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CULTURAL
Resumo
INTRODUÇÃO
Pensar o museu de antropologia neste contexto mais amplo permite perceber uma
modificação: num primeiro momento, buscou-se construir uma espécie de arquivo de culturas
1. Graduada em Ciências Sociais pela UFPE; Estudante do Master 1 de Anthropologie na Université Lumière
Lyon 2, França. Email: raissa.fonseca@hotmail.com
2. Giorrdani Gorki Queiroz. Email: giorrdani@gmail.com
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“exóticas” e atualmente vêm empenhando-se em ser não apenas um lugar de reserva cultural,
mas também um espaço reflexivo para a produção do conhecimento antropológico.
Este artigo surge como resultado das minhas experiências enquanto mediadora cultural
em museus, e mais especificamente no Museu de Antropologia do Homem do Nordeste,
situado em Recife, Pernambuco. Ali percebi que o mediador/educador, em sua grande
maioria, tem um papel quase exclusivo de explicador/informador nas ações educativas:
percepção que não deixou de me inquietar. Como artista, arte-educadora e antropóloga senti o
desejo de expandir a mediação para além dos percursos temáticos habituais, da abordagem
linear pautada pela fala do mediador, o qual torna-se um explicador das obras – e não um
provocador de questões favoráveis à experiência e ao aprendizado.
Meu interesse pelo tema iniciou-se com uma mediação temática (intitulada
Medi(ação): movendo o museu através do sensível), elaborada para o Museu do Homem do
Nordeste (MuHne), elaborada em conjunto com a dançarina e arte-educadora Rebeca Gondin.
O objetivo era que o corpo se tornasse protagonista da experiência no museu através da dança
e jogos lúdicos. Buscávamos aguçar os sentidos e a percepção do visitante e, desta forma,
possibilitar formulações de questões a partir do corpo em movimento (ACSELRAD, 2018).
3. Alguns trabalhos discutem o uso do termo educador em vez de mediador (MARANDINO, 2008; GUERRA,
2016). Neste artigo usarei os dois como sinônimos, pois estimo que designam indiscriminadamente os sujeitos
que mediam o público, as obras e a instituição através de ações ou propostas educativas.
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4. “Educativo”: setor que elabora e propõe atividades educativas voltadas para a exposição ou outras atividades
nos museus.
5. “Cinestesia sf: sentido da percepção de movimento, peso, resistência e posição do corpo, provocados por
estímulos do próprio organismo (HOUAISS e VILLAR, 2001)”. Ou seja, experiência corporal se refere à
experiência vivenciada através dos sentidos do corpo.
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6. A pesquisa antropológica realizada a partir de relato de terceiros. Quando a prática de pesquisa de campo e
da observação participante não existia como método próprio da disciplina.
7. Como mostra a autora Daniela Marulanda, trata-se de uma proposta metodológica surgida em 1960 em
Chicago, que se instaura com uma perspectiva de investigação. Em busca de uma postura intelectual que
privilegie o compreensivo mais do que o explicativo, ressaltando o sentido que as pessoas atribuem aos
fenômenos que as atravessam e em compreender o conhecimento a partir dessas concepções. (MARULANDA,
2018).
8. Μουσεῖον, de μοῦσα, musa. Templo das Musas, filhas de Zeus com Mnemosine, a Memória (CARLAN,
2008).
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9. Como indica MARANDINO (2008) a “educação não-formal é qualquer atividade organizada fora do sistema
formal de educação, operando separadamente ou como parte de uma atividade mais ampla, que pretende servir a
clientes previamente identificados como aprendizes e que possui objetivos de aprendizagem” (p. 14).
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Isto posto, refletir acerca de como são desenvolvidas as ações dentro dos museus
apresenta-se como o prelúdio desta análise. Nos museus que pude visitar ou em que tive a
oportunidade de trabalhar, percebi que o educador/mediador desempenha, na maioria dos
casos, um papel meramente informativo no que tange às obras, sendo importante mencionar a
pouca atenção dada ali à função dos educativos.
A visitação nos museus torna-se, desse modo, uma transmissão de informação, ou seja,
“uma acumulação de verdades objetivas” (LARROSSA, 2002, p. 28). São verdades que
permanecem externas ao ser humano e em muitos casos não proporcionam uma experiência
onde se dá sentido “por si próprio”, considerando “o que se passa [consigo]”, “o que [se é]
capaz de sentir e pensar”. Acreditando que “o mediador deve ser menos a pessoa que
transmita conteúdos e mais alguém que estimule o público a estabelecer algumas relações de
seu próprio modo” (COCCHIARALE, 2007, p. 15 apud SILVA, 2017.1, p. 392), tornam-se
necessárias propostas de mediação que tenham a experiência como base, que abram “a
possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque” (LARROSA, 2002, p. 24). Nesse
sentido, partindo de ações corporais, baseadas nos movimentos e nos sentidos do corpo,
acredito em visitas museais em que a experiência seja o caminho da compreensão da
diversidade, da cultural e da alteridade.
10. A Semana Nacional de museus é uma temporada cultural coordenada pelo IBRAM que acontece todo ano
em comemoração Internacional dos Museus.
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seus espaços. O desejo, portanto, era de possibilitar outras maneiras de vivenciar o museu
percorrendo as questões históricas e antropológicas abordadas nesse espaço.
A mediação aconteceu com jovens de escolas públicas do Recife, que visitavam pela
primeira vez o Museu do Homem do Nordeste. A exposição permanente intitulada “Nordeste:
territórios plurais, culturais e direitos coletivos” é constituída de sete salas divididas por
temáticas (Nordeste plural; Brasil global e periférico; Terra, trabalho e identidade, Povos
indígenas do Nordeste; Açúcar: organização da economia e escravidão; Revoltas, revoluções
e resistências; Expansão e interiorização através do gado), contendo certa diversidade de
materiais expostos (como por exemplo fotografias, vídeos, colares, flechas, moedas, tapeçaria,
mobílias e etc.). A exposição conta também com trilha sonora produzida pelo músico Naná
Vasconcelos, utilizada para atividades pedagógicas durante a mediação. Para cada sala
temática produzimos uma ou mais atividades para abordar as temáticas propostas, através de
estratégias pautadas em: sentidos, movimento, corpo e improvisação. Com base na ideia de
autonomia de percepção, o intuito foi, portanto, o de transformar a experiência – via
movimento corporal – em fio condutor para reflexões críticas.
No artigo intitulado “Em busca do corpo perdido: o movimento como ponto de partida
para a pesquisa antropológica em dança”, Maria Acselrad (2018) destaca, partindo das ideias
de Merleau-Ponty, que a experiência perceptiva é uma experiência corporal, porque a
experiência corporal é criadora de sentidos e interpretações (ACSELRAD, 2018). Como
ressalta a autora, a experiência encarnada, ou seja, focada na percepção corporal, não almeja
separar o corpo da mente:
Seria então possível elaborarmos uma mediação no museu partindo dos métodos da
própria antropologia – pesquisa de campo, observação participante, etnografia e
etnometodologia –, em conjunto com o corpo em movimento? Quais são as possibilidades da
antropologia da dança contribuir com visitas em museus de antropologia alicerçadas na
experiência do corpo em movimento?
Nesse mesmo sentido, o corpo serviria na mediação sensorial como meio para
documentar e investigar o museu. O ponto de partida é o corpo em movimento; de suas
sensações produz-se uma reflexão mais autônoma e, por conseguinte, mais transformadora
enquanto prática pedagógica.
A fricção entre dança e antropologia surge trazendo novas abordagens para ambos os
campos do conhecimento. Tal relação contribuiu na investigação de como vivências
cinestésicas e jogos lúdicos podem auxiliar na visitação do museu: para que esse momento se
transforme em uma experiência (Aiesthesis11, sensível e cinestésica); e para que, assim,
através do movimento, o visitante possa ampliar sua percepção acerca das questões ali
abordadas. Reivindicar a experiência do corpo em movimento como estratégia de mediação
no museu torna-se necessário, pois “a lógica da experiência produz diferença,
heterogeneidade e pluralidade” (LARROSA, 2002, p. 28) – sendo este um dos objetivos
fundamentais dos museus de antropologia. A experiência vivenciada dentro do museu surge,
nessa perspectiva, como uma proposta de auto-etnografia12 do processo vivido em que se
valoriza a percepção do indivíduo na construção de seu próprio conhecimento.
11. Termo apresentado pelo autor Walter Mignolo (2010). O autor propõe a diferencia entre estética – que estaria
baseado na ideia do belo – e aiesthesis – baseada na ideia de experiência.
12. Segundo FORTIN (2009) a auto-etnografia “se caracteriza por uma escrita do „eu‟ que permite o ir e vir
entre a experiência pessoal e as dimensões culturais a fim de colocar em ressonância a parte interior e mais
sensível de si” (p. 82).
13. Rudolf Laban (1870-1950), dançarino, coreógrafo, pedagogo e teórico do movimento. Desenvolveu um
modelo de notação do movimento chamado Labanotation. Foi uma importante influência para o
desenvolvimento e difusão da dança moderna (FRANCO, 2016).
14. SILVA NETO (2015) apresenta as principais abordagens dessa área: corpóreo-enativista; corpóreo-
conceitual e corpóreo-afetiva (p. 213). O autor aponta as diferenças entre cada perspectiva e os principais pontos
de interesse de cada linha de estudo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
museógrafos têm sido produzidos nas (e compartilhados pelas) sociedades onde estão
inseridos.
É necessário assinalar que a mediação não deve ser a única maneira de compor as
ações educativas em um museu de antropologia. Atividades permanentes que possibilitem o
contato com as comunidades onde estão inseridos os museus são essenciais para o
fortalecimento de uma relação entre o público e a instituição. O fortalecimento de atividades
de mediação – e, consequentemente, dos educativos – através da valorização do mediador nos
museus (com a possibilidade de elaboração de novos métodos pedagógicos, mais amplos e
integrativos) deve ser considerado como parte fundamental do fortalecimento dos próprios
museus etnográficos e das atividades antropológicas.
Foi, portanto, movida pelo desejo de elaborar uma reflexão sobre a prática (e de dar
uma prática às reflexões), que pude concluir que a fricção entre a antropologia e a dança
parece necessária e importante para ambas as áreas de conhecimento. A busca pela
aproximação entre práticas e pensamentos emana da tentativa de construir um conhecimento
crítico e sensível, bases tanto da antropologia quanto da dança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACSELRAD, Maria. Em busca do corpo perdido: o movimento como ponto de partida para a
pesquisa antropológica em dança. In Antropologia da dança IV/ Giselle Guilhon Antunes
Camargo (org.). Florianópolis: Insular, 2018.
ABREU, Regina. Tal antropologia, qual museu? Museu, identidades e patrimônio cultural.
Revista do Museu de arqueologia e Etnologia, São Paulo, Suplemento 7, 2008.
FRANCO, Susanne. Qui est Rudolf Laban? Perspectives théoriques et méthodologiques pour
la construction d’un objet de recherche. Recherches en danse [Online], 5, 2016. Disponível:
<http://journals.openedition.org/danse/1450 ; DOI : 10.4000/danse.1450>. Acessado em: 16
de novembro de 2018.
GUERRA, Isabela Tavares. Entre objetos e pessoas: educar em museus, formação e práticas
de mediadores- a experiência dos museus históricos de Belo Horizonte. Dissertação
(mestrado) Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, 2016.
MARANDINO, Martha (org). Educação em museus: a mediação em foco. São Paulo: Geef/
FEUSP, 2008.
SILVA NETO, Thompson Lemos da. A cognição corpórea como continuidade crítica das
ciências cognitivas. Tese (doutorado)- Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, 2015.
SILVA, Aila Regina da. O corpo mediador: dança e mediação no museu. Repertório, Salvador,
ano 20, n.28, p.390-402, 2017.1.