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CONCEITOS E PRECONCEITOS QUE PERMEIAM OS ESPAÇOS

MUSEAIS DA ARTE

Maria Helena Rosa Barbosa 1


MASC

Resumo
Este artigo apresenta algumas reflexões sobre os conceitos de museu e preconceitos
que permeiam os espaços museais da arte, especialmente no que se refere a
questões que dizem respeito à arte do passado versus arte do presente. Além disso,
tece considerações acerca de alguns conceitos provenientes de outras áreas que são
inseridos no contexto do museu, com os quais os atores museais devem estar atentos
ao desenvolver as ações culturais e educativas.
Palavras-chave: Museu de Arte. Conceitos de Museu. Arte do passado versus arte do
presente.

Abstract
This article presents some reflections on the museum concepts and preconceptions
that permeate the art museum spaces, especially with regard to issues concerning the
art of the past versus the art of present. Moreover, it comments on some concepts from
other areas that are inserted in the context of the museum, with which the museum
actors must look to develop cultural and educational activities.
Keywords: Museum of Art. Concepts of Museum. Art of the past versus the art of the
present.

A palavra museu apresenta uma diversidade semântica que induz a


preconceitos, isto é, do conceito de “templo”, “casa das musas” (local sagrado)
aos conceitos do senso comum, como “lugar de coisas antigas” (objetos em
desuso), ”lugar importante” (destinado ao acesso de poucos cidadãos
privilegiados de uma determinada sociedade) e, especificamente, ao que
caracteriza o museu de arte (local para pessoas que entendem de arte).
A constituição dos museus, por meio do colecionismo, considerado
como símbolo de status e poder de uma determinada classe social, na qual o
acesso a esse tipo de coleção era permitido a poucos, ou seja, ao
colecionador, seus familiares e eventualmente, a alguns poucos convidados,
também pode caracterizar, no museu, a presença de um sentido de exclusão.
A sociedade muito reivindicou para se ter acesso às coleções privadas;
porém, quando algumas coleções se tornaram acessíveis ao público, esse

1
Mestre em Artes Visuais, na linha de pesquisa Ensino das Artes Visuais pelo Programa de Pós-
Graduação em Artes Visuais, CEART/UDESC (2009). Graduada em Educação Artística pelo CEART/
UDESC (1994). Arte-educadora do MASC – Museu de Arte de Santa Catarina.
ainda era seleto, pois se definia previamente a quais tipos de públicos se
destinavam as visitas. Com a criação dos museus que permitiam a visitação
do público em geral, no século XVIII, essa característica de público seleto não
se modificou muito em relação aos museus de arte, porque eles ainda se
mantiveram como um espaço para iniciados – pessoas que entendem e
produzem arte. Questiona-se aqui, inclusive, se o distanciamento que se
observa, em alguns casos, dos museus, em nosso país não se deva também a
esse início elitista.
Ao determinar o que podia ser considerado obra de arte ou não, por
meio dos valores formais estabelecidos pelas academias de arte e pelos
salões, os museus de arte não permitiam a inclusão de obras em seus acervos
de artistas que vinham desenvolvendo uma produção artística por meio de
novas proposições artísticas, na segunda metade do século XIX. Sendo assim,
observa-se que, mesmo os iniciados em arte, romperam seus laços com esse
espaço em determinadas épocas em razão de seu poder de inclusão e
exclusão da produção artística.

Museu: morto ou vivo?


No início do século XX, com o surgimento da vanguarda artística
europeia e, mais especificamente, a partir do “Manifesto Futurista” de Marinetti
(1909), no qual eram exaltados “o movimento”, “a beleza da velocidade”, “as
máquinas”, “o futuro”, foi também incitada a destruição dos museus e
bibliotecas, ou seja, tudo que fizesse o homem voltar-se para o passado. Isso
provocou uma mudança na relação de muitos segmentos com esse espaço de
memória, principalmente daqueles que viam a possibilidade de se construir
uma nova sociedade e uma nova arte por meio da exaltação à modernidade.
No referido manifesto, Marinetti associa os museus a cemitérios, nos quais se
deveria, no máximo, fazer visita uma vez a cada ano, como se fazem aos
mortos. Entre outras afirmações, o manifesto registra que “a frequência
cotidiana aos museus” só poderia ter sentido para “moribundos, inválidos e
prisioneiros” que não tinham mais perspectivas de futuro, mas para os jovens

2
não havia sentido, pois a eles estava destinada a mudança do futuro. Marinetti,
ainda, salienta que

Admirar um velho quadro é verter nossa sensibilidade numa urna


funerária, em vez de lançá-la adiante pelos jatos violentos de criação
e ação. Você quer portanto estragar suas melhores forças numa
admiração inútil do passado, do qual você sai forçosamente
esgotado, diminuído, espezinhado? (MARINETTI, [1909] 1987, p.93).

Assim, para os simpatizantes das ideias de Marinetti, a visita a museus


deixava de ter sentido, pois lá se encontravam apenas o passado do qual eles
queriam distância.
Mais tarde, especificamente no ano de 1963, é escrito outro manifesto
que também apresentava um discurso contra os museus. O manifesto escrito
por George Maciunas, integrante do Grupo Fluxus, opunha-se à arte burguesa,
à arte produzida e aceita pelo sistema de arte, assim como seus espaços
legitimadores: galerias e museus. Essa crítica encontra-se na parte mais
conhecida da obra-documento realizada por meio de determinadas palavras,
com seus significados extraídos do dicionário e intercaladas com partes
manuscritas. O Grupo Fluxus, composto por artistas de diferentes linguagens,
foi muito atuante nas décadas 1960 e 1970. Com proposições artísticas
coletivas, o grupo exerceu uma influência marcante e inovadora na arte ao
realizar happenings, performances, fotografias e instalações. Além disso,
alguns dos seus integrantes foram os primeiros a usar o vídeo, criando assim a
videoarte.
Com uma crítica acirrada contra os museus e com uma proposta que
“[...] visava reconectar a arte com a vida num sentido plenamente político”
(ARCHER, 2001, p.116), o Grupo Fluxus produziu uma arte efêmera cuja
produção não tinha como finalidade ir parar nesse espaço. No entanto,
ironicamente, conforme afirma Ramalho e Oliveira (2008), um colecionador que
adquiriu uma boa parte da produção do grupo criou um museu especificamente
para abrigá-la. O “Fluxus Museum+” foi criado em 2008, em Potsdam –
Alemanha, “[...] exatamente nos moldes dos museus do sistema criticado pelo
Grupo Fluxus [...]” e com todos os outros serviços que um museu oferece,

3
como cafeteria, loja para a venda de produtos com a marca do museu e
reproduções de alguns trabalhos em souvenirs como “[...] a imagem-símbolo do
grupo com a língua de fora [...]” (RAMALHO e OLIVEIRA, 2008).
Enquanto se criam museus para abrigar a arte que não foi produzida
com a finalidade de ser abrigada especificamente nesse espaço, na sociedade
atual, no contexto da arte, percebem-se divergências que caracterizam
exibições de arte acadêmica, moderna ou contemporânea nos museus. Há
aqueles que têm total aversão à arte acadêmica e moderna e acreditam que é
melhor deixá-las esquecidas nos acervos dos museus, de preferência nas
reservas técnicas, por considerarem uma produção ultrapassada. Com essas
ideias rondando os projetos expositivos, é de se pensar se esses manifestos
ainda se fazem muito presentes no imaginário de quem define o que deve e
não deve ser apresentado aos públicos no museu. Será que esses manifestos
ainda não continuam impregnados nas concepções de arte de alguns sujeitos,
gerando preconceitos em muitos deles que pensam as exposições nos museus
de arte?
Uma apologia desenfreada às novidades, certamente, impede de
revisar o passado. Nesse sentido, Bourriaud (2006, não paginado) diz que é
necessário "lutar contra a amnésia” por meio de novas “leituras do passado”
porque,

No século passado, o futuro era o modelo de leitura do presente,


hoje, talvez o passado seja o modelo de leitura. Isto ocorre por conta
da padronização do planeta que apaga a memória, e a melhor forma
de lutar contra isso é não voltar ao passado, mas ler o passado no
presente, buscar novos itinerários no passado e isso é muito
importante.

Sendo assim, o problema mais importante em relação ao passado


talvez não seja o passado em si, mas as leituras que dele foram feitas e que
são repassadas para nós. Possivelmente, mais respostas para os grandes
questionamentos da humanidade possam ser encontradas em novas leituras
do passado do que o julgando simplesmente.
Em relação à questão “arte do passado” versus arte contemporânea,
Danto (2006, p.7) assim afirma:

4
A arte contemporânea, em contrapartida, nada tem contra a arte do
passado, nenhum sentimento de que o passado seja algo de que é
preciso se libertar e mesmo nenhum sentimento de que tudo seja
completamente diferente, como em geral a arte da arte moderna. É
parte do que define a arte contemporânea que a arte do passado
esteja disponível para qualquer uso que os artistas queiram lhe dar. O
que não lhes está disponível é o espírito em que a arte foi realizada.
O paradigma do contemporâneo é o da colagem [...].

Diante de tal afirmação, pensa-se que há urgência em se fazer “novas


leituras” em alguns museus de arte brasileiros a partir de seus acervos. Assim,
pode-se dizer que os acervos serão revitalizados e ressignificados por meio de
olhares mais inquietos que, por sua vez, farão com que obras sejam expostas
ao olhar dos públicos. E, com isso, permitirão que esses objetos façam parte
da memória coletiva de muitos, aos quais sequer é dado o direito de conhecer
esse passado artístico mantido nas reservas técnicas dos museus.
Quanto ao esquecimento a que estão condenadas muitas obras de
arte, Gombrich (1999, p.621) assim expõe sua discordância:

Há pouco tempo, todas as formas de arte do século XIX contra as


quais o Movimento Moderno se rebelou foram condenadas ao
esquecimento do público: em particular, a arte oficial do Salon foi
banida para os porões dos museus. Arrisquei-me a sugerir (p.504)
que essa atitude seria transitória e que em algum momento essas
obras seriam redescobertas.

Em seguida, Gombrich (1999, p.621) mostra que estava certo, ao se


reportar ao acervo do Musée d’Orsay2:

Mesmo assim, foi uma surpresa para a maioria de nós a recente


inauguração de um novo museu em Paris, o Musée d’Orsay,
instalado numa antiga estação ferroviária Art Nouveau, no qual
pinturas conservadoras e modernas são expostas lado a lado a fim de
habilitar os visitantes a terem suas próprias opiniões e a reverem
antigos preconceitos. Muitos descobriram, para sua surpresa, que
não era uma desonra para a pintura ilustrar um episódio ou celebrar
um incidente da história. A questão resumia-se a saber se a obra era
bem ou mal feita.

2
O edifício no qual está instalado o Museu d’Orsay foi construído para a Exposição Universal de 1900.
Em 1978 o edifício foi decretado monumento histórico e passou por uma adaptação arquitetônica nos
anos seguintes para abrigar a coleção de arte produzida entre 1848 e 1914, sendo inaugurado em 1986.
(Disponível em: < http://www.musee-orsay.fr/es/colecciones/historia-del-museo/recepcion.html>. Acesso
em: 10 set. 2008).

5
Como se percebe, a exposição da arte produzida em períodos distintos
possibilita aos públicos estabelecerem um diálogo entre as obras e
compreenderem melhor as exigências, inquietações, as temáticas, os valores
sociais e mesmo as soluções formais encontradas pelos artistas nos
respectivos contextos que caracterizam suas produções. Desse modo, aos
públicos é concedido o seu direito de ver e avaliar toda uma produção artística
mantida nos acervos de museus, geralmente, nas reservas técnicas, um
eufemismo criado para denominar depósito sem desonrar as obras.
Sobre a condição do museu de arte e as exposições de arte na
contemporaneidade, Belting (2006, p.270) assim esclarece:

Pelo fato de que o museu de arte não tinha de informar nem sobre
cultura nem sobre história, ele permaneceu uma ilha intocada em que
predominava a liberdade da arte, restringida apenas pela lei da
história da arte. Essa constelação se modifica desde que se busca
informação sobre a própria cultura [...]. Assim, surgem exposições
mistas em que não é mais apresentada a arte, mas a cultura, e onde
encontram-se lado a lado obras de arte e informações puras e
também as obras de arte são transformadas em suportes de
informação, sob o protesto indignado de todos os estetas e puristas.

Dessa forma, mesmo sob o protesto de alguns, as exposições mistas


permitem que as obras de arte também possam ser exploradas não só a partir
dos aspectos formais, mas também pelas questões socioculturais que elas
suscitam.
Quanto à exposição das produções artísticas, ainda há que se ressaltar
que o preconceito é visível em museus que aceitam, geralmente por doação, a
produção de arte acadêmica, moderna ou contemporânea em seus acervos,
mas também não a expõem por não a considerarem, possivelmente, relevante
para apresentá-la à sociedade. Eis o grande paradoxo dos museus de arte: o
valor atribuído à obra ao permitir que ela pertença a um determinado acervo e
sua simultânea desvalorização por não ser considerada adequada, na
concepção de alguns atores museais, para serem expostas.
O preconceito em relação aos museus de arte gerado pela vanguarda
europeia ou, como expõe Montaner (2003, p.9), a “museofobia das
vanguardas” causou um imenso conflito de modo que, “[...] nos primeiros anos

6
[do século XX], os arquitetos das vanguardas quase não projetaram nem
construíram museus”. E essa situação só começou a ser superada após a
criação do MoMA (New York – USA), em 1929, e a construção de sua nova
sede dentro dos preceitos da arquitetura moderna em 1939. Esse museu
passou a ser o paradigma na constituição de outros MAMs – Museus de Arte
Moderna – no mundo inteiro e o local que abrigou a nova arte produzida pelos
movimentos caracterizados como modernos, inclusive do movimento futurista.
Nas décadas seguintes à criação do MoMA, muitos museus foram
projetados dentro dos preceitos da arquitetura moderna e, posteriormente, da
pós-moderna. Esses espaços foram pensados visando a uma maior
aproximação da sociedade com a instituição. No entanto, alguns museus mais
tradicionais ainda se mantinham reticentes a mudanças. Assim, muitos
representantes da museologia e de outros segmentos da sociedade vêm-se
reunindo por meio dos encontros do ICOM3 desde sua criação em 1946, a fim
de refletir e traçar novas diretrizes para a instituição museu e de que forma ela
pode melhor interagir com a sociedade.
No final da década de 1970, Crespán e Trallero (1979), ao falarem
sobre o “futuro dos museus” por meio de alguns exemplos em diferentes
instituições museológicas espalhadas pelo mundo, nas mais diversas
realidades, apresentam a importância do caráter comunicativo a partir de uma
dimensão pedagógica para os museus. Enfatizam, ainda, sobre a função social
do museu e as reflexões e mudanças que essa instituição deveria fazer para
atender às necessidades dos diferentes públicos e não ficar “condenada à
estagnação”.
Lourenço (1999) propõe muitas reflexões sobre os problemas ainda
não solucionados nos museus de arte brasileiros, assim como sugestões para
se repensar o espaço museológico da arte. Uma questão bastante pertinente é
a seguinte:

3
Com sede em Paris (França) e “Criado em 1946, o ICOM [Conselho Internacional de Museus] é uma
Organização não-governamental que mantém relações formais com a UNESCO [Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura], executando parte de seu programa para
museus, tendo status consultivo no Conselho Econômico e Social da ONU”. (Disponível em:
<http://www.icom.org.br/index.cfm?canal=icom>. Acesso em: 08 set. 2008).

7
Os museus precisam repensar sua identidade cultural, pois juntar
peças não faz um museu, por mais deslumbrante que sejam as
fachadas. O museu não é espaço morto, é ação diária. Quem o mata
são os fins escusos e as práticas indeclaradas. (LOURENÇO, 1999,
p.17).

Assim, entende-se que, para um museu manter-se vivo, é necessário


que os profissionais que nele atuam repensem constantemente as práticas, as
ações e em quê elas realmente estão contribuindo para potencializá-lo como
um elemento essencial para a sociedade na qual ele está inserido.

Museu: conceitos em mutação.


Ao contrário do que se possa pensar, o museu não é um espaço
neutro, pois ele está sujeito a sofrer todo tipo de influência oriunda dos mais
diversos segmentos da sociedade. A questão é visível nos conceitos que
permeiam o espaço museológico, de acordo com os interesses e necessidades
de uma sociedade em uma determinada época.
Entre outras definições do ICOM, a de 1956 diz que museu é

Todo estabelecimento permanente, administrado no interesse geral,


com vistas a conservar, estudar, valorizar pelos mais diversos
meios e essencialmente expor para deleite do público um conjunto
de elementos de valor cultural: coleções de objetos artísticos,
históricos, científicos e técnicos, jardins botânicos e zoológicos,
aquários. Assimilam-se aos museus as bibliotecas públicas e os
centros de arquivos que mantêm em permanência salas de
exposição. (In: GIRAUDY; BOUILHET, 1990, p.98, grifos nossos).

Assim, percebe-se nessa definição que ao museu cabia preocupar-se


em “conservar, estudar” e “valorizar” a coleção por meio de exposição
destinada aos públicos. Dessa forma, a conservação e a exposição do acervo
para a apreciação dos públicos justificam-se como ações do museu para a
sociedade.
Em outro documento do ICOM, datado de 1974, museu é assim
definido:

Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a


serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao
público, e que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe,
com a finalidade de estudo, educação e lazer, os testemunhos do

8
homem e seu meio ambiente. (ICOM, 1974, tradução nossa, grifos
nossos).

A partir dessa definição, entende-se que, além de tornar os objetos de


sua coleção acessíveis aos públicos por meio das exposições, o museu deve
estar a “serviço da sociedade”, preocupando-se com seu desenvolvimento e
comunicando-se com ela por meio das mais diversas ações que o
potencializem como espaço de educação e lazer. Percebe-se, portanto, não só
a mudança no conceito, mas a consciência da necessidade de mudá-la, que a
antecede.
A definição aprovada pela Assembleia Geral do ICOM – Conselho
Internacional de Museus, no dia 6 de julho de 2001, em Barcelona – Espanha,
diz que museu é:

Instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e


do seu desenvolvimento, aberta ao público e que adquire, conserva,
investiga, difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e
de seu entorno, para educação e deleite da sociedade. (ICOM,
4
2001, grifos nossos).

Nessa definição, mantém-se o pensamento de que o museu deve


cumprir seu papel perante a sociedade, ou seja, de que todas as suas ações
sejam pensadas de forma a atendê-la. No que caracteriza o “investigar” e
“difundir”, exige que o museu torne a cultura material por ele conservada
amplamente conhecida e também deixe acessível o maior número de
informações sobre esses objetos.
A mais recente definição de museu adotada na Assembleia Geral do
ICOM, no dia 24 de agosto de 2007, em Viena – Áustria, assegura que

Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a


serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público,
que adquire, conserva, pesquisa, comunica e expõe o patrimônio
material e imaterial da humanidade e de seu meio ambiente para
fins de educação, estudo e lazer. (ICOM, 2007, tradução nossa,
grifos nossos).

4
Tradução do SBM – Sistema Brasileiro de Museus. Disponível em:
<http://www.museus.gov.br/oqueemuseu_museusicom.htm>. Acesso em: 08 maio 2007.

9
Essa definição de 2007 mantém o comprometimento do museu com a
sociedade, assim como o amplia ao estabelecer que ele, além de conservar,
pesquisar, comunicar e exibir o patrimônio material/tangível, também deve
valorizar e promover o patrimônio imaterial/intangível que constituem as formas
de expressão, os costumes, saberes e fazeres dos diferentes grupos sociais.
A mutação das referidas definições fazem com que os museus não
fiquem voltados para si mesmos, mas reflitam constantemente a fim de melhor
interagirem com a sociedade. Essa constante revisão possibilita que
museólogos e outros profissionais de museus dialoguem com profissionais de
outras áreas do conhecimento e introduzam os mais diversos conceitos nas
práticas e ações museológicas.
Nesse sentido, Studart (2004) aponta a importância do entendimento
de que, entre os diversos conceitos com os quais os museus trabalham, como
“cidadania, inclusão/exclusão social, alteridade, diversidade cultural, tolerância,
solidariedade, participação, interação”, entre outros, nem todos são da área da
museologia, mas que, por serem de grande relevância social, influenciam as
ações educativas no espaço museal. Além disso, que é muito importante estar
atento a esses conceitos no cotidiano das ações museológicas porque “[...] os
saberes e as culturas estão sempre em constante construção, e o museu é um
espaço simbólico de referência para abordar estas questões” (STUDART,
2004, p.47). Assim, entende-se a relevância de alguns conceitos, aos quais
Studart se refere, para o desenvolvimento das ações educativas nos museus.
Meneses (2002), entretanto, aborda o perigo de alguns conceitos
trazidos de outras áreas para o museu. Um deles é o conceito de “mercado” o
qual procura “[...] transformar o museu num centro de lazer [...]” apresentando
‘[...] as chamadas blockbusters exhibitions, as exposições arrasa-quarteirões,
que, naturalmente, procuram legitimar-se com a aura da “cultura”’ (p.21, grifo
do autor). Tais exposições, na maioria das vezes, acabam desvirtuando uma
das responsabilidades do museu para com a sociedade, isto é, com a
“produção do conhecimento” a partir de seu acervo. Nessa esfera, o referido
autor ainda afirma que “A própria noção de preservação de coleção está

10
associada à necessidade de manter os acervos disponíveis para renovar os
conhecimentos que ele permite produzir” (MENESES, 2002, p.30).
Assim, verifica-se que, ao importar conceitos de outras áreas para o
campo museológico, deve-se ter certo cuidado, pois alguns podem desvirtuar o
comprometimento maior do museu que deveria ser com a educação e sua
capacidade de produzir e disseminar conhecimento por meio da cultura
material.

Considerações finais
Hoje, quase final da primeira década do século XXI, percebe-se que
muitas mudanças aconteceram dentro da instituição museu para que ela não
apenas saísse da situação à qual estava condenada, mas para que realmente
tivesse um “papel mais ativo” na sociedade. Para isso, o museu vem revendo
seus conceitos, desfazendo-se de alguns preconceitos estabelecidos há
gerações, a fim de realmente se tornar um espaço mais democrático e atender
às necessidades dos diferentes públicos na sociedade contemporânea.
A revisão constante dos conceitos de museu pelo ICOM possibilita aos
diferentes atores museais uma reflexão periódica sobre a função social da
instituição museológica, assim como sobre o seu compromisso com a
sociedade, ou seja, em atender os interesses dos diferentes grupos sociais
para os quais os museus devem pensar suas ações.
Como os museus na contemporaneidade devem ter igualmente um
comprometimento com o patrimônio imaterial/intangível e esse atinge uma
dimensão que também diz respeito às práticas museológicas e às relações que
os diferentes públicos estabelecem com o espaço museal, os profissionais dos
museus precisam estar atentos a isso, a fim de coletarem e registrarem essas
diferentes manifestações.
Voltando-se totalmente para algumas instituições museológicas de arte
no Brasil, pode-se indagar o quanto ainda é necessário fazer para reverter
certos preconceitos e descasos quanto às suas verdadeiras funções e torná-lo
um espaço cuja palavra vida esteja constantemente associada a ele. Além
disso, questiona-se: com quais conceitos os museus de arte brasileiros estão

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trabalhando? Será que estão atentos somente aos conceitos de mercado ou a
outros que permitam potencializar suas coleções? Quais as políticas dos
museus de arte brasileiros em relação à educação e à disseminação do
conhecimento?

Referências

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DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história.


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12
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