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E A POLÍTICA DE INTERPRETAÇÃO2
Michael Ames
1 O termo “glass boxes” foi mantido na língua original por ser importante no entendimento
do texto. Em português, de acordo com a museologia brasileira, existe a vitrine, que serve
para colocar objetos de coleção destinados à exposição.
2 Este texto é a tradução do décimo terceiro capítulo do livro: AMES, Michael. Cannibal tours
and glass boxes: the Anthropology of Museums. Vancouver: UBC Press, 2006 [1992]. Trad. de
Rafaela Mendes Medeiros; revisão de Rita de Cássia Melo Santos.
3 “On Creating a Material Heritage” (1988). Artigo apresentado no simpósio “The Objects of
Culture”, presidido por Peter H. Welsh e Nancy J. Pavezo, no Encontro Anual da Associação
Americana de Antropologia, em Phoenix, 19 de novembro.
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efeitos destrutivos das imagens criadas pelos não indígenas. Não é certo
qualquer um definir alguém dizendo-lhe quem é e onde se encaixa.
Não se pode fazer isso com alguém se você pensar nele como seu igual.
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Temos que seguiras coisas em si, pois seus significados estão inscritos
em suas formas, seus usos, suas trajetórias. É somente por meio da
análise dessas trajetórias que podemos interpretar as transações
e cálculos humanos que dão vida às coisas. Assim, a partir de um
ponto de vista teórico, são os atores humanos que codificam as coisas
significando-as e, de um ponto de vista metodológico, são as coisas
em movimento que iluminam o contexto humano e social (ênfase no
original).
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5 Welsh chama de “público visitante” aqueles que vão ao museu para vê-lo, e de “constituents”
aqueles cuja cultura está sendo vista/exposta. Para Welsh, ambos são considerados
constituencies.
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diferentes grupos. Muitos são indiferentes aos museus e outros têm uma
boa relação com eles. Os visitantes do museu esperam, e frequentemente
demandam, aprender e se divertir, ao passo que aqueles cujas culturas
estão sendo expostas (que Welsh [1988] chama de constituents, mas
que para nós são consideradas “populações originárias”) expressam
preocupação quanto à forma como estão sendo usados para entreter os
outros: “O que ou quem as exposições representam, e para quem serão
representadas”, observa Welsh, “é a questão que nos interessa aqui”.
Em “Preserving Our Heritage”, conferência de 1988 sobre povos
indígenas e trabalhadores de museus, realizada em Ottawa (BLUNDELL &
GRANT, 1989; CANADIAN MUSEUM ASSOCIATION, 1989; TOWNSEND-
GAULT et al., 1989), Tommy Owlijoot, que foi diretor do Eskimo Point
Cultural Centre, no norte do Canadá, disse que os brancos se beneficiaram
da cultura Inuit por mais de cem anos, e que já era hora de reestabelecer
o equilíbrio. Como Parezo observou, a antropologia estabeleceu um
passado para um país novo e em expansão apropriando-se do passado
dos americanos que haviam sido subjugados. Apesar de aparentemente
razoável, esta não é mais considerada uma forma de apropriação aceitável.
Owlijoot e muitos outros nativos americanos estão apelando aos museus
para que comecem a pagar suas “dívidas” com o intuito de que seja
equilibrada a balança. Na mesma conferência, Christopher Mc Cormick
(WATTS, 1988, p. 16; ASSEMBLY OF FIRST NATIONS, 1989, p. 11), porta-
voz do Native Council of Canada, disse:
Hoje em dia, os nativos estão falando em reconquistar suas próprias
terras (...) Nós não estamos falando de uma reconquista violenta, uma
guerra entre os povos. Nós estamos falando de assumir controle sobre
nossas próprias vidas, nossas culturas e, mais importante, sobre a
interpretação tanto do passado quanto do presente de nossas culturas.
(...) O padrão no Canadá, assim como nos Estados Unidos, tem sido
de assumir a nossa morte iminente, tomar nossos objetos sagrados
e trancá-los em mausoléus feitos para aves e dinossauros (...) Não é,
pois, de se estranhar que profissionais da cultura – como antropólogos,
arqueólogos, diretores de museus – tenham sido responsáveis pelo
colonialismo e pela assimilação.
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o foi). Eles podem falar juntamente com aqueles cujos materiais são
guardados ou estudados. Eles podem continuar a falar sobre encontros
culturais, histórias dos objetos e das instituições e das objetificações
complicadas que ocorrem durante esse processo.
Os antropólogos podem continuar a explorar com outros grupos
a “mediação simbólica da diversidade cultural” (PHILLIPS, R., 1988,
p. 60), em um mundo cada vez mais complexo. Eles podem falar com
mais freqüência sobre as culturas dos seus públicos, como a exposição
“Exotic Illusions” fez tão bem. Papéis importantes para os museus
permanecem. Neste mundo de “diferenças misturadas”, segundo
Clifford Geertz (1988, p. 147, citado em PHILIPS, R., 1988, p. 60), em
sua análise recente da literatura antropológica, há uma necessidade
constante de facilitar a conversa entre as divisões onipresentes de
etnia, classe, gênero, idioma e raça. A tarefa para a antropologia,
continua ele, é “ampliar a possibilidade de um discurso inteligível
entre pessoas diferentes umas das outra sem relação a interesses,
perspectivas, riqueza e poder e, ainda, contidas em um mundo onde
estão em conexão sem fim – assim, torna-se cada vez mais difícil sair
um do caminho do outro”.
Permanece, assim, o problema de o museu ter múltiplas respon-
sabilidades em relação a diversos públicos. Pergunta Welsh (1988): “O
que acontece, também, às missões educacionais e científicas de um
museu quando os constitutents demandam privacidade, mas deparam-se
com o desejo do visitante de obter informações?; “O que os visitantes
precisam saber?”, “e como é que os informamos mesmo sabendo que
existem coisas que não são oportunas lhes dizer?”. Podemos atender
às necessidades e cumprir os pedidos de colegas e estudiosos mesmo
retendo informações nas exposições e nas publicações? Os direitos à
privacidade precisam sempre ser equilibrados como direito ao conhe-
cimento. O desafio para os museus não é apresentar os “fatos” sobre
as culturas, conclui Welsh (1988), e sim “encontrar maneiras de educar
os visitantes sobre a natureza própria dos fatos. Sobre o fato de que
a informação não é apenas poder, mas também responsabilidade. E
que merece respeito”.
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