida,
espelha essa consciência. Admirador de William Morris, o arquiteto americano
bem compreendeu a denúncia deste de que, com a revolução industrial, a arte se
separara da vida.

Na América do Norte, a tradição européia era representada pela elite


industrial, carente de símbolos de hierarquização social. Cultura era sinônimo de
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educação, ambas dominadas pelas elites governamentais e econômicas que


valorizaram o neoclassicismo europeu e impuseram resistência à Escola de
Chicago. Por não ter nenhum comprometimento com essa tradição, distanciado do
debate europeu, Frank Lloyd Wright rechaçou o passado em bloco, sem
diferenciar o conceito de clássico do de classicismo como estilo histórico. A
resposta para ele estava fora da cultura oficial, mas na perspectiva do norte-
americano médio, indiferente a estes símbolos da educação.

Para Zevi, as obras de Frank Lloyd Wright, apesar de todos os problemas


de gosto, “dão sempre a impressão de realidade, de estarem encarnadas e
consubstanciadas com a vida que se desenvolve no seu interior e com a natureza
circundante”, e confrontam-se com o aspecto frio e anônimo das obras do
movimento moderno europeu, que procura dar soluções mecânicas aos problemas
sociais. É no seu sentido do trabalho cotidiano, na consciência da missão da
arquitetura de transformar o homem e de melhorar a sociedade a partir da poesia

33 WRIGHT, Frank Lloyd. An Autobiography, p. 170-172.


34 ZEVI, Bruno. Op. cit., p. 451.
100

de sua experiência espacial, que se concentra a fenomenologia da obra de Frank


Lloyd Wright 35 .

2.2.3

Nova York

A arquitetura tem um papel crucial no processo de implantação da


modernidade americana. No século XVIII, Thomas Jefferson, arquiteto e
presidente americano, incumbiu-se da tarefa de “construir a democracia”. Embora
partidário de uma tradição agrária, Jefferson investiu na urbanização da cidade.
Suas críticas eram direcionadas à cidade européia, para ele foco de vícios e de
criminalidade36 .

O interesse pela metrópole européia cresceu nos Estados Unidos, durante


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o século XIX, na mesma medida em que cresceram as cidades européias e norte-


americanas, bem como a reflexão sobre elas. Hubert Damisch assinala as
diferenças de pontos de vista sobre a cidade entre os dois continentes. Para os
intelectuais europeus, a cidade é o lugar onde a cultura nasce e é elaborada. Para
os intelectuais americanos, a cidade é uma ruptura com o passado eminentemente
rural, e se impõe como uma espécie de selvageria. Essa ideologia anti-urbana
impôs sua marca na cultura americana: com raízes agrárias e anarquistas,
desenvolveu-se a partir do horror norte-americano ao exemplo das metrópoles
européias, que pré-figuravam o futuro americano37 .

Damisch apresenta a arquitetura como o melhor indicador no século XX


– mais do que o cinema ou a televisão – dos problemas da modernidade norte-
americana38 . Além de indicador político e social, a arquitetura funciona como um
símbolo de modernização. Em uma cultura sem passado e sem tradição, a noção

35 ZEVI, Bruno. Op. cit., p. 455-456.


36 Hubert Damisch aponta que em 1800 a Filadélfia era mais bem pavimentada e iluminada do
que Londres. DAMISCH, H. La scène de la vie future. In: COHEN, J.-L.; DAMISCH, H.
Américanisme et modernité. L’idéal américain dans l’architecture. Paris:
EHESS/Flammarion, 1993, p. 9-24.
37 Ibid.
38 DAMISCH, Hubert. Op. cit.
101

de monumento não é estabelecida pelos valores agregados, mas por algo novo,
algo que não remete ao passado, mas ao futuro: o arranha-céu. Símbolo de força e
potência, o arranha-céu tornou-se o modelo arquitetônico moderno americano,
viabilizado pelo desenvolvimento da técnica. Na modernidade americana, não se
dissocia cultura e técnica; a arquitetura é sinônimo de construção, sendo portanto
definida pelos limites da técnica39 .

As cidades americanas sofreram, no século XIX, uma intensa


transformação a partir das novas possibilidades técnicas, como a invenção do
elevador e da estrutura metálica. As cidades mais atingidas foram Chicago e Nova
York.

Em 1940, a arquitetura de Nova York tinha uma feição bastante


simplificada, embora com variedade de estilos. Variações do Art Déco
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predominavam em arranha-céus, nos quais a massa pesada e fechada determinava


o volume. O estilo internacional europeu, presente em algumas casas ainda da
década de 1930, havia influenciado poucos arquitetos40 . Na exposição
internacional de 1939, Building the World of Tomorrow, dois pavilhões
guardavam os princípios da arquitetura moderna, o do Brasil (Lucio Costa e Oscar
Niemeyer) e o da Venezuela (Gordon Bunshaft para Skidmore, Owings & Merrill
– SOM). A contribuição americana limitava-se às inovações tecnológicas e
domésticas (televisão, ar condicionado, automóvel, aparelhos domésticos, etc.).

A grande transformação na arquitetura nova-iorquina deu-se após a


Segunda Guerra. Durante a década de 1940, os princípios do estilo internacional
europeu eram aplicados por razões mais econômicas do que estéticas. O uso de
materiais estandardizados e a ausência de ornamentação foram adotados em
programas com necessidades específicas, como hospitais e escolas. Logo após o
fim da Guerra, a grande carência era de residências. Os grandes blocos
habitacionais para a classe média, adotados em Manhattan desde o início da

39 Ibid.
40 Em projetos de William Lescaze (1934) e Morris Sanders (1935), segundo KRINSKY, Carol H.
Architecture in New York City. In: WALLOCK, Leonard. New York – Culture Capital of the
World 1940-1965. New York: Rizzoli, 1988, p. 89.
102

década de 194041 , eram realizados em alvenaria e assim continuaram sendo


construídos após 1945. A partir de 1950, o uso do ar condicionado foi
popularizado, permitindo maior fechamento em vidro e transformando o layout
dos programas residenciais.

Mesmo que a prioridade construtiva, em face da escassez de materiais no


pós-Guerra, tenha sido dos edifícios residenciais, as iniciativas para imóveis
comerciais e empresariais pouco a pouco foram crescendo. A influência
dominante provinha do arquiteto alemão emigrado Mies van der Rohe. A partir de
1950, a cidade transformava-se com a proliferação de edifícios transparentes, que
em certas áreas, como midtown, substituíram paulatinamente os edifícios de
tijolos vermelhos que marcavam sua feição. Entre os edifícios notáveis
destacamos: o de escritórios da 1407 Broadway, de Kahn & Jacobs (1950); o
Lever House, de Gordon Bunshaft, para Skidmore, Owings & Merrill, na Park
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Avenue (1951); o edifício da ONU, de Oscar Niemeyer (1951); The Corning


Glass Building, de Harrison & Abramovitz & Abbe (1959); e o principal dentre
todos, o Seagram Building, de Mies van der Rohe (1958). No entanto, ao lado
destes, e outros de remarcável qualidade, convivem outros outros, frutos da
especulação imobiliária que só fez denegrir as preocupações funcionais e estéticas
da época, através de uma tecnologia que permitia rapidez de montagem e
minimização de custos.

Projetado em 1943 – quando a cidade ainda retinha o perfil do volume de


seus arranha-céus de tijolos, bem como o escalonamento da forma art déco – e
inaugurado em 1958 – quando os exemplos mais significativos do curtain wall já
existiam –, o MSRG vivenciou a transformação da cidade, sem, no entanto,
identificar-se com nenhuma de suas fases.

O museu destoa sobremaneira do contexto urbano na época de sua


inauguração, quando os edifícios empresariais de midtown se abriam para o

41 Veja-se o exemplo de Stuyvesant Town, de Irwin Clavan, 1940, que segue o modelo de Le
Corbusier de torres habitacionais situadas em parques.
103

espaço urbano possibilitando a integração entre o usuário, o edifício e a cidade42 .


Foi um período de contrastes na arquitetura americana: cheio versus vazio,
plasticidade versus planos de vidro, massa versus abertura, características estas
presentes também no museu – segundo Krinsky, uma “anomalia” dentro da cidade
retilínea43 . Foi também um período de contrastes nas artes visuais, conforme
veremos adiante.

Não é raro encontrar, no conjunto da obra de Frank Lloyd Wright,


edifícios isolados do exterior e iluminados zenitalmente, como o Edifício Larkin
(Buffalo, NY, 1904) e o Edifício Johnson. O isolamento proposital do exterior é
interpretado como uma recusa da cidade que o cerca.

Ao longo de sua carreira, Frank Lloyd Wright proferiu discursos contra


as cidades americanas, especialmente Chicago e Nova York. Contudo, Herbert
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Muschamp recorda que, em 1939, o arquiteto americano, dirigindo-se a um grupo


de colegas britânicos, referiu-se a Chicago como “a mais bela cidade grande do
mundo moderno”44 .

A postura anti-urbana de Frank Lloyd Wright é questionada por


Muschamp, pois, embora Frank Lloyd Wright nunca tenha pronunciado uma
opinião favorável a respeito de Nova York, o arquiteto não era obviamente
contrário a essa cidade, mantendo com ela uma relação ambígua de amor e ódio.
Muschamp identifica esta ambivalência nos projetos posteriores, principalmente
na St Mark’s Towers e no MSRG, pois ambos podem ser lidos como projetos anti-
urbanos ou pró-urbanos. A ambivalência também é recorrente nos escritos da
última fase do arquiteto. Wright freqüentemente escrevia sobre o que gostaria de
ter construído ou sobre a leitura que gostaria que a sociedade tivesse sobre aquilo
que construiu. Dotado de grande poder de persuasão, deveu parte do sucesso de
sua carreira também a seus escritos, como uma maneira de promover suas idéias
com o aval que a sociedade lhe havia dado.

42 Como o Seagram Bulding (1958), o Chase Manhattan Bank (1960), o Corning Glass Building
(1959) e o Time & Life Building (1959).
43 A comparação é feita por KRINSKY, Carol H. Op. cit., p. 111.
104

Em 1910, Frank Lloyd Wright foi reconhecido pelas vanguardas


européias, através de uma exposição de suas obras realizada em Berlim. Nessa
mesma época, ele reconheceu seu esgotamento criativo e seu desinteresse pela
profissão. A partir de 1914, vítima de uma tragédia familiar, Frank Lloyd Wright
tornou-se um outsider. Segundo Muschamp, Wright começou a investir-se de um
personagem público que era uma antítese ainda sem a tese, tornando-se cada vez
mais polêmico e inconformado.

A conexão de Wright com Nova York começou a se formar na década de


1920. Em 1925, ele declarou que passaria a fazer arquitetura comercial,
demonstrando seu descontentamento. Foi quando começou a freqüentar Nova
York e a vislumbrar na cidade a possibilidade de constituí-la como a tese que
faltava para sua antítese, para seu personagem romântico, crítico, obstinado contra
tudo e contra todos. Passaram-se vinte e cinco anos de limbo, nos quais ele
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concebeu muitos projetos que não se concretizaram e desenvolveu sua proposta


urbana45 . Durante esse período, e nos anos seguintes, insurgiu-se contra a Europa,
contra o estilo internacional, contra os colegas americanos, contra a moral e os
bons costumes, contra o gosto americano e contra a arte contemporânea.

Herbert Muschamp afirma que a cidade de Nova York permitiu a


realização do “romantismo” da concepção artística de Frank Lloyd Wright. Por
romântico, Muschamp define não tanto o movimento, nem o período, mas aquilo
que Frank Lloyd Wright tem em conexão consigo próprio: individualismo, não-
conformismo, heroísmo, ênfase na autenticidade emocional em detrimento da
razão objetiva, validade da experiência própria sobre o consenso social, inspiração

44 WRIGHT, Frank Lloyd apud MUSCHAMP, Herbert. Man about town. Frank Lloyd Wright
in New York City. Cambridge/London: The MIT Press, 1985, p. 2.
45 Em 1934, Frank Lloyd Wright desenvolveu o projeto de uma cidade utópica, Broadacre City,
através do qual acreditava que os EUA poderiam salvar-se do caos urbano organizando-se em
unidades rurais de pelo menos um acre, dispersas ao longo do território entre áreas eminentemente
rurais e agrícolas. Uma sociedade voltada para a terra, força da energia vital humana e econômica,
seria, segundo ele, a salvação da América contra a urbanização desenfreada. Em Broadacre City,
prevalece o princípio de dispersão urbana (pequenas unidades industriais, fazendas, residências)
integradas pelas vias de circulação e pela mobilidade. As vastas planícies do território americano
são organizadas e recortadas por Wright pelas auto-estradas. O espaço aéreo é ocupado por
helicópteros particulares, cujo design, desenvolvido por ele, assemelha-se a um pião com asas no
topo.
105

acima do senso comum, conjunto de crenças resumidas em sua máxima familiar:


“Truth against the World”46 .

Na concepção de Frank Lloyd Wright, o criador era o outsider,


incompreendido e rebelde, lutando pela verdade. A rejeição à cidade de Nova
York funcionava como possibilidade de exercício do iconoclasta e,
conseqüentemente, do papel de artista. É neste sentido que Herbert Muschamp
afirma ter o arquiteto um débito para com essa cidade. A negação pública do
edifício do MSRG pelos pintores da Escola de Nova York possibilitou que essa
rixa, até então presente somente na mente de Wright, se tornasse conhecida e
referendasse o caráter outsider e romântico do edifício47 .

A concepção “romântica” de Frank Lloyd Wright, segundo Herbert


Muschamp, é mais pronunciada na metade e na fase final de sua carreira, quando
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ele se admite em “oposição estratégica à solidariedade comparativa do movimento


moderno”48 , bem como em oposição à arquitetura de Nova York e à pintura da
Escola de Nova York.

46 MUSCHAMP, Herbert. Op. cit., p. 8.


47 Ibid., p. 118.
48 Ibid., p. 8.
106

2.3

Arte versus Arquitetura ou Arte & Arquitetura?

2.3.1

A emergência do expressionismo abstrato

A emergência de um movimento conhecido como escola de Nova York


ou expressionismo abstrato deu-se durante a Segunda Guerra, adquirindo
notoriedade depois desta. A confluência de artistas em Nova York já era
recorrente durante a depressão econômica. Os dados do projeto político Works
Progress Administration (WPA)49 informavam que 78% dos artistas americanos
estavam sediados naquela cidade durante a década de 1930. Quase todos os
artistas ditos expressionistas abstratos fizeram parte do WPA e lá se conheceram,
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estabelecendo um ambiente de cumplicidade e de conhecimento. Em 1942, o


projeto foi suspenso e os artistas perderam sua comunidade. A pintura americana,
que nunca havia tido um lugar de destaque na cultura norte-americana, perdeu
temporariamente, com o advento da guerra, a esperança na busca de sua
autenticidade e de seu reconhecimento.

A situação transformara-se paulatinamente com a chegada de artistas


importantes da vanguarda européia refugiados da guerra, como Piet Mondrian,
Fernand Léger, Ossip Zadkine, Jacques Lipchitz, e membros do grupo dos
surrealistas: André Breton, Max Ernst, Yves Tanguy e Andre Masson.

Com a presença dos artistas europeus, novas alianças começaram a se


formar. As primeiras exposições importantes, que reuniram obras das vanguardas
européias e de artistas americanos, ocorreram no início da década de 1940. Em
1942, o pintor russo John Graham organizou uma exposição na McMillen Gallery,
na qual foram vistas lado a lado obras de Henri Matisse, Pierre Bonnard, Georges
Braque e Amadeo Modigliani, com as de Jackson Polllock, Lee Krasner e Willem

49 O Works Progress Administration, sob o Federal Arts Project, foi estabelecido em 1935 com a
intenção de empregar artistas. Estavam incluídas as artes visuais, a arte mural, a pintura de
cavalete, e escultura, segundo ASHTON, Dore. The City and the Visual Arts. In: WALLOCK,
Leonard (ed.). New York. Culture Capital of the World 1940-1965. New York: Rizzoli, 1988.
107

de Kooning. Meses depois, a exposição First Papers of Surrealism, com curadoria


de Andre Breton assessorado por Marcel Duchamp, reuniu, entre outras, obras de
Pablo Picasso, Joan Miró e Henry Moore com as de David Hare, William
Baziotes, Robert Motherwell e Joseph Cornell.

First Papers of Surrealism foi um acontecimento importante não só no


que concerne à reunião de artistas europeus e americanos, mas como conceito
expositivo, seguindo os passos da Exposition Internationale du Surrealisme
realizada em Paris em 1938, na qual o espaço expositivo foi pensado como um
todo, envolvendo o visitante e sugerindo a exposição como obra. Na exposição de
Paris, Duchamp recobriu o teto com sacos que pareciam ser de carvão, mas eram
recheados de papel e empoeirados por carvão, a fim de transmitir a impressão de
realidade. Na exposição de Nova York, Duchamp recobriu o teto com vários
kilometros de fio branco emaranhado, chamando a atenção para o recinto da
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galeria.

Exposições igualmente marcantes aconteceram na Art of this Century. De


outubro de 1942 a maio de 1947, funcionou na 57T h Street um misto de museu e
de galeria, propriedade de Peggy Guggenheim, sobrinha de Solomon
Guggenheim. Peggy G. mantinha uma posição independente em relação à família
e às outras instituições de arte, não só pela escolha dos artistas, mas pela maneira
de expor. Sua galeria tornou-se uma referência fundamental para os artistas
americanos e para a cidade de Nova York. Durante esse período, Art of this
Century expôs pioneiramente os artistas norte-americanos em começo de carreira,
como Jackson Pollock, Hans Hoffman, Mark Rothko, Robert Motherwell, David
Hare e Clyfford Still. Cercada de conselheiros de renome e influência, como
Alfred Barr, James Johnson Sweeney, Marcel Duchamp, Marx Ernst e Piet
Mondrian, Peggy G. manteve, em sua galeria de Nova York, qualidade e
pioneirismo curatorial, ao reunir artistas da vanguarda européia à nova geração de
pintores americanos50 .

50 A partir de 1974, Peggy Guggenheim instalou-se em Veneza, e em 1976 sua coleção passou aos
cuidados da Fundação Guggenheim. Para maiores informações, ver MESSER, Thomas. Peggy
Guggenheim Art of this century. In: HEGEWISCH, Katharina. L’art de l’exposition. Une
108

A expografia de Fredrick Kiesler, arquiteto e escultor de vanguarda,


contratado por Peggy Guggenheim, foi fundamental para estabelecer a galeria
como um centro de vanguarda e como a mais famosa galeria do século XX. Seu
espaço é descrito por Bruce Altshuler:

Art of This Century era dividida em quatro áreas, três fixas, apresentando a coleção
de arte moderna de Peggy Guggenheim, e uma galeria para exposições temporárias
de artistas de Nova York, com ambientes projetados no estilo da arte exibida. A
galeria de arte cubista e abstrata dava a sensação de se estar num mundo cubista,
com pinturas sem moldura penduradas tanto paralelas como perpendiculares às
paredes, em linhas formando um grande V entre o piso e o teto. [...] As paredes da
galeria eram de tela azul escuro esticada e o chão era pintado da cor favorita de
Peggy, turquesa. A galeria cinética continha uma correia de transporte exibindo
cerca de nove Klees [...] junto com uma grande roda que virou outro dispositivo,
mostrando quatorze objetos do museu miniatura do trabalho de Duchamp, seu
recém-finalizado Boite en Valise, vistos, um de cada vez, através de um orifício de
observação. [...] A sala mais notável era totalmente dedicada ao Surrealismo, e nela
as pinturas ficavam em suportes como os de cestas de baseball, em vários ângulos,
presos às paredes curvas de madeira, coladas sobre a parede real. A iluminação
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desligava a cada dois minutos, iluminando um lado da galeria e então o outro,


pulsando, como disse Kiesler, “como seu sangue”. Embora certamente surreal, o
efeito era perturbador para a maioria, e Putzel mais tarde convenceu Peggy a
permitir uma iluminação contínua. O último espaço, dedicado a exposições
temporárias, era voltado para a Rua 57 e iluminado pela luz natural difundida por
uma tela de material normalmente usado para lingerie. Também funcionava como
sala para “folhear” os trabalhos menores da coleção, onde os visitantes podiam se
sentar em assentos dobradiços para olhar as obras dentro das caixas de
armazenamento abertas para peças enquadradas. Outro tipo de assento era fornecido
nas galerias de arte abstrata e surrealista, um aspecto elogiado pelos críticos. Kiesler
projetou uma peça multifuncional biomórfica que podia funcionar como cadeira,
estante, mesa de café, pedestal, sofá e cabide. Com vários usos, um destes
“correalist tools’’ podia ser encontrado apoiando um visitante cansado, enquanto
Woman with her throat cut rastejava por outro. 51

Tanto a exposição First Papers of Surrealism quanto a galeria Art of this


Century propunham espaços expositivos que envolviam outros sentidos do
visitante, além do olhar. Tratava-se de espaços nos quais o conteúdo artístico e a
expografia se relacionavam, totalmente distantes do espaço neutro, doméstico e
ordenado praticado pelo MoMA e pelas galerias novaiorquinas na época.

documentation sur trente expositions exemplaires du XXe. Siècle. Paris : Regard, 1998, p. 189-
199.
51 ALTSHULER, Bruce. The avant-garde in exhibition – New Art in the 20th Century.
California: University of California Press, 1998, p. 150-151.
109

A abertura de Art of this Century foi fundamental como suporte dos


novos artistas americanos. Formou-se em Nova York um ambiente profícuo para a
arte que se fazia naquele tempo. Os artistas produziam e trocavam idéias em bares
e restaurantes habitualmente freqüentados; em galerias, ateliês e no “Clube”,
mantinham discussões das quais freqüentemente participavam Alfred Barr, diretor
do MoMA, e Thomas Hess, diretor da Art News52 .

Começou a se formar em Nova York um mercado de arte que resultou


em importante setor da sociedade. Compreendia instituições como o chef de file
MoMA, o Whitney Museum of American Art 53 , o Brooklyn Museum e o Museu de
Pinturas Não-Objetivas, que exploravam a possibilidade do florescimento de uma
vanguarda americana. Esse circuito incluía ainda a imprensa de arte, a crítica
especializada, a grande imprensa, as galerias, os museus acima relacionados e um
número sempre crescente de marchands. Art of this Century foi a instituição que
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mais contribuiu para o deslocamento da vanguarda européia para a americana.

No início da década de 1950, muitos artistas do grupo inicial já haviam


atingido notoriedade e se afastaram do grupo54 . A solidariedade maior entre os
artistas ocorrera na fase inicial do movimento, na qual eles experimentaram um
sentimento mútuo de reprovação do materialismo da cultura americana e da
ausência de espiritualidade, além de compartilharem uma expectativa reformista.
Não muito afeitos à filosofia, os pintores americanos eram simpatizantes do

52 Entre os lugares freqüentados, estavam a Cedar Tavern, um bar americano comum, e O Clube
(The Club), fundado em 1949, este uma instituição informal, formada pelos artistas que se
encontravam para debater. As reuniões eram freqüentadas por artistas, psicanalistas, literatos e
críticos, contribuindo para a idéia de um movimento ou escola de Nova York. As galerias que
expunham estes artistas, como Charles Egan, Betty Parsons e Samuel Kootz, também promoviam
debates.
53 A residência de Gertrude Vanderbilt Whitney na W. 8th. St. foi convertida em galeria em 1931,
e em 1936 foi convertida no Whitney Museum, posteriormente removido para espaço próximo ao
jardim do MoMA e, em 1966, para o Upper East Side, na Madison Av., projeto de Marcel Breuer
& Assoc., onde se encontra até hoje (WILLENSKY, Elliot and WHITE, Norval. New York
Chapter, American Institute of Architecture. AIA Guide to New York City (1978). Third ed. San
Diego/New York/London: Harvest Book/Harcourt Brace & Co., 1988).
54 O grupo inicial compunha-se principalmente de Arshile Gorky, Mark Rothko, Jackson Pollock,
Robert Motherwell, Willem de Kooning, Barnett Newman, Philip Guston, James Brooks, Bradley
Walker Tomlin, Jack Tworkov, David Smith, Franz Kline, Theodoros Stamos, Clyfford Still e
mais uma dúzia de outros pintores.
110

Existencialismo de Jean Paul Sartre, cujo ensaio Existencialismo e Humanismo


havia sido traduzido em 1948.

Os artistas admitiam haver um movimento inerente à cidade, mas se


negavam rótulos e estilos formais. O Expressionismo Abstrato não se configurava
um movimento estilístico, mas por premissas filosóficas: os artistas acreditavam
que sua arte era uma expressão da psique individual e as formas representacionais
não são essenciais para projetar significado55 .

Com a Guerra Fria, a partir da década de 1950, na era Nixon, cresceu nos
meios intelectuais um conformismo que, segundo Harold Rosemberg, não atingiu
a classe artística, que encontrava na diversidade da cidade de Nova York uma
tolerância em relação a seu comportamento não-convencional. Ao contrário, o
meio dos artistas expandiu-se, incorporando músicos, como John Cage, Earle
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Brown e Morton Feldman, e literatos, como Allen Ginsberg. Emergiu uma nova
geração de pintores que renunciava ao materialismo americano e tinha como líder
Willem de Kooning56 .

2.3.2

A pintura modernista

Existiu, por parte dos críticos e das instituições, um programa que


pretendia um primeiro lugar no ranking das artes visuais para os artistas
americanos e para a cidade de Nova York. Na década de 1950, os expressionistas
abstratos começaram a ser expostos mais freqüentemente no MoMA.

O artista Jackson Pollock representou, para os norte-americanos, a


realização do desejo antigo: a emergência de um talento, um artista gênio,
eminentemente autóctone. Sua origem de fazendeiro do oeste, assim como seu
vigor e originalidade, foram os pré-requisitos do sucesso. Sua carreira foi
impulsionada pela crítica, notadamente por James Johnson Sweeney e Clement
Greenberg. Este crítico percebeu a emergência de uma vanguarda americana,

55 ASHTON, Dore. Op. cit., p. 124.


56 Ibid., p. 144.
111

atuando ele próprio como importante agente no metier artístico novaiorquino da


segunda metade do século XX.

Greenberg definiu, de maneira própria e distinta da crítica européia, os


princípios do modernismo, desde sua origem na França oitocentista. Em seu texto
Pintura Modernista (1960), afirma os aspectos da autocrítica e da autonomia do
modernismo, aplicando-os à pintura. A área de competência de cada arte é restrita
à natureza de seus meios, tornando-a autônoma. A autocrítica é circunscrita à
eliminação de tudo o que não é inerente ao meio de cada arte. Autocrítica e
autonomia afiançam a pureza da arte, garantia de seus padrões de qualidade57 .

No caso da pintura, as limitações que constituem seus meios – a


superfície plana, a forma do suporte e as propriedades das tintas – são fatores
positivos e critérios de qualidade estética, que o autor verifica a partir de Manet,
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estabelecendo uma linhagem ou tradição da integridade e da literalidade do plano


pictórico. Seguindo sua linha de raciocínio, Greenberg insiste que se trata de uma
tradição, e que o modernismo jamais pretendeu uma ruptura com o passado. O
modernismo é uma evolução do passado, sua continuidade. Greenberg apresenta a
pintura americana abstrata da época como herdeira da tradição óptica do
impressionismo, valorizando o olhar como o único sentido evocado pela arte
plenamente pictórica.

Embora o caráter evolucionista da leitura de Clement Greenberg seja


criticável, e a despeito do debate crítico sobre a sua obra, interessa aqui enfatizar
sua importância no estabelecimento de uma tradição progressista – advinda da
pintura européia, em cuja ponta da cadeia se encontra a pintura americana abstrata
–, atuando como uma espécie de “grande sacerdote” no cenário americano,
aproveitando-me da expressão cunhada por Yve-Alain Bois58 .

57 GREENBERG, Clement. A pintura moderna. In: BATTCOCK, Gregory. A tradição do novo.


São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 95-112.
58 BOIS, Yves-Alain, As ementas de Greenberg. Trad. Paula Moutinho Martins. Gávea – Revista
de História da Arte e Arquitetura. Rio de Janeiro: Curso de Especialização em História da Arte
e Arquitetura no Brasil, PUC-Rio, n.. 12, 1996, p. 346.
112

2.3.3

A galeria ideal

Em 1978, quando os princípios dessa pintura modernista já haviam sido


postos em cheque pela própria arte, Brian O’Doherty publicou, na Revista
Artforum, uma análise crítica sobre a relevância, para o conteúdo da arte, do
recinto da galeria como contexto. Em “Notas sobre o espaço da galeria”, primeiro
capítulo do livro O Interior do Cubo Branco”59 , o autor examina as questões da
pintura moderna do realismo ao color field americano e sua inserção no espaço da
galeria, apresentadas resumidamente a seguir.

A pintura de cavalete, surgida no Renascimento, é encarada como uma


entidade independente das outras pinturas. O uso da moldura reforça os limites
internos da composição. A tela funciona como uma janela aberta na parede, na
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qual o olho penetra impulsionado pelo ilusionismo criado pela perspectiva. O olho
abstrai o corpo no qual se encontra, projetando-se para dentro do quadro. A
estabilidade da moldura reforça a segurança da experiência no interior do mesmo.
A borda como limite absoluto está presente na pintura de cavalete até o século
XIX, quando, em pinturas de Gustave Courbet, Caspar Friedrich e James
Whistler, a forte convenção do horizonte começou a atravessar o limite da
moldura. O surgimento da fotografia acentuou a decisão da localização das
margens da composição, tendo em vista que o enquadramento é uma questão
fundamental para a nova linguagem. Os novos limites internos da pintura
tornaram a moldura obsoleta. No século XIX, o interesse maior era o tema da
pintura, não suas margens. A análise dos limites com a intenção de ampliá-los é
um costume do século XX.

Mesmo assim, a margem como convenção de enquadramento do tema


continuou a ser posta em cheque. No impressionismo, a borda, pressionada pela
crescente falta de espaço interno, ainda arbitrava o que estava dentro e fora. Ao
recurso da borda como fronteira entre espaço interno e externo da pintura, foi

59 O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco. A ideologia do espaço da arte. Trad.


Carlos S. Mendes Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
113

associada uma questão ainda mais importante para a definição do seu limite: o
achatamento ou planificação da superfície pictórica. A partir do final do século
XIX, o aplainamento da pintura concluiu o mito da superfície pictórica, forjado na
tradição secular da pintura ilusionista. Na primeira metade do século XX, a busca
da planaridade tornou-se o principal elemento de sua autodefinição.

A maneira de se dispor as telas interfere diretamente na interpretação e


no valor atribuído à pintura. É possível correlacionar a história da pintura com a
maneira de pendurá-las. O’Doherty retorna aos colecionadores do século XVII e
XVIII para exemplificar as excentricidades pessoais que expunham pinturas junto
ao patrimônio particular. Os salões do século XIX ditavam a moda, com seu
empilhamento de pinturas emolduradas, dispostas como entidades individuais.
Gustave Courbet foi o primeiro artista modernista a criar o contexto de sua obra,
ou seja, a dispô-la no entorno, interferindo no seu valor, ainda que não tenha
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proposto nada surpreendente60 . Tal prática, a da relação da obra com o contexto


(entorno), é completamente adotada pelas vanguardas artísticas, conforme exposto
ao longo desta tese.

O século XX descarta todo o aparato tradicional da pintura: hierarquias,


ilusão, localização espacial, entre outros, apegando-se ao mito da superfície literal
e sua integridade na pintura, à multidimensionalidade do espaço, à auto-
suficiência e à pureza da obra. A superfície pictórica resultou numa entidade que
se expande para os lados, bidimensionalmente, com comprimento e largura, mas
sem espessura. Os artistas e movimentos de vanguarda conceberam e elaboraram
essas questões com diferentes graus de intensidade.

A relação entre a superfície pictórica e a parede é crucial para a pintura.


A mínima espessura do chassi interfere na leitura formal. A pintura de cavalete
não pode ser transposta para a parede sem resultar na perda das margens, da
superfície e da trama da tela, além do próprio distanciamento da parede. Para
O’Doherty, nesses parâmetros encontram-se os vestígios do ilusionismo que
permaneceram na pintura de cavalete, seja a superfície mais ou menos plana, mas

60 Na mostra individual do Salon des Refusés, em 1855, em Paris.


114

sempre suspensa e apoiada. A color field continuou como pintura de cavalete,


embora exigindo um espaço mais amplo na parede.

Os expressionistas abstratos seguiram o caminho da expansão lateral,


sem moldura, concebendo a borda como unidade estrutural que colocava em
diálogo a pintura com a superfície que a suportava, a parede. A parede deixava
então de ser um território neutro para ser, ela própria, zona de disputas das obras
de arte umas com as outras, quando as pinturas manifestavam, elas próprias,
condições de ocupação.

Ao invés de suporte passivo, a parede tornou-se foco estético e


ideológico, como projeção de significados artísticos. Para a color field, a parede
como força estética deveria remarcar os aspectos desta pintura: a planaridade, a
individualidade e a produção artesanal. Brian O’Doherty afirma ainda que a
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parede com força ideológica se apresenta como um contexto luxuoso, requintado e


inteiramente aprovado pela sociedade. Os grandes formatos exigiam grandes
paredes e, conseqüentemente, grandes colecionadores, reafirmando-se como arte
capitalista.

A nova condição da pintura determina suas condições de exposição. O


modo como os artistas o fizeram nos anos 1940 e 1950 – e neste sentido foram
assessorados pelos marchands e curadores – gerou um conjunto de normas e
convenções que paulatinamente transformaram o contexto da arte, no caso o
recinto da galeria (do museu ou comercial), em um espaço puro, estável, de
caráter sagrado, que O’Doherty denomina “cubo branco”.

O período final do modernismo61 concebeu a galeria ideal, “que subtrai da


obra de arte todos os indícios que interfiram no fato de que ela é ‘arte’. A obra é
isolada de tudo o que possa prejudicar sua apreciação de si mesma. Isso dá ao
recinto uma presença característica de outros espaços onde as convenções são
preservadas pela repetição de um sistema fechado de valores”62 , como uma igreja
ou um tribunal. A natureza sacramental do recinto faz com que as coisas ali

61 O “último modernismo”, que, segundo O’Doherty, coincide com o expressionismo abstrato.


62 O’DOHERTY, Brian. Op. cit., p. 3.
115

colocadas se transformem em arte, e que a arte, ao deixar o recinto, possa se


secularizar. Os princípios de construção desse local de culto são rígidos: o mundo
exterior não pode penetrar, as janelas são lacradas, a iluminação é artificial, as
paredes são pintadas de branco, o teto é fonte de luz, o chão é polido ou
acarpetado para evitar ruídos. A arte pode assim “assumir vida própria”.

Feito este breve resumo da formação da galeria ideal tal como a entende
Brian O’Doherty, o passo seguinte é conectar o processo de formação da galeria
ideal com o do expressionismo abstrato, e compará-los com a proposta do MSRG
de Frank Lloyd Wright.

2.3.4

Frank Lloyd Wright versus pintores americanos


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É importante observar como o advento do MSRG se relaciona à geração


e à ascendência do expressionismo abstrato. A crítica pública ao museu, feita
pelos pintores através de um veículo de comunicação de massa, dá a dimensão da
notoriedade desses artistas. Durante a década de 1950, suas experiências artísticas
saíram dos ateliês e entraram nos museus uptown. No início da década de 1960,
elas entraram para as páginas dos livros, constituindo um importante capítulo da
história da arte moderna.

Concebido como um museu para a pintura não-objetiva européia, o


Guggenheim tinha uma participação direta na construção da linhagem genealógica
entre a pintura européia de vanguarda e a pintura americana que se desenvolveu
no pós-Segunda Guerra. A partir de 1939, quando a coleção de Solomon
Guggenheim passou a ser exposta na sede temporária, tornou-se, ao lado do
MoMA, uma referência da arte moderna na cidade. Os dezesseis anos passados
entre o primeiro croqui do projeto (1943) e sua inauguração (1959) coincidem
com os da história do expressionismo abstrato e seu período de reconhecimento e
aclamação pela crítica. Daí a relevância do museu no contexto da cidade na época.
Frank Lloyd Wright sempre foi consciente desse papel e esperava que o edifício
fosse um modelo de espaço para exposição, assim como esperava também que sua
obra influenciasse a qualidade da pintura americana, segundo seus próprios
116

parâmetros artísticos. Desnecessário afirmar o quanto suas concepções de espaço


expositivo e de arte eram distantes daquelas dos pintores, e também da maior
parte do cenário da arte americana, entre críticos, marchands e curadores.

A crítica dos pintores americanos ao MSRG refere-se à ausência daquilo


que, para eles, era suporte de suas pinturas, a parede plana como emolduramento
retilíneo fundamental para a contemplação de obras de arte63 .

A resposta imediata de Wright nega a importância da parede plana como


referencial para a arte e aponta outra direção: a essência da arquitetura como mãe
das artes e seu pleno acordo com a natureza 64 .

Embora sucinta, sua resposta apresenta os pontos fundamentais de sua


concepção. Para ele, as artes apresentam-se integradas, em uma única criação,
cuja unidade é dada a partir do espaço arquitetônico. Sua compreensão de síntese
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das artes não tem origem no Romantismo do século XIX, como a de grande parte
dos artistas das vanguardas européias, mas diretamente na unidade medieval, na
qual pintura e escultura tinham suas funções relacionadas à arquitetura. Foi a
partir da leitura do romance Notre Dame, do francês Victor Hugo, que Frank
Lloyd Wright definiu seu ponto de partida, como arquitetura mãe das artes65 .
Em 1913, em Midway Gardens, um complexo de jardins, restaurantes,
salões de dança e de chá em Illinois, Chicago, Frank Lloyd Wright buscou realizar
a chamada obra de arte total, projetando o programa arquitetônico, o edifício, as
esculturas, as pinturas, os ornamentos, o mobiliário, e exercendo sua função na
melhor tradição Arts & Crafts, que propunha indistinção entre as artes maiores e
menores. A abstração e a forma pura foram tomadas como pontos de partida para
a criação dos ornamentos66 . O projeto coincidiu com a exposição Armory Show, e
arquiteto afirmou que os escultores e pintores americanos foram incapazes de

63 Carta dos pintores. In: WRIGHT Frank Lloyd. The Guggenheim Correspondance, op, cit., p.
242 (grifo meu).
64 WRIGHT, Frank Lloyd. Ibid., p. 243.
65 Id. A testament apud MUSCHAMP, Herbert. Op. cit., p. 27.
66 WRIGHT, Frank Lloyd. The tale of the Midway Gardens. In: _____. An Autobiography, p.
204.
117

realizar a síntese das artes que ele havia completado em Midway Gardens,
harmonizando todas as artes com a arquitetura67 .

Frank Lloyd Wright tentou inicialmente refazer no MSRG a


ornamentação empregada em Midway Gardens. Segundo seus croquis internos, as
pinturas seriam colocadas em retângulos com bordas ornamentadas. Mas a
ornamentação já havia perdido seu efeito, e o arquiteto percebeu que sua proposta
jamais seria aceita no contexto das artes visuais; foi através da unidade espacial
que buscou realizar sua síntese das artes.

O MSRG representa o ápice da carreira do arquiteto, no qual ele


conseguiu conciliar todos os pontos de seu conceito de arquitetura como espaço
interno, do qual o aspecto externo é derivado. O espaço de Frank Lloyd Wright é
unitário, expansivo, em movimento, eufórico e aparentemente ilimitado. É espaço
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de reafirmação da existência, no qual não há lugar para dúvida. É espaço interno


com caráter ambiental que unifica todas as suas partes. A força dinâmica conecta
inclusive os objetos artísticos ali inseridos. Portanto, o oposto da galeria ideal
retilínea e branca, na qual cada objeto anseia pela delimitação de seu espaço
individual, pregada pelo cenário artístico americano.

A galeria de Frank Lloyd Wright não chega a ser a galeria de First


Papers of Surrealism, de Marcel Duchamp e dos surrealistas, porque o vigor
espacial do MSRG tende a submeter a experiência artística, mas sua noção de
espaço ambiental, de espaço de existência e da vida, de espaço orgânico, é mais
próxima do espaço vital dos surrealistas do que da tradição da galeria como
espaço do sagrado, o cubo branco. A galeria do MSRG aproxima-se de Art of This
Century também como lugar de experimentação artística. Frank Lloyd Wright é
muito mais próximo, em termos conceituais, do espírito de invenção tão caro às
vanguardas européias do que da anticonvenção dos seus conterrâneos, que, por
razões estranhas à arte, terminou em convenção.

É evidente que o MSRG não foi concebido para abrigar os imensos


formatos dos pintores americanos. Mas bem abrigava os abstracionistas europeus,

67 MUSCHAMP, Herbert. Op. cit., p. 114.


118

as ditas vanguardas históricas com quem Frank Lloyd Wright compartilhava um


tipo de experimentalismo, especificamente a pintura espiritual de Kandinsky.

Frank Lloyd Wright desconsiderava a arte dos expressionistas abstratos e


reafirmava que o museu havia sido concebido para a pintura das vanguardas
européias, conforme o desejo de Solomon Guggenheim. A resposta de Wright aos
pintores americanos, na verdade, já havia sido dada a Hilla Rebay, alguns anos
antes: a pintura abstrata ficava deslocada dentro do ambiente ortodoxo, e somente
a arquitetura orgânica poderia enfatizá-la. O antigo ideal de representação perfeita
necessitava da moldura, porque as pinturas faziam um buraco na parede e a
moldura o enfatizava. Na pintura abstrata, quanto mais ela estiver integrada ao
ambiente, mais efetiva será68 .

No discurso de Wright, não há inveja entre as artes (grande arte nunca é


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ciumenta de outra grande arte). O problema é que ele não considerava o que
estava sendo feito na sua época como grande arte. O conservador conceito de arte
de Wright chocava-se com a arte de seu tempo.

Acusado de privilegiar a arquitetura em detrimento da pintura, Wright se


defendeu: “Não foi para subjugar as pinturas ao edifício que eu o concebi. Pelo
contrário, mas para tornar o edifício e a pintura algo ininterrupto, sinfonia
maravilhosa que nunca existiu anteriormente no mundo da arte.”69 .

A idéia do subjugo não existia para o arquiteto, porque não existem


termos de comparação entre as artes, como entidades autônomas e independentes.
Frank Lloyd Wright era um homem do final do século XIX, criado em um
contexto americano, no qual o problema da autonomia das diferentes linguagens
artísticas ainda não se havia colocado como uma questão crucial. Nesse primeiro
modernismo da última década do século XIX, no qual o arquiteto se formara, o
centro eram as artes decorativas e aplicadas, no seu sentido mais amplo.

68 WRIGHT, Frank Lloyd. The Guggenheim Correspondance, p. 88.


69 Ibid., p. 225.
119

As divergências conceituais provocaram discordâncias, que no caso


vinham acompanhadas de uma certa agressividade, cultivada pelo arquiteto como
um personagem, o outsider. O confronto com os artistas era alimentado porque
ambos os lados eram individualistas e irredutíveis em seus individualismos. A
hostilidade de Frank Lloyd Wright em relação aos pintores baseava-se em dois
pontos centrais, dos quais o primeiro era a sua xenofobia européia. Herbert
Muschamp compara o tratamento que o arquiteto concedia aos pintores
americanos com o dispensado anos antes ao movimento moderno,
compreendendo-o como “uma aberração antiamericana, condenável tanto no nível
patriótico quanto estético”70 , encontrando na situação um pretexto para investir
contra a invasão européia nas artes americanas.

O outro ponto é que Wright tinha um mau juízo da pintura. A partir do


projeto de Midway Gardens, a pintura foi adquirindo para o arquiteto um
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significado pejorativo. Referia-se a Michelangelo e a Le Corbusier como simples


e maus pintores, demonstrando sequer conseguir fazer diferença em relação às
questões e às qualidades entre eles. A pintura que valorizava era a pintura mural,
submetida à arquitetura; considerava a pintura de cavalete “mera atividade
artística”71 , que era a praticada pelos pintores americanos. De fato, esse juízo que
Frank Lloyd Wright fazia da pintura provinha de sua própria concepção de arte,
na qual um artista deveria estar acima do homem comum.72 A tarefa artística era
uma tarefa heróica, que não poderia ser realizada pelos homens comuns, entre os
quais o arquiteto incluía aqueles incapazes de compreender as prerrogativas da
mãe das artes.

Contudo, os pontos de maior confronto entre os pintores e o arquiteto


foram duas questões nevrálgicas da arte moderna, que, embora não antitéticas de
fato, assim o foram nesse contexto: a autonomia das linguagens (preconizada pela
crítica) versus a síntese das artes (perseguida pelo arquiteto).

70 MUSCHAMP, Herbert. Op. cit., p. 112.


71 Ibid., p. 114.
72 Ibid., p. 115.
120

Herbert Muschamp aponta a grande ironia: apesar das divergências, aos


olhos do público, o museu de Frank Lloyd Wright parecia perfeitamente adequado
para proclamar a arte abstrata americana; embora a coleção do museu não fosse
nem de arte americana, nem exclusivamente moderna, o edifício o era, e assim o
parecia 73 .

2.3.5

Frank Lloyd Wright e os pintores americanos

Embora as evidências pareçam contrárias, há leituras da arte que


antevêem pontos de convergência entre o arquiteto e os pintores. Como ponto de
partida, cito o historiador da arte italiano Giulio Carlo Argan, o qual considera que
parte das questões que ocuparam a arte moderna americana após a Segunda
Guerra Mundial está mais ou menos prefigurada na arquitetura de Wright. As
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questões são estas:

1) a concepção do espaço como criação humana, da dimensão da existência, que


a própria existência determina com sua atuação;
2) a concepção da arte como gesto, com a qual se afirma simultaneamente a
existência indissociável do sujeito e da realidade;
3) a adoção na imagem artística de materiais ou elementos extraídos
diretamente da realidade;
4) a tensão entre operação artística e operação tecnológica;
5) o poder, que o artista se atribui, de impor às coisas um significado diferente
daquele que lhe é habitualmente conferido e de transformar a obra de arte num
ato que intensifica e aumenta o valor da existência.74

Os pintores de Nova York consideravam-se oustsiders dentro da


sociedade de massa em franco crescimento. Tal como Frank Lloyd Wright,
entendiam o papel do artista como um ser especial. No entanto, para Wright, o
artista é um ser heróico, imortal, é o já citado “verdade contra o mundo”, cuja arte
se realiza na sociedade; para os pintores, o culto do herói realiza-se no próprio ato
de pintar. Harold Rosenberg defende a idéia de que, na pintura de vanguarda
norte-americana, a tela é uma arena na qual o pintor age – não um quadro, mas um

73 MUSCHAMP, Herbert. Op. cit., p. 112.


74 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 300.
121

acontecimento. “O ato de pintar é da mesma substância metafísica que a


existência do artista”. Para a pintura de ação (action painting), não existe a arte,
mas o artista e sua ação75 .

Herbert Muschamp identifica um ponto de convergência entre os pintores


americanos e Frank Lloyd Wright na relação que estabelecem com a cidade: o
antagonismo amor/ódio do arquiteto também está presente nos artistas76 .

Os artistas não permaneciam indiferentes à metrópole caótica. Entre suas


diversas atitudes em relação à cidade, estava a idéia de possibilidades profusas,
diferentes formas, cores, culturas, movimentos, pessoas, edifícios, etc. Outra
possibilidade era a melancolia advinda da solidão urbana, o anonimato, a vida
isolada no meio da coletividade. De maneira geral, os pintores expressionistas
abstratos, em seus trabalhos, estavam em relação direta ou indireta com a cidade.
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Segundo Ashton, eles precisavam, como matéria-prima, da cidade e de suas


instituições, entre elas jornais, museus e galerias77 .

Herbert Muchamp aponta os paralelos entre o museu de Wright e as


pinturas da escola de Nova York como a ênfase mútua sobre a auto-expressão
subjetiva. O autor afirma que o action painting encontra seu equivalente na
arquitetura orgânica, no ideal de um espaço aberto e um movimento infinito.
Tanto Tobey quanto Pollock estavam interessados na continuidade rítmica,
eliminando a hierarquia das formas. Falava-se em um tipo de espaço pictórico,
chamado all-over space78 .

A principal questão comum entre Wright e os pintores é a preocupação


em explorar um espaço não cultivado, questão central para a cultura americana.
Os pintores americanos atingiram patamares restritos à arquitetura, permitidos
pelas técnicas de sua linguagem específica, a pintura. Realizaram a tarefa
completa, autônoma, sem qualquer vínculo com o processo civilizatório conforme

75 ROSENBERG, Harold. Os action painters norte-americanos (1952). In: ______. A tradição do


novo. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 14.
76 MUSCHAMP, Herbert. Op. cit., p. 112.
77 ASHTON, Dore. Op. cit., p. 128.
78 MUSCHAMP, Herbert. Op. cit, p. 113.
122

o arquiteto se propunha. Os pintores desvencilham-se do vínculo subalterno à


natureza – a que Wright submetia sua concepção de forma (Wright: “Eu trabalho
do interior para o exterior, como a Natureza”), para se conceberem como ela
própria (Pollock: “Eu sou a Natureza”). Ambos partiram da subjetividade e do
individualismo, embora o expressionismo abstrato não pretendesse ser a expressão
direta de um dos maiores mitos americanos, a democracia. A arquitetura tem, por
definição, um aspecto positivo: o arquiteto é um construtor.

Frank Lloyd Wright dedicou sua longa vida a demonstrar que arquitetura
é a mais importante das artes e, portanto, a única capaz de representar os ideais da
modernidade americana. O confronto surgiu na medida que, ao invés do
reconhecimento como precursor de uma nova interpretação da concepção
americana de espaço, Wright foi criticado, no seu próprio país, por artistas que ele
considerava praticarem uma arte menor, a pintura. Por sua vez, os artistas
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sentiram-se aviltados pela arrogância do arquiteto ao impor a arquitetura como


“mãe das artes”, estabelecendo uma hierarquia entre elas e desprezando os
problemas inerentes à sua pintura.

Embora, no contexto internacional, a precursora da nova espacialidade


moderna seja a pintura, no contexto americano, a precursora foi a arquitetura de
Frank Lloyd Wright. O problema reside no grau de dificuldade inerente aos meios
de cada linguagem de “formalizar (realizar na forma) o subjetivo na idéia”,
utilizando as palavras do próprio arquiteto. Uma vez percorrido seu próprio
caminho, a pintura assume então a preponderância como expressão de uma arte
verdadeiramente americana, respeitada internacionalmente, enquanto a
arquitetura, no que concerne aos espaços expositivos e à sua relação com as outras
artes, torna-se a mais problemática delas, a ponto de ser anulada pela idéia da
galeria ideal, o “cubo branco”.

Foi necessário que decorressem algumas décadas para que os artistas


americanos reconsiderassem o espaço do museu de Frank Lloyd Wright e
começassem a interagir com ele. A emergência de novos conceitos artísticos, que
consideram, em seus aspectos estéticos, a relação com o lugar onde se inserem e o
123

retorno à concepção duchampiana, que considera a convenção institucional, é


tema dos próximos capítulos.
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