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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

MÉDIUM MÍDIA MATER: EXPERIÊNCIAS NA ARTE ENTRE O MATERIAL E


O SUTIL

ANA CECÍLIA MATTOS MACDOWELL

RIO DE JANEIRO
JUNHO 2019

 
ANA CECÍLIA MATTOS MACDOWELL

MÉDIUM MÍDIA MATER: EXPERIÊNCIAS NA ARTE ENTRE O MATERIAL E


O SUTIL

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Artes Visuais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa
Poéticas Interdisciplinares, como requisito
parcial para a obtenção do título de doutora
em Artes Visuais

Orientador: Prof. Dr. Carlos Augusto Moreira da Nóbrega

 
ANA CECÍLIA MATTOS MACDOWELL

MÉDIUM MÍDIA MATER: EXPERIÊNCIAS NA ARTE


ENTRE O MATERIAL E O SUTIL

BANCA EXAMINADORA

TITULARES
Prof. Dr. Carlos Augusto Moreira da Nóbrega
(PPGAV- UFRJ)

Prof. Dr. Fernando Souza Gerheim


(PPGAV-UFRJ)

Prof. Dr. Julio Ferreira Sekiguchi


(EBA-UFRJ)

Prof. Dra. Maria Beatriz de Medeiros


(PPGAV- UnB)

Prof. Dra. Walmeri Kellen Ribeiro


(PPGCA- UFF)

SUPLENTES
Prof. Dra. Maira Monteiro Fróes (HCTE- UFRJ)

Prof. Dra. Maria Luiza Fragoso (PPGAV-UFRJ)

RIO DE JANEIRO
JUNHO 2019

 
FOLHA DE APROVAÇÃO

ANA CECÍLIA MATTOS MACDOWELL

MÉDIUM MÍDIA MATER: EXPERIÊNCIAS NA ARTE


ENTRE O MATERIAL E O SUTIL

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Artes Visuais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa
Poéticas Interdisciplinares, como requisito
parcial para a obtenção do título de doutora
em Artes Visuais

Aprovada em: 27 de junho de 2019.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Augusto Moreira da Nóbrega


(PPGAV- UFRJ)

Prof. Dr. Fernando Souza Gerheim


(PPGAV-UFRJ)

Prof. Dr. Julio Ferreira Sekiguchi


(EBA-UFRJ)

Prof. Dra. Maria Beatriz de Medeiros


(PPGAV- UnB)

Prof. Dra. Walmeri Kellen Ribeiro


(PPGCA- UFF)
 

 
FICHA CATALOGRÁFICA

 
DEDICATÓRIA

À minha ancestralidade,
em memória aos meus avós:
Silvia Paranhos MacDowell e Frederico Luís MacDowell
Alayr Barcellos de Mattos e Domingos Martins de Mattos

 
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os ensinamentos em arte, educação e filosofia que me


foram dados pelos meus pais professores, Antônio Fernando Paranhos
MacDowell e Myrtes Mattos MacDowell (in memoriam).
À parceria fraterna com João MacDowell e Athena Azevedo.
Aos irmãos de afeto, que durante esse processo me ofereceram
acolhimento: Alessandra Evy, Alexandre Rangel, André Costa, André Sheik,
André Parente, Ana Lúcia, Anna Bernardes, Cadu, Carla Rocha, Carine Caz,
Clarice Gonzallez, Cláudia Otero, Dani Lobo, Daniella Rocha Athayde, Denise
Milfont, Cleon Homar, Ézio Evy, Família Almeida e vila 708, Gê Orthof, Jonas
Esteves, Jose Flores, Kátia Gorini, Laís Rodrigues, Lavinia Góes, Luciano
Corrêa, Lui Rodrigues, Nívio Caixeta, Maik Espíndola, Marilu Cerqueira,
Patrícia Freire, Pedro Tapajós, Patrícia Vital, Patrícia Motta, Raquel Nava,
Rodrigo Pinheiro, Rosana Rossi e Simone Michelin.
Agradeço aos meus colegas de trabalho, professores, estudantes e
funcionários do curso de Artes Visuais com ênfase em Escultura do qual
componho o quadro de docentes e à Direção e funcionários da Escola de Belas
Artes- CLA - UFRJ, com o suporte de todos foi possível dedicar um ano
exclusivamente à tese. Aos meus colegas pesquisadores, professores e
funcionários do PPGAV- EBA- CLA- UFRJ, e a todos que fazem desse
programa uma referência de excelência para a pesquisa em arte.
Aos professores Julio Sekiguchi, Maira Fróes, Mario Ramiro e Tadeu
Capistrano por suas valiosas contribuições durante o exame de qualificação
dessa tese.
À professora Malu Fragoso, por seu suporte e delicadeza na co-
orientação.
Ao professor Carlos Augusto da Nóbrega por ter me recebido como
orientanda, pela habilidade e sensibilidade de sua orientação, pela interlocução
instigante, além da crítica pertinente e aceite dos desafios desse processo de
criação conduzidos promissoramente.
A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização
dessa pesquisa.

 
RESUMO
Médium Mídia Mater: experiências na arte entre o material e o sutil

A pesquisa tem como foco experimentações artísticas que levam em conta a


interligação do conhecimento da arte, tecnologia, ciência e espiritualidade. De
forma prático- teórica, investigamos a experiência estética entre o material e o
sutil, percebida por um tipo de transensorialidade. Como ponto de partida, a
pesquisa aborda o problema situado na base da construção cultural,
identificado como dualismo. Tal dicotomia epistêmica apesar de ter permitido
estabelecer avanços do conhecimento, afastou a magia incompreensível da
racionalidade científica, acabando por separar a subjetividade da objetividade.
Entendemos que corremos um risco ainda maior ao permanecer com certa
visão parcial e assim impossibilitados de convergir para a integração das
dimensões corporais, psíquicas, intelectuais, afetivas e espirituais. Para tanto
direcionamos a atenção aos fenômenos de campo estudados por ocorrências
de sincronicidade e ressonância, que abrangem conceitos tecnológicos,
científicos e também aqueles ainda não validados pela ciência ortodoxa, como
a telepatia, a visão remota e a mediunidade. Para o desenvolvimento do
modelo estético traçamos uma tríade que interliga domínios confluentes:
médium, mídia e mater. Iniciamos com o conceito de médium ao observar a
ênfase dada a estados perceptivos transensoriais em investigações poéticas e
metodológicas, encontradas no contexto histórico da arte, da abstração ao
surreal, nas práticas conceituais, na performance e em associação à
tecnologia da imagem. Como exercício epistemológico seguimos na
abordagem da mídia, aplicada aos fenômenos de luz e som, como no vídeo
que se estende ao corpo tecnologicamente mediado, para analisar o interesse
em acessar a tangibilidade de ordens a princípio imateriais. A raiz mater se
dirige à necessidade de compreensão da matéria em seu aspecto sensível, por
acesso a campos vibracionais do material ao sutil, a exemplo de percepções
potencializadas por corpos hibridizados. A partir da aplicação do conceito de
Tecnoética tratamos do conhecimento noético e transpessoal voltado ao
domínio específico do vídeo, sob o termo cunhado nessa tese por
videonoética. A pesquisa prática conjuga evoluções telemáticas do vídeo ao
alcance do fenômeno do plasma, como dispositivo afetivo, por considerarmos
este estado da matéria como um médium de atuação entre o material e o sutil.
Como exercício desse modelo estético, desenvolvemos uma construção
narrativa operística autoficcional por experimentações de fenômenos de
campo em rituais performáticos, nos quais o conceito de videonoética é
considerado.

Palavras-chave: Experiência, arte, tecnologia, ciência, espiritualidade,


vídeo, plasma, corpo, transensorial, videonoética.

 
ABSTRACT
Medium Media Mater: Experiences in art between material and subtle
The research presented invests in artistic experiments that take into account the
interconnection of the knowledge of art, technology, science and spirituality. In a
practical theoretical form, we investigate the aesthetic experience between the
material and the subtle perceived by a kind of trans-sensoriality. As a starting
point the research addresses the problem at the base of cultural construction,
identified as dualism. Such an epistemic dichotomy, despite having allowed us
to establish advances in knowledge, has removed the incomprehensible magic
of scientific rationality, separating subjectivity from objectivity. We understand
that we run an even greater risk by remaining with a certain partial vision and
thus unable to converge to the integration of the corporal, psychic, intellectual,
affective and spiritual dimensions. In order to do so, we focus attention on the
field phenomena studied by synchronicity and resonance, which encompass
technological, scientific concepts and also those not yet validated by orthodox
science, such as telepathy, remote vision and mediumship. For the
development of the aesthetic model we draw a triad that interconnects confluent
domains: medium, media and mater. We begin with the concept of medium
when we observe the emphasis given to transient sensory states in poetic and
methodological investigations, found in the historical context of art, from
abstraction to surreal, conceptual practices, performance and in association
with image technology. As an epistemological exercise we follow the approach
of the media, applied to light and sound phenomena, as in the video that
extends to the technologically mediated body, to analyze the interest in
accessing the tangibility of intangible orders in principle. The mater root is
directed to the need to understand matter in its sensitive aspect, by access to
vibrational fields from material to subtle, such as perceptions enhanced by
hybridized bodies. From the application of the concept of Technoethics
(ASCOTT 1998/2003) we deal with noetic and transpersonal knowledge geared
to the specific domain of video, under the term coined in this thesis by
videonoetics. The practical research conjugates telematic evolutions of the
video to the reach of the plasma phenomenon, as an affective device, because
we consider this state of matter as a medium of action between the material and
the subtle. As an exercise in this aesthetic model, we develop an opera on a
self fiction narrative with experiments of field phenomena in performative rituals,
which the concept of videonoetic is considered.

Keywords: Experience, art, technology, science, spirituality, video,


plasma, body, trans-sensorial, videonoethics.

 
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Poster IF Studio – Fotografia de Athena Azevedo para performance
Plasma Resonance – Cecilia Spell (ARQUIVO DE PESQUISA, 2015). _______
Figura 2: gráfico esquemático da tríade dessa pesquisa (PRODUÇÃO NOSSA).
______________________________________________________________ 5
Figura 3: Fotografia feita com celular no exercício do pensar (ARQUIVO
PESSOAL, 2018). _______________________________________________ 9
Figura 4: Imagem do frasco apresentado por Vik Muniz (2014) Fotografia de
Maridangelo. __________________________________________________ 12
Figura 5: Esconderijo por Cila MacDowell. Experimento de refração com bastão
de vidro, vidro Becker, óleo de canola, fundo de veludo preto, luz vinda da
janela aberta incidente no vidro (ACERVO PESSOAL, 2015). ____________ 12
Figura 6: Lygia Clark -Imagem documental de “Diálogo de mãos” (1966). ___ 31
Figura 7: Joseph Beuys em Information action (Alemanha, 1972) e Rudolf
Steiner em The Arts and Their Mission (Suíça, 1923). __________________ 57
Figura 7: Marcel Duchamp em Oculist Witness (Foto por Richard Hamilton
1968) e o Quadro negro de Rudolf Steiner (1922). _____________________ 58
Figura 8: A forma da vermelhidão, de František Kupka (1912) e Discos ópticos,
de DUCHAMP, Marcel. __________________________________________ 59
Figura 9: Caos primordial – grupo 1 nº. 10 de Hilma af Klint. _____________ 62
Figura 10: Desenho de André Breton para capa do livro Nadja. E alfabeto
marciano de Helen Smith. ________________________________________ 64
Figura 11: BARRY, Robert - Lista de frases para uma exposição, abril/maio de
1969 em São Paulo e Telepathic Peace -1969. _______________________ 65
Figura 12: - Imagem de frases na parede da galeria, no Hunter College de
exposição intitulada All the things I know but of which I am not at the moment
thinking, de Robert Barry. ________________________________________ 66
Figura 13: MOM-ME de Larry Miller (1973). __________________________ 68
Figura 14: Imagem de quadro de vídeo Watch my face to read my thoughts de
Rolan-Baladi (1975). ____________________________________________ 69
Figura 7: TV Buddha - Buddha, televisor e câmera, de Nam June Paik. ____ 71
Figura 15: Imagens de quadros do vídeo de registro de Organic Honey's Visual
Telepathy, de Joan Jonas (1972). __________________________________ 72
Figura 16: Imagens de quadros do vídeo de registro de Organic Honey's Visual
Telepathy, de Joan Jonas, (1972). _________________________________ 73
Figura 17: Frames da instalação Martyrs, de Bill Viola. _________________ 75
Figura18: PSI Girls, de Susan Hiller (1999). __________________________ 77
Figura19: Diagrama de improvisação sonora a partir da escuta atenta e Pauline
Oliveros e seu grupo apresentando o Teach Yourself to Fly from Sonic
Meditations. ___________________________________________________ 79
Figura 20: Desenho de Ramiro para composição do objeto-antena Entre o
Norte e o Sul. (RAMIRO, NISHIMURA, 1998)_________________________ 81
Figura 21: Fotografia dos objetos-instalações tidos como transmissores de
cada artista, parte do experimento Entre o Norte e o Sul. (RAMIRO,
NISHIMURA, 1998) _____________________________________________ 82
Figura 22: LABONETE, Morio e RAMIRO, Mario Entre o Norte e o Sul (1998),
Colônia - Alemanha (RAMIRO, NISHIMURA, 1998). ___________________ 83
Figura 23: STAAL, Jonas - Nosso Lar, Brasília (2014). _________________ 85
Figura 24: How to explain pictures to a dead Hare, por Joseph Beuys – Galerie
 

 
Schmela – Dusseldorf, 1965 e Seven Easy Pieces por Marina Abramovic –
Guggenheim Museum – New York, 2005.____________________________ 88
Figura 25: The artist is present, de Marina Abramovic New York, 2010. ____ 89
Figura 26: Videogame The artist is present de Pippin Bar (2010)__________ 89
Figura 27: Measuring the Magic of Mutual Gaze, Marina Abramovic e Suzanne
Dikker. _______________________________________________________ 91
Figura 28: MAI - Projeto Marina Abramovic Institute. ___________________ 91
Figura 29: Bobina de Tesla do projeto MAI - Marina Abramovic Institute. ___ 92
Figura 30: Imagem da entrada de um dos principais templos do Vale do
Amanhecer ___________________________________________________ 93
(ACERVO PESSOAL, 2018). _____________________________________ 93
Figura 31: Walter De Maria “Candle piece” (1965); e Olafur Eliasson: “I grew up
in solitude and silent (1991). _____________________________________ 104
Figura 32: Mary Ellen Bute (1952) The Museum of Modern Art/ Aquivo de stills,
Willian Moritz. Nam June Paik (1965) Whitney Museum of Art – catálogo, 1982.
____________________________________________________________ 105
Figura 33: Auto-retrato em eletroencefalograma por Robert Morris (1963). _ 110
Figura 34: Cena de filme La Jetée (1962) do diretor francês Chris Marker e
Imagem de Ted Serios (1971) sendo submetido a exames por Jule Eisenbud
(EISENBUD, 1971).____________________________________________ 114
Figura 35: Fotografias de experimentações de Ted Serios, impressão de
imagens de pensamento. _______________________________________ 115
Figura 36: Quadro semântico base do experimento de Jack Gallant.______ 117
Figura 37: Imagens retiradas do site de Dr. Jack Gallant (2016); _________ 117
Figura 38: Quadro de etapas de procedimentos para experimento de Jack
Gallant. _____________________________________________________ 119
Figura 39: frame de filme experimento de Dr. Gallant e resultado de dados
coletados ____________________________________________________ 120
Figura 40: “Capacete de Deus” de Michael Persinger _________________ 122
Figura 41: ambiente laboratorial para teste PSI sob sistema fMRI. (Leanna J.
Standish, et al, 2003). __________________________________________ 125
Figura 42: Gráfico comparativo teste PSI sob sistema fMRI. (Leanna J.
Standish, et al, 2003). __________________________________________ 126
Figura 43: Imagem com voxels aparentes em teste PSI sob sistema fMRI. sob
sistema fMRI. (Leanna J. Standish, et al, 2003).______________________ 126
Figura 44: James Turrell e Robert Irwin na câmara de eco e em laboratório
EEG, David Antin e voluntária. ___________________________________ 129
Figura 45: TURRELL, James (1989) - Alien Exam e Unna. _____________ 130
Figura 46: TURRELL, James. Aten Reign Fundação Solomon R. Guggenheim,
Nova York. Foto: David Heald. ___________________________________ 131
Figura 47: MORI, Mariko Wave UFO (1999-2002) interface de captação de
ondas cerebrais, projeção interna no domo, nave construída com fibra de vidro.
____________________________________________________________ 134
Figura 48: Imagem de convite para a exposição One-man de De Maria na
Dwan Gallery, New York, abril de 1969. ____________________________ 145
Figura 49: DE MARIA, Walter - The Lightning Field - Novo México, 1977. __ 146
Figura 50: Máscara Sensorial de Lygia Clark 1967, Imagem do acervo Lygia
Clark, e capacete n.º. 3 de Stelarc, 1968. ___________________________ 150
Figura 51: Ciborgues: Moon Ribas e Neil HARBSON __________________ 151
Figura 52: RAMIRO, Mario (1986) Altamira, Instalação performática, Museu de
 

 
Arte Contemporânea USP. ______________________________________ 160
Figura 53: GPCI - Performance em telepresença, imagem contendo nossos
olhos, retirada de vídeo do GPCI – (2003). __________________________ 161
Figura 54: Peter Greenway – Tulse Luper, Vj Performance - Teatro Casa
Grande Rio de Janeiro- Festival Multiplicidade (2008)._________________ 162
Figura 55: Lâmpada acesa por proximidade ao plasma emitido pelo globo. 164
Figura 56: Plasma no LAB H2- COPPE / UFRJ- instrumento construído sob
coordenação do Professor Paulo Emílio Valadão. ____________________ 165
Figura 57: Experimento dessa pesquisa para performance com bobina de
Tesla, 2016.__________________________________________________ 166
Figura 58: Digital Nature Group- DNG, Yoichi Ochiai, da Universidade de
Tsukuba, 2016. _______________________________________________ 167
Figura 59: LACAZ, Guto - em cena de Eletroperformance, São Paulo (1984).
____________________________________________________________ 170
Figura 60: LACAZ, Guto - exposição retrospectiva, Pinacoteca, São Paulo
(2016). ______________________________________________________ 171
Figura 61: Ensaio fotográfico - Em busca de Cecília Spell, pela fotógrafa
Athena Azevedo. ______________________________________________ 172
Figura 62: NAVA, Raquel e MA ___________________________________ 174
CDOWELL, Cila - #RCTelepática – Instituto Tomie Othake, SP, 2017. ____ 174
Figura 63: #RCTelepática, Instituto Tomie Othake, 2017 _______________ 175
Figura 65: #RCTelepatica, desenhos anônimos. (ACERVO DE PESQUISA,
2017). ______________________________________________________ 180
Figura 66: A NAVE título dado à imersão telemática, exposição “Distâncias”
parte do evento Galeria Curto Circuito no Parque Tecnológico da UFRJ
(ACERVO DA PESQUISA. 2017)._________________________________ 184
Figura 67: óculos relacional de Lygia Clark (CLARK, 1968)e imagens da cena 3
de Plasma Ressonante, com experimentação de óculos referente a ganzfeld
(Galeria IBOC e Museu Nacional de Brasília - 2018). __________________ 187
Figura 68: Selfie (ACERVO PESSOAL, 2018). _______________________ 189
Figura 69: Gráfico esquemático para Sistema Plasmaneurooticz. ________ 192
Figura 70: Gráfico esquemático para Sistema Plasmaneurooticz com feedback.
____________________________________________________________ 193
Figura 71: Montagem fotográfica processo de pesquisa para personagem
Cecilia Spell, a partir de fotografia de Athena Azevedo. _______________ 199
Figura 72: Gráfico transmissão por imagem pensamento e corpo (Acervo de
pesquisa). ___________________________________________________ 201
Figura 73: Esquemas de campos no espaço da performance Plasma
Ressonante (Acervo de pesquisa). ________________________________ 203
Figura 74: Primeira Convocação, performance com bobina de Tesla em Evento
Esforços, 2017. _______________________________________________ 205
Figura 75: Estudos para figurino de Cecília Spell desenhado pelo estilista Ézio
Evy (2018). __________________________________________________ 206
Figura 76: BULCÃO, Athos - “Mantos litúrgicos” de, em exposição CCBB –
Brasília (2018). Foto- Alessandra Evy. BISPO DO ROSÁRIO, Arthur - “Manto
de Apresentação” do acervo tombado como patrimônio da humanidade pelo
IPHAN.______________________________________________________ 207
Figura 77: Caduceu para manto- Bordado à mão por Alexandra Evy – criação
compartilhada. (2018).__________________________________________ 208
Figura 78: esculturas feitas em impressora 3D da personagem Cecília Spell;
 

 
vídeo mapeamento e imagem das esculturas associadas a gráfico mitológico
de forças mágicas “caduceu” (2018). ______________________________ 209
Figura 79: Selfie (ACERVO PESSOAL, 2018). _______________________ 211
Figura 80: Apresentação pública de Plasma Ressonante @Hiperorgânicos 7-
NANO- Museu do Amanhã, RJ, 2017. Imagem de registro do evento - NANO.
____________________________________________________________ 212
Figura 81: Performance no Museu Nacional de Brasília (2018) Fotografia de Uli
Ulrich Norbisrath.______________________________________________ 214
Figura 82: Imagem sintética de plasma filmado e alterado por programa
computacional modul8. _________________________________________ 215
Figura 83: Performance no Museu Nacional de Brasília (2018), fotografia de Uli
Ulrich Norbisrath.______________________________________________ 216
Figura 84: Performance IBOC Galeria Brasília (2018), fotografia de Daniella
Rocha Athayde. _______________________________________________ 218
Figura 85: Performance no Museu Nacional de Brasília (2018), fotografia de Uli
Ulrich Norbisrath.______________________________________________ 218
Figura 86: Cena do vídeo “Batismo” banho de violeta genciana e cristais em
laboratório de produção de imagem realizado pelo coletivo Morfiction - Carine
Caz, Cila MacDowell e Rodrigo Pinheiro. (2016) _____________________ 219
Figura 87: Performance no Museu Nacional de Brasília (2018), fotografia de Uli
Ulrich Norbisrath.______________________________________________ 220
Figura 88: Performance na IBOC Galeria Brasília (2018), fotografia de Daniella
Rocha Athayde. _______________________________________________ 221
Figura 89: Performance IBOC Galeria Brasília (2018), fotografia de Daniella
Rocha Athayde. _______________________________________________ 222
Figura 90: Performance IBOC Galeria Brasília (2018), fotografia de Daniella
Rocha Athayde. _______________________________________________ 223
Figura 91: Performance no Museu Nacional de Brasília (2018), fotografia de Uli
Ulrich Norbisrath.______________________________________________ 223
Figura 92: Performance IBOC Galeria Brasília (2018), fotografia de André Isn’t
publicada no Instagram. ________________________________________ 225
Figura 97: Poster IF Studio – Fotografia Athena Azevedo para performance 231
Plasma Resonance – Cecilia Spell - 2015 (ARQUIVO DE PESQUISA). ___ 231

 
LISTA DE ABREVIAÇÕES

AVE – Curso de Artes Visuais Escultura – EBA – CLA – UFRJ


COPPE – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de
Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
EBA – Escola de Belas Artes- Centro de Letras e Artes - UFRJ
GRVa – LAMCE Grupo de Realidade Virtual Aplicada - COPPE – UFRJ
LAB H2 – Laboratório de pesquisa em Hidrogênio - COPPE – UFRJ
LAB- NANO – Laboratório - Núcleo de arte e novos organismos- EBA - UFRJ
LADIF – Laboratório didático do Instituto de Física - CT- IF- UFRJ
LAMAE – Laboratório de métodos avançados e epistemologias - NCE - UFRJ
LAMCE – Laboratório de métodos computacionais e engenharias – COPPE
IDOR - Instituto D’OR de Pesquisa e Ensino
BCI – Brain Computer Interface
EGG – Eletroencefalograma
fRMI – Imagem por ressonância magnética funcional
MAI – Marina Abramovic Institute
#RCTelepática – Título para experimento telepático de Raquel Nava e Cila
MacDowell, com marcação rashtag para localização na internet.
PSI – A letra do alfabeto grego PSI - deriva da palavra psykhê, referente à
alma e mente, escolhida para designar fenômenos psicofísicos e paranormais.
VA – Vale do Amanhecer
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

 
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................1
PARTE I - DO DUALISMO AO INTEGRAL........................................................9
CAPÍTULO 1 - DO DUALISMO AO INTEGRAL.................................................9
1.1 - Entre o ser e as aparências ........................................................................9
1.2 - A coexistência do material e do subjetivo .................................................14
1.3 - Experiência estética entre percepção e apercepção ................................18
1.4 - Percepção subjetiva do tempo e espaço ..................................................22
1.5 - Da teoria de campo ao transensorial na arte ............................................32
PARTE II - MÉDIUM MÍDIA MATER................................................................47
CAPÍTULO 2 - MÉDIUM ...................................................................................48
2.1 - Médium......................................................................................................48
2.2 - Acesso ao médium de percepção .............................................................50
2.3 - Axiomas da telepatia na arte.....................................................................55
2.3.1 - Telepatia como coeficiente artístico – Rudolf Steiner, František Kupka,
Marcel Duchamp, Joseph Beuys, Hilma af Klint, Helen Smith e André Breton. 57
2.3.2 - Atitude mental em peças telepáticas – Robert Barry, Larry Muller ........65
2.3.3 - Leia pensamentos através do vídeo – Roland Baladi, Nam June Paik e
Joan Jonas ........................................................................................................69
2.3.4 - Tele-visão - Bill Viola.............................................................................74
2.3.5 - Coisa Mental - PSI – Susan Hiller ..........................................................76
2.3.6 - Telepatia Sonora - Pauline Oliveros.......................................................78
2.3.7 - Telearte - Mario Ramiro e Morio Labonete ............................................79
2.3.8 - Densidades espaciais imaginadas- Jonas Staal ....................................84
2.3.9 - Recorrências compartilhadas- Joseph Beuys e Marina Abramovic .......86
CAPITULO 3 - MÍDIA........................................................................................96
3.1 - Mídia..........................................................................................................96
3.2 - Percepção tecno-poética...........................................................................97
3.3 - Produção de imagem com Interface Computador-Cérebro - (BCI).........106
3.3.1 - Autorretrato eletroencefalografia (EEG) - Robert Morris......................109
3.3.2 - Controle do pensar por imagens - Ted Sérios e Chris Marker, Dr. Gallant
.........................................................................................................................112
3.3.3 - Base física para ideias místicas - Michael Persinger e Suzan Pockett 121
3.3.4 - Verificações telepáticas por ressonância magnética - Institute of
Noethics Science.............................................................................................123
3.3.5 - Ganzfeld -– Robert Irwin, Ed Wortz e James Turrell............................127
3.3.6 - Espaços capsulares perceptivos - James Turrell e Mariko Mori ..........130
CAPÍTULO 4 - MATER ...................................................................................135
4.1 - Materialidade afetiva ...............................................................................135
4.2 - O espectro eletromagnético ....................................................................142
4.2.1 - Estado de atenção “The Lightning Field” (1977) - Walter De Maria.....144
4.2.2 - Percepção da matéria sutil - Lygia Clark, Stelarc, Moon Ribas e Neil
Harbson ...........................................................................................................148
CAPITULO 5 - VIDEONOÉTICA.....................................................................154
5.1 - Da tecnoética à videonoética ..................................................................154

 
PARTE III - EXPERIÊNCIAS NA VIDEONOÉTICA........................................164
CAPITULO 6 - EXPERIÊNCIAS NA VIDEONOÉTICA...................................164
6.1 - Plasma na ciência em interação com a arte. ..........................................164
6.1.2 - O plasma holográfico ...........................................................................166
6.2 - Experimento #RCTelepática – Raquel Nava e Cila MacDowell.............174
6.2.1 - Protocolo para #RCTelepática .............................................................177
6.2.2 - Resultados comparativos #RCTelepática ............................................178
6.3 - Experimento telepático relacional - “Distâncias” – Cila MacDowell ........184
6.4 - Ganzfeld para performance.....................................................................186
CAPÍTULO 7 - RITUAL PERFORMÁTICO OPERÍSTICO .............................194
7.1- Ritual Performático Operístico .................................................................194
7.1.1 - Trama ...................................................................................................199
7.1.2 - Luz e Som ............................................................................................202
7.1.3 - Corpo e voz ..........................................................................................204
7.1.4 - Figurino e maquiagem..........................................................................205
7.1.5 - Videomapeamento e miniaturização ....................................................209
7.2 - Aplicação da auto-experiência de Carl Jung por cenas ..........................212
7.2.1 - Cena 1 - Nave de dispositivos..............................................................213
7.2.2 - Cena 2 - Percurso de pesquisa............................................................215
7.2.3 - Cena 3 – Valsa para visão remota .......................................................217
7.2.4 - Cena 4 - Percurso em tensão ..............................................................219
7.2.5 - Cena 5 - Incorporação do plasma ........................................................221
7.2.6 - Cena 6 e 7– Preparação ao Finale ......................................................222
7.2.7- Despersonificar e redimensionar a performance ..................................225
OBSERVAÇÕES CONCLUSIVAS .................................................................228
REFERÊNCIAS...............................................................................................232
ANEXO A ............................................................................................................1
Etapas de metodologia da pesquisa prática:.......................................................1

 
Figura 1: Poster IF Studio – Fotografia de Athena Azevedo para performance
Plasma Resonance – Cecilia Spell (ARQUIVO DE PESQUISA, 2015).

 
INTRODUÇÃO

Se você quer descobrir os segredos do Universo,


pense em termos de energia,
frequência e vibração.
Nikola Tesla

Apresentaremos o percurso investido nessa pesquisa que aproxima arte,


tecnologia, ciência e espiritualidade com base na fenomenologia para a
investigação prático teórica da experiência estética em percepções
transensoriais. Abordaremos a arte como um agente de reconciliação entre
epistemologias, a fim de resgatar a dimensão do sensível, de forças míticas e
físicas, que outrora parecem ter cultivado conexões entre o material e o sutil. A
pesquisa parte de um problema situado na base da construção cultural,
identificado como dualismo. Por condicionamento das racionalidades
passamos a naturalizar a fragmentação dos perceptos do mundo e de nós
mesmos. A separação reducionista, ainda que tenha sido utilizada como um
recurso de organização para potencializar o alcance de conhecimento do ser
humano e do mundo, por vezes não permite que se perceba o benefício da
transdisciplinaridade. (MORIN, et al 1999) Tal sentido de separatividade parece
fomentar o atual contexto de desestabilização entre natureza e cultura, que
carece de constante ressignificação. Pretendemos ir além da experiência que
separa o ser e as aparências; o estado de observador e observado; e a
dificuldade de apreensão dos sentidos e interpretações perante o fluxo
temporal e, assim, produzir sentimentos em decorrências de proposições que
desafiam o modelo dual, através do investimento na imaginação e por
investigações do imponderável.
Com o ensejo de encontrar reflexões possíveis para lidar com os
problemas do dualismo, cogitamos as possibilidades de atenção ampliada aos
fenômenos da mente, no exercício de extra-sentidos, paranormais,
psicobiofísicos. Perguntamo-nos como esses sentidos se assemelham às
práticas artísticas quando essas se mostram capazes de reconfiguração da
materialidade, entre a densidade material do mundo tangível e os numinosos
espectros dimensionais do sutil. Assumimos a estratégia de nos aproximar de
1

 
métodos científicos ou empíricos, bem como os mágicos ou semi-empíricos de
orientação espiritualista, ao aplicá-los na prática artística, através do corpo em
relação às tecnologias, buscando não os dissociar dos processos da mente. Ao
procurar por formas e forças em frequências ressonantes a princípio
visualmente imperceptíveis, que ainda desempenham um papel considerável
na estrutura do mundo visível; perguntamo-nos se seria possível que a
experiência estética apresente a magia de transposições de códigos, que
possam facilitar a identificação de compartilhamentos de dimensões imagéticas
intersubjetivas e interdimensionais.
Na arte, a dimensão subjetiva se coloca imprescindível para a análise
da experiência, por isso abordaremos a percepção da temporalidade subjetiva
considerando emoções e intuições. Em busca do despertar do ser humano
para os mistérios da existência, a arte se aproxima da espiritualidade no
sentido de promover a experiência mística de dimensões transcendentais e
metafísicas, como campo de atenção para um sentido de conexão com algo
maior. (JUNG, 2001)1 Ao se deparar com limites impostos pela auto-
observação dualista, o entendimento da totalidade do mundo fica
comprometido perante a apreensão em ser constituído por uma conjunção de
produtos da percepção, elaborados por canais corporais de diferentes vias da
mente. Ao tomarmos as experiências da arte voltadas para os estudos da
consciência, da mente e da vida, ou seja, estudos de abertura noética, nos
colocamos outros modos de percepção capazes de desafiar tal condição dual.
A condução das inquietações que motivaram essa pesquisa será
apresentada na parte 1, no percurso das concepções do dual ao integral.
Aproximamo-nos de pensadores que demonstram estar orientados para uma
ciência da consciência, por considerarem relevantes tanto a abordagem
científica quanto a espiritualista, assim como na experiência de si mesmo, da
qual a arte se coloca como terreno fértil. Em nossa pesquisa buscamos, na

1
Em definições etimológicas, o termo espiritualidade, do latim spiritalitas traduzido por
imaterialidade, ou spiritus como foi derivado para o português, que significa sopro, vento, hálito,
exalação, respiração, sopro divino. Assim traz significados da qualidade do que é espiritual
como a parte imaterial do ser humano, alma. No sentido de algo que tem ou revela intensa
atividade religiosa ou mística, para o espiritismo, seria a alma da pessoa que viveu na Terra ou
em outros mundos, fora do seu envoltório material. O termo aparece na correlação com o ser
supremo, o princípio imortal do ser, o Espírito Santo, Deus. E ainda o termo espiritualidade
encontra equivalência com pensamento e inteligência. (HOUAISS, 2009)
2

 
prática artística realizada em proposições ritualísticas e relacionais, um tipo de
sensorialidade que se espelha no modelo de fenômenos de campo e de
fenômenos extra-sensoriais. No livro O campo (2003), da estadunidense
jornalista e investigadora Lynne McTaggart, são identificados cientistas que
contribuem significativamente para a abordagem do fenômeno de campo em
estudos da consciência, passando por várias disciplinas da ciência, a física, a
neurociência e até mesmo a inteligência de controle militar, quando essas
disciplinas se aproximam de teorias e práticas holísticas da metafísica espiritual
ou paranormal.
Alguns autores apontados por McTaggart (2003) foram estudados em
nosso percurso de pesquisa, como: Russell Targ e Hal Punthoff (1978), Karl
Pribram e David Bohm (TALBOT, 1996), para qual dedicamos maior ênfase
nos nossos estudos. Iremos também apresentar contribuições para a
abordagem dos fenômenos de campo a partir da biologia na teoria de campos
mórficos de Rupert Sheldrake (1981) em conceitos próximos de Donna
Haraway (1991), que aparecem aplicados em nossa teoria e prática
ressignificados por noções de campos integrativos da arte por Ascott (2002,
2003) e Nóbrega (2009, 2010) que traremos no primeiro capítulo, como
referências com as quais almejamos estabelecer diálogo e contribuição.
Fizemos uma pesquisa de termos que buscam qualificar percepções da
ordem do sensível, são nomeações adotadas por teóricos e artistas, que serão
discutidos na primeira parte desse texto, pois apontam para a sensorialidade
no exercício da arte que busca o desvio da dualidade, como: o infrafino por
Marcel Duchamp (1975); o supra-sensível por Rudolf Steiner (1910); extra-
sensível por Walter Benjamin (1933); e o suprasensorial por Helio Oiticica
(1967), de onde tiramos a base para o uso do termo transensorial ao longo da
pesquisa2. Como se esse termo pudesse conter as noções que são trazidas
nas palavras com prefixos extra, infra, e supra, seguidos do sensorial e ainda
carregar a referência do sentido de além ao qual o prefixo trans remete.
Michel Chion3 utiliza o “trans-sensorial”, com essa grafia, em seu estudo

2
Segundo novo acordo ortográfico da língua portuguesa, a grafia correta seria transensorial,
com apenas um S e sem hífen. A adoção da grafia com hífen foi uma opção tomada pelo autor
Michel Chion obedecendo as regras da ortografia francesa ou inglesa.
3
Michel Chion (1947-) é francês, artista, compositor e teórico ligado à música concreta.
3

 
sobre a correlação de imagem e som, afim de apontar que as experiências
estéticas são percebidas, ou apreendidas a partir de um fluxo de estímulos e
sensações de vários sentidos concomitantes ou em ressonância. Para Chion o
transensorial serviria como “metáfora de uma percepção contínua” como uma
qualidade que ultrapassa os sentidos. (CHION, 2002, p. 62) Trabalharemos em
nossa prática um sentido de ampliação perceptiva para compreender como
podemos fruir na experiência estética com foco em fenômenos de campo.
(McTAGGART, 2003; ASCOTT, 2002, 2003; NÓBREGA, 2009, 2010)
Segundo Nóbrega (2003, p. 123), a arte seria a realização de um sistema
integrador que pode ser acessado como um fenômeno de campo, ou um
campo integrativo de forças, essas forças que por vezes são dicotômicas, mas
que resultam em ressonâncias entre os agentes envolvidos no espaço
fenomenológico desse sistema. Buscaremos entender essas forças
ressonantes no desenvolvimento de campos integrativos da arte, com atenção
às percepções transensoriais em nossa prática.
Veremos que o alcance do sutil exige abertura para a compreensão de
que as subjetividades possam ser intercambiáveis em dimensão própria de
compartilhamento. Consideraremos a prática artística como um método de
desenvolver percepções de alcance transensorial que promovem a passagem
a campos integrativos. Perguntamo-nos se seria possível que na experiência
estética tenhamos ênfase da magia de transposições de dimensões
imagéticas. Para isso trabalharemos com a hipótese de que os processos
artísticos de compartilhamento sejam participantes de um campo físico e
extrafísico onde ocorrem essas experiências. Assim, a experiência estética
seria o próprio campo de compartilhamento acessível a partir de percepções
transensoriais. (TARG, 2014, p. 29)
Ao pressupor que na retomada de valores ancestrais mágicos,
estaremos extraindo o sensível do inteligível, o icônico (virtual) do simbólico
(PLAZA, 1987), perguntamo-nos se através do exercício tecno-poético em que
ao fazermo-nos pós-humanos (SANTAELLA, 2003), com recursos midiáticos e
sob o modo como percebemos a materialidade em suas diversas
possibilidades, estaremos aptos à participação dessa mudança para um
sentido integral? (ASCOTT, 2002; NÓBREGA, 2009)

 
As perspectivas teórico/práticas incluem quatro grandes agrupamentos
que se entrecruzam: 1) Espiritualidade: filosofia; noética; metafísica,
fenômeno de campo; fenomenologia paranormal (PSI) e tecnoética; 2) Ciência:
físicas moderna e quântica; fenomenologia da luz e som; fenômeno de campo;
psicologia e neurociência; tecnoética; 3) Arte: imagem e composição sonora;
tecnologia em mídias; práticas experimentais, performativas e ritualísticas;
campo integrativo; transensorial; tecnoética/ videonoética; 4) Tecnologia:
tecnologias da imagem, vídeo, computacionais, eletromagnéticas, tecnologias
responsivas sensórias; campo integrativo; tecnoética/videonoética. Sabemos
não ser possível aprofundar tantos conceitos, mas apresentamos como uma
cartografia que orienta as convergências em nossa pesquisa.

Figura 2: gráfico esquemático da tríade dessa pesquisa (PRODUÇÃO NOSSA).

Na parte 2 dessa pesquisa iremos apresentar três eixos com os quais


determinamos nosso campo de investigação, que interliga os domínios
confluentes: Médium – Mídia – Mater. Essa tríade nos permite desenvolver o

 
modelo estético da videonoética, conhecimento com o qual fundamos nossa
prática em arte.
No Capítulo 2, abordamos o conceito de médium a partir dos termos de
Walter Benjamin (1985) para compreensão da percepção da imagem e seus
aspectos auráticos4. A aura na acepção benjaminiana pressupõe uma atenção
contemplativa da natureza, por um caráter mágico da própria experiência,
como na arte. (1992) Apresentamos o contexto histórico da arte, da abstração
ao surreal, nas práticas conceituais e de metalinguagem, na performance e em
associação à tecnologia da imagem, nos quais observamos certa ênfase dada
a estados perceptivos de compartilhamento intersubjetivos e interdimensionais,
como a telepatia. Além disso, apresentaremos investigações poéticas e
metodológicas que exploram aspectos de incorporação da imagem,
semelhante ao que é entendido pela noção de médium própria da ordem
espiritual, ou seja, por atravessamentos de subjetividades em corpos sem
limitações dimensionais, um tipo de imaterialidade incorporada como também
se pode entender na experiência do vídeo.
No capítulo 3, analisamos o estudo da mídia ligado à experiência do
corpo perceptivo tecnicamente mediado, como tratam alguns teóricos como
Vilém Flusser (2007,2008), Gilbert Simondon (1958) e, principalmente,
Fredrick Kittler (2016). Questionamos em quais processos o vídeo nos
facilitaria para nos colocar em acesso a outras dimensões sutis, das quais a
própria imagem e o som parecem fazer referência. A partir da experimentação
poética de luz e som, como exercício epistemológico, seguimos na abordagem
da mídia, em atenção aos fenômenos do campo vibracional de luz e som,
como o vídeo que se estende ao corpo tecnologicamente mediado, assim
chegaremos aos dispositivos de captação de vibrações neurais, para analisar
o interesse em acessar a tangibilidade de ordens a princípio imateriais. Ainda,
analisamos o interesse tecnocientífico em investigar modos de visualização do
pensamento e ressaltaremos como a arte pode participar desse
desenvolvimento preservando o empenho na experiência perceptiva e

4
Nesse sentido aurático, o conceito médium será abordado buscando outros aspectos que não
apenas aos que remetem às pessoas com capacidade de comunicação com espíritos de outras
dimensões, como tratado no Espiritismo. Buscaremos abordar através dos textos de Walter
Benjamin, a abordagem do médium por essa atenção contemplada por sutilezas.
6

 
imaginativa.
No capítulo 4, abordaremos a presença sutil e ambígua, tanto do campo
do tocável, quanto do intocável, do imediato e do remoto, ao propor um desafio
de investigação que interessa para o artista-pesquisador que é tão metafísico
quanto materialista. Donna Haraway (1985), nos conduz a ressignificar a raiz
mater ao identificar a necessidade de compreensão da matéria em seu aspecto
sensível, por acesso a campos vibracionais do material ao sutil. A exemplo de
percepções potencializadas por corpos tecnologicamente hibridizados, iremos
apresentar a experiência ciborgue que, por ampliação dos sentidos, atendendo
a projetos de experiência transensorial de dimensões geofísicas ou
cosmológicas, em poéticas que indicam o direcionamento tecnológico para
atender a interesses de integração espiritual. (HARAWAY, 1991; ASCOTT,
2003)
A partir da aplicação do conceito de Tecnoética (ASCOTT, 1998, 2003)
determinado sob o conhecimento noético e transpessoal voltado ao domínio
específico do vídeo, desenvolveremos o termo cunhado nessa tese por
videonoética. A previsão de Roy Ascott (1998, 2003) em posição frente ao
discurso das artes e da tecnologia, que esse não deve ser tecnocêntrico, mas
tecnoético. Esse apontamento faz referência às principais questões de Ascott
(2003): mente e consciência; por isso ele passa a utilizar a palavra tecnoética,
que seria uma combinação das palavras grega technè + noetic. A arte sob a
perspectiva tecnoética deve ser entendida a partir da dinâmica entre atributos
humanos e artificiais, situados em campos de consciência em desdobramento.
(ASCOTT, 1998, 2003; NOBREGA, 2009, 2010)
No capítulo 5 discutimos a aplicação da videonoética, a partir do
conceito da tecnoética, para estabelecer o modelo estético da pesquisa
prática, atendendo à observação das evoluções telemáticas e conectivas do
vídeo. A pesquisa conjuga a investigação de fenômenos eletromagnéticos, do
vídeo ao plasma, em relação à presença corporal do artista em performance,
por entendermos o plasma como um elo entre o material e o sutil, passamos a
explorar esse dispositivo em seu potencial afetivo por experimentações de
fenômenos de campo.
Na parte 3 apresentamos experimentos propositivos relacionais de

 
compartilhamento telepático, que fizeram parte da investigação desse modelo
estético na videonoética, além das etapas de construção poética em ritual
performático de narrativa operística autoficcional, em fases de concepção,
produção, realização e desdobramentos posteriores. Assim buscaremos a
fundamentação de uma noética com abertura tanto espiritual quanto criativa,
sob a perspectiva de nos distanciarmos das limitações do ego, em construções
de alteridades em exercício poético voltado ao modelo proposto de
videonoética, que investe em modos de integração, para cogitar um futuro
utópico, ou possível. Ao operarmos em territórios fronteiriços através do
exercício da arte, acreditamos poder ampliar percepções em estados de
consciência expandidos e trazer à tona certa qualidade de interligação dos
processos do pensamento no mundo do qual emergem e interpretam.
A fim de associar o conteúdo teórico à produção poética viabilizamos
para a exibição pública grande parte da documentação da prática dessa
pesquisa, que pode ser acessado no endereço eletrônico:
<https://www.cilamcd.com >
Consideramos ser relevante o acesso a esse material para aproximação
com as experiências aqui analisadas na parte 3 ainda que estejam adequadas
às condições de documentação e de especificidades da plataforma em rede
(internet).

 
PARTE I – DO DUALISMO AO INTEGRAL

Figura 3: Fotografia feita com celular no exercício do pensar (ARQUIVO PESSOAL, 2018).

CAPÍTULO 1 – DO DUALISMO AO INTEGRAL  

1.1 - Entre o ser e as aparências

A superabundância e credibilidade nos desenvolvimentos tecnológicos e


científicos, mesmo que tenham alcançado resultados necessários para a
sobrevivência ou resistência na evolução, interferiram consideravelmente nas
relações humanas promovendo o embate entre natureza e cultura. O dualismo
impregnado na objetividade mensurável, encontrado tanto na ciência ocidental,
quanto na filosofia e na teologia, traz um problema de cisão entre o conhecedor
e o que se quer conhecer. Parece urgente uma reorientação do progresso
tecno-científico, que empregue intensidade significativa da imaginação para
viabilizar a transformação do atual contexto de crise que se coloca no problema
do dualismo. Para tanto, seria preciso buscar modelos de integração que
permitam a experiência de estados de conhecimento que se percebem em
posições contrárias, isso direciona nossa pesquisa para observação de zonas
de ligações aparentemente ocultas.
A princípio, assim como a tesoura não pode cortar a si mesma, o olho
não pode ver-se. Ken Wilber diz ser necessário perseguir o dualismo até

 
ultrapassar seus limites (WILBER, 1977, p. 32)5. Esse enfoque experimental
parece ser praticado pela arte. O poder de inverter e ampliar o pensamento
através da produção da imagem é evocado por Merleau-Ponty (1984) como
revelador do espírito do ser humano projetado no mundo externo, para além de
seu próprio corpo. Com o exercício do vídeo como prática artística e de
pensamento, a nos proporcionar um outro olho que se vê vendo, buscamos na
experiência estética aqui explorada, um tipo de conhecimento através da
prática que parece indicar um modelo para ir além da experiência de separação
do ser e das aparências.
Por derivação latina, a palavra “consciência” pode ser tomada pelo
significado de “conhecer coisas juntas” ou “todas de uma vez”. O termo
consciência refere-se primeiramente aos atributos que costumamos associar a
seres que sentem, sencientes; mas também são referentes a uma sensação de
ser, ao sentimento, emoção, imaginação, memória, pensamento, mente,
inteligência, autoconhecimento e assim por diante. (HOUAISS, 2009) Todos
esses estados denominados “mentais” parecem mais facilmente identificados
por seus atributos “físicos”. A distinção entre estados mentais e físicos pode ser
cada vez mais duvidosa. Existem teorias dualistas ou semi-dualistas que dizem
que pelo menos algum aspecto da consciência não é físico (e, portanto, não
acessível à ciência). Existem teorias mecânicas quânticas que dizem que a
consciência é física, mas também ontologicamente misteriosa. (FREIRE,
PESSOA, BROMBERG, p. 2016)
A escola racionalista via no mundo um dualismo epistêmico entre os
aspectos empírico e lógico da realidade. Para Immanuel Kant (1724 – 1804),
ao perceber um dado objeto, os estados mentais pareceriam compostos de
partes; estes elementos seriam organizados de forma a conter algum sentido e
não se dariam simplesmente por meio de processos de associação.
Consideramos basal trazer o pensamento de Hanna Arendt (1906-1975), a
partir de seu viés da fenomenologia, pois ela se colocou a discutir
filosoficamente os princípios da percepção dos sentidos, que se desdobram
criticamente aos princípios encontrados no pensamento de Kant. Segundo

5 Ken Wilber (1949 - ) pensador norte americano escreve sobre psicologia transpessoal e
desenvolveu a teoria integral, por uma semiologia integral que sugere a síntese de todo
conhecimento e experiência humanos.
10

 
Arendt, as percepções sensoriais seriam ilusões da mente. (1981) As ilusões
mudariam de acordo com as condições do corpo; por exemplo, a doçura, o
amargor, o colorido e assim por diante, seriam sensações existentes apenas
por convenção e nomeação entre os humanos e não de acordo com a natureza
física por trás das aparências. Arendt considerava que, uma vez que o
equilíbrio sempre precário entre o mundo físico e o das aparências se
desprendessem, não importaria se o “mundo verdadeiro” abolisse o “aparente”
ou vice-versa. Todo o quadro de referência em que o nosso pensamento
estaria acostumado a orientar, então se romperia. (ARENDT, 1981, p. 11)
Se nós confiarmos apenas em nossas experiências com o que
aparece e não aparece e começar a especular nas mesmas
linhas, nós podemos bem, na verdade com plausibilidade muito
mais forte, concluirmos que pode de fato existir um fundamento
por trás de uma aparição do mundo, mas que o comando
desse fundamento está apoiado em seus efeitos, isto é, no que
faz com que algo apareça, em vez de sua pura criatividade. Se
o divino é o que causa aparências e não aparece em si, então
órgãos internos do homem poderiam ser suas verdadeiras
divindades. (ARENDT, 1981, p. 42)

Se partimos do princípio que a mente consciente pode exercer influência


sobre as próprias ações corporais, uma teoria da consciência poderia ser
tomada pela compreensão de que determinações mentais influenciam a função
fisiológica. Se podemos aceitar a ideia de que uma mente individual seja capaz
de mover a matéria de seu próprio corpo, como fazê-lo andar por desejo
voluntário; assim poderíamos entender além. Entender que a mente poderia
mover também a matéria num campo fora do próprio corpo. Nesse sentido
admitiríamos um tipo de telecinese6, movimentação de matéria à distância pela
força do pensamento. Essa ação à distância poderia acontecer em diversos
níveis de densidade da matéria.
No entanto, algumas histórias de materializações são colecionadas em
cofres seguros. Como tratou o artista brasileiro Vik Muniz (1961 – ), em
exposição coletiva “Made By... Feito por Brasileiros” que ocupou o espaço do
desativado Hospital Matarazzo em São Paulo, quando apresentou “o curioso
caso de Agenor Andrade Filho” ou “o episódio das pedras invisíveis”.

6
O conceito de telecinese, ou psicocinese, se refere a um dos fenômenos parapsicólogos com
efeitos físicos, ou de influxo do psiquismo sobre a matéria, por exemplo levitações e
deformações de objetos. (QUEVEDO, 1993, p. 46)
11

 
Vik Muniz encontrou um arquivo sobre o caso de Agenor, no cofre do
subterrâneo do Hospital, onde ficavam casos sem explicação médica científica
plausível, e apresentou vestígios do caso. Expondo um vidro para conserva de
laboratório contendo duas pedras imersas em líquido. No texto do artista é
apresentado o que se passou em março de 1958. O Sr. Agenor foi um paciente
considerado hipocondríaco que visitava regularmente o Hospital Matarazzo, e
passou a se queixar de fortes dores lombares. Depois de quatro visitas
consecutivas à emergência do hospital foi tratado com analgésicos e recebeu
alta, pois suas radiografias não apresentavam qualquer anomalia. Porém, uma
semana depois, Agenor voltou à emergência com febre alta e sinais de
insuficiência nos órgãos. Assim foi submetido à cirurgia, na qual os médicos
encontraram duas pedras, devido à gravidade do quadro o paciente veio a
falecer. As pedras foram encaminhadas para o legista que se surpreendeu com
vidros vazios. O legista fez o relato ao médico sobre o ocorrido. O médico, por
sua vez, constatou que embora o recipiente parecesse vazio, ao ser agitado
produzia um ruído de algo sólido. Concluíram no laudo que o Sr. Agenor teria
somatizado a doença renal e materializado dois objetos com qualidades
invisíveis ao olho humano, mas quando imersos em líquido seus contornos
tornavam-se discerníveis.

Figura 4: Imagem do frasco apresentado por Vik Muniz (2014) Fotografia de Maridangelo.
Figura 5: Esconderijo por Cila MacDowell. Experimento de refração com bastão de vidro, vidro
Becker, óleo de canola, fundo de veludo preto, luz vinda da janela aberta incidente no vidro
(ACERVO PESSOAL, 2015).

No início dessa pesquisa, realizamos uma experiência de refração da


12

 
luz, com um recipiente de vidro, contendo óleo vegetal à base de canola e uma
barra em haste também feita de vidro. Por razão do índice de refração dos
meios serem os mesmos, não ocorre desvio da luz que informa o objeto, assim
parte da barra submersa no óleo se torna invisível. Esse experimento não se
trata simplesmente de uma redução físico-óptica. A interpretação de uma
aparente ausência de parte da barra de vidro é reforçada pela presença
confirmada pela visão da outra parte. Há uma prática de inversão de
expectativa, entre o invisível material e o imaterial visível. Poderíamos concluir,
que nossa compreensão se confunde em interpretações dos sentidos. Ocorre
algo além da visão sobre o que é tocável, como no sentido háptico. A
imaginação aponta para algo que poderia modificar a matéria, como se mentes
se estendessem para tocar e alterar a realidade material, mesmo à distância.
Em “A formação do espírito científico”, o filósofo e poeta francês Gaston
Bachelard (1884-1962), menciona como as demonstrações pré-científicas eram
espetáculos de curiosidades produzidos em consideração à receptividade do
público; buscava-se ampliar o estímulo da percepção sensorial dos fenômenos
apresentados. A investigação se tornava sedutora, acabando por precisar da
dinâmica entre o empirismo e o racionalismo, para “continuamente trazer
assuntos a discutir no diálogo entre o espírito e as coisas”. (BACHELARD,
1996, p. 302) O alerta dado por Bachelard a respeito dos diversos obstáculos
do conhecimento epistemológico sugere que, para ir além do empirismo
imediato, é preciso compreender a Natureza, oferecendo-lhe resistência, e dela
duvidar, dispondo de certa ironia metafísica. (Idem, p. 25)
No desmembramento de problemas e experiências Bachelard aponta
três estados para o espírito científico, o concreto, o abstrato-concreto e o
abstrato. (BACHELARD, 1996, p. 11) O primeiro, o concreto, exaltaria a
unidade e diversidade da Natureza dado pela imagem dos fenômenos; o
segundo acrescenta à experiência física esquemas de representação abstrata
por geometrização (entre um modelo concreto e um abstrato); o terceiro seria
um estado abstrato, que adotaria voluntariamente as intuições e colocaria em
polêmica a realidade concreta. Na tentativa de recuperar o espírito cientifico
com abertura para a abstração, ao acrescentar a ordem do afeto, em nossa
pesquisa buscamos a convergência a esses estados de problematização, na

13

 
dinâmica de observação e empirismo.
Pela observação de paradoxos que animam a expressão na arte, em
nossa pesquisa devemos estar atentos à noção de que a visibilidade comporta
a invisibilidade, não apenas como um objeto não visto, mas com abertura para
outras dimensões desse invisível. A arte seria um possível meio de alcançar
profundamente a qualidade das coisas, sem estruturar-se unicamente na visão.
Isso indica um problema filosófico, de que conteúdos mentais se relacionam às
coisas externas à mente. A representação espacial estaria implicada na
percepção, para além do interior e do exterior do corpo, na não-localidade do
observador, procurando efeitos da mente sobre a matéria (Ibidem, p. 302). Na
profundidade, as coisas coexistiriam cada vez mais intimamente, deslizariam
umas nas outras e se integrariam.

1.2 - A coexistência do material e do subjetivo

Em síntese, a tese fisicalista ou materialista considera que tudo seria


fundamentalmente físico ou material. Por sua vez, na antítese dualista, tudo
seria fundamentalmente físico e o que não fosse físico seria basicamente
mental. A teoria de Gaia (LOVELOCK, 1992) recuperada da mitologia grega
para a narrativa científica de James E. Lovelock (1972 - ), traz a tese de que
tudo seria tanto fundamentalmente físico quanto mental. De certa maneira essa
tese retoma a síntese do pampsiquismo, essa corrente de entendimento da
vida que aceitaria uma certa constituição, cognitiva ou psíquica, da matéria ou
do mundo material. Sob influência dos estóicos e do hermetismo, o pensador
Espinoza (1632-1677) propôs a equivalência entre substância, Deus e mente.
(DELEUZE, 2002, p. 74) Contemporâneo a Espinoza, Leibiniz (1646-1716)
afirmava que as “mônadas” seriam espelhos vivos e perpétuos do universo. No
cálculo de Leibniz, utilizando os números com inspiração pitagórica (número
como essência das coisas), a mônada seria o número inverso do infinito:
Mônada= 1/∞ e Infinito (Deus)= ∞/1. Assim, as mônadas seriam passíveis de
percepção, o interior da matéria seria “substância imaterial, que raciocina”.
(DELEUZE, 2002, p. 15)
Para Leibniz haveria uma coextensão dos orgânicos e dos inorgânicos
apontando para uma ubiquidade do vivente em forças elásticas e forças
14

 
plásticas, formando dobras entre dobras. Leibniz recusando a hipótese de um
universo animado, supôs a alma como unidade da síntese, ou princípio
imaterial da vida, “cada corpo, por menor que seja, contém um mundo, visto
que está esburacado de passagens irregulares, rodeado e penetrado por um
fluido cada vez mais sutil, assemelhando-se o conjunto do universo a um
tanque de material que contém diferentes flutuações e ondas”. (DELEUZE,
2002, p. 17)
A ciência oculta buscou na teosofia compreender todas as ciências
naturais e supranaturais, pela harmonia entre ciência e religião com elementos
de autoconhecimento através da espiritualidade, desenvolveu as noções da
alma do mundo como no pampsiquismo e panteísmo, mas também como
colocado na fé de Pitágoras pelo poder dos números, ou das formas ideais de
Platão. (WASHINGTON, 2000) Dentre as concepções trazidas do budismo por
Helena Blavatsky, o “nirvana” aconteceria quando a alma perde sua identidade
própria e o ego se dissolve na grande alma do universo; e o “paramitas” seriam
o que Blavatsky entendia por perfeições da sabedoria – a percepção direta da
realidade ou verdade. O que aponta para ideias platônicas das quais Blavatsky
se afinava. (WASHINGTON, 2000)7
Um dos componentes deste elevado estado de visão é o
reconhecimento da “origem condicional”, o que significa dizer que não existiria
nada que não fosse composto por outras condições. Tudo teria origem, tudo
teria um devir dependente de outras coisas. A humanidade como um todo,
assim como, suas unidades que nos compõem, seriam feitos de graduações de
inteligências. O ser humano teria surgido pela interdependência da combinação
de três correntes evolucionárias: espiritual, intelectual e física. O contingente
das hierarquias de seres inteligentes que governariam essas correntes formaria
a composição do ser em sua complexidade. Em seus textos como em “A voz
do silêncio”, traduzidos para o português pelo escritor Fernando Pessoa, na
abordagem da espiritualidade, Helena Blavatsky diz que o corpo também seria
sustentado por um campo energético que se estende além da pele, um corpo

7
Responsável pela sistematização da teosofia moderna, Helena Blavatsky ou Madame
Blavatsky (1831-1891), como era chamada, foi uma prolífica escritora, filósofa e teóloga russa.
Seus escritos teosóficos, fundamentados na noética, aproximaram religiões do oriente e do
ocidente levando em conta o conhecimento científico.
15

 
etéreo, bioplasmático:
Observe! Tu te tornaste a Luz, Tu te tornaste o som, Tu és o
teu Mestre e o teu Deus. Tu és TU MESMO o objeto da tua
busca: a Voz inquebrantável que ressoa através das
eternidades, isenta de mudança, isenta de pecado, os Sete
Sons em um, Om Tat Sat. (BLAVATSKY, 1916, p. 08)8

O trecho acima é um tratado em busca da comunicação direta do


“devoto” com sua alma imortal. Blavatsky parece responder que a abertura
dada pelo exercício e estudo da espiritualidade faz deslocar o narcisismo,
tornando a autoimagem na própria imagem dos sonhos.
Por sua vez, Rudolf Steiner (1861-1925), austríaco, estudou
formalmente ciências, antes de escrever sobre o conceito de autoconsciência
do ego. Em seus ensaios sobre o desenvolvimento humano, Steiner trata de
uma percepção suprassensível que permitiria ver aspectos da natureza
invisibilizados pela consciência. A consciência humana teria aspecto de uma
cegueira, precisando da espiritualidade para promover imagens e a presença
de seres suprassensíveis. (STEINER, 1964)
Rudof Steiner postulou uma teoria da consciência, denominada
“Antroposofia” (GAMWELL, 2002, p. 99), teria sido uma proposição de ciência
da mente, com abordagem de métodos de conhecimento da natureza, do
universo e do humano sobre si mesmo. Steiner acreditava que a arte seria um
dos três aspectos essenciais para evolução espiritual - os outros dois aspectos
seriam a espiritualidade e a ciência – esses três aspectos que remotamente
teriam sido compreendidos como unificados. (STEINER, 1910, p. 4) Como na
era cristã em que o papel específico da arte era entendido como uma
manifestação a preencher a lacuna entre matéria e espírito. Em suas palestras,
Steiner demonstrava que as criações têm um significado além de nós mesmos
e além do reconhecimento que recebem. (HOWARD, 2003) Os processos da
arte não se originariam do nada, nem apenas de nós mesmos, seriam veículos
de qualidades espirituais com as quais estamos intimamente relacionados nas
8
A voz do silêncio é tratado místico que apesar de ser inspirado na tradução dos Preceitos
Áureos traz a convicção de Blavatsky, e a extensa bibliografia que estudara, para explorar as
questões da existência humana, como o Bhagavad Gita, o Sutta Nipata, e o Kathopanishad. A
tradução do tratado pelo poeta português Fernando Pessoa é curiosa, a Teosofia foi uma das
principais descobertas, do poeta português, em sua inquietação existencial, que o faria
penetrar nos escritos ocultistas e se empenhar em descobrir mais sobre Alquimia, Astrologia,
Rosa Crucianismo, Kabala, Maçonaria, etc, chegando a trabalhar como astrólogo. Ele traduziu
grandes obras do ocultismo como as de Helena Blavatsky, mas também de Annie Besant.
16

 
profundezas de nosso ser. (HOWARD, 2003)
A diferença entre conceito científico, que envolve a consciência e a
teosofia oculta de Blavatsky e Steiner, é que para os cientistas o alcance da
explicação do mundo natural em seu mais alto grau poderia ser investigado por
um método científico; enquanto que, para os ocultistas os mais altos níveis de
evolução da consciência cósmica seriam supranaturais e seriam alcançados
somente através da educação espiritual acompanhados da meditação
teosófica.
Os teosofistas acreditavam que a ciência seria capaz de provar suas
crenças. A ciência estaria a serviço da verdade teosófica. Steiner por sua vez
acreditou que poderia adaptar métodos para estudar a consciência de modo
científico, quebrando com a teosofia para criar uma sociedade antroposófica.
Como um dogma para facilitar a reconexão entre o espiritual e a ciência, a
antroposofia deveria ser uma pedagogia transmissível em diagramas e textos,
com informação científica incorporando a arte como articulação imagética e
conceitual. (GAMWELL, 2002)
O espiritual na arte do artista Wassily Kandinsky (1866-1944) foi apoiado
nas concepções místicas exotéricas na leitura das obras de teosofia de
Madame Blavatsky e também da antroposofia de Rudolf Steiner. Kandinsky
trouxe a manifestação espiritual a partir do gesto tornado subjetividade. O
processo de expressão estética teria o sentido de tornar o espírito
independente, instaurado pelas formas absolutas da abstração e não
unicamente por procedimentos de determinação e controle da matéria.
(GAMWELL, 2002)
A arte abstrata foi concebida por Kandinsky (1990) como um apanhado
de prescrições e invocações a fim de reconhecer a visão purificada do peso
ilusório da corporeidade figurativa. O princípio estético estaria ligado à ideia de
uma ordem sobrenatural sensível, assim passou-se a estabelecer valores
simbólicos para o abstracionismo. O artista não deveria estar submetido à mera
satisfação da aparência de condicionamentos racionais, ao tornar a experiência
estética sensível. A ordem espiritual encontrava-se conexa a uma certa noção
do primitivo, relacionado à magia, que deveria consistir no fundamento teórico
da abstração pictórica, obedecendo a regras da natureza interna ao artista, em

17

 
projeções desse estado de espírito que viria a refletir a ordem invisível do
cosmos expresso na materialidade. A repetição do protocolo de abstração
corresponderia à fórmula de encantamento, ao buscar incorporar a natureza na
arte, não como objeto, mas como procedimento que tem uma forma arcaica de
espiritualidade. (KANDINSKY, 1990) Com essa discussão se pode chegar ao
significado da auto-exposição, como um projeto capaz de ocasionar a
condução para a dissolução do ego. Vemos isso na experimentação em vídeo,
nas quais os artistas negociam com seu duplo, dada pela qualidade intrínseca
de duplicidade da imagem, quando é retomada a originária relação da magia
associada à produção de imagem.

1.3 - Experiência estética entre percepção e apercepção

Dentro da Crítica da Razão Pura, de Kant (1781), a noção de uma


“unidade da apercepção transcendental” seria uma função lógica, pressuposto
inquestionável de toda atividade racional, inscrita na própria constituição de
nossa intelecção, cuja origem nos seria totalmente oculta9. A teoria da
“apercepção” de Kant acreditava que o processo de organização dos
elementos mentais formaria uma unidade. Um todo composto psíquico dotado
de características que não seriam a mera soma das características dos
elementos que o formam, por isso, seria impossível de se perceber na
totalidade. (MARTINS, 1998/1999)
A corrente questionadora desse pensamento de Kant deu origem à
Gestalt. A palavra alemã Gestalt apresenta o sentido de figura, forma ou feição,
já a palavra Gestaltung apresenta um sentido de processo dinâmico, que pode
ser traduzida como formação, conformação, criação e organização. (KOFFKA,
1975) Na teoria da Gestalt acredita-se que ao perceber algo quando juntam-se
as partes, isso formaria um outro padrão que não existiria antes da soma das
partes10. Em termos simples, seria a abordagem de aspectos nos quais a

9
Kant faz uso de dois sentidos para o termo apercepção, como consciência da unidade de si,
como sujeito em aspectos transitivo-subjetivos, ou como unidade da consciência de aspectos
objetivos resultando na conceituação destes. (ALMEIDA, 1998, p. 144)
10
A noção de Gestalt foi primeiramente apresentada pelo filósofo austríaco Christian Von
Ehrenfels. Seus estudos apontavam para a existência de “objetos perceptivos”, como as
formas espaciais e as estruturas rítmicas, que se apresentam como “formas” ou relações
estruturais e não se reduzem à soma de sensações precisas. Nos princípios do século XX, o
18

 
estrutura organizadora do todo não se reduz à coleção, ou soma das partes
desse todo, mas no que transcende a percepção das relações entre as partes e
o meio contextual.
Kurt Lewin (1890-1947) contribuiu para o desenvolvimento da psicologia
da Gestalt de concepção ampla, em pesquisas com ênfase no comportamento
contextualizado, desenhou um modelo que apresenta estados de equilíbrio e
tensão entre o ambiente e o sujeito. Traçada como uma ecologia psicológica a
“Teoria do Espaço Vital” (LEWIN, 1975) é configurada como um modelo para
as atividades psicológicas de um indivíduo formadas por um campo de forças
das relações recíprocas entre o comportamento psicológico e o ambiente. O
espaço vital atenderia ao princípio da interdependência entre as partes
relacionadas e as circunstâncias do ambiente, pois se daria numa relação
dinâmica e de interdependência a constituir o próprio espaço de vida do
indivíduo, definindo a forma percebida e interpretada do ambiente externo
que o rodeia. Outro princípio aplicado por Weil, seria o da contemporaneidade,
pois a exemplo deste ambiente psicológico haveria uma experiência temporal
que conteria passado, presente e futuro. (LEWIN, 1965)
A Gestalt se consolidou como teoria para o desenvolvimento da
percepção nas atividades de imaginação, compreensão e interpretação de
estímulos sensoriais. Como se percebem as coisas e como o campo perceptivo
se organiza espontaneamente através das formas. As propriedades de Gestalt
qualitäten, seriam percepções baseadas em algo além da aglutinação de
sensações individuais. O psiquiatra e psicoterapeuta suíço, Carl Gustav Jung
(1875 – 1961) descreve a apercepção, como o processo que de interpretação
pela mente através da avaliação das respostas aos estímulos do mundo fora
de nós. A matéria do corpo físico reagiria aos impulsos recebidos também da
matéria, cabendo ao espírito interpretar o seu significado através desses
processos mentais. (JUNG, 1938)

conceito para o desenvolvimento da Psicologia da Gestalt, também chamado de Psicologia da


forma, ou simplesmente Gestalt, foi tomado pelo movimento de psicólogos alemães Max
Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1940). Teve
contribuição de Kurt Lewin que abordou aspectos sobre a teoria de campo psicológico na
Gestalt, transitou muito entre os campos sociais e a necessidade de pesquisa-ação, em áreas
de processos sociais e motivacionais. Jung também contribui com a Gestalt-terapia com o
conceito de sombra, no qual aspectos polares são complementares, para a visão gestáltica de
polaridades.

19

 
Sob esse prisma, Jung entende que o processo de reconhecimento do
mundo ocorreria em duas etapas: 1) Percepção – aquisição de informação
através dos sentidos; e 2) Apercepção – interpretação e entendimento da
informação oriunda da percepção.
Em linhas gerais, a percepção seria um processo mais fisiológico,
enquanto que a apercepção seria mais psíquico. A apercepção, por sua vez,
seria composta por vários processos menores que foram descritos por Jung em
fases de: reconhecimento, avaliação, intuição, volição e instinto. (JUNG, 1938,
p. 75-78)
O processo de reconhecimento seria realizado através de uma
comparação com o material presente na memória do indivíduo e desencadearia
as fases relacionadas com o que foi reconhecido, decorrentes de atividades
mentais. Podemos entender que toda percepção teria um receptor de sentidos
que realizaria transmissões, ou seja, operações de propagação e
reestruturação, como um tipo de corporificação de mensagens. O sistema
orgânico dos sentidos seria determinado pelo sentir como percepção fisiológica
e motora interligada ao intelecto. A diferença entre a percepção sensorial e a
percepção de si mesmo seria uma chave para a criação.
John Dewey (1859-1952), aponta para a arte como espaço privilegiado
de coexistência do material e do subjetivo, designado por um empirismo
subjetivo. Se a arte denota um processo de criação ou de execução e envolve
atividades, o que distinguiria a arte de outras atividades, então, poderia estar
na intenção em criar algo cujas características audíveis, visíveis ou tangíveis
produzam sentimentos. (DEWEY, 2010, p. 205) A implicação mútua entre a
ideia e a sensação, leva o autor a conceber a matéria e a sensação como
corporificação (embodiement) daquilo que, em abstrato, é entendido como o
ideal, subjetivo ou espiritual. Para Dewey, corporificação refere-se a um
processo de habitar um mundo inerentemente social, de experiência
compartilhada. (CUTCHIN, 2004) Parte do objetivo contido no pragmatismo de
John Dewey seria restaurar a continuidade entre a arte e as experiências
vividas no cotidiano, como uma experiência sensível.
Devemos nos ater para o argumento de que a própria racionalidade
seria orientada por processos intuitivos, ou seja, por dados da experiência

20

 
sensível que escapam às prescrições demonstrativas. Sobre o conceito de
experiência John Dewey diz ser a atividade criativa e inteligente que não pode
ser vista como distinta da natureza, mas como algo que a penetra e a expande,
um processo de relações mútuas, pelos quais os corpos agem sob os outros e
dai sofrem experiência no sentido amplo. A experiência perceptiva na arte,
orientada para a imediaticidade da vida, seria como por uma força vital do
exercício arte que avança de um estado germinal, na qual o organismo vivo, o
corpo sensível, estaria em adaptação ao ambiente na dinâmica para a busca
do equilíbrio. (DEWEY, 2010, p.14) Ao assegurar o caráter operacional do
pensar, enquanto instrumentalização necessária à estética, ou seja a arte como
tarefa do pensamento, seria um exercício de possibilidades a revelar a posse
peculiar sobre o tempo, como um tempo da experiência. Diz John Dewey,
“quando a experiência é predominantemente de investigação, tem status de
fornecer provas ou sugerir hipóteses, quando é ‘prática’, o de fornecer pistas
para a ação presente”. (DEWEY, 2010, p. 241) Hanna Arendt nos faz recordar
as disciplinas chamadas de metafísica ou mesmo de filosofia, pois lidam com o
que não é dado pelas percepções sensoriais diretas, mas pela compreensão
que transcende o senso comum. A partir do que surge da experiência sensorial
se pode chegar a validar os testes empíricos. (ARENDT, 1981)
Se percebemos e somos percebidos ao mesmo tempo, assim os
estados de ser e aparentar devem ser coincidentes. Arendt coloca um
problema norteador para nossa pesquisa, que concerne às formas do
pensamento em aparecer. Os pensamentos entendidos como atividades
mentais contidas no espaço interno do corpo, seriam invisíveis e inaudíveis, e
ainda impossíveis de aparentar e se concretizar. A expressão artística se
mostra movida a persistir na busca por modos próprios para a realização do
imaterial no mundo concreto e carrega nesse empenho a qualidade em propor
modelos regidos por inúmeras possibilidades imaginadas.
Sabemos que, atualmente, podemos perceber movimentos antes
inaudíveis ou invisíveis, e ainda ampliar nossa capacidade perceptiva em
outras direções através de tecnologias que assessoram nossa capacidade de
atenção a fenômenos externos e internos ao corpo e suas ligações. Arendt
argumenta contra o positivismo simplório que acredita ter encontrado um firme

21

 
fundamento de certeza, usando como método a desconsideração, ou a
exclusão de estranhos fenômenos mentais, acabando por se ater a fatos
observáveis e mensuráveis da realidade cotidiana dada aos nossos sentidos.
(ARENDT, 1981) Ao desconectar mente e corpo se excluiu uma série de
análises dos próprios sentidos, até mesmo a produção de ilusões, sendo essas
de ordem psicológica, espiritual ou paranormal. Sendo que a paranormalidade,
pode até mesmo não se tratar de ilusão fora do normal, mas de uma ordem
diversa das normalidades nomeadas.
Estamos em nossa pesquisa buscando investigar como através da arte,
podemos acionar sentidos semelhantes aos que reconhecemos nos fenômenos
paranormais, que potencializam percepções com qualidades suprassensoriais
ou transensoriais. Principalmente por levarmos em consideração que pode
haver campos considerados obscuros que através da arte parecem emergir.
Vemos indícios de campos que podem também influenciar um tipo de
preconcepção que parece estabelecer padrões de semelhança no que
percebemos e interpretamos por efeitos. Ao conectar prática e teoria no
exercício da arte, buscamos uma integração dos sentidos que molde a
experiência estética. Acreditamos que essa experiência ao promover o desvio
do dualismo, como o que separa o ser das aparências, pode vir a produzir
sentimentos de estética integrativa.

1.4 - Percepção subjetiva do tempo e espaço

A questão da temporalidade se apresenta como um problema que


também nos coloca em embate com a dualidade. O tempo real não seria
apenas um esquema espacial de medição. O filósofo francês Henri Bergson
(1859-1941), para quem o tempo constitui um tema fundamental, aferiu que o
movimento do corpo deveria ser entendido como o movimento da mente. Por
acontecimentos psíquicos e físicos, o tempo real deveria ser considerado na
infinidade de fluxos e durações da natureza, cujas propriedades seriam a
sucessão, a continuidade, a mudança, a memória e a criação. A partir da noção
de interface entre mente e corpo como um sistema sensório-motor, se daria um
domínio de representação espacial da temporalidade da vida interior.
(BERGSON, 1999)
22

 
Para abordar o aspecto dinâmico da criação, Bergson acrescentou a
noção de elã vital (BERGSON, 1971), como invenção e condição do
indeterminável e imprevisível. Ao unir metafísica e psicologia, sua abordagem
apresentava o tempo fictício e o tempo real por uma temporalidade do psíquico
que começaria e recomeçaria a cada instante.
Na passagem por estudos sobre as filosofias de Espinoza e de Bergson
sob o ponto de vista de Gilles Deleuze e Félix Guattari mirando nos
agenciamentos do desejo, tomam o materialismo como base para os processos
de subjetivação. Para Deleuze e Guattari, o desejo produz, e o faz no âmbito
real, mesmo sendo este real constituído de fragmentos e multiplicidades. A
retomada do vitalismo bergsoniano por Deleuze (1999), no que refere à noção
de elã vital, seria uma força vital que perpassa as transformações da matéria
aos viventes. O conceito de agenciamento é amplamente trabalhado no livro
Mil Platôs, de Deleuze e Guattari. Para os autores, “um agenciamento é
precisamente este crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda
necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões”.
(2000a) A palavra agenciamento é usada para indicar uma comunicação entre
fluxos ou forças heterogêneas circulando indiscerníveis, ou seja, não seria
unicamente uma relação associativa entre formas ou termos previamente
acessados. (2000a, 2000b, 2000c)
Essa noção tem a definição da vida como tendência à ação sobre a
matéria inerte, uma auto-organização morfogenética espontânea, uma força
vital explosiva e de equilíbrio instável. Na análise de Deleuze sobre o vitalismo
bergsoniano, a consciência estaria ligada às percepções intuitivas da
experiência em fluxo de duração interna. A inteligência traria a própria intuição
como método, haveria no humano uma distinção estabelecida entre dois tipos
de inteligência. Uma inteligência que opera por analisar e sintetizar e outra que
trabalha movida por algo não intelectual, que Bergson denomina por emoção
criadora, seria o meio afetivo onde ocorre a intuição. (BERGSON, 1971, 1992)
Para Deleuze, o que Bergson chama de impulso vital “trata-se sempre de uma
virtualidade em vias de atualizar-se, uma simplicidade em vias de diferenciar-
se, uma totalidade em vias de dividir-se”. (DELEUZE, 1999, p. 81) E cada parte
dá testemunho de sua origem indivisa.

23

 
[...] toda imagem é interior a certas imagens e exterior a outras;
mas do conjunto das imagens [matéria] não é possível dizer
que nos seja interior ou que nos seja exterior, já que a
interioridade e a exterioridade não são mais que relações entre
imagens. Perguntar se o universo existe apenas em nosso
pensamento ou fora dele é, portanto, enunciar o problema em
termos insolúveis, supondo que sejam inteligíveis; é condenar
a uma discussão estéril, em que os termos pensamento,
existência, universo serão necessariamente tomados, por uma
parte ou por outra, em sentidos completamente diferentes.
Para solucionar o debate [entre realistas e idealistas], é preciso
encontrar primeiro um terreno comum onde se trava a luta, e
visto que, tanto para uns como para outros, só apreendemos
as coisas sob forma de imagens, é em função de imagens, e
somente de imagens, que devemos colocar o problema.
(DELEUZE, 1999, p. 21)

O processamento da percepção é colocado por Bergson, sob a


temporalidade de um sujeito operante, que se estabelece na relação entre o
espírito (passado) e o corpo (presente), na qual a experiência perceptiva
resulta remodelada por um impulso de criação (futuro), ininterrupto, flexível e
perpétuo. Assim o sentido de unidade mínima implica em um corte móvel na
duração. (BERGSON, 1971, p. 753)

O cinema opera com dois dados complementares: cortes


instantâneos, que chamamos imagens; um movimento ou um
tempo impessoal, uniforme, abstrato, invisível ou imperceptível,
que existe "no" aparelho e "com" o qual fazemos desfilarem as
imagens. (BERGSON, 1907, p. 753 apud DELEUZE, 1983, p.
3)

A partir das proposições de Bergson, podemos compreender que a


duração é o tempo em si mesmo, que passa incessantemente modificando
tudo e o faz também na dinâmica da vida psíquica. O movimento se dá como
um ato de percorrer indivisível em sua heterogeneidade. Na temporalidade de
duração homogênea, reduz-se o tempo real psíquico às imagens do espaço
físico ou às unidades do espaço lógico-matemático, como um diagrama
espaço-temporal. Na duração heterogênea fala-se de um tempo da existência,
visto que na duração (ou no tempo em si) nunca se repete a mesma sensação.
(BERGSON, 1988)
Deleuze entende a unidade da duração como a imagem-movimento no
cinema sendo a percepção, ao passo que a imagem-percepção “é a percepção
da percepção”. (DELEUZE, 1983, p. 45) Deleuze parece tratar da associação e

24

 
atração das imagens como parte de uma proposta integrada na qualidade de
coexistência temporal da experiência da imagem-movimento. A exemplo de
desenhos animados dado por Deleuze, as imagens se fazem e desfazem em
qualquer instante de seu trajeto.
A arte moderna reforçou o exercício da temporalidade em suas
oposições sobrepostas na junção do repouso com o movimento, “a
simultaneidade contendo sempre a experiência implícita de sequência”, como
se entende pelas análises da americana teórica e crítica de arte Rosalind
Krauss (1941 - ), quanto ao desenvolvimento da pintura e escultura nos
caminhos da arte européia. (KRAUSS, 2007, p. 6)
A temporalidade ganhou reconfigurações na prática da imagem em
movimento com repercussão na produção em cinema e posteriormente em
vídeo, que veio a ser ferramenta de experimentação do tempo com suas
qualidades técnicas específicas como extensão do corpo11. A produção da
imagem-movimento parece por vezes se colocar na tentativa de tomar a
intuição como método para perceber subjetivamente o tempo sem imobilizá-lo.
(DELEUZE, 1983, p. 18)
Interessa à arte a assimilação do tempo como reorganização da
experiência estética. Tal qualidade extensiva ao corpo se vê hoje exacerbada
pelo uso das mídias locativas, como por exemplo, os celulares pessoais
passam, cada vez mais, a serem experimentados em dispositivos acoplados ao
cérebro para comando de funções associadas ao corpo ou a outros objetos.
Em síntese, no modo de conhecer do dualismo operamos na tendência à
abstração do objeto estudado, na retirada de toda a variabilidade do objeto ou
por um máximo de variáveis para que se possa controlá-lo e produzir
conhecimento em uma lógica de duração homogênea. Já no modo da intuição
a operação seria metafísica e tenderia para a apreensão do conhecimento de
duração heterogênea.
Na dualidade tendemos a uma compreensão fragmentada entre
temporalidades distintas, assim cria-se um tempo ilusório fragmentado.
(BERGSON, 1971, p. 37) O problema se mantém se a percepção subjetiva for
determinada pela presença, que em temporalidade é parcial, por constituir de

11
Cf. Nesse texto, na parte prática de pesquisa em vídeo, Parte 2, capítulo 5.
25

 
um lado a imagem percebida e de outro a própria percepção. (PRADO Jr.,
1989)
Percebemos o intervalo entre as coisas e suas relações de distância e
movimento. A noção espacial deriva da altura e da largura, e estabelece a
profundidade como terceira dimensão. O deslocamento dos corpos altera a
visão e dá movimento temporal ao pensamento; a temporalidade inicialmente
seria esse movimento em curso na quarta dimensão. Este dançar entre as
coisas, carrega em si o paradoxo do ponto de vista em fluxo, em suas relações
espaço-tempo. Essas dimensões articuladas concedem ao pensamento a
construção da relação do ser com o mundo.
Em argumento contra a experiência dióptrica do modelo das
racionalidades prioritariamente galgado na fenomenologia do olhar, o filósofo
francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), afirma que é preciso radicalizar a
crítica às idealizações da natureza como um único plano inerte, destituído de
latência e virtualidade, a fim de devolver a pluralidade à natureza. Ao colocar, o
corpo como operante para potencializar o próprio sentido de presença,
Merleau-Ponty propõe que a experiência seja um íntimo entrelaçamento entre
consciência e materialidade. Espírito e corpo compondo um todo que não deve
ser fechado, tudo seria feito do mesmo estofo orgânico. A fenomenologia da
percepção pretende endereçar o olhar para além de si como presença, ao
eleger a experiência dos sentidos como guia da operação expressiva, no
processo do pensamento. Por esse esforço empreende-se o retorno ao estado
de um tipo de indivisão entre o sujeito, o outro, os corpos e o mundo. Ao
promover a geração de sentido enraizado na corporeidade, como operação da
expressividade, a exemplo da expressão gestual e corporal da fala, ocorreria
um tipo de manifestação da presença sensível. (MERLEAU-PONTY, 1994)
Em congruência com a fenomenologia da percepção de Maurice
Merleau-Ponty, a experiência participativa da arte proposta pelos
neoconcretistas brasileiros Lygia Clark (1920-1988) e Hélio Oiticica (1937-
1980), tomava a temporalidade como manifestação do corpo/pensamento
trazida à potência de aproximações entre arte e vida. No exercício da arte, o
enigma do pensamento deveria estar atravessado pela experiência do corpo
em meio a pontos de vista inconformes. A obra estaria no ato para gerar

26

 
possibilidades de elaboração de novas significações; o processo criativo seria
oferecido ao participante. As proposições desses artistas foram impregnadas
pela ideia de corpo perceptivo em interação com o mundo. Se o observador
está diretamente, ou indiretamente, implicado na observação, deve levar-se em
conta o observador como parte de um sistema vivo e considerar seu papel
nesse sistema. A ênfase dada pelos artistas brasileiros estaria na ampliação de
consciência do processo vivido e orgânico. (NÓBREGA, 2006)
Tenho refletido sobre o paralelo que existe entre a evolução
religiosa e a artística. Desde a arte antiga até a atual, que
solicita a participação do espectador, a distância psíquica entre
o sujeito e o objeto não cessou de diminuir ao ponto de se
fundirem hoje um no outro.(…) Tudo se passa como se hoje o
homem pudesse captar um fragmento de tempo suspenso,
como se toda uma eternidade habitasse o ato da participação.
Esse sentimento de totalidade apanhado no ato precisa ser
recebido com muita alegria, para aprender a viver na base do
precário. É preciso absorver esse sentido do precário para
descobrir na imanência do ato o sentido da existência.
(CLARK, 1965)

Para a artista Lygia Clark a arte que prescindiria do objeto em suas


experiências de vivência, seriam ativadoras do “infrasensorial”. Hélio Oiticica,
por sua vez, em suas proposições estéticas a partir da participação dos sujeitos
envolvidos em um comportamento perceptivo, apontava para um
alcance “suprasensorial”: por "exercícios criativos” nos quais a improvisação e
a expressão corporal teriam um papel decisivo. Exercícios dirigidos aos
sentidos corporais permitiriam “dilatar a consciência do indivíduo, para viabilizar
a descoberta do seu centro criativo interior, de sua espontaneidade expressiva
adormecida, para desaliená-lo de condicionamentos do cotidiano”. (OITICICA,
1967, p. 55-67) Sabe-se que o processo de dilatação interior, ao qual Oiticica
se refere visa o suprasensorial, intencionava a liberdade de acesso às
experiências visionárias potencializadas por estados alterados, por via de
alucinógenos ou não, assim como por práticas ritualísticas e artísticas. Oiticica
descreve um exemplo de exercício para demonstrar que o acesso ao
suprasensorial começaria na experiência sensorial:

Numa bacia de plástico azul (Bólide-bacia número 2- B$%-


“Senso”) coloquei lama de barro, o participador é solicitado a
apalpar, enterrar sua mão na lama (com ou sem luvas) para
sentir a sensação do mexer na lama. Alguém, ao fazê-lo, disse-

27

 
me: sinto como se voltasse à infância (talvez associando a
liberdade de fazer bolos de lama ou simplesmente brincar com
ela, tão comum quando se é criança) Na verdade há a
sensação do moldar algo, que aqui é indeterminado_ ou a
sensação de apalpar carnes sensual e fundamental ao
indivíduo. Ou essa sensação que decorre da participação
sensorial nessa alma já deixa de ser simplesmente sensorial,
se bem que sensorial não indicasse nunca algo simples como
parecesse_ mas, mesmo considerando que sensorial fosse
algo complexo, como o é, quero propagar um limite dessa
ordem: tende ela ao supra sensorial ao romper a barreira da
inibição puramente sensorial_ a experiência se alça por sobre o
objeto da mesma, se subjetiva, liberando super sensações,
originais, míticas, nunca antes movidas. Que sente então o
indivíduo? Qual função tem esta sensação hiper-movida, que
nasce com o seu subconsciente_ libera ela algo necessário ou
será um estranho pensamento gratuito?”. (OITICICA, 1967, p.
67. Grifos no original)12

Procuramos em nossa investigação direcionar a atenção às camadas


espectrais que a arte parece nos fazer acessar, sob circunstâncias
esquemáticas do sensório-motor da linguagem do corpo e seu campo
vibracional. Esse direcionamento tem respaldo na psicologia de orientação
transpessoal, que encontramos em trabalhos de Pierre Weill, Ken Wilber e
Suely Rolnik13. O transpessoal seria a visão de ser humano como um ser bio-
psico-sócio-espiritual, no qual busca-se integrar harmoniosamente a dimensão
corporal (soma), a dimensão psíquica (psyche), a dimensão intelectual (nous) e
a dimensão espiritual (pneuma). O termo transpessoal significa além da

12
A obra de Hélio Oiticica é permeada por diversas linguagens, fazia o uso de recursos de
diversas mídias explorando projeções de slides e objetos a serem manipulados para a efetiva
participação do público-visitante, além da pintura, escultura, fotografia, cinema, música e
performance, e instalações multimídia imersivas. Ao produzir uma série de explorações
multissensoriais, estimulava a participação para promover um sensorial que acreditava ser
capaz de unir arte e vida.
13
A psicologia transpessoal surgiu nos EUA, em 1969, a partir do encontro de Abraham
Maslow, Stanislav Grof, Vitor Frankl, James Fadiman e Antony Sutich, no qual a oficializaram
como a quarta força da psicologia, enfocando o estudo da consciência e o reconhecimento dos
significados das dimensões espirituais da psique. Fazendo pontes entre ocidentais de
psicologia e as tradições espirituais do Oriente e do Ocidente buscavam integrar à psicologia
as vivências espirituais e as experiências caracterizadas por um estado de consciência
superior, que contém todas as experiências anteriores do indivíduo no sentido de conduzir o
ser humano em direção à transcendência. Assim propuseram que a psicologia transpessoal
deveria: “1) concentrar-se na experiência humana, abandonando a pesquisa com animais; 2)
enfatizar que as experiências interiores dos seres humanos são tão ou mais importantes que
seus comportamentos observáveis (embora esses não possam ser desprezados); 3)
determinar o que é o ser humano saudável e estudar seus aspectos positivos: felicidade, paz
de espírito, êxtase; 4) estudar os seres humanos como organismos integrais, que não podem
ser divididos em partes para facilitar a observação; e 5) entender a “autorrealização”. (PARIZI,
2006)
28

 
persona, palavra grega para designar a máscara que os atores usavam no
teatro, ou seja, além da máscara. A terminologia proposta por Stanislav Grof e
aceita pelo movimento transpessoal, diferencia “estados habituais de
consciência” derivado de percepções parciais (“estado hilotrópico”) e “estados
ampliados de consciência” (“estado holotrópico”) derivado das percepções mais
totalizantes. (PARIZI, 2006)
Logo, para todos autores se faz necessário perseguir a habilidade em
detectar estímulos, além dos reconhecidos sentidos básicos. Haveria algum
sentido que integre todos os sentidos? Sob a perspectiva de alcance
transpessoal, acreditamos que através da arte, possamos reconhecer um tipo
de percepção transensorial a ser levada em consideração para o sentido de
integralidade.
Segundo a psicanalista brasileira Suely Rolnik (1948 - ), em nossa
relação com o Outro, o Outro seria uma presença integrada à nossa textura
sensível, presença de multiplicidade plástica de forças pulsantes que nos
atravessam. Nessa percepção vibrátil o outro seria parte de nós mesmos, o
que nos leva a considerar um tipo de telepatia ativada pelo afeto. O corpo-
vibrátil seria esta segunda capacidade de nossos órgãos dos sentidos em
ressonância com o outro (seus corpos e sentidos) de promover integração.
Para Rolnik, o corpo-vibrátil seria uma capacidade que foi reprimida, por isso
nos é desconhecida, mas que “nos permite apreender a alteridade em sua
condição de campo de forças vivas que nos afetam”. O exercício desta
capacidade deveria estar desvinculado da história do sujeito e da linguagem. A
fim de se dissolverem as figuras de sujeito e objeto e aquilo que separa o corpo
do mundo. (ROLNIK, 2006, p. 12)
Na tentativa de lidar com obstáculos de compreensão da consciência, o
neurocientista Antônio Damazio (1944 - ), diz ser necessário enfocar
diretamente o problema da individualidade (self), porém, sem negligenciar, nem
minimizar o “outro”, para que a complexa matriz de relações seja também
compreendida como uma questão da consciência. (DAMAZIO, 1996, p. 31) As
ciências cognitivas dedicam esforço de investigação na estrutura dos
hemisférios cerebrais, em explicações sobre o córtex cerebral que compõe o
sistema límbico, o cérebro é entendido, por Damazio como um supersistema de

29

 
sistemas. Cada sistema seria composto por uma complexa interligação com a
ativação de núcleos neurotransmissores no tronco cerebral e as respostas que
contornam o corpo, por mecanismos que nos auxiliam a sentir, entende-se que
cada um de nossos órgãos dos sentidos é portador de uma dupla capacidade:
cortical e subcortical. (DAMAZIO, 1996)
A princípio, as capacidades cortical e subcortical teriam modos de
apreensão da realidade que obedecem a lógicas distintas e irredutíveis. A
capacidade cortical corresponde à percepção que nos permite apreender o
mundo em suas formas, para em seguida projetar as representações que
dispomos de modo a lhes atribuir sentido. Esta capacidade nos é mais familiar,
pois é associada ao tempo, à história do sujeito e à linguagem. Mantendo entre
si uma relação de exterioridade, a capacidade cortical seria a que conserva o
mapa de representações vigentes, de modo que possamos nos mover num
cenário conhecido, mesmo em constante atualização. Já a capacidade
subcortical seria a que nos permite apreender o mundo, sobre o que nos afeta
e se faz presente em nosso corpo, sob a forma de sensações e emoções. Por
isso Rolnik arrisca dizer que o corpo como um todo, cortical e subcortical, teria
um tipo de poder de vibração das forças do mundo. (ROLNIK, 2006; DAMAZIO,
1996)
A noção de “corpo-vibrátil” foi trazida por Rolnik para a análise da obra
de Lygia Clark e suas operações entre campos de atuação da experiência
estética e da aplicação clínica psicológica experimental (ROLNIK, 2006). Ao
experimentar com regularidade diferentes ações, ou vivências, Clark colocava
os participantes em relação com objetos propositivos, como elementos para
criar dinâmicas próprias de um tipo de ritual de iniciação, a fim de estimular
algum tipo de vibração que ampliasse as chances de criação de
desconstruções dos sujeitos e suas subjetividades criativas obscurecidas. À
vivência propositiva de Clark seria de levar à dissolução da noção de indivíduo
separado do todo, por um contorno da imagem corporal, levando a aventuras
de novas subjetividades, provocaria nas palavras de Rolnik a “processualidade
fervilhante de nosso corpo-vibrátil sem imagem”. (ROLNIK, 2006, p. 12)

É através da criação que o artista enfrenta o mal-estar da


morte de seu atual eu, causada pela pressão de eus larvares
que agitam-se em seu corpo. Tal enfrentamento, o artista opera
30

 
na materialidade de seu trabalho: aí se inscrevem as marcas
de seu encontro singular com o trágico festim. Marcas desta
experiência, elas trazem a possibilidade de sua transmissão:
ampliam-se na subjetividade do receptor as chances de realizar
a seu modo este encontro, aproximar-se de seu corpo-vibrátil e
expor-se às suas exigências de criação. (ROLNIK, 2006, p. 12)

Seria a tensão paradoxal estabelecida entre as percepções de ordens


diversas, a cortical e a subcortical, que segundo Rolnik mobilizaria e
impulsionaria a potência do pensamento/criação. Na medida em que as novas
sensações são intransmissíveis por meio das representações de que
dispomos, essas sensações se incorporam à nossa textura sensível, nossos
territórios existenciais. Por esta razão, elas colocam em crise nossas
referências e impõem a urgência de inventarmos formas de expressão. Assim,
integramos em nosso corpo os signos que o mundo nos acena e através de
suas expressões, se restabeleceria um mapa de referências compartilhado, já
com contornos reconfigurados. Movidos por este paradoxo, somos
continuamente movidos a pensar/criar. O exercício do pensamento/criação
tem, portanto, um poder de interferência na realidade e participação na
reorientação de seu destino, constituindo assim um instrumento essencial de
transformação da paisagem subjetiva e objetiva.

Sou da família dos batráquios: através da barriga, vísceras e


mãos, me veio toda a percepção sobre o mundo. Não tenho
memória, minhas lembranças são sempre relacionadas com
percepções passadas, apreendidas pelo sensorial. Num lapso
de segundo eu me sinto tomada pela quentura da mamadeira
na palma da mão, acompanhada pelo gosto do leite morno
que desce devagar, deixando um rastro de bolhas atrás de si.
Experiência esta, talvez a mais remota dentro da minha
vivência, inscrita no meu passado, que se faz presente ainda
hoje. Havia uma tal incorporação e coesão neste instante que
hoje só é comparável a esta sensação, me vem outro instante
Figura 6: Lygia Clark -
em que, me sentindo inteira, coesa, unida, me sinto como se
Imagem documental de
“Diálogo de mãos” (1966). estivesse de mãos dadas comigo mesma. (CLARK, 2015,
p.166)

O corpo vibrátil seria um corpo em relação, um corpo em devir, ou seja,


propenso a uma processualidade corporal. Faz sentido a proximidade do corpo
vibrátil ao conceito nomeado como “corpo-sem-órgãos” (ou CsO), por Gilles
Deleuze e Félix Guattari (2000c, p.10), que por si é um conceito de

31

 
subjetividade flexível, um movimento de intensidades em detrimento da
organização na qual os fluxos perceptivos circulam. Suely Rolnik (2006) se
refere a uma política de subjetivação caracterizada pela capacidade de cada
um de nossos órgãos dos sentidos, e exercício duplo: em perceber o mundo,
como forma e apreender este mundo como um campo de forças. Em nossa
pesquisa buscamos entender esse campo que parece ser ativado por forças
próprias à experiência estética. Desta maneira, passamos a investigar as
teorias dos fenômenos de campo por percepções sensoriais que podem dar
conta desse exercício de sobreposições, isso se tiverem nossa atenção.

1.5 - Da teoria de campo ao transensorial na arte

Ao propor uma abordagem da arte através de experiências sensoriais,


passamos a investigar fenômenos de campo, por vermos semelhanças quanto
a efeitos percebidos na experiência estética. Procuramos estudar alguns
princípios da física e mapeamos áreas de interesse para realizarmos alguns
experimentos. Ainda assim, não nos interessa ordenar acontecimentos na
gênese da área científica, mas procuramos absorver aspectos que nos fazem
perceber, por um viés não dualista, o que a própria física permite ultrapassar.
No contexto da física, o termo “campo” partiria da noção denotativa da
capacidade de forças de agirem através do espaço por “zona de influência” de
um corpo sem restringir à ação por contato.
Investigações de fenômenos de campo atravessam a história, o modelo
do universo de Aristóteles (384-322 a.C.) desejava ir além das aparências e
encontrar aquilo que é permanente e imutável por trás de tudo que
observamos, supondo que todos os espaços do universo – mesmo os que
parecessem vazios – estariam cheios de matéria, levando a entender que para
além dos quatro elementos (água, terra, fogo e ar) haveria um quinto elemento,
a “quintessência”. (DECAEN, 2004, p. 377)
O método das hipóteses entrou em voga em meados do século XVIII,
em particular, para a explicação dos fenômenos da eletricidade, magnetismo,
calor e gravitação. Eram apresentados modelos hipotéticos para a
compreensão de haveria uma matéria sutil ou fluido sutil que preencheria o
espaço de propagação da luz. O éter luminífero em uma das hipóteses seria

32

 
essa substância presente no cosmo, na medida em que se tratava de um tipo
de matéria, de alguma maneira diferente da ordinária e sujeita a outras
14
interações. O éter era considerado por às vezes apresentar partículas
dotadas de poderes ativos, entendidos até mesmo como atividades mágicas e
também por isso esse modelo era menos compatível com as teses
mecanicistas, tendo sido colocado sob suspeita severa. (DECAEN, 2004, p.
399)
Uma vez que o modelo de éter do século XIX foi abandonado pela
ciência moderna, o avanço científico exigiu a introdução de novos entes
semelhantes. O fenômeno da luz inicialmente sugeria prescindir de um meio de
algum tipo e na qual seria condição necessária para se dar a visão. Por se ver
coisas à distância, logo, a visão seria questionável, poderia haver algum tipo de
transmissão através do espaço intermediário que restauraria um contato
mediado entre o observador e o objeto observado. A ação por contato opunha-
se à ação à distância sem mediação, noção que sempre parecia rondar quando
se tratavam dos fenômenos da atração gravitacional, da eletricidade e do
magnetismo, mas que era uma condição considerada pouco aceitável, uma vez
que se postulava que “a matéria não poderia atuar onde não está”. (BUNGE,
2017, p. 50)
A suposição de que o observador estava separado do evento
observado, estaria assim comprometida, dando abertura a suposições
paradoxais. Na primeira parte do século XX, com o amadurecimento sobre a
teoria da relatividade e posteriormente da teoria quântica, ocorreram profundas
transformações no entendimento da natureza da luz. (BUNGE, 2017, p.72)
Ainda na ciência moderna, a polêmica, sobre a existência ou não de ação à
distância, exigia uma ampliação no quadro ontológico, que passaria a ser
composto por matéria, campo e meio sutil. Os filósofos da ciência passaram a
invocar uma grande variedade de concepções de meios sutis que poderiam,
entre outras funções, mediar as várias ações físicas, retomando a base de
noções antigas. (BUNGE 2017; DECAEN, 2004, p. 406)
A teoria de campo poderia também se encaixar nesse espaço das

14
A etimologia de éter: aithér, do grego, significaria região superior dos ares, e aether, do
latim, ar sutil ou céu. Fluido hipotético, imponderável, elástico, que se considerava como o
agente de transmissão da luz e da eletricidade. (HOUAISS, 2009)
33

 
teorias dos meios sutis e do éter, bem como de teorias híbridas de campo-com-
éter, o que deveria incluir alegações sobre a existência de entidades que não
podem ser diretamente observadas. A teoria de campo se desenvolveu através
de várias tentativas de compreender como uma coisa afetaria outra sem algum
meio substantivo. Tomou forma básica na mecânica dos fluidos, na qual as
equações ligavam o potencial de força, de "fluxo", transmitido às coordenadas
espaciais; assim era aplicada essa compreensão às situações onde nenhum
fluido seria encontrado. A teoria do campo ocuparia gradualmente um espaço
conceitual intermediário entre a ação à distância sem contato e a ação por
contato contínuo. (HESSE, 1971; McMULLIN, 2002, p. 28)
Dois fenômenos se esquivavam às explicações clássicas. A qualidade
do elétron ao permitir ser mensurável, desafiaria um dos princípios básicos da
física clássica. O elétron mudando de posição a cada tentativa de mensuração,
não se tratava de um problema técnico, como diz Wilber, seria “um problema
embutido na própria fábrica do universo”. (WILBER, 1977, p. 31) Com a
revolução quântica os físicos, químicos e biólogos desenvolveram um
conhecimento sobre a matéria pela compreensão de que haveriam campos
além de corpos e ainda que certos tipos de matérias poderiam apresentar
processos semelhantes ao que entendemos pelo movimento do pensar.
(WILBER, 2017, p. 71) Na medida em que conceitos clássicos passaram pela
transformação dos conceitos quânticos, estes foram interpretados em termos
subjetivistas por cientistas e filósofos. Houve uma estratégica pragmática para
lidar com revelações contraditórias da materialidade inefável necessária para
propagação da luz: “descrevendo o éter como uma ficção factível.” (CLARKE,
HENDERSON, 2002, p. 123)
O discurso científico que promovia o éter, fazendo uso da imagem da
matéria para a expressão de relações imateriais, serviu à hermenêutica
moderna para a interpretação de forças ocultas. (BELL, 2002, p. 117) O modelo
do éter como um meio sutil interessou aos artistas futuristas, não por informar
suas metáforas, mas por permitir acesso ao pensamento tanto oculto, quanto
científico, nas possibilidades de comunicação de emoções por “zonas de
influência”. Ao se absorver o caráter alegórico do éter puderam descrever um
tipo de comunicação poética por meio de vibrações sutis. Esse modelo

34

 
científico deu aos futuristas a possibilidade de respaldar os resultados
compreendidos na experiência estética, como o de afetos provocados pelos
objetos de arte através de vibrações etéreas, a exemplo da transferência de
pensamentos por telepatia. (BELL, 2002)
A apologia da experiência material como formação cognitiva foi também
determinada pelo progresso tecnocientífico em diálogo com a arte. No princípio
do século XX foram publicadas a teoria da relatividade de Albert Einstein
(1905), a teoria quântica de Max Planck (1901) e um ano antes a teoria dos
sonhos de Freud. Nesse contexto, os futuristas acreditavam na arte capaz de
mudar o mundo, a arte deveria estar em constante devir. (GOLDBERG, 2004,
p. 177) As implicações sociais, políticas e econômicas da tecnologização eram
apontadas na prática dos manifestos futuristas performados com entonação
política enfática. Segundo a historiadora da performance, diretora e curadora
norte americana Roselee Goldberg, “Se o motor histórico da arte e da estética
contemporânea é o da história da performance é porque ela começa com os
futuristas”. (2006, p. 108) Práticas orientais e primitivas eram estudadas para
estabelecer um diálogo conceitual da espiritualidade com o pensamento
científico e filosófico. Os futuristas italianos teriam inventado o teatro "sintético",
no qual desenvolveu-se um estilo declamatório dinâmico e acompanhado de
música experimental, onde eram aplicados princípios de incorporação e
treinamento psicofísico para codificação, a fim de manter o ator conectado em
cena não apenas pela regra da imitação e representação. (GOLDBERG, 2004,
p. 108) O ator-gás do artista italiano, Enrico Prampolini (1894 – 1956) poderia
ser considerado uma antevisão dos corpos sintéticos, avatares computacionais,
embora apresentasse um desejo de desmaterialização dos corpos ainda se
evidenciavam as atenções aos fenômenos da matéria, como a ação do gás em
cena. No manifesto escrito por Prampolini em 1915, chamado
“Cenografia Futurista” nota-se que são evocadas forças performativas similares
aos processos físicos:

O palco não será mais um cenário pintado, mas uma


arquitetura electro mecânica sem cor, potentemente viralizada
por emanações cromáticas vindas de uma fonte luminosa...
vibrações, formas luminosas (produzidas por correntes
elétricas e gases coloridos) retorcem-se e contorcem-se
dinamicamente e estes autênticos atores-gás de um teatro
35

 
desconhecido terão de substituir os atores reais. (PRAMPOLINI
apud DIXON, 2007, p. 53)

O movimento futurista participou do desenvolvimento da performance,


com a perspectiva de projeção da imaginação no que poderia implicar um
fenômeno para além do acontecimento visível. Nas performances futuristas
vemos a atenção aos processos físicos para trazer visibilidade aos fenômenos
sutis da matéria como parte da cena. Veremos que as teorias de campo
servem como modelo para a pesquisa em arte. Para isso precisamos entender
como na base da física, a revolução quântica desestabilizou a noção dual que
separa sujeito e objeto, abalando a premissa em estudar o que é dado pela
realidade preexistente e mensurável passando a considerar camadas de
ordens implícitas.
Baseado em princípios da física quântica, além de ideias filosóficas de
uma teoria aberta, David Bohm defendeu o potencial quântico, como um efeito
que poderia ter uma infinidade de causas, pois uma causa única não estaria
separada do universo como um todo. Bohm postula que a tendência quase
universal, de aceitarmos a noção de fragmentação do mundo e ignorarmos a
interligação dinâmica de todas as coisas, deve ser responsável por muitos dos
problemas atuais não só na ciência, mas na vida e na sociedade. (BOHM,
1989, p. 19) Há no conceito de holografia um princípio de paradoxo em
determinar uma presença física para algo invisível, ou uma presença imagética
para algo com materialidade tangível. Derivada das raízes gregas, a palavra
"holografia" significa "escrita completa", nesse sentido cada parte da "escrita"
conteria informações sobre o todo. (TALBOT, 1996, p.2) A manifestação
material tangível de um modelo holográfico é denominada holograma. O
holograma problematizado pelo viés do observador, por consequência da não
observação de regiões além do horizonte, de certa maneira, produz a premissa
de que essas regiões não existam. Em nossa pesquisa vamos insistir na
investigação e experimentação de modelos poéticos nos quais encontramos
semelhanças com as teorias da física quântica, por tanto não interessa a
abordagem da holografia como processo prático construtivo tridimensional da
imagem, mas como conceito que desafia um pensar dual, através da
possibilidade de apresentação imaginativa.

36

 
Segundo David Bohm, no nível visível, as coisas vivas tem um local
específico, mas em nível subquântico, essa localização deixa de aparecer com
precisão, seria equivalente ao princípio da teoria do campo; assim Bohm
propôs o modelo holonômico, que sem diminuir com a distância, teria efeitos
sutis, mas igualmente poderosos em toda parte. Todos os pontos do espaço se
tornam iguais a todos os (outros) pontos, segundo o princípio da não
localidade, que faz da noção de separação uma impropriedade. (TALBOT,
1996, p. 9)
A ordem implícita seria não-local, uma singularidade topologicamente
acessível em todos pontos e em cada ponto no espaço, conectada em toda
parte. A partir da noção de uma ordem implícita e uma explícita, Bohm pode
postular a hipótese da “holosfera” como uma superfície relativamente
semelhante ao éter, de inúmeros buracos quânticos, centralmente localizados
em todos os pontos do espaço cosmológico da ordem implícita na qual todas
as coisas de natureza similar podem se conectar ou ressoar na totalidade.
(BOHM, 1989; TALBOT, 1996) Assim, David Bohm e o neurocientista Karl
Pribram passaram a sugerir um modelo holonômico. O controverso modelo
holonômico foi desenvolvido pelos autores, enquanto uma proposta ao modelo
de cognição humana, descreve o cérebro como uma rede de armazenamento
holográfico:

Nossos cérebros constroem matematicamente a realidade


“concreta”, interpretando frequências provenientes de outra
dimensão, um domínio de realidade primária, significativa e
padronizada, que transcende tempo e espaço convencionais
da física. O cérebro é um holograma interpretando o universo
holográfico. (PRIBAM, 1991, p. 26)

Isso categorizou um escape da alçada da compreensão científica para


fenômenos da pré-cognição, da experiência arquetípica, assim como da
telepatia, psicocinese, até mesmo o sentimento de conexão universal. A
consciência estaria a partir do centro da ordem implícita, em toda parte,
enquanto simultaneamente projetaria a forma para dentro da ordem explícita,
do universo espaço/tempo. O paradigma holográfico proposto em 1982 por
Pribam e Bohm já foi refutado pela neurociência, mas não deixa de ser
necessário apresentar um domínio dos fenômenos de campo que implicam no

37

 
entendimento da autoconsciência total, a transcender a noção de realidade
objetiva. (WILBER, 1979, 2001)
Nesta topologia do modelo de Pribam e Bohm (TALBOT, 1996, p.9), se
abre um paralelo com os campos de ressonância e interferência, como na
possível transmissão de informação telepática que poderia ser compreendida
como efeito dos campos mórficos ou morfogenético, nas afirmações de Rupert
Sheldrake. (1981)15 Através dessa compreensão, as formas passadas tendem
a ser repetidas ou replicadas no presente, fenômeno que parece ocorrer por
um tipo de ressonância mórfica. (SHELDRAKE, 1981) Pois uma vez que a
forma se manifestaria, tanto na ideia física quanto na forma-ideia, seria mais
provável que essa forma se manifestasse novamente.
Para que ocorra a telepatia, por haver uma espécie de campo
morfogenético que conecta as informações, um espaço-ideia estaria
possivelmente acessível à reincidência de acontecimentos, que se daria por um
tipo de aprendizado da forma. Pode-se assim reconhecer a telepatia não como
um poder sobrenatural, mas como um fenômeno possível, natural e comum a
todos, que obedeceria à transmissão de uma memória contida em campos
compartilháveis. Sabe-se que cada um de nós, mesmo os mais céticos, temos
exemplos de acontecimentos ocorridos que são muitas vezes identificados por
coincidências acidentais. Então, ao trazer a telepatia para condições de um
fenômeno possível, talvez passássemos a desenvolver mais a prática desse
tipo de percepção; por isso nos interessa como método para uma estética que
considere os fenômenos de campo, como os campos integrativos da arte.

15
O biólogo inglês Rupert Sheldrake (1942 - ) faz uma abordagem mais recente da teoria de
campo em seu livro The present of the past (2012) no qual busca responder sobre os mistérios
da forma na natureza. Sua hipótese, aparece inicialmente em 1981 e foi revisada em 2009,
refere-se a uma causa formativa em que a natureza tem uma memória própria associada a
campos que ele vem a chamar de mórficos. Posições como de Rupert Sheldrake de corrente
organicista, ou holística clássica, foram sustentadas pelo biólogo austríaco, Karl Ludwig Von
Bertalanffy, e pelo biólogo escocês Edward Stuart Russell na teoria geral de sistemas.
Fundamentado nos sistemas biológicos, consequente da teoria geral dos sistemas de Karl
Ludwig Von Bertalanffy, a cibernética, teoria matemática de Norbert Wiener dada a
compreensão nos processos que controlam organismos e máquinas por retroalimentação, ou
seja como qualquer coisa, digital, mecânica ou biológica pode reagir por informação, pode ser
modificada ou se auto modificar para melhor acompanhar as tarefas, processar e ainda reagir à
informação. (Disponível em: https://www.sheldrake.org/research/morphic-resonance Acesso
em: março 2014)

38

 
(ASCOTT, 2002; NÓBREGA, 2010)
Ao apresentar a tríade mater, mídia e médium que nos parece estar
contida nesse modelo, investigamos a matéria por resgate à compreensão
sensível que os fenômenos de campo parecem apontar; a mídia por
participação da tecnologia nos processos de percepção no qual
experimentamos; e as qualidades dessa percepção como um estado de
mediação entre dualidades na qualidade de médium, que nos levam a observar
qualidades de um tipo de percepção transensorial. A partir de práticas com
métodos específicos de criação em arte, acreditamos poder oferecer coletas de
dados e de variáveis interpretáveis; entendemos que assim poderemos obter
outras compreensões para as relações entre tempo e espaço, mente e matéria.
Se não é possível ser completamente objetivo no conhecer, essa
impossibilidade envolveria os sentimentos envolvidos nas observações
empíricas, tanto quanto das técnicas pelas quais são mediadas tais
observações. O que pode ter direcionado David Bohm a pensar em uma noção
de ordem, medida e estrutura, que incluísse uma totalidade ininterrupta e
indivisa, tanto do objeto observado, quanto do aparelho de medida; ainda,
incluindo as noções teóricas e afetivas do observador.
Na teoria da física quântica há um apontamento que é preciso
considerar: o observador que está contido nos resultados experimentais, pois
esse seria também o instrumento de medição, de imaginação, incorporaria o
próprio laboratório e a brisa que sopra dentro e fora dali. Mesmo quando
apenas um dos aspectos do fenômeno de observação pode ser revelado por
vez, observador e observado estariam de alguma forma conectados ou
implicados. Comportamentos descontínuos e contraditórios seriam assim
combinados numa dinâmica articulada e determinada por aspectos captados
pela totalidade.
Em geral, para que ocorra observação, deve haver pelo menos uma
outra entidade distinguível. No entanto, se o observador é um sistema ativo,
como pressupõe a compreensão da física quântica, então este seria capaz de
operar ou interagir com o observado, e contemplar simultaneamente a entidade
considerada e o entorno no qual vive. Ser e estar nos dois modos, como
observador e observado é um paradoxo que traz sentidos de subjetividade para

39

 
o experimento científico, tocando no estigma da ciência e acertando na fonte
de suprimento criativo da arte.
A separação entre o espaço interno e externo, entre o explicável e o
inexplicável, dependeria da posição do observador, seria como um sistema de
trocas de unidades e pluralidades. Se observar significa conformar as próprias
ações, ao obedecer a alguém ou algo, então, esse ato de ver e observar
estaria sujeito a regras, códigos e práticas e o ato criativo estaria na ampliação
dessas práticas, na apropriação desses códigos e no enfrentamento
revolucionário dessas regras. Quando suposições do desconhecido e teorias
não comprovadas pela ciência encontram conjunção com desdobramentos
poéticos, abrem-nos a dimensão transtemporal e transespacial do corpo à
percepção transensorial.
Rupert Sheldrake afirma que a própria consciência seria muito mais
abrangente do que o cérebro, por ela estar conectada em campos que
atravessam a dimensão espaço-tempo. (SHELDRAKE, 1999) Pela percepção
visual, em análise neurofisiológica, a visão se dá porque um raio de luz
atravessa um campo eletromagnético recebido através das lentes dos olhos,
que invertem a imagem na retina, ao enviar impulsos que seguem pelos nervos
ópticos, gerando mudanças complexas no córtex óptico e em outras partes do
cérebro. Mas, por exemplo, se a imagem é de uma pessoa, para além do corpo
refletido na retina, formamos uma imagem subjetiva problematizada pela nossa
condição psicológica; essa imagem também se localiza fisicamente fora do
espaço do cérebro, no espaço comum onde o corpo se encontra
materialmente. Entendendo assim, a imagem desse outro corpo captado pela
retina está dentro do cérebro e, ao mesmo tempo, fora dele. E por conta da
estrutura dogmática da fragmentação, que separa mente e matéria, tendemos
a negar essa abordagem de compreensão ampliada.

Com natureza semelhante à de campo magnético, os campos


morfogenéticos (...) fazem parte de uma família maior de
campos chamados campos mórficos (...). Na organização da
percepção, do comportamento e da atividade mental,
denominam-se campo perceptivo, campo comportamental
e campo mental. (SHELDRAKE, 1999, p. 417)

Os campos morfogenéticos seriam regiões não materiais que exercem

40

 
influência no espaço e tempo. Formados pelo hábito da organização de
estruturas, ainda que estruturantes, seriam campos não físicos de envio de
informação num processo de ressonância de formação através do espaço e do
tempo, sem que ocorra perda de intensidade. Segundo esse modelo de
Sheldrake, esses campos exerceriam influência sobre sistemas com algum tipo
de organização inerente, campos invisíveis que supostamente guardariam a
memória coletiva de todos os organismos.
Uma boa imagem seria como a de um cristal de neve que encontra
dados para sua formação, com grau acentuado de variações e complexidade,
mas que ao se descongelar e perder tal informação que o estrutura, teria
mantidos os dados em campo, assim outros cristais voltariam a se formar de
maneira semelhante. Os campos morfogenéticos dos humanos poderiam ser
correlatos com o que foi denominado por Jung, como inconsciente coletivo;
seria uma camada compartilhada da psiquê constituída por uma herança
comum a todos. (JUNG, 1971) Jung aborda a relação da psicologia analítica e
a obra de arte, indicando intersecções próximas entre a experiência artística e
a psicológica. Jung traça a teoria do inconsciente coletivo, numa proporção
mínima de conteúdos formados de maneira transpessoal e simétrica.
Exemplifica: “Este inconsciente é como o ar, que é o mesmo em todo lugar, é
respirado por todo o mundo e não pertence a ninguém. Seus conteúdos
(chamados arquétipos) são condições ou modelos prévios da formação
psíquica em geral.” (JUNG, 1976, p. 408)
De acordo com Sheldrake, em biologia, os campos morfogenéticos
seriam estruturas ou esquemas invisíveis, que estariam por trás da forma dos
organismos. (SHELDRAKE, 1999) Existem flores de orquídeas que parecem
com abelhas fêmeas. Essa orquídea denominada ophrys apifera (erva-abelha)
se autopoliniza. Nenhuma abelha pousa nelas porque a abelha que a flor imita
foi extinta há muito tempo. É pela forma que as abelhas machos têm noção de
como as fêmeas se parecem, pela interpretação da planta, como os machos
não reconhecem mais suas fêmeas ali, a orquídea sem parceiros teve que se
autopolinizar como último recurso genético. A noção de campos
morfogenéticos sobre a relação da forma de uma orquídea que foi informada
por abelhas extintas é expressa pelo formato da flor, pois além disso nada das

41

 
abelhas permanece. Segundo Deleuze, as abelhas e as orquídeas juntas
formariam “um rizoma que opera imediatamente no heterogêneo e salta de
uma linha já diferenciada a outra”. (DELEUZE, GUATTARI, 2000, p. 19) O
duplo devir da abelha/orquídea e da orquídea/abelha seria como um tipo de
aliança entre heterogêneos, que nos permite a compreensão de agenciamento
dadas por Deleuze e Guattari.
A teoria de campo como um acontecimento que envolve o que está além
de sistemas vivos e ainda assim o informam, também é estudada pela bióloga
e teórica Donna Haraway. (HARAWAY, 2016) Na compreensão de Haraway,
esses sistemas evolutivos de produção coletiva por conexão, não teriam limites
espaciais e temporais definidos e assim as informações seriam distribuídas a
todos os componentes, por isso devem ser entendidos como sistemas pelos
quais seria possível reabilitar a sustentabilidade dos sistemas vivos, atualmente
danificados. (HARAWAY, 2016, p. 23)16

A atração irresistível de envolver um ao outro é o motor vital da


vida e da morte da Terra. As criaturas se interpenetram,
giram em torno e através das outras, comem umas às outras,
têm indigestão e digerem-se parcialmente e parcialmente se
assimilam e assim estabelecem arranjos simpoiéticos que
também são conhecidos como células, organismos e
assemblages ecológicas. (HARAWAY, 2016, p. 58)

A partir da reflexão sobre uma zona de agenciamentos da vida orgânica,


em conformidade com o sistema de arte que se aproxima da atividade da vida,
uma vez à frente de uma estética orientada ao processo comportamental e
participativo; a teoria de campo serve como reflexão para nossa pesquisa,
principalmente a partir do pensamento de Roy Ascott e Nóbrega. Esses artistas
pesquisadores se aproximam da teoria de campo para a compreensão da arte
a partir de interconexões e interatividade que transformam as relações entre
consciência, materialidade e imaterialidade. (ASCOTT, 1966; BURNHAM,
1968; NÓBREGA, 2010) Em 1967 Roy Ascott escreveu o manifesto

16
Haraway faz referência à simbiogênese a partir dos estudos da microbióloga estadunidense
de Lynn Margulis (1974), entre outros. Haraway chega a considerar que “assim como Margulis
e Dorion Sagan, Scott Gilbert também salienta que a célula (não o genoma) é o nó crucial de
estrutura e função no mundo biológico. Ele argumenta que “o campo morfogenético pode ser
visto como uma unidade principal de mudança ontogenética e evolutiva.” (HARAWAY, 2006, p.
144) Aprofundaremos a concepção de Donna Haraway sobre fenômenos de campo entendidos
por simpoiésis, na parte 2 desta tese.
42

 
Behaviourables and Futuribles (ASCOTT, 2003) no qual visionava a
interatividade e integração da cibernética em conjunção com a estética,
interconectando componentes num sistema maior de sistemas que constituem
a cultura.
Segundo Ascott (2003), a telemática estaria além de sua designação
técnica de convergência de sistemas de computadores e telecomunicações e
conexões em rede. Pela compreensão de que a telemática ressignifica
dimensões espaço-temporais se torna capaz de expandir a percepção e
atenção, isso permitiu um tipo de experiência de estar fora do corpo, ou fora da
mente. (ASCOTT, 2003) Para Ascott a telemática potencializaria um tipo de
campo de atração por paixão que aproxima seres humanos para além de seus
limites físicos. O sentimento de conexão de comunidade por proximidade, de
quase intimidade, foi descrito por Ascott como uma força dinâmica, semelhante
a sistemas telepáticos, “o abraço telemático global” movido por essa atração
realizaria uma infra-estrutura para o intercâmbio espiritual que poderia levar à
harmonização e desenvolvimento criativo do planeta todo. (ASCOTT, 2003)
Pela telemática, Ascott considera que se nossos sentidos podem ser
reforçados por dispositivos extra-sensoriais da percepção telemática, então
nossa experiência sensorial consequentemente se torna extra-sensorial.
(ASCOTT, 1970, p.161)
Ascott então nos oferece o conceito de cibercepção por um modo
próprio de percepção a partir da tecnologia das redes, da hipermídia e do
ciberespaço, como um tipo de “tecnologia transpessoal”.
A cibercepção eleva a experiência transpessoal e é o
procedimento determinante de uma arte transpessoal. A
cibercepção envolve a tecnologia transpessoal, a tecnologia da
comunicação, da participação e da colaboração, a tecnologia
que nos permite transformar os nossos selfs, transferir os
nossos pensamentos e transcender as limitações de nossos
corpos. (ASCOTT, 2002, p. 32)

O agenciamento maquínico seria um estado de mistura, de atrações e


repulsas no encontro entre corpos e, consequentemente, os modificando.
(DELEUZE e GUATTARI, 1980c, p.31) Esse agenciamento pode ser detectado
na relação dos dispositivos técnicos ao formar uma única máquina com efeitos
recíprocos nos corpos, que marcam o acoplamento tecnológico e os mantém

43

 
operativos nas relações entre os diversos fluxos: políticos, biológicos,
linguísticos, artísticos, entre outros. (KASTRUP, 1995) Revela-se um tipo de
mecanismo de algo que está na virtualidade e que tende a se realizar pelo
encontro. Na filosofia de Deleuze e Guattari, o fenômeno de campo pode ser
entendido como o agenciamento maquínico de corpos; isso acrescentaria para
a teoria da ressonância mórfica de Sheldrake, aspectos da produção de
diferença movida pelo desejo, assim como indicam Ascott e Nóbrega quando
tratam do afeto promovido na experiência em arte integrativa.
Orientado pelo pensamento de Roy Ascott e também acionado por um
viés não reducionista, Nóbrega aproxima o modelo de campos morfogenéticos
ao seu modelo estético, no qual indica a arte como campo integrativo ou “ifield”.
(NÓBREGA, 2010, p. 123) Com esse modelo entendemos que na experiência
estética devem ser levados em consideração não apenas a complexidade dos
objetos técnicos, mas, acima de tudo, o diálogo que desenvolvemos com esses
objetos; no qual o artista seria como um propositor de condições para
receptores, em favor de composições de forças de um “corpo-vibrátil”
abrangente. (ROLNIK, 1980)
Na abordagem de Nóbrega, a arte integrativa apresentaria sistemas de
hibridização de organismos naturais e artificiais, isso implicaria em dizer que tal
experiência estética produz um certo tipo de campo de forças vibracionais,
análogo a um organismo vivo. Nóbrega apresenta esse sistema como um
“hiperorganismo”, no qual estariam envolvidos o artista, o trabalho de arte e o
observador, compondo seu modelo de campo integrativo. (NÓBREGA, 2010, p.
123) Nóbrega parte do pressuposto que um composto estético participa de um
determinado campo de coerência para a realização do sistema integrativo,
compreendido pelo jogo entre três subsistemas coerentes: o artista, o trabalho
de arte e o observador, Nóbrega acrescenta que esses subsistemas se
organizam sob influência da alternância de estados de coerência e incoerência
em um modo “metaestável de flutuação”. (NÓBREGA, 2010, p. 218)
Como um campo mórfico, um organismo estético não
desaparece completamente, mas permanece potencialmente
organizado como padrões de influência que se manifestam
aqui e ali. É assim que sua memória é definida; organismos
estéticos "contêm dentro de si uma memória de suas antigas

44

 
existências". (NÓBREGA, 2010, p. 221. Tradução livre)17

Ao reconhecer que a arte permite a ativação de “um campo afetivo”, o


modelo de abordagem integrativa de Nóbrega abrange um sistema
autorregulado que permite um reenquadramento de questões de conectividade,
bem como da subjetividade tecnologicamente mediada. O modelo de Nóbrega
nos conduz para a composição de nossa hipótese de experiência estética
como um campo de compartilhamento de percepções transensoriais, em
consonância à noção de campo estudadas. Sob o modelo de Nóbrega
buscamos coordenar os pontos de coerência e os subsistemas a serem
considerados como participantes em nossa pesquisa, que serão apresentadas
em médium, mídia e mater. (NÓBREGA, 2010, p. 218)
Procuramos nessa primeira parte do texto mapear alguns dos problemas
impostos pela dualidade: a compreensão metafísica sobre a materialidade
sensível parece impedida pela noção de separação que tratamos nas
questões: das condições estabelecidas entre o ser e as aparências; entre o
estado de observador e observado; e a dificuldade de apreensão dos sentidos
e interpretações perante o fluxo temporal. Vimos na fenomenologia da
percepção, que o entendimento do corpo não deve ser tomado como um objeto
em separado, mas como uma condição contínua de fluxo da experiência
perceptiva; um tipo de tensão entre o observador e o observado pode nos levar
aos limiares da percepção, da qual os envolvidos e o ambiente em contexto
participam intensamente. Sem encontrar solução para a alternância das
condições de atenção, mantemo-nos em exercício investigativo sobre a
percepção transensorial. Entendemos que há um percurso e uma duração em
percurso que exigem estratégias criativas. Procuramos definir qual contribuição
pode promover a percepção intuitiva e a temporalidade do imediato, mas
sobretudo buscamos, no entendimento dos fenômenos de campo a construção
de um modelo integrativo, tendo em foco acontecimentos não diretamente
observáveis. Estamos atentos ao que pode ser dado por temporalidades
diversas, por comunicação interdimensional e intersubjetiva, ou seja, um tipo

17
No original: Like a morphic field an aesthetic organism does not disappear completely but
remains potentially organised as patterns of influence that manifests here and there. This is how
its memory is defined; aesthetic organisms "contain within themselves a memory of their
previous physical existences.
45

 
de código específico, um lugar próprio. Para que seja possível o
compartilhamento e agenciamento de afetos, isso implica em parte do que
buscamos entender como fenômeno transensorial, e que por condicionamento
aos princípios da dualidade, vem se mantendo incompreendido.
Reafirmamos o objetivo teórico e prático de nossa pesquisa no qual se
coloca o direcionamento para a experiência estética dentro da perspectiva de
campo integrativo. (NÓBREGA, 2010) A partir da análise sobre as abordagens
dos fenômenos de campo e suas derivações, concordamos com a pergunta de
Nóbrega e a reforçamos voltada para nossa pesquisa: “Como pode o status de
intuição, intenção, afeição, absorção ou significado, inerente às artes, integrar-
se efetiva e afetivamente à arte tecnologicamente assistida?”. (NÓBREGA,
2010, p. 19) Seria possível que o sistema poético investigado em nossa
pesquisa, se coloque como uma atividade interdimensional, determinada pela
experiência em arte com vídeo e performance? Exercitamos a observação dos
princípios de temporalidade subjetiva, pois parece ser possível associar à
experiência estética como duração, quando esta sobrepõe as conduções de
expectativas por estruturações em quebras da temporalidade previsível, como
observamos em nossa prática de performance em relação ao corpo e ao vídeo
como imagem em movimento, ou seja, tanto produções temporais mediadas,
quanto no tempo imediato dos fenômenos físicos e corporais experimentados
em performance e na experiência com o vídeo enquanto estado de
performance, a promover durações subjetivas abertas à invenção. Para tanto,
investigaremos como a mídia pode participar na atenção aos fenômenos de
campo em trabalhos de arte. Suspeitamos que para além da mídia, estendida
por outros acoplamentos, seria possível a formação de campos afetivos, parte
de um modelo proposto como potencializador de percepções transensoriais, a
se tornar um médium, ainda na ordem da experiência estética. Ao
aproximarmos as compreensões dos termos médium e mídia, buscamos
responder como a materialidade pode ser ressignificada e percebida em seus
aspectos sutis e sensíveis, como veremos na próxima parte desse texto.

46

 
PARTE II - MÉDIUM MÍDIA MATER

Após passarmos por pontos da problemática do dualismo e atentarmos


que as teorias de fenômeno de campo podem dirigir nosso interesse por
experiências integrais, apresentaremos a parte da nossa pesquisa sobre
diferentes contextos da arte, tecnologia, ciência e espiritualidade que quando
aproximados nos servem para a compreensão do modelo investigado. A tríade
Médium, Mídia e Mater, por uma questão de ordem programática será tratada
por partes referentes aos termos, mas entendemos que alguns pontos podem
encontrar intersecções, como apresentamos no gráfico introdutório. Iniciaremos
pela noção de médium, pois nesse termo encontramos semelhanças com o
que tratamos por fenômeno de campo na arte em correlação às percepções
transensoriais. Em seguida, passaremos ao desdobramento de pesquisa em
mídia em exercício transdisciplinar, a fim de compreender nosso percurso de
investigação que se inicia com o vídeo, por experimentações com luz e som, e
nos levou às possibilidades de visualização que abrangem a expressão ou
externalização do pensamento e o possível compartilhamento de campos com
auxílio e participação da tecnologia. Um ramo de pesquisa da imagem
atualmente explorado em estudos da neurociência, com o recurso técnico de
captação de ondas neurais, apresenta um crescente interesse investigativo na
ciência e na arte. Entendemos que esse caminho tecnocientífico deve
reascender a atenção para os modos de compartilhamentos possíveis, como
iremos mostrar através de exemplos na arte. Veremos que a experimentação
na arte, traz a possibilidade de compartilhamentos interdimensionais, e que
para isso se estabelecem referências que se estendem às ciências não
ortodoxas, da ordem da magia e da cultura ancestral. Concluiremos a tríade
pelo eixo mater, para sustentar em nossa pesquisa a premissa de que o
resgate de acesso às compreensões da materialidade sensível, pode ser
realizado por experiências estéticas que dependem da ampliação dos sentidos
de observação e percepção do sutil.

47

 
CAPÍTULO 2 - MÉDIUM

2.1 - Médium

O termo médium por etimologia é proveniente do latim Media diaphana


ou material intermediário, meio em que a luz passa parcialmente ou de forma
difusa; translúcido, como por exemplo: ar, vapor, fumaça, nuvens, água e vidro.
Meio de diferentes consistências e graus de transparência e opacidade que
estruturam o ambiente visual no qual nossa experiência ocorre. (HOUAISS,
2009) A atividade mediúnica, no espiritismo, é tida como parte de certo ritual no
qual a figura do médium serviria como um canal que se coloca ao incorporar
uma outra entidade (espírito/alma), para que esse outro possa se manifestar e
assim atuar no mundo comum.
O livro dos médiuns descreve casos de bi-corporeidade e transfiguração,
onde uma entidade encarnada pode ter a sua projeção semi-material (ou
“perispírito”), tornada momentaneamente tangível e visível ao seu lado, ou à
distância. Na transfiguração ocorreria uma mudança de aspecto quase como
um outro corpo, a ponto do incorporador tornar-se irreconhecível. (KARDEC,
1966; RAMIRO, 2008)
A filosofia faz triangulação com a ciência e a espiritualidade. Na arte é
possível a abertura para investigações do improvável, como possíveis níveis de
consciência e compartilhamento em outras dimensões. A espiritualidade é
entendida na relação com os mistérios da existência e em atenção aos
movimentos criativos do pensar. A flutuação na interpretação de sentidos
ocultos atravessa para um lugar de risco; não ao acaso esses assuntos foram
tratados por psicólogos e filósofos, pois estaria aí o enfrentamento de passar
ao conhecimento do sujeito, na observação de seus pensamentos para o
reconhecimento do que não é mais próprio de si. Pela dificuldade em mapear
códigos pessoais com precisão, pode-se deixar de estabelecer o limite entre a
loucura e a criação, entre o livre arbítrio e o acesso ao divino. (WATZLAWICK,
48

 
1993, p. 42)
Se por parte de alguns artista há um retorno ao espiritual na arte, isso se
dá mediante diferentes trajetórias e desafios que dependem do entendimento
do diálogo interno, como na comunicação em diversos níveis. Ou seja,
depende do espaço de criação na intimidade (intrapessoal), o espaço das
relações interpessoais e expositivas que o artista enfrenta, para a partir disso
construir desafios frente às possibilidades do transpessoal, como um desejo
latente de transcendência.
Ocorrências coincidentes que nos intrigam em repetições de situações
da vida, aparecem como indícios de acesso aos espaços comunicativos de
outras ordens, que não obedecem à lógica de troca direta de informação e por
isso teriam interpretação controversa. Os métodos de investigação voltados a
esses fenômenos são caracterizados como pseudociência pela proximidade
aos fenômenos do ocultismo. Segundo Sheldrake, essa resistência acaba
sendo reducionista e tende a localizar os estudos de fenômenos da consciência
estritamente no cérebro. (SHELDRAKE, 1981) Rupert Sheldrake defende a
necessidade de investigação de fenômenos de campo e oferece sua teoria de
campos mórficos um modelo aberto a ser investigado, que serve para observar
na arte as possibilidades de relações transpessoais. Sheldrake (1987)
desmitifica a telepatia não como pertencente ao paranormal, mas como um
dado normal e próprio dos sistemas da natureza.
E por que a arte se colocaria como lugar de experimentação de tais
fenômenos, se para a estética não interessaria buscar evidências? A fim de
enfrentar as dificuldades impostas pela dualidade, ao permitir perceber e
observar estados alterados de consciência, os processos artísticos acabam se
aproximando de territórios ainda não desvendados pela ciência. Mas além
disso, parece haver um acontecimento fenomênico na relação comunicativa
entre o artista, o trabalho de arte e o espectador, um tipo de campo integrativo,
como abordado por Nóbrega (2009), e que pode ser entendido em proximidade
ao conceito de médium como acesso perceptivo de níveis transpessoais.
Observamos na arte em diferentes contextos históricos, recursos de
intermediação e metacomunicação entre artistas, trabalhos de arte e conceitos
intercambiáveis. Investigamos nesses trabalhos de arte as metodologias

49

 
optadas por apresentarem alguma relação com métodos de experimentação
em compartilhamento de pensamentos, nos quais a mídia alterna posições de
relevância, assim buscamos estabelecer relações e fundamentação para nossa
prática em busca de percepções transensoriais.

2.2 - Acesso ao médium de percepção

Quando entendemos que a abordagem da condição de médium


incorporado, nos direciona a outras perspectivas de uso da mídia, temos a
indicação de que isso permite ter outra compreensão sobre a matéria, em que
os limites corporais passam a ser atravessados por pensamentos, sentimentos,
emoções e intuições. (JUNG, 1971) Por um ponto de vista integrativo, é
possível explorar diferentes processos de interconexões em busca de
elevações de níveis do espectro da consciência. (WILBER, 1977)
Para a compreensão das tecnologias da imagem, o pensador filósofo
alemão Walter Benjamin (1892-1940) parte do exemplo da astrologia como
estratégia de conhecimento de linguagens associativas em que desenvolvemos
arquivos de semelhanças na dimensão semiótica e mágica e dimensão que
agora vemos exacerbada nas tecnologias da imagem. Por estabelecer
semelhanças entre as constelações estrelares e a vida do ser humano,
Benjamin traz o conceito de semelhança extra-sensível, no qual “o dom
mimético da clarividência, migrou gradativamente, no decorrer de milênios”.
(BENJAMIN, 1985, p.112)
Ao contrário da relação sígnica, que atrás do sensório, encontra-se
o sentido. A semelhança extra-sensível propõe que atrás da mensagem visível
se esconde um médium invisível. Nessa abordagem, a noção de médium
avançaria para a compreensão de um meio entre o material e o imaterial, com
o sentido de algo incorporado no qual a imagem se produz e se armazena
simultaneamente. Para Benjamin, a linguagem seria o médium espiritual e
histórico da experiência, expressão e revelação do pensamento, logo, estaria
carregada de semelhança extra-sensível18.

18
Há uma reflexão teórica sobre a diferença conceitual entre meio (Médium) e meio (Mittel)
propostos por Walter Benjamin, através de uma revisão das traduções do alemão para versões
brasileiras. O artigo de Maurício Liesen (2014) ressalva que as traduções nacionais, em que
apresentam o conceito de Médium na obra de Walter Benjamin a tecer, a partir dos recentes
50

 
A imagem que fixa uma ideia, ou o contrário, a exemplo da escritura
divina e o hieroglifo, estão na reflexão escritural do mundo que permeia a obra
de Walter Benjamin. A interdependência entre a escrita e a leitura, está contida
na tensão do simbolismo guardado, da escrita cifrada ou código que faz
referência a tudo que é estranho, mas que teria algo a revelar. O hieroglifo
estaria dotado da unidade pensamento-imagem, escrita imagética do saber
oculto e mágico, contendo poder capaz de enfeitiçar.

A linguagem seria a mais alta aplicação da faculdade mimética:


um médium em que as faculdades primitivas de percepção do
semelhante penetram completamente, ela se converteu no
médium em que as coisas se encontram e se relacionam, não
diretamente, como antes, no espírito vidente ou do sacerdote,
mas em suas essências, nas substâncias fugazes e delicadas,
nos próprios aromas. (BENJAMIN, 1985, p. 108)

Quando em 1936, Benjamin conceitua o termo “aura” como sendo um


tipo de aparição única de algo distante, composta de elementos espaciais e
temporais, que depende do caráter mágico e contemplativo da experiência,
(BENJAMIN, 1992) o conceito de aura estaria contido no "médium
de percepção”. Para Benjamin seria um campo de constituição de sentido dado
pela articulação da linguagem; seria a organização dinâmica em que vários
artefatos técnicos contribuem para que ocorra um tipo de experiência sensorial.
Nesse sentido, o médium de percepção parece ser objeto de um renovado
interesse, no desenvolvimento das tecnologias que se colocam mediadoras do
corpo e participantes no alcance de sua expressão em campos de articulação,
como nas redes telemáticas. (ASCOTT, 2003)
Por nossa perspectiva de pesquisa faz sentido aproximar a noção de
médium de percepção tratado por Benjamin, ao que apresenta o historiador da
arte, o alemão Hans Belting (1935 - ) quando nos oferece a atenção para o
corpo como um “médium vivo”, no qual as imagens do mundo estariam ligadas
com nossas imagens mentais e corporais. (BELTING, 2004)
Segundo Hans Belting, sob o aspecto da capacidade performativa de
presentificação dos ícones, os estudos religiosos estão mais voltados ao

debates das teorias dos media na Alemanha, silencia a questão do argumento sobre o gesto
inaugural dado pelo filósofo, que fundamenta uma teoria da comunicação contrária
à arbitrariedade do signo linguístico e constituída a partir da sua separação conceitual entre
médium e meio. (LIESEN, 2014)
51

 
conhecimento da prática religiosa material, por um tipo de substituição que
remete a algo como prova da presença do ausente. A exemplo de amuletos em
que carregados de crença, por transferência de poder, parecem organizar um
campo em torno do objeto, no qual se supõe que a magia pode ser ativada. No
exercício histórico da criação de representação religiosa em produzir
duplicações por retratos, máscaras mortuárias, estátuas, está no projeto
escultórico no gesto desejante de comunicação com divindades. Gesto que
também traz o sentido de conformação temporal e tanto atinge à preservação
da memória histórica, quanto concretiza algum aspecto de posteridade e
imortalidade.

No contexto das religiões, as imagens representam deidades


que não tem presença direta no espaço do mundo comum, as
deidades restabelecem presença através da imagem. Nos
rituais religiosos através de danças e cantos, as aparições se
dão nos corpos vivos. (BELTING, 2004, p. 65)

A consciência individual, segundo Belting, seria um lugar precário do


entendimento integral, mas a imagem teria um poder alusivo, seria próprio da
lógica da imagem, a exemplo de quando nossa memória física gera imagens
com o propósito de representar ausências, pessoas ou eventos de outros
tempos. A imagem seria para Belting mais semelhante à voz, performada no
corpo, do que propriamente à escrita, no sentido de produzir uma presença que
pode ou não fazer referência a uma ausência, nesse caso se qualificando como
uma representação icônica. A magia da imagem pertenceria à ideia sem texto,
que utiliza um espaço livre no qual o sentido e o não sentido se encontram, um
ao lado do outro. (BELTING, 2004)
Com eixo teórico apoiado nas concepções místicas exotéricas na leitura
das obras de teosofia de Blavatsky e também da antroposofia de Steiner, os
teólogos Annie Besant (1847 - 1933) e Charles Leadbeater (1847 - 1934) se
associavam aos artistas para produzir material expressivo para análise de
percepção extra-sensorial, por acontecimentos empíricos significativos e
apresentam um tratado intitulado Thought forms sobre a expressão de imagens
do pensamento. (BESANT e LEADBEATER, 1905) Annie Besant apresenta a
defesa da atitude das ciências em direção ao conhecimento da invisibilidade do
fenômeno de influência de campo, para construir hipóteses das propriedades
52

 
da matéria e de forças, como o magnetismo compreendido como força de
ordens de campo, sob essa base considerava a importância dos poderes
sobrenaturais, como a telepatia, clarividência e movimentos sem contato como
da telecinese. No tratado apresentam experimentos orientados por Leadbeater
e Besant desenhos e pinturas realizados por artistas convidados (John Varley,
Prince e Macfarlane, F Bligh Bond), além de registros de mecanismos de
cinética.
Segundo Besant, os resultados apresentados nos experimentos formam
imagens mentais, posteriormente investigadas, por Dr. Baraduc em Paris,
como imagens de um ponto de vista materialista que poderiam ser o resultado
de vibrações no espectro de emissões cerebrais. (BESANT, LEADBEATER,
1905) O estudo trata inicialmente da anatomia do cérebro, passa para bases
psicológicas, a fim de abordar sonhos, ilusões e alucinações; depois ao
elaborar situações experimentais científicas segue em classificar os resultados
e inevitavelmente chega ao plano da interpretação da ordem astral, ou
exercício da hermenêutica. (BESANT, 1905)
O escritor Umberto Eco (1932 - 2016) reconhece a “semiose hermética”
simbolizada pela figura de Hermes, um modelo interpretativo que vem de um
desvio da norma do racionalismo e acaba por migrar de um lado para os
místicos e alquimistas e de outro para os poetas, filósofos e psicólogos de
Goethe a Jung. (ECO, 1990)
Em seus ensaios Carl G. Jung, aborda a relação da psicologia analítica
e a obra de arte, indicando intersecções próximas entre a experiência artística
e a psicológica. (JUNG, 2011) Tomamos por base alguns dos experimentos de
Jung, no qual traça a teoria do inconsciente coletivo, como sendo uma camada
compartilhada da psiquê constituída por uma herança, comum a todos. Seus
conteúdos (chamados arquétipos) são condições ou modelos prévios da
formação psíquica em geral. (JUNG, 2011) A espera por uma eventual
compreensão sobre a estrutura e função da energia psíquica, Jung propõe um
modelo da psiquê como um espectro de energia; assim desenvolveu uma série
de métodos de validação para a troca de informações interdimensionais.
O conceito de individuação, em que se entende o que está a priori
indiferenciado na ação em se tornar individual quanto à ordem coletiva, é um

53

 
conceito abordado por diversos autores entre eles Carl Jung. Para Jung, se o
ser vivo é entendido como um sistema inserido em sistemas, do qual participa
e realiza, no interior desse ser formar-se-ia um nó de comunicação informativa,
entre uma mediação interior sujeita a constantes trocas com relação à
mediação externa. Na psicologia de Carl Jung, o conceito de individuação
aparece ao esclarecer um processo central de desenvolvimento da
consciência. Na diferenciação do qual o sujeito sai do estado primitivo de
identidade, alargando a esfera de diferenciação e ampliação da consciência.
Assim, o indivíduo se identificaria menos com as regras do meio em que vive, e
mais com as orientações emanadas de sua essência, de sua personalidade;
para que ocorra individuação ainda é preciso que o sujeito esteja adaptado e
inserido dentro do ambiente. (JUNG, 2008, p. 49)
O processo de individuação levaria progressivamente a pessoa para
além do ego, até o self, do inconsciente ao consciente, do pessoal ao
transpessoal, do sagrado à percepção de que o macrocosmo se espelha no
microcosmo da psique, humana. (JUNG, 1978) Dessa forma, a interação
interior-exterior permitiria ao ser vivo comunicar ordens de grandeza cósmica e
outras de grandeza intra-molecular. As funções psicológicas básicas dos
processos internos suscitados por ações e estímulos internos ou externos,
seriam sentimento, pensamento, sensação, intuição. (JUNG, 1971, 1984)
Interessa-nos olhar para a intuição por ser, segundo Jung, um processo
do inconsciente que se apreende por relações fronteiriças na geração de
signos que ocorrem por movimentos de atenção multidimensional e caótica.
Como uma ideia que emerge por um salto, a criatividade estaria apresentada
como aumento da potência desses saltos. Se os conteúdos intuitivos são
produzidos nesses saltos entre pensamentos e sentimentos, podendo se
apresentar de forma completa, assim tem caráter de “dados”. Daí porque a
intuição seria um trunfo para os artistas, pois a captação intuitiva pode ocorrer
no movimento cruzado de tipos diversos: como a intuição concreta, por um tipo
de recepção de dados que se referem à realidade, no plano das ideias; e a
intuição abstrata, como sentimentos sem ordem direta de emissão de dados e
independente de vontades e intenções. Ainda segundo Jung, o inconsciente
individual é produto da interação entre o inconsciente coletivo e o meio

54

 
ambiente em que o indivíduo está inserido. (JUNG, 1971, 1984) Nas análises
de Jung, os processos de diferenciação não se separam do todo. A
imprevisibilidade se estruturaria como uma das linhas organizadoras da
individuação, como característica fundamental na configuração da existência
de um “campo transcendental pré-individual”, anterior à imanência do sujeito.
Entendemos que ambos estejam tratando de um campo anterior que
informa a experiência de presença do corpo e mente com abertura para a
criação. Ao procurarmos compreender o inconsciente coletivo voltamos ao
fenômeno de percepção transensorial próprio da experiência estética,
entendemos que esse tipo de percepção carrega estreitas relações com os
fenômenos de percepção extra-sensorial onde a transmissão de pensamento
possa se dar por via de acesso a campos de informação interdimensionais e
portanto dependente da intuição para ser percebida e da arte para ser, a seu
modo, experimentada e interpretada.

2.3 - Axiomas da telepatia na arte

Ao pesquisar o interesse da poética em trabalhos de artistas,


encontramos exemplos de metodologias em que há indícios de atenção aos
fenômenos de campo, que analisamos por suas diferentes abordagens de
concepções e processos criativos, destacando os que evidenciaram
proximidade com o tema da telepatia. (DRINKHALL, 2011) Apresentaremos
alguns casos que consideramos ter proximidade à noção de compartilhamento
de pensamento como intenção imbricada no processo de expressão da arte.
Os fenômenos de visão à distância dependem de algum tipo de manifestação
concreta, e muitas vezes isso ainda se expressa por relatos em textos, mas
aqui mostraremos como foram explorados por artistas em diferentes métodos
de concretização e em experiências de acesso transensorial.
Além de manifestações concretas buscamos por vínculos de
semelhança a partir das interpretações e questionamentos por aproximação de
contextos específicos da arte e de metalinguagem. (PLAZA, 1993, p. 82) São
proposições que nos parecem axiomas por não serem necessariamente
voltadas à comprovação, mas que servem para dedução dos fenômenos
apontados em efeitos comportamentais da comunicação humana.

55

 
(WATZLAWICK, HELMICK, JAKCSON, 1993)
A expectativa frente aos resultados de experimentos de
compartilhamento de pensamento por fenômenos de campo, especificamente a
telepatia, nos oferece analogia às expectativas dos artistas em relação à
recepção de suas obras pelo público. Iniciamos trazendo alguns exemplos
históricos, passando por movimentos da vanguarda europeia, o abstracionismo
o surrealismo e do movimento Fluxos, até artistas contemporâneos que se
utilizam de linguagens midiáticas por afinidade a canais de manifestação de
campos sutis. Procuramos entender como o tema da telepatia é tratado em
trabalhos de arte, mesmo não sendo possível apresentar uma varredura
histórica, pois encontramos muitos exemplos que podem ser vinculados ao
tema se ampliado de acordo com a interpretação sobre o que se entende por
uma experiência intersubjetiva compartilhada.
Como apontam os teóricos Friedrich Kittler (1997) e Jonathan Crary
(2012), o desenvolvimento tecnológico apresenta evidente interesse na
comunicação à distância, visto em processos de produção e captura de
imagem e som, por casos na história da fotografia e do cinema, como
gravações de fenômenos luminosos espectrais e ectoplasmáticos. (RAMIRO,
2008) Não obstante, processos de imagem de mapeamento das funções
cerebrais acabam por promover pesquisas que oferecem valores e padrões
passíveis de interpretação de atividades do pensamento, utilizados com
diferentes fins, são explorados por perspectivas poéticas, como veremos
quando tratarmos de Mídia, no terceiro capítulo desta tese.
Os questionamentos colocados para os exemplos a seguir recaem em
termos metodológicos, com a necessidade em nossa pesquisa de experimentar
na associação métodos, técnicas e sistemas, que apresentem modelos para
experiência estética. Ao levar em conta a possibilidade de compartilhamento de
afetos, sabemos que nossa dificuldade ainda se depara no hábito de
observação do pensamento, enquanto está em fluxo. Isso não dependeria
unicamente do auxílio tecnológico, mas sobretudo, de rupturas das condições
do pensar que ainda se prendem ao dualismo e distanciam o pensador do
objeto pensado. Nesse desafio, talvez insolúvel, a arte possa se colocar como
território para investigação.

56

 
2.3.1 - Telepatia como coeficiente artístico – Rudolf Steiner, František
Kupka, Marcel Duchamp, Joseph Beuys, Hilma af Klint, Helen Smith e
André Breton.

Figura 7: Joseph Beuys em Information action (Alemanha, 1972) e Rudolf Steiner em The Arts
and Their Mission (Suíça, 1923).

O século XX conduziu a primazia da consciência através de aspirações


psíquicas, espirituais e conceituais, sobre o que era naquele momento
reconhecido como contexto e conteúdo da arte. A noção de arte do austríaco
Rudolf Steiner (1861 - 1925), a situava como uma prática ativa de percepção e
transformação do espírito que se estenderia muito além da criação e do objeto
de arte19. Nas palestras publicadas em “A arte e sua missão”, Steiner abordava
a necessidade de o ensino incorporar a interseção de práticas artísticas,
científicas e espirituais; pois a arte deveria ser entendida como um caminho da
evolução espiritual. (STEINER, 1964)
Um aspecto trazido para nossa discussão está ao situarmos relações
por analogia, a exemplo da semelhança entre os desenhos pedagógicos
realizados por Rudolf Steiner e as imagens-pensamento do artista alemão
Joseph Beuys (1921 - 1986). Como auxílio visual empregado na pedagogia de
Steiner durante décadas de palestras públicas, nas quais desenhava em
quadros-negros produzindo gráficos elaborados de seu raciocínio em
desenvolvimento, são imagens que amparam a influência passada a Joseph
Beuys em seus exemplos de "imagens-pensamento”, um tipo de classificação
para o pensamento artístico e formativo. (KUONI, 1993)
Na relação de interação simétrica, os agentes tendem a refletir o

19
A ênfase na consciência dada por artistas modernos, seria segundo Ascott, de onde provém
a condição tecnoética. (ASCOTT, 2003, p. 358) Iremos abordar essa condição no capítulo 5
desse texto.
57

 
comportamento um do outro. Aparentemente, os desenhos e práticas
pedagógicas de Beuys e Steiner carregam uma estranha semelhança, com a
exceção de que os desenhos de Beuys não têm o uso luminoso e evocativo de
cores de Steiner. Buscamos ao longo de nossa pesquisa exemplos como estes
em que a comparação, ou a proximidade de referências, nos levam à
possibilidade de estabelecer pontos de comunicação tanto de influências
conceituais, como de linguagens. Com atenção ao princípio de fenômenos que
possam vir a se realizar através da arte para que possamos nos interconectar
em outros planos subjetivos, interdimensionais ou intersubjetivos. Se seguimos
um viés escorregadio ou até inalcançável, eventualmente poderíamos
encontrar uma camada que não estaria explicada pelos fatos, muito menos por
uma questão de autoria, mas por aparentes interdimensionalidades
compartilhadas subjetivamente. Sem a pretensão de atestar os fenômenos
investigados, contudo, a fim de encontrar um paralelo para o modelo de
experiência estética pesquisado que segue a imagem de triangulação entre
médium, mídia e mater.

Figura 7: Marcel Duchamp em Oculist Witness (Foto por Richard Hamilton 1968) e o Quadro
negro de Rudolf Steiner (1922).

O envolvimento com as teorias espiritualistas de Rudolf Steiner e a


influência do artista František Kupka (1871-1957) favoreceu o empreendimento
do artista Marcel Duchamp (1887-1968) em seu tratado do porvir telepático da
abstração, no qual traz preceitos sobre a arte abstrata como comunicação
imediata das emoções de mente para mente, que denominava “psicografia do
porvir”. (HENDERSON, 1998, 2002) Assim como Kupka, Duchamp tinha um
forte interesse na psicanálise freudiana, na psiquê e na paranormalidade, ainda

58

 
que filtradas por sua ironia. (BRAUER, 2015) A noção de Kupka, de usar a
transferência mental em vez de laboriosas obras de arte, de certa maneira
indica a construção conceitual de Duchamp para o ready-made, os objetos
encontrados e recontextualizados no sistema de arte. (HENDERSON, 1998)
Como veremos a seguir, Duchamp criou muitos trabalhos explorando a
proposições de arte hipnótica, com imagens de dispositivos elétricos, discos de
espirais em movimento indutor de estado hipnótico; outros trabalhos chegam a
apontar para a hipótese telepática como processo artístico. Para Duchamp
“uma pintura deveria ser o diagrama de uma ideia”. (CLARK, DALRYMPLE,
2002, p. 152) Duchamp desenhou linhas e círculos concêntricos e excêntricos
em esferas rotatórias chamadas Rotoreliefs, feitos em discos pintados a óleo;
ao girarem deveriam provocar no espectador uma sensação estranha,
possivelmente de acesso a outras dimensões perceptivas.

Figura 8: A forma da vermelhidão, de František Kupka (1912) e Discos ópticos, de DUCHAMP,


Marcel.

Artistas modernos e contemporâneos perseguem a imaterialidade na


constituição mesma da materialidade de suas obras. Kupka considerava que
diante do progresso teríamos motivos para acreditar na possibilidade de meios
de comunicação que pudessem fazer uso do modelo das ondas magnéticas
empregadas pelos hipnotizadores. Nesse sentido, o magnetismo poderia tomar
lugar de um tipo de exercício de pintura em que o artista estaria no sentido
mais estrito do mundo, como um receptor, um médium. (HENDERSON, 2012
p.128) Esses artistas exploravam estados físicos intermediários, procurando
escapar às questões de volume ou espessura, na investigação dos limites de
59

 
outras matérias sem tangibilidade.
O instante infinitesimal no qual algo acontece, seria o contato que
se estabelece no limite ínfimo da transição entre o objeto e o sujeito que o
percebe, fração que remete uma dimensão à outra. Esse estado limiar
produziria o infrafino ou infra-mince, como foi denominado pelo artista franco-
americano Marcel Duchamp (1887-1968). Este termo serviria para designar um
estado de suspensão temporal, ou espacial entre as coisas.

A troca entre o que a gente oferece aos olhares toda a ação


para oferecer aos olhos (em todos os campos) e o olhar glacial
do público (que percebe e esquece imediatamente). E
seguidamente esta troca tem o valor de uma separação infra-
mince (querendo dizer, quanto mais uma coisa é admirada ou
olhada, menor a possibilidade de existência de separação infra-
mince. (DUCHAMP, 1975, p. 22, tradução livre)20

Diante disso, Duchamp nos apresenta uma crença no acontecimento


estético como êxito, como efeito de destaque do infrafino. Se o exercício da
arte supõe a visibilidade para além do visível, o coeficiente artístico,
apresentado por Marcel Duchamp, seria a suposição de um dado resultante da
diferença entre a mensagem emitida pelo artista e a recebida pelo espectador.
(DUCHAMP, 1975) Esse coeficiente dado pelo resultado da experiência em
arte, poderia servir também como a fatura entre o emissor e o receptor de
envios telepáticos e os relatos posteriores interpretativos dos eventos seriam
tentativas de nomear e simbolizar sentimentos. Por fim, nenhum participante da
experiência saberia ter alcançado algum tipo de informação enviada, a não ser
pela interpretação compartilhada e analisada por simetrias encontradas. Sobre
o coeficiente artístico duchampiano, devemos entender que há um espaço
desejado para o alcance tanto do artista quanto do espectador, ambos em
estado de observação na experiência. Este espaço de permuta poderia se
aplicar além da fisicalidade, como uma transterritorialidade. A chave espaço-
tempo se impõe mesmo em situações em que a materialidade perde contornos
definidos. Se a arte trafega através e entre corpos podendo caracterizar um tipo
de percurso próprio; então, também haveria uma duração própria implicada.

20
No original: L’echange entre ce qu’on offre aux regards (toute la mise en oeuvre pour offrir
aux regards (tous les domanines)) et le regard glacial du public (Qui aperçoit et oublie
immediatment) Très souvenet cet échange a la valeur d’une separation infra mince (voulant dire
que plus une chose est admirée ou regardé moins il y a sépa).
60

 
Durante o ato criativo, o artista passa da intenção à
realização, através de uma série de ações em cadeia
totalmente subjetivas. A luta para realizar a sua obra, leva o
artista a passar por uma série de esforços, dores, satisfações,
recusas e decisões, que não podem, nem devem ser
totalmente conscientes, pelo menos do ponto de vista
estético. O resultado desta luta é a diferença entre a intenção e
a realização, diferençada pelo qual o artista nem sempre é
consciente. Um corte, uma parte que falta no seu processo
criativo, representa a impossibilidade do artista enxergar
completamente sua intenção. Esta diferença entre o projeto
inicial e a realização final seria o próprio coeficiente da arte
(DUCHAMP, 1975, p. 34).

A arte abstrata foi inicialmente concebida pelo artista russo Wassily


Kandinsky (1866 - 1944) como um apanhado de prescrições e invocações a fim
de reconhecer a visão purificada do peso ilusório da corporeidade figurativa.
Kandinsky semeou o sentido do espiritual no campo da arte moderna através
do seu ensaio seminal “Do espiritual na arte”, publicado pela primeira vez em
janeiro de 1912. Kandinsky trouxe, a partir do gesto tornado subjetividade e
manifestação espiritual, um processo de expressão estética no sentido de
tornar o espírito independente, instaurado pelas formas absolutas da abstração
e não unicamente por procedimentos de determinação e controle da matéria.
(KANDINSKY, 1990)
O princípio estético estaria ligado à ideia de uma ordem sobrenatural
sensível; assim passou-se a estabelecer valores simbólicos para o
abstracionismo. O artista deveria obedecer a regras de sua natureza interna,
em projeções do próprio estado de espírito que refletiria a ordem invisível do
cosmos expresso na materialidade. O artista não deveria estar submetido à
mera satisfação da aparência de condicionamentos racionais, mas
potencializar a comunicação não verbal. Ao tomar a experiência estética
sensível por certa noção do primitivo relacionado à magia, ou seja, pela ordem
espiritual, deveria se constituir o fundamento teórico da abstração pictórica. A
repetição do protocolo de abstração corresponderia à fórmula de
encantamento, ao buscar incorporar a natureza na arte, não como objeto, mas
como procedimento similar à forma arcaica da espiritualidade.

61

 
Figura 9: Caos primordial – grupo 1 nº. 10 de Hilma af Klint.

Contemporânea ao movimento desses artistas do modernismo, a sueca


Hilma af Klint (1862-1944) já explorava o espiritualismo em sua arte. Na
carreira de pintora na Royal Academy em Estocolmo realizava pinturas que
ilustravam os inícios do mundo e a jornada evolucionária da alma. Paralelo à
Academia, Af Klint realizava pinturas visionárias que considerava ser
um trabalho derivado diretamente da dimensão espiritual mais elevada da
consciência na qual ela mesma seria um canal mediúnico, permitindo que as
imagens fossem pintadas ou materializadas através dela. A retomada de
atenção à sua obra a partir dos anos 1980, aparece justificada pelo texto
curatorial de Jochen Volz e Daniel Birnbaum (2018), na análise das
simbologias dos hiperobjetos de Af Klint, por se relacionarem aos sentidos de
atenção voltados à criação de códigos e sistemas de linguagem, que nos
remetem à ancestralidade e à espiritualidade. Estaríamos orientados pelo
sentido de retorno da atenção para um tipo de comunicação perdida, na busca
por nos adaptarmos às mudanças cosmológicas que passamos a dimensionar
de um futuro distópico, enfim como alternativa de continuidade através de
valores de integração.
A expressão do abstracionismo na arte não deve ser determinada por
62

 
qualidades unicamente estéticas, como um reflexo dos sentidos na polaridade
de familiaridade figurativa e estranheza sem possibilidade de definição e
nomenclaturas na qual a realidade objetiva se ancora; mas sim pela abertura
de um outro modo de experiência que a arte neste movimento institui.
Para a filósofa germano-americana Susanne Langer (1895-1985), o
símbolo e o objeto simbolizado guardariam uma forma lógica comum às
linguagens de expressão abstrata, como a música por exemplo, como uma
linguagem que utiliza processo psíquico. As estruturas tonais possuem
similaridade intensa com as formas de sentimento. As expressões artísticas
não seriam como meras expressões dos sentimentos do presente, mas se
apresentariam como símbolos que transcendem o presente, ainda assim o
pensamento simbólico estaria enraizado na natureza humana. (LANGER,
1980) O trabalho mental de transformação simbólica residiria na analogia à
realidade; em contraponto à arte abstrata entendida como desenvolvimento
criativo de formas sintetizadas do pensamento humano. Por essa compreensão
não haveria como separar a experiência do tempo vivido dos códigos
aprendidos nesse percurso.
A percepção do artista está relacionada à habilidade em flutuar na
observação ou vivência, em desapegar das exigências lógicas do viver e agir,
tornando-se capaz de concentrar-se atentamente na ação não verbal e sem
finalidade, por um desvio de atenção necessário à intuição. No desenrolar da
arte moderna e de transformações propostas em suas vanguardas, o
movimento Surrealista, disparado pelo artista André Breton procurou alcançar a
expressão de ordens intuitivas. Assim, se dedicou enfaticamente em The
Automatic Message (1933), a distinguir entre o automatismo surrealista e
mediúnico, em métodos de escrita e desenho automáticos, ou seja, levados
pelo fluxo de informação da mente buscando evitar julgamentos racionais.
Artistas desse movimento inventavam todo tipo de articulação que
pudesse impedir o controle sobre os resultados, ou partes
previsíveis, utilizando métodos de desvio da lógica racional como: sono
hipnótico, visões hipnagógicas, narrativas de sonhos, a criação coletiva, jogos
orais e de escrita, decalques, colagens, fotografia montadas e práticas de
teatro experimental. Procurar fundir a realidade latente ao potencial onírico

63

 
serviria para ampliar o acesso intuitivo próprio do imaginar, mas até que ponto
essa abertura potencializaria percepções de outras ordens?

Figura 10: Desenho de André Breton para capa do livro Nadja. E alfabeto marciano de Helen
Smith.

O apreço do artista André Breton pelas questões da mediunidade


aparece ao basear-se no caso da linguagem alienígena da médium Helena
Smith (1861-1929) pelas possibilidades de sua escrita permitirem um acesso
ao desconhecido, fosse de chegada às profundezas do psíquico ou nos termos
da paranormalidade extra-sensorial. Breton acaba por montar a personagem
principal de “A novela Nadja” (BRETON, 1928) em referência a Smith. Nadja
em russo, significa esperança, descrita por Breton como um estado mental, um
sentimento sobre a realidade, uma espécie de visão. No entanto, é a
personagem Nadja quem dá forma e estrutura ao romance. “Quem sou eu?”
pergunta Nadja na primeira frase do livro; dali inicia seu processo de
enlouquecimento.
Embora o próprio Breton fosse firmemente convencido da
impossibilidade de comunicação entre os vivos e os mortos, a questão da
origem criativa não poderia ser colocada como um fenômeno mediúnico; assim
que se aproximasse dos acessos visionários às expressões dos doentes
mentais, às escritas e pinturas mediúnicas e ao exercício surrealista. Breton
apontava claramente que havia uma diferença entre o automatismo espírita e o
artístico, que seria dado pelo caráter unificador do movimento surrealista. Para
ele, a arte seria soberana acima de outros ofícios e crenças supersticiosas, por
isso, seria manifestação do “surreal”.

64

 
2.3.2 – Atitude mental em peças telepáticas – Robert Barry, Larry Muller

Figura 11: BARRY, Robert - Lista de frases para uma exposição, abril/maio de 1969 em São
Paulo e Telepathic Peace -1969.

Na passagem das décadas de 1960 para 1970, um movimento de


artistas mudou fundamentalmente a prática e a teoria da arte, defendendo o
significado da linguagem, do conceito, atravessando questões da materialidade
para questões ligadas à estrutura. Os procedimentos desses artistas foram
caracterizados pelo fluxo intenso de pensamentos em trabalhos propositivos
ancorados na ação gestual e performática, assim o movimento foi denominado
Fluxus. Paralelo à Pop art.
Os artistas do Fluxus produziram uma crítica ao consumismo e ao
mercado de arte, por meio de estratégias que enfatizaram o discurso
conceitual, linguístico e sociológico, no projeto de “desmaterialização" de obras
de arte como apontado no texto de Lucy Lippard. (2001)
O movimento conceitual teve expressão na exposição When Attitudes
Become Form (Kunsthalle Bern, 1969 – “Quando atitudes se tornam forma”),
reunida pelo curador Harald Szeeman, bem como a exposição Prospect 69
(Städtische Kunsthalle Duseldorf, 1969) com curadoria de Konrad Fischer e
Hans Strelow, das quais o artista Robert Barry fez parte. Desde a década de
1960, Robert Barry foi figura central na arte conceitual. Naquele momento, a
telepatia servia como um modelo para suas práticas conceituais como uma
outra possibilidade de comunicação não padronizada, em reflexão ao pano de
fundo da comunicação global com um avanço crescente, rumo à extensão
tecnológica da consciência, declarada na síntese "o meio é a mensagem” de
Marshall McLuhan. (McLUHAN, 2005) Barry atualmente cria arte conceitual em

65

 
uma variedade de formas em que coloca a observação de fenômenos de
energia eletromagnética, radiação ultrassônica e gases inertes, em abordagens
sobre espaços de comunicação que se estabelecem entre a obra e o fruidor;
assim Barry explora a telepatia como tema e como método de atenção a esses
espaços intermediários.

Figura 12: - Imagem de frases na parede da galeria, no Hunter College de exposição intitulada
21
All the things I know but of which I am not at the moment thinking, de Robert Barry .

Robert Barry produziu Telepathic Pieces (1969) com o objetivo de


confrontar assuntos não-visuais e exotéricos. Seus trabalhos tomam a forma
final quando passam a ser experiência para o espectador. O artista encoraja a
associação livre do significado sobre o que apresenta, através de
proposições utilizando palavras e frases que chegam por insinuações e
evocam o espectador a um estado de contemplação e associações que
envolvem o contexto arquitetônico ou psicológico a qual estão destinadas.
Outro artista do Fluxus, o norte americano Larry Miller (1944 - ), realizou
experiências artísticas telepáticas, por considerar todas as suas obras, assim
como ele próprio, como "performance-objeto", propondo não haver limites fixos
entre objetos, eventos, tempo e espaço, ou entre definições que a sociedade
oferece para ciência, arte e espiritualidade. Atualmente em continuidade de seu
trabalho atualizados em plataformas computacionais, Miller em seu website,
oferece-nos um certificado para garantia dos direitos de nosso próprio código
de DNA, o que parece como uma crítica preocupada com os limites da

21
Em tradução livre: Um desejo secreto transmitido telepaticamente/ Um estado volitivo da
mente transmitido telepaticamente/ Um sentimento particular transmitido telepaticamente/ Uma
emoção particular transmitida telepaticamente/ Uma grande preocupação transmitida
telepaticamente. Telepathic Pieces (1969) Disponível em:<https://www.moma.org/artists/352>
Acesso em janeiro de 2018.
66

 
propriedade genética22.
No projeto Miller-Paik (2007), uma série de performances foram
remontadas com seu parceiro no Fluxus, o artista coreano Nam June Paik. Um
dos trabalhos de Miller do tempo do Fluxus foi reperformada por ele mesmo
junto ao grupo de performance Second Front, mas dessa vez no mundo virtual
de tecnologia colaborativa dos avatares digitais dentro do espaço sintético do
programa Second Life; originalmente escrito em 1977 com a
instrução: "Apareça nos sonhos de outra pessoa". Nessa nova plataforma, em
2010, passou a ter o título See you in your dreams23.
No trabalho Mom-Me (MILLER, 1973)24, Miller se colocou em
experiência telepática para contato com sua mãe já falecida, em evento de
duração longa, que envolveu seis sessões com um hipnoterapeuta. Mom-Me
foi apresentado como uma instalação que contém a voz de Miller explicando:
“Eu queria saber o que seria tornar minha mãe, perder a consciência da minha
própria identidade através da hipnose e acreditar por um tempo que eu estava
no lugar dela.” Hipnotizado, Miller-como-mãe respondeu a perguntas sobre ela
mesma e desenhou um autorretrato (ou o retrato da mãe e de Larry).
Enquanto a mídia não lhe serve unicamente como um recurso
complementar para a documentação da proposição, mas é participante na
experiência, o olhar onipresente materno é oferecido pelo ponto de vista
subjetivo da câmera, evidenciado na composição posterior que enquadra as
imagens televisivas e inclui escritos (que seriam da mãe incorporada) sob
essas imagens. Deduzimos que há indícios da mídia sendo tratada como um
médium.

22
MILLER, Larry- MOM-ME (1973) Disponível em: <http://www.onlyonelarrymiller.com/mom-
me_info-2pp.pdf> Acesso em: abril de 2018. Disponível em:
http://www.onlyonelarrymiller.com/copyright.htm Acesso em abril de 2018.
23
Em tradução livre: Vejo você em seus sonhos
24
MILLER, Larry- MOM-ME (1973) Disponível em: <http://www.onlyonelarrymiller.com/mom-
me_info-2pp.pdf> Acesso em: abril de 2018. Disponível em:
http://www.onlyonelarrymiller.com/copyright.htm Acesso em abril de 2018.
67

 
Figura 13: MOM-ME de Larry Miller (1973).

Miller parece ter sido inspirado por suas leituras de textos asiáticos, que
ressaltam a importância de superar ou transcender o ego através de atos de
extrema resistência física e mental. Além da voz gravada, a instalação é
composta por painéis com fotos da família, montado num quadro documental
que apresenta imagens de quadros do vídeo, com a transcrição das cenas e
desenhos em tinta, além de dispor um televisor com o documentário do evento
hipnótico, com a duração de aproximadamente uma hora.
Os trabalhos de Miller feitos sob condição de hipnose podem ser
entendidos como processos de experimentação de estados alterados da
consciência, mas nem todos fazem algum tipo de tentativa telepática. Podemos
entender neste sentido que a hipnose estaria mais para um método e a
telepatia estaria para uma escolha de direcionamento do próprio método sob
qual a via de comunicação pretende ser estabelecida.

68

 
2.3.3 - Leia pensamentos através do vídeo – Roland Baladi, Nam June
Paik e Joan Jonas

Figura 14: Imagem de quadro de vídeo Watch my face to read my thoughts de Rolan-Baladi
(1975).

No contexto do vídeo, a palavra médium traz a importância da atenção


para os movimentos de recepção e emissão da mensagem. Nos dispositivos
tecnológicos de vídeo há uma ação que se dá por um canal midiático de
vibrações eletromagnéticas, que traduzidas servem como meio de
comunicação, nesse sentido comunicacional e perceptivo, o vídeo deve ser
compreendido para além dos limites do próprio dispositivo. (MACHADO, 1988)
O francês, Roland Baladi (1942), é um dos artistas do movimento da arte
conceitual. Em 1975 realizou um vídeo de quinze minutos, com título original
Télé-pathie. O rosto em close de Baladi aparece em uma sequência continua.
Supõe-se que ele pensa fortemente em algo que tenta transmitir ao
espectador, sem dizer nada, apenas respirando, quase sem piscar os olhos,
enquanto algumas instruções passam escritas, com as quais propõe: “assista
meu rosto para ler meus pensamentos”. Haveria algo em pensamento que não
seja de propriedade individual?
O diálogo que realizamos internamente se denomina de
comunicação intrapessoal. A linguagem na qual a fala torna-se pensamento,
está intimamente relacionada às ideias, aos sentimentos e aos desejos.
Todavia, o vídeo estaria aqui configurado para mediar um tipo de vidência
diante da oscilação passiva e ativa do pensar. O vídeo seria um intermediário
da diferença, entre a refletividade subjetiva e objetiva. O vídeo permitiria a
experiência de um sentido de médium de comunicação transpessoal?
Compreendemos que o exercício de estar sujeito e objeto da mesma situação

69

 
imagética, parece produzir questionamentos sobre os espectros da consciência
de si mesmo. (WILBER, 1977)
Podemos tomar o pensamento como imagem e a imagem como
pensamento, sob a estratégia de aproximação à antropologia da imagem
trazida por autores como Hans Belting, William J. T. Mitchell, Philippe Dubois e
Rosalind Krauss para a construção do entendimento da imagem-pensamento e
da autoficção como exercício do sujeito tornado imagem.
A estética do narcisismo é apontada pela historiadora e curadora de arte
moderna e contemporânea Rosalind Krauss (1941) na maneira do vídeo ser
utilizado como espelho. Consequentemente, seria o exercício de duplicidade da
própria imagem o que dá à prática de vídeo, com ênfase em performance, um
caráter de valorização psicológica como estratégia. (KRAUSS, 2008)

Poder-se-ia dizer que, se a reflexividade da arte modernista é


um dédoublement ou um voltar-se para si mesmo a fim de
localizar o objeto (e assim as condições objetivas de uma
experiência única), a reflexão-especular com feedback absoluto
é processo de suspensão do objeto. Essa é a razão porque
parece inapropriado falar de um medium físico em relação ao
vídeo – o objeto (o equipamento eletrônico e seus recursos)
tornou-se mero acessório. Em vez disso, o medium real do
vídeo é uma situação psicológica em que se busca retirar a
atenção de um objeto externo – um Outro – e investir no self.
(KRAUSS, 2008, p. 150)

Ao adotar o termo medium em latim, para se referir ao vídeo, Kraus


coloca sua justificativa embutida na observação sobre o vídeo, o qual não se
porta unicamente como veículo midiático, mas como meio de incorporação que
favorece situações projetivas da imagem de si mesmo explorada pelos artistas.
Como obra imaginária, essa imagem reflexiva traz um modo próprio de fixação
narcísica que sempre está a escapar, não se dá como escritura conformada em
si mesmo, mas se coloca em repetição sem entregar claramente indicações ao
que se refere. Neste sentido um deslocamento indicial leva a diferença da
imagem refletiva para a imagem reflexiva. Sendo a refletividade um
espelhamento que apresenta simetria externa com algo que é refletido,
enquanto que a reflexão traria parte de atitudes estratégicas para alcançar
assimetrias de um processo que apresentaria um distanciamento ou
desdobramento do referente.

70

 
O teórico da mídia alemão, Fredrick Kittler (1943 - 2011), diz que nunca
devemos esquecer o efeito técnico manifestado no duplo da imagem; assim
evitar estratégias de mascarar o sobrenatural. Em seu exemplo, na escrita de
um romance, ao introduzir um herói que esconde um duplo com características
comuns, faz-se isso para treinar o leitor com a técnica de marcar identificações,
por certa alucinação recognitiva de projeção da psiquê em ver duplos. Assim
sendo, o duplo seria um correspondente com um papel na “fantasia telepática”,
ou seja, seria um sinal externo da invisibilidade telepática do parceiro,
carregada não somente nos sonhos de uma intimidade impossível, mas
correspondendo ao “pesadelo da exposição de si mesmo”. (KITTLER, 1997)
É relevante apontar o uso do vídeo para além do recurso de registro da
experiência, ao enfrentar o desejo de participação do sobrenatural, como
aparece destacado no trabalho da TV Buddha (1972) do artista coreano
pioneiro da videoarte, Nam June Paik (1932 - 2006).
O diálogo poético entre a estátua de Buddha em posição de
contemplação de sua própria imagem que aparece em um televisor é
transmitida por câmera de vigilância em tempo real. Essa instalação cria uma
relação de diálogo entre as culturas ocidental e oriental, possibilitando a ênfase
poética para a contemplação do tempo presente, como um estranho desafio
para a mídia potencializada em sua posição de médium incorporador. A
imagem como presença, na qual o vídeo é apresentado, provoca um tipo de
reflexão sobre as possibilidades de comunicação interdimensional. (DUBOIS,
2004)

Figura 7: TV Buddha - Buddha, televisor e câmera, de Nam June Paik.

71

 
Essa ambiguidade da imagem é tratada pelo historiador de arte alemão
Hans Belting (1935 - ) como marca da memória de algo já ausente, na contra-
referência própria da máscara. Para o historiador estadunidense, William John
Thomas Mitchell (1942 - ), a imagem pode ser estudada por um tipo de
iconologia, pela distinção da mídia icônica em relação ao que é próprio do
texto. Mitchell (1986) traz à tona a noção de personificação das imagens,
quando diz que não se trata de um tipo de signo, mas de algo semelhante a um
ator no palco histórico. (MITCHELL, 1986)
A duplicidade da ação, em perceber e ser percebido, não exclui a
linguagem, que tem por efeito a mediação. Na reflexão de Philippe Dubois25,
para pensarmos o vídeo seria preciso considerá-lo não apenas como objeto,
mas como um estado da imagem, uma forma que pensa as imagens do
mundo. O vídeo seria como um estado-imagem em videopensamento.26 A
tensão dialética entre semelhança e dessemelhança seria dada por situações
reversas: como quando a imagem imita o mundo, e por sua vez, o mundo ao
imitar a imagem passa a realizar uma certa pulsão de subversão. (DUBOIS,
2004)

Figura 15: Imagens de quadros do vídeo de registro de Organic Honey's Visual Telepathy, de
Joan Jonas (1972).

A artista norte americana, Joan Jonas (1936 - ), por ter tido influência da
ópera e do cinema de vanguarda, além de sua formação em escultura, substitui
a continuidade narrativa pela descontinuidade intermídia, em sua maneira de
performar a imagem do vídeo, criando camadas cênicas com desenho,

25
DUBOIS Philippe (1952 - ) nascido na Bélgica é professor do Departamento de Cinema e
Audiovisual da Université Sorbonne nouvelle – Paris III, membro do Instituto Universitário da
França (IUF, onde desenvolve pesquisa sobre o pós-cinema. Em 2016 esteve no Brasil como
professor visitante na Universidade Federal do Ceará (UFC).
26
O termo videopensamento aparece no comentário de Dubois sobre o cineasta “Godard tem
repousado, inteiramente, nessa tensão entre fazer ainda (filmes, objetos circunscritos,
identificados, que servem de balizas) e ser completamente – um estado do olhar, do
videopensamento, um ser – imagem total –, que se abre ao infinito e no qual, o risco evidente,
mal-evitado, é o de ser tragado, absorvido e se dissolver num oceano”. (DUBOIS, 2004, p. 312)
72

 
escultura e instalação e montando uma linguagem visual idiossincrática. Ela
explora a experiência de quem assiste ao vídeo como resultado da junção de
linguagens, muitas vezes confundindo as percepções do espectador de
imagens pré-montadas sobrepostas às imagens em tempo real. Joan Jonas foi
considerada uma pioneira no uso do vídeo em relação ao corpo, com estética
do feminino e ênfase no recurso da imagem espelhada. Jonas produziu alguns
de seus vídeos com colaboração de artistas minimalistas, que atendiam às
suas instruções de improvisar em determinados espaços com o uso de objetos
indicados. Entre esses artistas: Richard Serra, Robert Smithson, Nancy Holt e
Gordon Matta-Clark. A artista também foi associada ao mundo da dança
contemporânea em contribuição com as artistas Trisha Brown e Ivonne Rainer.
Sabe-se que as mulheres tiveram participação na produção de videoarte, pois
com o sistema do vídeo foi possível gravar e editar, independentemente do
processo de revelação fílmica. O desenvolvimento de equipamentos portáteis
voltados ao consumo caseiro, tornou o vídeo uma mídia mais acessível.
Em Organic Honey's Visual Telepathy (1972)27, ela apresenta um
enigmático ritual de identidade, que realiza consigo e seu duplo composto por
uma máscara de boneca. Organic Honey seria seu alter ego, a personificação
do artifício, do disfarce e do narcisismo.

Figura 16: Imagens de quadros do vídeo de registro de Organic Honey's Visual Telepathy, de
Joan Jonas, (1972).

Durante a performance, enquanto um monitor de televisão mostra


imagens multiculturais convencionais de mulheres - uma deusa bengali, uma
mulher japonesa - a câmera em um diálogo transmitido simultaneamente em
um monitor e projetado no palco. Jonas estende assim o espaço de
performance para o espaço virtual da imagem, enquanto pretende exprimir

27
Vídeo performance. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=n9t9NNbvXDw.
Acesso em: maio de 2019.
73

 
detalhes, Organic Honey performa em tempo real e interage com a câmera de
vídeo.
Jonas explora temas dos arquétipos femininos com o estudo de gestos,
tanto pessoais como culturais; por elementos formais do trabalho, a utilização
de espelhamentos explorando imagens de corpo e outras camadas por
anteparos de objetos atingidos pelas projeções, antecipa um tipo de
mapeamento de imagens em performance como é realizado largamente na
prática de artistas contemporâneos. Manipulações de espaço reflexivo bem
como a totalidade e fragmentação da imagem e ambiguidade espacial cerca a
investigação de Jonas em distensões sobre subjetividade e objetividade, e
tensões entre autenticidade e determinismo social. Atualmente, Jonas continua
a performar, com a câmera em diálogo no espaço cênico transmitindo
simultaneamente em rede telemática, estendendo assim o espaço de
performance para o virtual da imagem e na relação da telepresença28.
Nas práticas de vídeo com contundência autorreferencial, ao longo da
história dessa linguagem, podemos ver as inesgotáveis estratégias de colocar
o corpo, para além de sua duplicidade na imagem, ao reforçar a presença
corporal como atividade performativa, em relação não apenas à imagem, mas
também aos processos tecnológicos próprios desse meio. A performance seria
uma modalidade desestabilizadora, pois dá ao vídeo a fricção entre arte e vida
como modo de operação dramático.

2.3.4 - Tele-visão - Bill Viola

A espiritualidade aparece no trabalho do artista nova-iorquino Bill Viola


(1951 - ) em reinterpretações de iconografias religiosas com o direcionamento
a revelar outras contextualizações. Na atualidade são trazidos
questionamentos sobre a relevância de imagens religiosas. Se imagens do

28
JONAS, Joan (Nova York, Estados Unidos, 1936) é uma pioneira de performance, filme
experimental e instalação de vídeo. Jonas estudou história da arte e escultura no Mount
Holyoke College, em Massachusetts e depois em Boston e Nova York. Em 1964, Jonas
começou a trabalhar no campo da performance e entrou em contato com artistas minimalistas,
obteve colaboração de artistas e amigos como: Richard Serra, Robert Smithson, Nancy Holt e
Gordon Matta-Clark. De 1967 a 1969 se associou à dança contemporânea junto à Trisha
Brown e Ivonne Rainer. Ela participou da Documenta em 1977, 1982 e 2002, e tem sido objeto
de várias retrospectivas e reflexões na arte contemporânea. Disponível em:
<http://joanjonasvenice2015.com/artist-joan-jonas/> Acesso em março de 2017.
74

 
passado podem ser recontextualizadas em aspectos não religiosos do
cotidiano, experiências de reacesso como propostas por Viloa trazem o
discurso do vídeo na presença de fragmentos do passado contidos na imagem.

Figura 17: Frames da instalação Martyrs, de Bill Viola.

Ao tencionar o corpo do observador diante da imagem especular no


campo de articulação entre elementos que se contrapõem, Viola situa-nos
sobre o poder do artista em articular entre sua intencionalidade e a inerente
potência mágica da linguagem visual. O corpo imagem se submete ao fogo,
mas não queima, e a água transpõe o fluxo do correr do tempo.

“Tele-visão” em latim significa "ver longe". Sempre tivemos


pessoas chamadas "videntes" que podem predizer o futuro e
ver coisas que outros não conseguem. No grande deserto da
Austrália, por milhares de anos, os aborígines praticavam a
telepatia, isso foi documentado em registros antropológicos,
indicando que acontece muito antes de telégrafos, telefones e
rádio. Mas agora temos esses tipos de dispositivos protéticos
psicológicos, ajudas artificiais para esse tipo de experiência,
que anteriormente eram apenas do domínio de pessoas
especialmente treinadas. (HIXON, 2002. Tradução livre)29

A construção poética da obra de Bill Viola em seu percurso geral poderia


ser analisada por apresentar um forte eixo de investigação da experiência
estética transensorial ao ressignificar a materialidade do corpo em imagem. O

29
No original: “Tele-vision” in Latin means “to see far”. We have always had people called
“seers” who can foretell the future and see things others cannot. In the great desert expanse of
Australia, for thousands of years, the Aborigines practiced telepathy. This has been
documented in the anthropological record. So, that happened long before telegraphs,
telephones, and radio. But now we have these sort of psychological prosthetic devices, artificial
aids to these kind of experiences, which previously were only in the domain of specially trained
people. (HIXON, 2002, s/p)
75

 
sentido de ressurreição passa a ser definido pelo poder mágico da imagem no
trabalho de Viola. Com atenção aos dispositivos tecnológicos como recursos
comunicacionais de entidades distantes e potencializadores de transferências e
acessos a outras dimensões. O artista ao apresentar narrativas fabulares de
corpos etéreos e oferecer ao observador a qualidade de escala humana nas
projeções visuais, vincula as imagens etéreas ao corpo do observador
presente.

2.3.5 - Coisa Mental - PSI – Susan Hiller

A parapsicologia é uma área de estudo de experiências humanas


extraordinárias, estudos científicos, empíricos e também os considerados não
científicos, por abordar experiências anômalas, ficam à margem da psicologia e
são dados como experiências PSI. A letra do alfabeto grego PSI Ψ deriva da
palavra psykhê, referente a alma e mente. Foi escolhida para designar
fenômenos psicobiofísicos e metafísicos, fenômenos da consciência e de ação
física paranormal, parafísica, que se distendem além dos cinco sentidos
básicos como a percepção extra-sensorial (PES), em inglês ESP (extra-
sensorial perception). (TARG, 2014, p. 29) A função PSI abrange fenômenos
paranormais subjetivos, que podem implicar numa comunicação entre mentes,
entre espírito e espírito, tais como: a telepatia; a percepção extra-sensorial; a
pré-cognição; e fenômenos que possam implicar na ação física da mente sobre
a matéria como a psicocinesia.
No Brasil, estudos voltados para a percepção PSI foram vinculados às
tradições do espiritismo e outras religiões30. Alguns parapsicólogos e físicos

30
O período científico da metafisica em torno da parapsicologia começou em 1882 com a
fundação London Society for Pychical research, sob liderança do professor Henry Sedgwick.
Depois foi fundado um grupo de estudos de professores da Universidade de Cambridge com
Henry Sedgwick, FWH Myers, William Crookes, William Barret, Oliver Lodge, o fisiólogo
Charles Richet, o filósofo Henri Bergson, astrônomo Camillo Flammarion, o psicólogo William
McDougal e o biólogo Hans Driesch. Esse tipo de fenômeno, mais voltado às questões da
espiritualidade despertou a atenção do pedagogo Hippolyte Léon Denizard, em 1855, que
passou a publicar vasta obra sob o pseudônimo de “Allan Kardec”. No Brasil estudos da
paranormalidade foram vinculados às tradições ligadas ao espiritismo de Kardec, tendo se
desenvolvido em diversos estados do país, na década de 1950 e 1960. Obteve maior atenção
maior devido a repercussão dos trabalhos de dois médiuns conhecidos por Chico Xavier e Zé
Arigó (incorporador de Dr. Fritz). Algumas instituições acadêmicas, nacionais e
internacionais, vem se dedicando a esses estudos paranormais, termo considerado como
provisório, onde se dedicam na busca de novas epistemologias. Algumas instituições sem
vínculo acadêmico científico se dedicam aos estudos da paranormalidade, são instituições que
embora sigam uma série de prerrogativas semelhantes às organizações científicas, não são
76

 
identificam o fator PSI com uma consciência subjacente em toda a natureza,
que seria causa da existência do universo e da própria matéria. Uma espécie
de substrato energético-consciente, ou ainda o PSI seria posterior a essa
consciência e assim uma criação, ou um efeito dessa consciência ainda
anterior à matéria e de outra ordem, uma matéria PSI, ou sutil. Por ser capaz
de manifestar-se, ser tangível, como uma causa organizadora de fenômenos
biológicos.
Uma recente exposição no Centre Pompidou, 2016, em Paris, chamada
Cosa Mentale (coisa mental), abordando fenômenos PSI, como a telepatia,
aura e expansão da consciência, apresentou diversos artistas de momentos
históricos diversos, de 1990 aos dias de hoje. A exposição nos oferece
algumas referências para a pesquisa e nos certifica em relação aos interesses
atuais na atenção a outros modos de compreensão do médium da percepção
como acesso à materialidade sutil e atributos da mídia nesse processo.

Figura18: PSI Girls, de Susan Hiller (1999).31

A artista estadunidense Susan Hiller (1940 - 2019) ilustra a capa do


catálogo da exposição PSI Girls (1999), seu trabalho concentra manifestações
culturais do inconsciente coletivo, mas também maneiras pelas quais tais
manifestações são alvo de repressão. Segundo Hiller, o radicalismo político e o
espiritualismo têm sido, historicamente, colaboradores mais próximos de seu
trabalho, mais do que a psicanálise e o ocultismo. O movimento espiritualista

incorporadas ao reconhecimento governamental educacional de validação científica regular, a


exemplo do Centro de Altos Estudos da Conscienciologia fundada por Chico Xavier e junto com
Waldo Vieira, médico e médium. A sede do Centro de Estudos foi iniciada em Uberaba e
posteriormente transferida para Foz do Iguaçu. O Centro de Estudos se encontra em e intitula
como uma organização científica apartidária e não-religiosa, focada no estudo integral da
consciência. Outra instituição dedicada ao estudo da paranormalidade no Brasil é o Instituto
Pernambucano de Pesquisas Psicobiofísicas. Disponível em: <http://www.parapsych.org>
Acesso em dezembro de 2017.
31
HILLER, Suzan, PSI Girls, 1999. Disponível em: <https://www.tate.org.uk/art/artworks/hiller-
psi-girls-t12447> Acesso em: abril de 2017.
77

 
em particular tornou visíveis questões não reconhecidas de gênero e relações
de classe, permitindo que mulheres assumissem papéis de liderança e
desenvolvessem perfis públicos. O respeito de Susan Hiller pela espiritualidade
e suas manifestações é indicativo de seu interesse artístico no sujeito
culturalmente reprimido e intelectualmente difamado que deve ser entendido
em termos profundamente políticos.
O trabalho PSI Girls é uma videoinstalação com cinco telas com cores
diferentes contendo cenas de filmes clássicos do cinema de meninas com
poderes transensoriais, enfatizando o medo cultural voltado para o que seria
qualificado genericamente como perturbação psicológica da feminilidade
jovem. Há nessa abordagem uma crítica à analogia do feminino e às forças
ocultas como desvario reprimível, além de um alerta de atenção e importância
de resgate aos poderes femininos para percepções do sutil.

2.3.6 - Telepatia Sonora - Pauline Oliveros

Ao passarmos da observação de proposições relacionadas ao vídeo


para metodologias com características de atenção contemplativa, o exemplo da
musicista estadunidense Pauline Oliveros nos contempla com a condição
telepática voltada à cognição sonora, praticada através da meditação como
ferramenta para a relação social através da música. Certamente, a música
parece produzir ações efetivas do campo estético, mais facilmente
reconhecíveis, por interconectar afetivamente dimensões subjetivas e transpor
dimensões espaço-temporais.
Instruções para a comunicação pacífica e improvisação telepática
“Meditações sônicas” de Pauline Oliveros (1974):

Se encontre em um espaço interno escuro ou em uma área externa


deserta. Forme mentalmente uma imagem sonora. Suponha que a
magnitude de sua concentração ou a vivacidade dessa imagem
sonora farão com que um ou mais grupos recebam esta imagem
sonora por transmissão telepática. Visualize a pessoa a quem você
está enviando. Descanse após sua tentativa de transmissão
telepática tornando a mente vazia. Quando uma imagem sonora
parecer diferente de suas próprias formas em sua mente, suponha
que você está recebendo de alguém então, faça com que a imagem
do som se torne audível. Descanse novamente, tornando a mente
vazia, em branco, ou retorne à sua própria imagem sonora mental.
Continue o máximo possível ou até que todos os outros fiquem

78

 
32
quietos. (OLIVERO, 1974. Tradução livre)

Figura19: Diagrama de improvisação sonora a partir da escuta atenta e Pauline Oliveros e seu
grupo apresentando o Teach Yourself to Fly from Sonic Meditations.

O exercício proposto por Pauline Oliveros conduz os participantes


através da música para estados meditativos e direciona a comunicação
telepática por imagens sonoras produzidas mentalmente. O que se entende
como uma recomendação da passagem da experiência musical a campos
ainda mais sutis de atuação, para ir além da atuação vibracional dos sons na
matéria.

2.3.7 - Telearte - Mario Ramiro e Morio Labonete

O artista brasileiro Mario Ramiro (1957 - ) que integrou no final dos anos
1970 o coletivo “3 nós 3” com Hudinilson Jr. e Rafael França quando
realizavam ações performáticas e de intervenções urbanas, Traz em sua
pesquisa a discussão sobre como as tecnologias de comunicação e
transmissão de informações desencadeiam sistemas baseados na
possibilidade de comunicação entre os vivos e os mortos. Isso pode ser

32
No original: Instruction for Pacific Tell e Telepathic Improvisation "Find you place in a
darkened indoor space or a deserted out-of-doors area. Mentally form a sound image. Assume
that the magnitude of your concentration on, or the vividness of this sound image will cause one
or more of group to receive this sound image by telepathic transmission. Visualise the person to
whom you are sending. Rest after your attempted telepathic transmission by becoming mentally
blank. When or if a sound image different from your own forms in your mind, assume that you
are receiving from some one else, then make that sound image become audible. Rest again by
becoming mentally blank or return to your own mental sound image. Continue as long as
possible or until all others are quiet. (OLIVEIROS, 1974. Disponível em: <
https://blogthehum.wordpress.com/2016/09/13/pauline-oliveros-sonic-meditations-1974-the-
complete-text-and-scores/> Acesso em Fevereiro de 2018).
79

 
observado a partir do advento da telegrafia e das transmissões radiofônicas, e
de maneira semelhante com a chegada da fotografia e de suas derivações da
imagem operativa, como os Raios X.
A crença de que seria possível tornar visível o que antes era invisível ao
olhar, difundida entre os artistas modernos e futuristas, aparece nas pesquisas
pouco ortodoxas de Mario Ramiro. Ramiro apresenta pesquisa da história da
imagem fotográfica e os fenômenos de invisibilidade sendo eles físicos ou
psicofísicos (que relacionam mente e matéria). Segundo o entendimento da
paranormalidade, imagens de espíritos seriam captadas pela presença de
ectoplasmas, um tipo de “condensação de uma energia psicofísica
exteriorizada”. (RAMIRO, 1998, p. 105)
A fotografia de schlieren33 é uma técnica que permite a captação do
fenômeno invisível ocorrido na atmosfera em torno dos corpos aquecidos,
amplamente explorada pelo artista em sua poética34. Sob nosso entendimento,
Mario Ramiro investiga aspectos da dimensão transensorial, sob a perspectiva
da arte.
Em 1992, Mario Ramiro e o artista japonês Morio Labonete Nishimura
realizaram uma experiência que denominaram “telearte”, em trabalho intitulado
“Entre o Norte e o Sul”. Para buscar estabelecer algum tipo de comunicação à
distância, entre diferentes extremos de localização espacial, os artistas
implementaram um vínculo ponto a ponto, sem utilizar qualquer equipamento
eletrônico. Foi quando Ramiro desenvolveu o conceito de "teletransporte
cênico”, um exercício de telepatia, ou mesmo “telearte”, envolvendo a atenção
aos cenários em contexto. (RAMIRO, 1998)
A partir da referência que na Ásia existem aproximadamente 500 torres
em templos budistas, em cada torre há uma antena apontada para o céu, no
interior da estrutura de cada antena está um tipo de compartimento contendo
alguns dos restos mortais do Buddha; esse elemento faz crer que haveria uma
interligação entre as antenas que facilitaria a comunicação entre os pontos.
Tais elementos raros contidos ali seriam responsáveis pela formação de uma

33
A palavra schlieren (do alemão Schliere, significa raia) usada para designar aspectos não
visíveis, relacionados às diferenças localizadas no comprimento do caminho óptico que
causam o desvio de luz.
34
RAMIRO, Mario Schlieren - Vídeo com performance de Mario Ramiro. Disponível em:
<https://vimeo.com/235556912> Acesso em: março de 2017.
80

 
rede que, de acordo com os budistas, une todas as torres para além do tempo
e do espaço. Essas torres contendo esse elemento singular seriam como
aparelhos transmissores e receptores geradores de sinais cujas ondas se
propagam pelo planeta. Ao seguir o pressuposto de que um objeto com tal
carga simbólica possa ser um disparador de poéticas de interligação de
afetividades distantes; os dois artistas deixaram a cidade de Düsseldorf, cada
um em direção ao destino específico e equidistante entre si.

Figura 20: Desenho de Ramiro para composição do objeto-antena Entre o Norte e o Sul.
(RAMIRO, NISHIMURA, 1998)

Cada artista carregava um objeto-antena que foi criado para cumprir a


função de transmissor/receptor, uma “antena” sem auxílio de sistemas de
telecomunicação. Cada artista construiu seu próprio dispositivo a fim de
potencializar algum tipo de conexão especial afetiva através de objetos de
valores estéticos. O objeto conector prendia dois frascos por um fio, sendo que
cada frasco continha fios de cabelo dos dois artistas conectados por um
embrulho em folha de ouro mergulhados numa porção de água, um com água
do rio Reno e o outro com água do rio Ptakajarvi.

81

 
Figura 21: Fotografia dos objetos-instalações tidos como transmissores de cada artista, parte
do experimento Entre o Norte e o Sul. (RAMIRO, NISHIMURA, 1998)

O trabalho ganhou uma dimensão de escala planetária quando os dois


artistas decidiram por acessar espaços do continente entre o norte e o sul da
Europa, entre a Finlândia e a Grécia. O artista Nishimura dirigiu-se à Finlândia,
fixando-se em Lieksa, para uma região de florestas às margens do rio Pitajarvi.
Lá, construiu um objeto-instalação feito com nove pedaços de madeira que
encontrou no local, posicionando sua composição meio sobre a terra, meio
sobre as águas. No meio dessa construção, Nishimura colocou uma flor de
lótus que havia esculpido em formato de taça, na qual ele fixou uma das
"antenas". A flor foi a imagem que ele escolheu para sua transmissão. Ramiro
por sua vez foi em direção ao sul da Grécia, na ilha de Amorgós, cercada por
formações rochosas. Ramiro foi para um monte de pedra onde instalou sua
"antena", sobre a qual Ramiro inscreveu na superfície de uma pedra o desenho
de uma espada flamejante, juntamente com o símbolo da lua cheia ao alto e do
sol poente; desenhados, essas imagens foram as transmitidas para Nishimura.
Por dois dias com horários pré-estabelecidos ao fim da tarde se davam os
encontros com alternância entre transmissões e recepções de mensagens, ou
de imagens mentais. Os processos de captação foram realizados em desenhos
levados à análise posterior. (RAMIRO, NISHIMURA, 1998)

É possível verificar semelhanças de linguagens e influências entre os


resultados obtidos. As similaridades podem ser aceitas ou não como

82

 
coincidentes, a validação não é a finalidade do trabalho. Entretanto, ao se
ponderar sobre as diferenças culturais entre os artistas o ritual proposto é
marcado por um estado de conexão espiritual. Há indícios de escolhas
simbólicas do repertório das religiões, que se apresentou por decisão individual
e não compartilhada entre os artistas. Ramiro fez referência à espada ardente
da queda do paraíso cristão, por sua vez Nishimura fez menção à flor de lótus
meditativa do budismo.

Figura 22: LABONETE, Morio e RAMIRO, Mario Entre o Norte e o Sul (1998), Colônia -
Alemanha (RAMIRO, NISHIMURA, 1998).

Em momento predeterminado, os artistas se colocaram na ação de


transmissão de uma imagem não pré-estabelecida por eles, mas sim de algo
que tivera sido encontrado no local, com a captação percebida sendo
registrada em desenho. Posteriormente, ao avaliarem os desenhos realizados
os artistas encontraram uma proporção alta de relações similares aos objetos
transmitidos. Segundo Ramiro, essa proposição os inseriu em áreas de
improváveis relações através da experimentação de outras formas de contato.
“O estado corpóreo do trabalho expande a sua condição local, física, para o
limite do impalpável, tornando-se imagem, um símbolo feito alma, um estado
de animação”. (RAMIRO, 1998, p. 6) A dimensão material das obras
construídas com o que havia disponível em cada paisagem, como a madeira ao
norte e a pedra ao sul, teria instaurado uma outra dimensão poética, por oscilar
entre o material e o imaterial.

83

 
2.3.8 – Densidades espaciais imaginadas- Jonas Staal

Se entendemos o médium da percepção como um campo de interações


que ocorrem na experiência em arte, é relevante abordar o imaginário sobre a
criação de espaços em suas diferentes densidades quando são projetados,
como cidades ligadas por campos interdimensionais. Vemos que essa
espacialidade imaginada aparece em questões que perpassam o trabalho
proposto por Jonas Staal, artista holandês nascido em 1981.
Com o título “Nosso Lar, Brasília”, o trabalho foi apresentado na 31ª
Bienal de São Paulo, em 2014, intitulada “Como falar de coisas que não
existem”, que apresentava uma ênfase a trabalhos com sentido de
espiritualidade latente. A proposta de Staal nos interessa por seu método
investigativo, no qual traz um eixo de questionamentos a saber em que nível a
arte pode funcionar como um instrumento para determinar um "espaço político
alternativo".
Staal traz uma reflexão sobre a criação paralela de dois planos
arquitetônicos no Brasil, que emergiram sob dois pilares fundamentais do
imaginário do Brasil: o Espiritismo e o Modernismo. O primeiro desses planos
foi a cidade chamada Nosso Lar, arquitetada e contextualizada dentro do
movimento espírita do Brasil, na época liderado pelo médium Chico Xavier, que
descreveu a cidade em 1944 a qual os espíritas acreditam pairar sobre a terra
em uma extensa região, entre as cidades do Rio de Janeiro, Itaperuna e
Campos dos Goytacazes35. Segundo Xavier, Nosso Lar seria o lugar onde os
bons espíritos encarnariam após a morte, antes de se prepararem para sua
reencarnação na terra.

35
Ditado pelo espírito André Luiz e psicografado por Chico Xavier
84

 
Figura 23: STAAL, Jonas - Nosso Lar, Brasília (2014).

A segunda cidade foi Brasília, a capital do Brasil, planejada em 1956


pelo urbanista Lúcio Costa, construída para desempenhar um movimento de
aceleração do desenvolvimento do centro do país, no processo moderno de
industrialização. Brasília traz em seu princípio a cruz, símbolo arquetípico da
união dos opostos, ponto gerador do eixo universal, ou o ponto criativo onde o
homem se encontra com Deus, lugar da eternidade. Construindo a relação
entre esses vários componentes e à compreensão do ambiente e dos
contextos conflitantes, Staal sobrepõe os planos apresentando em instalação

85

 
textos, maquetes e vídeos, para sistematizar a comparação das semelhanças e
dessemelhanças, de tal forma que permitam uma articulação do que poderia
ser considerado um projeto compartilhado para projetar a sociedade
imaginada. A arquitetura exerce um papel recorrente no campo do discurso
político e ideológico quando isso se traduz em uma estrutura espacial e social.
Podemos observar os trabalhos de Staal como uma pesquisa de
arquiteturas ideológicas, ou talvez seriam espacialidades projetadas pelo
desejo. Propagandas de ideologias são exacerbadas na estética discursiva do
artista para nos fazer perceber as camadas políticas e religiosas fortemente
endereçadas nos dois planos, para além do discurso de projeto arquitetônico.
Já não estamos aqui a falar sobre coisas que não existem, mas sobre as
coisas que não existem e encontram maneiras de se concretizar. Projetos da
prática mediúnica sobrepostos aos da prática arquitetônica.
O artista ao estabelecer pontos de contato entre as duas cidades
projetadas, o artista nos faz perceber um possível fenômeno de campo
alternando densidades do tempo e do espaço. Segundo a teoria de Rupert
Sheldrake, uma vez que a informação já tivesse sido aprendida por alguém
aumentariam as chances desse conteúdo ser tomado novamente, como um
hábito a se repetir nos efeitos de campo. Até que ponto a cidade descrita pelos
médiuns pode ter sido um referencial para a concepção da cidade projetada
pelos arquitetos urbanistas? Por fim, a resposta sobre a evidência do fenômeno
não parece ser o mais relevante na apreciação da análise que Staal nos
oferece. A analogia entre as cidades nos indica a importância em darmos
atenção a fenômenos de campo, como um aspecto cabível na discussão da
arte, entre a magia da imagem frente ao seu referencial real ou concreto,
quando em seu método considera essas similaridades, sem priorizar a
representação referenciada.

2.3.9 - Recorrências compartilhadas- Joseph Beuys e Marina Abramovic

A observação dessa pesquisa por fenômenos de campo se guia pela


recorrência de acontecimentos de alguma maneira semelhantes, mas há um
exercício de repetição que se dá como método de aprendizado e pode ser visto
em eventos inter-relacionados que ocorrem na prática de metalinguagem da

86

 
arte, em retomada proposital de conceitos, como por exemplo as “re-
performances” históricas. São realizações posteriores que criam um diálogo em
continuidade com algum acréscimo para as experiências continuadas.
No processo de arte, o cruzamento de referências é um recurso de valia
crítica e de acréscimo para a construção de sentido epistemológico, uma vez
que um trabalho se realiza e pode ser consolidado pelo compartilhamento
cultural que informa o futuro. Elementos surgem em soluções semelhantes,
como desdobramentos de uma lógica intencional; se as referências são
anteriores, isso indica possibilidades de construção para aumentar a densidade
dos resultados; mas se são referências posteriores, podem indicar outros
paralelos observáveis sobre o contexto, até mesmo se chega a explanar
recorrências de sincronicidade.
Na performance de Joseph Beuys “Como explicar imagens a uma Lebre
Morta” (How to explain pictures to a dead Hare, 1965), Beuys embalava uma
lebre morta em seus braços por três horas, andando e mostrando seus
desenhos, enquanto o público assistia de fora, por uma vitrine. O efeito do
corpo presente de Beuys na ação com sua cabeça coberta de mel e folhas de
ouro indicaria a imagem do homem tornado mudo pelo seu pensamento, pela
sua excessiva racionalização.
A problemática da comunicação trazida por Beuys, no diálogo impossível
com a lebre morta, pode aqui ser levada para a dificuldade em estabelecer
limites precisos da mente criadora. Se os processos de telepatia tratam de um
espaço compartilhado, como poderíamos tratar a imprecisão desses limites?
Essa mesma performance de Beuys foi refeita pela artista sérvia Marina
Abramovic (1946 - ) como parte de um projeto que retoma sete performances
de diferentes artistas, foram trabalhos escolhidos por terem marcado a história
da performance e da arte Seven Easy Pieces, em 2005. Afinal, a discussão
sobre o direito de propriedade não deveria ser apenas uma questão de
proteção do direito autoral e espaço de criação pessoal; ou será que deveria
atender à observação dos limites do espaço privado e íntimo do pensar?

87

 
Figura 24: How to explain pictures to a dead Hare, por Joseph Beuys – Galerie Schmela –
Dusseldorf, 1965 e Seven Easy Pieces por Marina Abramovic – Guggenheim Museum – New
York, 2005.

Em seu trabalho, Marina Abramovic, desde o início da década de 1970


explora a relação entre artista e público através dos limites do corpo e da
mente. Há sobre o eixo do trabalho de Abramovic, a expressão do corpo e as
relações dadas pela performance que é então definida pelo grau de
proximidade à vida. Vemos no trabalho de Abramovic um investimento do
corpo em presença, a ação performática segue por um viés do real; por
exemplo no acesso aos limites do corpo e da dor que pode se sentir e suportar
durante o ato. (ABRAMOVIC, 2016, p.111)
Abramovic vem alertando seu público sobre possibilidades de trazer
atenção maior aos processos de percepção em níveis sutis, que podem ser
ativados por proposições performáticas de longa duração e colocam o sujeito
em situação de enfrentamento dos limites impostos pela normalidade da vida
cotidiana e da falta de atenção das potencialidades do corpo sensível. Estão
entre algumas das premissas de Abramovic: estimular a atenção e escuta
interna e concentração que pode nos reconectar com a materialidade sutil, que
possivelmente perdemos ao nos afastarmos de nossas práticas ancestrais de
ritual. A exemplo de algum de seus trabalhos que promove a relação de
proximidade com cristais e os campos sutis que se acredita emanar deles.

88

 
Figura 25: The artist is present, de Marina Abramovic New York, 2010.

A metalinguagem é utilizada como um método de resgate e


redimensionamento de discursos da arte. Se na performance é dada ênfase na
relação que se estabelece como um campo afetivo, na re-performance esse
campo é estendido por outros artistas, ao estabelecerem diálogos entre
trabalhos, se dá um desenvolvimento em metalinguagem e reinterpretações. O
trabalho de Abramovic “the artist is present” foi re-performado em outra
plataforma de apresentação, realizado pelo desenvolvedor de jogos Pippin Barr
que recriou um videogame com estética retro “pixelizado” da experiência da
performance jogada pelo expectador.

36
Figura 26: Videogame The artist is present de Pippin Bar (2010)

O jogo foi disponibilizado on-line apenas durante o período da


exposição. A partida do jogo se inicia na fila para comprar o ingresso de

36
Marina Abramovic: The artist is present, pode ser visto em documentário dirigido por
Matthew Akers e Jeff Dupre (2012), sobre a exposição organizada pelo Museum of Modern Art,
Nova Iorque, em 2010. O filme mostra o processo de criação da exposição que apresentou a
retrospectiva da carreira da artista. Culminando com a performance proposta para a ocasião
que teve a permanência da artista no espaço expositivo em interação com o público durante
todo o período da mostra, totalizando 760 horas de presença. Em apenas três meses, 1.565
visitantes sentaram em frente ao artista. No filme há também entrevistas com curadores,
colecionadores e artistas.
89

 
entrada. Na interface do jogo, um relógio atende às horas de serviço do Museu
de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). À primeira vista, o jogo reconstrói a
experiência para muitos que perderam a oportunidade de ter estado em frente
à artista.
Em nossa tentativa, ao jogar permanecemos tanto tempo na fila para
comprar ingresso, quanto na fila para esperar pela vez de sentar frente à
artista, que em todas as tentativas de jogo a hora de fechamento do Museu
impediu que a experiência se realizasse por completo. Ficamos sem saber se
veríamos ou não a artista se tivéssemos passado com êxito em todas as fases
do jogo. Sob esse impedimento, nos restou indagar se estaria o artista
programador questionando nessa proposição sobre a impossibilidade de
compartilhamento sutil nas redes telemáticas devido à qualidade sintética dos
personagens do jogo. Até que ponto a mídia pode ser um médium de
percepção que viabiliza campos afetivos de corpos híbridos ou sintéticos? Não
aprofundaremos nessa questão, mas estamos interessados na participação da
mídia na qualidade de dispositivo que promove o acesso aos
compartilhamentos próprios, do vídeo à rede telemática, aos processos de
captação por biossensores que investem em um tipo de leitura do pensamento.
Outra reedição de The Artist Is Present (ABRAMOVIC, 2016) foi
realizada junto à neurocientista Suzanne Dikker. Nesta edição, tanto Marina
Abramovic quanto a pessoa à sua frente estariam sendo monitoradas por
sistemas de captação neural - EEG. Como uma neurocientista e bailarina,
Dikker tem trabalhado entre arte e neurociência realizando performances com
biossensores por visualização de sincronia neuronal entre seres humanos,
buscando a formulação do conceito de “sincronicidade cerebral”. Aqui, os
dispositivos traduzem sinais corporais-mentais em linguagem matemática.
Dikker já havia colaborado com Marina Abramovic na criação de
Measuring the Magic of Mutual Gaze (medindo a magia do olhar mútuo) em
2010 como parte do projeto MAI. O projeto MAI (Marina Abramovic Institute)
funciona como um instituto itinerante e pretende ser um legado de Marina
Abramovic, no qual a artista fomenta o incentivo à colaboração entre artes,
ciências e humanidades.37

37
Recentemente em 2015, o Instituto aportou em São Paulo e posteriormente em 2016 foi para
90

 
Figura 27: Measuring the Magic of Mutual Gaze, experimento de Marina Abramovic e Suzanne
Dikker.

O método de Abramovic funciona como um evento participativo em que


se fornece espaço e recursos para artistas, cientistas e pensadores para co-
criar e desenvolver projetos de iniciativa comunitária. O espaço modulável tem
um pavilhão desmontável e portátil com sete nichos, há uma proposta que em
cada nicho aconteça uma atividade sensorial diversa, cada nicho teria um
sentido enfatizado. São experiências que devem ser discutidas entre os
participantes para a troca sobre percepções e impressões.

Figura 28: MAI - Projeto Marina Abramovic Institute.

Em um dos nichos do MAI é oferecida uma experiência com campo


eletromagnético, os participantes seguram lâmpadas fosforescentes e são
posicionados em volta de uma caixa de vidro contendo uma Bobina de Tesla

Atenas e versões consideradas completas do método aconteceram em locais como Sydney,


Buenos Aires, Basiléia e Toronto.
91

 
que ao ser acionada por efeito de campo eletromagnético as luzes se acendem
sem energia corrente passar por elas. Fica claro que Abramovic têm como
referência a pesquisa e o pensamento do cientista Nicolas Tesla, e isso é dito
por ela em seu filme “Espaço Além: Marina Abramovic e o Brasil”.

Figura 29: Bobina de Tesla do projeto MAI - Marina Abramovic Institute.

Em nossa pesquisa, interessa-nos a marca que Abramovic imprime em


suas obras, um tipo de acontecimento estético que prescinde do corpo, mas
que vai além do espaço definido pela materialidade corporal nas relações,
ativando um espaço de afeto compartilhado. Encontramos pontos explícitos de
referência e congruência com nossa prática no trabalho de Marina Abramovic,
que se apresentam em diferentes medidas, algumas referências anteriores
outras como a bobina de Tesla usada no experimento foi uma referência que
tomamos conhecimento posterior. Essa referência ativa outra consistência ao
processo de metalinguagem como um campo de sincronicidade, esperamos
que esse sentido possa chegar a alcançar o público que entre em contato com
nossa pesquisa, uma vez que tenham o conteúdo para jogar com a
metanarrativa.
O filme de Marina Abramovic intitulado “Espaço Além: Marina Abramovic
e o Brasil”38, de 2015, foi um projeto etnográfico e artístico, um documentário
que expõe a pesquisa pelo Brasil espiritual feita pela artista que percorre
algumas regiões; no centro-oeste faz um roteiro que inclui a visita ao médium
João de Deus em Abadiânia, os rituais do Vale do Amanhecer e locais
sagrados na Chapada dos Veadeiros.
Como vimos apresentado por Jonas Staal, Brasília traz em sua história
uma forte influência mística. Localizado na cidade satélite de Brasília,
38
Vídeo disponível em:< http://www.espacoalem.com.br/> Acesso em março de 2017.
92

 
Planaltina, o Vale do Amanhecer é uma comunidade com templos para
atividade mediúnica, fundado pela médium Neiva Chaves Zelaya, uma
sergipana radicada em Brasília a partir de 1957. Nos rituais do Vale muitas
reverências são feitas à Tia Neiva, nome com o qual a fundadora ficou
conhecida, ela tem sua imagem contemplada em um altar entre tantas imagens
que se espalham pelo templo principal. O Vale do Amanhecer se funda no
sincretismo. Assim podem ser encontrados elementos do kardecismo,
umbanda e/ou candomblé, cristianismo/catolicismo, judaísmo, hinduísmo,
budismo, origem grega, origem egípcia, origem cigana, origem maia, inca ou
asteca e origem indígena geral e brasileira39.

Figura 30: Imagem da entrada de um dos principais templos do Vale do Amanhecer


(ACERVO PESSOAL, 2018).

O Vale do Amanhecer não apresenta uma paisagem exuberante como o


nome faz remeter.40 Um primeiro portal de entrada recepciona os visitantes,

39
Disponível em: <http://valedoamanhecer.org/>Acesso em fevereiro de 2018.
40
Decidimos refazer a vivência de alguns dos lugares do centro-oeste que aparecem no filme
de Abramovic e por ela foram visitados. Como um laboratório de campo, nossa vivência de
retorno ao centro-oeste do Brasil, especialmente à cidade de Brasília, além da carga mística da
93

 
passasse por uma vila de casas modestas e chega-se a um dos templos e na
entrada a simbologia com referencial asteca, um índio e uma seta entre a lua e
o sol. Há uma cultura de cores tanto na arquitetura, com algumas áreas
demarcadas para os rituais, quanto nas vestes que trazem valores simbólicos,
insígnias que determinam hierarquias a serem alcançadas na dedicação aos
ritos.
O ritual de passe magnético no Vale do Amanhecer, assim como no
kardecismo, apresenta um significado de energização para a cura, suas
execuções são gestuais, consistem na sobreposição de mãos sobre o paciente
por alguns segundos como é no kardecismo, os médiuns do Vale do
Amanhecer fazem o gesto passando por pontos dos chakras do corpo e
terminam no estalar de dedos. Observa-se que a médium Tia Neiva, utiliza o
vocabulário da psicofísica, como se tratando de fenômenos paranormais nos
quais os resultados dependem do comprometimento com os rituais. Há um
conhecimento de que o passe seria um processo de ionização capaz de
reorganizar energia, e essa influência vibracional estaria sendo emitida pelas
entidades através dos médiuns, denominados por Doutrinadores e Aparás,
cada um com sua característica e função:

“Ionização é o ato de produzir cargas positivas com a finalidade


de decompor cargas negativas, e é usada, na Corrente do Vale
do Amanhecer, para depurar a aura do Apará, principalmente
no trabalho dos Tronos. Antes da incorporação, o Doutrinador
leva suas mãos ao plexo e as estende para a frente, sobre a
cabeça do Apará, com o cuidado para não tocar nos cabelos,
falando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!”, e as traz
de volta, rodeando a cabeça do Apará pela direita e pela
esquerda, agindo na aura do médium, a fim de retirar
impurezas dessa aura, retornando suas mãos ao plexo, onde é
feita a descarga, assim eliminando cargas negativas ou forças
esparsas diluídas naquela aura que poderiam atrapalhar a
projeção dos Mentores e ampliar a ação de espíritos sofredores
que iriam incorporar. Tão logo incorpora, o Mentor faz,
também, a ionização do seu aparelho. Nos casos de
incorporação de poderosos irmãos das Trevas, os Espíritos
Superiores fazem a ionização do Apará com o objetivo de
aumentar sua resistência e proteger seu plexo. O Doutrinador
deve procurar, sempre, nos Tronos, o alinhamento do seu Sol
Interior com o chakra umeral do Apará, evitando deslocar-se

região se deu também pelo resgate às questões de identificação com nossa terra natal. Nessa
pesquisa de campo decidimos dedicar maior atenção ao Vale do Amanhece e com o qual
estabelecemos algumas referências para nossa prática posterior.
94

 
para debruçar a fim de melhor ouvir a comunicação. Por esse
motivo é que, caso haja incorporação do paciente, um dos
comandantes dos Tronos virá ajudá-lo, para que não saia de
sua posição.” (TIA NEIVA, 2018. Disponível em
<http://valedoamanhecer.org/> Acesso em março de 2018).

A reunião de centenas de médiuns que operam durante os rituais no


Vale do Amanhecer, mantém o espaço em movimento em fluxo. Em atividade
programática de seus cultos, esses mediuns se disponibilizam a oferecer
passes, que acontecem simultaneamente na relação entre centenas de
pessoas, entre freqüentadores e visitantes. Nesse fluxo das caminhadas em
grupos, multiplicam-se sonoramente os passos, cantos, rezas, falas e algumas
vezes gritos e estalos de dedos. Marina Abramovic diz sempre buscar as
relações dos rituais com as performances de arte; em sua impressão do Vale
do Amanhecer diz se sentir dentro de um filme de David Linch ou Stanley
Kubrick, acrescentaríamos Alejandro Jodorowsky. O que vimos brevemente
sobre o trabalho de Marina Abramovic ressalta a importância do corpo como
determinante nas experiências de campos sutis. Entendemos que o médium de
percepção voltado à experiência estética como vimos nessa pesquisa, traz
similaridade aos médiuns sensitivos, por um tipo de localização de espaço
intermediário entre o imaterial e o material. Se apresenta comum ao estado
perceptivo que se articula com a linguagem. Precisamos agora entender qual a
participação da mídia na interligação desse estado de percepção que
potencializa a compreensão da matéria sensível.

95

 
CAPITULO 3 - MÍDIA
3.1 - Mídia

Com a atenção de nossa pesquisa para a experiência com luz e som,


através de tecnologias midiáticas de áudio e vídeo, passamos a experimentar
fenômenos vinculados à ressonância da matéria e consequentemente, nos
abrimos às possibilidades técnicas de ampliar os sentidos para observações de
fenômenos sutis da matéria. Passamos brevemente por estudos da ótica e
fisiologia sob uma sequência atrelada a certa lógica de raciocínio básico.
Entendemos que as ondas sonoras se propagam e criam padrões interpretados
pelos ouvidos em diferentes notas tonais. A luz, entendida como radiação de
onda eletromagnética, estaria situada entre os espectros de radiação
infravermelha e ultravioleta, cujo comprimento de onda se inclui num
determinado intervalo dentro do qual o olho humano é sensibilizado.
As condições de existência da luz têm o movimento como um dado
intrínseco, não existiria luz parada. A matéria sólida também está em
movimento, são como blocos de partículas que giram tão depressa que nos
iludem como se estivessem parados. Então o movimento de luz e som exige a
temporalidade em manifestação.
A duração de vibrações acontece em frequências de tempo/espaço; que
gera padrões em incidências altas ou baixas, permitindo a marcação codificada
em valores matemáticos e, a produção de linguagem em código, que possibilita
o desenvolvimento computacional e comunicacional. Na arte, os códigos
podem ser direcionados para uma lógica de produção afetiva, isso nos leva a
buscar a relação da experiência estética audiovisual à expressão de
fenômenos de campos sutis da matéria que apontam para os mistérios sobre o
pensar. Com esse objetivo, presumimos que é apropriado ampliar a apreensão
afetiva desses fenômenos e para isso devemos ainda entender como os
sentidos podem ser potencializados ou perturbados pela adoção de mídias que

96

 
se estabelecem como prolongamento corporal e mental.
Sob foco de atenção da viabilidade das mídias em apresentar
manifestações sutis da matéria, observamos abordagens científicas e artísticas
para compreender e localizar as manifestações da mediação técnica e poética
na experiência.

3.2 - Percepção tecno-poética

Um conjunto de técnicas evoluiu na história reconfigurando as mídias


monossensoriais, como o rádio e o cinema mudo, dando lugar à mídia
multissensorial, seguida pela era da informática com a comunicação em rede
interativa. Foi possível que várias experiências táteis, sinestésicas, gustativas,
olfativas e proprioceptivas passassem a ser exploradas nas últimas décadas
para a evolução de mídias multissensoriais.
O estudo da mídia estaria, portanto, ligado à estética trazida pelas
transformações em curso da experiência do corpo perceptivo que é de muitas
maneiras tecnicamente mediado. (KITTLER, 1999; SANTAELLA, 2003) As
mudanças no meio de percepção seriam produzidas por constante evolução de
materiais e técnicas, além das articulações artísticas e também epistêmicas,
sociais, políticas, econômicas, determinantes para como as mídias se
desdobram em diversas configurações. (CRARY, 2012)
Em reflexão ao que diz Júlio Plaza sobre “explorar o “campo dos
possíveis”, ao se extrair o sensível do inteligível, o icônico (virtual) do simbólico,
e o tecno-poético do tecno-lógico. (PARENTE,1993, p. 87); entendemos que a
tecno-poética é um exercício de compreensão da condição de “pós-humanos”
(SANTAELLA, 2003), dada pelo desenvolvimento da mídia e como percebemos
nosso corpo a partir desse hibridismo entre humano e máquina. Nesse sentido
podemos abrir caminhos para outras dimensões serem percebidas
potencializadas pelo desenvolvimento tecnológico, mas isso sem perder
acesso a caminhos paralelos que nos façam buscar as virtualizações
primordiais ancestrais que estariam informadas em nosso corpo e que em
algum momento tenhamos perdido acesso.
Segundo Vilém Flusser, a imaginação teria dois aspectos: “de um lado,
permite abstrair duas dimensões dos fenômenos, de outro permite reconstituir

97

 
as duas dimensões abstraídas na imagem”; por isso Flusser diz que as
imagens se interpõem entre o mundo e o observador, o observador tende a
projetar a magia contida nas imagens sobre o mundo. (FLUSSER, 1985a, p. 7)
Acrescentamos a produção de um vocabulário de imagens através de
todos os tipos de mídias, nos quais as imagens são participantes originárias
apresentando um sistema de signos de difícil interpretação. As imagens atuam
dentro e fora do sujeito, como imagens mentais e imagens do mundo. Códigos
iniciais referentes às imagens se desdobram na construção de sistemas
simbólicos em outros códigos constituídos em fluxo contínuo.
Conforme Vilém Flusser, o mundo mágico seria o da projeção das
imagens sobre o fundo da experiência concreta; já as imagens produzidas
tecnicamente teriam vindo da tentativa com êxito em “fixar a visão e torná-la
publicamente acessível”. (FLUSSER, 1986-87, p. 4) Os códigos considerados
abstratos, como a simbologia dos sonhos, possuem uma origem difícil de ser
conhecida, por estarem diretamente ligados à produção do inconsciente.
Os códigos nos quais se articulam a arte e a comunicação estética
“parecem brotar de alguma determinação interna”, não tendo sido
“convencionados inteiramente”. (Idem, 1986-87, p. 4) As imagens técnicas
deram início à escalada da abstração em direção à zerodimensionalidade,
denominada assim por Flusser, por estabelecer uma quebra da linearidade
narrativa histórica. Flusser chega a propor um método adequado à análise do
repertório de códigos estruturados. Essa análise se daria pela somatória dos
símbolos e das combinações que podem ser realizadas dentro de estruturas
resultantes. O autor se refere aos códigos comunicados unicamente pelas
mídias, como sendo códigos conscientes que demandam uma aprendizagem
prévia de suas regras para que possam ser utilizados. Assim seria possível
identificar o alcance de significados, distinguindo seus usos e atribuições para
enfim avaliar a competência comunicativa. Os fractais, por exemplo, indicariam
a progressão de abstração de um espaço subdividido infinitamente
determinando o desaparecimento dimensional para a n-dimensão.
Nossa pergunta seria se a magia dessas imagens técnicas produzidas
seria carregada de uma magia própria, que ainda contém a magia referente. Se
a imagem subjetiva se tornaria mais evidente ao ser tomada por um

98

 
acontecimento estético, ou por aparelhos técnicos. Qual a participação desses
aparelhos técnicos na percepção transensorial? Nos perguntamos se haveria
códigos de outras ordens, entre a magia e a técnica, como um tipo de código
telepático, ou de mensagens que parecem se codificar a partir dos seus efeitos
por recorrências de acontecimentos, especialmente quando envolvidos em
experiência estética.
Se há um campo de percepção ampliado que flutua dependente de
percepções transensoriais para ser apreendido, seria possível que na
experiência estética tenhamos proximidade dessa magia de transposições
entre dimensões subjetivas? Seria possível que as imagens técnicas
apresentem a recorrência de imagens e referências de dimensões
intersubjetivas? Para tentar responder precisamos experimentar diferentes
níveis de percepção a partir da tecno-poética, pois isso poderia nos dizer algo
sobre um tipo de inteligência telemática que parece fazer parte da
comunicação de uma ordem implícita, ou mágica. (FLUSSER, 1985a;
ASCOTT, 2002; PLAZA, 1993)
A pesquisadora Lucia Santaella diz que uma ciência da imagem ainda
está por vir, mas vai depender da conjunção de estudos distribuídos por
disciplinas de história da arte, antropologia da imagem, sociologia da imagem,
psicologia da arte, crítica da arte, estudos das mídias, semiótica visual, as
teorias da cognição; acrescentaríamos ainda os estudos da experiência
artística na prática direta. As imagens mentais seriam do campo de estudos da
semiótica e das ciências cognitivas. O conceito de representação, central nas
ciências cognitivas, trata da analogia da imagem, que pode ser propositiva,
cognitiva, digital, ou em geral a representação mental. Na semântica também
se encontra a noção de que significados de palavras devem ser interpretados
como imagens mentais, por sua vez, palavras evocariam imagens mentais. A
princípio, o domínio de imagens da mente seria tido como um domínio do
imaterial, que seria um elencado de visões, fantasias, imaginações, esquemas,
modelos e representações mentais inseparáveis do domínio material; imagens
produzidas no espaço de compartilhamento, ainda em potencial de realização
de processamento da imaginação.
Uma abordagem que privilegia a análise das ordens materiais da

99

 
tecnologia é dada por Friedrich Kittler, sobre os significados das estruturas e
das mensagens. A complexidade teórica de Kittler se desenvolve a partir de
quatro tradições: a teoria da informação de Claude Shannon e Warren Weaver,
a análise de mídia de Marshall McLuhan, a teoria psicanalítica de Jacques
Lacan, e o trabalho de Michel Foucault sobre poder e discurso. Friedrich Kittler,
em Discourse Networks, (1800-1900) teria se dedicado à materialidade dos
meios de comunicação, na acoplagem que ocorre entre a materialidade de um
meio de comunicação (mídia) e a materialidade de um movimento corporal
imposto pelo meio (médium). Kittler focaliza a maneira pela qual significados
são gerados por um arcabouço tecnológico subjacente, no qual o
direcionamento de diferentes tecnologias exerce controle, tanto na
linguagem quanto na incorporação da subjetividade.
O conteúdo da comunicação, a mensagem, tende a nos cegar à
tecnologia midiática que possibilita a comunicação, o meio que para Marshall
McLuhan (1911-1980), é a mensagem de fato se torna invisível. É de se notar
que as mídias estão se tornando fisicamente cada vez menores e invisíveis em
sua presença como objeto, até mesmo introjetadas nos corpos, em escala
nanométrica. A conexão fundamental entre o meio e sua mensagem, está cada
vez mais desapercebida. Quando a tecnologia estiver totalmente introjetada no
corpo, ainda assim terá sentido pensar em arte e tecnologia com distinção? Se
a atenção se volta para os significados da comunicação no nível semântico,
como um modelo midiático, com ênfase na materialidade dos meios, as mídias
tidas como aparatos passam a ser entidades ativamente inscritas no sistema
comunicacional.
Kittler diz que seria preciso ir além da abordagem antropocêntrica do
estudo de mídia de McLuhan, pois se deveria pensar a mídia por uma condição
materialista, sistêmica e histórica, que imprime significado no processo criativo,
quando são exploradas as qualidades expressivas do meio. (KITTLER, 2016)
Segundo a perspectiva pós-humanista de Kittler, sujeitos humanos não devem
ser colocados no centro das análises, mas em vez disso centrar nos sujeitos
em conexão com objetos, nas tecnologias e até mesmo nas formas de
informação que cada vez mais têm seu poder de atuação no fluxo dos corpos.
Segundo Kittler seria preciso focalizar nas estruturas materiais das

100

 
tecnologias e nas mudanças que elas introduzem na cultura, não nas maneiras
pelas quais elas são usadas ou sobre os conteúdos das mensagens que
passam por elas, mas nessas produções de subjetividades midiatizadas. Kittler
classifica sua abordagem de "materialismo da informação"; por isso aborda as
maneiras pelas quais a informação e o sistema de comunicação se fundem em
um: a informação nesse sentido é “transformada em matéria e matéria em
informação”. (KITTLER 1997, p.126) Por consequência acreditamos que há
necessidade de observar a materialidade também em seus aspectos sutis.
Frederich Kittler fala da possibilidade de aumentar a velocidade da
computação com o investimento nos circuitos ópticos. Atento a como as
máquinas computacionais funcionam como interface entre sistemas de
equações e percepção, que indicam a proximidade com a natureza no
resultado dos cálculos dos fractais, da matemática de Benoit Mandelbrot, em
1975. As estruturas fractais são organizadas por sequências de auto-
semelhança numa geometria que descreve sistemas orgânicos, complexos,
como as árvores, a corrente sanguínea, os circuitos neurais e o plasma como
os que vemos nos raios de tempestades. (KITTLER, 2016, p. 327)
Esses cálculos poderiam ser potencializados por esse tipo de
transmissão óptica arquivando e processando luz. Assim Kittler sugere que
nesse mar de elétrons haja a possibilidade de dar um prognóstico para um
sistema que viesse a transformar nossas concretizações futuras, que neste
momento estão caminhando mais a servir forças de inteligência de controle e
carecem de investimento em inteligência criativa.

Então a luz, numa última e dramática peripécia de seus atos e


sofrimentos, deixará de ser uma onda eletromagnética
contínua. Em livre adaptação de Newton, voltará a funcionar
em sua segunda natureza como partícula, para assim tornar-se
tão universal, tão discreta e portanto, tão manipulável quanto
as calculadoras eletrônicas de hoje. O máximo dessas
possibilidades de manipulação do semi-vácuo do espaço
interestelar que já foi inabalavelmente definido pela
matemática. (KITLLER, 2016, p. 329)

O investimento no desenvolvimento tecnológico na materialidade da luz,


que Kittler aponta, está também na atenção de artistas que investigam
qualidades tangíveis da luz, como estratégia para compreender a mídia em
relação à materialidade e a produção de afetos dessas experiências. Outros
101

 
processos de diálogos por telepresença e telemáticos apresentam-se como
sistemas de notações e redes de discursos atrelados ao vídeo, como ato de ver
e inscrever esse visível com recursos computacionais que estão ampliando as
possibilidades de projeção de abstrações como do pensamento e imaginação
no mundo concreto, numa possível inversão da escalada de abstração a que
se refere Flusser (1985b) para uma outra fase de interesse na concretização,
com uma geração de códigos tangíveis. Se falamos da produção de imagens
de codificação do pensamento e decodificação em concretização, tornando-os
manipuláveis, ainda estarão passíveis de transformação e controle; então
precisaremos entender qual sentido queremos dar para essas possibilidades
que se apresentam.

3.2.1 - Forma e anima de luz e som

Os efeitos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e


dos conceitos: eles se manifestam nas relações entre os
sentidos e nas estruturas da percepção, num passo firme e
sem qualquer resistência. O artista sério é a única pessoa
capaz de enfrentar, impune, a tecnologia, justamente porque
ele é um perito nas mudanças da percepção. (McLUHAN,
2005, p.19)

Para compreender nossos caminhos de pesquisa em relação à mídia,


voltamos ao ponto de partida de nossa vivência e prática de criação poética
com o uso recorrente de dispositivos e máquinas geradoras de luz e som. A
experimentação de dispositivos a partir da noção de vídeo foi praticada durante
um longo período, por uma perspectiva muitas vezes condicionada para
produção instrumental de conteúdo direcionado ao envio de mensagens, ou
seja, projeção de imagens com intuito de provocar emoções específicas.
A fim de ampliar conhecimentos sobre a lógica operacional desses
dispositivos buscamos desenvolver perspectivas de outros modos de aplicação
e estender as possibilidades criativas. Procuramos atender a impulsos de
curiosidade lúdica, ao investigar princípios dos fenômenos envolvidos no vídeo.
Luz e som foram estudados, um tanto em direção ao conhecimento científico
sobre os fenômenos de vibração e ressonância da matéria e os
acontecimentos que os definem, mas também para buscar o que tais
fenômenos pudessem significar. Por exemplo, os problemas referentes ao

102

 
estudo científico da luz, entendido pela ambiguidade em ser onda ou partícula,
nos apresenta o questionamento sobre a transmissão de informação por
vibrações. Seria esse viés científico de pesquisa suficiente para compor uma
experiência estética, ou poderíamos passar dessa abordagem ao entrecruzar
os temas de ordem espiritual? Afinal, a arte abre as possibilidades para a
imaginação em seu mais amplo sentido, e as observações da luz e do som
tanto na construção poética quanto por seus fenômenos empíricos permitem
acessos dessas ordens em conjunção.
Por vezes, luz e som parecem se comprometer com um diálogo, no qual
matérias invisíveis da atmosfera reverberam-se, como se criassem forma
e anima, assumindo uma espécie de entidade dinâmica que não obedece ao
artista controlador. Ritmos com durações inconstantes na ação dependente da
intensidade manifestada, nos dão a impressão de um conjunto cognitivo
comportamental, onde a tecnologia de alterações é imprevisível.
Se toda vibração do plano físico determina mudanças de estado
particulares no plano astral e no plano psíquico como tratado no ponto de vista
ocultista; (BLAVATSKY, 1916) então seria possível que luz e som, se coloquem
como um tipo de entidade psíquica em ação no plano físico da natureza?
Seriam luz e som participantes da liberação de um “corpo vibrátil” manifestado
em articulação com a vida, bem como no plano astral? São perguntas que não
exigem respostas, mas nos mantém em investigação com o que é possível
através do que oferecem os recursos midiáticos como possibilidade de
experimentação.
Como sistemas enunciadores de recursos criativos, luz e som seguem
sendo explorados, como vistos nos trabalhos de artistas modernos que
exploraram a luz fotográfica e cinematográfica, como por Man Ray (1890 -
1976), na relação com luz e som por Oscar Fischinger (1900 – 1967) e Mary
Ellen Bute (1906 - 1983); artistas da luz e do movimento em objetos
construídos por László Moholy Nagy (1895 - 1946) e Julio Le Parc (1928); ou
entre o movimento e a parada de Dan Flavin (1933 - 1996); o fenomênico de
Walter De Maria (1913); a luz como espaço tangível de Anthony McCall (1946)
e James Turrell (1943), e mais recentemente no espelhamento da luz no
espaço das instalações de Olafur Eliasson(1967); e projeção de luz e sombra

103

 
nas expressões das artistas brasileiras Regina Silveira (1939) e Lúcia Kock
(1966). Para citar poucos, pois há que se levar em conta que luz é um tema
que percorre toda a história da arte.

Figura 31: Walter De Maria “Candle piece” (1965); e Olafur Eliasson: “I grew up in solitude and
silent (1991).

A imagem-luz constitui o vídeo, no qual a informação plástica coincide


com a fonte luminosa que a torna visível, em cada fração de tempo, na duração
de uma varredura, ou na emissão luminosa de um projetor. (MACHADO, 1996)
A abordagem de investigação atuando diretamente e corporalmente com os
dispositivos escultóricos de luz em movimento foi fortemente representada pelo
artista húngaro László Moholy-Nagy (1895 - 1946) em resultado do
pensamento do construtivismo russo.
Já na relação com o vídeo houve um pioneirismo experimental levado
por artistas como: Mary Ellen Bute (1906 - 1983), de dispositivos mecâncos e
eletromecânicos, chamados “órgãos de cores”, que respondiam a entrada de
música com exibições luminosas. Assim Mary Ellen Bute alterava os pulsos
eletromagnéticos e gerava imagem para produção de seus filmes, tendo sido
conhecida como uma das pioneiras da animação abstrata com sequências de
grafismos geométricos coloridos ao som de música, Ellen transgredia ao não
se guiar por narrativas lineares próprias da época.

104

 
Figura 32: Mary Ellen Bute (1952) The Museum of Modern Art/ Aquivo de stills, Willian Moritz.
Nam June Paik (1965) Whitney Museum of Art – catálogo, 1982.

Nam June Paik (1932 - 2006), um dos artistas associados ao movimento


Fluxus, pioneiro da videoarte, prenunciava uma mudança de uso dos materiais
e suportes tradicionais da arte fazendo interferências nos campos
eletromagnéticos ao aproximar um imã preso a um tubo de raios catódicos de
TV, trabalho que ganhou o nome de Magnet TV (1965) o que pressupõe uma
compreensão sofisticada da parte do artista no funcionamento interno do
dispositivo. Ao demonstrar que o dispositivo oferece métodos alternativos de
criação de imagens, o artista se recusava a aceitar a passividade de usuário.
Pensar na ação dos campos eletromagnéticos em relação à pesquisa
sobre televisores como fizeram Nam June Paik e Mary Ellen Bute, a seu tempo,
poderia indicar um método a proceder em nossa pesquisa; se através da
manipulação investigadora nos capacitássemos a compreender com mais
propriedade as mídias que operamos, poderíamos chegar eventualmente a
alterar os sistemas previstos.
Em uma das tecnologias para emissão de imagem nos televisores de
alta resolução utilizam processos de ionização de gazes nobres, os chamados
ecrãs de plasma, formados por micro-tubos que emitem luz fosforescente. O
campo eletromagnético acionado produz alteração no meio, agitando as cargas
elétricas, ionizando o espaço ao redor. Os dispositivos comunicacionais
também são investigados quanto à participação em estranhos fenômenos.
Esses fenômenos tem sido investigados por espiritualistas a partir do século
XX; como a transcomunicação, um tipo de comunicação entre dimensões
espirituais por meio de aparelhos eletrônicos, por gravações de mensagens

105

 
enviadas em contatos interdimensionais. (RAMIRO, 2008, P. 100)
Se por recursos midiáticos, nossa pesquisa abrange a experimentação
de fenômenos físicos, de luz, som e campos eletromagnéticos, isso se dá por
percebermos que esses fenômenos contribuem para um acontecimento
estético. Mas também por passar por essas experimentações e colocar um
ponto de vista de observação sensível, que vá além das explicações factíveis
dos fenômenos, se considerarmos a perspectiva de Annie Besant (1905) que
apreciava esses fenômenos físicos como manifestações divinas; é admissível
passar à abordagem de um tipo de comunicação interdimensional como um
fenômeno passível de ser observável.
Por conseguinte, a aproximação de acontecimentos desses fenômenos
físicos aos fenômenos psicofísicos, por abordagens não ortodoxas, tem se
mostrado como um método para a arte que busca no compartilhamento de
afetos uma possibilidade de alcance integrativo. O que nos leva também a
estudar como se dão os processos tecnocientíficos adotados para a
compreensão da mente, como esses modelos se utilizam da mídia, na
compreensão e domínio dos fenômenos biofísicos e psíquicos.

3.3 – Produção de imagem com Interface Computador-Cérebro - (BCI)

Após investir atenção em conhecimentos por trás da funcionalidade dos


dispositivos de produção de imagem e som, em proximidade a conhecimentos
básicos da física como a noção de campo eletromagnético, passamos a
entender que há um projeto sendo cumprido na evolução desses dispositivos,
como telégrafos, telefones, televisores, projetores. (KITTLER, 2016; CRARY,
2012) A história do desenvolvimento dessas mídias evidencia um desejo de
transcendência em estabelecer interconexões e transpor distâncias. Esse
mesmo desejo tem sido continuado com o avanço das redes telemáticas que
ampliaram as experiências de telepresença, conectividade, autoria,
distribuição, compartilhamento e interatividade. (ASCOTT, 2004)
A operação de máquinas de visão, por câmeras de fotografar e filmar,
tem um paralelo apresentado em dispositivos de captação neural, como um
outro tipo de produção de imagem. As imagens geradas a partir da interligação
entre cérebros e os computadores, como diz Paul Virilio, nos levam a retomar a

106

 
análise das imagens mentais da consciência em relação à atualização das
imagens virtuais, instrumentais e tecnocientíficas, por suas influências no
comportamento contemporâneo e em possíveis atualizações da percepção do
mundo e de nós mesmos. (VIRILIO, 1993, p. 130)
O desenvolvimento da mídia, ao explorar o acesso às informações
dadas pelo campo vibracional do cérebro em atividade, faz uso de interfaces
entre cérebro e computador, (Brain Computer Interface) que atendem à sigla
BCI41. São métodos de captação da atividade cerebral que detectam
frequências em padrões rítmicos que viabilizam mapeamentos semânticos, por
denotação, pois os valores qualificados podem ser codificados em algoritmos,
que passam a ser transpostos em códigos interpretativos, em outras
decodificações. Um contexto compartilhado se dá na ação entre ambos
agentes, cérebro e computador, podendo operar outros agenciamentos,
cérebro-computador-agente. Abre-se assim a possibilidade de produção de
modelos tanto para fins científicos, quanto para a investigação poética.
A partir da fluidez das mídias nas redes telemáticas, a mente mediada
por computador largamente distribuída pela hiperconectividade global, produz o
que Ascott vai chamar de telenoia, como um sentido de compreensão
compartilhada à distância que se assemelha às manifestações mágicas,
ritualísticas e PSI, como o fenômeno da telepatia e visão remota. (ASCOTT,
2004, p. 316) Para a arte que estabelece interesse por fenômenos
psibernéticos (ASCOTT, 2003, p. 339) a experiência com esses recursos pode
ser de aplicar a poética de compartilhamento de pensamento para um tipo de
consciência integral. Mesmo sob o princípio que não se deve excluir noções
pseudocientíficas apenas por serem estranhas, invisíveis ou improváveis, ainda
assim os céticos se posicionam contra essas vertentes por entenderem como
visões idealistas que desviam do projeto de conhecimento baseado em
hipóteses factuais. (BUNGE, 2017) Nesse sentido o investimento da ciência em
dispositivos de captação das atividades cerebrais se dedica a entender o
comportamento humano, na busca por modelos de comunicação que parecem
ter tendência ao controle e à previsão dos processos mentais.

41
BCI - Abreviação criada por pesquisadores do Instituto Fraunhofer e pela Charité, a escola
de medicina da Universidade Humboldt, ambos em Berlim, Alemanha.

107

 
Uma vez que a ciência facilite distinguir fenômenos propondo
explicações a cada um deles, qual seria a contribuição do artista ao participar
desse processo epistemológico, mais especificamente, em observações de
padrões cognitivos?
O conhecimento aplicado da arte ao potencializar a percepção
transensorial se engajaria no exercício constante de produção de sentidos
integrados ao tempo e ao espaço, além do sentido de se autoconhecer.
Através da produção de imagens, talvez seja possível oferecer meios de trazer
à compreensão, ou visualização, planos de interligação de complexidade
semiótica que por vezes parecem encobertos. Se no exercício da arte essas
relações se estabelecem no médium da percepção, qual seria o desempenho
que as mídias podem ter como recurso de acesso à experiência estética
desses planos de interligação? Qual seria a participação das mídias na
ativação de campos afetivos?
A pesquisa do neurocientista Antônio Damazio é direcionada à questão
sobre a maneira pela qual a estrutura e a fisiologia cerebral instituem estados
mentais, com atenção aos processos de criação, fruição e recepção artística.
Para Damazio, o corpo serve como instrumento de aferição, de distinção de
emoções primárias e secundárias, por guias internos de comunicação.
(DAMAZIO, 1996)
A diferença da emoção primária estaria apresentada como aquela de um
sorriso sincero e a secundária como a de um sorriso posado. Antônio Damásio
parte de uma elaboração neuropsicológica da teoria da emoção de William
James (1884) e introduz a hipótese do marcador somático, que consiste num
mecanismo de decisão apoiado na emoção e nos afetos. (DAMAZIO, 1996,
1999)
Segundo Damásio a razão e a emoção estariam indissociáveis nos
processos cognitivos humanos, nos quais existem emoções primárias,
controladas pelo sistema límbico, que seriam disposições inatas em responder
a certos estímulos; e emoções secundárias aprendidas que envolveriam por
categorizações de representações de estímulos, associadas às respostas
passadas, ou seja, de aprendizado emocional. O substrato neural dessas
emoções seria dado em estruturas do córtex cerebral, mas a expressão dessas

108

 
emoções também incluiria as estruturas do sistema límbico. O aprendizado das
emoções secundárias formaria marcadores somáticos num contexto de
consciência. (DAMAZIO, 1994, 1999)
Na compreensão de que a emoção auxilia o raciocínio, a neurociência
traz hipóteses que podem ser testadas experimentalmente e ao tomar como
base a mente privada, o comportamento social e segundo Damazio, também
considerando o oculto da mente. O posicionamento de Damazio respalda os
estudos da arte, frente aos problemas do dualismo, através de experiências
estéticas que consideram emoções compartilhadas por níveis que ultrapassam
a compreensão da atividade cerebral territorializada. É preciso entender o
fenômeno pelo viés integrativo, apreciando até mesmo às possibilidades de
compartilhamento de campos intersubjetivos, como na comunicação à
distância, assim a relevância da participação da tecnologia deve ser
considerada também por extensões a campos sutis. Sob essa perspectiva a
arte pode encontrar sentido em estabelecer condições metodológicas aliadas
aos estudos científicos em nos colocar frente à complexidade das emoções.
(DAMAZIO, 1994, 1999)

3.3.1 - Autorretrato eletroencefalografia (EEG) - Robert Morris

Aprendemos que existem duas modalidades usadas na neurociência


para a medição de padrões eletromagnéticos espaço-temporais: uma dessas
modalidades se dá por acesso a imagens funcionais eletro e
magnetoencefalografia (EEG / MEG) e a outra, por ressonância magnética
(fMRI); ambas podem ser usadas para observar a atividade cerebral, a
diferença básica seria que as modalidades EEG / MEG apresentam boa
resolução temporal, enquanto a modalidade fMRI apresenta boa resolução
espacial. (STANDISH et al, 2003) As gravações em EEG e MEG fornecem
precisão de milissegundos no domínio do tempo, mas a informação espacial é
seriamente corrompida ou manchada pelas propriedades de condução de
volume do cérebro e do crânio, particularmente para medições de EEG. Ambas
as técnicas medem contribuições de fontes que são orientadas de alguma
maneira particular com relação à superfície do cérebro.
O desenvolvimento dessas modalidades aplicadas aos estudos de

109

 
neurociência tornou possível acumular dados de imagem que quantificam
correlatos específicos da função cerebral com grande variedade de tarefas e
processos cognitivos. Em geral, essas técnicas são voltadas para tarefas de
previsões testáveis. Estudos científicos têm se ampliado obtendo verificações
comprovadas, como também já carregam um histórico de exploração com viés
artístico experimental. O desenvolvimento dessas tecnologias ganhou
interferências experimentais com o acesso a dispositivos voltados ao mercado
comum, facilitando uso para a criações artísticas que passam a estar
independentes de entradas em laboratórios científicos. Com o uso de
biossensores, agindo como amplificadores de alto desempenho por algoritmos
computacionais, as características das ondas cerebrais podem ser extraídas
para mostrar diferentes estados mentais, em tempo real, no entanto, a
interpretação desses dados pode variar de acordo com cada modelo aplicado.

Figura 33: Auto-retrato em eletroencefalograma por Robert Morris (1963).

110

 
A pressão por uma abertura da linguagem específica das áreas de
conhecimento científico tem sido exercida pelo uso de meios de informação
que tornam as pesquisas cada vez mais acessíveis, são territórios protegidos
que se abrem aos artistas pesquisadores para operar como agentes
desterritorializadores da mídia em atividade mensageira. Um trabalho seminal
representativo do direcionamento poético a partir das tecnologias de captação
de ondas cerebrais foi o exame de EEG denominado por Robert Morris como
um autorretrato (1963) faz alusão ao artista e sua psiquê. A inversão de leitura
do exame colocado na vertical remete ao corpo em pé e retoma o gesto
duchampiano de apropriação artística, mesmo que o exame seja mesmo de
suas próprias atividades neurais, o gesto de inversão seria determinante para a
conceituação reforçada pela finalização com a assinatura. É um artifício irônico
pelo qual a promessa do título é adiada pela objetividade científica das marcas
impessoais da impressão maquínica.
Em um desenho dirigido pela mente por uma linguagem técnica,
utilizando uma estrutura gramatical terceirizada, as linhas oferecem um
correlativo aos pensamentos de Morris no momento da gravação. O artista nos
fornece uma investigação de visualização de conteúdo privado que dependeria
de interpretação de códigos específicos científicos, se não tivesse sido
apropriado como objeto de arte. Tal proposição, posteriormente realizada, na
série entitulada “Meu cérebro desenha assim” (1976), pelo artista e poeta
brasileiro Paulo Brusky, com o mesmo viés de provocar a mudança dos
códigos técnicos levados para o contexto da arte para abertura de
reinterpretação por códigos afetivos.
À luz dos desenvolvimentos tecnológicos da neurociência, por exames
computadorizados que possibilitam acompanhar em tempo real quais áreas do
cérebro estão ativadas a partir de determinadas experiências, é possível
repensar tópicos como consciência, espírito, memória, emoção, sentimento e
pensamento racional. Quais seriam os fundamentos do desejo para o uso de
tais dispositivos? Como estimular respostas emocionais com a presença de
elementos de mídia e de dispositivos biométricos? Como poderia o estimulo de
mídia facilitar percepções transensoriais e interações telepáticas?
Cientificamente, há interesse voltado ao projeto medicinal de cura e

111

 
postergação da morte, de eliminação de doenças de raiz neurológica e
psíquica, uma vez ampliado o controle de valores que permitem a regulação,
enfim, o conhecimento medicinal dispõe das tecnologias para o uso de
próteses extensivas ao corpo e mente por vias de controle em busca de
resultados eficientes. Enquanto pesquisas de telecomunicação desenvolvem a
possibilidade tecnológica de envio e interpretação de mensagem direta de
cérebro para cérebro à distância, muitas pesquisas se utilizam de dados e
mapeamentos para o conhecimento do comportamento humano psicológico e
social. Se mantém o desejo de alcançar por descobertas científicas, questões
de origem da vida e relativas à consciência que sempre encontram entraves
nos enigmas da natureza.
E para a arte, qual seria o desejo na utilização de mapeamentos
cerebrais? O que podemos observar diante dos experimentos que vem sendo
realizados pelos cientistas e artistas contemporâneos? Por alguns exemplos
que traremos a seguir, supomos que o desejo da arte seja de buscar por
camadas em que as operações se estendam para além do controle
programado pela tecnociência, levando em consideração o corpo em contexto,
em relação aos dispositivos participantes da experiência estética, na qual
processos cerebrais se mapeados, possam ser observados em estados de
conexão afetiva.

3.3.2 - Controle do pensar por imagens - Ted Sérios e Chris Marker, Dr.
Gallant

O avanço da pesquisa nas ciências cognitivas passou a voltar-se à


estética por via de estudos transdisciplinares, nomeada por neuroestética,
campo epistemológico que pretende estabelecer a ligação do homem a seus
esforços artísticos e de apreciação da arte. (ZEKI, 1998)
Com o propósito de verificar quanto da aquisição de valores estéticos
depende da contribuição formal do cérebro, esse tipo de pesquisa tende a
retornar à pergunta kantiana, em perseguir quais as condições de percepção
do que é entendido por belo. Esse questionamento parece menos interessante
para a pesquisa em arte que há muito não se dedica unicamente a alcançar
resultados que atendam ao juízo do gosto estético por valores pré-

112

 
determinados.
Para Semir Zeki (1998), o neurobiologista inglês que estudou as funções
do córtex visual em primatas e os correlatos de seus estados afetivos, a visão
seria um ato criativo, diante de uma imagem, no qual o cérebro procura os
traços necessários e destila a essência do que vê. O empenho em atribuir
sentido à arte como dependente da função cerebral do córtex visual acaba por
enfatizar a experiência visual no que concerne às investigações da
neurobiologia, da neuroanatomia, da neurofisiologia e da neurociência, que
aplicam esses saberes diretamente na construção de interfaces de visualização
computacionais para domínio de um território determinado e passível de
controle.
O filme de ficção científica La Jetée, lançado em 1962, do diretor francês
Chris Marker (1921-2012), em sua narrativa apresenta uma cena de um
experimento com imagens mentais, e relaciona essas imagens com arquivos
da memória fotográfica. O filme traz uma reflexão sobre a temporalidade
fotográfica alterada pela temporalidade do movimento cinematográfico
posterior. Na cena, representantes do poder tecnocientífico intencionavam ser
capazes de vigiar os sonhos alheios. O propósito dos experimentos seria de
projetar emissários no tempo para no retorno ao passado, ou ida ao futuro,
para com isso poder alterar os acontecimentos do tempo presente.
Após terem enviado corpos sem vida através de diferentes zonas do
tempo, encontraram na mente de um homem certa resistência em função de
seu desejo. O homem, cobaia do experimento, havia sido escolhido por
apresentar uma obsessão quanto as imagens do passado, lembranças de um
amor perdido.
O filme de Marker toca na questão do controle por instituições
detentoras de poderes de direcionamento em pesquisa sobre o comportamento
da mente, no caso, em tempos de guerra. A crítica estaria nas condições de
controle de ordens naturais como o desenrolar do tempo e privadas como o
pensamento, os sonhos e desejos.

113

 
Figura 34: Cena de filme La Jetée (1962) do diretor francês Chris Marker e Imagem de Ted
Serios (1971) sendo submetido a exames por Jule Eisenbud (EISENBUD, 1971).

As imagens do experimento realizado no filme de Marker nos remete à


imagem documental de experimentos realizados com o paranormal norte-
americano Ted Serios ao emitir imagens para impressão de fotografias do
pensamento (thoughtografia), utilizava-se de filme Polaroid (suporte de
qualidade fotográfica por emulsão instantânea).42 As imagens de Serios foram
investigadas pelo psicanalista e pesquisador de paranormalidade, o americano
Jul Eisenburd que realizou extensa teorização sobre a motivação inconsciente
na manifestação dos efeitos psíquicos.43 As imagens de Serios e os estudos de
Jule Eisenbud atendem ao aparente contínuo desejo, por uma habilidade
psíquica ou empírica, de enviar diretamente mensagens de mente para mente,
ou da mente para a materialização em outros objetos.
Céticos da época, como o mágico James Randi, especularam
apresentando provas de que teria sido possível para Serios criar essas
imagens oníricas com o uso de uma pequena transparência colocada nos
aparelhos que ele utilizava. No entanto, Serios submeteu muitas vezes seu
processo a rigorosos métodos científicos, como os realizados em salas com
proteção, com restrições de toda as ordens, como um tanque Faraday, até
mesmo ficar despido para provar a ausência de mídias, ou obedecer a ordens
para produzir uma imagem a partir de outra que ele nunca tivesse

42
SERIOS, Ted (1918-2006) era operador de elevador em Chicago, mas ficou conhecido pelo
fenômeno que resultava em imagens com a força do pensamento utilizando diversos métodos
de impressão, muitas vezes utilizando filmes polaroid de revelação instantânea.
43
EISENBUD, Jule (1908-1999) formou-se no Instituto Psicanalítico de Nova York, foi professor
associado de psiquiatria na Universidade de Escola de Medicina do Colorado, também foi
membro fundador do Parapsychological Association e escreveu numerosos artigos sobre
psiquiatria e psicanálise com base em suas experiências com telepatia.
114

 
conhecimento que chegava selada em envelope.

Figura 35: Fotografias de experimentações de Ted Serios, impressão de imagens de


pensamento.

Nessas condições restritivas, Serios ainda obteve alguns resultados


considerados “acertos”. Há que se ponderar que também a captação de
marcas indiretas da atividade neural em imagens cerebrais funcionais, são
dados ricos, mas também ruidosos em referência à cognição, ou seja, ao
produzir padrões são estabelecidas medidas para estudo de aspectos da
cognição passíveis de interpretação e validação científica.
O físico japonês radicado nos Estados Unidos, Michio Kaku escreveu um
livro sobre o futuro da mente. (KAKU, 2016) No capítulo intitulado “Telepatia
um centavo pelo seu pensamento”, no qual relata com certo deslumbramento
uma visita ao laboratório comandado Dr. Jack Gallant, professor do
Departamento de Psicologia da University of California em Berkley, nos
Estados Unidos.
Dr. Gallant vem utilizando métodos de neuroimagens para a experiência
na reconstrução da imaginação e memória videográfica, a fim de estudar como
o cérebro humano representa e processa informações sensoriais e cognitivas.
No website44 de Dr. Gallant, é apresentado um modelo de experimento, no qual
o cientista intenciona um tipo de visibilidade externalizada de imagens do
pensamento. Em texto, a primeira definição encontrada aponta para uma noção
maquínica do córtex cerebral, como sendo uma multi-escala biológica de um
dispositivo computacional de bilhões de neurônios. Vale notar que há um
vocabulário recorrente entre neurocientistas, que entendem a analogia aos

44
Disponível bem: <http://gallantlab.org/brainviewer/huthetal2012/> Acesso em: 01 de
dezembro de 2016.
115

 
códigos computacionais com os cerebrais como determinante para os
caminhos de pesquisa em sistemas de codificação.
Segundo Gallant, as conexões neurais tem informações que podem
passar por diferentes caminhos para atingir o mesmo alvo, o resultado seria
hierárquico, paralelo e altamente interconectado por áreas que montam o
córtex cerebral, dispostos em camadas de circuitos locais, com organização
espacial dessas camadas, em grupos de colunas e movimentos de idas e
vindas. (feed-foward / feed-back) Para direcionar o problema proposto no
laboratório do Dr. Gallant se usa uma abordagem indutiva, chamada sistema
de identificação. Na neurofisiologia, a análise da visão, a partir da recepção de
imagens pela retina, ocorre por um processo complexo de codificação e
decodificação de informações, localizando ativações em partes específicas do
cérebro. No experimento proposto, enquanto voluntários assistem a filmes,
escutam histórias narradas, escutam sons, sentem cheiros, assim durante os
estímulos são coletados dados resultantes das atividades neurais, com auxílio
de instrumentos de detecção por ressonância magnética (fMRI).
Uma vez com os dados coletados, são utilizadas ferramentas de classificação
estatística em modelos computacionais chamados Encoding Models (EM). Os
EM são modelos da neurociência para descrever como a informação sobre o
mundo é codificada pelo cérebro. São perseguidos diferentes processos de
validação desses modelos, para localizar a área do cérebro reagente a
determinados estímulos, na busca por resultados precisos.
O experimento de Dr. Gallant, começa dentro da claustrofóbica cápsula
de ressonância magnética, que através de um pequeno espelho dentro da
cápsula que reflete um monitor fora da cápsula, o voluntário assiste durante
algumas horas a uma sessão de trailers de filmes. Tarefa um tanto quanto
cansativa, por isso, em geral, os estudantes neurocientistas acabam, eles
mesmos, se voluntariando aos testes.

116

 
Figura 36: Quadro semântico para organização de dados neurais base do experimento de Jack
Gallant.

Figura 37: Imagens retiradas do site de Dr. Jack Gallant (2016);

Enquanto o sujeito assiste à sessão de vídeos, a máquina de


ressonância (MRI) cria um arquivo de imagem tridimensional do fluxo
sanguíneo cerebral e de outros aspectos de alteração cerebral. No arquivo
gerado, cada fragmento de imagem digital é chamado de voxel, um tipo de
pixel, porém tridimensional.45 Milhares de voxels compõem a imagem. Cada
voxel representa um ponto chave da energia neural, identificado por cores
diferentes para expressar a intensidade de sinais produzidos. Com o crescente
desenvolvimento dessa tecnologia, a imagem tende a ter progressiva melhora
na resolução, que deve implicar em resultados cada vez mais precisos.
O aprimoramento das ferramentas práticas para a compreensão do
cérebro, pretende servir tanto para a avaliação de diagnósticos, como servir de

45
Pixel – é o menor ponto que forma uma imagem digital, sendo que um conjunto
de pixels com várias cores formam a imagem inteira. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Pixel> Acesso em janeiro de 2017.

117

 
base para a criação de novas terapias de reparação medicinal. No entanto,
com abertura para utilização na decodificação cerebral, que é o princípio da
leitura cerebral, também é possível se desenvolver próteses cerebrais, ou
construir interfaces entre máquina e cérebro. O sistema da constelação de
valores semânticos, que por animação interativa pode ser ativado pelo visitante
do site, possibilita que o gráfico visual do cérebro possa ser inflado ou
achatado bidimensionalmente, com diferentes visualizações dos dados sobre
as áreas afetadas no espaço cerebral.
O gráfico do cérebro apresentado ali traz um paralelo à imagem de
alteração do mapa do globo terrestre que aponta para a metáfora de conquista
territorial. O mapa que, também é uma codificação do território, é um recurso
técnico para o desbravamento de conhecimentos sobre o funcionamento da
mente, de modo bastante objetivo, mapear, comparar e verificar dados.
Simbolicamente apresenta uma tendência de domínio territorial por processos
de digitalização da mente, sem risco de obsolescência ou falhas de qualquer
ordem. Mas como seria possível visar a máquina para um sentido de
experiência de sensibilidade humana? Vimos que a diferença da imagem
produzida por Ted Serios estaria para a projeção da experiência do pensar,
enquanto as imagens produzidas no experimento de Dr. Gallant estariam para
imagens produzidas tecnicamente na tentativa de tornar acessível e
conformado um produto do pensamento. (FLUSSER, 1986)
Entendemos ser preciso encontrar os resíduos de subjetivação nos
procedimentos técnicos. Supomos que trazer modelos não ortodoxos, como
das pesquisas que se interessam por fenômenos PSI poderia conduzir para
abordagens integrativas; isso apontaria para outras finalidades que a própria
experiência iria determinar. O projeto tecnocêntrico prima pela eficiência e
acaba por estancar a possibilidade de criação dada pelo inesperado. Segundo
Simondon, o automatismo estaria em oposição ao indeterminismo, pois só na
imprevisibilidade técnica haveria abertura inventiva. No automatismo repetitivo
é estabelecida a condição mais baixa dos aparatos técnicos.

O verdadeiro aperfeiçoamento das máquinas, aquele que se


118

 
pode dizer elevar seu grau de tecnicidade, corresponderia não
a um incremento do automatismo, mas, pelo contrário, à
introdução de uma certa margem de indeterminação em seu
funcionamento. É essa margem que permite à máquina tornar-
se sensível a uma informação exterior. (SIMONDON, 1980, p.
11)

Quando necessário, os métodos científicos se direcionam para otimizar


a verificação de hipóteses específicas sobre as funções cerebrais. Observamos
que há uma questão quanto às probabilidades para validação e comprovação
das experiências em padrões de repetição que podem qualificar a
funcionabilidade do trabalho científico. Parece haver um limite tênue entre os
métodos de busca de verificação e os métodos de validação do experimento,
ainda que ambas etapas sejam aplicadas com o máximo de rigor científico e
avaliação técnica; diante do interesse pelo êxito os resultados interpretativos
podem ser conduzidos para a comprovação das hipóteses.

Figura 38: Quadro de etapas de procedimentos para experimento de Jack Gallant.

Dr. Gallant e sua equipe desenvolveram cálculos matemáticos para


encontrar relações entre certas características das imagens aos códigos de
voxels aparentes nas áreas do cérebro, ajustando valores gerados a partir das
imagens num tipo de decodificação de parâmetros. Quando ocorre o momento
inverso do experimento, o voluntário assiste novamente aos estímulos, em
filmes, enquanto o computador gera a análise da qualidade dos voxels e recria
uma aproximação do filme original. Faz isso selecionando filmes a partir de um
banco de dados catalogados por características de imagem. Como resultado o
sistema produz um outro filme bastante semelhante ao filme visto pelo cérebro

119

 
analisado, mas com a imagem um tanto borrada.

Figura 39: primeiro é imagem de um frame de filme usado como referente para o estímulo
provocado no experimento de Dr. Gallant e o segundo frame é do resultado de dados coletados
no cérebro do voluntário.

Se ao decodificar o sistema é possível detectar não apenas o que está


sendo assistido pelo voluntário, mas também o imaginário do pensamento, o
resultado fica passível de indistinções entre o estímulo visual e o imaginário de
apreensão subjetiva do filme. Ainda sob questionamentos o experimento tem
por objetivo ampliar as semelhanças do padrão visual do estímulo cerebral ao
da máquina tradutora.
O resultado da decodificação por Dr. Gallant lembra as primeiras
imagens televisionadas, de característica não definida; de certa maneira, essa
qualidade baixa contribui para a credibilidade da experiência em andamento,
afinal, um filme exatamente como o original não aparentaria ter passado por
processos de decodificação podendo gerar suspeitas. Vimos que nesse
projeto, a meta de leitura do pensamento é apreciada como uma possibilidade
midiática, na qual a credibilidade pelos resultados da transferência é aferido
pelas máquinas. É preciso observar o projeto de futuro pretendido na
tecnociência, com ênfase nos processos maquínicos, para compreender o que
engendram essas transformações em desenvolvimento e construção tanto
material quanto simbólica. Como estratégia para escapar da apropriação
programada, a crítica em torno da ação da tecnologia sobre os corpos pode se
dar na abordagem necessária de investigação da própria tecnologia e seus
sistemas de codificação, para viabilizar a dinâmica de estratégias de
(re)subjetivação.

120

 
3.3.3 - Base física para ideias místicas - Michael Persinger e Suzan
Pockett

Com outro exemplo vemos uma abordagem mais enfática que de certa
forma busca evidenciar o poder de controle científico, ao menos aponta para o
controle midiático, o experimento “Capacete de Deus”, criado pelos
pesquisadores Michael Persinger46 e Stan Koren, da Université Laurentienne,
localizada em Ontário, no Canadá.
O experimento consiste em colocar voluntários em uma câmara fechada,
desprovida de estímulos luminosos e sonoros e fazê-los usar um capacete que
conta com quatro eletrodos, dispostos de cada lado do cérebro, para gerar
campos magnéticos de baixa intensidade de padrões específicos direcionados
para estimular os lobos temporais. Com isso, os pesquisadores provocam uma
interferência na atividade cerebral por meio de pulsos regulares; assim o lobo
temporal esquerdo transmite essa interferência ao lobo temporal direito, que,
por sua vez, interpreta a perturbação na forma de uma presença como
um “efeito colateral” das atividades dos diferentes hemisférios cerebrais. Os
participantes são induzidos a terem experiências que os próprios cientistas
qualificam como sendo de ordem transcendental.
Acredita-se que o hemisfério direito do cérebro seja encarregado de
processar as emoções, e o lado esquerdo seja responsável por controlar a
noção de identidade, também localizado como um centro onde se processa a
linguagem. No momento do experimento, ao receber estímulos artificiais
apenas no hemisfério esquerdo, esse direcionamento cria a sensação de um
tipo de presença estranha: a sensação de que existe uma entidade invisível
que acompanha o sujeito. Uma vez com o capacete gerador de estímulos, o
sujeito é induzido a acreditar na aparição. Segundo os relatos dos voluntários,
durante a experiência se desencadeiam percepções de presenças míticas ou
espirituais, em alguns casos, a impressão é de que estejam realmente vendo
pessoas ausentes. Entre os participantes do experimento que testaram o
capacete, 80% relataram sentir que havia “algo” com elas na sala, inclusive os
descrentes, apenas 20% disseram não ter sentido nada significativo.

46
Michael Persinger, coreano, cientista cognitivo da Universidade Laurentian.
121

 
Figura 40: “Capacete de Deus” de Michael Persinger

Persinger quer demonstrar que experiências espirituais são fenômenos


empíricos, que podem ser estimulados por indução midiática. O pensamento
sobre o experimento envolve a possibilidade do próprio cientista ser o criador
de uma realidade paralela com seu dispositivo, por um tipo de magia científica
que depende da mídia como canal.
Processos geofísicos são associados aos processos gerados pelo
pensamento, na hipótese estudada pelo neurocientísta Michael Persinger.
(PERSINGER, 1987) Campos magnéticos naturais, como os geomagnéticos,
também poderiam desencadear esse tipo de sensação ou sentimento místico,
por exemplo, acredita-se que as pessoas aumentam a predisposição para
sentir presenças sobrenaturais durante a contemplação de raios ou chuvas de
meteoros.47
Os campos geomagnéticos diferem de região e variam em tempo e de
acordo com o sistema solar. Persinger diz comprovar que a ativação de
campos eletromagnéticos e até mesmo as atividades do geomagnetismo
potencializam efeitos telepáticos. Segundo o artigo de Neil Cherry
(2001), estudos identificaram fatores físicos, biológicos e de saúde, associados
aos efeitos de mudança significativa na atividade solar e geomagnética (S-
GMA), os efeitos geomagnéticos teriam forte influência sobre o cérebro. Assim
fenômenos parapsicológicos espontâneos sendo físicos e associados a
interações não locais entre a atividade do cérebro humano e os processos
geofísicos, seriam verificáveis. (Mc TAGGART, 1987; PERSINGER,
1984/1974)

47
Em experiências como no trabalho de Walter DeMaria “The Lightning Field” e dos
experimentos de Moon Ribas, que veremos no próximo capítulo.
122

 
Por sua vez, a neurocientísta Suzan Pockett (2012), apresenta uma
“teoria do campo eletromagnético da consciência”, para buscar respostas à
analogia comum de que a teoria do campo eletromagnético pode ser aplicada
ao campo de atividades neurais. Assim conduziu experimentos de interferência
e estímulo de ondas neurais em frequência extremamente baixa (extreme low
frequency, ELF, de 3 a 30 Hz).
Um padrão de campo eletromagnético no espaço do cérebro não pode
ser tido como matéria, no entanto, o campo eletromagnético tem a propriedade
de afetar a matéria, facilmente observada. Íons são agentes da excitabilidade
que carregam massa e carga. O envoltório, como a membrana plasmática dado
como um sistema de forças, pode capacitar a percepção de alterações nos
níveis de contraste entre o que está dentro e fora de um espaço celular. Assim,
a teoria do campo eletromagnético da consciência, não faz objeção com a
noção de que a consciência, por si só, pode ter um efeito direto sobre o
comportamento do organismo. Pockett esclarece que sua proposta não
determina que todas as partes do campo eletromagnético estejam em estado
de consciência em todos os momentos e esclarece que a consciência, como a
luz e a matéria não estão uniformemente distribuídas no espaço e no tempo.
(POKETT, 2012) O que a teoria de Pockett acaba por fazer é fornecer uma
base física possível para idéias consideradas místicas.

3.3.4 - Verificações telepáticas por ressonância magnética - Institute of


Noethics Science

Atualmente, a observação de fenômenos de campo como a telepatia,


aos poucos vence a dificuldade de entrada no domínio da pesquisa científica
em correntes experimentais. Pesquisas da neurociência com tecnologias, ao
ampliar a investida em processos de validação em comunicação à distância
mediados por sistemas computacionais, acabam por dar força paralela à
investigação sobre os fenômenos da ordem do oculto. Ao retomar a
importância da participação das emoções primárias para o desenvolvimento e
expansão da inteligência, alguns estudos tem sido feitos para avaliar as
possibilidades de comunicação telepática por medições ressonância magnética
funcional (fMRI) e eletroencéfalograma (EEG).

123

 
Uma série de pesquisas realizadas por cientistas pode ser encontrada
no website do Institute of Noethics Science - IONS.48 São pesquisas que
buscam evidenciar sinais correlatos entre cérebros, conduzidos em
experiências e processos de envios telepáticos, algumas estabelecendo
variáveis nos métodos de performance telepática, outras variando métodos de
mensuração. Tais artigos remetem aos experimentos dos renomados
defensores dos estudos PSI, Targ e Punthoff, eles que tomaram como base as
habilidades do conhecido Mr. Uri Geller.
Outros artigos encontrados no IONS são mais determinados à análise
crítica e dão maior ênfase às pesquisas de neurocientistas com pontos de
vistas céticos que se propõe questionar os fundamentos PSI. A maioria, no
entanto, sugere a existência de uma ou mais modalidades de percepção de
sentidos desconhecidos, que podem ser mediadas utilizando métodos de
condução controlada de imagens e sons em abrigos protetores de ações de
campos eletromagnéticos.
As pesquisas são desenvolvidas sob condições laboratoriais, ou seja
parametrizadas por instrumentos como o eletroencefalograma (EEG), ou o
escaneamento por ressonância magnética funcional – fMRI. Por exemplo, um
dos artigos se dedica a buscar as relações nas diferenças de resultados
usando os dois métodos de captação de dados, e comparando as diferenças
entre o EEG e o fMRI; essa pesquisa foi conduzida pela cientista pesquisadora
Leanna J. Standish e Leila Kozak, gerente de projeto de pesquisa no Instituto
de Pesquisa da Universidade Bastyr em Kenmore, Washington, também o
professor associado Clark Johnson e Todd Richards professor da Universidade
de Washington em Seattle.
Realizada em 2003, esse é um tipo de proposição em buscar a análise e
correlação de cérebros distantes, precisa passar pelo enfrentamento científico
para que se realize nos laboratórios. Por fim, em alguns testes os cientistas
detectaram concomitância na atividade cerebral dos participantes e em outros
não obtiveram qualquer resultado; a persistência nos testes amplia a
capacidade de avaliação, isso é demonstrado em diferentes publicações.49

48
IONS- Disponível em:< http://noetic.org/research/psi-research> Acesso em março de 2018.
49
“Relatos de Casos” é uma coluna regularmente apresentada para destacar as aplicações
clínicas de terapias alternativas ou integrativas à medida que são implementadas no paciente.
124

 
Em ambientes separados, um dos participantes recebe uma série de
estímulos assistidos por um monitor de vídeo que apresenta um padrão de
xadrez alternando em sessões ligado e desligado. As sessões são repetidas
para avaliar a possível replicação do fenômeno entre os participantes em
posições invertidas. Os resultados dos exames cerebrais indicam em alguns
testes sinais detectados no cérebro do participante distante de seu par, no
momento em que o cérebro do outro sujeito é visualmente estimulado, ou seja,
a atividade cerebral observada no córtex de associação visual sugere que o
receptor reage como se tivesse processando um sinal do remetente.

Figura 41: Mapa do ambiente laboratorial para teste PSI sob sistema fMRI. (Leanna J.
Standish, et al, 2003).

Por análise funcional de ressonância magnética foram testadas

É dada preferência a casos em que diagnóstico, tratamento e resultados estejam claramente


definidos.

125

 
correlações entre a intencionalidade de envio de mensagens à distância e a
função cerebral de receptores em obter as mesmas mensagens. A intensidade
de sinal média é indicada para cada condição de estímulo no topo de cada
intervalo.

Figura 42: Gráfico comparativo de valores entre participantes de teste PSI sob sistema fMRI.
(Leanna J. Standish, et al, 2003).

Na imagem resultante dos testes durante o experimento telepático


realizado com monitoramento fMRI, a linha grossa no gráfico acima mostra a
frequência que representa o sinal do cérebro da região occipital do sujeito
designado como receptor, em um dos testes sem apresentar mudanças de
condições pelos valores indicados em comparação ao sinal do sujeito
designado para o envio telepático que se mostra estável na linha mais fina.
(STANDISH et al, 2003).

Figura 43: Imagem com voxels aparentes em teste PSI sob sistema fMRI. Imagem sem voxels
aparentes em teste PSI sob sistema fMRI. (Leanna J. Standish, et al, 2003).

No resultado de fMRI, o primeiro teste, o envio de mensagens


telepáticas, mostra correlação entre os gráficos dos sujeitos envolvidos, há

126

 
indicação de atividade por áreas vermelhas marcadas por voxels. Contudo, ao
serem invertidas as posições de envio e recepção entre os participantes, o
sinal não aparece mais, o que indica que não houve ativação cerebral
significante na correlação entre os dois cérebros durante o estímulo. O fato de
reações não terem sido observadas quando os papéis foram invertidos, sugere
que a aparente "ligação" não é necessariamente transitiva, ou seja, a
transmissão em uma direção não garante a transmissão na outra direção,
segundo os autores, isso poderia se justificar pelo modelo quântico não-local.
As possibilidades de detecção do fenômeno por EEG e fMRI, sob
condições semelhantes continua a ser aplicada, o experimento é retomado em
outras sessões com análises dos autores. O interesse crescente em pesquisas
desse tipo indicam que a observação de fenômenos de campo, através da
utilização de mídias como um recurso de acesso a manifestações materiais nos
processos do pensar, se voltam não apenas para o domínio dos processos
materiais do pensar, mas também com atenção aos espaços de
intersubjetividades compartilhadas e que estariam fora do alcance mensurável.
E que podem dessa maneira serem analisadas a partir de suas partes
separadas, para que seja possível se aproximar da compreensão de algo
estranho que aparentemente as envolvem, mas que escapam às evidências,
como se exigissem outras formas de observação.

3.3.5 - Ganzfeld -– Robert Irwin, Ed Wortz e James Turrell

No final do ano de 1968, como parte do desenvolvimento de um


programa de residência em arte e tecnologia chamado LACMA, desenvolvido
pelo Museu de Arte de Los Angeles com suporte da NASA, no qual os artistas
James Turrell e Robert Irwin, junto ao psicólogo Ed Wortz, estudavam a
interação entre humano e máquina por um viés da arte, apontavam para o
desenvolvimento da experiência subjetiva que mantém referência ao espaço
comum.
Juntos Irwin e Turrell passaram a pesquisar as alterações dos estados
perceptivos sob condições controladas, experimentaram a técnica ganzfeld,
interessados nos experimentos realizados pelo laboratório The Rye Canyon,
equipados com cabines para testes de percepção sensorial em campos

127

 
anômalos, desenvolvidos pelo programa espacial da NASA.50 Ao se
aproximarem de processos e soluções dadas pelos cientistas para problemas
de pesquisas espaciais os artistas passaram a investigar determinadas
substâncias e materiais por propriedades mecânicas específicas; materiais
como tipos de cerâmicas e vidros com habilidade de difratar e absorver a luz e
som; telas reticulares polarizadoras ou inibidoras de campos eletromagnéticos;
qualidades da luz na atmosfera em cor, peso e densidade; vapores e gases
com qualidades de propagação de matéria, como o plasma; e ainda a
visualização fotográfica de ondas e campos geomagnéticos, em imagens
schlieren; e sobretudo pesquisavam como esses conhecimentos poderiam ser
potencializados para criação artística.
Parte dessa pesquisa pode ser reconhecida nos desenvolvimentos dos
trabalhos de Turrell e Irwin que vieram a se realizar posteriormente. Irwin se
dedicou mais à aplicação dos estudos de processos de desmaterialização da
pintura, enquanto Turrell seguiu com a pesquisa da luz em campo total em
técnicas de aplicação de ganzfeld. Turrell, Irwin e Ed Wortz chegaram a criar
juntos a combinação do efeito ganzfeld com a câmera anecóica (sem eco), um
domo como uma câmara que privaria os visitantes do som e reduziria a luz ao
mero campo de cor vermelha ou azul. O trabalho contendo partes desse
programa LACMA, remontado em 2013, foi intitulado como “Breathing Light”.
Na metodologia de aplicação propositiva do trabalho havia a intenção dos
artistas em não alterar o estado de consciência, mas de promover o
conhecimento da percepção experimentada sob tais condições. Motivados em
criar uma atmosfera de condicionamento para o estado “alpha” (ciclos de ondas
neurais alcançados em estados meditativos de isolamento místico).
Primeiro, eles convidaram os participantes para uma câmara anecóica:
uma sala escura e à prova de som, onde esses indivíduos ficavam
completamente sozinhos por 10 minutos. Ao saírem da experiência os
visitantes tinham que responder a um questionário: muitos relataram ter

50
A técnica chamada ganzfeld (campo inteiro em alemão) foi originalmente introduzida na
psicologia experimental pelo psicólogo alemão Wolfgang Metzger (1899-1979) que estudava
sobre a percepção de um campo visual homogêneo, por estado de privação sensorial, pois ao
reduzir a entrada sensorial comum, acredita-se que os estados condutores PSI podem ser
aprimorados e a informação transmitida pode ser melhor identificada. São experimentos
voltados para a possibilidade de visão remota com alcance de zonas intersubjetivas.
128

 
experimentado estados de alucinação; distorção de tempo; alguns diziam ouvir
seus próprios batimentos cardíacos, o som de sangue passando por suas
veias; viam cores como luzes que surgiam por imaginação; percebiam a si
mesmos percebendo. (ADCOCK, 1990)

Figura 44: James Turrell e Robert Irwin na câmara de eco e em laboratório EEG, David Antin e
voluntária.

Durante o desenvolvimento do projeto “Breathing Light”, o cientista


David Antin se mostrava resistente ao uso dado pelos artistas, colocando as
dificuldades impostas por experimentos EEG, dificuldades encontradas mesmo
para os cientistas; Antin criticava a atitude dos artistas em nomear um
fenômeno, ao associar valores de ondas alpha para o estado meditativo:

Existe um inescapável glamour nos sistemas de transmissão


elétrica para a maioria dos cientistas, especialmente quando
eles têm que enfrentar o problema de tentar descobrir onde um
nervo começa e outro termina. Na maior parte do tempo, a
imagem elétrica do cérebro (eletrônica ocasionalmente, ou
mesmo por computador) é menos um modelo de trabalho para
os cientistas do que é inspiração para a literatura. Quando um
artista adquire isso, o que adquiriu é uma espécie de poesia.
(ANTIN, David, 2011, p. 72. Tradução livre)51

Os artistas contra argumentavam, dizendo que o vocabulário dado pelo


condicionamento alpha somaria a uma afinação linguística. A enunciação das
frequências aumentaria a atenção do observador na experiência perceptiva, um
tipo de indução como é necessária para ocorrência de estado hipnótico. Os
dois pontos de vista se mostram relevantes, visto que, por volta de 1969,

51
No original: “There is an inescapable glamour in electrical transmission systems for most
scientists, especially when they have to confront the pedestrian problem of trying to find out
where one nerve begins and another ends. At the present time electric (electronic, occasionally,
or even computer) image of the brain is less of a working model for scientists than it is
inspirational literature. When an artist acquires it, what he has acquired is a kind of poetry.”
(ANTIN, David, 2011, p. 72)
129

 
estava sendo discutido aspectos que ainda são considerados hoje; sobre até
que ponto a captação de ondas neurais pode mapear o pensar e o meditar.
Afinal, influências diversas alteram os resultados; há indícios de que somos
mais facilmente conduzidos a estados quando estamos determinados por
condicionamentos programados, mesmo que apenas simbolicamente.

3.3.6 - Espaços capsulares perceptivos - James Turrell e Mariko Mori

Figura 45: TURRELL, James (1989) - Alien Exam e Unna. Disponível em: <
http://jamesturrell.com/work/type/perceptual-cell/> Acesso em dezembro de 2017.

As séries de células perceptivas, "Perceptual Cells", do artista James


Turrell são espaços fechados e autônomos construídos especificamente para
entrar apenas uma pessoa por vez. A percepção do espaço é alterada pelas
condições de luminosidade controlada. Os sujeitos que experimentaram
relataram ter sido uma experiência provocadora e profundamente pessoal,
alguns relatos apresentavam desconforto na situação.
Posteriormente, como desdobramentos das células perceptivas, James
Turrell transformou o espaço interno do Museu Guggenheim, ao realizar uma
instalação intitulada Aten Reign, tratando as dimensões do espaço
arquitetônico projetado por Frank Loyd Wright, como um tipo de câmara de
ganzfeld. Para isso foi preciso construir uma torre dentro da arquitetura,
ocupando todo espaço com luz de cor púrpura, subindo cinco anéis elípticos
concêntricos até o topo onde, sob a clarabóia, um material translúcido permitia
projetar luz difusa com a incidências de raios solares. Ao entrar na rotunda, a
percepção espacial é alterada, após determinado tempo, dificultando, ou

130

 
impossibilitando, o observador de localizar o fim do espaço como se dá no
efeito de céu; esse tipo de percepção é característica em muitas instalações de
Turrell.

Figura 46: TURRELL, James. Aten Reign Fundação Solomon R. Guggenheim, Nova York.
Foto: David Heald.

A luz está presente fisicamente, psicologicamente e


espiritualmente; Todos esses aspectos estão em ação. E
quando minha arte toca no último - fico feliz em ouvir isso. Eu,
no entanto, gosto da fisicalidade, penso que o físico e tudo o
que existe neste reino, só pode entregá-lo ao espiritual. Não
pode te levar a isso. Essa é minha crença. (TURRELL, 2014) 52

A definição de “espaço heterotópico” por Michel Foucault em


contraponto a lugares utópicos que ficam na imaginação, as heterotopias
seriam lugares de fato, que se erguem nas bases da vida social. (FOUCAULT,
1967) O espaço heterotópico cria presença na ausência, por tais espaços nos

52
No original: “So light is present physically, psychologically and spiritually; all these aspects
are operative in it. And when my art touches on the latter – I am happy to hear it. I, however,
like the physicality. I think that the physical and everything that exists in this realm, can only
deliver you up to the spiritual. It can’t take you into it. That’s my belief.”

131

 
fazerem perceber o estado de presença através de vetores de virtualização
como a imaginação, a memória, o conhecimento e a religião. São exemplos de
espaços heterotópicos: museus, cemitérios, igrejas, bibliotecas e espelhos.
Na instalação de James Turrell, o espaço do museu pode ser
considerado uma sobreposição heterotópica por ativar vetores de utopia
mística para um espaço já carregado por intenções utópicas do espaço do
museu. O espaço oferecido é participante efetivo a transformar a experiência.
O espaço é a mídia entre o sujeito e a experiência estética e apresentaria um
estado de médium da percepção. Com o controle da luz no espaço Turrell não
se mostra interessado em criar ilusões, mas em promover um sentido de
envolvimento potencializado pela experiência.
No contexto envolvente de espaços heterotópicos da arte, através de
diversos níveis de presença corporais e mentais, os perceptos apresentados
pelos sistemas maquínicos, localizam a mídia como um aparelhamento que
permite dar acesso à tangibilidade da matéria sutil, promovendo a experiência
sensorial da espiritualidade. O que parece configurar um tipo de resgate à
vetores de virtualização da imaginação, como condição mais relevante para a
potencialização da experiência estética, do que as funções determinadas
fundamentalmente por controles do aparelhamento por mídias.
A instalação imersiva Wave UFO (1999 - 2002), da artista Mariko Mori,
apresenta uma nave capsular, trata-se de um objeto escultórico em forma de
gotícula, feita de fibra de vidro. O convite é feito a três participantes por vez,
que são orientados a colocar um detector de ondas cerebrais acoplado à
cabeça e retirar os sapatos. Ao entrar na cápsula, a porta é fechada e os
participantes são envolvidos por este ambiente que isola as percepções do
mundo de fora. Há três poltronas confortáveis dispostas, os participantes ficam
com suas cabeças aproximadas sentados em direções opostas um do outro,
em posição adequada para a visualização das projeções nas paredes da
cápsula.
Projetadas no teto e nas paredes curvas do domo interno, se vêm
gráficos computacionais de formas orbitais, que variam de acordo com as
ondas cerebrais alfa, beta e theta dos participantes, como formas e imagens-
pensamento. Pensamentos beta agitados se transformaram em órbitas

132

 
elípticas de relaxamento vermelho, em estado de alerta de ondas theta os
gráficos se tornam esverdeados, e um estado alfa de sonho, vão se tornando
azuis. Se todos os três visitantes da cápsula produzem ondas cerebrais no
mesmo comprimento de onda, um anel de órbitas menores, ao que Mori se
refere como "esferas de coerência", se acenderiam juntas.
Aparelhos de visão; câmeras de fotografar e filmar têm um paralelo
apresentado na imagética dada por dispositivos de captação neural, como um
tipo de produção de imagem a partir de dados numéricos captados pelos
biosensores. A poética comumente explorada por artistas pretende imprimir um
valor estético ao pensamento, quando as frequências capturadas por
dispositivos computacionais fazem uma transposição para outras linguagens
externadas em sons, cores, desenhos, esculturas, vídeos que podem ser
alterados por parâmetros em tempo real de medição das ondas, enfim, uma
vasta possibilidade de mapeamentos e experimentações. Como indica Paul
Virilio, ao retomar a análise das imagens mentais da consciência em relação à
atualização das imagens virtuais, instrumentais e tecnocientíficas, por suas
influências no comportamento contemporâneo ocorrem também
reconfigurações da percepção do mundo e de nós mesmos. (in PARENTE org.
1993, p.130)
Em geral artistas pesquisadores que chegam a experimentar os
dispositivos BCI, apresentam histórico na videoarte como Mariko Mori, Camille
Barker, Rosangela Leote, Tânia Fraga. Isso demonstra um desdobramento de
pesquisa com atenção às possibilidades midiáticas de produção de imagem.
A artista brasileira Tânia Fraga entende as investigações com
dispositivos de captação de ondas neurais, como experimentações artísticas
que passam a ser sistemas híbridos compostos por máquinas semióticas que
agenciam organismos virtuais e materiais. Fraga aponta para a importância de
se pesquisar esses sistemas do ponto de vista das máquinas, pois podem
haver perceptos, nesse caso “perceptos maquínicos”, por isso é preciso estar
atento para não cair no equívoco de antropoformizar as máquinas, mas
compreender como se caracterizam as ações percebidas e responsivas em
dados, que por sua vez podem ser transformados em outras expressões.
(FRAGA in NÓBREGA, 2016, p.198-199)

133

 
A exposição da japonesa Mariko Mori (1967) veio ao Centro Cultural do
Banco do Brasil em 2011, trazendo a nave “Wave UFO” (onda ovni) na qual a
artista a partir das investidas da mídia com a telepatia e o controle da mente,
entra nos domínios da pesquisa psíquica e da ufologia, perpassa a poética na
relação entre o indivíduo e sua interconexão cósmica. Em algumas proposições
participativas a artista conduz o público a participar da experiência.

Figura 47: MORI, Mariko Wave UFO (1999-2002) interface de captação de ondas cerebrais,
projeção interna no domo, nave construída com fibra de vidro. Disponível em:
<http://www.skny.com/artists/mariko-mori> Acesso em maio de 2017.

Na busca para o conhecimento fisiológico funcional, especificamente do


cérebro, diante dos problemas de comunicação, de interpretação de linguagens
e de compatibilidade entre linguagem humana e maquínica, os enigmas
voltados à consciência exigem a quebra de paradigmas da dualidade. A partir
da experiência com dispositivos de captação neural, por uma perspectiva da
arte, vimos em exemplos que artistas acabam levando suas pesquisas para um
sentido de enaltecer as manifestações de luz e som como midiatizações de
percepções transensoriais. Ainda parece latente o investimento na investigação
da mídia como um canal de tradução e tangibilidade de ordens que a princípio
são compreendidas como imateriais. Há sugestões de sincronicidades que
indicam ser preciso avançar na compreensão de fenômenos sutis, que
abrangem o material e o imaterial. Portanto, é fundamental ampliar a
compreensão da matéria em seus diversos níveis, incluindo os processos
sensíveis que podem ser aludidos em ação midiática. (HARAWAY, 1991;
SHELDRAKE, 1981; ASCOTT, 2002; NÓBREGA, 2010)

134

 
CAPÍTULO 4 - MATER
4.1 - Materialidade afetiva

No esforço por mudanças para um sistema complexo abrangente,


inclusivo e integrado, precisamos buscar compreender a materialidade sob os
aspectos de fluxo contínuo. Por atenção aos ritmos naturais da vida, a fim de
conectar as três temporalidades, passado, presente e futuro, é necessário
compreender como se produz conjuntamente.
Ao observar um modo de “fazer com”, de co-criar, que implique os
diferentes corpos, biológicos e tecnológicos, nos aproximamos do conceito de
simpoiésis, tratado amplamente por Donna Haraway em sua abordagem dos
ciborgues, em sua especulação sobre processos de co-produção entre
sistemas sob condições hibridas e participativas de fenômenos de campo.
(HARAWAY, 2016, p. 23) Com essa abordagem observamos práticas artísticas
que potencializam percepções transensoriais voltadas ao interesse em relação
aprofundada com a materialidade em sua forma sensível. A partir de
referências, como na abordagem de artistas tratados a seguir, procuramos
retomar o acesso perceptivo que nos favoreça a produção de um ritual
específico em nossa prática.
Pensar afetivamente a materialidade, pode parecer um contra-senso a
princípio, quando em geral busca-se um posicionamento crítico ao regime de
consumo materialista que tende a esgotar as fontes naturais do planeta. No
entanto, resgatar a ordem dos afetos nas articulações das camadas da matéria
em suas diferentes intensidades e espectros, parece uma das maneiras de
tomar a importância do cuidado com a matéria da qual fazemos uso e somos
parte. Em nossa pesquisa temos o comprometimento com a procura por uma
consciência emergente, que possa trazer para a discussão a revisão da
materialidade por vias de um enraizamento anterior, ancestral, sem nos afastar
do nosso desejo pela tecnologia mantendo posicionamento crítico quanto ao
desenvolvimento dos próprios desejos que nos trouxeram até este ponto. A
135

 
partir da perspectiva que pretende buscar a raiz Mater, a noção de criação da
forma coloca-se na mesma raiz da palavra “maternidade”, nesse sentido a
experiência do corpo é direcionada para a capacidade de percepção da
materialidade sutil.
Diversas correntes culturais apreendem o cosmos como vivente
animado por uma energia imanente ao próprio cosmos, passando pelos
indígenas e pelos orientais, para não começar como de costume, pelos gregos,
e especialmente os estóicos, todos carregaram o princípio animista. No
pensamento hermético, a energia vital está relacionada com o movimento. Um
dos desdobramentos do hermetismo foi a alquimia, com a crença de que os
metais eram substâncias animadas, que vivem, evoluem, crescem e se
reproduzem.
A filosofia do pampsiquismo, do grego pan (todo) e psyke (alma), diz que
a essência da consciência seria uma presença universal, tanto material como
mental; physis e psyche estariam onipresentes no Universo. (VIANA, 2016, p.
85) O pampsiquismo aceitaria uma certa constituição cognitiva ou psíquica da
matéria, tudo seria fundamentalmente físico e fundamentalmente mental. O
panteísmo e o monismo seriam doutrinas filosóficas caracterizadas pela
extrema aproximação ou identificação total entre Deus e o Universo,
concebidos como realidades conexas, ou como uma única realidade integrada.
(VIANA, 2016)
Na cosmologia dos pré-cientistas, procurava-se por um elemento
fundamental que constituísse todo o Universo. Entre os filósofos do
materialismo monista, pré-socráticos, poderíamos citar o filósofo Anaximandro
e o elemento infinito a que chamou de apeíron; ou Tales de Mileto (526 d.C),
que identificava a noção de psykhé com a physis dada pelo movimento, ou
“que move a si mesma”. (ROBINSON, 2010)
A concepção filosófica de Tales de Mileto introduz o naturalismo, por
identificar o sentido da psyké ao movimento do homem, e não o contrário,
como pode parecer. No entendimento da alma como a expressão da presença,
a alma seria imortal, o elemento divino em todas as coisas. A psykhé ainda não
seria referente ao humano, mas um elemento da natureza que concede
mobilidade: assim como o ímã (pedra de magnésia) possuiria psykhé movendo

136

 
o ferro com poder de atração. Esta presença do elemento divino em tudo,
equivaleria para Tales de Mileto à água como o que “coincide com o divino”, a
água seria a origem de todas as coisas. (REALE, 2003)
Na história de diferentes culturas foram designados nomes para o que
parece ser o mesmo princípio da energia básica vital: Apeíron, Éter, Elã Vital,
Chi, Ki, Prana, Akasha, Fluido Cósmico Universal, etc.. Todos voltados a
estados de alternância entre densidade e rarefação da matéria em associação
à energia e formação referente à vida.
Na mitologia grega, Gaia é o ser primordial de onde todos os outros se
originaram. A mãe de todos os deuses, do deus do Céu Urano, do poderoso
Zeus e dos hermafroditas. A nomeação de Gaia e a retomada do mito para
novas reflexões quando a entidade maternal é evocada para uma mitopoética,
de crítica severa ao projeto de progresso antropocêntrico.53
A discussão geontológica alerta para as preocupações frente aos
recursos em esgotamento de um sistema vivo, ameaçado em desviar seu curso
programático para um futuro de perspectivas catastróficas. Urge dar atenção à
Gaia, essa entidade que vem por golpes contundentes cobrar dos irrelevantes
humanos, e ainda assim malfeitores, para que reajam em ações efetivas de
recuperação, ao que foi ocasionado por essa profunda marca de uma era
geológica chamada “Antropoceno”.
Gaia reivindica sua presença de maneira imperativa e comunicativa, no
nível da consciência humana. Ecoa em vozes de mulheres como Isabelle
Stengers (2009), Donna Haraway (2017), Elisabeth Povinelli (2016), da artista
performática Rachel Rosenthal (que interpretou "Gaia, Mon Amour" em 198354),
entre tantas e tantos incorporados na arte atual por suas micropolíticas
espalhadas em diferentes territórios. A mãe ancestral exige atenção, foi
acordada, já irritada com os guardiões do mundo, cansada de ser tolerante em
tudo prover, sem ser escutada, ou cuidada. Ela que não tem mais por que
escrever em seus diários íntimos sobre suas felicidades, precisa mais que tudo,
desabafar suas dores, ou melhor ainda, dançar para sacudir e então mudar

53
O mito de Gaia foi resgatado pelo químico britânico James Lovelock (1972,1979) e
complementada em parceria com Lynn Margulis (1974) sob a hipótese de que a Terra seria um
organismo simbiótico de interações entre organismos e ambiente.
54
Parte da performance pode ser assistida no canal da artista no Youtube. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=FTVerDGHLKg. Acesso em: maio de 2019.
137

 
esse rumo. Diante desse apelo nos cabe enquanto artistas dar escuta e voz,
por processos imaginativos, no sentido da invenção de outros destinos
possíveis.
Os processos engendrados pelas atuais tecnologias de comunicação e
informação, nos colocam a necessidade de procurar por práticas artísticas,
teóricas e conceituais, que sejam alternativas aos dualismos, como a divisão
do trabalho que confinou as mulheres à reprodução materna, e fundou o
pensamento moderno ocidental indiferente às particularidades sutis da raiz
Mater.
O manifesto ciborgue, escrito pela bióloga e filósofa estadunidense
Donna Haraway, mesmo após vinte anos, ainda chama atenção para a maneira
como tanto a ficção, quanto a realidade da especulação tecnocientífica,
determinam as práticas sociais, como por exemplo, as noções de gênero.
(HARAWAY, 1991)
Donna Haraway explorou amplamente o termo ciborgue para salientar
uma revolução político-social, por um tipo de esperança de transformação.
Pensar o ciborgue foi um recurso imaginativo para explorar a hibridação entre
máquina e ser humano: “o nosso tempo, um tempo mítico, somos todos
quimeras, híbridos de máquina e organismo, teorizados e fabricados; em
resumo, somos ciborgues”. (HARAWAY, 1991, p. 150)
Sabemos que a ficção científica colabora com nossas percepções das
possibilidades futuras. Qual materialidade e imaginação, dariam sustentação a
uma visão feminista na ficção científica capaz de produzir esperança ou
sentido? Essa é uma pergunta que tem sido feita por mulheres para buscar a
potencialidade de discursos produtivos que outrora tenham sido desviados ou
excluídos e que possam ser redimensionados para apontar caminhos de
reintegração social.
Quando valores forçosamente estabelecidos são colocados em risco, no
deslocamento de crenças, como as noções de sujeito e objeto, humanidade e
natureza, materialidade e imaterialidade, há uma abertura à invenção. A
invenção é entendida como um processo criativo que corre junto às
descobertas do que já existe, podendo ser renovados os meios para fazer a
diferença acontecer. Por exemplo, as políticas do corpo podem ser acionadas

138

 
por fonte de identidade, ou de alteridade e abertura para as comunicações
mágicas. Segundo Isabelle Stengers, teórica belga dedicada à área da
sociologia e filosofia da ciência, a indagação sobre a veracidade do conteúdo
das ficções renova a investigação científica. (STENGERS, 2002)
Stengers traz um projeto político, sob o signo do humor, e pela
possibilidade de observarmos a ciência sem nos impressionarmos ou fixarmos
na paixão ocidental pela verdade, sem desrespeito às crenças, mas colocando-
as em discussão, o possível acesso a outros devires e dessa maneira, ao
menos, desenvolver um tipo de perturbação do poder vigente. Stengers
caracteriza seu trabalho na ciência experimental com viés animista, sendo
voltada para um esforço que o etnólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro
chamou de “descolonização do pensamento” – a tentativa de resistir a um
poder colonizador que começa desde a definição da magia por sujeitos
“portadores de uma crença que pode ser tolerada, mas nunca levada a sério.”
(CASTRO, 1996, p. 3)
O pensamento de Stengers traz análises teóricas ao associar o social e
o natural, ao propor deslocar a presença virtualizada dos meios
computacionais, como a hiper imaterialidade digital, fazendo assim transcorrer
um investimento na re-materialização através dos sentidos de integração e
hibridização. (ASCOTT, 2002) Seria um tipo de agenciamento, de procriação
ciborgue, em mundos de formações socioculturais múltiplas e heterogêneas,
nos quais a identidade pode se dar como obra por fazer.
É preciso apontar a diferença da concepção de Donna Haraway ao
referenciar-nos aos ciborgues quanto ao que se funda na teoria de sistemas.
Dando a devida importância ao trabalho dos biólogos Humberto Maturana e
Francisco Varela quando eles formularam que os sistemas deveriam ser
concebidos como mônadas fechadas, assim chamaram de sistemas cegos os
"sistemas autopoiéticos”. Para eles, tais sistemas estariam em relação com seu
ambiente, apenas por meio de perturbações, ou por meio do conceito de
acoplamento; e por esses sistemas não reagirem ao ambiente, teriam auto-
reprodução constante, exclusivamente mediada por elementos imanentes ao
próprio sistema. (VARELA, MATURANA, URIBE 1974)
A autopoiése seria a capacidade dos sistemas fechados, seres vivos,

139

 
reproduzirem a eles próprios. Há nesse princípio da autopoiese uma expansão
radical do pensamento dualista que separa mente e matéria, ao compreender
que o processo de viver é um processo do conhecimento que garante a auto
perpetuação das redes vivas, a cognição envolveria todo o processo da vida,
inclusive a percepção, as emoções e o comportamento. A acoplagem dita por
Maturana e Varela, seria referente à estrutura que conecta sistemas vivos e
não vivos.
No entanto, Donna Haraway fala ainda da abertura de pensamento
tomado pela ousadia em correr riscos, ao trazer o conceito de “simpoiésis" um
desdobramento generativo da autopoiésis e não uma oposição.55 (HARAWAY,
2016) Enquanto autopoiésis seria auto produtível, a simpoiésis seria um
sistema de produção coletiva. O conceito de “sim-poiésis” deriva da noção de
se “fazer com”, ou seja, seria uma palavra própria da complexidade dinâmica e
responsiva dos sistemas. A simpoiésis traria a compreensão de que há ainda
transterritorialidade nos sistemas tidos como fechados.56 A provocação
acometeria a alegação de que extraídas do ambiente, as funções do sistema
seriam determinantes para a estrutura do próprio sistema. No entanto, no
acoplamento instável de três sistemas: o sistema social – humanidade; o
sistema psicológico - a consciência; e o sistema biológico - o corpo, há que se
considerar os contextos de produção e de recepção, os aspectos discursivos,
interacionais e cognitivos, na dinâmica da relação entre a linguagem, o
ambiente e os sentidos que emergem dessa relação.
Pressupomos que Donna Haraway estaria apontando para um tipo de
campo de relações de um dado sistema com outros sistemas que estão nele
implicados e que o afetam para além da autopoiética. Isso dá a entender que o
sistema de produção seria coletivo, sem limites espaciais e temporais
definidos, e no qual as informações e o controle sejam distribuídos a todos os
componentes. Para Haraway (2016), seriam sistemas evolutivos dos quais

55
Em 1998, M. Beth Dempster sugeriu o termo simpoiésis para designar os sistemas
produzidos coletivamente e que não possuem limites espaciais ou temporais autodefinidos. A
informação e controle estão distribuidos entre os componentes. São sistemas evolutivos, com
potencial para transformações surpreendentes. Haraway faz referência ao conceito de
simbiogênese da microbióloga estadunidense Lynn Margulis. (HARAWAY, 2016)
56
Ver entrevista de Donna Haraway a Juliana Fausto, Eduardo Viveiros de Castro e Débora
Danowski em 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1x0oxUHOlA8>
Acesso em: fev. de 2016.
140

 
podem emergir a reabilitação e a sustentabilidade dos sistemas vivos,
atualmente danificados no Antropoceno.
Esse processo poderia ser considerado na invenção pela diferença do
que já existe. O direcionamento do pensamento biológico de Haraway para a
simpoiésis nos serve na medida que ela não está questionando como os seres
vivos se mantêm juntos, mas sim, procurando entender como eles criam
padrões de desenvolvimento, não em sua individualidade, mas na coletividade
que os levam através do tempo em morfogêneses surpreendentes.
Ao direcionar nossas práticas de pesquisa buscamos compreender
como está sendo operado esse imaginário tecnocientífico específico em
constante redimensionamento. Vemos a problemática do dualismo a ser
enfrentada por operações parcialmente articuladas, como na dimensão da
comunicação. Dispomos de uma tecnologia poderosa de comunicação e
perdemos cada vez mais o acesso afetivo e sutil.
Para que seja executado um agenciamento coletivo aberto, fora das
posições habituais que nos limitam a invólucros corporais, no exercício da arte
ao nos permitir o distanciamento da noção de identidades fechadas, passamos
a compreender a experiência comum aos seres vivos de serem transpassados
por matérias. Acreditamos que ainda há dificuldade de acesso à materialidade
sutil, impedimentos que provocam o exercício da arte a perseguir um tipo de
integralidade por ordens do afeto. São ordens viabilizadas pelo engajamento
nas múltiplas possibilidades dos organismos humanos e não humanos de
existir e co-habitar, que permitem vazão para a produção de sistemas com
potencial afetivo-objetivo.
Em nossa pesquisa, a transdisciplinaridade da arte, tecnologia, ciência e
espiritualidade, leva-nos ao pensamento de Haraway sobre a simpoiésis, a ser
entendido na amarração de ecologias humanas e não humanas, em evolução,
desenvolvimento compondo a dimensão afetiva e estética. Na nossa pesquisa
procuramos aproximar essa discussão de autoprodução instável,
principalmente tomando por base a prática artística da performance, no que
envolve o artista em relação ao público e a acoplagem de aparelhagem elétrica
e eletrônica para a produção de experiências sensoriais; com tal sistema
iremos buscar no agenciamento da materialidade, como estamos

141

 
compreendendo por essas teorias, ao associar o corpo, à mídia e suas
especificidades, entendendo que nosso método prático permite-nos acessar
um tipo de campo, relativo aos modelos da noção de médium abordadas.
Acreditamos que ao repetir padrões e recombiná-los para a produção de
diferença, seja possível a abertura para invenção e produção de experiência
estética.

4.2 – O espectro eletromagnético

Em nossa pesquisa estamos diante de dois focos de observação da


materialidade: um foco se apresenta pela densidade da ordem explícita, um
corpo físico estruturado, que estaria mais próximo daquilo que entendemos
pelos sentidos básicos, diretamente acessíveis; e o outro foco estaria na
materialidade sutil, essa que percebemos por seus efeitos e não por evidências
e comprovações, seria a materialidade de um corpo-vibrátil, como o corpo
performático potencializado pela arte e tecnologia que depende também da
abertura ao transensorial para ser percebido além de sua presença material.
Vibrações e ressonâncias são efeitos compreendidos na passagem
dessa ordem física para outra de materialidade sutil. Ressonância é um
fenômeno produzido quando o estado de um sistema vibra em frequência
própria, ao coincidir na mesma vibração da frequência de estímulos externos.
(DAVIDSON, 1987) A palavra ressonância é originalmente relacionada ao som
por propagação, são ondas que criam padrões análogos nas moléculas do ar.
Uma onda de som gera outro som, ou o som elementar segue o principal,
interpretados pelo aparelho auditivo em diferentes notas e tons. Por assim
ocorrer, ressonância é uma palavra usada, no sentido comum, em referência
às repercussões de um acontecimento. Assim como o efeito prismático de um
raio solar refratado pela chuva no arco-íris ou como duas pedras jogadas em
um rio criando um padrão de cruzamento de ondas, a ressonância pode ocorrer
em vários níveis.
John Davidson (1987) aborda a ressonância pela manifestação de
energias sutis, que estão além de nossa percepção básica: partículas se
movimentam tão depressa que chegam a parecer um sólido total, altas
velocidades de vibração, ou de oscilação, tem a aparência e a propriedade de

142

 
imobilidade. Partículas elétricas parecem estar separadas umas das outras,
mas no nível profundo da realidade este seria apenas um aspecto diferente da
unidade cósmica, pois estariam conectadas de maneira semelhante a um
holograma, manifestado tanto concretamente quanto em um borrão
indecifrável. Esses sólidos aparentes são pacotes de ondas, campos de força
eletromagnética, relações de energias que rotacionam e pendulam em torno de
seu eixo de movimento com qualidades que os físicos chegam a reconhecer
como “estranheza”, “cor” e “encanto”. (DAVIDSON, 1987, p. 155)
Pressupondo que a imaterialidade guarda uma concretude que vibra por
ressonância, a teoria da física descreve como, um ou mais campos físicos,
interagem com a matéria; um corpo material é tido como emissor e receptor de
pulsões vibracionais, a ressoar nos demais corpos. Campos nos quais cada
ínfima partícula e todos os corpos estariam a produzir efeitos por ligações
sensíveis e sutis. Destarte, o corpo seria entendido como informação
estruturada e essa estrutura seria gerada por informação em constante
propagação e ressonância.
A imagem da emissão de ondas e o encontro com outras ondas
estabeleceria um padrão de interferência como campo de cruzamentos, seria
algo próximo a uma malha que preencheria tempo e espaço. Por exemplo o
calor de um dançarino que é percebido pela platéia distante, pela visualidade
do movimento expressado pelo corpo e também pela emoção que tal
expressão pode provocar gerando uma relação calorosa entre o performer e o
espectador, isso pode vir somado aos efeitos técnicos de som e luz cênica, o
performer e o espectador se conectam em calor físico e emocional. Os efeitos
percebidos nos acontecimentos estéticos, parecem de ordem afetiva, de um
campo afetivo de diversas camadas, cada vez mais sutis. É um desafio para a
criação buscar essas zonas de integração. Não sabemos se o corpo orienta o
campo, ou o contrário, e isso não carece de determinação; por enquanto
perseguimos os efeitos de campo, que indicam ser apontamentos de intuições
percebidas no decorrer do processo artístico.
Os campos são observados por seus efeitos em modelos que norteiam
as direções dessa investigação como prática artística. Procuramos entender
como a teoria de campo foi tomada em diversos âmbitos, e como pode ser

143

 
apreciada para a compreensão dos processos criativos quando tomamos as
reflexões sobre fenômenos de ordem oculta. Exploramos situações em que
essas teorias são apreciadas nos processos artísticos aqui investigados. Ao
levar em consideração que mesmo na resistência científica aos estudos
nomeados como pseudocientíficos, essas teorias, não consagradas pela
ciência, fazem uso das teorias científicas, em especial a teoria de campo. Essa
indistinção territorial do conhecimento é tomada com ousadia para os
processos artísticos e como parte do exercício da arte em permear por entre as
disciplinas.

4.2.1 - Estado de atenção “The Lightning Field” (1977) - Walter De Maria

Durante os anos 1960 e início dos 1970, De Maria não estava apenas
envolvido no planejamento e construção de obras de arte de grande escala,
mas realizava desenhos e esculturas minimalistas que foram exibidos em
espaços de galeria convencionais; participou de 'Happenings' e nos primeiros
anos do movimento Fluxus. Ele trabalhou com cinema e fotografia, atuava
como músico de jazz profissional, além de contribuir para o debate crítico da
arte.
Como meios de explorar as interseções da política global e da imagem,
há na abordagem de De Maria uma exploração na investigação de como as
formas se propagam em ambientes físicos e sociais, em temporalidades
embutidas na dimensão espacial. Vemos a produção de um trabalho de arte
que parece contemplar aspectos da atenção à materialidade tanto em sua
manifestação grandiosa e eloquente sobre os movimentos da vida, quanto na
importância da experiência estética para a reflexão sobre essa experiência que
coloca os participantes em contemplação do sutil.
Explorou o conceito de invisibilidade pela geometria abstrata pesquisada
na planaridade dimensional de objetos escultóricos em ordem simétrica, muitos
deles dispostos no solo dos espaços expositivos. Em proximidade com a Terra,
o sujeito ao se colocar frente a suas instalações de esculturas minimalistas
precisaria atuar num percurso corporal voltado para o aterramento planar da
obra, talvez se deitar para melhor perceber. O pressuposto do artista estaria
em estabelecer diálogo de campo entre o objeto estético, o planeta e o fruidor.

144

 
Seu direcionamento para um olhar nivelado com o solo, pode ser detectado na
fotografia de convite de uma de suas exposições, chamada One-man, na qual
o artista aparece deitado entre duas linhas paralelas desenhadas por ele em
espaço aberto.

Figura 48: Imagem de convite para a exposição One-man de De Maria na Dwan Gallery, New
York, abril de 1969.

Tempestades de raios também forneceram uma fonte de inspiração


criativa para o artista, como significante do sublime. Esse fenômeno é tomado
pelo artista Walter De Maria para produzir um estado de atenção no trabalho
The Lightning Field (1970), considerada uma proposição emblemática para a
chamada Landart. Iremos tratar dessa proposta, pois vemos um desejo de
modelagem artística de um tipo de matéria, em carga elétrica, que parece
intencionar a experiência afetiva e implicar na percepção de campos da matéria
sutil. Concluída a instalação em 1977, The Lightning Field, em uma paisagem
semi-árida esparsamente povoada, no planalto remoto de New México, EUA. A
organização dedicada a arte minimalista em Nova York, Dia Art Foundation,
145

 
encomendou a obra e continua sendo responsável pela manutenção e
supervisão das visitas.

Figura 49: DE MARIA, Walter - The Lightning Field - Novo México, 1977.

A instalação consiste de 400 postes de aço dispostos em distâncias


regulares e nivelados na altura, com função de antenas para captação de raios
de tempestade. Como na equação do campo ampliado de Rosalind Krauss, a
paisagem e a ação da natureza assumem a atuação principal na cena, sendo
os raios de plasma em natura, um tipo de matéria selvagem. A princípio, os
raios devem tocar os postes, mas não devem tocar o corpo humano, pois isso,
obviamente, seria fatal. (KRAUSS, 2007)
A situação proposta é restrita ao agendamento de visitantes, o trabalho
exige dos visitantes um contrato temporal de permanência mínima de 24 horas
e o compromisso restritivo de não fotografar sem autorização, para que seja
preservada a condição da obra unicamente pela presença do observador. São
limites impostos pelo artista que acentuam a intenção em direcionar a
apreensão da obra, para com isso estabelecer a relação espaço-temporal de
contemplação, parecendo ir além com suas intenções poéticas; isso aponta
para o desejo em modificar quem entra em contato com sua obra.
O trabalho pode ser caracterizado por sua dramaticidade embrenhada
nas nuances de expectativa provocada pela previsibilidade de que a estrutura
146

 
planejada seja atingida por um raio, dado o título. Há a possibilidade do
visitante assistir ao episódio de que um raio atinja um dos postes, mas
isso também é determinado por condições específicas ou mesmo raras. A
expectativa pela epifania da cena está implicada na experiência. Embora The
Lightning Field não forneça uma narrativa aparente, segundo relatos de
visitantes colhidos pela pesquisadora Janet McCann, o “vazio” físico e
emocional que se apresenta é, no entanto, o que parece ter sido projetado pelo
artista. (McCANN, 2015)
Um relâmpago é uma descarga elétrica devido ao acúmulo de cargas
negativas na atmosfera da Terra e o acúmulo de cargas positivas perto da
superfície da Terra, quando as cargas negativas migram para o fundo da
nuvem, enquanto as cargas positivas vão para ao topo.
A descarga elétrica provoca uma corrente de grande intensidade
que ioniza o ar ao longo do seu percurso e as cargas negativas se agrupam o
suficiente para fluir em direção ao solo que por sua vez tem cargas positivas, a
atração entre as cargas opostas formando um raio, um risco de plasma. O
estado da matéria super aquecido emite radiação eletromagnética, parte da
qual sob a forma de luz no espectro visível. O trovão é a onda acústica
causada pelo calor extremo gerado pelo raio, que ocorre quando o ar se
expande rapidamente e quando sua taxa de expansão excede a velocidade do
som. (FEYNMAN, s/d) Na mitologia grega, o raio seria a arma de Zeus,
enquanto na mitologia nórdica o raio teria sido produzido por Thor quando seu
martelo atingiu uma bigorna. Também algumas estátuas de Buda mostram-no
carregando um raio com flechas nas extremidades.
A Terra é cercada por um campo eletromagnético poderoso que se
forma entre o solo e a parte inferior da ionosfera, cerca de 100km acima de
nós. Esse campo possui uma ressonância mais ou menos constante, são
frequências discretas de poucos hertz, da ordem de 7,83 pulsações por
segundo, o fenômeno é chamado de ressonância Schumann.57 Os relâmpagos
que ocorrem no planeta atuam como a principal fonte destas ondas. Deste

57
O físico alemão Winfried Otto Schumann constatou a ressonância da terra em 1952. Nikola
Tesla havia detectado a ressonância da Terra enquanto estudava uma gigantesca tempestade
de raios e trovões. Mas foi o físico alemão Winfried Otto Schumann, que demonstrou
matematicamente que a Terra é cercada por um imenso campo eletromagnético, que vai do
solo até cerca de 100km acima, um campo pulsa, como se fosse o coração do planeta.
147

 
modo, um aumento da atividade global de relâmpagos também pode ser
monitorado por análise da intensidade da radiação existente no guia de onda
formado pela Terra e a ionosfera, as análises de frequências de ressonância
Schumann servem para bases de previsões meteorológicas. (WILSON, 2013)
Esses registros geológicos da Terra indicam inversões magnéticas que
assinalam mudanças ocorridas no passado que voltam a acontecer, a taxa de
“pulsação” parece estar crescendo, o que indica que o campo de força
geomagnético está declinando. Esse movimento cíclico corrobora com a tese
de que a Terra é um "mundo vivo" e por isso não pode ser entendida
adequadamente em termos da teoria mecanicista. (LOVELOCK, 2006) Neste
sentido o fator de ocorrência de raios na instalação The Lightning Field de
Walter De Maria, poderia servir como um valor de medida para pesquisas
científicas, sendo que essa função não parece ser relevante para o projeto do
artista. O que a sua interpretação teria a acrescentar, estaria na ligação poética
da expressão da pulsão da terra como um organismo vivo e a percepção desse
organismo através da experiência estética.

4.2.2 - Percepção da matéria sutil - Lygia Clark, Stelarc, Moon Ribas e Neil
Harbson

A partir do pensamento de Roy Ascott, de que a arte pode localizar sua


base na triangulação de conectividade, sincretismo e teoria de campo, seguido
pela pesquisadora e artista Lila Moore que também aponta para o retorno ao
espiritual na arte no século XXI, esse contexto engloba preocupações mútuas
da arte, ciência e tecnologia. (MOORE, 2017) É traçada uma trajetória distinta
para o espiritual na arte em um contexto que funde de forma sincrética, a
cultura espiritual e xamânica de tradições e conhecimento, em associação com
o potencial de redimensionar espaço e tempo em função das ferramentas e
dados da ciência e tecnologia emergentes.
A mais antiga prática espiritual da humanidade, o xamanismo é baseado
no respeito à natureza, no amor incondicional e no reconhecimento do sagrado;
este parece ser o caminho desejado por artistas como Walter De Maria, Lygia
Clark, Moon Ribas e Sterlac, que apresentam a preocupação com o corpo em
integração com a materialidade do qual tanto faz parte quanto está inserido.

148

 
Em Walter De Maria e Lygia Clark, os trabalhos são direcionados mais à
participação da experiência que convida o público ao estado de integração,
enquanto no caso de Stelarc, Moon Ribas e Harbson Neil, os artistas
disponibilizam o próprio corpo para associação com tecnologias atuais e como
ciborgues se estabelecem propriamente como modelos experimentais de
integração com o ambiente. O legado dos neoconcretistas brasileiros apresenta
elos com os trabalhos de artistas que vêm fazendo propostas perceptuais,
sensoriais e participativas elaboradas com o uso de novas tecnologias de
vestíveis sensorizados por processos computacionais, com tecnologias para
ampliar, alterar ou reconfigurar as capacidades perceptivas, motoras e
cognitivas dos sujeitos em ação.
Tais elos são identificados por Simone Osthoff (1997)58 que aponta as
semelhanças nas experiências dos capacetes sensoriais de Clark e os
capacetes virtuais de Sterlac, ambos trabalhos produzem sensações reais e
imaginárias e têm a intenção de conectar o corpo com seus espaços externo e
interno, ao utilizarem objetos derivados de proposições relativas ao corpo.
Parece que ao experimentar um dos capacetes virtuais de Sterlac, a pessoa
obtém múltiplas imagens que são alteradas de acordo com os movimentos de
seu próprio corpo. Com o capacete virtual, o espectador deve movimentar o
corpo no espaço físico, para então movimentar as imagens oferecidas no
espaço de realidade virtual. O capacete nº. 3, de Sterlac, impede a visão
frontal, enfatizando a visão periférica, e oferecendo o espaço representado em
imagens sintéticas. Sterlac realizou uma série de seis capacetes diferentes
estruturados para dividir a visão binocular de várias maneiras, em continuidade
na investigação de Stelarc sobre os limites e possibilidades do corpo. Já a
veste de cabeça, ou “máscara sensorial” oferecida por Clark, possui aberturas
que permitem tanto a visão periférica do espaço físico, quanto a visualização
da imagem produzida por lentes especulares que refletem o próprio olho do
experimentador. Isto quer dizer que nas duas propostas, através de diferentes
métodos, há semelhante tentativa de proporcionar ao sujeito a percepção dos
diversos espaços, em um mesmo momento da experiência vivida.A análise a
respeito do trabalho realizado pelos neoconcretistas e de Stelarc, alerta-nos
58
Simone Osthoff é curadora brasileira e crítica de arte, com participação relevante no
desenvolvimento da teoria em arte e tecnologia.
149

 
para que mesmo nos trabalhos com as novas tecnologias ou na precariedade
de recursos, o estímulo que deve persistir, é o de provocar a ação através da
imanência e deste modo induzir ao pensamento criativo. A imanência é, desta
forma, pensada como pertinência do mundo em si mesmo, como experiência
plena de estar englobado no mundo de diferentes intensidades. O presente
momento ao resultar da convergência entre dualidades, potencializa o estado
transpessoal no instante consistentemente e plenamente experienciado.

Figura 50: Máscara Sensorial de Lygia Clark 1967, Imagem do acervo Lygia Clark, e capacete
n.º. 3 de Stelarc, 1968.

A ciborgue ativista, artista contemporânea Moon Ribas (1985)59 nascida


na Espanha, vem experimentando a união entre a tecnologia e seu corpo para
explorar além dos limites da percepção, através de um sensor sísmico em que
recebe informações on-line; por um chip implantado em seus pés, que permite
sua conexão direta com a atividade sísmica da terra, são percebidas em
vibrações transferidas ao seu corpo quando informações de terremotos são
enviadas em tempo real. Para compartilhar sua experiência, ela traduz seu
senso sísmico no palco. Nessas performances, a terra compõe a interpretação
cênica. Na espera por terremotos, Ribas transpõe os sentidos em som, com um
tipo de percussão sísmica e dança ritualística. O senso sísmico de Ribas
também a permite sentir a atividade sísmica na Lua, oferecendo-se como um
exemplo de ciborgue, ela acredita que todos podemos nos tornar astronautas
sensitivos, ao distribuir os sentidos para perceber algo fora do planeta.

59
KESHE, Mehran Tavakoli - Disponível em: < https://www.cyborgarts.com/> Acesso em abril
de 2018.
150

 
Figura 51: Ciborgues: Moon Ribas e Neil HARBSON

Em 2010, Moon Ribas iniciou uma fundação junto com Neil Harbson
(1984) artista ciborgue também espanhol, que utiliza o recurso de tradução de
cores em sons através de sensores implantados. A Cyborg Foundation é uma
organização internacional que visa ajudar as pessoas a se tornarem ciborgues,
defender os direitos dos ciborgues e promover a arte, ao defender a liberdade
de auto-design e oferecer a reconfiguração dos sentidos e percepções.
Os ciborgues estão em constante redimensionamento, promovem uma
certa desordem da cognição na medida que provocam readaptação ao
ambiente natural e tecnológico. “Para nós uma coisa importante é mudar a
percepção e tratar o cérebro como uma escultura”, diz Ribas em depoimento
gravado em vídeo no website onde apresentam a pesquisa. (KESHE, 2018) Em
palestra ela diz sentir os tremores no braço. Vale notar que o dispositivo de
Harbson é aparente, vemos o microfone saindo da parte de trás da cabeça em
direção ao centro dos olhos, enquanto o sensor de Ribas não é visível; em
algumas imagens documentais ela aparece inserindo implantes nos dentes,
com uma placa de dispositivo eletrônico “arduíno” adaptado e preso à cabeça
superficialmente, mas não estão aparentes. Com os dispositivos invisíveis
confiamos em sua narrativa, mas sobra margem para uma emulação de sua
percepção ciborgue; contudo, essa invisibilidade nos dispositivos acoplados ao
corpo, cada vez mais reduzidos, é um caminho previsível da tecnologia.
Durante a performance de Ribas, o público parece compactuar com
certa crença na construção poética apresentada em seu discurso, com ênfase
na invisibilidade dos movimentos do mundo, a partir da compreensão de que
não existe algo completamente estático e que sentir o movimento dos tremores
da terra através de dispositivos a coloca conectada com a natureza. Em uma
151

 
de suas performances seu parceiro ciborgue Neil Harbison anuncia que
acontecerá uma representação musical que Ribas fará sobre os terremotos
ocorridos no México desde 1966 até 2015.60 Ali não há apresentação do que
Ribas sente em tempo real, apenas uma construção teatral de narrativa
programada, em referência aos anos de terremoto, ela exprime maior ênfase
dinâmica na ação corporal ao tocar o instrumento percussivo. Não estamos
desacreditando de sua condição ciborgue, apenas trazendo à atenção que
durante a performance já não importa se é um movimento musical
representativo de atividade sísmica, pois estamos vendo uma ciborgue
atuando, como alguém que percebe algo que não sabemos sentir, ali o campo
poético, ou a aura benjaminiana se realiza. E através dos movimentos de Ribas
somos projetados a imaginar nossa condição ciborgue.
O xamanismo desempenhou um papel fundamental na evolução social
ao longo dos milênios. A sobrevivência humana dependia e ainda depende da
capacidade de integrar inteligência social e inteligência da história natural. A
orientação comunitária da prática xamânica está relacionada à evolução da
sociabilidade. Os rituais xamânicos, por exemplo, envolvem dramatizações de
papéis sociais, a promulgação e resolução de ameaças e conflitos e a
representação da vida social e do ambiente natural. Além disso, as práticas
xamânicas produzem uma variedade de condições que facilitam o acesso aos
modos de consciência integrativos; a fluidez cognitiva permite o conhecimento
abrangente de seres orgânicos e inorgânicos como um único ambiente. O
modelo integrativo xamânico combina inteligências especializadas no sentido
transpessoal produzindo pensamento criativo. (WILBER, 1977; WINKELMAN
2002) Entendemos a relação de similaridade nas condições de ciborgue ao que
Ascott aponta como condição “psiborgue”, como um organismo estendido
psicologicamente, com o aumento acentuado da percepção psíquica.
(ASCOTT, 2002, p. 381) Ao avaliar o papel das artes sendo fundamental nas
descobertas científicas e inovações tecnológicas, Lila Moore (2017) propõe o
exercício de aproximação de conhecimentos ancestrais em técnicas espirituais
e xamânicas arcaicas. Para uma possível conexão em campos noéticos às
performances ritualísticas que exploram a evolução do corpo humano com a
60
Moon Ribas performance, Ted/ México. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=TtX0b3BULRQ&t=48s Acesso em maio de 2017.
152

 
consciência imbricada ao tecnológico, deveríamos considerar aplicações
experienciais de interação sutil que abrangem uma estética integrativa.61
Ao direcionar nossos estudos para as práticas e discursos de orientação
para o futuro e como isso se operará em diferentes esferas, estamos nos
propondo ampliar a compreensão na relação entre seres humanos e máquinas,
como no agenciamento ciborgue e psiborgue, para experimentação em nossa
produção poética. Ao sobrepor o orgânico e o maquínico salta a pergunta:
Como seria possível acessar o canal de compartilhamento entre
subjetividades? Tal imaginário parece ser possível de ser articulado,
conectado, ou comunicado, se, a dimensão da comunicação avançar para a
transcomunicação, ou um tipo de integração de subjetividades pós-humanas.
(SANTAELLA, 2003) Finalmente, em nosso método prático será preciso buscar
abertura para invenção e produção de experiência estética, ao associar o
corpo, à mídia e suas especificidades, na acoplagem de aparelhagem elétrica e
eletrônica para a produção de experiências transensoriais do médium de
percepção. Buscamos acessar um tipo de campo, de compartilhamento de
dimensões poéticas, que nos leve à percepção de materialidades de diversas
ordens, chegando à percepção da matéria sutil, ou ao sutil relativo aos modelos
da noção de médium pesquisadas; acreditamos que assim estaremos fora das
posições habituais e aptos a expandir a noção condicionada de entidades
individuais.

61
O Manifesto de Lila Moore (2015), é uma declaração em vídeo, onde Moore propõe campos
morfogenéticos de compaixão, para a educação e nutrição do indivíduo e do coletivo. Para o
Cybernetic Futures Institute, conhecimento e informação estão conceitualmente inseridos nas
areas de aprendizagem, são percebidos como sendo armazenados nos hólons dos campos
mórficos que se estendem além do cérebro humano e da mente individual. O sujeito em
aprendizado é estimulado a criar, apoiado nas formas de pensamento de arte e tecnologia e
para noções que pretendem transcender à cultura dominante da violência e dar novos
significados e visões. Uma vez que os campos cibernéticos da aprendizagem podem fornecer
um ambiente de aprendizagem participativa com um ritornelo (feedback) perpétuo, nesse
sentido é estimulada a prática da compaixão através do processo de aprendizagem e do fazer,
pensar e sentir as formas de arte produzidas.
153

 
CAPITULO 5 - VIDEONOÉTICA

5.1 - Da tecnoética à videonoética

Através da experiência em vídeo, sob o conhecimento que envolve esse


aparato e para além do aparato tecnológico, parece ser possível reconhecer a
participação em fenômenos com princípios que continuam indecifráveis. O
vídeo em sua história logo deixou de ser unicamente uma mera ferramenta de
registro ou documentação. O vídeo passou a ser colocado como sistema de
expressão, com linguagem e discurso próprios e também se mostra como um
médium da experiência que está além do acontecimento técnico midiático.
O termo vídeo, em arte, abrange o conjunto de fenômenos significantes
que se deixam estruturar na forma simbólica do universo das imagens a
princípio mediadas à distância, televisíveis, atualizadas em espaços e
temporalidades exploradas por proposições criativas.
O encaminhamento da arte na passagem do século XX para o XXI está
dando lugar a outros modos de territorializar a mente. Segundo Roy Ascott, a
cibernética mostrou que o aperfeiçoamento entre sistemas, é dependente de
um campo de interação, por isso, o pensamento de campo é considerado para
modelar a interconexão e a não-localidade, para sintetizar a complexidade de
seus detalhes. (ASCOTT, 2008) Segundo Ascott, para explorar a tecnoética é
preciso resgatar conhecimentos ancestrais, que façam uma revisão de
processos de transformação do sujeito. (ASCOTT, 2003) Ascott encontrou nas
práticas brasileiras dos rituais sincréticos uma possibilidade de rever métodos
da psicologia transpessoal na passagem por espectros da consciência.
(WILBER, 1977) Ao adotar métodos ritualísticos reaprenderíamos a acionar o
fenômeno de campo, no sentido de potencializar a integração da dimensão
corporal (soma), psíquica (psyche) e intelectual (nous) e espiritual (pneuma).
(SIMÃO, 2010)
Afinal, a realidade sincrética emerge da cultura de intensa
154

 
interconectividade e tem como base de coerência às noções de campo
quântico e morfogenético, na prática da espiritualidade como conexão de nossa
consciência multinível por abertura à percepção transensorial. Por restabelecer
as conexões que deixamos de perceber entre mente e matéria, e aplicá-las
com as possibilidades midiáticas por cibercepções, assim haveria a
possibilidade de maior compreensão de questões ecológicas, sociais e
espirituais. Ascott (2003) estabelece algumas premissas para a exploração
dessa epistemologia na qual ele denominou tecnoética:
• A Tecnoética envolve práticas humanas e seu processo no
que se refere à tecnologia que está se tornando parte da
sociedade, das áreas culturais, morais e políticas da vida;
• A Tecnoética associa tecnologia à sociedade e, portanto,
enfatiza o uso ético da tecnologia para o melhoramento da
sociedade;
• A Tecnoética recupera valores como cooperação,
equidade, exploração, ambição, conforto entre muitos
outros que lhes confere um fardo social e político inerente;
• A Tecnoética refere-se à prática e aos procedimentos nos
quais os seres humanos estão associados aos aspectos
sociais, morais e políticos da vida;
• A Tecnoética se dá na exploração inventiva, imaginativa,
ficcional e artística;
• A Tecnoética não nega a superficialidade semântica de
sinais legíveis e seus referentes, a partir da observação de
fenômenos do pensamento. (ASCOTT, 2003, p. 357-363)

Ao rever as possibilidades da tecnoética de Roy Ascott buscamos


abordar um tipo de linguagem que nos aproxima, e convoca o que viemos a
denominar videonoética, como o desenvolvimento de um potencial do
conhecimento, através da experiência com o vídeo e para além do vídeo, que
nos permita expandir a consciência para espectros transpessoais, ou seja, de
compartilhamento de dimensões poéticas que desafiem a condição de
entidades individuais.
Nessa pesquisa adotamos a atenção ao fenômeno de campo na
experiência estética voltada para uma videonoética. Há crescente demanda de
estudo das dimensões técnicas e coletivas da cognição. Tal necessidade é
apontada por Pierre Levy, para preparar uma ecologia cognitiva, como um
campo unificado, que atravessa a fronteira entre sujeitos e objetos. (LEVY,
1999) Pelo princípio da multiplicidade conectada, um meio tecno-ecológico é
reconhecido nas ressonâncias que perpassam por sistemas biológicos por

155

 
corpos, mas também por redes técnicas de armazenamento, transformação,
transmissão de informações em vídeo e computacionais.
Uma pergunta nesse processo está em como as “tecnologias da
inteligência” implicam em redefinir a espacialidade e temporalidade do
pensamento intuitivo. (LEVY, 1999) Segundo Levy, ainda seria necessário
procurar atender à demanda em ampliar, à coletividade cognitiva em
conectividade, às outras técnicas, e mesmo, a outros elementos do universo
físico. (Idem, 1999) Caberia perguntar, qual seria a relação entre pensamento
intuitivo e a tecnologia na determinação de novas poéticas da cognição.
Haveria uma consciência própria da vivência com vídeo inserido em relações
espaço/temporais específicas ao meio? O sujeito desse sistema seria
observador e objeto observado, por potencialmente também participar da zona
de influência em questão?
Buscamos estabelecer o que poderia se enquadrar nas experiências
atreladas ao desenvolvimento do vídeo, que apresentem possibilidades
estéticas frente aos fenômenos transensoriais. Voltamo-nos aos fenômenos de
proposições artísticas que relacionam as tecnologias do vídeo e outras que
reunidas compõem sistemas mediadores para manifestações entre o material e
o sutil. Ao considerar que o conhecimento pela arte permite um saber iniciático
dado pela sinergia da razão e dos sentidos, que ao mesmo tempo é capaz de
revelar e ocultar algo entre o intelecto e o afecto, na compreensão que toma
por base os campos integrativos de Nóbrega (2009) e a Tecnoética de Roy
Ascott (1999, 2003, 2008), procuramos com a videonoética, viabilizar o
aprendizado também por zonas afetivas, entre o que se apresenta como
experiência que abarque a tríade médium, mídia e mater.
Ao retomar processos de ritualização, poderíamos compreender melhor
as interconexões por atividades equivalentes à transferência de pensamento
que permitem transformações de nossas identidades pessoais. Se o exercício
próprio da tecnoética pode promover a transcendência da limitação dos corpos
físicos da ordem explícita, possibilitando experiências de atenção à matéria
mínima sensível da ordem implícita, por consequência, a qualidade
transensorial nos colocaria em interconectividade para viver o despertar da
experiência mente e corpo.

156

 
A “cibercepção” apresentada por Roy Ascott (2003, p. 321) seria a
convergência de processos conceituais e perceptivos que se estabelecem pela
conectividade da rede telemática. As mídias se tornam holomáticas, pois se
tem acesso a todos os pontos a qualquer tempo, o que facilita ações
comunicativas de participação e colaboração em conectividade ampla. Através
das mídias facilitadoras do ciberespaço, somos manifestações de presença
virtualizada. Transcendendo nossos corpos abrem-se caminhos para a
compreensão das relações por outras ordens de aproximação e contato. A
cibercepção ampliaria a percepção dos sentidos transensoriais, induziria à ao
comportamento de uma arte de experiência transpessoal.
(...) estamos impacientes com modos únicos de operação no espaço
de dados. Buscamos síntese de imagem, som, texto. Desejamos
incorporar movimentos humanos e artificiais, dinâmicas ambientais e
transformações ambientais em conjunto. Buscamos, uma soma que
em alemão poderia ser denominado, Gesamtdatenwerk, ou "trabalho
integrado de dados", ecoando o Gesamtkunstwerk, ou "obra de arte
total", concebida por Richard Wagner. Considerando que o
Gesamtkunstwerk de Wagner foi realizado em uma ópera, no entanto,
o site do Gesamtdatenwerk deve ser o planeta como um todo, seu
espaço de dados, sua noosfera eletrônica. A duração do trabalho
será, obviamente, indeterminada, uma vez que este deve ser um
trabalho de fluxo em fluxo, permitindo uma infinidade de interações,
insumos e saídas, colaborações e conjunções entre seus muitos
participantes. Uma vez que a reciprocidade e a interação são
essenciais, esse trabalho não diferencia "artista" do "espectador",
produtor e consumidor. Para participar dessa rede deve-se estar
sempre envolvido na criação de significado e experiência. Estamos
muito longe do Gesamtdatenwerk. (ASCOTT, 2003, p. 227)

Se o exercício da teatralidade trouxer a ritualização como um poder de


evocar a imagem em sua corporificação, assim estaria envolvido um sentido
tecnoético de que trata Ascott. (1999) Com o público na intimidade em rede,
tornado produtor e emissor faz-se possível conduzir as dobras espaciais
temporais e subjetivas da imaginação. Para o teórico da mídia e historiador de
arte alemão, Oliver Grau (1965 -), o que pode apontar para o cinema em
expansão, dar-se-ia pela predisposição de estender o pensamento em imagens
mentais, traduzidas pela experiência estética de exacerbação dos sentidos.
(GRAU, 2007)
Segundo Ascott, os códigos e protocolos de acesso aos computadores
encontram equivalência nos rituais e procedimentos das cerimônias sagradas
das antigas culturas tradicionais, são outras ferramentas como a tecnologia
vegetal, como da planta psico-integradora (a salvia divinorum ou a liana
157

 
xamânica), que proporciona a seus usuários um acesso espiritual. “Ayahuasca
(banisteriopsis caapi), chamada a videira da alma é usada em inúmeras
comunidades no Brasil e na Colômbia, são conhecidas como mestres,
transmitindo sabedoria como avatares espirituais.” (ASCOTT, 2005, p. 6)
Segundo Ascott, é preciso “fazer uso de tecnologias que nos permitem
transformar a nós mesmos, transferir nossos pensamentos e transcender as
limitações de nossos corpos, pois isso nos dá uma visão da interconexão de
todas as coisas". (ASCOTT, 2003, p. 321) Ascott nos mostra que o acesso às
tecnologias, ao permitir a transformação nos modos de comunicar,
compartilhar, colaborar e transferir pensamentos, estimulam comportamentos
que carregam semelhança com as tecnologias xamânicas.
Levando esse sentido ritualístico da performance para o vídeo, como
ação da imagem expandida, seria como trazer a potência de vida das imagens
e fazê-las pensar. A performance tem carga maior de proximidade à vida, mas
a experiência da imagem em movimento parece trabalhar entre os limites do
real e o ficcional, nossa reflexão se volta para a indefinição de real da
performance em ações de indeterminação. Em suas temporalidades
primordiais específicas, o cinema traria a imagem pretérita, o teatro se daria em
tempo presente; nesse sentido inicial, a performance teria especificamente uma
fina diferença entre o que se conceitua como real (em corpo presente de ações
efêmeras) e o ficcional do teatro com temporalidade previsível.
O tempo de emissão de uma imagem de vídeo “ao vivo” (live), deve ser
considerado um tempo de emissão processual; por esse princípio o termo live
cinema foi usado originalmente na época do cinema mudo, quando música e
dublagem aconteciam ao vivo no momento da exibição do filme.62 Essas

62
O vídeo, assim como a performance, instaura temporalidades e espacialidades específicas e
de alguma maneira atravessadas por suas qualidades materiais distintas. O vídeo tem o tempo
como uma qualidade principal, isso pode ser observado pelas estruturas apresentadas em
programas (softwares) dedicados à produção e edição de imagem em movimento. Os
programas de edição de vídeo, como Adobe Premier, Final CUT, oferecem uma linha de tempo
gráfica, espacial, como base para montagem, na edição são estabelecidas marcas com
começo, meio e fim e as variações dessas estratégias de dobras e cortes temporais são
orientadoras do interesse em articular a imagem em movimento. Por uma estratégia de corte
que permite juntar o fim e o começo sem quebra rítmica, o tempo se deforma através das
operações de visibilidade. O retorno ao início sem quebras, o loop, por junção de no mínimo
duas imagens, entre dois pontos estabelece uma distância temporal a percorrer. Programas de
edição de vídeo e cinema apresentam um processo de organização sequencial que transcorre
de um ponto inicial para um final. Já programas de construção de linguagem interativas têm a
possibilidade de mudança de movimento ou troca de cena, dada por uma interface própria da
158

 
experiências em tempo real com imagem projetada ou transmitida retornaram
nos anos 1980-1990, aprimoradas por técnicas eletrônicas do audiovisual, e
posteriormente digitais com as interconexões em rede e transmissão de vídeo
disseminada, em processo edição e efeitos de pós-produção com a junção de
som e imagem. O conceito de cinema expandido apresentado em 1970, pelo
teórico da arte midiática Gene Youngblood, mostra que qualquer divisão
conceitual existente entre meios não foi construída, mas orquestrada como
oposições harmoniosas numa experiência sensorial maior.

(…) não é uma peça ou um filme; e ao mesmo tempo tem elementos


dos dois [...] a experiência fílmica não é necessariamente uma
projeção de luz e sombras numa tela no final da sala, nem uma
experiência teatral contendo um proscênio ou dependente de atores
atuando para uma audiência. (YOUNGBLOOD, 1970, p. 365)

O artista pesquisador brasileiro André Parente (1957) ao tratar da


experimentação no cinema, chama de “cinema-matéria” o tipo de produção
interessada em alcançar o limiar da percepção pela ação, um “cinema que
merece ser qualificado de não-narrativo” no qual a montagem é agenciadora
de uma desordem que se reorganiza entre frames, com imagens de síntese,
abstratos, cheios de vibrações; assim entende-se por cinema-matéria como
“um cinema anterior aos corpos, obstáculos ou reações. Qualquer corpo pode
se ligar a qualquer outro, sem limite espaço temporal”. (PARENTE, 2000)
Nos anos 1980, no Brasil, havia um movimento no qual o artista Mario
Ramiro foi participante ativo, quando explorava-se a expressão
telecomunicativa. Um dos trabalhos de Ramiro apresentava a recepção

hipermídia, ou seja opera por cortes de um tipo de temporalidade de rede definida por escolhas
e direcionamentos cruzados, passam de um ponto a outro na malha de programação, saltam
por hiperlinks esses nós de ligações, que formam a base do conceito conectivo com um âmbito
maior na rede mundial de computadores interligados. A prática de performance como VJ toma
a temporalidade hibrida por lidar com materiais do momento vivido, permite alterações em fluxo
através dos programas computacionais, misturando imagens pré-produzidas e editadas ao
vivo. Nos programas utilizados mais comumente por VJs, como: Archaos; Isadora; Resolume e
Modul8, cada qual apresenta sua especificidade e interface própria, mas nenhum destes terá
um ícone gráfico na interface para determinar um padrão temporal, como uma rede, ou linha de
tempo ou pontos, pois a programação intencionada a princípio é de envio imediato de imagem
em coordenação ao que deve ser projetado ao vivo. O que vai ser relevante é o instante do
filme que está sendo exibido e a possibilidade de alteração do resultado a cada instante de
exibição. Na modalidade de performances denominada Live coding, a codificação é realizada
ao vivo. Programas como o Processing, o Max, o Puredat, o Isadora, permitem que os
algoritmos sejam modificados de forma autônoma, o cálculo é inicialmente dado pelo
programa, mas pode receber interferências do programador, durante a performance em tempo
real.
159

 
simultânea e sincrônica de um objeto, utilizando um sistema eletrônico
conectado por linhas telefônicas, enviava sinais do objeto referente
representando-o em diferentes terminais como rádios, alto-falantes, televisores
e videotexto. (RAMIRO, 1998)

Figura 52: RAMIRO, Mario (1986) Altamira, Instalação performática, Museu de Arte
Contemporânea USP.

Mario Ramiro também fez uso experimental de um sistema da época,


chamado Slow Scan TV, capaz de transmitir e receber imagens de vídeo por
linha telefônica (princípio similar do que veio a ser a rede de interconexão por
computadores). Com esse sistema junto aos artistas de São Paulo e do Center
Advanced Visual Studies - MIT, nos EUA, Ramiro apresentou uma instalação
performática transmitindo a dança da bailarina Lali Krotoszynski, intitulada
“Altamira” em referência à caverna com pinturas rupestres na Espanha.
(RAMIRO, 2008, p. 138)
Vemos no trabalho de Ramiro o que a reflexão de Arlindo Machado traz
sobre a imagem eletrônica não ser mais, unicamente, uma inscrição no espaço
do tubo catódico televisivo, mas a síntese temporal de um conjunto de formas
em mutação. (MACHADO, 1996) Manifestações do vídeo ao vivo foram
realizadas por artistas como Carol Gross, nos anos 90 com seu grupo Live Blue
Light; intencionavam o alcance de ópera total, com o princípio de
Gesantkunstwerk do compositor Wagner. A artista brasileira, Bia Medeiros,
coordenadora do Grupo Corpos Informáticos (GPCI). Da Universidade de
Brasília (UnB, Brasília), ainda em atividade, desde os anos 1980 promove a
relação do corpo com as tecnologias para a produção de conceitos.

160

 
Figura 53: GPCI - Performance em telepresença, imagem contendo nossos olhos, retirada de
vídeo do GPCI – (2003). Disponível em: <https://vimeo.com/7394521 > Acesso março de 2018.

Medeiros valoriza a co-autoria em grupo e explora as qualidades da


internet como espaço público para projeção e desdobramento do corpo.
(MEDEIROS, 2000) E como estamos vivenciando um tipo de temporalidade
atravessada pelas mídias, que em alguns momentos apresenta uma coerência,
mas em outro é desestabilizada, relembramos os estudos empíricos que
participamos como parte do Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos.
Experimentos realizados na relação corpo/tecnologia que carregavam um
enfoque dado à experimentação de performances em telepresença com o uso
de programas de videoconferência em múltiplas telas, com a participação do
público no processo criativo.

A performance, em geral, se dá no vivo, em tempo real. Com a


tecnologia do vídeo esboçou-se a possibilidade dela dar-se, apenas,
ao vivo, mediada. Pensamos em Vito Acconci, entre outros. Na vídeo-
performance, o espectador (spectatore) não pode tornar-se co-autor,
nem parte da obra. Aqui ele é levado ao desejo frustrado de
presença, aqui ele é reduzido a ser, com todas as implicações
psicanalíticas deste persona. A tecnologia de tele-conferência,
softwares que transmitem em "tempo real", principalmente, imagem e
texto, permitem uma maior participação do público. Aí todos são
criadores e, ao mesmo tempo, voyeurs: artista, artistas, e indivíduos
isolados ligados à rede.” (GPCI,2002)

Com formação em artes plásticas, o cineasta britânico Peter Greenaway


foi montador antes de ser documentarista, passando também pelo cinema
experimental com filmes em película, curtas e longas. Greenway cria um
universo cinematográfico colecionista, com uma lógica poética preocupada com

161

 
um tipo de catalogação, coloca-se como um arquivista do mundo.
Em sua ópera “100 objetos para representar a Terra" que foi
apresentada no Brasil (1998). Uma memória é construída em palco montado
especialmente para compor o cenário, cercado por três telas e mais uma
translúcida fechando o quadrado cênico, contendo uma variedade de objetos
que são apresentados por três atores que listam a coleção de 100.
Greenway propõe um outro formato de cinema além da multiplicação
das telas. A posição autoral de Greenway se impõe ao assumir os comandos
da edição de um tipo de cinema ao vivo. Em seu projeto chamado “Tulse Luper
Suitcases”, também apresentado no Brasil, Greenway se coloca em cena ao
lado das telas e opera um grande visor sensível ao toque, performa ao
organizar arquivos como um VJ, em frente à plateia rearranja o andamento das
cenas. Seu posicionamento entre o público e as telas, impõe seu corpo
presente como controlador da memória assistida, também remonta uma
postura litúrgica, como um padre intermediador da palavra, neste caso de
cenas.

Figura 54: Peter Greenway – Tulse Luper, Vj Performance - Teatro Casa Grande Rio de
Janeiro- Festival Multiplicidade (2008).

A importância gestual do Vídeo Jockey - VJ em se apresentar ao


projetar imagens, em geral sem encenar personagens, tem sido modificada
incluindo atitude de performance. Os VJs, reivindicam um lugar de maior
notoriedade, assim como os Disck Jockeys - DJs passaram a ter em relação
aos músicos instrumentistas, não unicamente em função de reconhecimento,
162

 
mas para a maior extensão da própria prática da imagem-gesto. Uma das
estratégias de operação cênica por quem opera o vídeo é dada pela ativação
da presença corporal e ritualística e isso tem influenciado as poéticas
apresentadas carregando-as de conteúdos místicos. Esses artistas parecem ter
em comum o uso de tecnologias em operações fenomenológicas e valem-se de
discursos esotéricos, mas também atendem à pesquisa de aspectos científicos
e psicológicos sobre o alcance da imagem, com chamadas para um tipo de
visualização do pensamento sob abordagem subjetiva em sentidos expandidos.
São experiências que lidam com a operação de dispositivos que facilitem a
transposição de distâncias. Não havendo mais separação entre o editado
processado e o tempo ao vivo; assim passado, presente e futuro aparecem
imbricados no sentido de tempo em fluxo. O tempo mediado é, nesse sentido,
performado em estado híbrido de vivência orgânica e maquínica.
Destarte, em nossa experimentação por pretendermos ampliar o
médium de percepção, apresentamos um sistema que inclui o vídeo e outros
dispositivos como mídia promovendo o corpo híbrido, condição que parece
facilitar a observação de efeitos de ressonância e vibrações da materialidade
em suas diversas intensidades. Ao adotarmos a atenção aos fenômenos de
campo na experiência estética, propomos que essa experiência voltada para a
videonoética componha um campo integrativo (NÓBREGA, 2009), que seja
estabelecido aqui entre os componentes médium, mídia e mater. Sobre a
condução dos termos da videonoética, entendemos ser preciso aprofundar na
pesquisa do plasma como um elo entre o material e o sutil que poderia
potencializar os direcionamentos da prática de nossa pesquisa. Nesse sentido
entendemos nosso campo integrativo composto por: aquele que pretende
avançar em dimensões intersubjetivas, ou seja, o artista em performance, em
ação para alcançar um estado de alteridade de si mesmo, facilitado pelo
aparato de vídeo/plasma na produção de luz e som, como um canal de
compartilhamento com o público, em experimentação de percepções da
materialidade sutil. Acreditamos que a composição desse sistema possa nos
dar abertura necessária para a experiência estética transensorial na arte; para
nos aproximarmos da presença compartilhada entre o observador e observado.

163

 
PARTE III - EXPERIÊNCIAS NA VIDEONOÉTICA

CAPITULO 6 - Experiências na videonoética

6.1 - Plasma na ciência em interação com a arte.

Em nossa pesquisa, os estudos de fenômenos envolvidos no vídeo e


possibilidades de operações ao vivo, nos levaram à observação do plasma
como fenômeno físico associado aos sistemas do vídeo. Após realizados
alguns experimentos telepáticos, havia indícios de que o plasma poderia
informar nossas experiências em outros aspectos, podendo servir como eixo
teórico-poético em nossa pesquisa.

Figura 55: Lâmpada acesa por proximidade ao plasma emitido pelo globo (ACERVO
PESSOAL, 2015).

No início dessa pesquisa, em visitas a laboratórios, um acidente estético


aconteceu no encontro com o plasma de maneira quase espetacular no
laboratório no qual tivemos uma aula básica sobre o plasma com o professor
Paulo Emílio Valadão no LAB-H2 – UFRJ. O arrebatamento inicial pela estética
164

 
laboratorial e a luminosidade do plasma naquele momento permitiu um insight
que orientou a observação dos acontecimentos subsequentes para nosso eixo
teórico-poético. A partir desse episódio, o plasma se mostrou poder ser um
intercessor para a ligação entre os diferentes campos de conhecimento que
deram base para esse percurso investigativo. Com isso chegamos ao
conhecimento do cientista sérvio Nikola Tesla e sua invenção patenteada por
volta de 1890 como “bobina de Tesla”, experimento com o qual entendemos o
plasma como um fenômeno que possibilitaria a experiência da matéria em suas
diversas densidades e intensidades.
A bobina funciona como um transformador ressonante capaz de gerar
alta tensão elétrica e um campo eletromagnético ao seu redor. Passamos a nos
interessar em utilizar a relação do corpo com objetos inseridos nesse espaço
de campo eletromagnético, ionizado pelo plasma ativo.

Figura 56: Plasma no LAB H2- COPPE / UFRJ- instrumento construído sob coordenação do
Professor Paulo Emílio Valadão (ACERVO PESSOAL, 2015).

Para além do desenvolvimento de técnicas de vídeo, a investida


na pesquisa sobre o plasma, indicava que poderiam ser encontradas outras
maneiras de operar as questões da imagem, por seus efeitos como um estado
de alteração da matéria. O plasma é o quarto estado da matéria, é gás
superaquecido, que possui alta densidade de elétrons e de íons positivos
(átomos que têm carga positiva). Por exemplo, como gás superaquecido na
condução de carga elétrica razoavelmente forte, provoca uma avalanche capaz
de configurar uma descarga, como o que é visto em relâmpagos. O plasma por
165

 
ser o estado da matéria que se apresenta em diferentes intensidades e
densidades, mostrava-nos ser possível, a partir de sua experimentação,
acessarmos o imaginário que permite a ênfase na ação poética de integração
entre o material e o sutil. O que encadeou uma série de investigações
contundentes que reafirmam a poética da luz tangível, algo que nos
interessava em especulações de obras de artistas que tínhamos como
referência, como vimos no capítulo 3.
O plasma pode ser considerado por características quânticas de
alternância entre estados físico e não físico. Em suas diferentes densidades
chega a se apresentar como um tipo de luz manipulável, e até moldável. A
bobina de Tesla produz uma descarga de raios, como pequenos arbustos
elétricos, um tipo de luz elétrica que pode ser tocada, com características da
natureza selvagem. Estes raios de plasma mantém a ordem de ir em direção à
terra; assim pequenos gestos são causadores de interferências e podem
restabelecer suas rotas de aterramento. Quando acionada, a bobina ativa um
campo eletromagnético a seu redor. Simbolicamente, o plasma se apresentaria
como campo ressonante com qualidades holográficas, pois seu efeito
repercutiria entre todos os objetos e atores do sistema.

6.1.2 - O plasma holográfico

Figura 57: Experimento dessa pesquisa para performance com bobina de Tesla, 2016.

A fisicalidade presente nos meios de produção de imagem televisivas,


computadorizadas, digitalizadas e holográficas modificam as formas
tradicionais de imagem, por “princípios energéticos e vitais”. (PLAZA, 1993, p.
75) O plasma holográfico manipulável está em desenvolvimento atualmente no
166

 
Japão, por pesquisadores do grupo Digital Nature Group - DNG, coordenado
por Yoichi Ochiai, da Universidade de Tsukuba. Lá, os cientistas têm usado
lasers ultrarrápidos para gerar hologramas em 3D. Isso indica caminhos
tecnológicos e criativos para um futuro breve da imagem tangível.
A relação holográfica parece estar presente no plasma; quando o laser
focaliza a energia ionizada no ar ocorre um tipo de holografia. O contato com o
dedo no plasma, produz uma sensação de tocar um grão de areia, ou sentir
como pequenos choques de energia estática passar pelo corpo. Os cientistas
já conseguiram amenizar o efeito de queimaduras na pele ao toque do plasma,
no entanto, continua sendo muito perigoso se entrar em contato com a retina,
restringindo as possibilidades de uso sob esse risco.

Figura 58: Digital Nature Group- DNG, coordenado por Yoichi Ochiai, da Universidade de
Tsukuba, 2016.

A maior parte do espectro eletromagnético é invisível ao olho humano,

167

 
como a luz ultravioleta. Parte dos efeitos do plasma são ultravioleta e não
formam imagem para nossos olhos. A partir do estudo da ionização por um
arco elétrico do fluoreto de urânio, David Bohm, um dos pioneiros da física
quântica, começou a pesquisa com ênfase no plasma; mas quando o
relacionamento dos modos, individual e coletivo, das partículas do plasma
remeteria a um todo orgânico, isso colocaria o problema da relação entre o
todo e suas partes. Foi pesquisando o plasma, em 1947, trabalhando no
Brasil63, que David Bohm entendeu que os elétrons pareciam se comportar
como se fossem parte de um todo maior interligado, embora seus movimentos
fossem individuais. Por vezes, o plasma aparecia com um grande número de
elétrons capazes de produzir efeitos surpreendentes, quando bem organizados
agiam curiosamente com características das coisas vivas. Como se fosse um
organismo biológico, o plasma se regenerava constantemente e incorporava
todas as impurezas numa parede protetora, podendo envolver uma substância
estranha num cisto, a exemplo de algumas criaturas amebídeas. Bohm tinha
impressão de que o mar de elétrons estaria “vivo”, e chamou de "plasmons” tal
movimento coletivo na interconexão de elétrons. Segundo Bohm: “a
capacidade da forma ser ativa é o aspecto mais característico da mente, e
temos algo semelhante à mente no elétron.” (TALBOT, 1996, p. 50)
Para Bohm, o comportamento do plasma não deveria ser entendido sob
o ponto de vista mecanicista, foi quando os problemas científicos acabaram por
gerar implicações filosóficas em sua obra, essa observação desencadeou a
formulação de um modelo holonômico em sua teoria da ciência. (FREIRE, Jr.
1994) (visto na parte 1 desse texto) Ao acreditar na consciência como uma
forma mais sutil de matéria, Bohm apresentou como parte de seu pensamento
na física quântica, a observação do que é percebido em nosso nível por uma
ordem explícita de realidade, haveria além uma base ao fundo, a qual
denominou como ordem implícita ou implicada (implicate order). (BOHM, 1998)

63
Em maio de 1949, sob repressão política, David Bohm foi convocado pelo comitê de
investigação de atividades anti-americanas, para testemunhar contra o físico Oppenheimer,
depois de ter recusado, ainda que com base em seus direitos constitucionais, foi acusado e
preso. Em 1951, ao ser absolvido, recusou-se a renovar contrato como professor na
Universidade de Princeton, apesar dos pedidos de colegas, entre eles Einstein. Bohm mudou-
se então para o Brasil, onde ocupou uma cátedra em Física na Universidade de São Paulo.
(FREIRE, PESSOA, BROMBERG, 2011, p. 124)

168

 
A ordem implícita poderia ser pensada como um terreno além do tempo,
uma totalidade, da qual cada momento seria projetado na ordem explicada ou
explícita. Se trataria de uma ordem em que duas partículas tem uma ligação de
dependência mútua anterior ao espaço/tempo. Esta outra ordem seria onde
todas as informações estariam continuamente armazenadas e super
posicionadas dentro de um domínio não-local, sem espaço, atemporal e
transcendente, presente nos diversos graus de encobrimento e descobrimento
em toda matéria. No enfoque científico, o plasma estudado por David Bohm,
abordaria um universo de totalidade indivisível, como o da “ordem implicada”.
(BOHM, 1998)
Segundo Bohm, o plasma holográfico se apresentava como o fenômeno
chave para o conhecimento dos aspectos de não-localidade, que pelo enfoque
da física quântica, permitiria um tipo de acesso aos aspectos holográficos
constitutivos da percepção e da memória. Segundo a descrição nesse conceito
as coordenadas cartesianas espaço/tempo perderiam sua ênfase, sendo
preteridas em relação ao holomovimento: uma totalidade ininterrupta e indivisa
da ordem implicada com a explícita. (BOHM 1998) No modelo holonômico de
David Bohm elaborado junto ao neurocientísta Karl Pribam, a consciência seria
primária dentro de uma ordem implícita, em contraste com a cognição racional
que seria uma derivada da ordem explicita, ou explicada (espaço/tempo). (Op
Cit, 1996, p. 189-197). Se alcançarmos o entendimento de que a vida e a
inteligência estão presentes, não só em toda matéria, mas na energia,
espaço/tempo, na estrutura do universo inteiro, assim definido como um
“holomovimento”; então o fluxo de toda parte de um holograma estaria contido
na imagem do todo, como fenômeno de campo, as possibilidades de telepatia
se dariam por operações nessa ordem implícita. Por esta lógica poderíamos
compreender que a matéria animada e inanimada estaria inseparavelmente
entrelaçada na vida, presente nos diversos graus de encobrimento e
descobrimento de toda matéria e consciência.
A Eletroperformance (1983) do artista paulista Guto Lacaz (1948 - )64 foi
conceitualmente direcionada para a reflexão sobre o conteúdo histórico da
física e nos serve de referência pela articulação do corpo na presença dos
64
Disponível em:<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8802/guto-lacaz> Acesso em
janeiro de 2017.
169

 
objetos eletro/eletrônicos, ao dispor ao público traquitanas, inclusive uma
bobina de Tesla.
A formação de Lacaz em eletrônica industrial e arquitetura certamente
contribuiu para explorar a relação do sujeito com os objetos e espaços ao seu
redor com ênfase na construção de subjetividades poéticas. A obra de Lacaz
oferece situações operacionais para os objetos fora do seu uso comum,
explorando as possibilidades tecnológicas da arte, provocando reflexões
críticas para o público sobre o mito do progresso tecnocientífico.

Figura 59: LACAZ, Guto - em cena de Eletroperformance, São Paulo (1984).

A demonstração dos objetos por Lacaz foi classificada por Renato como
um tipo de “cenotecnia eletrônica” (COHEN, 2002, p. 83). Durante a
apresentação de Eletroperformance, a presença de Lacaz e de sua parceira a
atriz Cristina Mutarelli alternava entre a atuação simples e a não atuação,
buscando um resgate ao humor nas artes. Ao articular diversos aparelhos, a
condução de Lacaz confere um tom científico acadêmico, ao oscilar entre a
atividade de instruir e ironizar as possibilidades de uso dos objetos. Em
performance, um letreiro digital exibe em movimento sequencial, nomes de
cientistas da história da física, como uma homenagem ou uma evocação
dessas entidades. (COHEN, 2002)
Como nas performances surrealistas e patafísicas, Lacaz utiliza um
humor irônico, um gesto duchampiano, na inversão da ordem programada dos
objetos, ao fomentar a dúvida e direcionar a outros modos de relação do
público, até mesmo ao campo da magia. Ao fazer flutuar bolas de ping-pong
170

 
sopradas por aspiradores de pó, a magia instaurada é a de um fenômeno
possível de comprovação, com a visualização de campo de forças materiais
que atuam sobre o objeto, ainda que sem a conexão direta visível. Sabemos
que o ar está ali, mas oscilamos na crença mágica de que as bolas flutuam. Já
não é mais uma questão de compreensão da ordem gravitacional. Rimos de
nós mesmos, pois a possibilidade de que haja ali levitação mágica nos é
oferecida e ao mesmo tempo deflagrada como truque.

Figura 60: LACAZ, Guto - Diferentes performances, apresentadas em exposição retrospectiva,


65
Pinacoteca, São Paulo (2016).

É possível fazer um paralelo da teoria de campo às proposições


performáticas quando parecem estabelecer um campo afetivo entre o artista e
o público participante e o observador. Essa relação de influência nos
acontecimentos nos interessa investigar, por vermos semelhanças dos
fenômenos de campo aos fenômenos próprios da experiência estética.
Em contexto científico/artístico, quando entendemos que a metáfora do
plasma nos dá acesso imaginativo a outros níveis de percepção transensorial,
passamos a buscar métodos de potencializar o campo afetivo e integrativo em
nossas proposições práticas, tendo o plasma como um eixo poético. A
visualização da ação do campo eletromagnético quando ativado em cena,
promove a relação de similaridade com outros fenômenos naturais e também
fenômenos não comprovados de ação à distância. Em nossa performance com
o plasma, ao acionar campos de vibrações eletromagnéticas com destaque
visível e tangível, isso nos facilita oferecer reflexão sobre a possível alteração

65
Eletro esfero espaço (1986) apresentada em exposição retrospectiva de Guto Lacaz ,
Pinacoteca, São Paulo (2016); Lacaz e o assistente Javier Judas pesquisas patafísicas com
pistola de ar; Guto Lacaz e bastão de neon cena de Eletroperformance, São Paulo (1984).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?time_continue=323&v=3WYsSAp_DGU>
Acesso em: novembro de 2017.
171

 
do corpo e da mente por campos de interferências e ressonâncias. Em nossa
abordagem sobre o plasma pretendemos promover a analogia a fenômenos de
campo: campos eletromagnéticos dos dispositivos em relação aos campos
biofísicos, como reverberações que envolvem o processo do pensar e até
mesmo o compartilhamento de pensamentos num campo sutil, a telepatia; por
conseguinte, vemos proximidade com o fenômeno afetivo em cena, entre o
artista e o público.

Figura 61: Ensaio fotográfico - Em busca de Cecília Spell, pela fotógrafa Athena Azevedo.
(ACERVO DA PESQUISA, 2016).

O compartilhar de pensamentos ou a comunicação e co-dependência


dos acontecimentos por acesso a campos sutis, aparece no exemplo de
fabulação e especulação científica sobre a comunicação entre as borboletas
por detecção de sinais entre elas. A alegoria da borboleta serve à teoria do
caos, como o efeito simétrico de acontecimentos facilitados por um sistema
dinâmico que informa agentes envolvidos, presentes ou à distância. Além de
provocar a revisão do conceito de tempo na física dado por sistemas dinâmicos
instáveis, ou por um campo integrativo não-linear, causando ação e reação
encadeada. (PRIGOGINE, 2002)
172

 
A geometria fractal ilustra que as formas têm auto-similaridade em
escalas descendentes, uma espécie de memória operando em sistemas não
lineares. Essa memória estaria presente nas profundezas do cosmos e
consistiria em uma reminiscência da ordem implícita, presente na lei de Bohm
da holonomia: um "movimento no qual novas totalidades estão surgindo".
(BOHM, 1989, p.156-157) O plasma nos serve como alegoria de fenômenos de
campo, por suas características imagéticas e modeláveis. Temos indícios de
que algo que é dado na prática, na pulsão entre abstração e concretização da
luz de plasma, refaz-se em qualidades sensíveis da experiência estética.
A recorrência de eventos aproximados por semelhança, por exemplo, de
uma imagem ou um evento que se repetem e que vamos colhendo ao longo da
experiência, serve-nos como guia durante a pesquisa e nos leva a ponderar
sobre a manifestação dos efeitos de campo. (SHELDRAKE, 1987) A atividade
que se refaz acrescida de diferença seria própria a um estado de criação e
invenção, por isso, insistimos na atenção às coincidências, pois parecem
ocorrer como efeitos de um jogo entre o equilíbrio e o desequilíbrio de forças,
coerência e incoerência nos termos de Nóbrega (2002) percebidas como
efeitos de um possível inconsciente estético, coletivo e criativo.
Nos exercícios orientados para a arte em semelhança aos modelos de
telepatia investigados, passamos pela experimentação de situações montadas
em instalações, com ou sem recursos de mídia, desta maneira, aproveitamos
as circunstâncias locais específicas, alternando a dinâmica e número de
participantes. Mantemos a indagação sobre até que ponto os dispositivos
tecnológicos podem nos oferecer outros modos de coleta de dados dos
fenômenos de campo e como os processos artísticos contemporâneos
atrelados às tecnologias podem produzir resultados sobre tais fenômenos, que
não sejam experimentados unicamente por desenhos ou relatos, mas por
outros processos na criação de sistemas poéticos. Ainda que os desenhos se
mostrem como um método bastante eficiente de transdução de percepções
transensorias, acreditamos haver modelos a oferecer como contribuição nas
experiências propostas nessa pesquisa aplicados por modos de observação de
tais fenômenos.

173

 
6.2 - Experimento #RCTelepática – Raquel Nava e Cila MacDowell

Figura 62: NAVA, Raquel e MA


CDOWELL, Cila - #RCTelepática – Instituto Tomie Othake, SP, 2017.

A exposição intitulada “QAP: Ta na escuta?”, realizada em 2017 no


Instituto Tomie Othake - SP, com curadoria de Paulo Myada, Priscyla Gomes,
Theo Monteiro e Luise Malmaceda, que acolheram a proposta #RCTelepática,
um projeto entre as artistas Raquel Nava e Cila MacDowell. A exposição abria
questionamentos sobre a comunicação com suas falhas e omissões. A
proposição intencionava colocar os participantes em atenção ao próprio
pensamento e a possibilidade de compartilhamento de pensamento por
telepatia, utilizando o vídeo em sua parcialidade sob suspensão.
A partir dessa reflexão à apresentação de exercícios junto a um vídeo
propositivo, coloca a possibilidade de voltar a praticar modos de comunicação
mágica, um tipo de comunicação que parece funcionar bem entre pessoas com
fortes vínculos afetivos. Pela premissa de que pessoas com relacionamento
próximo podem obter resultados mais efetivos ao se disporem à comunicação
de pensamento compartilhado, as duas artistas entenderam que a relação de
amizade e cumplicidade que vivenciam poderia trazer chances de impulsionar
acontecimentos de compartilhamento de ordem criativa e até mesmo mágica.
A expografia atende a um caráter educativo. Instruções com 3 exercícios
telepáticos são oferecidas ao público por meio de texto sob uma mesa, um livro
apresenta imagens para serem escolhidas para o envio e recepção por meio do
pensamento. Além disso, dois vídeos apresentam conteúdos que também
funcionam como condutores da experiência. São dispostos dois monitores de

174

 
TV; no primeiro vídeo pulsam figuras geométricas que devem servir para ditar o
ritmo da respiração e funciona como um jogo de adivinhação das figuras
pulsantes. No segundo, a linguagem do vídeo é potencializadora do estado de
médium da percepção, as duas artistas aparecem em exercício de
comunicação telepática, em uma comunicação em telepresença.

Figura 63: #RCTelepática, Instituto Tomie Othake, 2017

Após uma sequência de inspirações e expirações, o participante deve


estabelecer sua posição como emissor ou receptor e praticar a tentativa de
comunicação telepática. Concluído o tempo de envio, o participante receptor
deve desenhar o que imagina ter sido enviado e comparar com a imagem
escolhida pelo emissor. Ao final do experimento é proposto que os resultados
sejam fotografados, devidamente enumerados, e enviados para o aplicativo
Instagram com a hashtag #RCTelepática, para assim gerar um arquivo
posterior a ser utilizado pelas artistas em futuras análises comparativas. Os
protocolos do experimento foram montados por princípios de exequibilidade e
carregam certa semelhança com os baralhos de cartas Zener, este contém até
25 cartas usadas por cientistas para análise de experimentos receptivos com
telepatia.

Figura 64: Cartas Zener

175

 
O jogo de cartas trabalha com apenas cinco diferentes símbolos, pois o número
reduzido de imagens faria obter maior quantidade de provas no resultado. As
cartas Zener foram desenvolvidas pelo parapsicólogo Joseph Banks
Rhine (1895 - 1980) buscando uma maneira de determinar estatisticamente o
fenômeno PSI de telepatia. (JUNG, 1984) Rhine nomeou-as assim em
homenagem ao psicólogo Karl Zener (1903 - 1964), que pesquisava a
percepção. Ao experimentarmos o exercício com as cartas Zener, observamos
que as pessoas consideram entediante o uso dos mesmos símbolos na
repetção da ação; acreditamos que o experimento acaba por excluir a emoção,
como um fator a ser considerado, até mesmo para a promoção da conexão
telepática. Uma de nossas premissas em #RCTelepática deveria ser o uso de
imagens impactantes para promover emoção.
Assim, decidimos trabalhar com a série de imagens intrigantes que
vinham sendo colecionadas pela artista Raquel Nava. Interessava-nos saber
qual a reação do público em relação às imagens oferecidas, ponto de partida
do experimento. Daí o jogo passaria a ter mais camadas do que requer a prova
da telepatia como fenômeno. Em #RCTelepática - Exercício C, no experimento
entre as artistas, há uma série de indícios no vídeo de que os resultados
comparativos apresentados podem ter sido emulados pelos recursos técnicos
da imagem. Há uma possível oscilação entre provar o fenômeno e a percepção
de ser vítima de um truque, esse desvio pode colocar o sujeito no lugar da
experiência estética que flerta com o cômico. A eminência de poderes
telepáticos eleva uma certa ironia crítica, por essa operação se dar no âmbito
interpessoal e apresentar dificuldades dimensionais em exteriorizar evidências
de comprovação.

176

 
6.2.1 - Protocolo para #RCTelepática

A- EXERCÍCIO TELEPÁTICO A – 2 participantes ou mais / duração 1 min.:


Antes de iniciar, decida quem será o Emissor e quem será o Receptor.
Use o vídeo pulsante como guia para dar ritmo à respiração. Fiquem de pé.
Utilize o vídeo com a imagem pulsante como guia. A cada minuto a imagem do
vídeo altera cor e forma geométrica.
1- Emissor se posicionará de frente para o monitor de vídeo;

2- Receptor junte suas costas com as costas do Emissor;


3- Receptor e Emissor, inspirem e expirem 3 vezes.
4- Receptor atentamente tente acompanhar a respiração do Emissor.
5- Na quarta respiração, Receptor advinha a forma geométrica que
aparece mostrada no vídeo.
6- O Emissor vai lhe dizer se o resultado está correto ou não.
7- Repita quantas vezes achar necessário.
B - EXERCÍCIO TELEPÁTICO B - 2 participantes / duração 3 min.:
Antes de iniciar decida quem será o Emissor e quem será o Receptor.
Sentem-se à mesa.
1- Emissor e Receptor: Concentre-se por um minuto em sua respiração.
Utilize o vídeo com a imagem pulsante como guia. A cada minuto a
imagem do vídeo altera cor e forma geométrica, indicando o momento
para próxima etapa do exercício.
2- Emissor: Escolha uma imagem do catálogo para o experimento.
3- Emissor: Utilize um minuto para o envio da imagem.
4- Receptor: No próximo minuto, em concentração mental,
procure captar o que pode estar sendo enviado telepaticamente.
5- Receptor: Utilize mais um minuto para desenhar ou descrever
a sensação do que possa ter recebido do Emissor.
6- Receptor: Veja a imagem escolhida pelo Emissor.
7- Marque seu desenho com a mesma numeração indicada na imagem que
havia sido escolhida pelo Emissor.
8- Fotografe o resultado e poste no Instagram com #RCtelepática

177

 
C - EXERCÍCIO TELEPÁTICO C – 1 participante, ou mais / duração 3 min.:
Observando ao vídeo, acompanhe a concentração das artistas em cena.
Uma delas está como Emissor e a outra como Receptor. Você também será
Receptor desse experimento. Sente-se à mesa.
1- Receptor: Concentre-se por um minuto em sua respiração.
2- Receptor: Durante um minuto em concentração mental,
procure captar o que pode estar sendo enviado telepaticamente.
3- Receptor: Utilize um minuto para desenhar ou descrever a sensação
que você recebeu do Emissor.
4- Receptor: Veja a imagem mostrada no vídeo, busque no livro a
numeração correspondente.
5- Marque seu desenho com a mesma numeração indicada na imagem
escolhida pelo Emissor no vídeo.
6- Fotografe o resultado e poste no Instagram com #RCtelepática.

6.2.2 - Resultados comparativos #RCTelepática

Relatos desenhos anônimos. (2017)


Frase escrita durante o experimento: “Incomodada com as pessoas que
acham não fazer sentido essa experiência” #RCTelepática”

178

 
179

 
Figura 65: #RCTelepatica, desenhos anônimos. (ACERVO DE PESQUISA, 2017).

180

 
Frase escrita durante o experimento: “Uma sensação de algo
repugnante, algo carnal, talvez uma peça de carne, algo animal.”
Percebemos que a aproximação em pares das imagens referência do
livro guia (à direita) oferecido junto às expressões dos participantes receptores
em desenhos e relatos (à esquerda), leva-nos a procurar algum aspecto de
semelhança. Acabamos encontrando traços, cores, formas geométricas, temas,
enfim, congruências de termos. Por outro lado, se buscarmos as diferenças,
encontraremos poucas imagens paralelos que não apresentem semelhanças.
Supondo que os voluntários da experiência que apresentamos aqui
tenham seguido com rigor os passos orientados pelas instruções (com auxílio
dos educadores), podemos entender algumas relações entre as imagens e os
resultados em referência; conclui-se que há evidências de que algo semelhante
ocorreu, um possível êxito na telepatia, mas caso contrário teriam acontecido
emulações dos próprios participantes. Os pares de resultados que não
apresentam diferenças, também colocam em dúvida a veracidade do efeito de
transmissão de informação, curiosamente pela semelhança ser muito grande, o
que poderia indicar uma tentativa de desenho de observação da imagem guia.

181

 
Relatos e desenhos anônimos. Expressão escrita durante o
experimento: “NADAVÊNÉ” (2017).
O exemplo, “NADAVÊNÉ” (o último par de imagens apresentado) indica
ser um comentário posterior à análise dos resultados, com uma entonação que
desqualifica a experiência, na expressão de quem diz que “uma coisa não tem
nada a ver com a outra”. Nesse exercício, a escolha da imagem para envio é o
registro de performance da artista brasileira Márcia X ao jogar leite condensado
em cima de sua própria cabeça; podemos ver no desenho referente três
objetos: no centro a semelhança pode ser encontrada pela forma circular que
está também na lata e o fio que corre de leite (formando um tipo de pirulito no
desenho).
O que nos faz considerar se essa pessoa teria desenhado pensando em
doces, e os outros gráficos ao lado no mesmo desenho, poderia ser uma
espécie de cabine com alguém sentado como em experimentos de ganzfeld66,
e do outro lado um fone antigo para comunicação telefônica; como essas
simbologias da telepatia, ao menos por nós percebidas, estariam relacionadas
com o experimento? Se a margem para digressões interpretativas pode ser

66
Ver a discussão estabelecida no capítulo 3, item 3.3.5, desta tese.
182

 
pessoal e assim ampla, a validação deixa de ser uma premissa e a
interpretação tende a passar para um jogo poético.
Quando a arte se coloca como um agenciamento entre o real e o fictício,
são experimentados em convergência o provável e o inesgotável. O
experimento telepático apresentado tem caráter de performance relacional e é
voltado para a videonoética. (BOURRIAUD, 2009, p. 150) Verificar a telepatia
como uma realidade confirmada levaria a findar com a experimentação. Isso
teria sabor ambíguo de solução esgotada, que deixaria inconsolável quem
finalmente resolvesse o problema, levado por contingência a sair em busca de
outros enigmas a desvendar. Fica a impressão, que assim como na
metalinguagem da arte, que se faz e refaz, esse jogo em aberto nos mantém
interessados na qualidade de médium da percepção, como um sentido
articulado pela abstração e concretização da experiência estética. Com
atenção aos estranhos mecanismos de nossa mente, devemos continuar
voltados para os mistérios que envolvem estranhas semelhanças detectadas
nos processos de interpretação posterior e que atendem a um sentido criativo.

183

 
6.3 - Experimento telepático relacional - “Distâncias” – Cila MacDowell

A instalação proposta como parte dessa pesquisa e apresentada na


exposição Distâncias, oferecia um espaço próprio para convidar o público a
participar de um experimento telepático. Buscamos as diferenças desse
experimento em relação ao #RCTelepática, para além do vídeo colocamos o
plasma em cena como protagonista na ação.

Figura 66: A NAVE título dado à imersão telemática, exposição “Distâncias” parte do evento
Galeria Curto Circuito no Parque Tecnológico da UFRJ (ACERVO DA PESQUISA. 2017).67

Considera-se que há mais chances de obter algum tipo de resultado no


experimento se os participantes acreditam que podem realizar a tarefa
proposta, ou se há algo que efetive os resultados, nesse caso cabe à presença
do plasma a atribuição dessa credibilidade. Nessa experiência, entre dois
participantes por vez, passamos a conduzir um estado de concentração por
67
A NAVE título dado à imersão telemática, em trabalho prático autoral apresentado em
exposição “Distâncias” parte do evento Galeria Curto Circuito no Parque Tecnológico da UFRJ,
junto ao Grupo de Realidade Virtual Aplicada GRVa/LAMCE (COPPE) no qual participamos
com proposição artística e curadoria com às professoras Maira Fróes e Franey Nogueira
(NCE/LAMAE/HCTE), 2017.
184

 
uma prática de comprometimento utilizada em experimentos telepáticos e de
hipnose. O fato de algo estar distante espacialmente não significa que está
emocionalmente distante, se é um recurso poético aproximar subjetividades e
provocar sincronicidades. No exercício telepático parte-se de uma concepção
que inclua o caráter espectral do que está distante, que tende a estabelecer
uma arqueologia psíquica como uma memória espectral.
A experiência no espaço instalativo montado com vídeo projeção ao
mesmo tempo que separa os participantes por uma estrutura escultórica e
especular cedendo dois lugares de repouso equidistantes, impossibilita o
diálogo e o olhar direto, mas também conecta os participantes pela atmosfera
sonora e por uma linha de luz de laser que simbolicamente une os pontos de
cabeça a cabeça e induz para o encontro imaginativo como se ocupassem o
mesmo espaço mental.
Foram realizadas sessões com diversos participantes de 15 minutos de
duração. Um indicativo sonoro é dado pela ativação da bobina de plasma que
anuncia o início e o fim da sessão. A inclusão dos dispositivos de plasma foi
um diferencial proposto para esse experimento, a fim de entender se haveria
algum tipo de alteração na experiência com a ionização do espaço, ou na
ritualização performática com tal acréscimo, que pudesse gerar um tipo de
credibilidade e crença no experimento, ou que apontasse para outras
observações ainda não contempladas em experimentos telepáticos.
Após a experiência, os resultados recolhidos a partir dos depoimentos
dos participantes, demonstra que em geral, os participantes se envolvem na
proposição poética e são raramente incrédulos. As duplas que relatam juntas,
estabelecem um diálogo e vão encontrando semelhanças simbólicas, o que
produz um certo prazer aparentemente por entrarem em concordância, em ter
vivido a mesma experiência de espaço mental compartilhado. Questionamos
até que ponto esses relatos seriam levados por uma construção de paridade;
por isso, experimentamos recolher os relatos separando as duplas. De todos os
participantes entre 15 duplas, apenas uma pessoa afirmou não ter tido
qualquer experiência compartilhada. Vimos que a proposição em si, com a
condição envolvente da instalação, parece provocar o alcance de um patamar
imaginativo intenso. Pelos relatos se entende que há abertura para a

185

 
experiência de estados transensoriais, que consideramos ser uma experiência
estética. Esta experiência segue sendo realizada não por estratégia de
sistematização de um único modelo, acreditamos que a cada situação proposta
se apresentam diferentes elementos para a análise de fenômenos sutis na
arte.68

6.4 - Ganzfeld para performance

Enquanto pesquisamos os dispositivos de captação de ondas cerebrais,


passamos por muitas dificuldades operando diferentes fornecedores em
diferentes plataformas. As dificuldades também nos colocaram em questão
quanto a direcionar a indução telepática por proposição com ou sem aparelhos
de medição. Com a intenção de usar o dispositivo de captação neural para
controles de imagens durante nossas performances, após testes com
diferentes dispositivos, muitos mostraram-se instáveis para o desenvolvimento
da pesquisa.
Quanto ao dispositivo de captação de ondas neurais acoplado à cabeça
durante a cena, podemos dizer que se a captação e emissão de frequências
visualmente projetadas e apresentadas em gráficos sejam compreendidas
como indicadores das mudanças temporais; fica a pergunta: até que ponto
essa visualização de dados do cérebro poderá trazer algo para o público que
proporcione uma percepção das diferenças produzidas no corpo/pensamento,
chegando a ter abrangência que forneça elementos à narrativa. Observamos
que simbolicamente apenas a presença dos conectores na cabeça indica
algum tipo de referência conceitual ao processo tecnocientífico de estudo
cerebral, mas não interessa à pesquisa em performance que o objeto seja
notado apenas como artifício cênico.
Há uma pesquisa científica de Deryl J. Bem e Charles Hornoton
disponível em IONS e na American Psicological Association Inc., na qual os
cientistas apresentam comprovações a partir da captação de dados EEG
durante seção de telepatia especialmente realizadas com artistas. Na qual
defende-se que os artistas tem mais facilidade de acessar campos de

68
Os depoimentos podem ser conferidos no site: MACDOWELL, Cila (2017) Plasma
Ressonante Disponível em: < http://cilamacd..com> Acesso em: julho de 2017.
186

 
conexões sutis.69 Ingo Swan foi um artista visionário, reconhecido
internacionalmente como um defensor e pesquisador dos poderes excepcionais
da mente humana. Junto a Russell Targ e Harold Punthof, Ingo Swan liderou
projetos governamentais e científicos para investigar e identificar o escopo de
percepções humanas sutis. Swan realizou um experimento de visão remota
para visualizar Júpiter antes de uma expedição da NASA, a fim de
posteriormente obter parâmetros de verificação por instrumentos em relação
aos detectados por visão remota, tendo assim obtido 80% de resultados
verificados sobre o território visitado.

Figura 67: óculos relacional de Lygia Clark (CLARK, 1968) e imagens da cena 3 de Plasma
Ressonante, com experimentação de óculos referente a ganzfeld (Galeria IBOC e Museu
Nacional de Brasília - 2018).

Experimentamos algumas das possibilidades de usar dispositivos


ganzfeld em performance acrescidos aos recursos do vídeo em cena. Com a
referência ao trabalho de James Turell, Ingo Swan e aos óculos relacionais de
Lygia Clark70. O trabalho de Clark fundamenta a condução de situações
relacionais experimentadas em nossas performances, principalmente ao
associar a experiência com dispositivos ganzfield. Montamos dois tipos de
óculos, um feito com bolas de ping-pong e outro com duas conchas metálicas
usadas como utensílio de cozinha. Os óculos metálicos bloqueiam a visão,
somente depois de algum tempo que a retina passa a se acostumar com a
pequena entrada de luz que passa pela fresta na beirada de cada cúpula dos

69
Disponível em:<http://deanradin.com/evidence/Bem1994DoesPsiExist.pdf>Acesso em:
março de 2016.
70
CLARK, Lygia. Diálogo de óculos (1968) Objetos sensoriais – técnica borracha, espelho e
metal- dimensões 29,0 x 18,0 x7,5 cm fotografado por alguém desconhecido. Dois
participantes, vestem os óculos captam imagens através dos espelhos de si mesmos e do
ambiente circundante. O movimento de rotação das lentes espelhadas e sua aproximação e
distanciamento dos olhos fragmentam o olhar dos participantes que tendem a utilizar tal visão
fragmentada para gerar um diálogo.
187

 
óculos. Por ser de material metálico ocorre um espelhamento e é possível ver
os próprios olhos refletidos em deformação convexa.
Os óculos causam algumas percepções relatadas posteriormente pelos
participantes; a princípio parece haver uma quebra de expectativa daqueles
que acreditam que vão ver algo e acabam frustrados com o impedimento da
imagem. Algumas vezes chegam a desistir antes de perceber que é necessário
acostumar a retina, para então ver algo. Após algum tempo com os óculos, um
sentido de desorientação pode ocorrer, isso é percebido com mais evidência na
retirada dos óculos. É como se os olhos ficassem procurando algo em um foco
muito curto de distância e ao voltar para o foco no espaço comum uma
readaptação ocorresse. Já o modelo com bolas de ping-pong seguem a receita
usada em experimentos científicos, e em sua superfície esférica branca a luz
transpassa reproduzindo o efeito ganzfeld por cores definidas, se preserva o
campo de visão ainda que com o limite imposto. Com esse modelo, a visão fica
restrita à cor de luz emitida e o foco pode alterar o campo de visão.
Para o público, a parte afetiva mais recorrente aparece em descrições
sobre a experiência com o objeto de uso comum transformado em prótese
corporal e a percepção a partir do contato com o objeto. Após tentativas de uso
dos dois tipos de óculos, sob condução da experiência, não obtivemos relatos
de recepção de visão remota; maior é o interesse pelas condições e
elaboração do experimento em si, mais do que com resultados sobre a
percepção alterada da visão. O que nos leva a considerar outros modos de
projetar o experimento que possa ser mais promissor quanto a busca por
resultados de visão remota, como axioma para a experiência estética em
relação aos fenômenos de campo.

188

 
6.5 - Sistema Plasmaneurooticz

Figura 68: Selfie (ACERVO PESSOAL, 2018).

Através da aproximação da investigação científica, nos vislumbramentos


das experiências a partir das visitas aos diferentes laboratórios, Laboratório de
aprendizagem didática do Instituto de Física (LADIF), Laboratório de
Hidrogênio (LAB H2) e Instituto D'OR de Pesquisa e Ensino (IDOR), nossas
observações passaram a conter, em cada ponto, contribuições para o desenho
de um sistema poético.
Procuramos investigar campos de ressonância, como os campos do
plasma, campos em estado de frequência de informação eletromagnética, que
em hipótese, co-refletem informação estética. Muitos desafios impõem-se uma
vez que o plasma emitido pela bobina de Tesla gera um campo
eletromagnético ao seu redor, alterando o funcionamento dos dispositivos
eletrônicos. As evidências de influência de campo eletromagnético nos levam a
considerar que a ação da bobina possa causar algum tipo de influência em
seus arredores. A luz em difração, a energia do plasma como condutor ou
supercondutor, por proporcionarem respostas experimentais efetivas na
ativação de campos eletromagnéticos com ressonâncias nos traz a imagética
de sistemas integrativos, induzidos pelo aprendizado conceitual das
implicações do campo morfogenético para além da fisiologia do cérebro.
(SHELDRAKE, 1981)
Nesse sentido, considerar que as emissões cerebrais sejam
responsáveis por algum fenômeno de campo, nos leva a experimentar
189

 
dispositivos de captação de ondas neurais. Se o código é informação passível
de transdução de um meio a outro, seriam esses dispositivos um instrumental
para nos aproximarmos da percepção de campos sutis?
Durante essa pesquisa, aproximamo-nos de estudos da neurociência e
métodos de mapeamento do cérebro, de estados mentais e cognitivos.
Acompanhamos no Instituto IDOR sob orientação do neurocientista Jorge Moll,
o projeto chamado Umbrella por abarcar pesquisadores de linhas diversas, no
qual pesquisadores em doutoramento estão focados na investigação de valores
neurais para empatia. Motivados pelas possibilidades de iluminar os
mecanismos envolvidos nos distúrbios neurológicos e psiquiátricos associados
ao comprometimento emocional e social, o Instituto IDOR tem desenvolvido
modelos experimentais utilizando ressonância magnética funcional, com o uso
de métodos e ferramentas de softwares para neuromodulação em tempo real.
Com o acompanhamento durante um ano da rotina vivenciada nas reuniões,
passamos a colaborar com a pesquisa de doutoramento em psicologia, de
Patrícia Bado.
A pesquisa de Patrícia Bado, em bases gerias, consiste em validar
diversos atributos relacionados à empatia; através de visualização, os
participantes do experimento seriam submetidos a um amplo arquivo de
imagens, a fim de medir as reações cerebrais detectadas pelos estímulos de
reação às imagens disponibilizadas e assim mapear áreas de maior incidência
no cérebro, através de monitoramento por Ressonância Magnética Funcional
(fMRI).
Com práticas de feedback aplicadas, além das captações cerebrais, um
sistema permite ao voluntário aprender técnicas de controle de sua própria
atividade neural; abre-se ao participante a possibilidade de interferência por um
tipo de revés de dados sobre seus próprios estados neurais.
Os modelos intencionados por Patrícia Bado têm base na pesquisa do
Dr. Jack Gallant, com a diferença que Bado usa a codificação de valores de
motivação humana, com decodificação para verificação de valores de empatia.
Um aplicativo de visualização foi desenvolvido, no qual imagens são analisadas
e categorizadas por um número reduzido de voluntários, as mesmas pessoas
que posteriormente são submetidas ao exame de ressonância magnética.

190

 
Submetendo imagens para avaliação de um número reduzido de voluntários, a
primeira etapa do experimento visa reunir o maior número de classificações
atribuídos a um número vasto de imagens, agrupadas em constelações.
Se as pesquisas tendem a se orientar por um número grande de
voluntários para questões específicas e pontuais, no experimento de Bado há
uma inversão numérica na relação de dados por voluntários. Com o fim de criar
esse vasto banco de dados, participamos da coleta e tratamento próprio das
imagens, buscando critérios de escolha, que além da estética, tivessem
eficiência para o experimento. Durante a seleção das imagens percebemos
certa distinção na análise do discurso das imagens, dada pelos cientistas, em
relação ao nosso pensamento inserido no contexto de arte.
O exercício crítico da imagem do ponto de vista de quem tem a prática
de produção, permite camadas interpretativas específicas. Indagamos até que
ponto uma imagem publicitária nos induziria às interpretações, além de
terminando por detectar a intenção comercial impregnada. Passamos a nos
perguntar como os voluntários submetidos à análise dessas mesmas imagens
estariam conduzidos por suas interpretações, por variáveis de acordo com suas
próprias identidades culturais; então como seriam medidos valores de afeto
sem levar em conta o conhecimento prévio do voluntário? Quantas camadas de
subjetividade estariam encobertas para a compreensão dos acontecimentos
neurais de percepção de cada imagem?
Os cientistas reconhecem essa dificuldade, com isso vão procurando
mapear o problema com modelos de direcionamento que tendem a reduzir
incertezas. A aproximação com essa pesquisa nos fez questionar quais seriam
as possibilidades para ações poéticas, com posicionamento crítico e
entendemos que seria necessário incluir a observação de fenômenos sutis que
poderiam estar encobertos nos espaços das incertezas.
Destarte, se for possível, tomar a indeterminação como potencial criativo
e colocar novas operações para os códigos que se apresentam seria uma
atitude potencializadora de invenção. Com o embaralhamento de códigos
efetuado por estratégias não reguladoras, próprias dos processos artísticos, ao
permitir a interferência do caos em pensamentos, teremos na fratura entre o
que se vê e o que se diz sobre o que se vê, um espaço para a arte se alojar.

191

 
Segundo o neurocientísta Richard Restak, “a atividade neural que
acompanha ou inicia uma experiência persiste sob forma de circuitos neurais
de reverberação, que se tornam mais fortemente definidos pela repetição”
(RESTAK In JOHNSON, 2001, p. 98) Se a energia que os neurônios irradiam
formam um tipo de campo em similaridade ao que acontece com o campo
eletromagnético é possível entender que há possibilidade de compartilhamento
de emissões neurais em campos que se irradiam como por antenas de
transmissão de radiodifusão ou por qualquer tipo de circuito elétrico, como foi
investigado por Suzan Pockett (2012).
Quando duas ondas se encontram, ocorre um tipo de difração de onda;
os resultados desses cruzamentos são ondas que provocam interferências em
padrões. Essas interferências são pulsos com variações, com a medida de
frequência de um pico a outro de vibração gerando códigos e pela lógica, se
gera código logo é possível produzir linguagem e comunicação. O modelo não
ortodoxo de transmissão de pensamento por vibrações do cérebro, a telepatia,
ao ser trazido para experimentação de nossa pesquisa em arte, dá abertura
para a possibilidade de percepção de campos sutis, por isso passamos para o
desenho de um sistema poético de ativação de tais campos.

Figura 69: Gráfico esquemático para Sistema Plasmaneurooticz.

Projetamos compor um sistema que denominamos “Plasmaneurooticz”


(associação poética das palavras plasma, neurótica e ótica, a letra z é um
acréscimo que faz menção às vibrações sonoras). Para essa composição seria
preciso um dispositivo para enviar dados de frequência da captação de ondas
cerebrais, codificadas através de programas computacionais resultando em
sinais sonoros enviados para um captador de áudio conectado a uma bobina
de Tesla; os códigos de frequência neurais de acordo com cada nota de onda

192

 
sonora por sua vez deve gerar pulsões de plasma com alterações dos raios
emitidos pela bobina.
Em nossa pesquisa, o propósito não seria verificar se a ativação do
campo eletromagnético permite ampliar estados de concentração meditativa,
ou de possibilidades da telepatia no ambiente ativado pelo sistema, mas buscar
modelos de experiência estética para percepção de campos sutis, por
estabelecermos semelhança desse sistema com a abertura para o envio e
recepção de mensagens direcionadas sem o uso de mediadores visíveis.
Projetamos um ciclo de retorno, do corpo ao corpo: a mão ao tocar o
plasma recebe choques da bobina de Tesla, possivelmente alterando a
sensação e as frequências de ondas emitidas pelo cérebro/corpo, ondas
captadas na atividade do pensamento através de dispositivo EEG.

Figura 70: Gráfico esquemático para Sistema Plasmaneurooticz com feedback.

As frequências uma vez transformadas em código passam para o


programa de computador para serem decodificadas como imagem e som. O
som produzido em nuances de tons é enviado à bobina que se manifesta como
um alto-falante e emite esses sinais em som e luz como raios de plasma, os
raios são tocados pela mão; e assim se completa um ciclo de retroação
(feedback).
A complexidade do sistema está no hibridismo dos elementos em
associação, na medida que um dos objetos é um corpo orgânico,
sujeito/observador participante ativo que permite o acesso ao desvio introduz
informações complexas por ter canal de abertura de percepção transensorial.
Esse canal é facilitado pelo acrésimo dos dispositivos de plasma, pois se
entendermos o plasma como um estado híbrido com características entre o
193

 
material e o sutil; assim consideramos que o sistema possa atender ao
princípio de um “hiperorgânico” conceituado por Guto Nóbrega.
O hiperorganismo não deve ser pensado como uma ferramenta
ou um instrumento. O propósito das funções do hiperorganismo
não é produzir trabalho, mas informar e absorver informações.
Sua principal função como objeto de arte é existir. Desta forma,
a estrutura do hiperorganismo está totalmente inter-relacionada
ao seu comportamento e modo de existência. (NÓBREGA,
2010, p. 130)

Uma vez que esse sistema pode ser vinculado à rede computacional
(quando a programação inclui entrada de dados de outras fontes), pode-se
estabelecer uma organização telemática recursiva abrindo para interferências e
outras possibilidades experimentais que interessam para a continuidade dessa
pesquisa.

CAPÍTULO 7 - RITUAL PERFORMÁTICO OPERÍSTICO

7.1 – Ritual performático operístico


Entende-se por performance um tipo de arte temporal, de caráter
efêmero, inicialmente dada por acontecimentos que de alguma maneira
impliquem na presença de um sujeito participante, principalmente o próprio
artista proponente, cuja criação de proposições tem como pressuposto
essencial o próprio corpo. A performance em si remete à linguagem de ação
em determinada duração, modo epifânico da experiência que sintoniza
emocionalmente artistas e experienciadores do momento vivido. No contexto
da arte contemporânea, a prática se coloca potencialmente aberta ao
encadeamento de linguagens hibridas, por dispositivos técnicos para a sinergia
entre o artista e o público.
A fim de encontrar uma ordem originária da performance com base
operística, partimos da relação de alguns princípios com o que se entende por
ritual. A grosso modo, podemos dizer que a realização de rituais nas suas
origens primitivas, tinha um sentido orientado a resultados de desempenho e
eficácia, pois através dos rituais acreditava-se ser possível a comunicação com
divindades. Como um modo de manter o equilíbrio na natureza, intencionavam
aplacar os poderes divinos que pudessem controlar resultados desejados, a fim
de assegurar a fertilidade das terras e dos seres vivos.
194

 
Os rituais também seriam realizados como celebrações iniciáticas,
estariam próximos da cultura do sacrifício e do prazer. Outra característica do
ritual se daria quanto ao envolvimento ativo com o processo de fazer arte, por
ações comunitárias de expressão com o intuito de marcar a passagem do
tempo, através do jogo e diversão; ainda seriam ações entrelaçadas em
aspectos de eficácia e utilidade. O ritual xamânico pode ser uma prática para
expandir a consciência por buscar respostas em mundos paralelos, em etapas
que refazem situações de morte e renascimento para o aprendizado de
evolução espiritual e reconexão com o todo. Alguns rituais se colocam por
finalidade a ampliação da coragem latente que se dá pelo enfrentamento do
pior de si mesmo em situações de limite. Diz-se que assim espírito e corpo
convergem na manifestação da invenção de percepções de si mesmo em
alteridade.
Quando a ópera surge na Itália, por volta de 1600, realizava-se a união
de todas as modalidades artísticas; posteriormente, no romantismo alemão do
século XIX, essa prática foi nomeada por Richard Wagner (1813 - 1883)
como Gesantkustwerk, obra de arte total. Ao revermos a referência histórica
dessa expressão total, pressupõe-se ter sido um desdobramento de práticas de
iniciação realizadas por tribos em culturas ancestrais. A ópera seria uma
releitura do teatro grego, que por si já seria uma releitura dos rituais
como manifestação primordial da expressão para um fim de transformação
xamânica, quando uma história remontada pelo xamã, o faria reviver situações
de encontro com as divindades. Nesses rituais seriam montadas
representações místicas através de expressões que envolveriam música,
dança, magia e medicina realizadas como cura espiritual e vivenciadas em
dinâmica transdisciplinar. A releitura ocidental desses rituais, no teatro grego
seriam as festas divinas, celebrações dionisíacas que tinham longa duração,
onde se pretendiam alcançar mudanças do indivíduo através da comunhão.
(LANGER, 1951; SCHECHNER, 2004; MACDOWELL 2018)
Nas fases do processo de ritualização haveria um cume que seria um
estado de transe ou êxtase. Estar em transe não significa estar fora de controle
ou inconsciente; entende-se que sejam a sobreposição de diferentes estados,

195

 
ambos presentes. O professor norte americano Richard Schechner (1934 - )71
escreve sobre os pontos de contato do teatro e a antropologia, assim como os
antropólogos Victor Turner e Edward Goffman viam a teatralidade dramática na
vida cotidiana em metodologias interculturais e interdisciplinares. (GOFFMAN,
1988) Alguns pontos de contato apresentados por Schechner vão interessar a
nossa pesquisa como o que ele denomina por transporte, como sendo a
interação entre audiência e performer e a transformação dos envolvidos.
Schechner traz um exemplo de uma dança de transe balinesa onde,
o jogador começaria a andar no cavalo de pau, sendo, por assim
dizer, o cavaleiro. Mas em sua atividade de transe o dançarino logo
se tornaria identificado com o cavalo - ele iria empinar, galopar,
carimbar e chutar como um cavalo - ou talvez seria mais justo dizer
que ele seria o cavalo e o cavaleiro em um. Pois embora ele se
sentasse no cavalinho de pau, suas pernas deveriam servir desde o
começo como as pernas da fera. (SCHECHNER, 2004, p. 97)

Sabemos disso a exemplo do nosso conhecido folclore brasileiro, no


ritual do Bumba-Meu-Boi, no qual o ator que incorpora o Boi é ao mesmo
tempo boi e condutor, em um estado alterado de si mesmo como uma entidade
simbólica. Schechner vai esquematizar essa alteração de estados de
envolvimento no fluxo da performance, como estados entre o “não eu-não não
eu” do ator que interpreta um personagem não sendo ele mesmo, ao mesmo
tempo, sem deixar de ser. (SCHECHNER, 2004)
De acordo com o antropólogo Victor Turner (1920 - 1983), para se
conhecer a fundo as contradições inerentes à "estrutura social", torna-se
necessário um certo deslocamento do olhar para encontrar elementos anti-
estruturais. Portanto, as situações "liminares" e/ou "liminóides" são termos
usados por Turner para explicar teoricamente eventos que apontam os rituais
no limiar entre antropologia e performance.
Os atributos de liminariedade são necessariamente ambíguos, dão-se
onde se perdem as definições. Nas performances ritualísticas se tem um
71
Richard Schechner utilizou o termo performance para se referir a vários tipos de eventos
cênicos. O uso do verbo performar foi sendo alterado a partir dos anos 60; com esta mudança
outros termos derivados da mesma expressão foram sendo criados, no inglês e adotados no
português como em outras línguas: performer (equivalente a ator de performar), performative
(performativo), performativity (performatividade). Para performatividade foram escritos artigos
estabelecendo a necessidade de esclarecer o que pode estar mais perto de performatividade
como ação, movimento, trânsito, acontecimento e performance a partir de uma ação corporal
física.

196

 
exercício interdisciplinar, ou até transdisciplinar, de situações estabelecidas
que interrompem o fluxo da vida cotidiana, propiciando aos participantes a
possibilidade de tomarem distância dos papéis normativos e repensar a própria
"estrutura social" ou mesmo refazê-la. (TURNER, 1982)
Com atuação iniciada por volta dos anos 1980, Renato Cohen,72
realizava ações em casas noturnas, como híbridos da cultura da diversão em
sobreposições de música e imagem em performances. Em seus argumentos,
Cohen defende a performance como uma linguagem autônoma e aponta para o
estado de risco ativado nesses eventos. Seria o indício do risco em si o que
conferiria à performance uma “característica de ritual, semelhante às antigas
celebrações religiosas do homem primitivo”. (COHEN, 2002, p. 118) O risco
como ritual performático se apresenta refletido sobre aspectos da incerteza, no
deslocamento espacial e da temporalidade alterada, como práticas de
integração dos territórios de investigação e dos sujeitos em estados de
incorporações, sob o que enaltece o momento vivido.
Nos rituais pode haver o exercício de envolver outras ordens próprias
dos acontecimentos mágicos, em contexto transdisciplinar pode se ter acesso
às percepções transensoriais. E uma vez que nos colocamos abertos a esses
acontecimentos, nos colocamos em risco e abertos à produção de diferença.

7.1 - Performance Plasma Ressonante


A produção de imagens videográficas e sons reativos aos dispositivos
de plasma, apontam a construção de sentido orientados pela experiência
transensorial desejada, quando procuramos abrir para a experiência de outros
códigos de linguagem e comunicação. Na trama, a artista e a personagem
jogam com os sentidos estético-afetivos ativados pelo desenrolar experimental
da prática associada à teoria e a partir de uma certa concretização da
linguagem poética, pela tríade: Médium – Mídia – Mater.
Em nossa pesquisa há um investimento nas ativações de campos
interconectivos de operação tanto da consciência intuitiva como potente

72
Renato Cohen (Porto Alegre, 1956 - São Paulo, 2003). Ator, diretor, performer, teórico e
pesquisador. Pertence à geração chamada “teatro das imagens”, que relativiza a importância
do texto. Sua atuação começa em fins dos anos 1980 e deixou grande contribuição para os
estudos da performance.
197

 
emissora, quanto como comunicadora exteriorizada. Buscamos a construção
de uma dupla identidade, a personificação que se espelha internamente e se
projeta para fora do sujeito. Por algumas premissas como: assumir as
diferentes identidades criativas; usar estratégias de diversas linguagens, visual,
sonora, corporal em dança e gesto; narrar com a voz da personagem e seus
múltiplos sobrepostos; narrar no tempo presente (no texto da pesquisa usando
a terceira pessoa do plural) incluindo-se nesse sujeito, que está fora/dentro,
interconectado; encontrar a voz, o corpo gestual, com a premissa de que a
personagem incorpora características semelhantes ao meio, em que se dá a
ação.
Quando o ator, o artista, o pesquisador e o observador estão unidos na
mesma figura, cria-se um andamento para explicitar a complexa relação entre
objetividade e subjetividade, há uma sobreposição de intersubjetividades
presentes na experiência criativa. Se entendemos, que para a criação de uma
ficção é necessário o aprofundamento em conteúdos verossímeis, para isso, o
estudo científico seria imprescindível. Contudo, sabemos o quanto a
imaginação ficcional já chegou a prever acontecimentos e até de alguma
maneira influenciou aspectos trazidos para o plano da realidade. Investigações
pseudocientíficas parecem encontrar terreno mais seguro quando abordadas
em uma narrativa ficcional. A arte se colocaria então como esse território de
experimentação livre. A possibilidade de ficcionalizar como potência de
transformar é o que traz aspirações à formulação criativa.
Em nossa produção buscamos potencializar os encontros que por
ventura ocorreram durante os anos de investimento nessa pesquisa e que
facilitaram a condução nas diversas etapas para a execução do projeto.
Utilizamos os acasos para a construção da própria poética e prática. Os
encontros tiveram a afetividade como determinante nas escolhas, poderiam ser
dadas apenas por contribuições de acordo com qualidade profissional, ou por
valor de investimento financeiro. No entanto, as escolhas foram determinadas
pela qualidade desses afetos do acaso detectados por emoções positivas.
Construímos esse projeto com a colaboração de uma rede de parceiros, que se
sobrepõe ao segmento da ordem estabelecida a priori, passando por
alterações em decisões geradas a cada encontro, como uma premissa

198

 
metodológica para o enriquecimento colaborativo.
Fomos caçadores de co-incidências fortuitas e de orientações e
conselhos acolhidos. E assim foi feita a música, as montagens e edições em
vídeo para as projeções trazendo os resultados das contribuições dadas em
laboratórios de ensino e aprendizagem da pesquisa, em parcerias que de
alguma maneira compactuam com pensamentos em sintonia.

Figura 71: Montagem fotográfica processo de pesquisa para personagem Cecilia Spell, a partir
de fotografia de Athena Azevedo.

7.1.1 - Trama
Plasma Ressonante é o título proposto para a trama em que a atmosfera
de semelhança e ressonância, de experiências científicas são trazidas para a
proximidade das práticas mágicas e fundam a construção de uma narrativa de
autoficção científica operística. Autoficção é um termo usado na crítica literária
para se referir a uma forma de autobiografia ficcional. (DOUBROVSKY, 1977)73

73
Doubrovsky cunhou o termo autoficção em 1977, com referência ao seu romance Fils:
"Encontro, fios de palavras, aliterações, assonância, dissonâncias, escrita de antes ou depois
da literatura, concreta, como se diz em música. Ou ainda “autofricção”, pacientemente
onanista, que espera agora compartilhar seu prazer. (...) Autobiografia? Não, é um privilégio
reservado para os mais importantes deste mundo, na noite de suas vidas, e em um belo estilo.
Ficção de eventos e de fatos estritamente reais; se quisermos autoficção, de ter confiado a
linguagem de uma aventura na aventura de uma linguagem em liberdade, fora da sabedoria e
fora da sintaxe do romance, tradicional ou novo. Encontros, fios de palavras, aliterações,
assonâncias, dissonâncias, escrita de antes ou de depois da literatura, concreta, como se diz
199

 
O neologismo autoficção combina dois estilos, paradoxalmente
contraditórios: autobiografia e ficção. Encontram-se o sujeito enunciado e o
sujeito da enunciação para formar um gênero que embaralha as categorias de
autobiografia e ficção de maneira paradoxal, colocando juntas na mesma
palavra, duas formas de escrita a princípio excludentes. A autoficção é em
nossa prática uma estratégia narrativa adotada para trazer evidências da
abordagem do plasma como um arquétipo. Estabelecemos métodos em
contexto poético para encontrar no plasma um estado possível de
incorporação, ou de busca do transpessoal no exercício da alteridade de si
mesmo. Plasma Ressonante é uma proposta de criação artística realizada
como uma autoficção científica operística, uma pesquisa prático-teórica em
vídeo e performance, processual, experimental e transdisciplinar. Nesse
projeto, a trama não é dada a priori, mas mantém-se em engendramento
intensamente negociável com os questionamentos trazidos durante o processo
de pesquisa. Desdobramentos do processo tendem a surgir pois consideramos
estar numa construção operística “work in progress”. Não estabelecemos um
fim nem mesmo sob condição de terminar essa pesquisa como conclusão de
um momento específico do trabalho, com a intenção de manter o fluxo de
continuidade que nos fez chegar até aqui. Realizamos um espetáculo
operístico narrativo com roteiro prévio, mas aberto para improvisação; de
acordo com as condições do evento, as dimensões da produção do espetáculo,
acabam readequadas a duração e a organização sonora e visual. O que
poderia ser um empecilho é aproveitado como oportunidade para outros
encaixes no sistema proposto.
Nessa zona de interstício, o estado de conectividade estaria permeado
por esse elemento ativo, o plasma trazido para cena como um organismo
estético, que viabiliza a produção de comunicação interdimensional entre as
subjetividades envolvidas em cena. O plasma aparece como componente

na música.” (DOUBROVSKY, 1977, p. 10. Tradução livre) No original: “Autobiographie? Non,


c’est un privilège réservé aux importants de ce monde, au soir de leur vie, et dans un beau
style. Fiction, d’évènements et de faits strictement réels; si l’on veut autofiction, d’avoir confié le
langage d’une aventure à l’aventure d’un langage en liberté, hors sagesse et hors syntaxe du
roman, traditionnel ou nouveau. Rencontres, fils de mots, allitérations, assonances,
dissonances, écriture d’avant ou d’après littérature, concrète, comme on dit musique.”
(DOUBROVSKY, 1977, p. 10)

200

 
facilitador da ativação/ionização de campos sutis que emergem no
espaço/tempo entre o artista e o público. Se assim for possível, estaremos nos
aproximando da motivação que deu início a essa pesquisa para, através de
inventividades, ampliar os sentidos de integração.

Figura 72: Gráfico transmissão por imagem pensamento e corpo (Acervo de pesquisa).

O plasma como campo transmissor seria casa e corpo da personagem


acionada pelo ritual da performance, para construir um sentido e prática de
presença em corporação e incorporação. Na trama, as mensagens transmitidas
pela comunicação em fluxo entre o médium e a mídia oferecem indícios de que
a imagem-pensamento seja um tipo de transdução da própria alteridade
identificada por Cecília S P E L L. Pelo exercício da telepatia, essa alteridade
tem o dilema de estar inserida no meio semelhante a seu estofo, sendo plasma
e luz; com escuta total, ela acessaria uma profusão de informações enviadas
em imagens criptografadas de diversos códigos, por isso precisaria encontrar
fendas, onde possa ser capaz de selecionar ruídos, sintonizar, transcodificar e
reenviar mensagens.

Criptografo como condição de existir,


a imagem em gesto encarna,
I - S P E L L with my body
matéria é/são tantas matérias,
tanto energia quanto partícula,
pulsões neurais propagadas em campos mórficos,
pulsões eróticas espirituais.
meu corpo é Plasma
Ressoa e volta a mim.
No que você está pensando?
Meu nome é Cecilia S P E L L

201

 
7.1.2 - Luz e Som
Nos processos de concepção, produção e montagem de som e imagem
para a performance audiovisual, as imagens são produzidas a partir de
laboratórios experimentais de luz. Utilizamos uma série de processos para
produção de imagem com dispositivos de emissão de luz e relacionamos com
outros objetos que apresentam relação poética com a pesquisa, ou relação
direta com os conceitos estudados e os fenômenos investigados.
A partir da produção de filmagens mantendo referência ao plasma,
filmamos os raios e a partir disso algumas cenas passaram pela transformação
dos efeitos de programas computacionais de síntese. A cada montagem, novas
condições de projeção mapeada apresentam-se. Aplicando técnicas de
videomapeamento é viável realizar a sobreposição da cena ao tema. As
condições do espetáculo alteram-se também na concepção sonora.
Relacionamos a sinestesia entre som e imagem, ao usar recursos dos
programas de síntese, mas, principalmente, por dispor de conexões
interpretativas, de associações dadas pelas junções e pelo acaso.
O som de nossas produções é trabalhado em conjunto com músicos
colaboradores, principalmente na parceria fraterna de João MacDowell que
compôs conosco uma base sob valores perceptivos relativos a cada cena. A
roteirização do som é tomada com a disposição de criar uma atmosfera
operística, intencionalmente a conduzir emoções específicas, com êxito próprio
da linguagem musical, mas com abertura para o improviso e da impossibilidade
de acesso emocional. Outros músicos são convidados para participar da
composição que recebe atravessamentos de instrumentos acústicos e por
emissões vocais.
As imagens são vinculadas aos valores de frequência digital captada por
microfones diretos que permitem enfatizar a possibilidade de sinestesia entre
som e imagem. As ações em performance multimídia se dão na busca pela
personificação da imagem, na proposição que é parte da narrativa em abrir às
possibilidades de alcance de comunicação com essa outridade imaginária,
transpersonificada, sem definir-se claramente como uma personagem vivida
por uma atuação cênica, mas como uma manifestação personificada de
imagens e sons. A personagem pretende colocar-se no eixo de comunicação

202

 
afetiva com o público.
Um sistema montado associa diversos objetos que são disparados pelo
corpo, através de experimentações; são explorados modos de produção de
imagens e som, alterados no fluxo temporal, com técnicas de projeção de luz e
amplificação de som, controlados por programas computacionais (softwares)
de VJ e aparelhos eletrônicos próprios para essas funções, como mesa de som
ou mixer de vídeo (hardwares).
Tais operações criam a dinâmica de som e imagem e a própria ação de
operar é potencializada como empreendimento para performance. Essas
situações podem ocorrer no espaço próprio no laboratório/atelier/casa, quanto
em espaços expositivos, teatros, auditórios em galerias e museus, não tão
adaptável aos espaços comuns ou ruas. A exibição em espaços presenciais
públicos passa a exigir certa conformação e controle do andamento e dos
resultados, que ainda é menor em performance em telepresença. A cada
montagem, novas condições de projeção mapeada apresentam-se. Aplicando
técnicas de videomapeamento é viável realizar a sobreposição da cena ao
tema.

Figura 73: Esquemas de campos no espaço da performance Plasma Ressonante (Acervo de


pesquisa).

203

 
7.1.3 - Corpo e voz
O gesto ritualístico instaura uma situação de repetição de acesso aos
valores guardados na memória corporal que podem vir a ser recuperados.
Outros gestos parecem transgredir a ordem da narrativa linear e introduzem
quebras de atenção, são gestos de improviso que tendem à construção de
metanarrativas. A ação gestual é aplicada quando buscamos implicações do
corpo, em relação aos fenômenos de luz, som e eletromagnetismo. É pelo
gesto, por uma inquietação corporal, que a atenção é condicionada, tocando o
plasma elétrico emitido pela bobina, que se discute a estética corpórea, como
uma forma de refletir, sobre mente e corpo, não como duas instâncias
separadas, mas como aspectos de um único processo orgânico e integrado. O
corpo não está enclausurado em si mesmo, interage com o ambiente físico e
cultural, em fluxo entre organismo e ambiente, são processos encarnados de
um tipo de organismo incorporado.
Nessa pesquisa há a intenção de um resgate da ancestralidade como
ontologia da matéria, que deve trazer linhas e formas vitais na dinâmica de
reinvenção da matéria sutil. A presença da materialidade sonora propicia o
enlace com o gesto corporal em dança, como um conjunto em negociação que
se mantém a serviço de um canal de propagação no espaço. Se somente a
comunicação for capaz de comunicar, a fala torna-se fenômeno, o que sugere
uma linguagem de referência subjetiva. A voz-som traz a efetivação do
fenômeno de rarefação da matéria, a ressonância própria da sonoridade
corporal, ganha espaço para especulação, mas é também sucedida em
narrativa autoficcional; para a quebra do código compreensível da fala são
usados vocálicos com valores do pré-linguístico, a princípio inapreensíveis, a
fim de transmitir informação em diferentes níveis de apreensão.

204

 
Figura 74: Primeira Convocação, performance com bobina de Tesla em Evento Esforços, 2017.

Significado, pensamento e linguagem emergem das dimensões estéticas


da atividade corporal, produzindo qualidades, imagens, sons, processos
sensório-motores e emoções. Com as bobinas em funcionamento, o campo
eletromagnético é acionado e pode se ver o fenômeno de ativação dos íons em
lâmpadas fosforescentes, que se acendem. Em negociação com o meio, a
propagação de ondas eletromagnéticas, visualizadas no acender das lâmpadas
e na reação sonora da bobina quando ativada por teclados, permitem dar
sentido e abertura a outras percepções. Ora refletindo, ora refratando, ora sem
oferecer resistência alguma, e ora refletindo e refratando ao mesmo tempo;
esse movimento interessa-nos na pesquisa como imagem, som e evidência de
fenômeno de campo eletromagnético. A metáfora dada pela relação do campo
eletromagnético indicia outros fenômenos de campo entre o material e o sutil.

7.1.4 - Figurino e maquiagem


O figurino foi realizado pelo estilista Ézio Evy. Havia a perspectiva
programada de criar um figurino para a performance que deveria ter referências
do Vale do Amanhecer e o que estava pré-determinado pelo projeto que se
refez e potencializou-se pelo citado estilista, pois ele teria crescido na cidade
do Vale, com toda a gama de referências necessárias para o trabalho. Com a
premissa de caracterização semelhante às indumentárias eclesiásticas,
buscamos para o desenho do figurino a base de referência nas vestes do Vale
do Amanhecer.
Mantivemos alguns fundamentos para a composição do figurino
segundo as crenças adotadas nas vestes do Vale, para potencializar os
possíveis poderes que estariam sendo aplicados na construção de nossa
personagem. O estilista utilizou uma série de princípios para o desenho do
205

 
figurino para Cecília Spell, por exemplo: no Vale do Amanhecer os cintos são
usados para gerar “um campo magnético de proteção” ao redor do “sol interior”
de quem o veste. Assim foi montado um cinto largo com duas asas bordadas
aplicadas em posição invertida. O cinto criado faz alusão ao voo sem posição
espacial fixa, como a mão que desenha flutuando no espaço. Valores poéticos
e místicos são atribuídos durante a criação e contribuem para a composição da
personagem.

Figura 75: Estudos para figurino de Cecília Spell desenhado pelo estilista Ézio Evy (2018).

Há no Vale do Amanhecer uma hierarquia de organização semelhante à


militar, com diversos sectos que apontam diferentes funções e posições,
evidenciados nas vestes por cores e insígnias bordadas.
As vestes atendem uma simbologia das cores por emanações de
frequências, pois há a crença de que alteram a presença do sujeito com sua
personalidade do cotidiano para a apropriação do costume e representação no
Vale do Amanhecer. O manto ou capa na crença do Vale do Amanhecer tem a
finalidade de armazenar energias, funciona como uma bateria evitando que se
percam as energias que supostamente ficam guardadas sob a capa, e que
podem ser usadas na medida das necessidades, por exemplo, ficam
armazenadas quando o médium no Vale do Amanhecer faz sua emissão e
canto, para logo começarem a ser liberadas.74

74
Cf. sobre o Vale do Amanhecer, práticas ritualísticas, hierarquias, costumes e vestimentas.
Disponível em: < https://elanodoamanhecer.blogspot.com.br/p/falanges-missionarias.html>
Acesso em fevereiro de 2018.
206

 
Figura 76: BULCÃO, Athos - “Mantos litúrgicos” de, em exposição CCBB – Brasília (2018).
Foto- Alessandra Evy. BISPO DO ROSÁRIO, Arthur - “Manto de Apresentação” do acervo
tombado como patrimônio da humanidade pelo IPHAN.

A idealização da capa para a performance teria duas referências


anteriores às vestes do Vale do Amanhecer, mas de igual importância: primeiro
remetem aos mantos litúrgicos desenhados pelo carioca Athos Bulcão (1918 -
2008). A outra referência estaria no “Manto de Apresentação”, veste para o
encontro com o divino, principal peça do grande acervo realizado por Arthur
Bispo do Rosário (1909 - 1989), o sergipano artista e interno da colônia Juliano
Moreira. Por essa sugestão do trabalho bordado de Bispo como comunicação
espiritual, iniciamos o processo de acoplar insígnias ou bordados ao manto que
compomos, aos poucos o impregnando com imagens e pensamentos da
pesquisa.
Na mitologia a simbologia de “caduceu” apresenta duas serpentes
enroladas em um cedro representado pela fertilidade e magia de Hermes; já a
forma enroscada das serpentes representa o movimento ao infinito, da força
feminina. (HOWEY, 1955) Essa imagem está associada ao caminho de
iniciação que equilibra duas forças opostas para ascensão da energia dada por
um fenômeno bioelétrico e denominada no sânscrito de kundalini, um tipo de
energia cósmica que está enraizada no corpo e que ascende pela coluna
vertebral passando pelos espectros do corpo em seus diversos chakras.

207

 
Figura 77: Caduceu para manto- Bordado à mão por Alexandra Evy – criação compartilhada.
(2018).

Nas culturas orientais, essa energia potente é trabalhada através da


meditação mental e corporal, que viabiliza o desenvolvimento espiritual. Na
cultura mágica, quem costura acredita impregnar cada ponto com sua energia
vital, como quem modela uma massa sem forma pode liberar uma espécie de
sombra, cuja existência seja capaz de quebrar o repouso do objeto modelado
pelo gesto que tende a revelar algo não evidente, mas que parece comunicar,
vindo do além ou para o além. Também a performance através do corpo
parece criar suas sombras e estranhamentos, não no sentido sinistro, mas de
libertação do desconhecido, que coloca o sujeito a romper limitações.

208

 
Figura 78: esculturas feitas em impressora 3D da personagem Cecília Spell; vídeo
mapeamento e imagem das esculturas associadas a gráfico mitológico de forças mágicas
“caduceu” (2018).

7.1.5 - Videomapeamento e miniaturização


Desenvolvemos personagens tridimensionalizados com recursos
computacionais e alterados com videomapeamento que nos indicam uma
relação entre diferentes densidades do material escultórico à luminosidade.
Criadas em parceria com o artista Lui Lobão, a partir de aula de método para
chegar ao corpo digitalizado por scanner de mão (Ipad + câmera kinect) e
produção com impressora 3D caseira.
Investigamos as possibilidades de elaboração da poética que as
projeções luminosas em vídeo conferem aos objetos escultóricos inertes ao
209

 
lhes acrescentar anima. Para o mapeamento das pequenas esculturas a fim de
potencializar a qualidade de iluminação da projeção do objeto e intensificar a
visão das expressões do rosto, investimos em uma sessão de estudos para
maquiagem cênica, com as atrizes Danielle Vianna e Carol Vianna. Isso
acabou por influenciar a maquiagem escolhida para cena da performance,
complementando a concepção da personagem na cena. Face à imagem da
personagem, com maquiagem e figurino, foi realizada filmagem para o
posterior mapeamento sob a escultura tridimensional branca. Com a redução
de escala do personagem, a miniaturização da cena aponta para uma
perspectiva de apresentações da performance em outros formatos e mídias,
assim sendo outras possibilidades se abrem para futuras experimentações.
No Vale de Amanhecer, o arranjo de cabeça é chamado de “êche” ou
“sudaro”, como muitas indumentárias religiosas, semelhante ao “quipá” para os
judeus, em reconhecimento da superioridade divina sobre o humano é
simbolizado por esse adereço que estabelece uma separação entre a cabeça e
o céu. “a indumentária vem do Reino de Zana. Zana é um dos reinos mais
civilizados que baixa na Terra e seu povo vem nas consagrações e ioniza todas
as indumentárias, por exemplo: o Echê.” (Tia Neiva, Pequenos Detalhes,
13/10/1983) No nosso figurino, o “Echê” apresenta além do véu, que embaça a
imagem do rosto distanciando a identidade inicial, também tem um acréscimo
do terceiro olho ou o olho grego, o olho que tudo vê, que é aqui trazido como a
simbologia da visão com o poder ambíguo que também cega.75
Apresentamos simbolicamente o limite de quem vê em não acreditar no
que está fora da comprovação das aparências. Fazemos alusão ao poder do
vídeo simbolizado pelo olho que permite ver por outros canais, criando uma
terceira visão, para se ver o que não seria visto sem essa extensão
tecnológica. A partir do figurino, a maquiagem passou a ser pesquisada como
uma finalização para a composição deste corpo em cena. Alguns estudos que

75
Pequenos detalhes, são uma série de instruções deixadas por Tia Neiva que hoje podem
ser encontradas no website dedicado ao Vale do Amanhecer. Disponível em:
<http://puemardoamanhecer.blogspot.com/2012/04/indumentarias-e-energias.html Acesso em:
março de 2018.

210

 
haviam sido realizados no início da pesquisa foram ampliados na qualidade de
maquiagem cênica que impõe uma memória teatral por representação e
afastamento da psiquê do ator para a construção do personagem.

Figura 79: Selfie (ACERVO PESSOAL, 2018).

211

 
Figura 80: Apresentação pública de Plasma Ressonante @Hiperorgânicos 7- NANO- Museu do
Amanhã, RJ, 2017. Imagem de registro do evento - NANO.

7.2 - Aplicação da auto-experiência de Carl Jung por cenas

A partir da realização de uma auto-experiência, Carl Jung ao se


submeter a um exercício de confronto com o inconsciente, concebeu uma
teoria de funcionamento da psiquê. Sua proposta de intervenção terapêutica

212

 
por meio da arte, da qual ele denominou de “imaginação ativa”, seria uma
metodologia a fim de dar forma às imagens simbólicas. (JUNG, 1978, p. 96)
Segundo Jung, esse tipo de proposição seria de enfrentamento, pois
alguns riscos de mergulho nas profundezas e paradoxos da psiquê estariam
previstos, principalmente em tratando-se de um auto-experimento. Para
compreender o mundo dos arquétipos, seriam realizados acessos de função
transcendente, expressos através da escrita, desenho, pintura, escultura,
música, etc.. A concretização desses resultados estéticos, ao interpretar os
resultados do experimento traria um outro tipo de risco, mais ligado ao
posicionamento do ego ou do intelecto, podendo passar por um processo
de supervalorização, de potencialização da fantasia por parte do participante,
produzindo ou um sentimento de inferioridade ou de superioridade, ou de
alternância desses estados.
Procuramos atender ao eixo do experimento de imaginação ativa de
Jung ao longo de nosso processo criativo de construção da ópera proposta.
Esse eixo seguido divide-se em quatro fases principais e subdivide-se em
relação ao nosso processo de concepção e realização das cenas da
performance Plasma Ressonante.

7.2.1 - Cena 1 - Nave de dispositivos

A cena se inicia na ativação da mesa de equipamento, a nave é a


montagem de todos os dispositivos que aos poucos vão sendo testados já
marcando o início da performance. A aclimatação sonora prioriza a
improvisação. Uma chamada vocal abre a chamada em efeito de loop, as
palavras “plasma ressonante” vão se misturando aos sons de modulação
eletrônica e instrumentos acústicos. Esse é um momento técnico de conferir o
funcionamento do sistema. A “nave” de dispositivos eletrônicos e corpos
entram em operação.
Afinação e preparação respiratória em cena, notas longas emitidas em
canto. A apresentação do tema musical e visual tem caráter introdutório. É
preciso que ali, já se forneçam alguns elementos da performance como um
todo. A evocação das bruxas é enunciada por vozes em falas sem significado,
por um exercício de busca de pronuncias de consoantes em variação de

213

 
dicção. A cada apresentação notamos que há diferenças no sotaque dessas
falas sem nexo, em árabe, alemão ou indígena.
O clima musical é de suspense, a imagem projetada é resultado da
filmagem dos raios de plasma emitidos pela bobina, porém passados por
processos de efeitos digitais, transformando-se numa malha, onda
geometrizada em nuances de rosas e púrpuras. Com o vídeo faz-se a
iluminação da cena com controle da intensidade luminosa de acordo com a
reação ao som, em picos graves ou agudos, assim como também pode ocorrer
a ampliação ou redução do tamanho da imagem. A imagem é projetada voltada
na direção dos artistas, marcando seus corpos, roupas e objetos em cena.
Uma linha reta de luz laser púrpura corta a extensão do palco de ponta a ponta,
enlaçando e realçando as movimentações dos objetos e corpos em cena.

Figura 81: Performance no Museu Nacional de Brasília (2018) Fotografia De Uli Ulrich
Norbisrath.

Inicia-se o exercício de libertar-se do fluxo de pensamento do ego


(respiração, canto longo, palavras sem sentido, com expressões de emoções
não nominadas, abre-se o canal para a liberação do ego e construção de uma
identidade ficcional). No primeiro passo dessa experiência propõe-se o
confronto com o inconsciente, ao “libertar os processos inconscientes que
irrompem a consciência sob a forma de fantasias”. (JUNG, 2014, p. 141)
Os exercícios de eliminação da atenção crítica são ainda os mais
necessários, pois a cada apresentação percebemos uma forte corrente
inibidora que se amplia de acordo com as expectativas de espaço expositivo,
quantidade e características da plateia e outros elementos que podem

214

 
contribuir para um estado de nervosismo e desequilíbrio do ego. Um abandono
consciente pode se dar pelo impulso para a flutuação de estados do
inconsciente, cujos conteúdos podem aparecer por meio da lembrança de um
sonho, de vozes, de fantasias, de máscaras inibidoras ou libertadoras.

Figura 82: Imagem sintética de plasma filmado e alterado por programa computacional modul8.

7.2.2 - Cena 2 - Percurso de pesquisa

No primeiro percurso, uma narrativa inicia-se por essa caminhada pelo


espaço em referência à cena de Tesla lendo em meio aos raios. Um livro
aberto e iluminado é lido em cena. O conteúdo do texto refere-se à pesquisa
teórica, fala-se da necessidade de estudo, trabalho e dedicação para que o
encontro desejado ocorra. A leitura tem um caráter de regulamentação do
processo teórico. Há inicialmente uma tentativa de conter a atenção por uma
apresentação de conteúdo lógico. Percebemos haver certa dificuldade de
compreensão do público em conectar o sentido das palavras pronunciadas, ao
passo que essa confusão também vai sendo provocada, cada vez mais em
razão da aceleração da velocidade da música. Na medida em que os ruídos
vão crescendo, o texto vai ganhando velocidade da fala junto ao som e o
sentido das palavras vai sendo embaralhado, as palavras atropelam-se por mal
pronunciadas, até que se esgotam na falta de fôlego e espaço sonoro.

215

 
Figura 83: Performance no Museu Nacional de Brasília (2018), fotografia De Uli Ulrich
Norbisrath.

Nesta segunda fase, é promovida a confrontação entre consciente e


inconsciente, na qual as duas instâncias da psiquê mantêm seu papel no
funcionamento geral. Seria preciso deixar que uma imagem de fantasia
proveniente do inconsciente (ordem implícita) passe para o campo da
percepção consciente (ordem explícita). Deve-se entrar em acordo com esses
conteúdos para poder controlar a fantasia. Nesse momento, alternam-se a
artista, e a pesquisadora, e a entidade que se quer alcançar em estado de
alteridade. Diferentemente da fase anterior, esta etapa consiste na
hospedagem da imagem ao invés de expulsá-la ou eliminá-la.
216

 
Se os conteúdos do inconsciente estão sempre prontos a interferir em
nossas ações, ao torná-los conscientes evitamos sua intromissão e suas
consequências. Esse "alternar-se de argumentos e de afetos forma a função
transcendente dos opostos”. (JUNG, 2000, p. 16) Desdobramos
em proposições musicais que cadenciam o percurso de pesquisa em texto
falado.
A racionalidade construtiva do consciente apresentada pelo texto de
pesquisa, na qual a fala ganha inteligibilidade e oscila no limite da
incompreensão. Tecnicamente, exige do performer dicção, memória,
eloquência e equalização de sons que se sobrepõem. Com um texto longo
atravessando a cena, criam-se dificuldades tanto para quem atua, quanto para
o público que participa. Aqui, o ego tende a colocar a cena e a conexão em
risco. Na iminência de se perder o sentido do texto pode se perder também o
interesse do público conquistado em outros momentos. Aumentam as chances
de se tornar o ato um todo patético. Porém, essa fantasia pode também ser a
chave para vencer o medo de errar, transformando-o em potencial cômico. A
empatia pode estar mais próxima no despertar do bobo da corte.
A oferta excessiva de estímulos ameaça uma atenção concentrada. Os
diversos pontos de atenção podem atingir equilíbrio, em momento de
concentração por um canal intuitivo de um tipo de transe de proteção em meio
ao caos, possibilitando um retorno no mecanismo sensorial, capaz de dar
acesso à alteridade procurada para diálogo. Mas para isso seria preciso
atravessar a zona do esforço e naturalizá-la.

7.2.3 - Cena 3 – Valsa para visão remota

A valsa seria um momento de desaceleração, no qual a imagem do


desejo é também romanticamente idealizada. Na imagem projetada os raios
tomam a forma de um corpo humanizado que dança. Sob ritmo mais
compassado é possível falar sobre a tentativa de experimentos de visão
remota. Um óculo côncavo de metal é o objeto em cena que impede a visão
central, mas não a periférica, isso pode provocar uma alteração da percepção.
Em referência ao experimento ganzfeld, um outro tipo de óculos é
levado para a experimentação da plateia, esse permite a visão do plano

217

 
côncavo, sendo mais translúcido recebe a luz do ambiente ainda ofuscada.

Figura 84: Performance IBOC Galeria Brasília (2018), fotografia de Daniella Rocha Athayde.

Nessa cena prioriza-se os púrpuras e vermelhos, cores que fazem


referência ao plasma e aos espectros de cores que simbolicamente são
associados ao nível transpessoal da consciência. A pergunta da pesquisa se
mantém em como aplicar técnicas telepáticas em cena, mesmo que isso não
seja de conhecimento do público. Há uma dificuldade na execução do
experimento durante o andamento da performance. Seria preciso uma pausa
para ter atenção aos acontecimentos em cena, enquanto a dança lenta segue.

Figura 85: Performance no Museu Nacional de Brasília (2018), fotografia De Uli Ulrich
Norbisrath.

O espaço cosmológico poderia ser alcançado caso o experimento


ganzfeld atingisse os resultados de visão remota a que se propõe, ou o alcance
218

 
daria-se apenas pelo acontecimento da experiência estética? A valsa é trazida
para promover certa fantasia amorosa. Os objetos produtores de plasma
supostamente conectam o espaço de amplitude cênica e o que mais é parte
desse campo. O performer posiciona-se como um condutor do amor entre o
público e o todo. A arte que se move pelo desejo de afeto, pelo amor por si
mesmo e o amor do performer com o público, faz avançar ao momento em que
se conjuga com quem está ao lado, a fim de potencializar o envio da
mensagem para quem por ventura está distante.

7.2.4 - Cena 4 - Percurso em tensão

Figura 86: Cena do vídeo “Batismo” banho de violeta genciana e cristais em laboratório de
produção de imagem realizado pelo coletivo Morfiction - Carine Caz, Cila MacDowell e Rodrigo
Pinheiro. (2016)

Esse percurso indica que estamos no meio do caminho, não obstante


que ainda há muito a ser conquistado. Neste momento é preciso testar os
equipamentos de geração de campo eletromagnético. A bobina de Tesla é
ligada para teste, com isso a atmosfera sonora é carregada de uma suspensão
tensa; algo estaria prestes a acontecer. A imagem projetada mostra um corpo
tomando banho de violeta genciana e cristais, aos poucos se mistura com raios
da bobina de plasma. A imagem contempla o perigo eminente no processo
criativo. A possibilidade de choque elétrico com a corrente elétrica da bobina
219

 
em proximidade à água é metáfora do perigo. Ainda assim, há um preparo
ritualístico no banho de cura, pela força transformadora e invisível creditada
aos cristais e ao banho de violeta genciana. A tonalidade púrpura colore a
translucidez da água com presença impositiva, marcando a predominância dos
tons do plasma.

Figura 87: Performance no Museu Nacional de Brasília (2018), fotografia De Uli Ulrich
Norbisrath.

Esta é a fase em que se confere forma às fases anteriores. Buscamos


conferir uma forma à imagem e som para produzir resultados de experiência
concreta. Nesse momento, o corpo age ao manipular os raios de plasma. O
experimento vai em busca de resultados que se mostram concretos, com a
possibilidade de modelar a luz escultoricamente ocorre uma interação de
forças. O plasma, em contato com a mão, ativa o resto do corpo e impulsiona
para o próximo movimento em dança.

220

 
7.2.5 - Cena 5 - Incorporação do plasma

Figura 88: Performance na IBOC Galeria Brasília (2018), fotografia de Daniella Rocha Athayde.

Nessa cena evoluímos para o êxtase da dança eletrônica sensual. O


corpo está disposto para a diversão hipnótica sob ritmo forte. A base musical
com bateria eletrônica desenvolve um estilo drum and bass. O corpo soletra o
nome de Cecília Spell, a dança permite abrir o canal do encontro. O movimento
corporal traz referências específicas, são fragmentos de gestos de danças de
artistas da música pop, como Laurie Anderson que aparece referenciada na
pergunta: “Quem és mas macho La lâmpada de Edson o La bobina de Tesla?”.
Ao figurino acrescenta-se um arranjo de cabeça, o “Êche” que contém
um olho central e um véu que cobre a face. A bobina é acionada por estar
conectada ao teclado responde como um alto-falante a cada nota emitida. As
frequências das notas alteram a forma dos raios emitidos pela bobina em
diferentes alturas e pulsões visíveis. O vocoder é um recurso de microfone
ligado ao teclado que permite a alteração tonal da voz, com esse recurso
podemos controlar também a bobina que então parece falar.
A incorporação do plasma por Cecília Spell é evocada. A utilização do
vocoder, efeito de voz metalizado parece abrir um canal com a comunicação
interplanetária, parece que nosso imaginário está condicionado a metalizar as
221

 
vozes alienígenas. A possibilidade de consciência sinestésica, ao encarnar a
personagem fictícia no corpo que se move e emite vibrações que nos faz
reafirmar a condição corpóreo-motriz. Amplia a necessidade de manter-nos em
movimento seja para tratar dos processos corporais, ou para tratar dos
processos psíquicos. No improviso da dança há também o imbricar dos corpos
que não estão em cena, mas que participam impulsionados por vibrações da
música no jogo de equilíbrio entre expressão e forma. Pretende-se ativar com a
sedução da dança para conquistar o engajamento dos participantes com os
próximos passos da performance.

Figura 89: Performance IBOC Galeria Brasília (2018), fotografia de Daniella Rocha Athayde.

7.2.6 - Cena 6 e 7– Preparação ao Finale


A cena 6 apresenta dois movimentos condensados que completariam
um grupo de sete marcas da composição narrativa, masque seguem com uma
sequência contínua. Na preparação para o final, o Apará traz o manto que é
acrescentado ao personagem para o processo ritualístico. Voluntários da
platéia são convidados a participar da roda, cada um deve segurar uma
lâmpada. Com a participação de alguns voluntários potencializa-se o início de
um diálogo com o público, até mesmo o sujeito mais distante que se projeta
nessa participação.
222

 
O grupo em cena deve formar um círculo em volta da bobina de plasma.
A preparação gera um certo suspense, os acontecimentos neste momento
dependem de que a corrente se complete. São os momentos derradeiros por
uma cadência lenta e continua de preparação para a roda final. Para causar a
dinâmica de participação ativa do público durante a performance, são
experimentados métodos para viabilizar a ocorrência de provocações sobre a
possibilidade do fenômeno da telepatia em cena, mensagens são ditas a fim de
colocar essa proposição.

Figura 90: Performance IBOC Galeria Brasília (2018), fotografia de Daniella Rocha Athayde.

Figura 91: Performance no Museu Nacional de Brasília (2018), fotografia De Uli Ulrich
Norbisrath.

223

 
Feita a convocação a participar de uma experiência telepática, com
direcionamento para a escolha entre ser receptor e emissor. A bobina então é
ligada, no momento de ativação as luzes das lâmpadas se ascendem
aumentado a iluminação da cena. Nesse mesmo momento as imagens
projetadas também reagem ao som sendo ampliadas o que contribui também
para a iluminação mais forte, é possível perceber as ondas sonoras
reverberando nas paredes se o espaço é pequeno, se for mais amplo o som
espalha, mas ainda tem um alcance que dispensa microfones.
O ritual final pretende convocar a alteridade a ser incorporada, a
personagem ficcional é um recurso sugestionado dessa aproximação e contato.
Como estamos em oscilação entre um estado de apresentação cênica e
performática, não investigamos a incorporação mediada, sabemos que o
estado dos sentidos pode ser alterado pelas tensões e excitações que se dão
por simplesmente estar em cena diante de um público. Cecilia S P E L L entra
em canto e encanto. Aos poucos, o tema musical inicial volta a repetir-se,
acrescido de cantos que se somam criando uma atmosfera de ritual xamânico.
Aos poucos, a atmosfera dissipa-se e a música decresce em sinal de
encerramento.
Além, muito além do fundo do raio virgem mediúnico, que ainda está lilás
no horizonte, nasce Cecilia Spell, a anti-heroína da estranha matéria
plasmática.

224

 
Figura 92: Performance IBOC Galeria Brasília (2018), fotografia de André Isn’t publicada no
Instagram.

Na fase de encerramento da ópera busca-se promover a epifania


narrativa. O público é convidado a participar do ritual de acesso ao campo
eletromagnético e de ionização do espaço, assim sinaliza-se o início do
experimento telepático. Diante da composição musical com cantos somados
aos ruídos estridentes da bobina de Tesla e o efeito visual das luzes que se
acendem, dá-se a catarse e sensação profunda de realização, em sentido à
alteração para o transensorial investigado. Se coloca o confrontamento entre o
material produzido e o imaginado.

7.2.7- Despersonificar e redimensionar a performance


Após a performance é preciso despersonificar-se, desencantar-se, sair
aos poucos do estado de suspensão teatral. A intensidade dos aplausos, de
225

 
alguma maneira, codifica os resultados pelo gesto convencionado de resposta
do público ao que lhe foi oferecido. Observamos que a reação ao final das
apresentações nem sempre recebem aplausos imediatos. Há uma suspensão
em relação à expectativa de que algo ainda possa vir a acontecer. É preciso
algo que indique o fim, como quando os colaboradores dos projetos são
anunciados, ou se a música se silencia e os performers curvam-se para o
público.
No entanto, há várias considerações que podem ser feitas para obter
melhores resultados de acordo com a condução do performer para que os
aplausos ocorram em momento preciso. A fase posterior à performance
ocorrida, leva-nos à análise crítica, em relação àquilo que foi desejado antes da
performance se realizar e aquilo que ocorre circunstancialmente. Ou seja, a
cada situação redefine-se o coeficiente artístico entre o próprio artista com
seus resultados alcançados.
A princípio, a crítica severa aloja-se, dá-se o embate de egos que Jung
comenta, entre o ego inferiorizado com as falhas e o ego superdimensionado
com os alcances. O exercício de compreensão do que é tido como erro deve
ser preferencialmente tomado como um potencial de criação, de um processo
que não se esgota. Com isso, a poética instaura-se ou na ineficiência do
experimento, ou na compreensão de que há uma produção única onde pode
morar a magia do acontecimento.
O fato do registro ser realizado durante a performance e publicado na
maioria das vezes simultaneamente, ao ponto de já não sabermos se o que se
vive é parte da necessidade de exposição da vida ou um fato dela mesma,
poderia trazer ainda outra camada de reflexão da temporalidade midiática. A
repercussão nas redes sociais facilitada pelas mídias locativas possibilita um
tipo de avaliação posterior sobre a repercussão da performance, mas também
traz reflexão sobre as dobras espaço-temporais da performance em
telepresença. Mesmo a performance sendo realizada em espaços modestos
com capacidade reduzida de público, a visibilidade em rede cria outras
camadas para o acontecimento e esses passam a ser documentos
performativos.
O registro serve como uma documentação posterior para o artista-

226

 
pesquisador. Para o público fica implicada a co-participação ao estar ali criando
ramificações do acontecimento em tempo presente. A tentativa de realizar essa
compreensão da performance vale-se posteriormente por seus indícios de
acontecimentos vivido, pelo lastro da experiência em documentação, que
concretizam a possibilidade de análise crítica a partir do afastamento temporal.
Diante das respostas críticas e do recebimento de registros que vão
sendo enviados ou disponibilizados nas redes sociais, além da documentação
de nossa produção, vai montando-se uma visão de dobras sobrepostas da
experiência ocorrida. Entre a perspectiva projetada dessas dobras e a
performance realizada, há uma distância que aos poucos vai sendo absorvida
para a pesquisa. Temos a confirmação de que o coeficiente artístico nos
apresenta um estado de mediunidade difícil de alcançar fora do ritual, mas que
por esse motivo instiga a repetição própria da prática em cena.
Uma das conclusões que chegamos seria em relação à potência da
comunicação sutil em se reorganizar sob circunstâncias de catarse. Permanece
a pergunta, se a volta há soluções que reduzam o sistema à simplicidade, seja
o que mais se coloca próximo de resultados eficientes para que alguma
comunicação sutil ou transsensorialidade ocorra. Essa pergunta permanece
suspensa, pois no sentido da simplificação estaríamos caminhando, mais na
direção do êxito dos resultados dos experimentos telepáticos científicos e nos
distanciando do que nos levou até aqui, que seria a busca por outros modelos
de experiência estética entre o material e o sutil.

227

 
OBSERVAÇÕES CONCLUSIVAS

Esta pesquisa se desenvolveu sobre o eixo da arte, tecnologia, ciência e


espiritualidade; com tal transdisciplinaridade procuramos saídas da dualidade
apresentada por dificuldades impostas em nossa construção cultural. No que
se refere ao ponto de encontro entre mente e matéria, estudos de fenômeno de
campo continuam atravessados por lacunas explicativas, da física clássica à
quântica, como no traçado de campos psicológicos e nas teorias da morfologia
do pensamento.
Procuramos dar ênfase a campos possíveis de acontecimentos entre o
material e o sutil, ao implicar nossas observações empíricas e semi-empíricas
no exercício da prática artística. Por atributos subjetivos e suas contrapartes
científicas objetivas, vimos que processos criativos favorecem o agenciamento
de sistemas de aquisição de conhecimento para observação de fenômenos
complexos. Através da arte, mostra-se possível o resgate do sensível, por
desvios da noção de separatividade a fim de reconciliar natureza e cultura em
relações de integralidade.
Buscamos demonstrar que a arte, por interligações afetivas, produz
efeitos semelhantes aos fenômenos de campo (BOHM, 1989; SHELDRAKE,
1981; HARAWAY, 1991) e fundamentamos essa hipótese no exercício da
tecnoética. (ASCOTT, 1999) Pela motivação em ampliar as possibilidades
perceptivas através da arte, investigamos efeitos de compartilhamento de
pensamento e interconexões cognitivas e investimos em experimentações com
as mídias para compreender, além de suas qualidades técnicas programadas,
as limitativas e expansivas, para o alcance de percepções transensoriais. Na
tecnoética (ASCOTT, 1999) tiramos a base para a construção conceitual da
videonoética dada pelas inter-relações de três eixos, médium, mídia e mater,
uma configuração aplicada para facilitar a compreensão da materialidade em
seus aspectos sutis, quando aparelhada pela experiência estética que se
apresenta como campo integrativo. (NÓBREGA, 2010)
Vimos através de trabalhos de artistas, por diferentes metodologias, a
expressão que tende a potencializar a presença de campos sutis. Procuramos
apresentar o estado da questão a partir do reconhecimento da proximidade
228

 
entre arte e espiritualidade que conduz à ampliação de percepções de
qualidades relativas ao que se designa por percepção PSI, a qual na pesquisa
em arte confirmamos ser dado por um interesse de alcance do “médium da
percepção” (BENJAMIN, 1985), um sentido tratado em nossa pesquisa por
percepção transensorial, por participar do exercício próprio da experiência
estética. Com base nas noções aprendidas sobre fenômeno de campo
buscamos as relações consideradas semelhantes aos efeitos na experiência
estética, a exemplo de compartilhamentos que parecem interligar participantes
dessa experiência por um tipo de comunicação interdimensional; apresentamos
exemplos nos quais a ênfase ao vídeo, como a experimentação do corpo em
performance, provocam diálogo e interpretação referentes ao alcance de
agenciamentos afetivos.
Nesse desenvolvimento foi preciso determinar aspectos da mídia
utilizados para agenciar acessos às percepções de campos vibracionais entre o
material e o sutil. Tomando o vídeo em perspectiva da fenomenologia da luz e
do som, acreditamos que ainda é necessário a criação de sistemas que
favoreçam a apreensão do sentido háptico da matéria vibrátil. Um desses
sistemas aparece nas interfaces cérebro-computador (BCI) que utilizam o
campo vibracional de emissão do cérebro que determinam parâmetros
numéricos; são mídias instrumentais para visualização da atividade orgânica
que precisam ser compreendidas em conjunto e independentemente do projeto
tecnocientífico a que se destinam. Investigamos experiências realizadas por
cientistas, psicólogos e artistas que vêm realizando pesquisas com essas
interfaces; vimos como podemos relacionar esse tipo de interface para
percepções transensoriais quando são redimensionados em experiências
estéticas.
A partir da atenção ao “corpo-vibrátil” como processo da experiência
estética (ROLNIK, 2006), apresentamos a raiz mater, quando passamos a
intencionar em nossa prática, o acesso perceptivo às vibrações da matéria
como manifestação de campos sutis e possibilidade de reintegração com
questões da ancestralidade que exigem reacesso cultural. Sob a compreensão
de que experiências em ambientes telemáticos potencializam a
experimentação de expansão do corpo, pela associação da mídia em vetores

229

 
de virtualização e possibilidades de incorporação da imagem. Sob a condição
de ciborgue, ou psiborgue (HARAWAY, 1991; ASCOTT, 2003), vimos
exemplos de artistas que investem em percepções de vibrações materiais sutis
por resgate a estados alterados de percepção semelhantes à mediunidade
xamânica. Concluímos que percepções transensoriais facilitadas pela
experiência estética, ao nos reconectar com certa noção de materialidade
primordial sensível, tendem a potencializar a experiência transpessoal e
integrativa.
Na aplicação da videonoética, o vídeo é entendido como prolongamento
metacognitivo do tempo e espaço proporcionando sentido de compartilhamento
com o público. Em relação ao vídeo, o corpo atua como campo perceptivo,
para além do próprio corpo; a partir disso desenvolvemos um modelo de
sistema para a experiência com base no campo integrativo e na tecnoética.
(NÓBREGA, 2010; ASCOTT, 2003)
Através da prática em arte e tecnologia, detectamos a necessidade de
expandir o conhecimento a outros fenômenos referentes ao vídeo, como a
experimentação de luz e som, o que por consequência nos levou à experiência
poética com o plasma. Com a especulação dos significados e significantes do
plasma, exploramos relações de sentido de campo vibracional. Com qualidade
de imagem tangível, o plasma nos serve como um elo entre o material e o sutil.
Assim buscamos em nossa poética apresentar o plasma como parte de um
sistema associado ao vídeo e ao corpo em performance, para a ação de
compartilhamento intersubjetivo que pretende refazer a interligação entre a
virtualidade do possível e o que existe na natureza material sensível.
Na descrição prática apresentada na parte final dessa pesquisa,
procurarmos abarcar a multiplicidade de aspectos teóricos investigados e
aplicá-los na construção poética, que na mesma medida direcionou a pesquisa
teórica. Através da performance pudemos tecer uma grande rede para
aproximar pontos da triangulação investigada. Concentramos grande parte da
documentação imagética da prática dessa pesquisa e viabilizamos para a
exibição pública na plataforma em rede (internet). Buscamos associar o
conteúdo poético e ficcional às qualidades expositivas da plataforma.
Consideramos ser relevante o acesso ao material disponibilizado em rede, para

230

 
vinculação do esforço teórico e prático empenhados na pesquisa como um
todo. Disponível para ser acessado no endereço eletrônico:
<http://cilamcd.com>

Figura 97: Poster IF Studio – Fotografia Athena Azevedo para performance


Plasma Resonance – Cecilia Spell - 2015 (ARQUIVO DE PESQUISA).

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245

 
ANEXO A

Etapas de metodologia da pesquisa prática:

! Visitas aos laboratórios:


- Lab-NANO, LADIF, LAB H2, LAMAE, GRVA - LAMCE, Lambse, LAB 01
(UFRJ); Midialab (UnB); Laboratório de Neurociência Cognitiva e
Neuroinformática (Instituto D'OR)
- Estudos sobre os fenômenos físicos de luz, eletromagnetismo, diálogo
com físicos e engenheiros elétricos, artistas pesquisadores.
- Experimentos realizados sob orientação dos participantes dos laboratórios
citados acima. Experimentos em física, em ótica como difração da luz,
eletromagnetismo e plasma; experimentos com sensores, biossensores
(EEG), arduinos; experimentos com a bobina de tesla.

! Estudos em neurociência:
- Seleção e preparo de imagem para banco de dados em colaboração com
a pesquisa da neurocientista Patrícia Bado, para montagem de seu
experimento sobre empatia no laboratório IDOR, coordenação Jorge Moll; <
http://idor.org/> ; coleta de material videográfico para colagens de edição,
arquivo documental.
- Estudos práticos de dispositivos de captação neural (emotiv, neurosky,
open BCI) diálogo com psicólogos e neurocientistas.
- Maratona hacker competitiva, Hacking The Brain, 36 horas,
desenvolvimento em equipe de sistema proposto nessa pesquisa, parte do
projeto de reconhecimento de ondas neurais e controle de imagem ligando
sistemas de hardware e software. Equipe composta por um roboticista, um
programador computacional, e duas artistas performers. Prêmio de segundo
lugar na maratona.
- Estudos de programação computacional para viabilizar a conectividade
entre os programas de captação de freqüências neurais aos programas de
produção de vídeo e projeção em tempo real.

 
! Observação participante:
- Pesquisa de campo em espaços de ativação mediúnica, rituais,
espiritualistas e lugares de estudos de consciência, hipnose e ganzfeld.
- Visitas realizadas: Templo da Boa Vontade, Vale do Amanhecer; Sagrado
Feminino e medicina do cacau para dança na Chapada dos Veadeiros -
GO; aulas sobre Madame Blavatsky na Sociedade Teosófica; palestras no
IICP- Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia; Templo
Budista; Consultório do hipnoticista, psicanalista e teatrólogo Dr. Mário
Guillhon- entrevista com caráter terapêutico por isso não transcrita, estudos
sobre hipnose aplicação de testes, sob orientação do Dr. Mario Guillhon.
- Encontros imersivos com colegas de pós-graduação e orientadores para
desenvolvimento concentrado na pesquisa; inclusão de estudantes de
graduação em Artes Visuais no projeto de pesquisa, dialogo colaborativo
prático-teórico para investigação dos fenômenos de campo, dentro do
programa PIBIAC, programa de iniciação artística e cultural.
- Práticas de técnicas de telepatia por agendamento de envio e recepção,
realizadas com colegas de doutoramento.

! Estudos de montagem laboratorial para performance:


- Prática imersiva em desenho e performance - FLOW, orientação de Guto
Nóbrega.
- Estudos de corpo; expressão corporal, yoga, dança e técnicas de view
point.
- Técnica vocal em prática semanal, com a instrutora Clarice Gonzallez.
- Programação de encontros para performances seriadas, em eventos
mensais e semanais, idealização de temas específicos com convite a outros
artistas, cientistas ou pessoas que se interessam pela pesquisa dos
fenômenos de campo, que possam determinar um direcionamento
específico temático das performances, diferenciando cada episódio da
série.
- Organização espacial, montagem de equipamentos com atenção para
interferências ressonantes, projeto de estantes adequadas para suporte dos
equipamentos, circulação e montagem em diferentes espaços.
- Residência na Galeria IBOC-Brasília. Imersão no espaço expositivo,

 
apresentando performances e experimentos de comunicação telepática
para além de resultados obtidos através de métodos de desenho, busca por
indagações sobre as experiências de observação dos mecanismos do
pensamento quando o pensar é colocado em observação.
- Laboratório de produção escultórica em impressora 3D, com Lui
Rodrigues.

! Produção de som e imagem:


- Ensaio fotográfico com a fotógrafa Athena Azevedo, produção de ensaio
em vídeo para concepção da personagem; edição de pôsteres assinados
pelo designer Toshiaki Ide do IFstudio em NY, com prêmio e publicação
pela competição anual de pôsteres da GRAPHICS. Disponível
em:<https://www.graphis.com/store_/product/poster-annual-2017/.> acesso
em julho de 2017. Publicação de revista Epic Eye com matéria direcionada
à pesquisa.
- Estudos de sonorização em diálogo com produtores musicais e
instrumentistas; Luciano Corrêa no violoncelo e bases eletrônicas, Patrícia
Vital no violoncelo, Mauricio Borges no violoncelo; laboratório de modulação
sonora com José Flores; direção de composição com João MacDowell,
criação visual em colaboração com a companhia internacional de ópera -
Ensaios de som e imagem com direção cênica de Laís de Azeredo
Rodrigues para definição de movimentação do corpo em relação à imagem
e aspectos gerais. Ensaio para envio de performance em telepresença.

! Conteúdos digitais:
- Pesquisa de diferentes programas computacionais: animação gráfica e
edição de vídeo em tempo real; cursos de programas computacionais de
programação para construção de website, com fins expositivos e de
divulgação do projeto, estudo de programação para construção de
aplicativos (apps) para criação de experimentos telepáticos em mídias
locativas, celulares.
- Filmagem e edição em vídeos, com colaboração de Rodrigo Pinheiro
Carine Caz, Laís de Azeredo Rodrigues, Cleon Omar e Marilu Cerqueira.
- Criação de website para acesso a vídeos, imagens e textos.

 
Disponível em: <http://cilamcd.com> acesso em: agosto de 2017.
- Pesquisa de plataformas para videoconferências que facilitem e melhor se
adéquem às possibilidades de performance em telepresença, para
exposição pública no espaço da rede, com possibilidade de interferências
dos participantes.

! Performances com exposição pública:


- Arte Atual Festival- QAP: Ta na Escuta? - Curadoria de Paulo Myada,
Luise Malmaceda, Priscyla Gomes, Theo Monteiro- #RCTelepática com
Raquel Nava - Instituto Tomie Othake- SP, 5 de maio de 2017.
- HIperorgânicos –Nano- Performance Plasma Ressonante: Em busca de
Cecília Spell- Museu do Amanhã. RJ. 12 de maio de 2017.
- Encontro de artes performáticas e neurociência- Limbseen: Performance
Plasma Ressonante: Em busca de Cecília Spell- Teatro Roxinho- CT-
UFRJ- RJ. 2 de junho de 2017.
- SkypeLab Org. Maira Fróes- #RCTelepática com Raquel Nava. LAMCE-
COPPE- UFRJ- RJ. 5 de junho de 2017.
- Distâncias, Org. Gerson Cunha, Maira Fróes, Cila MacDowell- exposição
coletiva, apresentação da instalação: Sistema/nave, LAMCE- COPPE-
UFRJ- RJ. 21 de setembro de 2017.
- Cecília Spell – Galeria IBOC – Brasília – evento Bsb Plano das Artes-
Curadoria Cinara Barbosa, 2,3, 4 e 15 de março, 2018.
- #17ART- Museu Nacional de Brasília – 2 de outubro de 2018.

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