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PROPÓSITO
Possibilitar a compreensão do atual quadro sobre a temática de patrimônio cultural brasileiro,
apontando suas principais relações.
PREPARAÇÃO
Para este tema, utilize os instrumentos online para consultar o Dicionário Iphan de Patrimônio
Cultural.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
Listar ações de identificação e valorização de sítios urbanos pelo poder público e ações de
requalificação das cidades brasileiras
MÓDULO 3
INTRODUÇÃO
Patrimônio histórico brasileiro não é uma estátua na praça. Pode parecer tola a afirmação, mas é
a imagem que mais vem à cabeça! A noção de patrimônio como algo cristalizado no passado tira
sua essência de lidar efetivamente com a multiplicidade de papeis que ela pode assumir.
Você será apresentado ao patrimônio de quem lida com ele cotidianamente: pensado de forma
complexa, relacionado ao mundo, à economia, à sociedade, ao poder e às resistências.
MÓDULO 1
Reconhecer o papel da educação na preservação do patrimônio cultural brasileiro
Vamos abrir este módulo diferenciando o senso comum sobre patrimônio e a multiplicidade de
suas representações:
UM CAMPO DE CONHECIMENTO
Os primeiros contatos da educação com o patrimônio cultural, no Brasil, surgiram logo nos anos
iniciais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), na década de 1930,
quando o diretor na época, Rodrigo de Melo Franco de Andrade (1898-1969), preocupado com a
perda e destruição dos monumentos de valor histórico e artístico nacional, alertava que a
educação seria o caminho mais eficaz para assegurar a defesa permanente do patrimônio.
Nesse período, formava-se um novo campo de atuação, novas legislações e conceitos, e
construía-se a ideia abstrata de uma identidade nacional. Buscava-se uma nação homogênea,
que compartilhasse de uma mesma cultura, arte e história. A missão, então, era de informar e
transmitir as informações produzidas pelo recém-criado órgão de proteção do patrimônio. A
tarefa de educar incluía tanto difundir essa nova política de proteção dos monumentos nacionais
quanto ensinar a respeito da nova legislação que se aplicava sobre a propriedade privada, o
tombamento.
Nas mais de oito décadas que se passaram desde o momento inicial da proteção do patrimônio
nacional, muito foi discutido, construído e reconstruído, como o próprio conceito de patrimônio
cultural. A Constituição Federal de 1988 não apenas ampliou o entendimento de patrimônio,
considerando aqueles bens portadores de referência para a memória e identidade dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, como também instituiu a participação social nas
práticas de preservação. Agora, o Estado e a sociedade, em colaboração, seriam os
responsáveis pelo patrimônio cultural.
Sessão final de trabalho da Assembleia Constituinte, em 22 de setembro de 1988, após o
encerramento da votação, com aprovação do texto final da nova Constituição do país.
Fonte: www.camara.leg.br
Estruturaram-se, também, novas ferramentas de proteção do patrimônio, e políticas e programas
foram implantados. Na mesma perspectiva, o entendimento e o papel da educação nas práticas
de preservação também foram realinhados e ressignificados.
ATENÇÃO
No entanto, não existe um espaço que acolha essas iniciativas, que gere processos de troca de
experiências e ideais. Essa dispersão de ações acaba sendo um desafio para consolidar as
bases conceituais e os parâmetros de atuação do campo da educação patrimonial.
Muito foi produzido e debatido, principalmente a partir da década de 2000, quando a rediscussão
desse campo de saber culminou na elaboração de conceitos, diretrizes e, finalmente, na
instituição de um instrumento jurídico que estabeleceu a educação patrimonial no âmbito do
IPHAN, a Portaria n. 137/2016.
Veja as diretrizes da educação patrimonial que encontramos em seu art. 3º (PORTARIA n. 137,
2016):
Fonte:
Fonte:
Integrar as práticas educativas ao cotidiano, associando os bens culturais aos espaços de vida
das pessoas.
Fonte:
Valorizar o território como espaço educativo, passível de leituras e interpretações por meio de
múltiplas estratégias educacionais.
Fonte:
Fonte:
Considerar que as práticas educativas e as políticas de preservação estão inseridas num campo
de conflito e negociação entre diferentes segmentos, setores e grupos sociais.
Fonte:
Fonte:
Fonte:
RESUMINDO
A educação patrimonial não se restringe a uma ação ou atividade, mas sim a processos
educativos que valorizem a construção coletiva do conhecimento, o diálogo e a participação
efetiva dos sujeitos produtores dos valores culturais. A educação patrimonial parte da reflexão
ampla de patrimônio, do conceito de referências culturais, dos diversos significados, das disputas
e dos valores em torno dos bens culturais.
Fonte: Shutterstock
Fonte: Shutterstock.com
Cada território conta com suas especificidades e características próprias, assim como cada
grupo social possui suas redes de significâncias e modos de vida diferenciados.
Uma estratégia ou abordagem educativa utilizada em um território pode não funcionar da mesma
forma em um local diferente, ou seja, pode não garantir um processo educativo que considere as
vozes dos atores sociais e suas particularidades. Se pensarmos no território nacional, por
exemplo, podemos ver que é a diversidade cultural que marca o Brasil, com suas peculiaridades
distintas nas diferentes localidades.
EXEMPLO
O patrimônio é suporte, é o recurso que a educação utiliza para construir uma relação com as
comunidades e as pessoas. É o eixo que vai conduzir o processo educativo.
A educação é para as pessoas, os grupos e os atores sociais que vivenciam esse patrimônio.
Eles são o foco da educação, dos processos transformadores. Esse conceito busca pela reflexão
crítica do patrimônio cultural, problematizadora, pois não coloca o patrimônio como algo pronto,
dado, definido pelos outros e que deve, portanto, ser simplesmente aceito, conhecido e
preservado.
O mesmo princípio se aplica ao jargão “conhecer para preservar”, herança das primeiras
décadas de proteção do patrimônio e ainda muito utilizado. Conhecer para preservar leva à
compreensão de passividade dos atores sociais junto a um patrimônio já estabelecido por outros.
Pressupõe que a preservação não ocorra porque não há conhecimento sobre o patrimônio, sobre
suas características arquitetônicas ou históricas, por exemplo.
ATENÇÃO
Quando essa lógica é invertida e o processo educativo parte das pessoas como seu foco, o
patrimônio é colocado como suporte desse processo, abre-se a possibilidade de construir
coletivamente o que é considerado patrimônio e como a sua preservação pode acontecer em
confluência com os modos de vida do lugar. Essa construção coletiva vai levar em consideração
aspectos mais complexos do campo do patrimônio, como conflitos, hegemonias,
instrumentalizações e apagamentos da memória; assim como vai valorizar os saberes locais e o
olhar dos sujeitos que vivenciam esse patrimônio, seus valores, conhecimentos e suas relações
de afetividade.
Também é importante reforçar que não significa que a informação sobre o patrimônio não seja
importante e não deva ser divulgada e promovida. Pelo contrário, o conhecimento técnico sobre o
patrimônio — produzido no âmbito dos órgãos de preservação, de universidades ou outras
instituições — deve ser acessível e disponibilizado à sociedade. A crítica aqui diz respeito a
quando a educação patrimonial é realizada apenas na concepção de informar sobre o
patrimônio.
CURIOSIDADE
Palestras, panfletos, folders e outras ações cujo objetivo seja informar não se enquadram nessa
compreensão de educação patrimonial, tendo caráter promocional. Disseminar informações
sobre o patrimônio poderia, portanto, ser uma parte do processo educativo, mas não ele como
um todo.
Se o conhecimento técnico for aliado aos saberes dos sujeitos que vivem o patrimônio, se for
complementado, dialogado e contraposto aos saberes tradicionais das comunidades, suas
vivências e experiências, a produção do conhecimento sobre o patrimônio será muito mais
significante. Isso tanto para o órgão de preservação, que ampliou seu olhar a partir da ótica dos
grupos sociais quanto para os moradores daquela localidade, que colaboraram com o processo,
que interagiram com a política pública e que podem, assim, identificar-se naquele “novo”
patrimônio, construído coletivamente e ressignificado.
REFERÊNCIAS CULTURAIS E OS
INVENTÁRIOS PARTICIPATIVOS
Um conceito de extrema significância para a educação patrimonial é o de referências culturais,
o qual parte do entendimento amplo de patrimônio, considerando não apenas aqueles bens
acautelados pelo Estado, mas também as referências íntimas dos grupos sociais, dos seus
espaços de vida, de compartilhamento de afetividades, daqueles elementos que têm valor e
significado no território.
SAIBA MAIS
A socióloga Maria Cecília Londres Fonseca aborda esse conceito com mais profundidade e,
segundo ela, as referências culturais pressupõem os sujeitos para quem essas referências fazem
sentido.
Referência cultural é aquilo que valorizamos, de que sentimos falta quando viajamos, o que temos
vontade de compartilhar com aquele amigo de fora que vem nos visitar. São os elementos da
nossa existência, da nossa identidade. Muitas vezes, é algo do dia a dia, que pode até mesmo
passar despercebido, mas que é importante por diversos motivos e significados:
Brastock / Shutterstock.com
UMA PRAÇA
UMA CASA
UMA FESTA
windwalk / Shutterstock.com
UM JEITO DE FALAR
rocharibeiro / Shutterstock.com
UMA COMIDA
UMA PAISAGEM
UMA DANÇA
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UM ESTILO DE MÚSICA
UM ARTESANATO
Um objeto utilitário, da sua rotina, mas que carrega valores abstratos, simbólicos. A lista de
possibilidades é longa, e cada pessoa, cada comunidade, cada bairro, cidade ou região tem as
suas referências culturais, que são compartilhadas entre os grupos locais.
OLHANDO PARA O SEU AMBIENTE, TERRITÓRIO,
MODO DE VIDA, VOCÊ CONSEGUE IDENTIFICAR
SUAS REFERÊNCIAS CULTURAIS? QUAIS AS
REFERÊNCIAS CULTURAIS DO SEU BAIRRO OU
CIDADE?
Procure conversar com pessoas próximas, questione sobre as suas referências culturais e
observe se algumas delas se identifica ou se relaciona com as suas. Lembranças
compartilhadas, lugares em comum, pratos típicos, hábitos. Note como o patrimônio cultural está
inserido no seu cotidiano, mesmo sem ser reconhecido pelo Estado como tal. Veja como suas
referências culturais foram ou podem ser preservadas!
Muitos grupos sociais, instituições e comunidades escolares têm se apropriado dos inventários
participativos, desenvolvendo processos educativos de múltiplos desdobramentos, inclusivos,
colaborativos e valorizando a cultura do cotidiano.
EXEMPLO
De um modo geral, o patrimônio cultural brasileiro foi construído a partir de uma visão
hegemônica de cultura, de memória e das histórias que deveriam ser protegidas e estariam
representadas nos monumentos nacionais. As primeiras décadas de preservação nos legou uma
herança patrimonial composta por bens de valor histórico e artístico excepcionais, de conjuntos
arquitetônicos de características coloniais, monumentos relativos à memória militar, religiosa e de
grupos elitistas da sociedade brasileira. Consequentemente, as relações de identidade e afeto
com esse arcabouço patrimonial é desigual.
Usos e apagamentos de memória fazem parte dos contextos históricos e políticos das
sociedades e, portanto, o patrimônio tem uma dimensão política que deve ser abordada. Nos
últimos anos, políticas públicas, estruturações conceituais, movimentos da sociedade civil, entre
outras iniciativas, têm promovido mudanças significativas neste cenário, na busca por uma
ampliação de representatividade desse conjunto patrimonial.
ATENÇÃO
Apesar de a educação patrimonial ter um papel fundamental, não significa dizer que será a
apaziguadora de danos, nem a responsável por mediar, resolver conflitos ou questões
hegemônicas históricas. Mas os processos dialógicos podem ser estabelecidos para perceber
esses apagamentos, acolher as demandas e abrir espaços de escuta, de fala e de reconstrução
de memórias.
Que outros valores esses bens podem ter para as pessoas que moram ou trabalham no seu
entorno? Para as pessoas que usam esses bens? Que outras referências culturais estão
vinculadas a eles? Valores pessoais, afetivos, íntimos, memórias familiares, símbolos de lutas e
resistências. A ressignificação desses bens e a valorização desses valores que são atribuídos
por esses sujeitos devem ser parte dos processos de apropriação e preservação do patrimônio
cultural.
TURISMO
Iniciando com o conceito de turismo, segundo a Organização Mundial de Turismo (OMT), vemos
que turismo é o deslocamento de pessoas de seu domicílio cotidiano, por no mínimo 24
horas, com a finalidade de retorno (FUNARI, 2012). Sendo que os principais deslocamentos
são por motivos de religião, saúde, educação e intercâmbio cultural ou linguístico (OMT, 2000).
CULTURA
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO, 1982), a cultura é o conjunto dos traços distintivos espirituais, materiais,
intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade e um grupo social. Ela engloba,
além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano,
os sistemas de valores, as tradições e as crenças. A cultura se refere a todas as interações
entre homem e natureza; é entendida em uma dimensão acima das relações naturais da Terra.
A prática do turismo cultural ganha significância como tema de análise, conceituações e criação
de parâmetros a partir da década de 1980. É o momento em que observamos também o campo
do patrimônio histórico e artístico incorporar uma fundamental alteração no significado dos bens
culturais, que deixam de ser apenas bens simbólicos, enquanto testemunhos de outras épocas e
instrumentos de reforço de identidades nacionais ou locais para se transformarem em produtos
culturais, a partir das necessidades de mercado (KÖHLER e DURAND, 2007; BORTOLOZZI,
2008; CARVALHO, 2016).
RESUMINDO
Fonte: Shutterstock.com
No Brasil, o turismo cultural aparece diretamente relacionado com o patrimônio cultural por ser a
forma institucionalizada das expressões materiais e imateriais da cultura nacional. A relação
entre o turismo e o patrimônio, no Brasil, não é um fenômeno recente, visto que para grande parte
dos intelectuais que atuaram na idealização e criação do SPHAN – Serviço do Patrimônio
Histórico Nacional, atualmente conhecido como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – IPHAN, não bastava apenas proteger esses importantes símbolos da nacionalidade e
da cultura brasileira, era necessário promover sua proteção e divulgação, ampliando a visitação
dos sítios que remetem à cultura e à memória.
Como consequência desse projeto, desde fins da década de 1930, o SPHAN apoiou
sistematicamente a construção de hotéis, a publicação de guias, implantação de sinalizações
turísticas e a abertura de museus e instituições do gênero nos sítios patrimonializados (AGUIAR,
2006). Essas ações ocorrem em momento que o mercado turístico brasileiro ainda não possuía
uma organização no país e o turismo cultural era uma prática voltada à Europa.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
ALTERNATIVAS:
A) I, II IV
B) I, IV e V
C) II, III e IV
D) II, IV e V
E) I, II, III e IV
2. IDENTIFIQUE, NAS ALTERNATIVAS ABAIXO, A QUE APRESENTA
CORRETAMENTE O ENTENDIMENTO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL:
D) Ninguém preserva aquilo que não conhece e, portanto, a educação patrimonial deve ser um
processo de aprendizagem das informações e dos valores estabelecidos sobre o patrimônio
cultural.
E) A educação patrimonial serve para gerar pertencimento e sentimento de nação nos sujeitos
para que possam defender a pátria e lutar por um país melhor, mais consciente e mais cidadão.
GABARITO
1. A educação e o patrimônio são dois campos de conhecimento que se complementam.
O campo da educação patrimonial consolidou bases teóricas e diretrizes que fazem da
educação um instrumento de preservação do patrimônio cultural. Leia as assertivas
abaixo e identifique aquelas que condizem corretamente com o que está disposto na
Portaria n. 137/2016 (IPHAN) sobre o que são diretrizes da educação patrimonial:
Alternativas:
Assertivas I, IV e V estão corretas. As práticas educativas devem ser integradas no cotidiano, nos
espaços de vida das pessoas, onde os bens culturais estão inseridos. A educação patrimonial
pode ocorrer, evidentemente, no âmbito da educação formal, mas também deve ser parte dos
espaços de educação não formal. A interdisciplinaridade é uma das principais diretrizes da
educação patrimonial, considerando o patrimônio cultural como tema transversal.
MÓDULO 2
PREMISSA
Neste módulo, abordaremos alguns pontos sobre a requalificação das cidades brasileiras,
entendendo esse tipo de ação como o tratamento dado a centros urbanos valorizados pelo poder
público a partir de demandas sociais ou de projetos políticos. Embora áreas urbanas tenham um
caráter histórico socialmente construído e sejam merecedoras de atenção e tratamento – seus
centros urbanos, núcleos de origem, conjuntos que formam novas centralidades, suas praças,
seus largos, bairros ou imóveis de destaque com seus entornos –, algumas áreas se tornam
especiais para proteção e investimentos públicos.
É nas cidades que atualmente vive a maior parte da população brasileira, sendo lugar em que a
vida cultural se desenvolve de modo mais intenso e representativo dos grupos sociais que as
construíram. É também onde disputas e tensões relativas aos valores culturais e financeiros, do
capital especulativo e de interesses globais, ocorrem, também, de modo intenso. Sua valorização
para requalificação, portanto, requer trabalhos de atribuição de valores de modo a justificar as
intervenções do poder público.
Deve-se chamar a atenção ao valor de patrimônio adotado pela Constituição Federal de 1988,
determinando que:
Esse conceito indica a possibilidade de valorização dos múltiplos aspectos dos sítios urbanos
como expressões materiais dos diferentes grupos sociais, independentemente de padrões
estilísticos de sua arquitetura, conforme tradicionalmente feito na valorização de sítios urbanos no
Brasil. Esse é um caminho para identificação de significados que as cidades têm e para sua
valorização como representantes das identidades brasileiras, sejam de abrangência nacional,
regional ou local.
RESUMINDO
A atribuição de valores aos sítios será sempre uma construção social, devendo envolver o saber
leigo, de quem convive com os centros urbanos e os entende como referências de memória,
identidade e ação; e o saber técnico, daqueles que estudam o assunto. Isto é, de profissionais
que devem produzir conhecimentos para o compartilhamento com o saber leigo, na construção
dos valores e caminhos para a requalificação das cidades.
VALORIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
BRASILEIRO
A história da ocupação do que atualmente é o território brasileiro pode ser contada segundo
abordagens sociais, políticas e econômicas; seja qual for a opção, ela dependerá de fontes
documentais. Além das bibliográficas e arquivísticas, pode-se ter as cidades como documentos,
entendendo-as como vestígios materiais dos processos de ocupação do território. A escolha de
um sítio em detrimento de outros vai contar determinada história, como é o caso dos
tombamentos feitos pelo IPHAN, materializando uma narrativa territorial em que algumas cidades
ganham importância enquanto outras ficam de fora.
Veremos as escolhas do IPHAN para ajudar a pensar nos valores atribuídos às cidades nos
diferentes períodos da história da preservação e estimular uma visão crítica sobre o que foi feito,
na perspectiva de ampliação dos trabalhos de valorização da cultura brasileira. Também
abordaremos o registro de bens culturais, na categoria de lugares.
Em linhas gerais, os conjuntos urbanos tombados, nos dois primeiros períodos da ação do
IPHAN, de 1937 a 1946, eram na maioria representativos do período colonial, situados no
Sudeste e no Nordeste, destacando-se as cidades de Minas Gerais.
Esses mesmos intelectuais criticavam o Brasil “europeizado” do século XIX, considerando que,
naquele período, houve a mera importação de estilos e técnicas usadas na construção civil.
Apenas nas décadas de 1960 e 1970, diante da política de desenvolvimento regional e de novas
demandas sociais — de grupos organizados pela preservação das cidades contra a
especulação imobiliária que vinha destruindo áreas urbanas —, a arquitetura do século XIX,
especialmente a de estilo eclético, passou a ser valorizada. O IPHAN, naquele momento, ampliou
a quantidade de cidades atendidas pelo tombamento, sendo ajudado pelo aumento de recursos,
com o Programa das Cidades Históricas (PCH).
Foram tombados centros históricos como Lençóis (BA), São Luís (MA) e Olinda (PE) que, mesmo
tendo origem no período colonial, tiveram seu casario modificado ao longo do tempo, não
correspondendo aos padrões da arquitetura colonial exigidos no início dos trabalhos do IPHAN.
Daí em diante, foi possível ampliar a abrangência territorial da proteção federal aos conjuntos
urbanos. Destaca-se a ideia de inclusão da diversidade de representações sociais na formação
da identidade brasileira, com o tombamento de cidades com origem na imigração europeia do
século XIX e início do XX no Sul do país como Santa Tereza (RS) em 2012. Também foram
valorizadas cidades que marcaram a ocupação das fronteiras a oeste, como Corumbá (MS), em
1993, e Cáceres (MT), em 2013.
Fonte: wikimedia.org
Lençóis (BA): praça com edificações ecléticas e antigas com modificções de gosto eclético.
Olinda (PE): aspecto da cidade com edificações ecléticas e antigas com modificções de gosto
eclético.
COMENTÁRIO
Podemos ter como hipótese que as práticas de preservação do governo federal, no Brasil,
criaram um modo de valorização dos sítios como patrimônio, podendo ser entendido como um
quadro social ou coletivo da memória, segundo o sociólogo Maurice Halbwachs (1990). Para
ele, esses quadros servem como provocação, trazendo à lembrança temas ou assuntos relativos
a uma coletividade, alimentando o que ele chamou de memória social ou coletiva. Os valores
de patrimônio das cidades ficaram condicionados às características estilísticas, comprometendo
outros valores culturais, históricos e afetivos, como os de referências de memória, identidade e
ação, conforme determina a Constituição de 1988.
CIDADE-DOCUMENTO
A ideia de cidade-documento valoriza a forma arquitetônica, urbanística e paisagística resultante
dos processos de ocupação e transformação dos sítios urbanos, independentemente das
qualidades estéticas e estilísticas dos imóveis. Privilegia pesquisas para o entendimento das
cidades como resultado de um processo social em que os logradouros e seus traçados e
diferentes características – as parcelas de subdivisão dos lotes, a organização dos espaços de
moradia e os volumes edificados – possam ser lidos e interpretados para o entendimento da
sociedade que ali viveu e ainda vive. São consideradas marcas no território que testemunham a
capacidade e os limites dos homens ao se apropriarem de um espaço e de estruturas
preexistentes ao longo do tempo.
Considera-se a importância das informações contidas nos bens como referência de quem os
produziu e utilizou. Apropria-se de concepções da história formulada ao longo do século XX,
desde a Escola dos Annales até a História Nova, tendo como referência historiadores como
Marc Bloch (1886-1944) e Jacques Le Goff (1924-2014). Beneficia-se da revisão da ideia de
documento dessa época, entendendo que qualquer produção do homem pode ser considerada
como tal e não apenas as fontes escritas; que todas as coisas podem ser lidas e interpretadas
para a construção da história. As cidades passam, portanto, a serem entendidas como
documentos, podendo ser lidas para a valorização da cultura ali desenvolvida.
CONCEITO DE LUGAR
O conceito de lugar refere-se, essencialmente, aos sentidos atribuídos aos espaços ocupados
pela ação humana. Qualquer espaço pode ser entendido como lugar desde que a ele seja
atribuído um significado para o grupo local.
Segundo o historiador Pierre Nora (1984), também identificado com a corrente da Nova História,
os lugares de memória são aqueles que, apropriados simbolicamente, perdem seu sentido
original, passando a representar um valor a eles atribuído. Logo, há uma forte associação com a
ideia de documento, pois os sentidos atribuídos aos sítios são um caminho para sua leitura. O
diferencial importante é metodológico, pois a identificação dos significados deve,
necessariamente, considerar a sua atribuição pelos grupos sociais locais.
Essa identificação é indicada nos procedimentos de registro do IPHAN, para valorização dos
lugares em relação aos modos de vida ali desenvolvidos. O registro, definido no Decreto n.
3.551/2000, usa a categoria lugar e conta com o Livro de Registro dos Lugares. Tal registro é
feito de modo associado a determinados usos e em interação com as comunidades.
Fonte: portal.iphan.gov.br
SAIBA MAIS
O IPHAN registrou quatro bens na categoria Lugares: a Cachoeira de Iauaretê, como lugar
sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuriem, em 2006; a Feira de Caruaru (PE),
também em 2006; a Tava, em São Miguel das Missões (RS), como lugar de referência para o
povo guarani, em 2014; e a Feira de Campina Grande (PB), em 2017.
Não se pode afastar o potencial do planejamento das cidades, previsto como dever do poder
público e devendo incluir a preservação. Os usos sociais que caracterizam os lugares podem ser
favorecidos pela regulamentação dos planos diretores, com potencial para atender às demandas
sociais, proteger os sítios e investir na sua requalificação.
São muitos os recursos conceituais e legais que podem ser acionados, cabendo, para isso,
investimentos na produção de conhecimentos para a atribuição de valor às cidades e para fazer
frente à complexidade do tema e das inúmeras possibilidades de trabalho envolvidas na
valorização e requalificação de centros urbanos.
SAIBA MAIS
Nos dois primeiros períodos das práticas do IPHAN, de 1937 a 1967, embora não se usasse o
termo requalificação, havia investimentos na melhoria das condições dos imóveis das cidades e
da vida dos moradores. Os investimentos governamentais eram, principalmente, dedicados às
obras de conservação e restauração de igrejas católicas e de equipamentos urbanos, como
chafarizes e pontes.
Fonte na frente da Catedral da Sé, São Luís-MA, Brasil.
Na década de 1970, os investimentos nos sítios urbanos foram ampliados com a criação do
Programa das Cidades Históricas (PCH). Embora tenham predominado na execução de obras
de restauração de imóveis, foram executadas algumas intervenções em áreas urbanas – praças,
largos e ruas –, denominadas agenciamento dos espaços públicos (CORRÊA, 2012).
Constam, também, investimentos desse tipo de agenciamento e fora do PCH, caso do trabalho
desenvolvido pela Embratur nas praças do centro histórico de Tiradentes (MG) com projetos do
paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994).
Dando continuidade à atenção dedicada aos sítios urbanos, tombados na década de 1980, o
IPHAN promoveu oito seminários com as comunidades residentes, comerciantes e
instituições locais, para compreender quais seriam as intervenções mais adequadas a
desenvolver. Os debates trataram de problemas específicos, como o caso dos deslizamentos de
terra provocados pelas chuvas em Ouro Preto (MG), e da proposta do Plano Diretor de São
Cristóvão (SE). Mas não deixaram de lado os problemas mais gerais que afetavam a cidade,
como a necessidade de medidas de revitalização econômica, com inclusão da produção local,
espaços de exposição e a implantação de equipamentos de apoio para o turismo.
Nesse período, pode-se também destacar iniciativas das prefeituras para o tratamento dos
centros históricos das cidades. Um exemplo é o “corredor cultural”, no Rio de Janeiro, implantado
pela prefeitura em 1979. Usando a legislação municipal, foram limitados os gabaritos dos prédios
novos (sua altura), desestimulando as demolições e, consequentemente, a instalação de novos
usos, beneficiando o comercio popular e as atividades cotidianas desenvolvidas nos imóveis
antigos.
Os oito seminários ocorreram nas cidades históricas de Ouro Preto e Congonhas (MG),
Paraty (RJ), Goiás (GO), Olinda (PE), São Luís (MA), São Cristóvão (SE) e Cachoeira (BA)
entre 1979 e 1982, que, além das comunidades, contaram com representantes das
prefeituras, dos órgãos estaduais de cultura ou de patrimônio, de universidades, do
Ministério da Educação e Cultura e com o IPHAN.
Foram estabelecidos programas de incentivo para recuperação dos imóveis e foi dada
assistência técnica para o desenvolvimento das intervenções arquitetônicas. É um projeto bem-
sucedido, que vem mantendo grande parte do cento da cidade, demonstrando o potencial do uso
da legislação e incentivos municipais para melhoramentos urbanos e manutenção da cultura local
(RIOARTE; IPLAN-RIO, 1995; NASCIMENTO, 2015).
A postura de atenção às comunidades e aos usos das cidades não teve continuidade nos anos
1990, quando se investiu nas requalificações que seguiam um modelo globalizado. Vivia-se um
período de política neoliberal para a qual o critério cenográfico de requalificação poderia, no
entendimento dos governantes, fazer com que as áreas ficassem economicamente
autossustentáveis, prescindindo de investimentos governamentais. Pode-se entender que o
objetivo era transformar as áreas históricas em mercadoria para o consumo cultural e, ao mesmo
tempo, em atrativo para o turismo, muitas vezes sem qualquer atenção para a vida dos habitantes
locais (MOTTA, 2000).
Para o desenvolvimento de uma visão crítica, alguns exemplos podem ajudar, começando com as
duas intervenções no Pelourinho, no centro histórico de Salvador (BA), nas décadas de 1970 e de
1990, bem diferentes em seus procedimentos, embora de iniciativa do poder público estadual. A
segunda proposta tornou-se o caso mais emblemático de intervenção urbana para entrega de um
centro histórico ao consumo.
A primeira fase foi resultado de uma proposta técnica e promovia obras de reabilitação das
edificações e do equipamento comunitário, mantendo a maioria da população no local, em um
cuidadoso trabalho de relacionamento com a comunidade. Os moradores eram abrigados em
edificações, já restauradas no Pelourinho, enquanto obras eram feitas em suas residências.
Havia, ao mesmo tempo, incentivo para a implantação de empresas privadas em algumas
edificações antigas, criando condições econômicas e turísticas favoráveis para moradores e
visitantes; o Hotel Luxor foi instalado no antigo Convento do Carmo e o restaurante do SENAC
em um sobrado importante no centro do Pelourinho, entre outros empreendimentos. Embora o
ritmo dos trabalhos fosse intenso, com a conclusão de muitas obras, o projeto não oferecia a
visibilidade política desejada, razão pela qual, na década 1990, um segundo projeto foi
estruturado para atender ao prazo de apenas uma gestão governamental.
Conhecido como Projeto Pelourinho, tinha como objetivo principal a criação de uma área de
comércio, exigindo a desapropriação de diversos imóveis, em quarteirões de uso
predominantemente residencial. Para adequar-se ao uso comercial, as fachadas principais foram
restauradas e, nos fundos, foi inventado um cenário colonial por causa das dificuldades de uma
restauração. Foram livremente remanejados os espaços internos das edificações e, em alguns
quarteirões, rompidas as estruturas dos lotes, interligando-se edificações para acomodação do
comércio, com pátios internos nos antigos quintais. Foi uma intervenção na realidade local,
derivada de um processo histórico e gradual, transformada, subitamente, em um shopping! Não
foi um trabalho de preservação ou requalificação, mas o aproveitamento de um sítio histórico para
finalidades comerciais e promoção política.
Pelourinho em Salvador (BA). Situação antes do projeto de reforma de 1990, foco do primeiro
projeto do governo estadual.
Pelourinho em Salvador (BA). Fachadas principais depois das obras da década de 1990.
Fonte: Shutterstock.com
Pelourinho em Salvador (BA). Fachadas dos fundos e lotes interligados depois das obras da
década de 1990.
As obras do “Porto Maravilha”, no Rio de Janeiro, seguiram o modelo das grandes intervenções
em áreas portuárias no final do século passado e início deste século, começando pelo Porto de
Baltimore, nos Estados Unidos. Um modelo internacionalizado, resultando em outros exemplos,
como o do Porto de Barcelona (Espanha), e o Porto Madero, em Buenos Aires (Argentina).
São projetos com caráter cenográfico, de “cidade-atração” como classifica Marcia Sant’Anna
(2019). Incluem a restauração de fachadas, instalação de focos de iluminação nos monumentos,
demolição de prédios considerados “feios” e a construção de edifícios modernos de grande
altura. Preparam os sítios urbanos para o consumo, por meio de uma imagem atrativa para o
turista, sem considerar as referências das populações que historicamente pertencem ao lugar.
Porto Maravilha, Rio de Janeiro (RJ). Imagens depois da intervenção da prefeitura, concluídas
em 2016.
SAIBA MAIS
No “Porto Maravilha”, a imagem projetada para o espetáculo ignorou o valor histórico do antigo
porto, construído no início do século XX.
Com a demolição do viaduto que cortava a região portuária, foi construído um “mergulhão”,
passando por baixo da praça Mauá, principal local da requalificação; apenas alguns galpões
próximos a essa praça foram preservados e restaurados. Os demais tiveram seus avarandados e
suas áreas de trabalho dos estivadores arrancados para dar vazão ao trânsito na saída do
“mergulhão”.
O túnel subterrâneo poderia ter sido estendido, com sua saída no final da área dos galpões.
Outras soluções poderiam ter sido dadas, mas o objetivo político do projeto já estava resolvido,
com o espetáculo da intervenção na área mais próxima à praça Mauá; dispensava-se a
preocupação com o valor histórico representado pela integridade do conjunto portuário.
Agora, vamos fazer uma reflexão sobre as experiências de requalificação:
VERIFICANDO O APRENDIZADO
B) Tem por premissa a apreciação do estilo colonial e eclético, de acordo com os padrões
europeus, o que é notável na aplicação de proteção pelo IPHAN, sobretudo a partir de 2001, com
o tombamento de centros históricos de Goiânia.
D) O critério estético e estilístico para valorização de sítios urbanos foi superado durante as
décadas de 1960 e 1970, com a implementação do Programa de Cidades Históricas (PCH), que
promovia a descentralização das práticas patrimoniais com o envolvimento dos governos
estaduais.
E) Os centros são áreas de classificação histórica, que indicam as cidades que têm relevância
nacional, e aquelas que são ocupações recentes.
A) Passou a ser aplicada nos sítios protegidos a partir da criação do Programa de Cidades
Históricas, em 1970, marcando o pioneirismo do governo na época em investir na melhoria das
condições dos imóveis e de vida dos moradores desses locais.
E) É o momento em que uma cidade passa a ser considerada relevante e registrada nos anais
do IPHAN como parte da história nacional.
GABARITO
1. Entende-se a requalificação urbana como o tratamento dado a centros urbanos
valorizados pelo poder público a partir de demandas sociais ou de projetos políticos.
Sobre a valorização desses centros, é correto afirmar que:
PRIMEIRAS PALAVRAS
O número de cursos interdisciplinares de graduação tem aumentado significativamente no Brasil.
Organizados em quatro grandes áreas do conhecimento – Humanidades, Artes, Saúde e Ciência
e Tecnologia –, encontram-se presentes em bacharelados, licenciaturas e pós-graduações.
A busca por uma formação mais abrangente, que seja capaz de estabelecer diálogos e trocas de
conhecimento entre disciplinas especializadas, é uma das principais características das
propostas interdisciplinares de ensino e pesquisa presentes nesses cursos. A concepção de
interdisciplinaridade como uma categoria polissêmica, ou seja, sujeita a vários entendimentos
divergentes. E, como toda categoria polissêmica, um caminho para sua apreensão é tentar
diferenciá-la de outras semelhantes, determinando suas especificidades.
RESUMINDO
Faremos uma breve referência ao contexto histórico no qual está inserida a problemática da
interdisciplinaridade. Em seguida, discutiremos as possibilidades oferecidas pelos estudos,
pelas pesquisas e práticas desenvolvidas no campo interdisciplinar da preservação do
patrimônio cultural, com a apresentação de um caso em que a integração de disciplinas permitiu
ultrapassar limites estipulados por experiências consagradas.
Por fim, destacaremos algumas perspectivas que o enfoque interdisciplinar pode oferecer para a
prática docente, como também, daremos algumas dicas de leitura e pesquisa sobre o tema.
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MOVIMENTO DA INTERDISCIPLINARIDADE
O termo interdisciplinaridade passou a ser tratado com interesse pela comunidade acadêmica no
final da década de 1960 como uma alternativa à especialização do conhecimento, que, segundo
seus críticos, encontra-se fragmentado em disciplinas cada vez mais distanciadas umas das
outras. Nos anos 1970, esse tema foi discutido como uma questão fundamental para a Ciência e
a Educação por intelectuais de renome no meio acadêmico oriundos de diversas áreas do
conhecimento, entre eles o biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), o astrofísico austríaco Erich
Jantsch (1929-1980), o matemático francês André Lichnerowicz (1915-1998), o psicólogo alemão
Heinz Heckhausen (1926-1988) e o filósofo belga Leo Apostel (1925-1995).
Fonte:
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Outra ideia diz respeito à necessidade de definir interdisciplinaridade a partir de sua distinção
sobre outras categorias similares, como as de multi, pluri e transdisciplinaridade.
CONTEXTO DO MOVIMENTO DA
INTERDISCIPLINARIDADE
Para entendermos a primeira ideia, temos que nos remeter ao contexto em que essas reflexões
sobre a interdisciplinaridade se deram, para, então, tratar da segunda questão referente às
distinções entre os termos acima.
Segundo Repko (2008 apud Sommerman, 2015), desde o final do século XIX as universidades
passaram por um intenso processo de disciplinarização, ou seja, a contínua segmentação da
especialização do saber em variadas disciplinas. Esse processo foi alvo de muitas críticas que
apontavam para o isolamento dessas disciplinas e a consequente incapacidade de comunicação
entre elas. O contexto dessas ideias críticas à segmentação do conhecimento está relacionado a
vários movimentos que tiveram lugar no século XX, como:
O movimento estudantil da segunda metade dos anos 1960 com o questionamento à estrutura
autoritária das universidades.
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RESUMINDO
Fonte: uft.edu.br
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Fonte: docplayer.com.br
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Além de Japiassú, a pedagoga Ivani Fazenda foi também uma precursora no estudo da
interdisciplinaridade, tendo sido responsável pela criação, em 1981, do Grupo de Estudos e
Pesquisa em Interdisciplinaridade (GEPI) na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São
Paulo, que além de desenvolver parcerias com várias universidades, publica, desde 2013, a
revista eletrônica Interdisciplinaridade. Dentre seus vários livros sobre o tema, destacamos
Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa (1994), que se tornou um clássico ao abordar o
histórico do movimento interdisciplinar e a aplicação prática da teoria.
SAIBA MAIS
Da Vinci, além de pintor de quadros famosos, atuou nas áreas de escultura, Matemática,
Arquitetura, Engenharia e Anatomia humana.
MULTIDISCIPLINARIDADE
A multidisciplinaridade se caracterizaria por pesquisa ou ensino em que disciplinas relativas ao
tema enfocado trabalham conjuntamente, mas sem estabelecer uma integração entre si. Quando
são chamados profissionais de áreas diferentes para opinar sobre determinado tema ou
problema, cada um a partir do conhecimento de sua disciplina, com suas próprias teorias, seus
conceitos e métodos.
Podemos citar o caso da conservação de um prédio histórico, em que são ouvidos especialistas
de áreas diferentes, como o químico para opinar sobre o tipo de material empregado e os
cuidados que requer seu tratamento, o arquiteto para observar o estilo predominante, o
engenheiro para verificar que estruturas não devem ser modificadas. Eles agem como
especialistas, contribuindo com seus conhecimentos específicos, sem que se estabeleça
interação teórica e metodológica.
PLURIDISCIPLINARIDADE
A pluridisciplinaridade se dirige também ao trabalho conjunto de disciplinas diferentes, gerando,
entretanto, algum grau de interação. Assim, no caso do exemplo anterior, os três especialistas
das disciplinas trabalhariam em conjunto para contribuições eventuais, mas ainda na perspectiva
da manutenção dos respectivos campos disciplinares.
TRANSDISCIPLINARIDADE
A transdisciplinaridade se situa mais próxima à interdisciplinaridade ao realizar uma síntese mais
abrangente entre as disciplinas, mas se diferencia da última ao incorporar “atores sociais não
universitários” (REPKO, 2008, apud SOMMERMAN, 2015). Um exemplo no campo do patrimônio
seria a educação patrimonial que é ao mesmo tempo interdisciplinar e transdisciplinar.
Transdisciplinar porque é voltada para os grupos e as comunidades, que interagem com os
especialistas; e interdisciplinar porque está pautada nos diversos valores atribuídos ao
patrimônio cultural.
E o que dizer, então, da interdisciplinaridade? Partimos da definição de Repko que nos fornece
quatro categorias que consideramos importantes para a apreensão do conceito: processo,
complexidade, integração e inovação.
Vamos, então, começar pela ideia de processo, que conduz para uma abordagem mais flexível
dos problemas, indicando procedimentos contínuos, em oposição a metodologias mais rígidas,
características do corpo teórico das disciplinas científicas. Nesse sentido, o processo traz em si a
noção de continuidade, de avanço, de idas e vindas, características da vida cotidiana. Em
relação ao patrimônio cultural, fica bem clara essa ideia, estando no âmbito da cultura,
caracterizado pela dinâmica social criativa.
Outro termo destacado na definição acima é o de complexidade. O filósofo francês Edgar Morin
considera que o conhecimento deva enfrentar a questão da complexidade, pois complexus
significa o que foi tecido junto e que há complexidade quando elementos diferentes são
inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o
psicológico, o afetivo, o mitológico). De forma que o conhecimento não pode separar o objeto
focado de seu contexto, ou seja, não pode separar as partes e o todo, o todo e as partes,
as partes entre si (MORIN, 2000).
EXEMPLO
Em relação ao campo da preservação do patrimônio cultural, cada vez mais, fica evidente o
trabalho integrado entre disciplinas, principalmente entre a História da Arte, a Arquitetura, a
História, a Antropologia.
O entendimento de inovação se apresenta como resultado da própria integração dos saberes,
pois seu processo produzirá algo totalmente novo, distinto, à parte e além dos limites de
qualquer disciplina e, assim, aditivo para o conhecimento (REPKO, 2008, apud SOMMERMAN,
2015, grifo do autor). Assim, usando novamente como exemplo o campo do patrimônio cultural,
podemos perceber que seu processo de conceituação foi constantemente ampliado,
ressignificado, a partir da participação de novos atores, que trouxeram seus próprios insights e,
em uma integração intersubjetiva, foram incorporando novos valores e criando patrimônios.
Sua proposta é abrir espaço para processos de integração de saberes voltados a responder
perguntas complexas, resolver determinados tipos de problemas complexos e adquirir
uma compreensão de temas complexos que são cada vez mais comuns e estão além da
competência de uma única disciplina (SOMMERMAN, 2015). Segundo Furlanetto (2011), a
interdisciplinaridade não é uma nova disciplina, mas um novo caminho para o conhecimento, que
assume características de conhecimento de fronteira, ou seja, está situada entre
conhecimentos, como indicado por seu prefixo inter.
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INTERDISCIPLINARIDADE E PATRIMÔNIO
CULTURAL
O patrimônio cultural é uma categoria de pensamento que existiu em todas as sociedades, mas
que, a partir dos séculos XVIII e XIX, no contexto dos movimentos nacionalistas de formação dos
Estados Nacionais modernos, passou a adquirir novas características associadas à memória e à
história nacionais.
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Se, de início, os bens selecionados diziam respeito a objetos materiais de valor excepcional, ao
longo do século XX e início do XXI novas tipologias e novas percepções, sobre os grupos
constituintes da nação, representaram um processo sucessivo de incorporação de novos bens
que deveriam ser preservados como patrimônio cultural. A ênfase nos aspectos material,
excepcional, histórico e artístico passou a ser superada pela valorização e incorporação das
memórias e as identidades de diversos grupos que participaram da formação da nação.
Esse foi um movimento que se constituiu também internacionalmente, tendo como marco a
Convenção da Unesco relativa ao Patrimônio Mundial Cultural e Natural, de 1972, que abrange a
proteção não somente de bens culturais como igualmente dos bens naturais, reconhecidos como
patrimônio de toda a humanidade, de forma que o patrimônio cultural pode ser definido como um
conjunto de:
Bens materiais
Exemplos:
Construções
Paisagens
Monumentos
Objetos artísticos
Objetos arqueológicos
Imateriais
Exemplos:
Práticas sociais
Vida comunitária
Crenças
ATENÇÃO
Esses bens, selecionados no presente, fazem referência ao passado, ao representar as
memórias e identidades de grupos diversos. Grupos esses que, diversos entre si, têm
intenções diferentes e, muitas vezes, divergentes a partir de suas origens sociais, de seus
interesses econômicos e políticos, como também, de relações afetivas que estabelecem com
bens materiais e imateriais, os quais valorizam como patrimônio cultural.
A ampliação do conceito de patrimônio cultural não só incorporou novos objetos e temas como
também grupos, com diferentes visões e atitudes, que estavam até então alijados desse
processo, gerando novas problemáticas e complexidades que requeriam ser tratadas tanto na
prática como na teoria, exigindo, assim, abordagens que transcendessem a perspectiva
disciplinar.
A) O patrimônio cultural pode ser definido como um conjunto de bens selecionados que
representa a complexidade do passado de uma nação, o que garante seu caráter interdisciplinar.
B) O conjunto de bens selecionados do passado no presente, que são importantes para os
diversos grupos que formam uma coletividade e aos quais são atribuídos valores, é
essencialmente um caso interdisciplinar.
GABARITO
1. O entendimento de interdisciplinaridade apresenta certos pressupostos que o
fundamentam e o distinguem de outros tipos de abordagens. Nas afirmativas abaixo,
somente uma apresenta esses pressupostos que caracterizam o processo de pesquisa e
aprendizagem interdisciplinar:
A alternativa correta é a C, pois reconhece que é a diversidade de valores atribuídos aos bens
culturais um problema complexo, devendo ser abordado pela integração de uma ou mais
disciplinas, caracterizando a interdisciplinaridade.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste tema, você teve um panorama sobre as questões mais atuais de patrimônio cultural.
Dar continuidade à história da proteção e qualificação das cidades no Brasil, buscando o uso de
novos recursos conceituais e jurídicos, abre caminhos para a ampliação das práticas de
preservação e o respeito aos cidadãos e seu direito à memória e a identidades.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
AGUIAR, L. B. Turismo e preservação nos sítios urbanos brasileiros: o caso de Ouro Preto.
Tese (doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal Fluminense (RJ), 2006.
AMARAL, A. Artes plásticas na semana de 22: subsídios para uma história da renovação das
artes no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1970.
BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.
BRASIL. Casa Civil. Decreto n. 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o Registro de Bens
Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa
Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Brasília, 2000.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez;
Brasília: UNESCO, 2000.
NORA, P. Entre mémoire et histoire: la problématique des lieux. La Republique. Galimard, 1984.
(Les Lieux de Mémoire. v. 1).
REPKO, A. F. Interdisciplinary research: process and theory. Los Angeles/London: Sage, 2008.
RIOARTE; IPLAN-RIO. Corredor Cultural: Como Recuperar, Reformar ou Construir seu Imóvel.
Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1995.
Busque o texto O patrimônio cultural urbano à luz do diálogo entre história e arquitetura,
de Lia Motta (2012), que apresenta um caso importante do trabalho interdisciplinar no
campo da preservação do patrimônio cultural: o do conceito de cidade-documento. Faz
parte da Revista do Patrimônio, n. 34, disponível no Portal do IPHAN.
Como vimos, o livro de Edgar Morin, Os sete saberes necessários à educação do futuro
(2000), é importante por realizar uma reflexão crítica sobre o conhecimento e o processo de
aprendizagem, fornecendo ideias inspiradoras para uma nova educação. Não deixe de lê-
lo!
Leia a Portaria n. 137, de 28 de abril de 2016 para saber mais detalhes das diretrizes da
educação patrimonial.
Se você quiser se aprofundar nos temas que a preservação do patrimônio tem se debruçado, leia
os seguintes ensaios:
Lia Motta
CURRÍCULO LATTES
Analucia Thompson
CURRÍCULO LATTES
Fernanda Gabriela Biondo
CURRÍCULO LATTES