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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL


LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA
MATHEUS DA SILVA ASSUNÇÃO

O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA: UMA ANÁLISE SOBRE O CONCEITO DE


HISTÓRIA E TEMPO NO LIVRO DIDÁTICO DO 6º ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL

TERESINA - PI
2021
RESUMO:

O presente artigo analisa o livro didático “História, sociedade e cidadania” do autor Alfredo
Boulos do 6º ano do ensino fundamental da cidade de Timon – MA. E trabalho parte da
seguinte questão problema: como os conceitos de história e tempo são apresentados nos livros
didáticos do 6º ano? A partir dessa questão foi desenvolvida uma discussão, através de
referências bibliográficas, acerca dos conceitos de história e tempo e como esses conceitos
auxiliam no desenvolvimento e aprendizado dos alunos em questões históricas. O estudo
apresenta uma excelente construção didática do livro respeitando etapas do aprendizado.

Palavras chaves: Livro didático; 6º ano; Tempo; História.

1 – INTRODUÇÃO

Este artigo trata-se de uma análise sobre a apresentação do conceito de tempo e como
ele é abordado no livro didático para alunos do 6º ano do ensino fundamental.
O artigo inicia com um tópico descrevendo o início da disciplina de história no Brasil
e como as influências europeias nortearam a disciplina até a proclamação da república, onde
os líderes sentiram uma necessidade de uma história verdadeiramente nacionalista. Ainda
neste tópico é mostrado a importância do livro didático em um país pobre com pouco
incentivo à leitura como o Brasil. É apresentado alguns dados da IPL que apresentam como o
número de leitores estão caindo no Brasil.
Por fim é colocado a análise do livro e trabalhado conceitos básicos de história e
tempo e discutido como esses estudos auxiliam alunos a criarem uma consciência histórica.

2 – CONSTRUÇÃO DO ENSINO DE HISTÓRIA E O LIVRO DIDÁTICO NO


BRASIL

Antes da análise do livro didático proposto por este trabalho, senti a necessidade de
compreender como o ensino de história se construiu e desenvolveu até chegar no modelo de
disciplina escolar que temos hoje dentro da sala de aula, da mesma forma esse tópico busca
apresentar como o livro didático de história se constituiu dentro da disciplina.
O ensino de história só pode ser compreendido a partir do final do século XVIII e
início do século XIX, pois é nesse momento que temos uma organização de conteúdo,
técnicas e métodos para sua formação como disciplina escolar. Para CERRI (2009) a história
como ciência estudada é um fenômeno recente caracterizado por três abordagens:
modernidade, nacionalismo e foco europeu.
A modernidade contribui com o ensino criando a ideia de história homogênea que
abrange todos os homens “independente de sua origem, cultura, espaço ou condição social”
(CERRI, 2009, p. 133), e pode ser compreendida em sua totalidade por historiadores através
de pesquisas. O nacionalismo entende que a história pertence ao Estado como arma que busca
no passado necessidades para legitimar suas ações no presente como nações ainda em
processo de modernização econômica e política. O foco europeu no estudo de história é uma
consequência da expansão europeia sobre o mundo a partir do século XVI que colocou nas
nações modernas o DNA europeu, sendo necessário compreender o passado europeu para
explicar seu presente.
Quando tentamos entender a disciplina de história no contexto nacional brasileiro, sua
construção não foi diferente dos demais países e chegou carregado de características
eurocêntricas como BUCHTIK diz:

Após a independência, tornou-se necessário voltar os olhos à nação e construir, a


partir do ensino, o nacionalismo para a nova pátria. O ensino de História ganhou
oficialidade para compor o que seria o ideal de nação brasileira. O Colégio Dom
Pedro II e o IHGB, criados na década seguinte à independência, foram responsáveis
pelos parâmetros da construção da História e do ensino de História no Brasil até os
anos de 1930 (BUCHTIK, p. 90).

O objetivo de oficializar o ensino de história no Brasil era formar uma identidade


nacional que apagasse a características em comum com Portugal se distanciando do país
europeu. No entanto os estudos de história no Colégio Dom Pedro II só afirmaram essa
origem europeia, pois o estudo ficou limitado à uma elite intelectual abandonando o estudo de
povos importantes que construíram a verdadeira identidade de nação brasileira (indígenas e
negros). Podemos ver um exemplo ativo da história como arma do Estado para definir seus
interesses, aqui nesse exemplo a construção da identidade nacional serviu para apagar a
importância dos povos indígenas e negros na construção da nação brasileira. Somente agora,
no século XXI estamos vendo a quebra dessa elitização da história com produções acadêmicas
sobre estes povos apagados.
Apesar do objetivo de nacionalizar a educação de história no Império, foi apenas com
a chegada da República em 1889 que nasceu uma verdadeira identidade nacional de povo
brasileiro com as elites e militares utilizando a história para fortalecer seus discursos
nacionalistas para se pertencer e acompanhar a modernização dos países americanos,
principalmente o Estados Unidos da América (DIAS 1999).
A nova abordagem da disciplina de história brasileira criada após a Proclamação da
República história do Brasil interligada com o estudo dos países republicanos facilitou a
produção de materiais destinado à educação básica, sendo publicado o primeiro livro sobre a
história da América em 1900 por Rocha Pombo (CERRI 2009).
Hoje para muitas crianças o livro didático é o primeiro contato com a leitura em seu
ensino básico e para a outras pessoas é o único livro lido durante a vida. Segundo pesquisas
do Instituto Pró-Livro1 realizada em 208 municípios de 26 estados entre os anos de 2019 e
2020 apontou que apenas 51% dos brasileiros tem o hábito de leitura com média de 4,2 livros
por pessoa. Os dados mostram que a população brasileira tem pouco contato com a literatura
deixando ainda mais claro a importância dos livros didáticos a formação do cidadão.

3 – O LIVRO DIDÁTICO DO 6º ANO


O livro de Boulos se encaixa perfeitamente na temática proposta pelo presente artigo
pela forma como o autor coloca o conceito de tempo de forma simplificada e didática,
disponibilizando todo o primeiro capítulo para discutir com os alunos o tempo.
O tempo é apresentado para os alunos como algo perceptivo e que observamos de
formas diferentes. É utilizado o exemplo de uma partida de futebol onde o nosso time está
ganhando e o cronometro informa que faltam cinco minutos para o fim da partida, da mesma
forma é suposto o contrário, nosso time está perdendo e faltam apenas cinco minutos para o
fim. Após esses exemplos são feitas quatro perguntas: “em qual situação você perceberá o
tempo passando mais rápido?”, “o que é tempo para você?”, “qual a importância do relógio
para a sua vida?” e “você tem o habito de consultar o calendário?”.
Podem parecer simples, mas as perguntas são excelentes norteadores para a discussão,
tendo em vista que esses alunos nunca se questionaram sobre o tempo apesar de vivencia-los a
todo momento. Criar o conceito palpável de tempo para alunos do 6º ano é de fundamental
importância para o desenvolvimento da disciplina histórica, pois é importante que eles
desenvolvam a capacidade de orientação no tempo através de identificação com o ambiente
(GIDALTE, 2018). Esse conhecimento e identificação é um processo que o historiador
alemão Jörn Rüsen define como consciência histórica. A consciência histórica é definida
como a “soma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da
evolução temporal de seu mundo e de si mesmos de forma tal que possam orientar,
intencionalmente, sua vida prática no tempo” (RÜSEN, 2001). Logo para esses alunos ter
uma consciência significa compreender e absorver os ensinos da disciplina.

1
O IPL é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), sem fins lucrativos, criada e
mantida pelas entidades do livro – Abrelivros, CBL e SNEL – com a missão de transformar o Brasil em um país
de leitores. Tem como objetivo promover pesquisas e ações de fomento à leitura.
Somente com essa compreensão de evolução temporal os alunos conseguirão entender
as discussões seguintes do livro que na sequência pergunta “o que estuda a história?” e ele
responde que a disciplina estuda as transformações temporais que ocorrem nas sociedades.
Além das transformações o livro salienta que a história estuda as permanências, como as
construções em algumas cidades brasileiras que nos mostram a história do país. O livro tem o
cuidado de trazer o estudo para a vivência do aluno, nesse momento de estudo das
permanências fala que a história também estudas as brincadeiras antigas que continuam sendo
praticadas até hoje, como a amarelinha. Essa aproximação do ensino de história com o dia-a-
dia do aluno é um grande facilitador do ensino, como afirma GIDALTE:

Acreditamos que a aproximação com a localidade é uma estratégia potente no


processo do aprendizado histórico, tendo em vista que as experiências cotidianas dos
alunos e de sua comunidade propiciam o desenvolvimento das habilidades no que se
referem às atividades investigativas, à percepção da diversidade, à consciência
crítica, às capacidades de identificação de mudanças, permanência e continuidade
dos acontecimentos históricos (GIDALTE, 2018. p.50).

Essa perspectiva evidencia o processo de aprendizado dos alunos e familiarização com


os processos históricos.
Concluindo o tópico, Boulos dá a seguinte definição para a disciplina de história:

A história estuda as mudanças e também as permanências. Procura perceber o modo


como as pessoas viviam nos tempos antigos e como vivem hoje, bem como a relação
entre aqueles tempos e os atuais. Ou seja, a história estuda o tempo passado e
também o tempo presente. Por isso pode-se dizer que a história é o estudo dos seres
humanos no tempo. (BOULOS, 2018, p.9).

Com isso Boulos introduz conceitos básicos de história para os alunos, preparando-os
para discussões mais complexas dentro do livro.

3.1 – O TEMPO
A definição de tempo parece simples, mas conceituar algo tão abstrato é muito mais
complexo. Santo Agostinho em suas confissões diz que "O que é, por conseguinte, o tempo?
Se ninguém me perguntar eu o sei, se eu quiser explicá-lo a quem me fizer essa pergunta já
não saberei dizê-lo" (Santo Agostinho, 1948 p.346). Então como explicar esse conceito para
crianças do 6º ano?
Boulos aborda no livro o conceito de tempo a partir de sua divisão cronológica nos
calendários e usa como exemplo três deles: mulçumano, judaico e cristão. O autor explica que
cada povo tem o seu modo de marcar o tempo, para os mulçumanos o calendário inicia a
partir da ida do seu fundador (Maomé) da cidade de Meca para Medina. Os judaicos marcam
seu calendário desde a fundação do mundo e os cristãos a partir do nascimento de Jesus, o
Cristo.
O nascimento de Jesus, devido a grande popularidade da religião cristã, é considerado
o marco divisor da marcação do tempo, sendo assim o 1 do calendário mulçumano ocorre
aproximadamente 622 anos depois de Jesus e o calendário judeu está no ano de 5781, criado
3760 anos antes de Jesus.
Vemos nessa primeira parte do livro Boulos (mesmo sem informar aos alunos) definir
o conceito de tempo cronológico. O aluno precisa dessa base de conhecimentos para entender
a complexidade do tempo, como afirma SCALDAFERRI (2008).

Constatamos então que o aluno necessita conhecer calendários, entender que eles
são produtos da criação dos grupos humanos e podem variar conforme a diversidade
cultural desses grupos. Necessita ainda aprender a medir o tempo, identificando as
diferentes medidas (hora, dia, semana, mês e ano, década, século e milênio),
aprender a utilizar as diferentes medidas de tempo em seu cotidiano, ser capaz de
localizar períodos e acontecimentos nos séculos, e identificar os acontecimentos de
um tempo próximo, vivido, assim como de um tempo histórico mais distante.
(SCALDAFERRI, 2008, p.58)

O conceito de tempo cronológico apresentado por Boulos é um passo para explicar o


tempo histórico que é conceituado como “tempo relacionado às mudanças e permanências na
trajetória dos seres humanos na Terra”. O tempo histórico ganha um tópico exclusivo no livro.
O capítulo finaliza se aprofundando no debate acerca do tempo e apresenta a divisão
de períodos criada para facilitar os estudos do tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises feitas nesse texto mostram que o livro estudado apresenta uma divisão de
conceitos de história e tempo ao mesmo tempo fácil, para compreensão dos alunos, e
complexa visando a introdução dos alunos nos debates históricos. Cabe a colocação que o
livro apresenta diversas imagens de acompanhamento dos textos, como quando cita a divisão
dos calendários é introduzido foto de representantes das três comunidades. O livro também
carrega textos auxiliadores, um exemplo é um pequeno tópico chamado “para refletir” que o
autor faz comentários sobre a obra “Apologia da História” de Marc Bloch e questiona o que é
história.
É interessante verificar a construção do livro feita por Boulos onde o autor se preocupa
em construir o ensino através de etapas, desde a apresentação dos conceitos de história
mostrando o que a disciplina aborda e estuda até conceitos mais complexos como o de tempo,
inclusive fazendo a divisão periódica para essa apresentação.
No geral a obra de Boulos consegue suprir uma possível necessidade dos alunos em
conhecer os conceitos de história e tempo.

REFERÊNCIAS

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador: edição anotada


por Étienne Bloch. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BOULOS JUNIOR, Alfredo. História, sociedade e cidadania: 6º ano. 4ª ed. São Paulo:
FTD, 2018.
BUCHTIK, L. M. D. Tempo, evidência e historicidade e a aprendizagem
histórica. 2018. 159 f. Dissertação (Programa de Mestrado Profissional em Ensino
de História - PROFHISTÓRIA) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2018.
CERRI, Luis Fernando. Recortes e organizações de conteúdos históricos para a
educação básica. Antíteses, Londrina, p. 131-152, jan./jun. 2009.
DIAS, Maria de Fátima Sabino. A História da América na cultura escolar no
Brasil: identidade e utopia. Perspectiva. Florianópolis, v. 17, n. Especial, pp. 33-
47, jan.-jun. 1999.
GIDALTE, Lara Ximenes. Diálogos entre a história local e o Ensino Fundamental – 2º
Segundo Seguimento: propostas de inserção curricular em Casimiro de Abrel – RJ.
Dissertação (Mestrado Profissional em Rede Nacional PROFHISTÒRIA) Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Formação de Professores. 2018.
INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da Leitura no Brasil. 5ª edição. 2019. Último acesso
em 02/04/2021: <https://www.prolivro.org.br/5a-edicao-de-retratos-da-leitura-no-brasil-2/
apresentacao/>.
SANTO AGOSTINHO. Confissões. Porto: Liv. Apost. da Imprensa. Livro 1.
SCALDAFERRI, Dilma Célia Mallard. HISTÓRIA & ENSINO, Londrina, v. 14, p. 53 -70
ago. 2008
RÜSEN, Jörn. Razão histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica.
Brasília: Ed. UNB, 2001.

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