Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
da arte
moderna
jorge zahar editor .
SUMÁRIO
Tradução autorizada da edição inglesa J;j>vistae ampliada Construtivismo / AARON SCHARF 116
publicada em 1988 por Thames and Hudson Ltd, de Londres, Inglaterra,
no coleção World of Art Expressionismo Abstrato / CHARLES HARRlSON 122
Copyright © original edition, 1974 Penguin Books Ltd Arte Cinética / CVRlL BARREf 150
Copyright © rcvised edition, 1981 Thames and Hudson Ltd, London
Arte Pop / EOWARO LUCIE-SMITH 160
Copyright © 1991 da edição em língua portuguesa:
Jorge Zahar Editor Ltda. Arte Op / J AS IA REICHA ROT 170
rua México 31 sobreloja
20031 Rio de Janeiro, RJ Minimalismo / SUZI GABLlK 174
Todos os direitos reservados. Arte Conceitual / ROBERTA SMITH 182
A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo
011em parte, constitui violação do copyright. (Lei 5.988)
Ilustrações 193
IIl1slruç.io da capa: Renê Magrittc, A Obra-Prima 0" Li. ta de Ilustrações 285
0-, MI.nérios do Horizonte, 1955 (em reprodução
múltipl»). L. Arnold Wcissbergcr, Nova York, ihlio rafia Selecionada 294
I"'Yllut dll cup»: Gu,luvO Meycr
tndi li Norn e Assuntos 300
IlIIpl<' 111:Tuv.,," c Trt,lillI :"tdu.
o dadá foi batizado em Zurique, mas a rapidez com que o nome se propagou, 0, a ARTE, é claro, não existe ... no entanto: nós fazemos arte - porque
imediatamente depois da guerra, a outros países e a outros grupos de pessoas indica • não de outro modo - Bem - o que é que vocês querem fazer a esse
que suas atitudes e atividades já existiam. Foi um movimento essencialmente I?
internacional: dos dadaístas de Zurique, Tzara e Janco eram romenos, Arp nA . im, não gostamos da Arte nem dos artistas (abaixo Apollinaire!) ... De .
alsaciano, Ball, Richter e Huelsenbeck, alemães. Tampouco se limitou à Europa. 1U.1~luClrmodo, como é necessário vomitar um pouco de ácido ou de velho lirismo,
Em Nova York, os expatriados franceses Duchamp e Picabia apresentaram, faça abruptamente, rapidamente, pois as locomotivas correm velozes.?'ê
durante a guerra, artigos críticos protodadaístas, 391 e Rongwrong, e reuniram à d daístas continuaram produzindo coisas, ainda que estas fossem, com
sua volta um grupo de jovens americanos insatisfeitos, incluindo Man Ray. :•••• II.rlcl ,como cavalos de Tróia, objetos antiarte.
"Dadá é um estado de espírito", disse Breton." Esse estado de espírito já era lado de espírito dadá é bem expresso se compararmos Gijt, de Man Ray,
endêmico na Europa antes da guerra, mas o conflito deu novo impulso e urgência d ngomar comum com uma fila de pregos de latão espetados na base,
ao descontentamento que muitos artistas plásticos e poetas jovens já sentiam. uchamp para um "Ready-made Recíproco: Use um Rembrandt como
Huelsenbeck escreveu em 1920: "Estamos de acordo que a guerra foi maquinada pa sar ferro".'?
pelos vários governos pelas razões mais autocráticas, sórdidas e materialistas." A rbia disse: "As únicas coisas realmente feias são a arte e a antiarte.
guerra era a agonia de uma sociedade baseada na cobiça e no materialismo. Ball viu qu o arte aparece, a vida desaparece." Com o descrédito da obra de arte
o dadá como um réquiem para essa sociedade, e também como os primórdios de ultivo do gesto. Dadá era um modo de vida. Escreveu Ball: "Tendo a
uma nova. "O dadaísta luta contra os estertores e delírios mortais de seu tempo ... d idéias destruído o conceito de humanidade até as suas camadas mais
Sabe que este mundo de sistemas foi despedaçado, e que a era que exigia , os instintos e os antecedentes hereditários estão agora emergindo
pagamento à vista acabou organizando uma liquidação de filosofias sem deus."! A mente. Como não existe arte, política ou fé religiosâ que pareça
própria arte era dependente dessa sociedade; o artista e o poeta eram produzidos para sustar essa torrente, resta apenas a blague e a postura ferina."!" Dadá
pela burguesia e deles esperava-se, portanto, que fossem seus "trabalhadores as- I omo seus heróis Vaché, que certa vez interrompeu uma representação de
salariados", servi ndo a arte meramente para preservá-Ia e defendê-Ia. A arte estava clr Tirésias, de Apollinaire, ameaçando descarregar sua pistola contra a
tão intimamente ligada ao capitalismo burguês quanto as imagens complexas deste ujo suicídio foi um gesto final, e Arthur Cravan, um poeta irremediavel-
trecho de Tzara indicam: "É o propósito da arte fazer dinheiro e agradar ao amável nnpetente que se converteu em uma duradoura lenda em conseqüência
burguês? As rimas soam com a assonância da moeda circulante, e a inflexão desliza h tnis como desafiar para uma luta o campeão mundial de pesos-pesados,
ao longo da linha da barriga de perfil. Todos os grupos de artistas chegaram a esse h, em,ou chegar bêbado para proferir uma conferência sobre arte moderna,
consórcio depois de terem cavalgado seus corcéis em vários cornetas."? A arte I uma requintada platéia de Nova York, e despindo-se no estrado. Em
tomou-se uma transação comercial, literal e metaforicamente, os artistas eram rt 11 dos Estados Unidos para o México em um barco a remo e nunca mais
mercenários em espírito, os poetas, "banqueiros da linguagem". Tornou-se ainda til ( gestos dadá são abundantes: por exemplo, o escândalo encenado por
uma espécie de válvula de segurança moral, justificando um patriotismo dúbio: IP, quando inscreveu um urinol a que chamou Fonte para a Exposição dos
"Nenhum de nós tinha em grande apreço a espécie de coragem exigi da para que r (I 111 s em Nova York, sob o pseudônimo de R. Mutt, e, quando se
alguém se deixe matar pela idéia de uma nação que, na melhor das hipóteses, é um m 11 xpô-lo, demitiu-se do júri.
cartel de açambarcadores e traficantes ou, na pior, uma associação cultural de f Í!o de tais gestos era inteiramente desproporcional ao montante de
psicopatas que, com os alemães, marcharam para o front com um volume de 111 n. dadaístas neles investiam. Era como se o da dá tivesse uma vida
Goethe na mochila, a fim de espetar franceses e russos em suas baionetas.t"? A porquanto não havia unidade real entre os dadaístas. Suas exposições,
revolta dos dadaístas envolveu um tipo complexo de ironia, porque eles próprios 1110, eram notáveis por sua total incoerência. Nada há que seja um estilo
eram dependentes da sociedade condenada, e a destruição desta e de sua arte ellldllisla. continuaram produzindo arte (ou o que, em virtude de um
significaria, pois, a destruição deles próprios como artistas. Assim, num certo I () rnose, se converteu subseqüentemente em arte), mas cada um
sentido, o dadá existiu para se destruir. 11.1própria direção. Dadá também teve um caráter li eiramente diferente
111 111 ur .s, Entretanto, talvez se ssam distin uir dois tipos de ênfase
~ARTE" - palavra-papagaio - substituída por DADÁ,
PLESIOSSAURO, ou lencinho de bolso
I.ul. or um lado, havia aqueles como Ba I e Arp, que uscavam uma
MÚSICOS DESTRUI VOSSOS INSTRUMENTOS
rn d . ubstituir o esteticismo gasto e irrelevarue. e, por outro lado,
CEGOS ocupai o palco ( '/. ra Picabia, empenhados na destruição pela zombaria, e também ~
p rll xplorar a ironia de sua posição, burlando o público a respeito de
A urte é um ENGANO estimulado pela "1"III~n,JCI( 101 como artistas. Picabia desfrutou de enorme sucesso em Paris
TIMIDEZ do urinol, 11 histeria nascida I dá.
cIllOE.\'"ítlio"
qu • o dada mantev mais ou menos o aspecto de um movi-
n vo, pro guindo na r alizaçâo de cxpcrim ntos no "novo
J qu VII h ,qu morr u d d( li ópi () III 1 m, m um nov lin uo m poro a poc: ia. Arp • cr v um i
111 r 111 11 11, IIt IId u 111 111 ironlu d
84 CONCEITOS DA ARTE MODERNA
DADA E SlJJIRI!AUSMO 8
Em Zurique, em 1915, tendo perdido o interesse pelos matadouros da guerra mundial, voltamo-
nos para as Belas Artes. Enquanto o troar da artilharia se escutava a distância colávamos liberada. Menciono esses experimentos mais demoradamente porque eles têm
recitávamos, versejávamos, cantávamos com toda a nossa alma. Buscávamos uma arte elementar r lação direta com o futuro do surrealismo. O automatismo tão estreitamente
que, pensávamos, salvasse a espécie humàna da loucura destes tempos. " 1 do ao acaso, era arte fundamental dó surrealismo; e, no primeiro Manifesto
urr alista, Breton discute seriamente o "poema jornal" como atividade surrea-
Enquanto as noitadas no Cabaré Voltaire ficavam cada vez mais barulhentas
I l. ntretanto, como veremos, en uanto o surrealismo organizaria essas idéias
conjunto de regras e.JJrincípios, no Dadá elaseram apenas_uma grande
e provocantes, Arp outros dadaístas, como Hans Richter e Marcel Janco busca-
1 ão de atividade que tinha por objetivo provocar o público, a destruição das
vam privadamen e uma arte mais elementar e abstrata, através de diferentes
tradicionais de bom gosto, e a libertação das amarras da racionalidade e do
métodos. Arp ueria ue a arte fosse anônima e coletiva; e, em colaboração com
rialismo.
Sophie Taeuber, sua futura esposa, executou colagens e bordados baseados em
Hug B~oi mais longe do que qualquer outro em sua busca de uma nova
formas geométricas simples. As revistas Dadá estão cheias de suas impressionan-
uagem para a poesia. Ele era um homem estranho, dividido entre o desejo de
tes xilogr~vuras. Também começou a fazer relevos em madeira, como o Retrato de
v Ivimento e de ação política direta e o anseio de renúncia ao mundo e re-
Tzara, cujas formas mais fluidas e orgânicas prefiguram seus relevos e esculturas
lhlm nto a uma vida de ascetismo. O seu papel no Dada nunca foi adequada-
po~teriore~, mas são freqüe~temente montadas de modo precário, com pregos. Ele
l definido. Seus vínculos iniciais com o expressionismo alemão com o Der
_evIto,: dehberadamente a pintura a óleo ue lhe arecia carre ada com o peso da
u Reiter e o Der Sturm, são evidentes nos programas do Cabaré Voltaire; eram
lra lçao e VlnCUa. a a exa ta ao ue o homem fazia de si m~. Dadá signi Icava'
para Arp algo muito particular:
1 que ele compartilhava com Arp e Richter, que estava ainda pintando telas
m nte expressionistas. Mas ele acabou se rebelando contra li fraseologia
Dadá visou destruir as razoáveis ilusões do homem e recuperar a ordem natural e absurda. Dadá iloqüente do expressionisrno e sentiu que a auto-expressão, embora a idéia
quis substituir o contra-senso lógico dos homens de hoje pelo ilogicamente desprovido de vlv sse, tinha muito pouco em comum com o estado de espírito dadaísta. Ball
sentido. É por isso que golpeamos com toda a força no grande tambor de Dadá e proclamamos 11 u sua nova linguagem em Flucht aus der Zeit:
as virtudes da não-razão .• Dadá deu à Vênus de Milo um enema e permitiu a Laocoont~ e seus
filhos que se libertassem, após milhares de anos de luta com a boa salsicha Python. As filosofias I 'vamos a plasticidade da palavra a um ponto que dificilmente poderá ser suplantado. Esse
têm menos valor para Dadá do que uma velha escova de dentes abandonada, e Dada abandona- r ultado foi obtido às custas da sentença logicamente construída e racional... As pessoas podem
as aos grandes líderes mundiais. Dadá denunciou os ardis infernais do vocahulário oficial da Irrlr, se assim quiserem; a linguagem nos agradecerá por nosso zelo, mesmo que não "haja
sabedoria. Dadá é ~r d~ não-se!!.!!d2,~que não significa contra-senso. Dadá é desprovido IllIalllqucr resultados diretamente visíveis. Incutimos na palavra forças e energias que nos
de sentido como a natureza. padá é pela natureza e contra a arte. Dadá é direto como a natureza. !li Ihllltam redescobrir o conceito evangélico do "verbo" (logos) como um complexo mágico
Dadá é pelo sentido infinito e pelos meios definidos. '6 II ímagens."
Não surpreende que, embora se movimentasse mais tarde nos círculos No início de 1917, Ball dedicou uma soirée inteira à leitura de seu poema
surrealistas, a simpatia de Arp permanecesse sempre com o Dadá. II o na Galeria Dada. Trajando uma espécie de pilar cilíndrico de cartão azul
Arp era um poeta, tanto quanto um artista plástico, e aderiu ao ataque contra l o, para que não pudesse fazer movimento nenhum, Ball teve que ser
a linguagem que o Dadá desencadeou e que o surrealismo continuaria à sua manei- do até o estrado, onde começou recitando, lenta e majestosamente: "gadji
ra. Richter descreve como Arp, certo dia, rasgou um desenho em pedaços e deixou mb glandridi laula lonni cadori .;" O público riu e aplaudiu, pensando ser
que os fragmentos, ao cair, formassem um novo padrão; Arp começava a deixarqu nn ozação às suas custas, mas estava disposto a aceitar e a colaborar. Ball
o acaso entrasse em suas com si ões (ver nota 26); e, ao mesmo tempo, estava uou r citando e, ao atingir o clímax, sua voz adquiriu a entonação de um
produzin?o desenhos espontâneos que resultavam do fluir livre da tinta, que ti- I I. oi uma de suas últimas aparições como dadaísta. Outros dadaístas,
nham ~Ul~o em co~um com o desenho automático dos surrealistas [ilustração 54]. oul Hausmann, em Berlirn,'? transformaram o poema fonético no que
Também introduziu 9 acaso em seus poemas, "rasgando" frases para que nâ Hllu.mann hamou de uma forma puramente abstrata, e que Schwitters utilizou em
Ursonate. Outros experimentos incluíram o "poema simultâneo, em
houvesse coerência lógica, embora estejam longe de ser desprovidas de sentid
"animais hílares espumam pelos potes de ferro os rolos de nuvens geram anim I , Hu ls nbeck e Janco leram simultaneamente três poemas banais em
de suas entranhas" .t7 Arp introduzia às vezes palavras ou frases pinçadas ao ac , fr n s e inglês o mais alto que suas vozes eram capazes. (A simulta-
de umjornal: "Maravilha mundial envia cartão imediatamente aqui é uma part d 1I~.dc r uma h rança dos futuristas, tal como o "ruidismo H). Mas o misticismo
um porco todas as 12 partes reunidas fixaram-se o apartamento dará uma clara vi 11 I v da vez mais deslocado no Dadá. Faltava-lhe o humor suave, mas
lateral de um estêncil surpreendentemente barato todos compram" (Weltwund r I"lnlclo que permitiu a Arp manter seu equilíbrio dentro do Dadá. Finalmente, Ball
1917). Tzara, cujos Vingt-Cing Poêmes mantêm um fluxo torr ncial d 1m .Irwllrou." x mln i-rn cuidadosamente", disse ele, "e concluí que nunca poderia
d vairadas, foi ainda mais longe, recomendando como r c ita para um m v nd caos."
daí ta r cortar fra de um jornal, a quai rão d poi m tid num
I d tirad "m ri p Id m v I
~ I I rt I t
86 CONCEITOS DA ARTE MODERNA DADA E SURREAU MO 87
Ao tentar evitar a interferência do gosto, que ele equipara a hábito, Duchamp Para se assegurar de que ninguém poderia ainda confundir o Dadá com uma
produziu obras que são, na aparência, notavelmente dessemelhantes entre si, "idéia culturalmente progressista", Hausmann e Huelsenbeck traçaram um pro-
mbora ocorram os mesmos temas e preocupações; e introduziu deliberadamente . grama de ação, "O que é o· dadaísmo e o que ele quer na Alemanha?", que
o acaso nessas obras." Seus últimos óleos, em 1912, A Noiva e Passagem da conclamava à "união revolucionária internacional de todos os homens e mulheres
Virgem para a Noiva, sugerem sutilmente órgãos humanos transpostos para criativos e intelectuais, com base no comunismo radical" e "a expropriaçã~
máquinas, ou diagramas para máquinas, e desencadearam a produção de centenas imediata da propriedade (socialização) e a alimentação de todo o povo .:" So
de desenhos de "máquinas", principalmente os de Picabia [ilustração 56]. O Heartfield, porém, era filiado ao Partido Comunista, e exigências tais como a "in-
Grande Vidro, A Noiva Desnudada por Seus Noivos, Mesma, * com sua iconografia trodução do poema simultaneísta como uma oraç~o do Estado com~ni.~ta" e
extremamente complexa, é a culminação de sua carreira "pública" como artista. "regulamentação imediata de todas as relações sexuais de acordo com as idéias do
Representa uma máquina de amor que, porque' nunca pode "funcionar", frustra dadaísmo internacional, através do estabelecimento de um centro sexual dadaísta",
permanentemente o desejo de seus protagonistas. Ela ilustra perfeitamente como em nada contribuíram para tranqüilizar os comunistas a respeito da seriedade de
suas telas, e as de outros dadaístas que produziram representações pictóricas de propósitos de tais parceiros, ao mesmo tempo que os cidadãos respeitadore~ da lei
máquinas, são o exato o sto da estética mecânica futurista: Sua atitude é os consideravam agitadores bolcheviques. Muitos deles, entretanto, estiveram
inteiramenteiroruca. Depois de 1923, Duchamp decidiu acatar o conselho que ele envolvidos na Revolução de Novembro, e quando esta fracassou, continuaram na
próprio dava aos artistas mais jovens e passou a viver à margem dos acontecimen- oposição, conservando sua identidade como dadaístas muito depois que o movimento
tos. Ao renunciar a toda atividade artística, salvo para organizar uma ou outra ex- já morrera em outras paragens.
posição surrealista, ele parecia ter levado o Dadá à sua conclusão lógica."
r alismo. Em 1922, Breton anunciou planos para um Congresso Internacional a ~endo oyoder do "ato de criação espontâne.a", o surreal~s~o. a?o~iu
fim de determinar "a direção do espírito moderno" ao qual compareceriam repre- o veto que o Dadá tinha aplicado a arte e eliminou a necessldaae da posiçao ~nE
s ntantes de todos os movimentos modernos, incluindo o cubismo o futurismo e dadaísta, devolveu ao artista a sua razão de~r sell2..imyor:..ao mesmo tem um
o Dadá - e assjm, ao inscreve~ o Dadá, por assim dizer, na história da arte, Breton novo conjunto de regras estéticas. Mas o apelo de Artaud par~ a der;ubada de
matou-o efetivamente. Tronteiras não teve resposta por largo tempo, dado que o surreahsmo so se to.!'nou
O relacionamento entre o surrealismo ~ Dadá é com lexo, r ue, sob realmente internacional em 1936, rmanecendo até entâo_ um movimento pre-
muitos aspectos, eles eram b~stante semelhantes. Politicamente, o surrealismo dõmiila'õfemente francês, centrado em Paris.
herdou a burguesia como seu inimigo, e continuou, pelo menos em teoria, seu /' -----o Manifesto surrealista anunciou o surrealismo como, um movimento
ataque às formas tradicionais de arte. Artistas previamente associados ao dadá literário mencionando a pintura apenas numa nota de rodape. Afirmava, en-
aderiram ao surrealismo; mas é impossível dizer que a obra de Arp, Ernst ou Man tretanto: abranger todo o espectro da atividade humana, com o ~bjeti~o de expl~rar
Ray, por exemplo, virou surrealista de um dia para o outro. O surrealismo foi, r e unificar a psique humana, englobando áreas até então neg.hge~ciadas d~ Vida,
assim dizer um substituto do Dadá; como disse Arp, "expus com os surrealistas como o sonho e o inconsciente. O Manifesto era tanto a culminaçâo dos dois anos
porque sua atitude rebelde em relação à •arte' , e sua atitude direta em face da vida precedentes quanto o anúncio de algo totalmente novo. Deu a seguinte definição
eram semelhantes às do Dadã"." A diferença radical entre eles residia na formu- de surrealismo:
lação de teorias e gtjncí ios em vez do ~nar uismo dadaísta .. SURREALISMO, S.m. Puro automatismo psíquico, através do qual se pretende expressar, ver-
Mas foram precisos dois anos para que o surrealismo se firmasse realmente balmente ou por escrito, o verdadeiro funcionamento do pensamento. O pensament~ ditad~ .na
como um movimento, e esses anos, de 1922 a 1924, ficaram conhecidos como a ausência de todo o controle exercido pela razão, e à margem de qualquer preocupaçao esteuca
"période des sommeils". Os futuros surrealistas, incluindo Breton Eluard Aragon, ou moral.
ENCICLFi/os. O surrealismo se assenta na crença na realidade superior de certas fonnas de
Robert Desnos, René Crevel e Max Emst .á estavam ex lorando as ossibilidades
associação até agora desprezadas, na onipotência do sonho e no jogo ~esintere~d.o do
do automatismo edos sonhos mas o período foi marcado elo uso Q.ehipnotismo pensamento. V isa à destruição definitiva de todos os outros mecanismos pSíqUICOS,substituindo-
e drogas. Num artigo intitulado "Entrée des médiums", em 1922, Breton descreve os na resolução dos principais problemas da vida."
a excitação que eles sentiram quando descobriram que, durante um transe hipnótico,
alguns deles, especialmente Desnos, podiam produzir surpreendentes monólogos, Afirma Breton que a origem de seu interesse pelo automatism<;> foi P~·eud.
escritos ou falados, repletos de imagens vívidas de que seriam incapazes, afirmou Como estudante de medicina, trabalhara na Clínica Charcot sob a onentaçao do
ele, num estado consciente. Mas uma série de incidentes perturbadores, como a neurologista Babinski e passara algum tempo num hospital de Nante.s (onde
tentativa de suicídio em massa de todo um grupo deles durante um transe hipnótico, conhecera Vaché). Escrevendo no Manifesto sobre os anos que antecederam a
levou ao abandono desses experimentos e, no primeiro Manifesto surrealista, guerra, diz Breton: "Completamente ocupado com Freud, com~ eu ainda ~tava
Breton evita qualquer discussão de auxiliares "mecânicos", como drogas ou o nessa época.re familiarizado com os seus métodos ~~ observaça?, que eu tivera
hipnotismo, enfatizando o surrealismo como atividade natural, não induzi da. ocasião de aplicar em pacientes durante a guerr~, decidi o~ter d~ mim mesmo o,que
~Em 1924 foi estabel!ê.cido o Centm..de.E.es uisas Surrealistas, ublicou-se o tentamos obter deles, um monólogo pronunciado o mais rapldamer:te possível,
Manifesto surrealista de Breton e saiu o primeiro número da revista surrealista IA sobre o qual a mente crítica do indivíduo não deve pr~uz~ qual.que! Julgamento,
Révolution Surréaliste. Gerou-se uma atmosfera de expectativa exultante, e muito e que, portanto, não seja embaraçado por nenhuma reticencia e seJ~ ~o exatamente
mais escritores e artistas plásticos jovens foram atraídos para o novo movimento. quanto possível, pensamento falado. "34 Em colaboração com Philippe Soupault,
Entre eles estava Antonin Artaud, que fundou mais tarde o revolucionário produziu páginas e páginas escritas desse mod~ e ~ue, quan~o as. leram :
Théâtre Alfred Jarry. Artaud foi colocado na direção do Centro de Pesqui- compararam, os deixaram espantados com "a considera~el seleçao de lfiagens.
'as Surrealistas, que Aragon descreveu como "uma embalagem romântica para assim geradas, "de uma qualidade tal que não teríamos Sido capazes de prod~zlr
idéias inqualificáveis e revoltas permanentes. "31 Em sua "Carta aos Reitores das usando a escrita comum". 3~ As imagens, a vivacidade e a emoção nos seus escntos
Universidades Européias", Artaud expressa o desejo abrangente de liberdade, de eram muito semelhantes - as diferenças nos textos provinham das diferenças em
vasão dos grilhões da existência banal, e também o irrefreável otimismo dos seus respectivos temperamentos, "sendo os de Soupault menos estáticos ~o que os
surrealistas, meus". Os surrealistas sempre sublinharam que o automatismo revelana a ver-
dadeira natureza individual de quem quer que o praticasse, de um modo muitíssimo
Mais longe do que a ciência jamais irá chegar, lá onde as flechas da razão se quebram contra as
mais completo do que em qualquer de suas criações cons~ientes. ~ois o automa-
nuvens, existe esse labirinto, um ponto central para onde convergem todas as forças do ser e todos
os nervos essenciais do Espírito. Nesse dédalo de paredes móveis e sempre muiantcs, fora de
tismo era o meio mais perfeito para alcançar e desvendar o ínconscíente. Os textos
tudas as formes conhecidas de pensamento, o nosso Espírito se agita, atento aos seus movimentos que Breton e Soupault tinham escrito foram pu~lica~os em Littérature, em .1919,
mais eretos c espontâneos - aqueles com o caràter de revelação, um ar de ter vindo de alhur , sob o titulo de Les Champs Magnétiques, os quals, cmco anos antes do Manifesto,
d ter caído do céu.; A Europa se eristalil.a, mumifica-se lentamente lIelbo cnvoltôrio de u podiam s r qualificados como a primeira obra surrealista. . .
fwnt Ir., ua f.hrlea., IICU tribunais de justiça, suas universidade .. A culpa ti nl VI O rim Iro Manifesto é uma colcha de retalhos de idéias - a definição de
I t ma h"lur nll ,n VI 1<\lIi<·.de 11,,1 m I dol IIIU I a qu tru; a ulra li m v 1 m u linha ut mat m ,mas urna x nsa parte é dedicada aos sonhos,
Itll m nllr alll d ri ç li pllnt ne um mund ••bem mal "mrl 10 v I dI r d qu
v m um xpr dir ta da m nt in n i nt •
qulqurmlrll ••
DADA E SURRl!ALI MO 9
ONCIlITOS DA AR11l MODERNA
quando a mente consciente diminuía seu controle durante o sono." Seria um ~rtes plásticas são, num certo sentido, auxiliares do surrealismo, cujos
interesses principais são a poesia, a filosofia e a política, embora fosse realmente
equívoco, entretanto, pensar que, em virtude de suas ~rigens aparentes na _teoria
psicanalítica, o espírito de pesquisa científica presidisse aos Primeiros anos do ãtrãVes aquelas que o surrealismo se tomou conhecido do grande público. No
surrealismo. A despeito da homenagem prestada a Freud, é evidente que o uso que âmbito das artes visuais, o surrealismo foi um dos mais vorazes de todos os
eles fizeram de suas técnicas de livre associação e interpretação de sonhos foi, em movimentos modernos, atraindo para a sua órbita a arte dos médiuns, crianças,
muitos aspectos, abertamente oposto às suas intenções. "Cabe agora ao homem lunáticos, os pintores naífs, juntamente com a arte primitiva, que refletia a crença
pertencer completamente a si mesmo, quer dizer, manter em um estado anárquico dos surrealistas em seu próprio "primitivismo integral". Faziam jogos infantis,
o sempre poderoso bando de seus desejos. "37 Encorajar deliberadamente os desejos como o "cadavre exquis", em que cada jogador desenha uma cabeça, o corpo ou
indisciplinados do homem é contrariar gontil mente a psicanálise de Freud, que as pernas, dobrando o papel depois de sua vez, de modo que sua contribuição não
tinha por finalidade curar os distúi6ios mentais e emocionais do homem habili- possa ser vista. As estranhas criaturas que daí resultam forneceram a Miró inspi-
tando-o a ocupar o seu lugar na sociedade e a viver, como disse Tzara, nu~ estado ração para suas telas.
de normalidade burguesa. Tampouco estavam interessados na interpretação de Pierre Naville, um dos primeiros editores de IA Révolution Surréaliste,
sonhos, contentando-se em deixar que eles se sustentassem por si mesmos. Freud negou que pudesse existir uma pintura surrealista: "Todos sabem agora quepintuia
recusou-se, certa vez, a colaborar para uma antologia de sonhos organizada por surrealista é coisa que não existe. Tanto as linhas do lápis consignadas ao acaso do
Breton, argumentando que não conseguia vislumbrar em que é que uma coletânea gesto, quanto a reprodução pictórica de imagens oníricas ou as fantasias imagina-
de sonhos, sem as associações e as lembranças da infância do sonhador, poderia ter tivas não podem, é claro, ser assim descritas.
interesse para alguém. O ue os surrealistas viam nos sonhos era a imaginação em "Mas existem espetácuLos.
seu estado primitivo e uma expressão pura do "maravilhoso". "Memória e o prazer dos olhos: essa é toda a estética. "41 .
Embora ele não o reconhecesse no Manifesto, o automatismo também devia Breton respondeu a essa acusação numa série de artigos publicados em IA
bastante aos médiuns e à sua "escrita automática", e isso é denunciado quando RévoLution SurréaListe a partir de 1925, analisando a obra de Picasso, Braque e de
Breton sublinha a passividade do indivíduo: "tomamo-nos em nossas obras os Chirico, assim como a daqueles pintores que forjavam os vínculos mais fortes entre
receptáculos mudos de tantos ecos, modestos dispositivos de gravação. 38 Ernst e o surrealismo e a pintura, Max Emst, Man Ray e Masson. Quando os artigos foram
Dalí enfatizaram sua passividade diante da obra, comparando-se a médiuns. editados em livro, com o título de Le SurréaListe et La Peinture, em 1928, ele
Entretanto, quando falam sobre o "além", não pretendem subentender o sobrenatu- adicionou Arp, Miró e Tanguy. Breton não tenta definir a pintura surrealista como
ral, como as mensagens dos mortos transmitidas pelos médiuns, mas tão-somente tal; aborda a questão de um modo diferente, avaliando o relacionamento individual
coisas que estão além das fronteiras da realidade imediata e podem não obstante de cada pintor com o surrealismo. Evita qualquer discussão real sobre estética,
ser-nos reveladas pelo nosso inconsciente ou mesmo pelos nossos se~tidos, quand~ embora inscreva seu argumento,. .de um modo um tanto vago, no contexto da
num estado de extrema sensibilidade. "imitação" em arte, dizendo estar unicamente interessado numa tela na medida em
Um extenso trecho do Manifesto é dedicado à "imagem surrealista". A que é umajaneLa que olhava para algo; afirma também que o modelo do pintor deve
metáfora é natural na imaginação humana, mas esse potencial só pode ser realizado ser "puramente interior". Mais tarde, em Gênese artística e perspectiva do
for dado ao inconsciente plena liberdade de ação. Então, as mais impressionantes surrealismo (1941 , define o automatismo e o re istro e son os como os dois
imagens ocorrem espontaneamente. "A linguagem foi dada ao homem para ser caminhos abertos ao surreWsmo.
usada de um modo surrealista." A imagem surrealista nasce da justaposição Os pintores ligados aos surrealistas conseguiram, de fato, manter um maior
fortuita de duas realidades diferentes, e é da centelha gerada por esse encontro que grau de independência em relação à personalidade dominante de Breton do que os
d pende a beleza da imagem; quanto mais diferentes forem os dois termos da escritores surrealistas, talvez porque a pintura não fosse o campo de atividade do
imagem, mais brilhante será a centelha. Essa espécie de imagem, acreditava próprio Breton. Num certo sentido, eles puderam usar idéias surrealistas sem
Breton, não podia ser premeditada; o mais perfeito exemplo, com que eles se serem por elas subjugadas e acharam a atmosfera gerada pelo surrealismo, sem
di punham a rivalizar e passaria a ser a sua divisa, era a frase de Lautréamont: "Tão dúvida, muito estimulante.
10quanto o encontro fortuito de uma máquina de costura e de um guarda-chuva Max Ernst talvez fosse o mais chegado aos poetas surrealistas, sobretudo a
bre uma mesa anatõmica. "39 . Paul Eluard, e acompanhou com interesse os desdobramentos teóricos do surrea-
Breton admitiu que sua própria imaginação era primordialmente lismo. Em 1925, descobriu o ottage, que descreve como "o verdadeiro equivalente
rbal, mas reconheceu a possibilidade de imagens visuais desse gênero. De do que já é conhecido pelo termo escrita automática ".
f t , elas já existiam nas colagens de Ernst, e logo em 1921 Breton escre-
Fui assaltado pela obsessão que mostrava ao meu olhar excitado as tábuas do assoalho, nas quais
vi o prefácio para uma exposição de Ernst, no qual essas obras foram descritas mil arranhões tinham aprofundado as estrias. Decidi então investigar o simbolismo dessa
m t rm muito semelhantes aos que usaria mais tarde para descrever a ima- obsessão e, para ajudar as minhas faculdades meditativas e alucinatórias, fiz das tábuas uma série
m tlca urr ali ta.40 Tais colagens dadá já prometiam o desvairado dépay- de desenhos, colocando sobre elas ao acaso folhas de papel que passei a friccionar com grafila.
m nt d ri u (1 nt d colag ns d Emst, A Mulher 100 'abeças Ihlndo 1I nramente (>ItI desenho.'! assim obtidos ... surpreendeu-me a súhila inlensificação
[11 t 7] Uma mana d Bondade, qu rt n m p prl m nt mlnh 1(>1 Idld d vi o c I U o Iluclnllóril de imallen. conltldilóril umu
I ./
I
1/4 ONCBITOS DA ARTE MODERNA DADÁ E SURRBALISMO 9S
o método de ottage, pelo qual o autor assiste como "espectador ao habilidade manual. Entre esses novos processos figuraram o já citadofrottage de
nascimento_ de sua obra", extra >õ1ã()""controle e evita questões de gosto oú Max Ernst e a "decalcomania" inventada r Osear Domin uez, Guache preto era
habilidade. Entretanto, essesfrottages a lápis, que usam outras texturas além da espalhado sobre uma folha de papel, e uma segunda folha, colocada em cima da
madeira, são de uma extraordinária beleza e sutileza, uma combinação da atividade primeira, era levemente comprimida contra esta e, depois, cuidadosamente levan-
passiva de "ver" descrita por Ernst e da subseqüente composição, cuidadosa e tada, instantes antes de que a tinta secasse; o resultado deve ser "sem paralelo em
delicada. Estão repletos de trocadilhos visuais, como em Hábito das Folhas seu poder de sugestão" - era Mavelha parede paranóica de da Vinci levada à per-
[ilustração 59], onde uma fricção da textura de madeira converte-se numa enorme feição"."
folha com nervuras equilibrada entre os troncos de duas "árvores" que também são Masson concluiu que uma adesão excessivamente rígida aos princípios do
frottages de tábuas. automatismo não o levava a nada e abandonou-o em 1929, retomando a um estilo
Para Miró e Masson, o automatismo iria oferecer, de formas diferentes, uma cubista, mais ordenado. Miró, entretanto, tal como Ernst, fez um uso triunfal do
direção completamente nova para seus trabalhos, Os dois pintores tinham ateliês automatismo para libertar suas telas do estilo antes adotado, estritamente represen-
vizinhos em Paris e, num dia de 1923, Miró perguntou a Masson se deveriam ir tacional, uma herança do cubismo contra a qual Miró se rebelou violentamente, por
visitar Picabia ou Breton. "Picabia já é o passado," respondeu Masson, "Breton é representar para ele a "arte estabelecida" ("Eu farei em pedaços a guitarra deles").
o futuro." Masson adotou sem reservas o princípio do automatismo, e os desenhos Breton afirmou que, por seu "puro automatismo psíquico", Miró eria "ser
à pena e à tinta que começou no inverno de 1923-1924, logo depois do seu encontro E.9~id~ado o mais surrealista de todoS ÓS".46 "Começo a pintar", disse Miró, "e,
com Breton, estão entre os mais notáveis produtos do surrealismo. A pena move- enquanto pinto, o quadro começa a afirmar-se ou a sugerir-se sob o meu pincel.
se rapidamente, sem idéia consciente de um tema, traçando uma teia de linhas Enquanto trabalho, a forma começa assinalando uma mulher, um pássaro ... A pri-
nervosas, mas firmes, das quais emergem imagens que são, por vezes, aproveitadas meira fase é livre, inconsciente. Mas," acrescentou, "a segunda fase é cuidadosa-
e elaboradas, outras vezes deixadas como sugestões. Os mais bem-sucedidos mente calculada. "47 Nos anos seguintes, Miró alternou entre obras em que o
desses desenhos possuem uma integridade que provém da elaboração inconsciente automatismo é dominante, como O Nascimento do Mundo, que ele começou
de referências texturais e sensuais, tanto quanto visuais. Parecem ter a qualidade espalhando. aguada "de maneira aleatória" com uma esponja ou com trapos sobre
orgânica, que Breton notara nas frases que lhe acudiam espontaneamente quando aniagem com uma leve imprimadura, e desenvolveu subseqüentemente impro-
sm vigília, uma qualidade que ele descreve em maior detalhe quando discute o visando linhas e chapadas de cor, e telas como. Personagem Arremessando uma
automatismo em Gênese artística e perspectiva do surrealismo: Pedra, com suas formas biomórficas e de linguagem de sinais. Estas últimas
pinturas derivam de uma das primeiras que ele realizou após ter estabelecido
Nos termos da moderna pesquisa psicológica, sabemos que fomos levados a comparar a contato com os surrealistas, em que a fantasia é subitamente libertada - Campo
construção do ninho de um pássaro ao começo de uma melodia que tende para uma certa Arado [ilustração 61]. Uma paisagem povoada de estranhas criaturas é dominada,
conclusão característica. Uma melodia impõe sua própria estrutura na medida em que distin-
à esquerda, por uma criatura que se constitui em uma fusão de homem, touro e
guimos os sons que lhe pertencem daqueles que lhe são estranhos ... Insisto em que O automatismo,
tanto gráfico quanto verbal- sem prejuízo das profundas tensões individuais que ele é capaz de
charrua, e, à direita, por uma árvore de onde brotam uma orelha e um olho. Não era
manifestare, em certa medida, resolver -, éo único modo de expressão que satisfaz plenamente apenas a maior liberdade técnica que o surrealismo oferecia a Miró, através do
o olho ou o ouvido, ao realizar a unidade ritmica (tão reconhecível no desenho ou texto automatismo, mas a liberdade para explorar desinibidamente seus sonhos e
uutomático quanto na melodia ou no ninho) ... E concordo que o automatismo pode participar na fantasias de infância, e tirar proveito do rico filão de inspiração que descobriu na
composição com certas intenções premeditadas; mas há um grande risco de afastamento do sur- arte popular catalã, na arte infantil e nas pinturas de Bosch.
realismo, se o automatismo deixar de fluir às oCI/IIas. Uma ohra não pode ser considerada A distinção entre o automatismo e os sonhos, postulada, por exemplo, em La
surrcalista se o artista não se esforçar por ahranger o campo psicológico total, do qual a
Revolution Surréaliste, onde seções separadas são dedicadas a textos automáticos
consciência é apenas uma pequena parte. Freud mostrou que nessa profundidade "insondável"
prevalece a total ausência de contradição, uma nova mobilidade dos bloqueios emocionais cau-
e à narração de sonhos, não se aplica rigidamente, em absoluto, à pintura
sados pela repressão, uma intcmporalidadc e uma suhstituição da realidade externa pela realidade surrealista. Arp, Miró e Ernst, por exemplo, misturaram habilmente ambas as
psíquica, tudosujcito exclusivamente ao principio do prazer. O automatismo conduz diretamente coisas, não só em sua obra como um todo, mas dentro do mesmo quadro. As
u essa região." pinturas, relevos e esculturas de Arp têm afinidades com o automatismo e os
sonhos: ele refere-se às suas "obras plásticas sonhadas". Sua morfologia flexível
presta-se naturalmente a trocadilhos visuais, como a mão que também é um garfo,
As reivindicações que Breton faz para o automatismo são. exageradas no
os botões que também são seios, que proliferaram em suas obras dos anos 20,
trecho acima transcrito, porque ele estava tentando restabelecê-Io às custas da
quando esteve em estreito contato. cüm os surrealistas.
"Outra via oferecida ao surrealismo, a chamada fixação trompe l'oeil de imagens
A categoria de obras surrealistas conhecida como "pintura onírica" é
olliricIIS",4.1da qual (afirmou ele) Dali tinha abusado e corria o perigo de dcsacredi-
realmente aquela em que predomina uma técnica ilusionística; não têm que ser
tur o surrealismo, De fato, à parte os desenhos de Masson c algumas de suas pinturas
n ariamente registros de sonhos. As telas de Tanguy, por exemplo, possuem
d "IITriu", hll muito pouca obras puramente automáticas - e, de qualquc r forma,
um lidad onírica, mas não são registros de sonhos, antes explorações de
limo nvulinr o grau d automatismo num d sonho ou pintura'! Viirk» novo.
I I n íntim [ilustraçã o.62]. Muitas telas surrealistas, entretanto, têm carac-
1111 xlo ti . oli ·itnr o incon se j nte foram de' envolvidos, o. quuis envolv m 11m
t í 11 I d qu IId h mou "] r do anho", orno, por x mplo, a xi t n ia
IIp ) m 1i 111 111o dI' 1Il1101ll1li 1110 1111111vuntn m d 'ollh rnur 11'1111' tllOdn
96 CONCEITOS DA ARTE MODERNA
DADA E SURREAUSMO 97
profundidades, deixam de ser percebidos como contraditórios. Ora, seria em vão paisagem brilhantemente iluminada, sendo a coisa toda uma ilusão complexa, imposslvel de
que se buscaria qualquer outro motivo para a atividade surrealista a não ser a descrever em tão curto espaço.
R. Rlchard Huelsenbeck, EII Avant Dadá.
esperança de determinar esse ponto. "51 Ele tinha em vista não a oposição dos
9. André Breton, Dada Manifesto, op. cit,
estados evidentemente contraditórios, por exemplo, do sonho e da vigília, mas a 10. Hans Arp, carta a M. Brzekowski, 1927, em L 'Are contemporain; no.3 (19301).
sua resolução num estado de supra-realidade, e é isso o que é atingido pelo melhor 11. Louis Aragon, Une Vague de Réves, impressão particular, Paris, 1924.
do surrealismo visual. 12. Antonin Artaud, em La Révoltuion Surrealiste, no. 3, abril de 1925. A maior parte desse número era
dedicada a elogiar os valores e as idéias orientais.
3. André Breton, Manifeste du Surréalisme, Paris, outubro de 1924, em Manifestes du Surrealisme,
Paris, 1962, p. 40.
NOTAS l4. Ibid., p. 36.
~. Ibld., p. 37.
6. A lmerpretaçâo dos sonhos, de Freud, foi publicado em 1900.
17. André Breton, Manifeste du Surrealisme, p. 31.
1. Hans Ritcher, Dcdá; Art and Allti-Art, Loudres,1965, p. 13. R. Ibid., p. 42.
2. Anúncio publicado na imprensa, 2 fevereiro de 1916, ibid., p. 16. 9. Isidore Dueasse, Comte de Lautréamont, Chants de Maldoror (canto VI), Paris, 1968-74.
3. Hugo Ball, Flucht aus Zeit; Munique, 1927 (trad. em Transition; no. 25, Paris, 1936). O. "É a maravilhosa faculdade de alcançar duas realidades imensamente separadas sem sair do domlnio
4. Richard Huclsenbeck, Dadá Livesl 1936 [em Motherwell (org.) Dadá Painters and Poets, Nova de nossa experiência, de juntá-Ias e obter uma centelha resultante de seu contato, de reunir ao alcance
York, 1951, p. 280]. Esse relato é contestado por Tzara, que afirma ter sido ele o criador da palavra, dos nossos sentidos figuras abstratas dotadas com a mesma intensidade, o mesmo relevo, de outras
assim como do seu significado, que é atribuído ora ao francês para cavalinho de pau, ora ao romeno figuras; e de desorientar-nos em nossa própria memória pela privação de um quadro de referên- .
(da, da) para sim. ela - é essa faculdade que, por enquanto, sustenta o dada." Reimpresso em Beyond Paituing (ver
5. Em Mothcrwcll, ibid., p. 235. Primeiramente publicado em Berlim, Dada Almanach; 1920. nota 42.)
6. André Breton, "Dada Manifesto", Litterature, maio de 1920, no. 13. 41. Pícrre Naville, cm La Révolution Surréaliste, no. 3.
7. Rlchard Huelsenbeck, En Avallt Dada: A History of Dadaism; 1920, em Motherwell, ibid., p. 21. Max Ernst, Beyond Painting, trad. de Dorothea Tanning, Nova York, 1948, p. 7.
8. Hugo Ball, op. cit, André Breton, Anistie Genesis and Perspective of Surrealism, 1941, Le Surréalisme et Ia Peinture,
9. Tristan Tzara, Dada Manifesto, 1918, publicado pela primeira vez em Dada 3, Zurique, dezembro nova edição, Paris, 1965, p. 68.
de 1918. 4. Ibld, p. 70.
10. Richard Huelsenbeck, En Avanl Dada. Breton, ~D' une décalcomanie sans objet préconçu (Décalcomanie du desir)", 1936, em Le Surréalis-
11. Tristan Tzara, "Proclamation without Pretensio", Seven Dada Mallifestos, Paris, 1924. me et la Peinture, op. cit. p. 127.
12. J acques Vaché, Lettres de Guerre, Paris, 1919. Esta citação é de uma carta para Breton, 18 de agosto ti. André Breton, Le Surréalisme et Ia Peinture, op. cit, p. 37.
de 1917. Não deixou outras obras, e seu mito foi largamente promovido por Breton. 7. ltado em Jarncs Sweeney, "Joan Miro: Comment and lnterview", Partisan Review, Nova York,
13. Marcel Duchamp, The Bride Stripped Bare 'by her Bachelors, Even; versão tipográfica das no- fevereiro de 1948, p. 212.
tas de Duchamp em Green Box, por Richard Hamilton, Londres, 1960. (As notas são datadas de "N. Salvador Dali, ~L' Ane Pourri", Le Surrealisme au service de Ia Revotution; Paris, 1930, vol. 1, no.
1912-23.) I, p, 12.
14. Hugo Ball, op. cit, 9. Salvador Dali, The Conquest of'the Irrational; reimpresso em The Secret Life of Salvador Dali, 1942,
15. Hans Arp. "Dadaland" 011 My Way, Nova York, 1948, p. 39. p.418.
16. Hans Arp, ~I become more and more removed from aesthetics", ibid., p. 48. 11. MBume habituei à simples alucinação: vejo deliberadamente uma mesquita no lugar de uma fábrica,
17. Hans Arp. Die Wo.lkenpllmpe, Hanover, 1920. . um conjunto de percussão formado por anjos, carruagens nas estradas do céu, um salão no fundo de
18. Hugo Ball, op. cit, um lago", Rimbaud, Une Saison en Enfer, citado por Emst em Beyond Painting, p. 12.
19. Hausmann evitou completamente as palavras, usando só letras para criar o que ele chamou um ritmo I. André Breton, Deuxiême Manifeste du Surréalisme, Paris, 1930, em Manifestes du Surréalisme, op.
de sons, para fazer poemas "letristas". It. p. 154.
20. Hans Arp., "Dadaland" op. cit,
21. Hens Rlchter, op. cit., p. 77.
22. Picabla também escreveu L.H.O.O.Q. na Mona Lisa barbada de Duchamp.
23. Prancls Picabia, Jesus-Christ Rastaquouêre, Paris, 1920, p. 44.
24. Marcel Duchamp, declaração em The Art of Assemblage: A Symposium, Museum of Modem Art,
Nova York, 9 de outubro de 1961.
25. Oabricllc Buffet, citada por Plcabia em Jesus-Christ Rastaquouêre, p. 44.
26. ti Interessante comparar o uso do acaso por Duchamp, onde é um meio de evitar a ordem lógica e
o '08to pe soal, com o de Arp, onde, como um aspecto do automatlsmo, assume uma slanlficação
mal mlNtlca: "Entreguei-me completamente a uma execução automática. Chamei-lhe 'trabalhar de
acordo com a lei do acaso' , a lei que contém todas as outras, e é Insondável, corno a causa primeira
donde tlxla vida eman. e que só pode ser experimentada medi nte o total abandono ao
In o I nt -. ("And ) th Ir I cl d", 011 My Way. p. 77.)
lhl nl d pol da nlUrt d u h mp, m 1968, foi v I d qu I tinha
O hI numa Impllrt nt uhr, uml 00111•• : I' IA hut D' ali,
I I I I nu", 'lu no, I n