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MUSEAIS DA ARTE
Resumo
Este artigo apresenta algumas reflexões sobre os conceitos de museu e preconceitos
que permeiam os espaços museais da arte, especialmente no que se refere a
questões que dizem respeito à arte do passado versus arte do presente. Além disso,
tece considerações acerca de alguns conceitos provenientes de outras áreas que são
inseridos no contexto do museu, com os quais os atores museais devem estar atentos
ao desenvolver as ações culturais e educativas.
Palavras-chave: Museu de Arte. Conceitos de Museu. Arte do passado versus arte do
presente.
Abstract
This article presents some reflections on the museum concepts and preconceptions
that permeate the art museum spaces, especially with regard to issues concerning the
art of the past versus the art of present. Moreover, it comments on some concepts from
other areas that are inserted in the context of the museum, with which the museum
actors must look to develop cultural and educational activities.
Keywords: Museum of Art. Concepts of Museum. Art of the past versus the art of the
present.
1
Mestre em Artes Visuais, na linha de pesquisa Ensino das Artes Visuais pelo Programa de Pós-
Graduação em Artes Visuais, CEART/UDESC (2009). Graduada em Educação Artística pelo CEART/
UDESC (1994). Arte-educadora do MASC – Museu de Arte de Santa Catarina.
ainda era seleto, pois se definia previamente a quais tipos de públicos se
destinavam as visitas. Com a criação dos museus que permitiam a visitação
do público em geral, no século XVIII, essa característica de público seleto não
se modificou muito em relação aos museus de arte, porque eles ainda se
mantiveram como um espaço para iniciados – pessoas que entendem e
produzem arte. Questiona-se aqui, inclusive, se o distanciamento que se
observa, em alguns casos, dos museus, em nosso país não se deva também a
esse início elitista.
Ao determinar o que podia ser considerado obra de arte ou não, por
meio dos valores formais estabelecidos pelas academias de arte e pelos
salões, os museus de arte não permitiam a inclusão de obras em seus acervos
de artistas que vinham desenvolvendo uma produção artística por meio de
novas proposições artísticas, na segunda metade do século XIX. Sendo assim,
observa-se que, mesmo os iniciados em arte, romperam seus laços com esse
espaço em determinadas épocas em razão de seu poder de inclusão e
exclusão da produção artística.
2
não havia sentido, pois a eles estava destinada a mudança do futuro. Marinetti,
ainda, salienta que
3
como cafeteria, loja para a venda de produtos com a marca do museu e
reproduções de alguns trabalhos em souvenirs como “[...] a imagem-símbolo do
grupo com a língua de fora [...]” (RAMALHO e OLIVEIRA, 2008).
Enquanto se criam museus para abrigar a arte que não foi produzida
com a finalidade de ser abrigada especificamente nesse espaço, na sociedade
atual, no contexto da arte, percebem-se divergências que caracterizam
exibições de arte acadêmica, moderna ou contemporânea nos museus. Há
aqueles que têm total aversão à arte acadêmica e moderna e acreditam que é
melhor deixá-las esquecidas nos acervos dos museus, de preferência nas
reservas técnicas, por considerarem uma produção ultrapassada. Com essas
ideias rondando os projetos expositivos, é de se pensar se esses manifestos
ainda se fazem muito presentes no imaginário de quem define o que deve e
não deve ser apresentado aos públicos no museu. Será que esses manifestos
ainda não continuam impregnados nas concepções de arte de alguns sujeitos,
gerando preconceitos em muitos deles que pensam as exposições nos museus
de arte?
Uma apologia desenfreada às novidades, certamente, impede de
revisar o passado. Nesse sentido, Bourriaud (2006, não paginado) diz que é
necessário "lutar contra a amnésia” por meio de novas “leituras do passado”
porque,
4
A arte contemporânea, em contrapartida, nada tem contra a arte do
passado, nenhum sentimento de que o passado seja algo de que é
preciso se libertar e mesmo nenhum sentimento de que tudo seja
completamente diferente, como em geral a arte da arte moderna. É
parte do que define a arte contemporânea que a arte do passado
esteja disponível para qualquer uso que os artistas queiram lhe dar. O
que não lhes está disponível é o espírito em que a arte foi realizada.
O paradigma do contemporâneo é o da colagem [...].
2
O edifício no qual está instalado o Museu d’Orsay foi construído para a Exposição Universal de 1900.
Em 1978 o edifício foi decretado monumento histórico e passou por uma adaptação arquitetônica nos
anos seguintes para abrigar a coleção de arte produzida entre 1848 e 1914, sendo inaugurado em 1986.
(Disponível em: < http://www.musee-orsay.fr/es/colecciones/historia-del-museo/recepcion.html>. Acesso
em: 10 set. 2008).
5
Como se percebe, a exposição da arte produzida em períodos distintos
possibilita aos públicos estabelecerem um diálogo entre as obras e
compreenderem melhor as exigências, inquietações, as temáticas, os valores
sociais e mesmo as soluções formais encontradas pelos artistas nos
respectivos contextos que caracterizam suas produções. Desse modo, aos
públicos é concedido o seu direito de ver e avaliar toda uma produção artística
mantida nos acervos de museus, geralmente, nas reservas técnicas, um
eufemismo criado para denominar depósito sem desonrar as obras.
Sobre a condição do museu de arte e as exposições de arte na
contemporaneidade, Belting (2006, p.270) assim esclarece:
Pelo fato de que o museu de arte não tinha de informar nem sobre
cultura nem sobre história, ele permaneceu uma ilha intocada em que
predominava a liberdade da arte, restringida apenas pela lei da
história da arte. Essa constelação se modifica desde que se busca
informação sobre a própria cultura [...]. Assim, surgem exposições
mistas em que não é mais apresentada a arte, mas a cultura, e onde
encontram-se lado a lado obras de arte e informações puras e
também as obras de arte são transformadas em suportes de
informação, sob o protesto indignado de todos os estetas e puristas.
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[do século XX], os arquitetos das vanguardas quase não projetaram nem
construíram museus”. E essa situação só começou a ser superada após a
criação do MoMA (New York – USA), em 1929, e a construção de sua nova
sede dentro dos preceitos da arquitetura moderna em 1939. Esse museu
passou a ser o paradigma na constituição de outros MAMs – Museus de Arte
Moderna – no mundo inteiro e o local que abrigou a nova arte produzida pelos
movimentos caracterizados como modernos, inclusive do movimento futurista.
Nas décadas seguintes à criação do MoMA, muitos museus foram
projetados dentro dos preceitos da arquitetura moderna e, posteriormente, da
pós-moderna. Esses espaços foram pensados visando a uma maior
aproximação da sociedade com a instituição. No entanto, alguns museus mais
tradicionais ainda se mantinham reticentes a mudanças. Assim, muitos
representantes da museologia e de outros segmentos da sociedade vêm-se
reunindo por meio dos encontros do ICOM3 desde sua criação em 1946, a fim
de refletir e traçar novas diretrizes para a instituição museu e de que forma ela
pode melhor interagir com a sociedade.
No final da década de 1970, Crespán e Trallero (1979), ao falarem
sobre o “futuro dos museus” por meio de alguns exemplos em diferentes
instituições museológicas espalhadas pelo mundo, nas mais diversas
realidades, apresentam a importância do caráter comunicativo a partir de uma
dimensão pedagógica para os museus. Enfatizam, ainda, sobre a função social
do museu e as reflexões e mudanças que essa instituição deveria fazer para
atender às necessidades dos diferentes públicos e não ficar “condenada à
estagnação”.
Lourenço (1999) propõe muitas reflexões sobre os problemas ainda
não solucionados nos museus de arte brasileiros, assim como sugestões para
se repensar o espaço museológico da arte. Uma questão bastante pertinente é
a seguinte:
3
Com sede em Paris (França) e “Criado em 1946, o ICOM [Conselho Internacional de Museus] é uma
Organização não-governamental que mantém relações formais com a UNESCO [Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura], executando parte de seu programa para
museus, tendo status consultivo no Conselho Econômico e Social da ONU”. (Disponível em:
<http://www.icom.org.br/index.cfm?canal=icom>. Acesso em: 08 set. 2008).
7
Os museus precisam repensar sua identidade cultural, pois juntar
peças não faz um museu, por mais deslumbrante que sejam as
fachadas. O museu não é espaço morto, é ação diária. Quem o mata
são os fins escusos e as práticas indeclaradas. (LOURENÇO, 1999,
p.17).
8
homem e seu meio ambiente. (ICOM, 1974, tradução nossa, grifos
nossos).
4
Tradução do SBM – Sistema Brasileiro de Museus. Disponível em:
<http://www.museus.gov.br/oqueemuseu_museusicom.htm>. Acesso em: 08 maio 2007.
9
Essa definição de 2007 mantém o comprometimento do museu com a
sociedade, assim como o amplia ao estabelecer que ele, além de conservar,
pesquisar, comunicar e exibir o patrimônio material/tangível, também deve
valorizar e promover o patrimônio imaterial/intangível que constituem as formas
de expressão, os costumes, saberes e fazeres dos diferentes grupos sociais.
A mutação das referidas definições fazem com que os museus não
fiquem voltados para si mesmos, mas reflitam constantemente a fim de melhor
interagirem com a sociedade. Essa constante revisão possibilita que
museólogos e outros profissionais de museus dialoguem com profissionais de
outras áreas do conhecimento e introduzam os mais diversos conceitos nas
práticas e ações museológicas.
Nesse sentido, Studart (2004) aponta a importância do entendimento
de que, entre os diversos conceitos com os quais os museus trabalham, como
“cidadania, inclusão/exclusão social, alteridade, diversidade cultural, tolerância,
solidariedade, participação, interação”, entre outros, nem todos são da área da
museologia, mas que, por serem de grande relevância social, influenciam as
ações educativas no espaço museal. Além disso, que é muito importante estar
atento a esses conceitos no cotidiano das ações museológicas porque “[...] os
saberes e as culturas estão sempre em constante construção, e o museu é um
espaço simbólico de referência para abordar estas questões” (STUDART,
2004, p.47). Assim, entende-se a relevância de alguns conceitos, aos quais
Studart se refere, para o desenvolvimento das ações educativas nos museus.
Meneses (2002), entretanto, aborda o perigo de alguns conceitos
trazidos de outras áreas para o museu. Um deles é o conceito de “mercado” o
qual procura “[...] transformar o museu num centro de lazer [...]” apresentando
‘[...] as chamadas blockbusters exhibitions, as exposições arrasa-quarteirões,
que, naturalmente, procuram legitimar-se com a aura da “cultura”’ (p.21, grifo
do autor). Tais exposições, na maioria das vezes, acabam desvirtuando uma
das responsabilidades do museu para com a sociedade, isto é, com a
“produção do conhecimento” a partir de seu acervo. Nessa esfera, o referido
autor ainda afirma que “A própria noção de preservação de coleção está
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associada à necessidade de manter os acervos disponíveis para renovar os
conhecimentos que ele permite produzir” (MENESES, 2002, p.30).
Assim, verifica-se que, ao importar conceitos de outras áreas para o
campo museológico, deve-se ter certo cuidado, pois alguns podem desvirtuar o
comprometimento maior do museu que deveria ser com a educação e sua
capacidade de produzir e disseminar conhecimento por meio da cultura
material.
Considerações finais
Hoje, quase final da primeira década do século XXI, percebe-se que
muitas mudanças aconteceram dentro da instituição museu para que ela não
apenas saísse da situação à qual estava condenada, mas para que realmente
tivesse um “papel mais ativo” na sociedade. Para isso, o museu vem revendo
seus conceitos, desfazendo-se de alguns preconceitos estabelecidos há
gerações, a fim de realmente se tornar um espaço mais democrático e atender
às necessidades dos diferentes públicos na sociedade contemporânea.
A revisão constante dos conceitos de museu pelo ICOM possibilita aos
diferentes atores museais uma reflexão periódica sobre a função social da
instituição museológica, assim como sobre o seu compromisso com a
sociedade, ou seja, em atender os interesses dos diferentes grupos sociais
para os quais os museus devem pensar suas ações.
Como os museus na contemporaneidade devem ter igualmente um
comprometimento com o patrimônio imaterial/intangível e esse atinge uma
dimensão que também diz respeito às práticas museológicas e às relações que
os diferentes públicos estabelecem com o espaço museal, os profissionais dos
museus precisam estar atentos a isso, a fim de coletarem e registrarem essas
diferentes manifestações.
Voltando-se totalmente para algumas instituições museológicas de arte
no Brasil, pode-se indagar o quanto ainda é necessário fazer para reverter
certos preconceitos e descasos quanto às suas verdadeiras funções e torná-lo
um espaço cuja palavra vida esteja constantemente associada a ele. Além
disso, questiona-se: com quais conceitos os museus de arte brasileiros estão
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trabalhando? Será que estão atentos somente aos conceitos de mercado ou a
outros que permitam potencializar suas coleções? Quais as políticas dos
museus de arte brasileiros em relação à educação e à disseminação do
conhecimento?
Referências
ARCHER, Michael. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
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CRESPÁN, José Luis; TRALLERO, Manuel. O futuro dos museus. In: ROJAS,
Roberto; CRESPÁN, José Luis; TRALLERO, Manuel. Os museus no mundo. Rio de
Janeiro: Salvat, 1979.
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Disponível em: <http://icom.museum/hist_def_eng.html>. Acesso em: 15 jun. 2009.
LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus acolhem o moderno. São Paulo: Edusp,
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principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas de 1857 a
1972. 10.ed. Rio de Janeiro: Record, 1987.
MONTANER, Josep Maria. Museus para o século XXI. Barcelona: Gustavo Gilli,
2003.
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