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1 Introdução
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Colégio Estadual Rotary. Mestre em Ensino de História (PROFHISTÓRIA). E-mail:neocal01@gmail.com
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UNEB. Doutor em Educação. E-mail: jgpinheiro@uneb.br
A referência aos princípios omnilaterais como pressuposto teórico para discutir uma
educação estética para o ensino de História justifica-se por entendermos que essa concepção
de formação humana é capaz de enfrentar os limites da unilateralidade racionalista, da
fragmentação do ser humano. A proposta de uma educação estética para o ensino de História
persegue essa “totalidade” envolvida na formação omnilateral do sujeito. O conhecimento
histórico que emerge dessa experiência formativa aparece como efeito da interação dialética
entre o mundo sensível, lugar do existir e experimentar, com o mundo da razão, lugar da
lógica, do cálculo e conceitos.
Portanto, entendemos que a reflexão sobre Estética ganha terreno, quando colocamos
no horizonte essa formação omnilateral. Conforme Ferreira (2020), Estética tem a ver com
aquilo que foi concretamente vivido, materialmente experienciado e sentido:
Então, esse universo estético deve ser entendido como um campo de vivência
formativa e de humanização do indivíduo através dos sentidos. A Estética deve ser entendida,
segundo Vázquez (1999), como área de conhecimento que reflete sobre o campo de vivência
formativa do ser humano, em que o sujeito elabora uma consciência estética e uma
compreensão de mundo que resulta de uma relação dialética entre o saber racional e a
experiência sensível.
No campo da historiografia, encontramos em Pesavento (2004) importante apoio para
pensar as relações entre Estética e História, ao conceber a sensibilidade como mecanismo pelo
qual os indivíduos e seus grupos sociais se percebem e constroem suas representações
simbólicas. Para essa autora, a sensibilidade se constitui
podemos afirmar que o autor sugere tratarmos a arte como: a) fonte histórica didática; b)
objeto de ensino; e c) linguagem da comunicação historiográfica escolar.
SANTOS, 2006). Ademais, muitas vezes são vistas como assunto complementar, espécie de
ornamento ao principal, aos aspectos econômicos, políticos e sociais.
Contrariando esse lugar comum, defendemos uma perspectiva diferente para as artes
como objeto de ensino. Evidente que é importante lutar por uma maior abertura dos currículos
de História e dos livros didáticos para as artes como objeto de ensino, mas não se trata de
simplesmente inserir mais “conteúdo”, pois é necessário repensar os critérios dessa inserção.
Ou seja, nada adianta incluir mais Arte no ensino de História, se ela continua sendo tratada
como aspecto complementar de outros “conteúdos”, normalmente organizados segundo uma
lógica quadripartite, cronológica e eurocêntrica de história.
Também não defendemos uma espécie de “substituição” de objetos, como se estivesse
em jogo transformar o ensino de História em História da Arte. De nosso ponto de vista, não
existe objeto de ensino em si mesmo legítimo, o que justifica sua presença no currículo
escolar é sua relevância formativa, seu peso para a orientação social, para a vida em
sociedade, importância para a leitura e transformação do mundo, parafraseando Paulo Freire
(1997).
A Arte pode ser vista ainda como produção discursiva, performance da comunicação
historiográfica escolar. Se a linguagem clássica da historiografia escolar é a escrita, ela pode
muito bem se beneficiar da ficcionalização em sentido amplo, mas sem perder seus vínculos
com o rigor metódico. Assim, por que não investir na dimensão poética do discurso
historiográfico, seja do professor ou do aluno? Na verdade, investir na dimensão estética nos
processos de comunicação historiográfica significa afirmar que há muitas formas de plasmar o
conhecimento histórico, para além do código escrito formal. Não se trata evidentemente de
substituição da linguagem formal argumentativa pela poética. Importa aqui a ampliação das
possibilidades comunicativas do discurso historiográfico escolar. Significa dizer que a
produção historiográfica escolar pode assumir o formato de operação artística controlada.
Pode parecer um contrassenso a ideia de uma operação artística controlada. No
entanto, estamos nos referindo a uma experiência estética a ocorrer nos domínios de uma
operação historiográfica escolar, que é exercitada livremente, desde que inspirada em fontes
e/ou referências reconhecidas socialmente.
Recentemente, com o advento da pandemia, muitos professores tiveram que recorrer à
mediação das tecnologias digitais para realizar suas aulas, tiveram que aprender a usar
aplicativos e plataformas digitais. Alguns até se arriscaram produzir podcasts, videoaulas,
lives, grupos de discussão, como forma de potencializar a comunicação com os alunos. Parte
dos professores perceberam a importância em aumentar os canais de comunicação com os
alunos, num momento em que presenciamos o fortalecimento de grupos de extrema direita,
que alimentam visões negacionistas e revisionistas da história. Situação que chama ainda mais
a nossa atenção quando levamos em conta que muitos alunos da educação básica “curtem”
aprender História a partir dos chamados youtubers. Enfim, parece haver ainda mais motivos
para investimos em outras formas discursivas para ensinar História.
Com relação particularmente à estetização do discurso do aluno, das inúmeras
possibilidades que ela pode ocorrer, pensamos em estimular a sua capacidade de
transfiguração criativa. Muitas vezes, professores e gestores se irritam com os alunos que
“vandalizam” certas imagens dos livros didáticos de história. Compreensível essa irritação já
que esses livros são reutilizados e por isso precisam ser bem cuidados e preservados. Outra
situação que irrita os professores, e com razão, é o uso indiscriminado dos celulares durante as
aulas. Nossa proposta é justamente canalizar essa capacidade subversiva do aluno de uma
maneira produtiva, enquanto experiência estética capaz de transfigurar, desnaturalizar ou
tensionar certas representações artísticas. Incentivar a invenção ou a recriação artística como
maneiras outras de produzir contrapontos, contraleituras em relação ao que é visto, percebido,
tocado, ouvido etc. Mas do que consumir Arte, trata-se também de produzi-la.
Com base nessas reflexões sobre a relação entre ensino de História e educação
estética, partimos para analisar a experiência dos professores de história do CESA sobre o
lugar da Arte em suas práticas. O CESA é uma instituição escolar de tempo integral, mantida
pelas Obras Sociais Irmã Dulce - OSID, em parceria com as Secretarias de Educação do
Estado da Bahia e de Simões Filho-BA. Escolhemos o CESA pelo fato de suas práticas
pedagógicas serem baseadas nos pressupostos da Arte-Educação.
Em 2021, quando foi feita a pesquisa, o CESA contava com 946 alunos, assim
divididos: 415 alunos cursando os anos iniciais e 531 os anos finais do Ensino Fundamental.
Seu corpo pedagógico, voltado para os anos finais do Ensino Fundamental, era formado por
18 educadores graduados, entre eles, três professores de História: duas professoras e um
professor. Uma delas com formação em Sociologia e os demais em História.
Consultando o Projeto Político Pedagógico (PPP), observa-se que durante boa parte da
sua história o CESA investiu na potencialidade das linguagens artísticas em suas ações sociais
e educacionais. A criação do núcleo de Prática Musical– Neojiba e a requalificação do Núcleo
de Arte-Educação consolidaram, por assim dizer, a Arte como instrumento de educação e
formação dos alunos. Sobre o Núcleo de Arte-Educação, vale a pena destacar sua centralidade
no processo de formação dos professores especialistas e do alunado. Ele é responsável pela
gestão de várias oficinas oferecidas aos alunos como: tecelagem, cerâmica, teatro, dança,
percussão, inclusão digital.
Consultando a coordenação, logo identificamos um desafio para a articulação dos
princípios da Arte-Educação com o ensino de História. Diz respeito à grande rotatividade dos
professores da área, o que dificulta a consolidação do processo formativo coordenado pelo
Núcleo de Arte-Educação. Ou seja, o aproveitamento das atividades formativas por parte dos
professores é bastante irregular, a exemplo de palestras, cursos e oficinas que são oferecidos.
Além disso, os professores ouvidos na pesquisa, apesar de destacarem o importante papel
formativo dos núcleos de arte-educadores da escola, constatam que ainda é frágil a articulação
entre esses núcleos e o ensino desenvolvido convencional desenvolvido no âmbito das
disciplinas.
Quanto aos professores que participaram da pesquisa, um primeiro ponto a ser
observado é que todos, uns mais outros menos, já tinham relação com a arte, quando passaram
a trabalhar no CESA. Para a professora A, que tem mais tempo de casa, a relação, o
casamento, como ela se refere, entre a arte e a História, está presente desde os livros didáticos
e também marca a sua prática, no CESA:
eu acho que, no oitavo ano, por exemplo, entraria mais as três de forma bem
integrada; no nono ano, eu acho que ela entrou um pouco mais como fonte
didática; no sexto ano, eu acho que entram as três também; no nono ano,
principalmente, ela entrou mais como fonte didática; agora, no sexto ano e
oitavo ano, entrou de uma forma mais integrada. Na terceira unidade, que
no nono ano, entrou de forma mais integrada também, poderia dizer, com
esse projeto, com o projeto que a gente está trabalhando, “Padrões
culturais”, tem muitas produções, a gente está analisando bem também a
estética, o comportamento de cada época, a tecnologia, de uma forma mais
integrada, produzindo algumas coisas, inclusive em cerâmica, então eu acho
que, na terceira unidade, também entram as três de forma mais integrada.
É, eu acho que eu posso dizer que, de forma geral, agora nessa terceira
unidade, nas disciplinas que eu dou, tem entrado os três aspectos de forma
mais integrada (Professora B, 2021).
Percebemos o cuidado da professora em analisar sua prática com base em nossas três
categorias de referência para refletir sobre o lugar da arte no ensino de História. Apesar das
pequenas variações, em função do ano da turma, ela declara ter trabalhado a arte sob uma
perspectiva mais integrada, especialmente a partir do projeto. Com base em outros excertos da
entrevista, a professora evidencia valorizar a arte, independente do livro didático e até mesmo
do núcleo artístico do CESA, embora tenha feito questão de destacar a importância e o lugar
estratégico deste núcleo.
Já o professor, que em princípio nega um envolvimento mais direto com arte,
reconhece que foi a partir do projeto “Padrões Culturais”, que passou a ter uma relação mais
efetiva com as artes, no CESA:
[...] esse tempo que eu estou lá no CESA, o único dia que eu me inseri [em
práticas ligadas às artes], foi no dia dos jogos internos que eu fiquei em
uma banca apenas anotando o número de faltas, o número de cartões, o
número de gols, eu fiquei como um VAR. Eu fiquei como se fosse um VAR. A
professora de educação física ficou como [...] a árbitra de campo e eu como
uma espécie de VAR... Então o único dia que eu me inseri em algum um
aspecto artístico do CESA, foi nesse dia. Fora disso, eu acho que eu tenho
pouco a colaborar. [...] Agora, que nós estamos com um projeto lá que é o
projeto “Padrões culturais” e aí nós vamos apresentar a culminância desse
projeto no dia 28 de novembro, mas envolve várias disciplinas, inclusive
história, porque a gente vai fazer uma linha do tempo como era o
Ao ser solicitado, ele segue dando mais detalhes sobre esse projeto:
[...] é uma coisa que eu sempre quis fazer [...]. Quando eu digo aos meus
alunos, [...] quando eu falo do orelhão, quando eu falo do disco vinil, da
radiola, como era o celular, [...] como era o telefone de disco. [S]empre
quis [..] fazer uma espécie de museu ou um apanhado de como era e como é,
tanto na arte, como na história, quanto na vestimenta. Aí conheci a
professora de inglês, esse ano, [...] e aí ela disse [...], sem eu ter falado
nada a ela, “eu tô com um projeto Padrões Culturais”, aí sentamos e
analisamos. Que bacana! É uma coisa que eu quero apresentar, eu gostaria,
aí pronto; fizemos uma primeira reunião, e ela me disse: você fica por
destacar as décadas, [...] então vamos pegar, somos quatro turmas, então
vamos pegar aí um período de 70 anos, e aí uma turma vai ficar de 50 a 60,
outra com 70 e 80, outra com 90 a 2000 e outra 10 e 20 até 2022. [...] Eles
vão mostrar basicamente como era e como é, o quê? Como a mulher era
tratada, qual era a participação da mulher na família e na política, como é
que a mulher se vestia e aí como eram as leis de proteger o negro, o menor,
a mulher, [...] como era o aparelho de som, como era a TV, como eram os
debates políticos, quem é que ganhava a eleição.... Como era a música, o
que é que a música denunciava, naquele tempo, o é que a música diz hoje,
que a gente quer mostrar para eles, que inclusive a música hoje, a gente
quer mostrar para eles, ou melhor, eles vão pesquisar, vão mostrar, vão
perceber que a música hoje é basicamente mostrar perna e bunda, desculpa
o termo chulo [...]. Os Beatles fumavam maconha, mas o que é que nos anos
50 os Beatles queriam denunciar? Gilberto Gil fumava maconha, na década
de 60 e 70? Mas o que é que Gilberto Gil queria denunciar com a música
dele, entende? E hoje? O que é que Igor Kannário quer denunciar com a
música, o que Psirico quer? (PROFESSOR, 2021).
E mesmo fazendo questão de afirmar que se identifica com um ensino de história mais
tradicional, o professor faz uma revelação importante sobre a estetização do seu próprio
discurso:
eles and[v]am nus, com a coisa feia de fora. Até isso, eu brinco com meu
aluno. Como é que Caminha disse que é feia, por que que é feia?É feia na
visão europeia, mas para o índio, não era feio; é feia, para nós que somos
civilização cristã [...]. (professor, 2021).
Enfim, à maneira de cada um, os três professores têm seus próprios modos de articular
arte e história no ensino. E sobre as possibilidades de aperfeiçoar essa relação, eles fizeram
pelo menos três importantes observações. A primeira, diz respeito à necessidade aprimorar a
articulação entre o trabalho desenvolvido pelos arte-educadores e as práticas dos professores
de história. Eles reconhecem o quanto os núcleos de arte-educadores podem contribuir na sua
formação. Uma das professoras chega a afirmar que se poderia partir de um planejamento
pedagógico comum.
A segunda observação tem a ver com os obstáculos criados pelo currículo. Assim se
refere ao problema, a professora A: “[...] o currículo é muito extenso e algumas coisas[...],
para mim, no sexto ano, eu acho totalmente desnecessário, mas eu não tenho autoridade para
mexer toda hora no currículo. (Professora A, 2021). A fala entrecortada nos parece indicar até
certo receio em revelar tudo o que pensa do currículo escolar de história. De fato,
concordamos com a professora que esse é um importante obstáculo a ser enfrentado, se
quiserem uma prática mais integrada e condizente com os princípios da arte-educação do
CESA.
A terceira observação se refere às condições de trabalho. As duas professoras
reclamam da sobrecarga de trabalho docente e os consequentes impactos na qualidade do
trabalho docente.
De fato, sem o tempo necessário para planejar, preparar o material que deve ser levado
para a sala de aula, é difícil um trabalho de qualidade, mesmo que se tenha a formação
adequada.
5 Palavras finais
Com base nas iniciativas dos professores de história, acreditamos que passos
importantes já foram dados na direção de um ensino de história como prática de educação
estética, no âmbito do CESA. Exemplo disso é o trabalho desenvolvido pelo projeto Padrões
Culturais, principalmente pela possibilidade que criou de um contexto mais favorável ao
ensino de história como produção de sentido, a partir do momento em que professores e
alunos foram incentivados a explorar objetos definidos com base em um intenso diálogo entre
presente e passado. Além de possibilitar a emergência de objetos significativos ligados à arte,
o projeto, com base no relato dos professores, também conseguiu incentivar a exploração de
fontes de época e a produção de linguagens artísticas como forma de expressão do
conhecimento histórico.
De qualquer forma, acreditamos que iniciativas como essas podem ser ainda mais
aprimoradas, desde que exista uma parceria mais efetiva e articulada entre os professores de
história e os arte-educadores. Acreditamos que os professores de história podem se beneficiar
com essa parceria, no sentido de passarem a dominar mais o conhecimento sobre as artes.
Portanto, um caminho promissor para fortalecer a educação estética no ensino de História, no
CESA, é justamente investir mais na formação continuada dos professores de história, para
que eles se sintam mais seguros ao incorporar a Arte em sua prática seja como objeto,
discurso ou fonte, o que pode ser realizado através do próprio Núcleo de Arte-Educação já
existente. Também é importante que os arte-educadores conheçam as expectativas desses
professores em relação às artes, já que o diálogo interdisciplinar não significa o abandono da
especificidade do conhecimento histórico, nem que o ensino de história deva se converter em
curso de História da Arte.
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