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Propostas para museus de um novo século*

Peter van Mensch


Reinwardt Academy (Amsterdã, Holanda)

Conforme se aproxima o fim do milênio, mais e mais predições estão sendo feitas. Os
números estão fazendo suas mágicas. Relatórios especiais, pesquisas acadêmicas,
conferências, todos tentando entender os mecanismos do presente, de forma a definir a
forma do que está por vir. Existem, é claro, muitos modos de apreender a realidade dos
museus, e de estabelecer temas globais ou abordagens específicas no campo dos museus. O
ponto de vista escolhido por este artigo é museológico, ou seja, dirigido ao funcionamento
interno e externo dos museus como “instituições de patrimônio”. Se formos prestar atenção
em algumas caricaturas sobre o assunto, veremos que o público em geral tem uma visão
bastante estereotipada dos museus. “São vistos como dormindo tranqüilamente – um
repositório de curiosidades do passado – múmias, dinossauros, armaduras, e lembranças de
gente famosa de ontem”, escreveu G. Ellis Burcaw no bem conhecido Introduction to
museum works (1975). Apesar dessa imagem pública de “lugar onde o tempo parou”, os
museus mudaram consideravelmente durante os séculos dezenove e vinte. E parece que o
passo das mudanças está se acelerando. O mundo museológico está fervendo de atividade,
não somente com os museus sendo renovados, transformados e construídos, mas com novas
abordagens se multiplicando e com as definições usuais passando a ser percebidas como
incapazes de refletir novas realidades.
Os museus estão em crise – algumas pessoas insistem em dizer. Entre eles, Tomislav Sola:
“Em breve, o museu tradicional não será mais capaz de responder aos novos desafios de
nosso mundo (...) a própria idéia de museu se tornará obsoleta.” Diante da contínua
degradação de nosso meio ambiente em todo o mundo, Sola considera o museu tradicional
um “templo de vaidade”. Ele escreveu isso em 1989. Poucos meses mais tarde uma guerra,
na qual a crueldade atingiu níveis inimagináveis, começou a destruir sua terra natal, a
Iugoslávia. De que forma a situação atual dos curdos e dos povos da Bósnia, da Somália, do
Camboja e de Angola, e o crescente racismo na Alemanha se constituem em novos desafios
para os museus? E como os museus responderão a esses novos desafios?
Nos últimos dez anos, com a proclamação da “nova museologia”, o potencial dos museus
como forças sociais positivas tem crescido com vigor notável. De acordo com os
protagonistas da “nova museologia”, os museus deveriam estar ativamente envolvidos com
suas comunidades, ajudando-as a construir seu próprio passado, enquanto, ao mesmo
tempo, contribuem para despertar a atenção sobre problemas contemporâneos, como a
fome, o racismo, a AIDS e o abuso de drogas. Por outro lado, tomando como base os quatro
séculos de experiência museológica, não se poderá deixar de notar o quanto os museus,

*
Originalmente publicado, em inglês, em Museums, space and power. ICOFOM Study Series 22 (Atenas,
1993). P. 15-18.
Disponível, na Internet, no original, em http://www.xs4all.nl/~rwa/athene.htm
Tradução e pós-escrito por José Bittencourt, Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, RJ
(jbitt@gbl.com.br)
diante de questões como essas, estão desamparados. Mesmo aqueles mais avançados
tecnicamente. Será que os museus estão realmente em crise?
Talvez o conceito de museu tradicional deva ser encarado da mesma forma que um
dinossauro, vivendo no fim do período Cretáceo. Após um longo período de sucesso,
deixou de ser capaz de lidar com os novos desafios e estava destinado a desaparecer. Mas
se os museus são como os dinossauros, destinados a desaparecer, onde estão – se pode
pensar – os pequenos mamíferos que se preparam para tomar conta do mundo? Quais são
os pontos fracos dos dinossauros, que causaram sua vulnerabilidade? Quais são as
qualidades dos mamíferos, que os tornaram capazes de prosperar? Para responder essas
perguntas, é necessário estudar a ecologia dos dinossauros (os museus tradicionais) e dos
mamíferos (as novas tendências do campo museológico).
A experiência do desenvolvimento dos museus ao longo do século XX resultou na evolução
de uma filosofia amplamente aceita sobre como os museus devem funcionar, ou seja, quais
são os requerimentos básicos de profissionalização. Deixando de lado as diferenças e
tendências ideológicas – que serão discutidas abaixo -, tal aceitação aparece, no nível
prático, no alto grau de similaridade que a comparação entre manuais de trabalho em
museus mostrará. Os manuais são o primeiro degrau do processo de formalização da prática
museal. O segundo degrau será a publicação e subsequente aplicação de códigos de prática
ou códigos de ética. O próximo degrau é a certificação de museus segundo padrões
preestabelecidos. A Associação Americana de Museus foi a primeira associação
profissional a desenvolver um código desse tipo. Mais recentemente, a Comissão de
Museus e Galerias do Reino Unido lançou um instrumento semelhante. Tais iniciativas são
tentativas da profissão museológica em lidar com a crise de identidade mencionada acima.
Paradoxalmente, a padronização do trabalho em museus vai de encontro à iniciativas
inovadoras no interior da própria profissão museológica.
Falando de maneira geral, podem ser apontados os seguintes desenvolvimentos. Esses
desenvolvimentos resultam da confrontação entre tendências internas (profissionais) e
externas (sociais).
 Mudança de museus centrados em objetos para museus centrados na comunidade;
 O alargamento do conceito de “objeto museológico”;
 Tendência à conceitualização;
 Tendência à preservação in situ;
 Ascensão do conceito de museu descentralizado;
 Racionalização da administração de museus;
 Musealização de instituições culturais e comerciais
Dos museus centrados no objeto aos museus centrados na comunidade
Na Europa, os museus tendem a se autogerar. Na maioria dos casos, novos museus surgem
tanto para preservar coleções existentes ou para satisfazer os anseios filantrópicos de algum
doador, quanto como produto das concentração de energia de algum entusiasta da história,
da arte, da natureza ou da ciência. Por exemplo: quase todos os novos museus holandeses
são “baseados em coleções”, ao invés de “orientados por missão”. Nos deixa a impressão
de que a relevância social é coisa do passado. Apesar de todas as resoluções do ICOM e
outras exortações públicas, a média dos novos museus não demonstra qualquer
engajamento no sentido de despertar consciência social. Entretanto, esses novos museus, ao
mesmo tempo, parecem ter resultado de uma nova consciência social. Essa nova
consciência tem gerado crescente preocupação com a qualidade de nossas vidas, e como
parte disso, crescente preocupação com nosso patrimônio natural e cultural. Essa nova
consciência também tem gerado um desejo crescente de participação, através do
engajamento ativo no processo de preservação ou, mais passivamente, através da
participação em alguma organização de preservação. A sociedade, como um todo, tem
aceito essa curadoria, que antes era delegada aos museus. A emergência da “curadoria
social” se manifesta no explosivo crescimento de colecionadores privados e seus museus
voluntários, grupos voluntários de preservação, sociedades cívicas, associações de
conservação da natureza, etc.
É paradoxal, nesse novo movimento, que a curadoria social tende a ser orientada para os
objetos. Dessa forma, essas novas iniciativas assemelham-se aos museus tradicionais. O
que o distingue, entretanto, é que as decisões sobre o que e como preservar não são
deixadas aos profissionais, mas são tomadas pelos usuários e proprietários, que, desse
modo, reivindicam o direito à sua própria identidade cultural. O ecomuseu é, de fato, a
implementação da curadoria social, sob a forma de um museu totalmente integrado. Nessa
situação, a comunidade toda é o museu. O museu, ele mesmo, não possui acervo, pois os
objetos não são públicos, mas privados e individuais. A comunidade, e não o edifício do
museu, atua como reserva técnica e centro de criação para os objetos e eventos do museu.
Todos os esforços são feitos para manter a propriedade com a comunidade, exceto para
objetos que não tenham um local físico ou emocional. Para suas exposições, o museu toma
por empréstimo (e documenta) objetos do povo da comunidade, e, ao término do projeto, os
devolve. Os temas dessas exposições são elaborados a partir de tópicos dos habitantes e dos
eventos das comunidades, e devolvidos às mesmas sob a forma de exposições de curta
duração. Em outras palavras, esse tipo de museu lança mão do “vocabulário local dos
artefatos” da região, montando exposições baseadas nesse vocabulário, para apresentar à
população da região, a imagem da região, para a implementação de sua consciência.
Os museus tradicionais também têm se adaptado à nova consciência. Dos anos 60 em
diante, os museus renovaram seu papel social, enfatizando suas responsabilidades
educacionais. Aos longo dessa década, a principal perspectiva mudou da pesquisa científica
para a educação. Durante os anos 80, as atividades orientadas para o público mudaram de
“orientadas por missão” para “orientadas paro o mercado”. O objetivo dessa mudança foi
encorajar a auto-implementação, auto-respeito e auto-atulalização. Programas especiais
foram desenvolvidos para um amplo espectro de grupos-alvo, colocando em destaque
minorias e despossuídos. As coleções cumpriam um papel ambivalente: as que existiam
nem sempre eram adequadas para dar conta dos novos temas. As mudanças mais recentes
em direção ao mercado, aumentaram a ambivalência. Por um lado, os museus tentam lucrar
com o novo interesse pelo “mundo real”, e, por outro, centros de ciências e de patrimônio,
atuando “para mercado” parecem por o “mundo real” em segundo plano.
Ampliando o conceito de objeto de museu e a conceitualização das exposições de museu
A arqueologia industrial, a história social, os estudos de cultura material e o interesse na
cultura material contemporânea geraram novas coleções, mas também levaram à novas
categorias de objetos considerados passíveis de recolhimento. O alcance dos objetos
que tem sido coletados está se estendendo. O princípio que tem sido aceito no trabalho
de museus gira em torno do interesse pela cultura material de grupos que não
representados nas coleções de museus. A crescente velocidade da degradação funcional
em nosso mundo ocidental, especialmente de bens de consumo – mas também, em
certa extensão, com obras de arte – diminui o tempo entre a produção e a preservação.
O período legal de cinqüenta anos, mencionado em muitos arquivos nacionais e em
legislações de monumentos, está em discussão. Um objeto de museu não é,
necessariamente, um objeto velho, e o respeito pela integridade das características
físicas dos objetos tem levado à políticas de aquisição orientadas pelo contexto.
Oficinas completas, salas e até mesmo casas inteiras tem sido recolhidos ou levados
para museus. Está se tornando cada vez mais difícil distinguir onde acaba o museu e
começa o “mundo real”. Essa situação levou o sociólogo alemão Hermann Lubbe a
falar na “musealização da sociedade”.
Burcaw já apontou a mudança de exposições museológicas cuja abordagem é centrada nos
objetos para a abordagem centrada nas idéias. Esta última abordagem enfatiza conceitos em
vez de objetos. Essa mudança pode ser detectada em dois níveis: no nível de conteúdo e no
nível da visualização. No nível do conteúdo, o axioma da integridade física do objeto é
questionado. Se a idéia é mais importante do que o objeto material, porque deveríamos
continuar recolhendo, conservando e expondo objetos? Dentro do ICOFOM, Bernard
Deloche é um dos defensores da separação entre conceito (“esquema”) e a coisa física. Sua
abordagem lembra a idéia de “musée imaginaire”, de Andre Malraux. No nível da
visualização, novos métodos foram introduzidos, primeiro em conexão com o “projeto
educativo” e, posteriormente com o “projeto de experiência”. A fundação de centros de
ciência e centros de patrimônio sugere a obsolescência de museus de ciência e história
baseados em objetos.
As novas aproximação, de fato, questionam a necessidade de tangibilidade, mobilidade e
autenticidade. Recolher objetos tangíveis e móveis é somente uma dentre diversas maneiras
de preservar o patrimônio cultural e de geral conhecimento e desenvolvimento social.
Mitos, poesia, canções, histórias, dança, rituais, religiões, ritos sociais, estruturas de
parentesco, todos são fortes sistemas que têm provido as sociedades. Esse conceito de
patrimônio transcende a materialidade estrita que tem caracterizado as políticas dos
museus.
Preservação in situ e o conceito de museu descentralizado
O museu tradicional, enciclopédico e centralizado, parece estar obsoleto. Tem sido
observado um crescimento explosivo de museus pequenos e especializados, particularmente
nos campos da história e da tecnologia. Em conexão com a abordagem centrada na
comunidade, temos observado o aumento do número de museus locais, baseados na
comunidade: museus de vizinhança e museus de comunidade. Esses museus
descentralizados colocam-se a serviço das comunidades nas quais estão estabelecidos.
Em conexão com a crescente importância atribuída a novas classes de objetos, estão sendo
desenvolvidas novas formas de preservação in situ. Museus de sítio, casas históricas,
ecomuseus, museus corporativos, são exemplos da ampla variedade de museus nos quais
formas de preservação in situ – ou tão próxima quanto possível do local de origem ou de
uso – estão sendo pesquisadas. No caso dos ecomuseus e, algumas vezes, no caso de casas
históricas, existe uma ligação entre os aspectos in situ e “baseado na comunidade”. Tanto
como o conceito de ecomuseu é mais avançado do que os museus ao ar livre, os ecomuseus
não devem ser definidos como museus ao ar livre in situ. Em conexão com a preservação in
situ, podemos ver um crescente número de redes de museus: laços cooperativos entre
museus independentes, redes de “antenas” como partes de um ecomuseu e museus com
museus-ramificações. Um tipo especial é o museu desconcentrado: um museu com estações
externas, comparável com as antenas dentro de um ecomuseu.
Racionalização da administração de museus e a musealização de instituições comerciais
Durante as últimas duas décadas, pelo menos no Ocidente, os museus se aproveitaram de
uma situação de relativa prosperidade para investir em “especialização interna”. Uma
análise racional das funções dos museus levou à divisão de trabalho. Um número cada vez
maior de especialistas foi sendo envolvido. O resultado é que, atualmente, os museus se
vêem diante de sérias limitações financeiras. Uma nova e racional abordagem leva a novas
soluções, uma delas a “especialização interna”. Todos os tipos de tarefas são contratados
externamente, de consultores independentes (“economia de escala”). Em sua contribuição à
confer6encia “Museus 2000”, Neil Cossons explicou como ele esperava que os museus
tivessem um número cada vez menor de pessoas em suas folhas de pagamento, mas
juntando as competências disponíveis de ampla variedade de diferentes profissionais, onde
e quando tais profissionais se fizessem necessários.
Outra “nova” solução é a eliminação de tarefas dispendiosas. Por exemplo, grandes museus
passam a funcionar como centro de prestação de serviços para museus menores. No Museu
Peabody de Arqueologia e Etnologia, tal idéia de “dividir coleções” já está sendo realizada.
Coleções de reserva têm sido disponibilizadas para outros museus.
O princípio da “divisão de coleções” vem a reforçar a tendência, mencionadas acima, em
separar, em nível institucional, as funções de preservação e comunicação. O antigo
secretário-geral da Smithsonian Institution, Dillon Ripley imaginava que os museus do
futuro teriam áreas de estudo anexas às reservas técnicas, do tipo “sala de leitura”, que se
encontra em em bibliotecas. Ele também imaginava pequenos museus satélites,
descentralizados, especialmente nos subúrbios. A vantagem poderia estar em que “o
complexo central poderia continuar sendo o que um museu de artes ou de ciências devia
ser, um instituto de pesquisas num centro flexível, para estudos que envolvam as coleções.”
Essa abordagem pode ser descrita como a centralização de fontes versus a descentralização
de serviços.
No presente, entretanto, a racionalização da organização de museus tende a enfatizar uma
abordagem centralizada na comunicação, em detrimento da pesquisa. Os museus precisam
ser mais competitivos, e eles só podem se tornar competitivos com base em suas
exposições. Mas, , de forma a assegurar as funções de pesquisa para o futuro, novas
iniciativas devem ser tomadas visando lucrar com a competência da equipe científica.
Museus de história natural, como os de Londres, Amsterdã e Leiden “vendem” sua
competência no campo da taxionomia à agências do governo e à firmas comerciais.
A racionalização da administração de museus também se estender às atividades orientadas
para o público. Como tem sido estabelecido, os museus no mundo ocidental estão sendo, de
forma crescente, orientados para o mercado. Os departamentos de educação têm dado lugar
a departamentos de marketing e relações com o público. O marketing, ao invés de servir
como importante ferramenta para cumprimento da função dos museus, transforma-se em
seu mestre. A orientação centrada no público vira orientação entrada no consumidor
(enfatizando o entretenimento), quando deveria ser orientada para a comunidade
(enfatizando a educação). E quando educação e entretenimento são postos sob o mesmo
teto, aquela fatalmente perderá.
Há uma crescente competição entre museus e outras instituições culturais. Sobretudo, os
museus não são mais os lugares óbvios para a guarda e exposição museológicos. Sempre
haverá colecionadores privados, é claro, mas, em épocas recentes, passamos a ver uma
nova categoria de atores envolvidos: as empresas comerciais. Podemos apontar três razões
principais para o interesse dessas empresas em colecionar: 1- a documentação de sua
própria história, bem como a disseminação de sua história como parte de políticas de
relações públicas; 2- o começo de uma coleção de arte, com a finalidade de decorar as
instalações, pode ser parte de um esforço de consolidação da identidade da empresa ou de
um objetivo de humanizar o ambiente de trabalho; 3- o começo de uma coleção de arte
pode ser uma forma de investimento. Nos EUA, pode-se apontar, de modo muito geral,
pelo menos mil coleções corporativas. Com exceção da Mutual Assurance (companhia de
seguros, da Filadélfia, que, alegadamente é o mais antiga colecionador corporativo daquele
país (fundada em 1815), essa tendência se fez observar nos anos 1920, mas o grande início
deu-se nos 60. Parece que o número de colecionadores corporativos sérios está crescendo
rapidamente, no mundo inteiro. Existem dúvidas sobre os futuros desenvolvimentos dessa
atividade. Parece que as grandes empresas estão reconsiderando suas políticas. Os recém-
chegados à prática encontram-se entre as pequenas companhias, como hotéis, escritórios de
advocacia e de contabilidade.
Outro desenvolvimento é aquele que propõe o uso de espaços nas empresas comerciais
como galerias de exposição para museus. Desde 1972, o Whitney Museum of Americam
Art, por exemplo, opera galerias suporte em diferentes escritórios de Nova Iorque. O
Whitney fornece as obras de arte, enquanto as companhias arcam com os custos de
operação, salários e exposições no museu. As empresas desejam ter atividades de
entretenimento público em seus edifícios, e oferecem, por exemplo, atividades de lazer na
hora do almoça; o museu, por sua vez, alcança, dessa forma, novas audiências. Mais
próximas do campo dos museus e talvez por isto mesmo mais ameaçadoras, estão as
iniciativas tomadas por parques temáticos comerciais de incluir exposições de museu, isto
é, baseadas em objetos, em seus programas. Exemplos bem conhecidos são a Disneylândia
e a Vila Holandesa (Nagasaki, Japão).
Conclusão
Não é fácil fazer a conclusão para uma consideração breve sobre as tendências correntes. A
primeira impressão é de uma confusa diversidade, e se pode esperar que essa diversidade
aumente, num futuro próximo. A necessidade de códigos de ética, de programas de
credenciamento, e por critérios mais rigorosos para associação à organizações de museus,
são as reações ansiosas de um campo confuso. A teoria museológica não pode prever o
futuro, nem pode indicar caminhos. Quando muito, pode fornecer instrumentos para o
entendimento do que está acontecendo, e ajudar a implementar a eficiência e eficácia de
nosso trabalho. Economia, eficiência e efetividade são as palavras-chave da moderna
administração de museus modernos. Diferentes autores têm tentado aplicar esses conceitos
ao trabalho em museus. Entretanto, é extremamente importante que os padrões de eficácia e
eficiência não sejam definidos pelos administradores de museus. Esses conceitos são
ferramentas úteis na formação e implementação da política dos museus, mas devem ser
adaptados e controlados pela abordagem museológica. Neste ponto, é útil enfatizar a função
da ação museológica: servir para a formação da consciência da sociedade, através da qual é
possível estimular comunidade, como partes da sociedade, a ligar passado e presente na
perspectiva do futuro, e a identificar a si mesmos como as indispensáveis mudanças
estruturais e reclamar por outras, apropriadas a seus contextos socioculturais particulares.
Os dinossauros não desapareceram por causa de um cometa – este apenas mostrou que eles
eram incapazes de lidar com novos desafios. Os museus tradicionais foram, e ainda são,
muito bem-sucedidos, mas seu futuro está posto em questão. Se eles estão em crise, não se
trata de uma crise financeira, mas de identidade. Uma nova geração de instituições
semelhantes a museus está pronta para seguir em frente. Essas instituições parecem mais
adaptadas ao tempo das mudanças. Mas há, pelo menos, um consolo: 120 milhões de anos
após sua extinção, os dinossauros se tornaram os animais mais populares do mundo.

Pós-escrito do tradutor
Descobri este texto na Internet, perdido entre os milhões de fragmentos que orbitam, de
maneira mais ou menos desorganizada, pelo espaço virtual. Trata-se de um produto
intelectual de dez anos atrás o que, hoje em dia, pode ser considerado muito tempo.
Entretanto, o autor, por ser um dos grandes teóricos da museologia contemporânea,
merece atenção, seja qual for a época. Na virada do século passado, fenômenos como, por
exemplo, os “museus-empresa”, dentre os quais a Fundação Guggenheim é o paradigma,
eram, então, coisas relativamente recentes e ainda mal-compreendidas. Atualmente,
muitas das preocupações manifestadas por Peter van Mensch já deram lugar à outras, se
bem que o âmago do texto continue o mesmo: qual exatamente o lugar dos museus na
estrutura da sociedade contemporânea?
E eu acrescento a esta pergunta, uma outra: qual o lugar dessas instituições no Brasil? Se,
em 1993, P. v. M. preocupava-se com a “extinção dos dinossauros”, no Brasil, parece que
ninguém constatou ainda que estamos todos tranqüilamente montados nos dinossauros.
Basta mostrar o fato de que alguns dos problemas que P. v. M. menciona sequer
começaram a ser abordados sistematicamente, entre nós. É, por outro lado, muito bom
admitir que o panorama dos museus, no Brasil, apesar de todos os percalços tem mudado, nos
últimos 25 anos. O primeiro e importante dado é a profissionalização das instituições. Até os
primeiros anos da segunda metade do século passado, as instituições museológicas agiam quase
como laboratórios de estudos aplicados voltados para atividades “de campo” das áreas de
conhecimento a que estivessem ligados. Isso não significa ignorar a qualidade do trabalho de
profissionais de instituições como o Museu Nacional, o Museu Paulista, o Museu Histórico
Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu Imperial, e tantas outras que, desde o século
passado, vem fazendo um trabalho marcante de produção científica. Mas também podemos
observar que a profissionalização, ou seja, o estabelecimento e implementação de uma identidade
e de um campo específico de reflexão e produção museológicos, é relativamente recente: parece
que pode ser datado do final dos anos sessenta. As razões dessa “autonomização” me parecem
ainda passíveis de pesquisa, mas creio ser observável, a partir do final dos anos 70, pela
modificação nos cursos de Museus, que se transformaram em faculdades de Museologia, e pelo
ingresso de novos quadros profissionais nas instituições. Ações conduzidas por esses novos
profissionais resultaram em grandes transformações nos museus brasileiros: novas exposições,
aperfeiçoamento do trabalho técnico, implementação de ações educativas baseadas em princípios
modernos de educação patrimonial. Em alguns casos, museus transformaram-se a tal ponto que se
tornaram “novas instituições”.
E “novas instituições”, de fato, surgiram, espelhadas em modelos conceituais elaborados no
mundo desenvolvido, a partir dos anos 60: alguns ecomuseus e museus comunitários apontaram
alternativas possíveis às instituições tradicionais, e, principalmente, alternativas às formas
tradicionais de preservação e, principalmente, de articulação com o público.
Não é exagero afirmar que a modernidade museológica, no Brasil, inicia-se nos anos 80 do século
XX. É uma história ainda por contar, e que, por certo, esclarecerá muitas das questões hoje em dia
pendentes.
Mas o fato é que a modernidade não chegou a afetar todas as áreas: pontos como a política de
acervos, e alguns aspectos do tratamento e disseminação de informações, por exemplo, embora
tivessem começado a ser abordados, estacionaram. E também é possível sugerir que o público dos
museus, muito embora se tenha multiplicado – em alguns casos, exponencialmente -, continuou a
ser abordado exatamente como nas épocas anteriores: espectadores relativamente passivos de um
processo no qual não são, plenamente, sujeitos.
Outra questão candente, embora, paradoxalmente ignorada, é o recolhimento de acervos,
paralisado quase totalmente fazem algumas décadas. O exame da documentação de
algumas das principais instituições mostra que, se por um lado nunca houve uma política
de acervos formalizada, por outro, a identificação e recolhimento de objetos era intensa,
baseada nas relações pessoais e políticas que as equipes das instituições estabeleciam. Ao
longo dos últimos 30 ou 40 anos, por uma série de motivos que ainda não estão claros, as
ações de recolhimento foram encolhendo até cessarem, quase completamente.
Os museus, talvez com a exceção parcial dos museus universitários e de alguns museus de
ciências, tornaram-se recolhedores passivos, e, desde então, não têm conseguido modificar
essa condição. Suspeito – apenas suspeito, pois não existem pesquisas sobre o tema – que
essa problemática seja irmã siamesa de certa afasia conceitual reinante nas instituições.
Basta olhar para o próprio uso das categorias “recolhedor ativo” e “recolhedor passivo”,
apresentadas dentre outros autores, por G. E. Burcaw e Z. Stránský, desde os anos 70: é
bastante tímida. Outras questões, citadas por P. v. M.- a racionalização e dinamização de acervos,
a classificação de museus -, são pouco abordadas ou seguem intocadas. Nos museus universitários,
a situação, nesse campo, parece um pouco melhor. Por contarem, em suas equipes, com
profissionais egressos da universidade, mas afeitos à prática da discussão teórica , costumam os
museus universitários a estar mais avançados do que as outras instituições museológicas, quando o
assunto gira em torno de questões teóricas e conceituais. Outras instituições, federais, estaduais,
municipais e privadas, pressionadas pelos problemas cotidianos, e com equipes minguantes, em
geral relegam a reflexão ao tempo disponível, que costuma a ser, sempre, quase inexistente.
E se, em todo mundo, os recursos se tornaram um problema, no Brasil, ao longo dos últimos 20
anos, as instituições tem chegado quase ao ponto do estrangulamento: o Estado é cada vez mais
relutante, no que tange ao investimento, tanto nas coleções quanto nas ações baseadas nas
coleções. Obrigados a lutar por recursos minguantes, as instituições museológicas são empurradas
à adoção de uma lógica que não é a sua – a lógica do mercado. Neste campo, são muitos os
equívocos, todos plenos de conseqüências. O debate se baseia, geralmente, num emocionalismo
estéril – ou se é “a favor”, ou se é “contra”. Mas não poderia ser de outra maneira: inexistem
ferramentas que permitam pesquisas sistemáticas, e inexistem métodos que permitam criar tais
ferramentas. Avaliações de caráter científico são, pois, impossíveis. Só para citar um exemplo
candente, as pesquisas de público apenas engatinham entre nós, e não têm, até o momento, sido
fator propiciador de ações práticas que realmente contribuam para a formação de acervos e de
público.
Numa vertente próxima, as atividades educativas, que, nos anos sessenta, chegaram a apontar
novos caminhos para as instituições museológicas, patinam em solo escorregadio: sem
investimentos de monta, limitam-se quase ao atendimento de escolas. Claro que temos de citar
alguns exemplos meritórios e até emocionantes, realizados, por todo o país, em museus de ciências,
de arte e de história. Mas também temos de admitir que a maioria dessas ações não chega a gerar
resultados expressivos que se estendam para além dos limites da instituição que a pratica. Neste
campo, batemos de frente com outro problema sério: a troca de experiências, quando existe, é
apenas tímida.
Os anos 80 foram anos de dinamismo. Já existem algumas pesquisas que mostram como a
distensão política levou à necessidade de novas narrativas em museus. Atrás dessas demandas,
vieram investimentos governamentais de monta, que possibilitaram a contratação de profissionais
e a reconstrução de exposições. Mas os dinâmicos 80 deram lugar aos 90, nos quais os influxos
foram minguando, ao ponto de, atualmente, existir um real e sério risco de retrocesso. As
exposições envelhecem, algumas à olhos vistos, e os recursos não são suficientes para uma
renovação no grau necessário; junto com as exposições, envelhecem os quadros profissionais.
Embora as faculdades de Museologia ofereçam mão-de-obra de altíssima qualidade, a escassez de
recursos impossibilita a renovação dos quadros. A qualidade dos postos disponíveis deteriorou:
vencimentos ruins e condições de trabalho discutíveis.
A adoção da lógica de mercado merece considerações à parte. Parece, enfim, ser também um
campo aberto para a pesquisa. Suponho que futuras abordagens venham a mostrar que não passou
de uma experiência, que, rapidamente, deu sinais de esgotamento. O advento das exposições
“blockbuster” é, talvez, o aspecto mais visível e controverso dessa “nova fase do campo museal”.
Eventos de grande porte, produção complexa e resultados espetaculares (grande divulgação na
imprensa e aporte de público impensável para os museus tradicionais) transformaram-se,
entretanto, em fator de atrito para as instituições museológicas. Em certos casos fala-se – como,
por sinal, também se falou, nos países mais desenvolvidos – em uma mudança no eixo dos museus.
Estes acabariam por se ver obrigados a racionalizar sua atuação, juntando às suas atividades
tradicionais de preservação, uma nova focagem sobre o lazer e entretenimento cultural. Mesmo
nos países de origem dessa idéia, a controvérsia foi intensa. Em entrevista recente, publicada nos
“Anais do Museu Histórico Nacional”, P. v. M. afirma que “a vocação dos museus não é ser
parques temáticos”. Muito embora eu não acredite que tal idéia passe pela cabeça de qualquer
agente do campo museológico, o fato é que a disputa por recursos cada vez mais escassos obriga
direções e corpos técnicos, pressionados pela busca de respostas aos problemas cotidianos, à
tomada de decisões que apontam direções, e têm resultados, em uma avaliação inicial, não os
mais desejáveis.
Certamente, ninguém é contra a racionalização, mas o fato é que esse conceito implica em levantar
propostas novas, tais como as que P. v. M. sugeriu em seu texto. Quando não existem novas
propostas, mas apenas o clamor por “racionalização”, este pode colocar em risco o papel que
certos agentes – inclusive o Estado – têm de cumprir na implementação das instituições, e – pior –
ser preâmbulo para a mudança de seu caráter. Propostas novas, entretanto, podem apontar não
apenas para a racionalização, mas para novas articulações entre instituições, acervos,
profissionais e públicos. Depois de sistematizadas, testadas e aplicadas, podem, com toda certeza,
vir a apontar um novo papel para as instituições museológicas na busca pelo desenvolvimento
econômico e social harmônico. Os museus - e, devemos apontar , o campo do patrimônio cultural
em geral – constituem repositório de recursos de enorme valor por sua capacidade comunicativa e
identitária. Temos de admitir que esses recursos “não-renováveis” (nas provocadoras palavras de
David Lowenthal) talvez não estejam sendo usados em todo seu potencial.
Mas, ainda assim, considero que vivemos um período de expectativas excitantes. Mesmo levando
em consideração as enormes dificuldades, nunca se falou tanto , no Brasil, em museus, museologia
e preservação do patrimônio cultural quanto se fala atualmente. Pode-se até dizer, ainda que
tenhamos de controlar a animação, que o público em geral anseia por tais narrativas. A base
profissional e de infra-estrutura formadas ao longo dos últimos 25 anos, mesmo desgastada, ainda
constitui uma reserva considerável, pois a experiência acumulada não se perdeu. Pelo contrário,
encontra-se, talvez, madura para ser potencializada. A proposição de um “sistema”, ou uma
“rede”, nacional de museus (embora não tenha sido dito exatamente o que significará isto), por
enquanto ainda uma agradável promessa, permite a antevisão de uma base, alicerçada sobre as
instituições – tradicionais ou não -, novos procedimentos e novas tecnologias. Sabemos que já
existem antecedentes da aplicação desse conceito. No fim dos anos 70, um “Sistema Nacional de
Museus” chegou a ser proposto, e a extinta Fundação Nacional Pró-Memória começou a criar, em
meados dos 80, base administrativa para uma futura implementação: o Coordenadoria Nacional
de Museus. Este é outro tema que pede, ansiosamente, por uma pesquisa. E, mais recentemente, a
implantação do Sistema Estadual de Museus do Rio Grande do Sul parece ter sido coroado por
algum sucesso.
Eu imagino, seguindo nos calcanhares de P. v. M., que a primeira ação objetiva visando a
“racionalização”, seja a conceituação exata de “sistema”. Visto que parece haver a intenção de
implementar uma “Política Nacional de Museus”, o “Sistema Nacional de Museus” seria, por
excelência, a ambiência para a instalação e decolagem das ações dela decorrentes. Um “sistema”
implica na formação, ainda que intuitiva, de uma “rede”, entendida como um tecido que, formado
por canais de interpolação – pontos situados entre os pólos de qualquer sistema que os apresente.
Uma rede é baseada em pólos, e visa permitir a comunicação mais-ou-menos descomplicada entre
eles. Fico imaginando que, através desses canais, poderiam circular não apenas informações
(matéria-prima, por excelência, para o funcionamento de uma rede), mas também acervos, os
próprios; e equipamentos; e também demandas dos agentes, e da sociedade. E as soluções.
Virtualidade e matéria.
Bem, neste ponto, melhor parar – certamente não é o caso de imaginar sozinho.

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