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O PAPEL DA DIDÁCTICA DE HISTÓRIA NA

FORMAÇÃO DA CIDADANIA ANGOLANA1

Rafael Kambol2

RESUMO
A formação do cidadão como um todo e ser imprescindível para o desenvolvimento harmonioso e
sustentável da sociedade angolana, quer queiramos ou não, passa justamente pela Didáctica de
História. O ensino da História em Angola passa a fazer parte do Currículo educacional a partir da
5ª classe e desde então, dá-se início ao processo de formação do indivíduo como agente social, na
consolidação do cidadão mediante o meio no qual está inserido, baseando-se em relações pessoais
de acordo o seu grupo de convívio.

PALAVRAS-CHAVE: FORMAÇÃO, DIDÁCTICA, HISTÓRIA E CIDADÃO.

ABSTRACT
The formation of the citizen as a whole and to be essential for the harmonious and sustainable
development of Angolan society, whether we like it or not, passes precisely through the Didactics
of History. The teaching of History in Angola becomes part of the Educational Curriculum from
the 5th grade onwards and since then, the process of training the individual as a social agent has
started, in the consolidation of the citizen through the environment in which he is inserted, based
on if in personal relationships according to his social group.

KEYWORDS: TRAINING, DIDACTIC, HISTORY AND CITIZEN.

1
Breve ensaio sobre o impacto da Educação nos “diferentes tipos” de sociedades em Angola, na perspectiva da
história local.
2
Mestrando em Ensino de História de Angola e Licenciado em Ciências da Educação na especialidade de Ensino de
História pelo ISCED-Luanda. Assistente-estagiário no ISCED-Luanda.
EDUCAÇÃO E SOCIEDADE…
É nosso entender que, a acção educacional nas sociedades permite a interpretação de factos
que provém de vários contributos. Entre eles figura o ensino da História, que conduz à preservação
da memória, de conhecimentos e valores das sociedades, proporcionando a solidariedade de uma
convivência na diversidade.
O presente artigo busca fazer uma análise quanto ao papel cimeiro da Didáctica de História
no processo identitário da cidadania angolana, buscar instruir e educar os cidadãos de forma que
estes saibam qual o seu papel na sociedade angolana.
Conforme dissera Aristóteles: “o Estado é uma Sociedade, a esperança de um bem, seu
princípio assim como de toda a associação, pois, todas as acções dos homens têm por fim aquilo
que consideram um bem”3, invertendo esta ordem de pensamento, aqui chamamos a atenção ao
cidadão enquanto indivíduo inserido numa Sociedade, com o dever de construir ideias com espírito
crítico através da compreensão de que o mundo em que vivemos é o resultado de um processo
histórico, tomando decisões no presente e no futuro, entendendo assim o carácter relativo do
conhecimento histórico.
Aristóteles afirmava que a linguagem se torna mais clara e precisa graças ao uso de
definições4. Por isso, para entrarmos em sintonia cognitiva, definamos os conceitos-chave da
abordagem que pretendemos realizar: cidadania, Didáctica de História, identidade.
Ao falarmos de cidadania, do latim Civitas, que quer dizer cidade, é a prática dos direitos
e deveres de um indivíduo num Estado. Os direitos e deveres de um cidadão devem andar sempre
juntos, uma vez que o direito de um cidadão implica necessariamente numa obrigação de outro
cidadão.
Segundo Patrício Batsikama5, o termo cidadania implica um vínculo jurídico-político do
indivíduo a um Estado. Na construção de Estado-nação, os seus constituintes estabeleceram uma
plataforma inclusiva onde todas as forças sociais intervenham de forma individual, de forma
colectiva e de forma comunitária. Logo, a Didáctica de História deve englobar todos esses
pressupostos necessários para a formação do indivíduo como agente social.

3
ARISTÓTELES, Política, 1ª edição, Editora Lebooks, São Paulo, 2019, p.10.
4
NEVES, Maria Helena de Moura, A teoria linguística de Aristóteles, Editora Alfa, São Paulo, 1981, p.57.
5
BATSÎKAMA, Patrício, Nação, Nacionalidade e nacionalismo em Angola (Tese de doutoramento), Universidade
Fernando Pessoa, Porto,2015, p.50.

2
Sobre Didáctica da História, Rüsen define ela como uma área de estudos que tem por
objectivo analisar o processo do aprendizado histórico, aprendizado este associado ao ensino da
disciplina de História6.
A Sociologia define a Identidade como sendo o compartilhar de várias ideias e ideais de
um determinado grupo, onde o indivíduo forma sua personalidade, mas também a recebe do meio
onde realiza a sua interacção social7.
Dada a sua natureza temporal e social, a Didáctica da História conduz à preservação da
memória, de conhecimentos e valores das sociedades, proporcionando a solidariedade de uma
convivência na diversidade.

A ESCOLA E A CIDADANIA
Segundo Diniz Kebanguilako, na sua tese de doutoramento, António Gramsci defendia a
ideia de que “a escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis, e é também
o lugar de conquista da cidadania…”8. Pegando nesta frase e trazendo para a nossa realidade,
podemos supor que o processo de formação da cidadania angolana passa obrigatoriamente pela
escola e neste âmbito, tendo como objectivo a análise do processo do aprendizado histórico, a
Didáctica de História encontra-se na vanguarda da mudança de mentalidade e construção de
valores que se pretende.
Dentro da escola, os Estudos Sociais, casos práticos da História, terão de proporcionar um
adequado conhecimento da origem, diversidade, localização e composição étnica das populações
angolanas em toda a sua diversidade. Deste modo, um maior conhecimento de nós próprios irá
contribuir para um maior espírito de compreensão e aceitação do outro e será suporte para a
promoção de uma cultura de paz, de respeito pela diferença (incluindo as questões do género), de
interculturalidade e de unidade.

6
RÜSEN, Jörn, Didáctica de História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão (traduzido do alemão
por Marcos Roberto Kusnick), Vol.I, Editora Próxis Educativa, Paraná, 1987, p.16.
7
Dicionários Porto Editora, em http://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$identidade.
8
KEBANGUILAKO, Diniz, A Educação em Angola: Sistema Educativo, Políticas Públicas e os processos de
Hegemonização e Homogeneização política na Primeira República: 1975-1992 (Tese de doutoramento),
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016, p.212.

3
DIDÁCTICA DE HISTÓRIA E HISTÓRIA LOCAL
Um dos princípios constitutivos da História Local é possibilitar um olhar indagador sobre
o mundo do qual fazemos parte, no intuito de sabermos mais sobre o sentido das coisas. Tanto
como conteúdo, quanto como recurso didáctico, a temática da dimensão local na construção do
conhecimento histórico contribui para o desenvolvimento de uma postura investigativa que
começa a ser construída no espaço familiar e vai-se ampliando aos poucos9. Aqui, vemos
claramente que o ponto de partida desse tipo de história são as próprias histórias que integram o
nosso cotidiano. A História Local tem conhecido, nos últimos anos, um progressivo
desenvolvimento devido ao interesse da investigação histórica actual, pelo estudo das
comunidades locais, mas esse ganho de papeis na construção da História, por parte da História
Local, está intimamente ligado com a crescente desconfiança nos modelos que pretendem as macro
abordagens.
Sobre a questão da História Local, José D’Assunção Barros defende a fragmentação de
especialidades que se tem tornado uma realidade cada vez mais notória no campo da História10, ou
seja, uma História que seja focada para uma determinada área, específica e não abrangente com
abordagens próprias e neste contexto, particular ou local. Esta é a visão que mais se aproxima com
a nossa posição, pois, ao englobarmos a história local no currículo educacional estamos não só a
revitalizar e preservar a cultura desta referida região, mas também a adequar a formação à realidade
identitária do indivíduo.

O PATRIMÓNIO CULTURAL NA FORMAÇÃO DA CIDADANIA


O ensino da História deve estar sempre interligado com as políticas educativas do país, é
nesta vertente que, em Janeiro de 2011 o governo de Angola aprovou através do Decreto
Presidencial nº15/11 a “nova” Política Cultural de Angola”11 reconhecendo o património cultural
e natural, incluindo o património arqueológico como sendo valiosos e um dos pilares do
desenvolvimento sociocultural de Angola.

9
SCHMIDT, Maria Auxiliadora., CAINELLI, Marlene, Ensinar História, 2º edição, Editora Scipione, São Paulo,
2009, p. 194.
10
BARROS, José D’Assunção, O Campo da História, Especialidades e Abordagens, 7ª Edição, Editora Vozes,
Petrópolis, 2004, pp. 16-18.
11
Decreto Presidencial nº15/11, Diário da República, Iª Série nº6 (15 de Janeiro de 2011), p.247.

4
Podemos eleger três espaços de convocação do património (Escola, Museu, Cidade) e três
vectores de acção educativa (História, Património, Didáctica) que, pela sua interdependência,
permitissem transformar o ensino da História, mediado por uma didáctica do património12, numa
realidade viva e actuante, junto dos nossos alunos, de maneira a propiciar-lhes uma experiência de
ensino-aprendizagem capaz de enriquecer e reforçar a sua identidade cultural, a nível local, como
condição primeira e decisiva para alcançar um verdadeiro espírito de cidadania.
Para a preservação do património histórico-cultural de Angola, deve-se antes de mais fazer-
se uma estreita ligação entre a escola e a Instituição que faz a gestão do referido património o que
infelizmente não se tem verificado. O Instituto Nacional do Património Cultural, designado como
INPC tem por finalidade a implementação de políticas no domínio da investigação, documentação,
conservação, preservação, gestão e promoção do património histórico-cultural nacional13.
Portanto, como é sabido, o Ensino da História não se deve confinar simplesmente na sala
de aula e ter parceria com essas instituições facilitaria melhor o processo de ensino-aprendizagem
e no estabelecimento de uma proximidade entre o indivíduo e o meio envolvente e assim,
consolidar a sua identidade14.

A FORMAÇÃO DO CIDADÃO PELA DIDÁCTICA DE HISTÓRIA


Todos os elementos acima citados, estão intrinsecamente ligados na formação do cidadão como
agente social. O ensino da História, pela sua natureza social e temporal, contempla um conjunto
de finalidades/objectivos que apontam no sentido de:
a) Desenvolver um espírito crítico através da compreensão de que o mundo em que
vivemos é o resultado de um processo histórico;
b) Proporcionar aos alunos a possibilidade de explorar directa e continuadamente a
herança dos factos históricos e o seu impacto no presente;
c) Proporcionar aos alunos uma experiência baseada no uso de uma variedade de
fontes de informação aptas para os levar a alcançar as suas próprias conclusões
potenciadoras de uma capacidade para:
-Construir as suas próprias ideias;

12
Selva Guimarães, Didática e Prática de ensino de História. Papirus Editora, São Paulo, 2014, pp.243-249.
13
Decreto Presidencial nº205/15, Diário da República, Iª Série nº149 (29 de Outubro de 2015), p.3818.
14
Angola conta actualmente com 265 monumentos e sítios classificados.

5
-Tomar decisões no presente e no futuro;
-Entender, com base nas fontes disponíveis, o carácter relativo do
conhecimento histórico;
-Distinguir e relacionar diferentes épocas históricas.
Nesta senda, o ensino de História possui objetivos específicos, sendo um dos mais
relevantes, o que se relaciona à constituição da noção de identidade15. Assim, é primordial que o
ensino de História estabeleça relações entre identidades individuais, sociais e colectivas, entre as
quais as que se constituem como nacionais.
Dentro dessa perspectiva, o ensino de História tende a desempenhar um papel mais
relevante na formação da cidadania, envolvendo a reflexão sobre a actuação do indivíduo em suas
relações pessoais com o grupo de convívio, suas afectividades e sua participação no colectivo.
Aqui podemos ver a magnitude e envolvimento da didáctica na formação e consolidação
do cidadão mediante o seu meio envolvente, tal como Jaime e Carla Pinsky questionaram: “e qual
é o papel do professor [de História] senão estabelecer uma articulação entre o património
cultural da humanidade e o universo cultural do aluno?”16

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito se tem feito e muito ainda há por se fazer ao que concerne no real papel da Didáctica
de História na Academia e na sociedade angolana em si. Uma das preocupações passa
essencialmente na inexistente flexibilidade do Currículo ante ao meio envolvente, ou seja, a falta
de “espaço” para a história local, muito necessária para a formação identitária do cidadão, a
preservação da memória e cultura da região onde o indivíduo se encontra inserido.
A Didáctica de História, desempenha um papel cimeiro na moldagem do indivíduo,
ajudando-o a saber qual o seu papel na sociedade, na reflexão crítica dos factos do passado
estabelecendo uma “ponte” com o presente.

15
SCHMIDT, Maria Auxiliadora., CAINELLI, Marlene, Ensinar História, 2º edição, Editora Scipione, São Paulo,
2009, pp. 195-196.
16
PINSKY, Jaime, PINSKY, Carla Bassanezi, Por uma história prazerosa e consequente. In: KARNAL, Leandro
(org.), História na sala de aula, 2ª Edição, Editora Contexto, São Paulo, 2004. p.20.

6
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES, Política, 1ª edição, Editora Lebooks, São Paulo, 2019.


BATSÎKAMA, Patrício, Nação, Nacionalidade e nacionalismo em Angola (Tese de
doutoramento), Universidade Fernando Pessoa, Porto, 2015.
BARROS, José D’Assunção, O Campo da História, Especialidades e Abordagens, 7ª Edição,
Editora Vozes, Petrópolis, 2004.
Decreto Presidencial nº205/15, Diário da República, Iª Série nº149 (29 de Outubro de 2015).
Decreto Presidencial nº15/11, Diário da República, Iª Série nº6 (15 de Janeiro de 2011).
Dicionários Porto Editora, em http://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$identidade. (acessado no dia
16 de Abril de 2021).
KEBANGUILAKO, Diniz, A Educação em Angola: Sistema Educativo, Políticas Públicas e os
processos de Hegemonização e Homogeneização política na Primeira República: 1975-1992 (Tese
de doutoramento), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.
KARNAL, Leandro (org.), História na sala de aula, 2ª Edição, Editora Contexto, São Paulo, 2004.
NEVES, Maria Helena de Moura, A teoria linguística de Aristóteles, Editora Alfa, São Paulo,
1981.
PINSKY, Jaime, PINSKY, Carla Bassanezi, Por uma história prazerosa e consequente. In:
KARNAL, Leandro (org.), História na sala de aula, 2ª Edição, Editora Contexto, São Paulo, 2004.
p.20.
PROENÇA, Maria Cândida, Didáctica de História, 2ª Edição, Universidade Aberta Editora,
Lisboa, 1992.
RÜSEN, Jörn, Didáctica de História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão
(traduzido do alemão por Marcos Roberto Kusnick), Vol. I, Editora Próxis Educativa, Paraná,
1987.
GUIMARÃES, Selva, Didática e Prática de ensino de História. Papirus Editora, São Paulo, 2014.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora., CAINELLI, Marlene, Ensinar História, 2º edição, Editora
Scipione, São Paulo, 2009.

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