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EDUCANDO OLHARES PARA O SENSÍVEL: OS DESAFIOS


DA EDUCAÇÃO ESTÉTICA NO ENSINO DE HISTÓRIA

ANTONIO WANDERLEY CAL PASSOS1


JOSÉ GLEDISON ROCHA PINHEIRO2

1 Introdução

As reflexões a seguir são uma tentativa no sentido de pensar as possibilidades de um


ensino de História como prática de educação estética. Ainda são raros os trabalhos que
pensam nessa direção. Há muitos e significativos estudos sobre as linguagens como fonte
didática, outros sobre as relações de proximidade e distanciamento entre literatura e ensino de
história, mas são poucos os que investem nas reflexões acercado lugar da Arte nesse ensino,
em sentido amplo, que envolva o campo da Estética e da formação. No Brasil, os trabalhos
que mais avançaram nessa direção, de nosso ponto de vista, foram os de Luiz Giani (2010) e
Azemar dos Santos Soares Junior (2019). Nossa proposta aqui é modesta: dar continuidade a
essas reflexões, quem sabe fazendo avançar uma proposta de didática da História a partir da
Arte.

2. Arte, Estética e ensino de História

A existência humana, quando entendida a partir do campo da Estética passa a adquirir


uma maior amplitude e dimensão, pois nos permite experimentar os fenômenos vividos para
além do logos, guiado por experiências adquiridas através das nossas sensibilidades. Desse
modo, vivenciamos nossa existência em uma perspectiva de sujeito omnilateral, cuja
educação dos sentidos almeja a plenitude da formação humana, tal como anunciava Karl
Marx:

1
Colégio Estadual Rotary. Mestre em Ensino de História (PROFHISTÓRIA). E-mail:neocal01@gmail.com
2
UNEB. Doutor em Educação. E-mail: jgpinheiro@uneb.br

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O homem se apropria da sua essência omnilateral de uma maneira


omnilateral, portanto, como um homem total. Cada uma das suas relações
humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir,
perceber, querer, ser ativo, amar, enfim todos os órgãos da sua
individualidade, assim como os órgãos que são imediatamente em sua forma
como órgãos comunitários, são no seu comportamento objetivo ou no seu
comportamento para com o objeto a apropriação do mesmo, a apropriação
da efetividade humana [...]. (MARX, 2008, 108)

A referência aos princípios omnilaterais como pressuposto teórico para discutir uma
educação estética para o ensino de História justifica-se por entendermos que essa concepção
de formação humana é capaz de enfrentar os limites da unilateralidade racionalista, da
fragmentação do ser humano. A proposta de uma educação estética para o ensino de História
persegue essa “totalidade” envolvida na formação omnilateral do sujeito. O conhecimento
histórico que emerge dessa experiência formativa aparece como efeito da interação dialética
entre o mundo sensível, lugar do existir e experimentar, com o mundo da razão, lugar da
lógica, do cálculo e conceitos.
Portanto, entendemos que a reflexão sobre Estética ganha terreno, quando colocamos
no horizonte essa formação omnilateral. Conforme Ferreira (2020), Estética tem a ver com
aquilo que foi concretamente vivido, materialmente experienciado e sentido:

O termo sentido, quando colocado em relação ao entendimento da Estética,


permite ampla compreensão da questão. É o que mobiliza a recepção de
códigos visuais, sonoros, palatáveis, táteis e olfativos, mas não se resume a
isso, pois também comporta o entendimento do conjunto de sinais que somos
capazes de perceber: entendemos mais do que estímulos fragmentados,
reconhecemos o todo de um objeto, uma fala ou acontecimento. Indo além, é
a Estética que, também, mobiliza um terceiro sentir, aquele referente à
resposta do indivíduo diante da realidade: como nos sentimos, o que é
suscitado em nós. (FERREIRA, 2020, 26).

Então, esse universo estético deve ser entendido como um campo de vivência
formativa e de humanização do indivíduo através dos sentidos. A Estética deve ser entendida,
segundo Vázquez (1999), como área de conhecimento que reflete sobre o campo de vivência
formativa do ser humano, em que o sujeito elabora uma consciência estética e uma

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compreensão de mundo que resulta de uma relação dialética entre o saber racional e a
experiência sensível.
No campo da historiografia, encontramos em Pesavento (2004) importante apoio para
pensar as relações entre Estética e História, ao conceber a sensibilidade como mecanismo pelo
qual os indivíduos e seus grupos sociais se percebem e constroem suas representações
simbólicas. Para essa autora, a sensibilidade se constitui

[...] como uma outra forma de apreensão do mundo para além do


conhecimento científico. As sensibilidades corresponderiam a este núcleo
primário de percepção e tradução da experiência humana que se encontra
no âmago da construção de um imaginário social. O conhecimento sensível
opera como uma forma de reconhecimento e tradução da realidade que
brota não do racional ou das construções mentais mais elaboradas, mas dos
sentidos, que vêm do íntimo de cada indivíduo. (PESAVENTO, 2004, 2).

A autora oferece uma possibilidade de pensar o passado a partir das sensibilidades e,


através de um olhar sensível, reconstruir o tempo passado a partir do campo dos afetos e dos
sentidos, procurando investigar como sentiam e agiam os sujeitos de outros tempos-espaços.
Já nos domínios do ensino de História, Soares Junior (2019) defende que as
sensibilidades, as emoções, são elementos cognitivos potentes para dar sentido e significado
ao processo de ensino e aprendizagem da história. Partindo do pressuposto de que a
sensibilidade é uma condição humana, trabalhá-las em sala de aula se torna uma oportunidade
de humanizar o processo de ensino- aprendizagem, de educar, por assim dizer, o ver, sentir,
tocar, ouvir, imaginar.

3. Outros lugares para a Arte no ensino de História

O que defendemos aqui é a valorização dessa dimensão do sensível, mas com


preocupações formativas, o que é possível através de uma reconfiguração sobre o lugar da
Arte nas práticas de ensino de História. Giani (2010) propõe repensar esse lugar de modo a ser
possível enxergá-la por pelo menos três ângulos diferentes, mas complementares; numa
linguagem atualizada e ampliada em relação ao seu texto original, publicado em 2010,

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podemos afirmar que o autor sugere tratarmos a arte como: a) fonte histórica didática; b)
objeto de ensino; e c) linguagem da comunicação historiográfica escolar.

3.1Arte como fonte histórica didática

Quando se analisa a Arte como fonte histórica, no âmbito de uma educação


estética,cada linguagem, e é isso que importa, tem as suas próprias especificidades. Cada uma
apela, ao seu modo, para os sentidos de quem a recepciona e interpreta. Não adianta, por
exemplo, refletir sobre uma canção, se a reduzimos a texto. Ela foi feita para ser ouvida,
cantada, quiçá também para ser vista, basta pensar nos clipes ou nos sambas-enredo de escola
de samba. Além disso, ela precisa ser contextualizada. Como qualquer obra artística, ela
necessita ser pensada levando em conta o contexto de sua produção, circulação e consumo.
Por ora, é suficiente afirmar que o cuidado metodológico emprestado a cada uma das
linguagens artísticas de época, aqui tomada como fonte didática, pode representar uma
importante contribuição na direção de uma educação estética, desde que seja valorizada e
explorada, em cada uma delas, a dimensão sensível, isso é válido para filme, pintura, teatro,
literatura etc.

3.2 Arte como objeto do ensino da História

A presença da arte como “conteúdo” no ensino de História não é novidade. Em alguma


medida ela aparece no planejamento dos professores, nos livros didáticos, nas próprias aulas.
Assim, as artes fazem parte de determinados “conteúdos programáticos”, desde as pinturas
rupestres da chamada “Pré-História” às manifestações artísticas típicas de cada período
histórico. Essa é uma constatação importante. Apesar disso, a exemplo do que acontece com
os demais “conteúdos” mais tradicionais, as artes são abordadas numa perspectiva
cronológica, como “conteúdo” pertencente ao passado, sem um diálogo mais direto com o
presente. Também a exemplo dos outros objetos, ela acaba enfrentando dificuldade em
penetrar o horizonte apreciativo dos alunos e assim fazer sentido para eles (PINHEIRO,

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SANTOS, 2006). Ademais, muitas vezes são vistas como assunto complementar, espécie de
ornamento ao principal, aos aspectos econômicos, políticos e sociais.
Contrariando esse lugar comum, defendemos uma perspectiva diferente para as artes
como objeto de ensino. Evidente que é importante lutar por uma maior abertura dos currículos
de História e dos livros didáticos para as artes como objeto de ensino, mas não se trata de
simplesmente inserir mais “conteúdo”, pois é necessário repensar os critérios dessa inserção.
Ou seja, nada adianta incluir mais Arte no ensino de História, se ela continua sendo tratada
como aspecto complementar de outros “conteúdos”, normalmente organizados segundo uma
lógica quadripartite, cronológica e eurocêntrica de história.
Também não defendemos uma espécie de “substituição” de objetos, como se estivesse
em jogo transformar o ensino de História em História da Arte. De nosso ponto de vista, não
existe objeto de ensino em si mesmo legítimo, o que justifica sua presença no currículo
escolar é sua relevância formativa, seu peso para a orientação social, para a vida em
sociedade, importância para a leitura e transformação do mundo, parafraseando Paulo Freire
(1997).

3.3 Arte como discurso da comunicação historiográfica escolar

A Arte pode ser vista ainda como produção discursiva, performance da comunicação
historiográfica escolar. Se a linguagem clássica da historiografia escolar é a escrita, ela pode
muito bem se beneficiar da ficcionalização em sentido amplo, mas sem perder seus vínculos
com o rigor metódico. Assim, por que não investir na dimensão poética do discurso
historiográfico, seja do professor ou do aluno? Na verdade, investir na dimensão estética nos
processos de comunicação historiográfica significa afirmar que há muitas formas de plasmar o
conhecimento histórico, para além do código escrito formal. Não se trata evidentemente de
substituição da linguagem formal argumentativa pela poética. Importa aqui a ampliação das
possibilidades comunicativas do discurso historiográfico escolar. Significa dizer que a
produção historiográfica escolar pode assumir o formato de operação artística controlada.
Pode parecer um contrassenso a ideia de uma operação artística controlada. No
entanto, estamos nos referindo a uma experiência estética a ocorrer nos domínios de uma

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operação historiográfica escolar, que é exercitada livremente, desde que inspirada em fontes
e/ou referências reconhecidas socialmente.
Recentemente, com o advento da pandemia, muitos professores tiveram que recorrer à
mediação das tecnologias digitais para realizar suas aulas, tiveram que aprender a usar
aplicativos e plataformas digitais. Alguns até se arriscaram produzir podcasts, videoaulas,
lives, grupos de discussão, como forma de potencializar a comunicação com os alunos. Parte
dos professores perceberam a importância em aumentar os canais de comunicação com os
alunos, num momento em que presenciamos o fortalecimento de grupos de extrema direita,
que alimentam visões negacionistas e revisionistas da história. Situação que chama ainda mais
a nossa atenção quando levamos em conta que muitos alunos da educação básica “curtem”
aprender História a partir dos chamados youtubers. Enfim, parece haver ainda mais motivos
para investimos em outras formas discursivas para ensinar História.
Com relação particularmente à estetização do discurso do aluno, das inúmeras
possibilidades que ela pode ocorrer, pensamos em estimular a sua capacidade de
transfiguração criativa. Muitas vezes, professores e gestores se irritam com os alunos que
“vandalizam” certas imagens dos livros didáticos de história. Compreensível essa irritação já
que esses livros são reutilizados e por isso precisam ser bem cuidados e preservados. Outra
situação que irrita os professores, e com razão, é o uso indiscriminado dos celulares durante as
aulas. Nossa proposta é justamente canalizar essa capacidade subversiva do aluno de uma
maneira produtiva, enquanto experiência estética capaz de transfigurar, desnaturalizar ou
tensionar certas representações artísticas. Incentivar a invenção ou a recriação artística como
maneiras outras de produzir contrapontos, contraleituras em relação ao que é visto, percebido,
tocado, ouvido etc. Mas do que consumir Arte, trata-se também de produzi-la.

4. Os professores de História e sua relação com a arte

Com base nessas reflexões sobre a relação entre ensino de História e educação
estética, partimos para analisar a experiência dos professores de história do CESA sobre o
lugar da Arte em suas práticas. O CESA é uma instituição escolar de tempo integral, mantida
pelas Obras Sociais Irmã Dulce - OSID, em parceria com as Secretarias de Educação do

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Estado da Bahia e de Simões Filho-BA. Escolhemos o CESA pelo fato de suas práticas
pedagógicas serem baseadas nos pressupostos da Arte-Educação.
Em 2021, quando foi feita a pesquisa, o CESA contava com 946 alunos, assim
divididos: 415 alunos cursando os anos iniciais e 531 os anos finais do Ensino Fundamental.
Seu corpo pedagógico, voltado para os anos finais do Ensino Fundamental, era formado por
18 educadores graduados, entre eles, três professores de História: duas professoras e um
professor. Uma delas com formação em Sociologia e os demais em História.
Consultando o Projeto Político Pedagógico (PPP), observa-se que durante boa parte da
sua história o CESA investiu na potencialidade das linguagens artísticas em suas ações sociais
e educacionais. A criação do núcleo de Prática Musical– Neojiba e a requalificação do Núcleo
de Arte-Educação consolidaram, por assim dizer, a Arte como instrumento de educação e
formação dos alunos. Sobre o Núcleo de Arte-Educação, vale a pena destacar sua centralidade
no processo de formação dos professores especialistas e do alunado. Ele é responsável pela
gestão de várias oficinas oferecidas aos alunos como: tecelagem, cerâmica, teatro, dança,
percussão, inclusão digital.
Consultando a coordenação, logo identificamos um desafio para a articulação dos
princípios da Arte-Educação com o ensino de História. Diz respeito à grande rotatividade dos
professores da área, o que dificulta a consolidação do processo formativo coordenado pelo
Núcleo de Arte-Educação. Ou seja, o aproveitamento das atividades formativas por parte dos
professores é bastante irregular, a exemplo de palestras, cursos e oficinas que são oferecidos.
Além disso, os professores ouvidos na pesquisa, apesar de destacarem o importante papel
formativo dos núcleos de arte-educadores da escola, constatam que ainda é frágil a articulação
entre esses núcleos e o ensino desenvolvido convencional desenvolvido no âmbito das
disciplinas.
Quanto aos professores que participaram da pesquisa, um primeiro ponto a ser
observado é que todos, uns mais outros menos, já tinham relação com a arte, quando passaram
a trabalhar no CESA. Para a professora A, que tem mais tempo de casa, a relação, o
casamento, como ela se refere, entre a arte e a História, está presente desde os livros didáticos
e também marca a sua prática, no CESA:

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Por si só, os próprios livros de História já fazem esse casamento. Porque,


querendo ou não, ...se você ensina aquele período que antecede a Segunda
Guerra, tem muita arte ali, aí a gente vai para a Semana de Arte Moderna, a
gente tem a questão, né, dos escritores; não tem como falar de liberdade, de
abolicionismo, sem falar de Castro Alves. Aí a gente também traz, né, várias
músicas, e eu sempre gosto de fazer esse casamento; por exemplo, sexto ano
ou nível médio/primeiro ano, [...] eu sempre gosto de trazer as questões
culturais da Grécia, e aí a gente faz o quê? Reproduz um Coliseu, aí faz
aquela ponte juntamente com a questão do circo; aquela estrutura [...] era
um lugar da tragédia, né, porque, para eles, na época, [...] era a realidade
deles [...] e, para a gente, se fosse nos dias atuais, é claro, [...] não seria
aceito a questão dos gladiadores, de animais que comiam pessoas; e hoje, a
gente tem esse casamento, que quer dizer o quê? Que se tornou o circo, que
hoje, traz alegria; então a gente tem, pelo menos eu costumo trabalhar
muito essa questão, né, quando dá, né, de fazer esse casamento. Agora
mesmo, a gente tá trabalhando indígena e aí a gente tem que trazer a
Semana de Arte Moderna ou o Romantismo. Quando a gente traz o
romantismo, não tem como você não falar de alguns autores, da era
romântica, né, [...] aí eu acho que a história já tá muito ancorada com essa
questão da arte, pelo menos eu gosto de trabalhar desse jeito [...] Na
primeira unidade, a que a gente trabalhou, as antigas civilizações africanas,
[a] gente trabalha o reino Cuxe, e aí eu trouxe para eles as candaces, o
colorido, as vestes, né, as armas, a questão de se apresentar aos deuses para
levar as oferendas. Como agora, nessa última unidade, tá bem apertada, aí
eu trouxe o quê? Eu trouxe já uma parte lúdica, a gente foi montar [...]
mascote, só que eu não quis mascote que já existe, eu quis que eles mesmos
criassem mascotes, de acordo [com] o que viesse na cabeça dele; e,
também, tinha que criar um nome pra o mascote. Então, eu tive coisas muito
engraçadas, gente com cabeça de galinha. [...] Aí, o que eu faço? Eu sempre
coloco eles pra cima, tá lindo! tá maravilhoso! Aí vem [as] pinturas, né. Eu
sempre gosto de fazer [...] pintura e misturar as cores (Professora A, 2021).

Alguns aspectos chamam atenção na fala da professora. Ela reconhece a presença da


arte nos livros didáticos de História. Em outra parte da entrevista, até afirma notar uma
evolução nessa presença, ao comparar diferentes coleções didáticas ao longo do tempo.
Também se destaca a valorização da produção artística dos alunos; ou seja, mais do que
apreciar, ela incentiva o fazer artístico discente. Mas, apesar de valorizada, a arte ainda
aparece em sua prática como parte dos chamados “conteúdos” tradicionais, como objeto
oportuno, quando o “conteúdo” principal permite a sua exploração.
A professora B também evidencia a presença da arte em sua prática. Ao ser indagada
sobre a forma como ela aparece em suas aulas (fonte, linguagem discursiva ou objeto),
responde:

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eu acho que, no oitavo ano, por exemplo, entraria mais as três de forma bem
integrada; no nono ano, eu acho que ela entrou um pouco mais como fonte
didática; no sexto ano, eu acho que entram as três também; no nono ano,
principalmente, ela entrou mais como fonte didática; agora, no sexto ano e
oitavo ano, entrou de uma forma mais integrada. Na terceira unidade, que
no nono ano, entrou de forma mais integrada também, poderia dizer, com
esse projeto, com o projeto que a gente está trabalhando, “Padrões
culturais”, tem muitas produções, a gente está analisando bem também a
estética, o comportamento de cada época, a tecnologia, de uma forma mais
integrada, produzindo algumas coisas, inclusive em cerâmica, então eu acho
que, na terceira unidade, também entram as três de forma mais integrada.
É, eu acho que eu posso dizer que, de forma geral, agora nessa terceira
unidade, nas disciplinas que eu dou, tem entrado os três aspectos de forma
mais integrada (Professora B, 2021).

Percebemos o cuidado da professora em analisar sua prática com base em nossas três
categorias de referência para refletir sobre o lugar da arte no ensino de História. Apesar das
pequenas variações, em função do ano da turma, ela declara ter trabalhado a arte sob uma
perspectiva mais integrada, especialmente a partir do projeto. Com base em outros excertos da
entrevista, a professora evidencia valorizar a arte, independente do livro didático e até mesmo
do núcleo artístico do CESA, embora tenha feito questão de destacar a importância e o lugar
estratégico deste núcleo.
Já o professor, que em princípio nega um envolvimento mais direto com arte,
reconhece que foi a partir do projeto “Padrões Culturais”, que passou a ter uma relação mais
efetiva com as artes, no CESA:

[...] esse tempo que eu estou lá no CESA, o único dia que eu me inseri [em
práticas ligadas às artes], foi no dia dos jogos internos que eu fiquei em
uma banca apenas anotando o número de faltas, o número de cartões, o
número de gols, eu fiquei como um VAR. Eu fiquei como se fosse um VAR. A
professora de educação física ficou como [...] a árbitra de campo e eu como
uma espécie de VAR... Então o único dia que eu me inseri em algum um
aspecto artístico do CESA, foi nesse dia. Fora disso, eu acho que eu tenho
pouco a colaborar. [...] Agora, que nós estamos com um projeto lá que é o
projeto “Padrões culturais” e aí nós vamos apresentar a culminância desse
projeto no dia 28 de novembro, mas envolve várias disciplinas, inclusive
história, porque a gente vai fazer uma linha do tempo como era o

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comportamento do homem na década de 50. E aí viemos andando até 2022,


então cada turma vai pegar duas décadas. (Professor, 2021).

Ao ser solicitado, ele segue dando mais detalhes sobre esse projeto:

[...] é uma coisa que eu sempre quis fazer [...]. Quando eu digo aos meus
alunos, [...] quando eu falo do orelhão, quando eu falo do disco vinil, da
radiola, como era o celular, [...] como era o telefone de disco. [S]empre
quis [..] fazer uma espécie de museu ou um apanhado de como era e como é,
tanto na arte, como na história, quanto na vestimenta. Aí conheci a
professora de inglês, esse ano, [...] e aí ela disse [...], sem eu ter falado
nada a ela, “eu tô com um projeto Padrões Culturais”, aí sentamos e
analisamos. Que bacana! É uma coisa que eu quero apresentar, eu gostaria,
aí pronto; fizemos uma primeira reunião, e ela me disse: você fica por
destacar as décadas, [...] então vamos pegar, somos quatro turmas, então
vamos pegar aí um período de 70 anos, e aí uma turma vai ficar de 50 a 60,
outra com 70 e 80, outra com 90 a 2000 e outra 10 e 20 até 2022. [...] Eles
vão mostrar basicamente como era e como é, o quê? Como a mulher era
tratada, qual era a participação da mulher na família e na política, como é
que a mulher se vestia e aí como eram as leis de proteger o negro, o menor,
a mulher, [...] como era o aparelho de som, como era a TV, como eram os
debates políticos, quem é que ganhava a eleição.... Como era a música, o
que é que a música denunciava, naquele tempo, o é que a música diz hoje,
que a gente quer mostrar para eles, que inclusive a música hoje, a gente
quer mostrar para eles, ou melhor, eles vão pesquisar, vão mostrar, vão
perceber que a música hoje é basicamente mostrar perna e bunda, desculpa
o termo chulo [...]. Os Beatles fumavam maconha, mas o que é que nos anos
50 os Beatles queriam denunciar? Gilberto Gil fumava maconha, na década
de 60 e 70? Mas o que é que Gilberto Gil queria denunciar com a música
dele, entende? E hoje? O que é que Igor Kannário quer denunciar com a
música, o que Psirico quer? (PROFESSOR, 2021).

Considerando que o professor se diz adepto de um ensino de História mais tradicional,


com base em outras declarações, a participação no projeto, como se pode notar, significou a
oportunidade de explorar objetos que estavam além dos “conteúdos” já consagrados. E, apesar
de concebida segundo uma visão linear de tempo histórico, a arte é vista também ocupando
um lugar de fronteira temporal, bem mais interessante e dinâmico. Por outro lado, esse mesmo
lugar de fronteira conduz o professor a certas visões simplistas da arte de massa, a despeito de
certa pretensão problematizadora de seus limites.

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E mesmo fazendo questão de afirmar que se identifica com um ensino de história mais
tradicional, o professor faz uma revelação importante sobre a estetização do seu próprio
discurso:

Eu trabalho assim, minha aula é expositiva, agora é fazendo palhaçada na


sala, inclusive soltando piada, agora, nunca, nunca me furto a trabalhar o
conteúdo, eu passo um filme, eu faço palhaçada, faço brincadeira, faço
comparação, mas nunca, nunca deixo de fazer a explanação, porque não
pode dissociar a arte da explanação, eu penso assim (professor, 2021).

Também concordamos que a preocupação com a forma deve vir acompanhada da


preocupação com o conteúdo. Por outro, o tal “conteúdo” não deve ser compreendido como
um fim em si mesmo ou como algo cristalizado. Pelo contrário. De qualquer maneira, não é
bem isso que nos interessa discutir nesse momento, mas chamar a atenção para a ideia de
palhaçada, referida pelo professor, apesar de não pretendermos aprofundar a discussão sobre
essa ideia. Para o momento, é satisfatório sublinhar que a noção de palhaçada sugere uma
abertura para outras possibilidades estéticas de plasmar conhecimento histórico.
Admitindo a aproximação com a noção de palhaçaria (MATRACA; ARAÚJO-
JORGE, 2009, 4134), a ideia do professor pode significar um investimento discursivo na
capacidade de subverter o sentido original de certas representações. Conforme Matraca e
Araújo-Jorge (2009),

O cômico ri das suas fraquezas. Transculturando sua realidade, ultrapassa


os limites da sua condição social por um instinto de sobrevivência e tira
sabiamente proveito da tragédia. Com seu porte atlético invisível, num
topete conversível, ele prepara o sermão, pra tratar do mundo cão,
colocando a vida em perigo, por amor à profissão59. O Palhaço é este ser
que estremece as barreiras entre sonhos e realidades, desmascarando assim
o opressor por meio do riso. (MATRACA; ARAÚJO-JORGE, 2009, 4134).

De certa forma, é desse sentido de palhaçaria que o professor parece se aproximar, ao


comentar determinada experiência de aula, ocorrida antes de chegar ao CESA:

[...] se eu desse Renascimento, eu podia clicar assim no quadro[digital] e


aparecer a arte renascentista; eu ia mostrar para ele que o homem da Idade
Média ele era vestido como anjo, e, no Renascimento, o homem estava nu,
com a coisa feia de fora, você entendeu? Como dizia Pero Vaz de Caminha,

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eles and[v]am nus, com a coisa feia de fora. Até isso, eu brinco com meu
aluno. Como é que Caminha disse que é feia, por que que é feia?É feia na
visão europeia, mas para o índio, não era feio; é feia, para nós que somos
civilização cristã [...]. (professor, 2021).

Enfim, à maneira de cada um, os três professores têm seus próprios modos de articular
arte e história no ensino. E sobre as possibilidades de aperfeiçoar essa relação, eles fizeram
pelo menos três importantes observações. A primeira, diz respeito à necessidade aprimorar a
articulação entre o trabalho desenvolvido pelos arte-educadores e as práticas dos professores
de história. Eles reconhecem o quanto os núcleos de arte-educadores podem contribuir na sua
formação. Uma das professoras chega a afirmar que se poderia partir de um planejamento
pedagógico comum.
A segunda observação tem a ver com os obstáculos criados pelo currículo. Assim se
refere ao problema, a professora A: “[...] o currículo é muito extenso e algumas coisas[...],
para mim, no sexto ano, eu acho totalmente desnecessário, mas eu não tenho autoridade para
mexer toda hora no currículo. (Professora A, 2021). A fala entrecortada nos parece indicar até
certo receio em revelar tudo o que pensa do currículo escolar de história. De fato,
concordamos com a professora que esse é um importante obstáculo a ser enfrentado, se
quiserem uma prática mais integrada e condizente com os princípios da arte-educação do
CESA.
A terceira observação se refere às condições de trabalho. As duas professoras
reclamam da sobrecarga de trabalho docente e os consequentes impactos na qualidade do
trabalho docente.

[...] eu tenho 13 turmas e isso dificulta, porque quando eu chego em casa, eu


não aguento mais nada, eu tô acabada, então se eu ensinasse um turno só,
ganhando um salário bom [...] (Professora A, 2021).
[...] [os professores] não trabalham só na escola, não é dedicação
exclusiva, então tem isso, tem tudo isso né, que entra também às vezes como
percalço, questão da carga horária, professor vem correndo dar aula, às
vezes, vai pra outra escola, tem toda essa correria [..] ((Professora B,
2021).

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De fato, sem o tempo necessário para planejar, preparar o material que deve ser levado
para a sala de aula, é difícil um trabalho de qualidade, mesmo que se tenha a formação
adequada.

5 Palavras finais

Com base nas iniciativas dos professores de história, acreditamos que passos
importantes já foram dados na direção de um ensino de história como prática de educação
estética, no âmbito do CESA. Exemplo disso é o trabalho desenvolvido pelo projeto Padrões
Culturais, principalmente pela possibilidade que criou de um contexto mais favorável ao
ensino de história como produção de sentido, a partir do momento em que professores e
alunos foram incentivados a explorar objetos definidos com base em um intenso diálogo entre
presente e passado. Além de possibilitar a emergência de objetos significativos ligados à arte,
o projeto, com base no relato dos professores, também conseguiu incentivar a exploração de
fontes de época e a produção de linguagens artísticas como forma de expressão do
conhecimento histórico.
De qualquer forma, acreditamos que iniciativas como essas podem ser ainda mais
aprimoradas, desde que exista uma parceria mais efetiva e articulada entre os professores de
história e os arte-educadores. Acreditamos que os professores de história podem se beneficiar
com essa parceria, no sentido de passarem a dominar mais o conhecimento sobre as artes.
Portanto, um caminho promissor para fortalecer a educação estética no ensino de História, no
CESA, é justamente investir mais na formação continuada dos professores de história, para
que eles se sintam mais seguros ao incorporar a Arte em sua prática seja como objeto,
discurso ou fonte, o que pode ser realizado através do próprio Núcleo de Arte-Educação já
existente. Também é importante que os arte-educadores conheçam as expectativas desses
professores em relação às artes, já que o diálogo interdisciplinar não significa o abandono da
especificidade do conhecimento histórico, nem que o ensino de história deva se converter em
curso de História da Arte.

Referências

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[acessado 2011 Mar 21] disponível
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Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

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