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Walter Benjamin
Horkheimer e Theodor Adorno. Serviu tamb~m de base publicado pela primeira vez no Brasil, em tradução de
para a tradução francesa que Pierre Klossowski realizou 1968, realizada por Carlos Nelson Coutinho." De lá para
na época, tradução esta que terminou por constituir cá, sua influência só cresceu.
uma "versão francesa" autônoma do ensaio, pois sofreu Não cabe detalhar as diferenças entre as versões,
novas alterações ocasionadas por interferência de Max mas vale destacar alguns trechos muito relevantes que
Horkheimer. Nessa versão francesa é que o ensaio foi aparecem somente na segunda versão, a saber: uma
publicado, pela primeira vez, na Zeitschrift für teoria da mimes e na arte pautada na relação entre
Sozialforschung [Revista para pesquisa social], em maio aparência [Schein] e jogo [Spiel]; e uma teoria do
de 1936.3 Benjamin aceitou as mudanças e autorizou a afrouxamento [Aufiockerung] da massa proletária
publicação, mas manifestou sua decepção em carta a compacta, que a transformaria em classe com consciência
seu amigo Scholern, dizendo que não via, naquele revolucionária (respectivamente, notas x e XII). Merece
momento, chances de publicação do texto original." destaque ainda um importante trecho - vinculado a estes
Benjamin trabalhou ainda em uma terceira versão alemã, dois já citados e que aparece somente na segunda versão
provavelmente até 1938, retomando a maioria dos trechos e na versão francesa - no qual Benjamin explicita a
e notas cortados na versão francesa, bem como diferença entre a primeira e a segunda técnica, a partir
acrescentando novos. A publicação desta terceira versão, da qual se destacam o conceito de jogo e suas
a primeira desse ensaio em língua alemã, ocorreu implicações para a teoria da arte e da revolução (final da
somente em 1955, na coletânea Schriften [Escritos], parte VI e nota IV). Todos esses trechos trazem novos
organizada por Theodor Adorno.' Foi nessa terceira elementos que elucidam posições de Benjamin somente
versão que, no final da década de 1960, o ensaio começou implícitas nas outras versões. Permitem também
a se tornar mais conhecido e ter uma recepção entender melhor alguns pontos das críticas e dos elogios
internacional e mais positiva. Época, inclusive, que foi que Adorno fez a este ensaio em suas correspondências
3 Benjamin, 1991, I: 709-739. 6 Tradução publicada primeiramente na Revista da Civilização Brasileira (Rio de
4 "Carta a Gershom Scholem de 29/03/1936" (apud Schõttke, 2007: 127-128). Janeiro, 1968, ano IV; n. 19-20) e depois na coletânea organizada, prefaciada e
5 Benjamin, 1991, I: 472-508. comentada por Luiz Costa Lima, Teoria da cultura de massa, em 1969 (Benjamin,
2000a). Ainda em 1969, o ensaio recebeu outras duas publicações: uma na coletânea
organizada, prefaciada e traduzida por José Lino Grünewald, em A ideia do cinema
(Rio de Janeiro: Civilização Brasileira), outra de Dora Rocha, no livro Sociologia da
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arte W,organizado por Gilberto Velho (Rio de Janeiro: Zahar). Entre os pioneiros na
recepção deste ensaio no Brasil na década de 1960, podemos citar José Guilherme
Merquior, Leandro Konder, Roberto Schwarz, Benedito Nunes e Augusto de Campos.
7 "A tarefa do tradutor" (1923). Benjamin, 2011: 110.
Coin de Ia rue Saint-Séverin et des nos 4 et 6 rue Saint-jacques (5' arr.) , de
Eugêne Atget, fotografia, 1899.
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Madame de Duras
8 Le vrai est ce qu'il peut; le faux est ce qu'il veut. Madame Claire de Duras (1778-
1828), autora das novelas Ourika (1823) e Edouard (1825), presidia um famoso
salão literário em Paris. Estas notas explicativas se baseiam em boa parte nos
comentários de Detlev Schõttke ("Kommentar", 2007), nas notas dos tradutores
Edmund]ephcott e Harry Zohn (Benjamin, 2002) e nas "Notas dos Editores" de
RolfTiedmann e Hermann Schweppenhãuser (Benjamin, 1991).
11
11
I3 O primeiro registro fotográfico foi realizado por ]oseph Nicéphore Niépce (1765-
1833) em 1826. A técnica de cópias de registros fotográficos usando um negativo
foi desenvolvida em 1841, pelo inglês Henri Fax Talbot (1800-1877).
14 Os primeiros jornais ilustrados [illustrierte Zeitung] surgiriam simultaneamente
em 1833 em Londres, Paris e Leipzig.
15 O filme mudo surgiu na déc. de 1890; o filme falado, em meados da déc. de 1920.
17
11I
Banca de jornal na rue de Sêvres (7' arr.), de Eugêne Atget, fotografia, 1911.
podem ser revelados por meio de análises químicas ou
físicas, que não se deixam realizar na reprodução; os rastros
da segunda são objetos de uma tradição, que deve ser
perseguida a partir do lugar onde se encontra o original.
O aqui e agora do original constitui o conceito de
sua autenticidade e sobre o fundamento desta encontra-se
a representação" de uma tradição que conduziu esse objeto
até os dias de hoje como sendo o mesmo e idêntico objeto.
A esfera da autenticidade, como um todo, subtrai-se à
reprodutibilidade técnica - e, naturalmente, não só a que
é técnica. Enquanto, porém, o autêntico mantém sua
completa autoridade em relação à reprodução manual, que
em geral é selada por ele como falsificação, não é este o caso
em relação a uma reprodução técnica. A razão disso é dupla.
Em primeiro lugar, a reprodução técnica efetua-se, em relação
ao original, de modo mais autônomo que a manual. Pode,
por exemplo, na fotografia, acentuar aspectos do original
acessíveis somente à lente - ajustável e capaz de escolher
arbitrariamente seu ponto de vista -, mas não ao olho
humano. Ou pode, com a ajuda de certos procedimentos,
., como ampliação e câmera lenta, fixar imagens que
simplesmente se subtraem à óptica natural. Essa é a primeira
IV
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manuscrito em 1895, contrapondo-se à noção de que haveria períodos de decadência Esse conceito aparece em uma formulação diferente no ensaio "Sobre alguns temas
na arte. Todos esses autores pertenciam à chamada Escola de Viena, grupo de em Baudelaire", de 1939 (Benjamin, 1989: 137-145).
professores da Universidade daquela cidade. 22 "Imagem" [Bild], "cópia" [Abbild], bem como "reprodução" [Reproduktion],
20 Signatur, pode ser entendida também como "sinal", "marca" ou "chancela". são termos recorrentes e centrais no decorrer do ensaio, assim como: bilden
21 Gespinst. A definição de aura que Benjamin formula aqui é muito próxima da que [formar], Gebilde [figuração], Bild [no sentido de quadro, pintura], Bildung ou
fez no ensaio "Pequena história da fotograria", de 1931 (Benjamin, 1985a: 101). Ausbildung [formação], Nachbildung [imitação], abbilden [copiar].
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produzidos para serem apresentados de uma a duas vezes por semana antes do filme
principal. Surgiram em 1908.
24 Passagem de ExotischeNovellen (1919: 41-42) do novelista dinamarquês johannes
V Iensen (1873-1950), que recebeu o Nobel de literatura em 1944.
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•••
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11 Nas obras cinematográficas, a reprodutibilidade dos Levar em conta essas relações é indispensável para
produtos não é, como por exemplo, nas obras da literatura uma investigação que tem a ver com a obra de arte na
ou da pintura, uma condição externamente imposta para
época de sua reprodutibilidade técnica, pois preparam o
sua difusão em massa. A reprodutibilidade técnica de obras
cinematográficas está fundada imediatamente na técnica de conhecimento do que é decisivo aqui: a reprodutibilidade
sua reprodução. Esta possibilita não só a difusão em massa técnica da obra de arte emancipa esta, pela primeira vez
das obras cinematográficas do modo mais imediato, como na história universal, de sua existência parasitária no
muito mais as obriga a tal difusão. Isso porque a produção
ritual. A obra de arte reproduzida torna-se cada vez mais
de um filme é tão cara que um indivíduo que poderia
comprar um quadro não pode mais pagar um filme. Em a reprodução de uma obra de arte voltada para a
1927, calculou-se que um filme de maior porte, para ser reprodutibilidade." Da chapa fotográfica, por exemplo, é
rentável, precisaria alcançar um público de nove milhões possível uma multiplicidade de tiragens; a pergunta sobre
de pessoas. Com a introdução do cinema falado, aliás,
a tiragem autêntica não tem sentido. No instante, porém,
verificou-se inicialmente um retrocesso; seu público
restringia-se às fronteiras das línguas. E isso ocorreu ao em que a medida da autenticidade não se aplica mais à
mesmo tempo em que os interesses nacionais eram produção artística, revolve-se toda a função social da arte.
acentuados pelo fascismo. Mais importante, porém, do que No lugar de se fundar no ritual, ela passa a se fundar em
registrar esse retrocesso, que, no mais, se enfraqueceu com
uma outra práxis: na política.
a sincronização, é não perder de vista sua correlação com o
fascismo. A simultaneidade de ambos os fenômenos se
baseia na crise econômica. Os mesmos distúrbios que em
VI
geral conduziram à tentativa de manter as relações de
propriedade vigentes por meio de violência aberta, levaram
o capital cinematográfico, ameaçado pela crise, a forçar os
Seria possível apresentar a história da arte como
trabalhos prévios de realização do cinema falado. A
introdução do cinema falado gerou, desse modo, um alívio um confronto de duas polaridades no interior da própria
obra de arte e distinguir a história de seu curso nos
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momentâneo. E isso não só porque o cinema falado trouxe deslocamentos alternados do peso de um para outro polo
de novo as massas para as salas de cinema, mas também da obra de arte. Esses dois polos são seu valor de culto e
porque tornou os novos capitais da indústria elétrica seu valor exposição." A produção artística começa por
solidários com o capital cinematográfico. Assim, observado
de fora, fomentou interesses nacionais; visto de dentro,
figurações" que estão a serviço da magia. Nessas
porém, internacionalizou a produção cinematográfica ainda figurações, importante é apenas que estejam lá, não que
mais do que antes. sejam vistas. O alce que o homem paleolítico copia nas
111 Essa polaridade não pode ser levada em conta pela paredes de sua caverna é um instrumento de magia, que
estética do idealismo, cujo conceito de beleza a apreende
somente de modo casual ele apresenta aos outros homens;
fundamentalmente como algo indistinto (e, de acordo com
isso, a exclui enquanto algo distinto). Ainda assim, ela se o mais importante é que os espíritos o vejam. O valor de
anuncia tão claramente em Hegel-? quanto possível, dentro culto enquanto tal como que obriga manter a obra de arte
dos limites do idealismo. Nas Preleções sobre a filosofia da oculta: certas estátuas de deuses são acessíveis somente
história [Vorlesungen iiber die Philosophie der Geschichte]
ao sacerdote na cela, certas imagens de madonas
lê-se: "imagens, possuímos há muito: a piedade necessitava
delas desde os primórdios para sua devoção, mas ela não
permanecem quase que o ano inteiro encobertas, certas
carecia de belas imagens, estas até mesmo a perturbavam. esculturas em catedrais da Idade Média não são visíveis
Na imagem bela também está presente algo exterior, mas na para o observador ao nível do solo. Com a emancipação
medida em que é bela, o espírito da mesma fala ao homem;
das práticas artísticas individuais do seio do ritual,
naquela devoção, porém, essencial é a relação com uma coisa,
pois ela mesma é somente um entorpecimento, sem espírito, crescem as oportunidades de exposição de seu produto. A
da alma. [...] A bela arte [...] surgiu [...] na própria Igreja [...], exponibilidade de um busto, que pode ser enviado para lá
se bem que [... ] já se desvinculou do princípio eclesial" e para cá, é maior que de uma estátua de um deus com um
(HEGEL, George Wilhelm Friedrich. Werke IX. Berlim, 1837,
local fixo no interior do templo. A exponibilidade de um
p. 414). Também uma passagem das Preleções sobre Estética
[Vorlesungen über die Aesthetik] mostra que Hegel quadro é maior que de um mosaico ou afresco que o
precederam. E se a exponibilidade de uma missa, por sua
'.
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'" de espécie mais judiciosa e aquilo que por meio da arte é Com os diferentes métodos de reprodução técnica
provocado em nós requer uma pedra de toque mais elevada" da obra de arte, sua exponibilidade cresceu em escala tão
(HEGEL, G. W. F. Werke X. 1. Berlirn, 1835, p. 14).
poderosa que, de modo parecido ao ocorrido no tempo
prirnevo," o deslocamento quantitativo entre seus dois
I
palas reverteu-se em uma mudança qualitativa de sua
I
natureza. Assim como no tempo primevo, a obra de arte,
por meio do peso absoluto depositado sobre seu valor de
culto, tornou-se, em primeira linha, um instrumento da
magia, que, de certa forma, somente mais tarde foi
reconhecido como obra de arte. Do mesmo modo, hoje,
por meio do peso absoluto depositado sobre o seu valor
de exposição, a obra de arte torna-se uma figuração com
funções totalmente novas, entre as quais se destaca aquela
de que temos consciência, a função artística, que no
futuro possivelmente será reconhecida como secundária.
Certo é que atualmente o cinema oferece os elementos
mais úteis para esse conhecimento. É certo ainda que o
alcance histórico dessa mudança de função da arte, que
no cinema se manifesta do modo mais avançado, permite
29 Urzeit, no sentido do tempo mais antigo, inicial. Optou-se aqui por não traduzir
30 No original, respectivamente: Das Ein for allemal e Das Einmal ist keinmal. Em
um fragmento de "Imagens de Pensamento", de 1932, Benjamin recorre a essa
oposição para tratar do ato de escrever (Benjamin, 1994: 272-273 e 1991, IV:433-434).
31 Versuchsanordnung. No ensaio "Que é o teatro épico: um estudo sobre Brecht",
de 1931, Benjamin recorre a esse conceito para distinguir o teatro naturalista, que
buscaria "retratar a realidade" de modo ilusionístico, do teatro épico que, ao manter
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presente a consciência de que é teatro, permite tratar "os elementos do real no de um personagem", "ação livre, sem fins determinados". Quando no sentido de
sentido de uma ordenação experimental" (Benjamin, 1991, II: 522; cf. também encenar ou atuar em um filme ou peça de teatro, optou-se por traduzir spielen por
Benjamin, 1985a: 81). "interpretar" (cf.também nota 16). Este parágrafo e o próximo, bem como a nota
32 Spiel. O conceito de "jogo" é central nesta segunda versão do ensaio. Benjamin IV de Benjamin, são exclusivosdesta e da versão francesa.
33 Spielraum, pode ser entendido como um espaço de ação livre.
explora os vários sentidos que esse termo tem em alemão: "jogo", "brincadeira",
"execuçãode uma música","interpretaçãoou representaçãoteatral,cinematográfica
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morte -, soterradas pela primeira, pressionavam de novo a aura acena das primeiras fotografias pela última vez. E
por soluções. A obra de Fourier " é o primeiro documento
é isso que perfaz sua beleza melancólica e incomparáveL
histórico dessa exigência. .
Onde, porém, o homem se retira da fotografia, ali, pela
primeira vez, o valor de exposição se sobrepõe ao valor de
culto. Dar a esse processo o seu lugar próprio constitui
o significado inigualável de Atget," que fixou as ruas de
Paris, por volta de 1900, vazias de homens. Com muita
justiça, dizia-se dele que as fotografou como um local de
crime. Também esse é vazio de homens. É fotografado
por causa dos indícios. Os registros fotográficos começam
com Atget a se tornar documentos de prova no processo
histórico. Nisso reside sua significação política oculta.
Essas fotos já exigem uma recepção em um sentido
determinado. Não lhes é mais adequada uma
contemplação livre. Inquietam o observador; ele sente
que para chegar até elas precisa procurar um caminho
determinado. Ao mesmo tempo, os jornais ilustrados
começam a oferecer-lhe indicadores de caminho.
Verdadeiros ou falsos - não importa. Neles, as legendas
se tornaram, pela primeira vez, obrigatórias. E é claro
que possuem um outro caráter, que não o de título de
um quadro. As diretivas que o observador de imagens
VIII
36 Monteur.
37 Filme que Charlie Chaplin (1889-1977) realizou em 1923, cujo título original em
inglês é A Woman of Paris. Benjamin usa no texto I.:Opinion Publique, que foi o
título dado na França.
I I
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IX
39 Filme de Chaplin realizado em 1925, cujo título original em inglês é The Gold
Rush. Benjamin usa no texto La Ruée Vers l'Or, que foi o título dado na França.
40 Fra Angelico de Fiesole (1387-1455), frade italiano dominicano do início do
Renascimento; suas pinturas eram dedicadas a temas religiosos.
41 Max Reinhardt (1873-1943), importante diretor e produtor alemão de cinema.
Em 1935, dirigiu com William Dieterle o filme A Midsummer Night's Dream. De
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65
1I
é desligado do processo de trabalho. Ocorrem, no entanto,
também de modo explícito: nos institutos para provas
de aptidão profissional. Em ambos os casos, depara-se
com a barreira mencionada acima.
Essas provas, diferentemente das esportivas, não
podem ser expostas em um grau desejável. E este é
exatamente o ponto no qual o cinema intervém. O cinema
torna exibível o desempenho de teste, ao transformar,
em um teste, a própria exponibilidade do desempenho.
Pois o ator de cinema não interpreta" diante de um
público, mas de um aparato. O diretor de cinema ocupa
precisamente o mesmo posto que o diretor de exames em
uma prova de aptidão. Interpretar sob a luz dos refletores
e, ao mesmo tempo, satisfazer as exigências do microfone
é um desempenho de teste de primeira ordem. Representá-
10 significa conservar sua humanidade diante do aparato.
O interesse desse desempenho é gigantesco. Porque é
diante de um aparato que a preponderante maioria dos
citadinos, nos escritórios e nas fábricas, durante seu dia
de trabalho, precisa se alienar de sua humanidade. À
noite, as mesmas massas enchem as salas de cinema para
vivenciar a revanche que o ator de cinema leva a cabo por
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XI
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VII: PI~r:~D~LLO, Luigi. On tourne. Apud PIERRE-QUINT, manifestação de uma perda, de se volatizar e ser privado
Leon. Significaton du cinema", L'art cinématographique II de sua realidade, sua vida, sua voz, e dos sons que produz
Paris, 1927, p. 14-15. . '
ao se mexer, para se metamorfosear em uma imagem muda,
!I que treme um instante sobre a tela e então desaparece em
silêncio [...]. O pequeno aparato interpretará diante do
público com suas sombras; e o ator mesmo deverá se
contentar em interpretar diante do aparato."?" Pode-se
caracterizar o mesmo fato da seguinte maneira: pela
primeira vez - e isso é obra do cinema - o homem chegou
na situação em que deve atuar com a totalidade da sua
pessoa viva, mas sob a renúncia de sua aura. Pois a aura
está vinculada ao seu aqui e agora. Não há cópia dela. A
aura em torno de Macbeth, em um palco, não pode ser
destacada da aura que, para o público vivo, envolve o ator
que o interpreta. Próprio de uma gravação no estúdio
cinematográfico, porém, é que no lugar do público é
colocado um aparelho. Assim, a aura em torno daquele
que representa deve desaparecer - e, com ela, a aura em
torno daquele que é representado.
Não é de se espantar que precisamente um
dramaturgo como Pirandello, na caracterização do ator
de cinema, toque involuntariamente no fundamento da
._--.
71
"I~ I 73
,1111/'
certas circunstâncias cada adereço individual pode assumir sobretudo, da iluminação, cuja instalação obriga a dar
:unções de~sivas no cinema. Daqui, somente um passo leva
conta da representação de um acontecimento, que na
1I1II I a. constataçao de Pudowkin, de que "a interpretação do ator
I' vinculada a um objeto e sustentada em torno deste [...] [é] tela aparece como uma sequência unificada e veloz, em
s~mpre um, dos métodos mais fortes da construção uma série de registros individuais que, no estúdio,
II c~nematografica" (PUDOVKIN, V. Filmregie und
I conforme as circunstâncias, distendem-se por horas.
Filmmanuskript. Berlirn, 1928, p. 126).52 Dessa forma o
Sem falar dos casos mais palpáveis de montagem. Assim,
cinema é o primeiro meio artístico capaz de mostrar corno a
II , •
ma~ena atua
53
sobre o homem. Pode, por isso, ser um um salto por uma janela pode ser filmado no estúdio na
eminente instrumento de apresentação materialista. forma de um pulo de um andaime, mas a fuga
x O significado da "bela aparência" está fundado na época da subsequente pode ser rodada, eventualmente semanas
percepção aurática, que caminha para o seu fim. A teoria depois, em uma tomada externa. Aliás, não é difícil
estética desta época encont~u ~ua versão mais exprêssiv~
construir casos ainda mais paradoxais. Pode-se pedir
em Hegel, para quem a beleza é "manifestação do espírito
em sua for~a imediata [...], sensível, criada peiõ espírito ao ator que se assuste depois de uma batida na porta .
.f.omo a ele mesmo adequada" (HEGEL. Werke X. 2. Berlim Talvez esse assombro não ocorra do modo desejado.
18?:,.r. 121): Certamente essa versão carrega traço~ Então, o diretor pode recorrer ao expediente de,
eI?lgomcos. A formula de Hegel, segundo a qual a arte retiraria
oportunamente, quando o ator se encontrar novamente
"a aparência e a ilu~ão desse mundo ruim e efê-mero" do
"teor verdadeiro dos fenômenos" (HegeC 1835: 13), já se no estúdio, sem o conhecimento prévio deste, mandar
destacou do tradicional solo da~periê~dessa doutrina. disparar um tiro às suas costas. O susto do ator pode,
O solo da experiência é a aura. Ao contrario, a bela aparência, nesse momento, ser registrado e montado no filme. Nada
enquanto realidade aurática, ainda preenche inteiramente a
mostra de modo mais drástico que a arte evadiu-se do
obra de Goethe. Mignon, Otília e Helena participam dessa
realidade. 54 "O belo não é o invólucro, nem o objeto envolto, reino da "bela aparência", que até então era considerado
mas o objeto em seu invólucro?" - eis a quintessência da o único onde poderia prosperar."
52Vsevolod Illarionovic Pudovkin (1893-1953), um dos principais diretores partir de um ideal clássicode beleza: Mignon aparece no romance de formaçãoOs
russos d~ cinema mudo. Seu primeiro filmefoi Malj [Mãe, 1926], no qual descreve anos de aprendizagem de Wilhelm Meister (1796); Otília, na novela As afinidades
a r.evo~uçaofr~cassadade 1905, na Rússia. A obra citada por Benjamin é uma das eletivas (1809); e Helena, na parte II da tragédia Fausto (1832).
primeiras teonas da produção cinematográfica. Benjamincitaaqui trechode seu próprioensaio'As afinidadeseletivasde Goethe",
55
53 mitspielt. de 1922 (Benjamin,1991,I:95;cf.essa passagem na tradução brasileira:Benjamin,
54 Personagens femininas criadas por ]ohann Wolfgangvon Goethe (1749-1832) a
2009: 112).
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f
75
XII
concepção artística tanto de Goethe como dos antigos. Sua
I decadência torna duplamente necessário voltar o olhar para
sua origem. Esta se e~ra na mimese enquanto fenômeno Na representação 58 do homem por meio do aparato,
originário" de toda atividade artística. Aquele que imita faz a sua autoalienação experimentou uma utilização
oque faz só aparentemente. E até mesmo o imitar mais antigo altamente produtiva. Pode-se medir essa utilização, pelo
conhece somente uma matéria na qual forma: rara-se do
fato de que o estranhamento do ator diante do aparelho,
cOlJlo daquele mesmo que imita. Dança e lingüãgem, gestos
do corpo e dos lábios são as mais antigasmanifestações da tal como Pirandello o descreve, é, originalmente, da
mimese. Aquele que imita faz seu objeto aparentemente. mesma espécie que o estranhamento do homem diante
~o-ªe-se dizer que ele interpreta o objeto. E nisso nos de sua aparição no espelho, na qual os românticos
deparamos com a põlaridade que rege na mimese. Na mimese
amavam em se demorar. Agora, porém, essa imagem
dormitam, dobrados estreitamenteum no outro como
folhetos em rionários, os dois lados da arte: aparência e jogo. especular tornou-se destacável dele, podendo ser
Essa polaridãCIesã podeter Interesse parã'õ diãlé1ico quando transportada. Para onde? Para diante da massa." A
está em jogo um papel histórico. E, de fato, esse é o caso. Tal consciência disso, naturalmente, não abandona o ator
papel é determinado pelo confronto histórico-universal entre
de cinema nem por um instante. Ele sabe, quando está
a primeira e a segunda técnica. A aparência é o esquema a
que mais se recorre e por isso o mais duradouro de todo diante do aparato, que, em última instância, está ligado
modo de procedimento mágico da primeira técnica; o jogo é à massa. É esta quem irá controlá-lo. E precisamente ela
o reservatório inesgotável de todo procedimento de não é visível, não está ainda presente enquanto ele cumpre
experimentação da segunda. Nem o conceito da aparência
o desempenho artístico que ela controlará. A autoridade
nem o de jogo são estranhos à estética tradicional; isso não
diz nada de novo, na medida em que o par de conceitos vaLor desse controle se intensifica por meio daquela
de cuLto e vaLor de exposição está encasulado no primeiro invisibilidade. Certamente, não se deve esquecer que a
par mencionado. No entanto, essa circunstância se transforma utilização política desse controle deve esperar até que o
de um golpe, assim que esses conceitos perdem sua
cinema se liberte dos grilhões de sua exploração
indiferença diante da história. Com isso, conduzem a uma
sua pesquisa sobre a ".Origem d o drama barroco alemão", publicadaem 1928 (cf.
56 Urphiinomen. Conceito elaborado por Goethe em seus estudos de botânica.
sobretudo o prefácioem Benjamin,1984),bem comoseu projeto sobre as passagens
Concebido como um fenômeno superior (comvalor de regra geral), mas que seria
parisienses (cf.fragmento N 2a 4, In: Benjamin, 2006: 504). .
condiçãoe não causa dos fenômenos naturais observadosdiretamente na natureza
57 Charles Ferdnand Ramuz (1878-1947), escritor suíço de novelas rurais que
ou em experimentos, dos quais depende e portanto não pode ser-isolado
residiu em Paris.Colaborou com Igor Stravinsky.
abstratamente. Benjaminvê nesse conceito o correlato de seu conceito de origem
58 Repriisentation.
transposto para o domínio da história, a partir do qual fundamentou, entre outros,
77
perspectiva pratica. Quer dizer: o que advém com o capitalista. Pois, por meio do capital cinematográfico, as
definhamento da aparência, com a perda da aura nas ,obras chances revolucionárias desse controle metamorfoseiam-
de arte é um enorme ganho em espaço de jogo. O mais amplo
se em contrarrevolucionárias. O culto do estrelato
espaço de jogo abriu-se com o cinema. Neste, o momento da
aparência recuou completamente em favor do momento do fomentado por esse capital conserva não só aquela magia
jogo. As posições que a fotografia conquistou em da personalidade, que há muito consiste no brilho
contraposição ao valor de culto se fortaleceram enormemente pútrido de seu caráter de mercadoria, como também seu
com o cinema. O fato de o momento da aparência, no cinema,
complemento, o culto do público, e estimula igualmente
abdicar de seu lugar para o momento de jogo está ligado à
segunda técnica. Essa ligação foi apreendida há pouco por a constituição corrupta da massa, que o fascismo procura
Ramuz, em uma formulação que, sob a aparência de uma .~ . d e cIasse. XII
por no lugar de sua consciencia
metáfora, acerta no objeto mesmo. Ramuz diz: "Presenciamos
atualmente um acontecimento fascinante. As diferentes
ciências, que até então trabalharam para si mesmas em seus XIII
domínios próprios, começam a convergir em seus objetos e a
se unificar em uma única: química, física e mecânica
entrecruzam-se. É como se perseguíssemos hoje, como Está relacionado tanto à técnica do cinema como
testemunhas oculares, a conclusão enormemente acelerada exatamente à do esporte o fato de que cada um assiste
de um quebra-cabeça, no qual a colocação das primeiras peças
como um semiespecialista aos desempenhos que elas
exigiu milhares de anos, enquanto que as últimas, em função
de seu perfil, para admiração das que estão em torno, estão a expõem. Basta ouvir uma vez um grupo de jovens
ponto de encontrarem sua posição por si mesmas" (RAMUZ, jornaleiros, apoiados em suas bicicletas, discutindo ~s
Charles Ferdnand. "Paysan, nature", Mesure, n. 4, oct. 1935).51 resultados de uma competição de ciclismo, para descobnr
Nessas palavras, manifesta-se de modo insuperável o
essa relação. Quanto ao filme, o noticiário cinematográfico
momento de jogo da segunda técnica, no qual o momento de
jogo da arte se fortalece. semanal prova claramente que cada indivíduo pode se
...••
79
XI A mudança, aqui constatada, do modo de exposição por encontrar na situação de ser filmado. Mas essa
meio da técnica de reprodução pode ser notada também na
possibilidade não esgota a questão. Cada homem hoje
política. A crise das democracias pode ser entendida como
uma crise das condições de exposição do homem político. As tem o direito de ser filmado. Um olhar sobre a situação
democracias apresentam o político imediatamente em sua histórica da literatura atual esclarece da melhor forma
própria pessoa e diante de representantes. O parlamento é esse direito.
seu público. Com as inovações nos aparatos de registro, que
permitem ao orador durante seu discurso ser ouvido e, pouco Por séculos, a situação da literatura foi tal que
tempo depois, ser visto por um número ilimitado de pessoas, para um pequeno número de escritores havia um
a exposição do homem político diante desse aparato de número multiplamente maior de leitores. No final do
registro passa para o primeiro plano. Esvaziam-se os
século passado, teve início uma mudança. Com a
parlamentos ao mesmo tempo que os teatros. Rádio e cinema
transformam não só a função do ator profissional, mas crescente ampliação da imprensa, que colocou à
igualmente a função daqueles que, tal como o homem político, disposição dos leitores novos órgãos políticos,
representam a si mesmos diante destes meios. O sentido religiosos, científicos, profissionais e locais, grande
dessa transformação, independente de suas diferentes tarefas
parte dos leitores - no princípio, esporadicamente -
especiais, é o mesmo para o ator de cinema e para o político.
Ela aspira à exposição de desempenhos controláveis e até começou a escrever. O início se deu com a abertura da
admissíveis sob determinadas condições sociais, como o seção "Cartas dos leitores", nos jornais diários. Hoje,
esporte demandara primeiramente sob certas condições a situação é tal que há poucos europeus inseridos no
naturais. Resulta disso um novo tipo de seleção, uma seleção
processo de trabalho que, em princípio, não possam
diante do aparato, da qual o carnpeão.s? o astro'" e o ditador
emergem como vencedores. encontrar uma oportunidade de publicação de uma
XliA consciência de classe proletária, que é a mais iluminada, experiência de trabalho, uma reclamação, uma
transforma fundamentalmente, diga-se de passagem, a reportagem ou algo semelhante. Com isso, a diferença
estrutura da massa proletária. O proletariado com entre autor e público está a ponto de perder seu caráter
59 Champion.
60Star.
81
61 Vorstellung (cf. nota 16). 64 Benjamin retoma aqui posições que desenvolveu em 1934, no ensaio "O autor
62 Gustave Le Bon (1841-1931), físico e sociólogo francês, autor de Psicologiadas
como produtor" (Benjamin, 1985a: 120-136).
massas, de 1895.
63 ratio.
83
que obedece a uma razão= coletiva. Nessa massa, de fato, o também o desemprego, que exclui grandes massas da
momento reativo, do qual trata a psicologia de massas, é produção, em cujo processo de trabalho essas massas
determinante. Porém, justamente por isso, essa 'massa
encontrariam, em primeira instância, seu direito de ser
compacta, com suas reações imediatas, constitui a antítese
dos quadros proletários, com suas ações mediadas por uma reproduzido. Sob essas circunstâncias, a indústria
tarefa, mesmo que seja a mais momentânea. Assim, as cinematográfica possui todo o interesse em estimular a
manifestações da massa compacta carregam inteiramente participação das massas por meio de representações
um traço de pânico - seja ao darem expressão ao entusiasmo
ilusórias e especulações ambíguas. Com esse objetivo,
pela guerra, ao ódio contra os judeus ou ao impulso de
autoconservação. Esclarecida a diferença entre a massa mobilizou um poderoso aparelho publicitário: colocou a
compacta, nomeadamente pequeno-burguesa, e a massa seu serviço a carreira e a vida amorosa dos astros."
proletária, com consciência de classe, então sua importância organizou plebiscitos, convocou concursos de beleza.
operativa também fica clara. Dito de forma mais evidente,
Tudo isso para falsificar, por um caminho corrupto, o
essa diferença demonstra seu direito em nenhum outro lugar
melhor que nos casos, de modo algum raros, nos quais o interesse originário e justificado das massas pelo
que era originalmente desregramento de uma massa cinema - um interesse de autoconhecimento e, com isso,
compacta, em consequência de uma situação revolucionária, de conhecimento de classe. Vale, portanto, em particular
talvez já depois do decorrer de segundos, tornou-se a ação
para o capital cinematográfico, o que, no geral, vale para
revolucionária de uma classe. Próprio de tais acontecimentos
verdadeiramente históricos, é que a reação de uma massa o fascismo: que uma necessidade inegável por novas
compacta provoca nela mesma um abalo que a afrouxa e condições sociais é explorada secretamente no interesse
lhe permite reconhecer a si mesma como a união de quadros de uma minoria de proprietários. A desapropriação do
com consciência de classe. O que um tal acontecimento
capital cinematográfico, assim, é uma exigência urgente
concreto logra no prazo mais abreviado não é diferente
daquilo que na linguagem dos táticos comunistas se chama do proletariado.
"ganho sobre a pequena burguesia". Os táticos comunistas
mesmos estão interessados no esclarecimento desse
65 stars.
, I
I
I
85
autoridade. °
cirurgião procede de modo inverso: diminui
muito a distância em relação àquele que é tratado - na
medida em que penetra em seu interior -, e a amplia só
um pouco - por meio da cautela com a qual sua mão se
move sob os órgãos. Em uma palavra: diferentemente do
mágico (que ainda está presente no médico prático), o
cirurgião renuncia, no momento decisivo, a se colocar
diante de seu doente, numa relação de homem a homem.
Ele penetra-o operativamente. °mágico está para o cirurgião
como o pintor está para o operador de câmera. O_pintor
~bserva, no seu trabalho, uma d~t~cia_n~tural para coI?
aquilo que é dado, o operador Ee câmera, ao contrário,
penetra profundamente no tecido" da realidade dada._As
imagens que cada um obtém diferenciam-se enormemente.
!). do intor é total, a do operador ~e câmera é
multipla~ente fragmentada, cujas partes se juntarr:
segundo uma nova lei. Dessa forma, a apresentação
cinematográfica da realidade possui um significado
incomparavelmente maior para o homem atual, pois fornece
!!. EEJecto livre de aparelho da realidade, que ele tem o
direito de exi ir da obra de arte, baseada justamente nc:
penetra ão mais intensiva da realidade com o a arato.
( JO)'f'" l(1"v
.R"".c~
67 Gewebe. Compare-se com a definição acima de aura como tecido fino (Gespinst).
Ofterdingen deve ter dormido demais" (Benjamin, 1991, II: 620· e Schõttke
2007: 190). ' ,
I 91
I
xv
XVI
69 Millieus.
99
XIII Arnheim, 1932: 138. movimentos rápidos, mas como propriamente deslizantes,
flutuantes, supraterrestres" .XIII Desse modo, torna-se
evidente ser uma a natureza que fala à câmera e outra a
que fala aos olhos. Outra, sobretudo, no sentido de que
no lugar de um espaço entretecido" com a consciência
pelo homem se coloca um espaço onde o homem entretece
inconscientemente. Se é comum se dar conta, mesmo
que em grandes traços, do andar das pessoas, não se sabe
certamente nada sobre sua posição na fração de segundo
em que dão um passo. Se nos é familiar, ainda que grosso
modo, o ato de pegar o isqueiro ou a colher, nada sabemos,
todavia, do que se passa propriamente entre a mão e o
metal, menos ainda como isso se altera de acordo com as
diferentes disposições em que nos encontramos. Aqui a
câmara intervém com seus recursos auxiliares, seu descer
e subir, seu interromper e isolar, seu dilatar e acelerar a
seqüência, seu ampliar e diminuir. Por meio dela
tomamos, pela primeira vez, conhecimento do
inconsciente óptico, tal como tomamos conhecimento
do inconsciente pulsional pela psicanálise.
De resto, há entre as duas espécies de inconsciente
as mais estreitas relações. Pois os múltiplos aspectos
~ . . "
101
primeiro lugar, a técnica trabalha em busca de uma forma de aspira por efeitos que serão alcançados sem esforço,
arte determinada. Antes de o cinema aparecer, havia livrinhos somente com um padrão técnico transformado, ou seja,
de fotos, cujas imagens, por meio de uma pressão do polegar, em uma nova forma de arte. As extravagâncias e cruezas
passavam rapidamente diante do espectador e apresentavam
da arte que, sobretudo nas assim chamadas épocas de
uma luta de boxe ou uma partida de tênis. Havia máquinas
automáticas nos bazares, cuja sequência de imagens era decadência, resultam disso, decorrem, na verdade, de seu
mantida em movimento pelo giro de uma manivela. Em centro de força histórico mais rico. Em tais barbarismos,
segundo lugar, as formas tradicionais da arte em certos estágios ainda recentemente, o Dadaísmc" encontrava seu gozo.
de seu desenvolvimento trabalham penosamente em busca
Seu impulso é reconhecível somente agora: O Dadaísmo
de efeitos, que mais tarde são alcançados sem esforço pela
nova forma artística. Antes de o cinema se impor, os dadaístas tentava gerar, com os meios da pintura (ou da literatura),
procuraram, por meio de suas manifestações, provocar no os efeitos que o público busca hoje no cinema.
público um movimento, que depois um Chaplin provocaria
Toda geração de uma demanda fundamentalmente
de maneira mais natural. Em terceiro lugar, transformações
sociais, muitas vezes imperceptíveis, trabalham em direção nova e que abre caminhos irá atirar para além de seu
a uma transformação da recepção, da qual somente a nova alvo. O Dadaísmo faz isso na medida em que sacrifica os
forma de arte se beneficiará. Antes que o cinema começasse valores de mercado, que, em tão grande escala, são
a formar o seu público, imagens (que já deixavam de ser
próprios do cinema, em favor de intenções mais
imóveis) eram recebidas no Panorama Imperial" por um
público reunido. Esse público encontrava-se diante de um significativas - das quais, naturalmente, não são
biombo, no qual estavam instalados estereoscópios, um para conscientes na forma aqui descrita. Os dadaístas deram
cada participante. Diante desses estereoscópios apareciam, muito menos importância à utilidade mercantil de suas
automaticamente, imagens individuais, que persistiam por
obras de arte que à sua inutilidade como objeto de imersão
um instante e, então, davam lugar às outras. Edson." ainda
precisou trabalhar com meios semelhantes quando contemplativa. Procuraram atingir essa inutilidade não
apresentou a primeira fita de cinema - antes que a tela de menos por meio de uma desvalorização radical de seu
cinema e os procedimentos de projeção fossem conhecidos - material. Seus poemas são "saladas de palavras", contêm
75Kaiserpanorama. Aparelho inventado por August Fuhrmann, instalado a partir de 76 Thomas Alva Edison (1847-1931), em 1891 inventou o Kinetoscope, ao qual
1880 na Passagem-Kaiser,em Berlim. Na Europa, foram instalados cerca de 250 Benjaminse referenesta passagem, o que fezdele um dos primeiros inventores do
desses aparelhos. O da Passagem-Kaiser funcionou até 1939, o último a ser cinema.
desativado,em 1955,encontrava-sena filial,em Viena.Em "Infânciaem Berlimem 77 Espéciede antimovimento ou de movimento antiartístico-literário, iniciadoem
tomo de 1900",Benjamindedicaum capítulosobre sua experiência,quando criança, Zurique, em 1916, com um grupo de artistas (Hugo Ball,Hans Arp, Tristan Tzara
com um desses aparelhos (Benjamin, 1994: 75-77). e Hans Richter) que migraram para Suíça por causa da I Guerra. Outros grupos
107
Dadá sugiram em 1918 em Nova York (Marcel Duchamp, Man Ray) e, com forte 78]ean (Hans) Arp (1886-1966), pintor e escultor franco-germânico que pertenceu
acento político, em Berlim (George Grosz, Hannah Hõch, Raoul Hausmann,]ohn ao grupo Dadá de Zurique e, em 1925, uniu-se ao Surrealismo. August Stramm
Heartfield). Em meados de 1920, esses grupos foram se desfazendo, sendo que (1874-1915), carteiro e lírico; seus poemas se caracterizam por abandonar as regras
alguns desses artistas se aproximaram do Surrealismo, outros do Construtivismo. gramaticais e por um estilo comprimido. André Derain (1880-1954), pintor francês,
Benjamin conheceu muitos deles pessoalmente. pós-impressionista, um dos fundadores do Fauvismo. Reiner Maria Rilke (1875-
1926), escritor e lírico, de tendência neorromântica.
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109
117
XIX
XVIIAqui, uma circunstância técnica é importante, sobretudo
com respeito ao noticiário semanal cinematográfico, cujo
significado propagandístico dificilmente pode ser A crescente proletarização dos homens de hoje e a
superestimado. Da reprodução em massa vem ao encontro
especialmente a reprodução das massas. Nos grandes desfiles
crescente formação de massas são dois lados de um mesmo
festivos, nos comícios monstruosos, nos eventos de massa acontecimento. O fascismo procura organizar as massas
esportivos e na guerra, que hoje são todos conduzidos ao proletarizadas recérn-surgidas sem tocar nas relações de
aparato de registro, a massa se vê em face de si mesma. Esse propriedade, por cuja eliminação elas pressionam. Ele vê
processo, cuja amplitude não precisa ser enfatizada, está
sua salvação em deixar as massas alcançarem a sua
estreitamente relacionado com o desenvolvimento das
técnicas de reprodução e de registro. Movimentos de massa expressão (de modo algum o seu direitor.v" As massas
apresentam-se no geral de modo mais nítido ao aparato de possuem um direito à mudança das relações de
registro que ao olhar. Quadros de centenas de milhares se propriedade; o fascismo busca dar-lhes uma expressão
deixam captar do melhor modo pela perspectiva aérea. E
conservando essas relações. O fascismo resulta,
mesmo quando essa perspectiva é igualmente acessível ao
olho humano e ao aparato, a imagem que o olho carrega não consequentemente, em uma estetização da vida política.
pode ser objeto de ampliação, como é o registro fotográfico. Com O'Annunzio, 80 a decadência teve sua entrada na
Isso significa que os movimentos das massas e, no seu ápice, política, com Marinetti," o Futurismo e, com Hitler, a
a guerra representam uma forma de comportamento humano
tradição de Schwabing."
que vai especialmente ao encontro do aparato.
Todos os esforços pela estetização da política
culminam em um ponto. Esse ponto é a guerra. A guerra,
e somente a guerra, 'torna possível dar um objetivo aos
movimentos de grandíssima escala das massas, sem
prejuízo às relações de propriedade tradicionais. Assim,
editada por Ernst]iinger", de 1930, Benjamin também estabelece esse vinculo entre
a guerra e a teoria da l'art pour l'art (Benjamin, 1985a: 63).
125
técnica". (3a versão) Trad. Maria Luz Moita. In: Sobre arte,
técnica, linguagem e política. Lisboa: Relógio D'Água, 1992.
___ "L'oevre d'art à I'ere de as reproductibilité
o techníque".
(P versão) Trad. Rainer Rochlitz. In: Oevres, tomo III. Paris:
Gallimard, 2000.
87Em sua resenha "Um marginal se faz notável: a respeito de 'Die Angestellten' direta só pode advir da práxis. Contra seus colegas arrivistas, porém, irá em
[Os empregados] de Sigfried Krakauer", de 1930, Benjamin afirma que Kracauer pensamento se apoiar em Lenin, cujos escritos provam da melhor forma o quanto
recusa a ação política demagógica direta, que pretende tornar o intelectual um o valor literário da práxis política, a influência direta, está longe dos cacarecos
proletário, e opta pela politização da própria classe; com isso estaria a caminho do factuais e de reportagens que se fazem passar por ela atualmente" (Benjamin,
que seria a "politização da inteligência": "essa influência indireta é a única a que 1991, III: 225; e Schõttke, 2007: 196).
um escritor revolucionário da classe burguesa pode hoje se propor. Efetividade
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