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DESCRIÇÃO

As quatro temáticas contemporâneas fundamentais para a compreensão das questões atuais do


patrimônio histórico: o papel educacional, a relação com o turismo, a requalificação de sítios
urbanos e a interdisciplinaridade no campo do patrimônio.

PROPÓSITO
Possibilitar a compreensão do atual quadro sobre a temática de patrimônio cultural brasileiro,
apontando suas principais relações.

PREPARAÇÃO

Para este tema, utilize os instrumentos online para consultar o Dicionário Iphan de Patrimônio
Cultural.
OBJETIVOS

MÓDULO 1

Reconhecer o papel da educação na preservação do patrimônio cultural brasileiro

MÓDULO 2

Listar ações de identificação e valorização de sítios urbanos pelo poder público e ações de
requalificação das cidades brasileiras

MÓDULO 3

Descrever a interdisciplinaridade no campo do patrimônio cultural

INTRODUÇÃO

Patrimônio histórico brasileiro não é uma estátua na praça. Pode parecer tola a afirmação, mas é
a imagem que mais vem à cabeça! A noção de patrimônio como algo cristalizado no passado tira
sua essência de lidar efetivamente com a multiplicidade de papeis que ela pode assumir.

Você será apresentado ao patrimônio de quem lida com ele cotidianamente: pensado de forma
complexa, relacionado ao mundo, à economia, à sociedade, ao poder e às resistências.

MÓDULO 1
 Reconhecer o papel da educação na preservação do patrimônio cultural brasileiro

EDUCAÇÃO E PATRIMÔNIO CULTURAL

Vamos abrir este módulo diferenciando o senso comum sobre patrimônio e a multiplicidade de
suas representações:

O papel da educação, na preservação do patrimônio cultural, está inserido em um campo


específico de conhecimento e atuação. Um campo autônomo, interdisciplinar, com bases
teóricas, abordagens e perspectivas próprias e que foi construído ao longo das décadas no
âmbito dos órgãos de preservação do patrimônio, nas instituições de memória, nos museus, nos
espaços de educação e cultura no geral.
FALAMOS AQUI DO CAMPO DA EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL.

É muito comum confundir o papel da educação na preservação do patrimônio como a mera


divulgação ou promoção daqueles bens culturais já consagrados, ou seja, reconhecidos pelo
Estado. A educação patrimonial, no entanto, parte de pontos de vista amplos e
problematizadores tanto do entendimento de educação quanto de patrimônio cultural.
Perspectivas que vão alinhar processos transformadores e dialógicos, pautados na ideia de
legitimação das visões e percepções dos grupos e atores sociais para a construção democrática
do patrimônio cultural e de suas estratégias de preservação.

Fonte: Carlos Luis M C da Cruz/wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)


 Museu Histórico Nacional, que possui uma grande interlocução com pesquisas sobre
preservação do patrimônio cultural.

Fonte: Carlos Luis M C da Cruz/wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)

UM CAMPO DE CONHECIMENTO

Os primeiros contatos da educação com o patrimônio cultural, no Brasil, surgiram logo nos anos
iniciais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), na década de 1930,
quando o diretor na época, Rodrigo de Melo Franco de Andrade (1898-1969), preocupado com a
perda e destruição dos monumentos de valor histórico e artístico nacional, alertava que a
educação seria o caminho mais eficaz para assegurar a defesa permanente do patrimônio.
Nesse período, formava-se um novo campo de atuação, novas legislações e conceitos, e
construía-se a ideia abstrata de uma identidade nacional. Buscava-se uma nação homogênea,
que compartilhasse de uma mesma cultura, arte e história. A missão, então, era de informar e
transmitir as informações produzidas pelo recém-criado órgão de proteção do patrimônio. A
tarefa de educar incluía tanto difundir essa nova política de proteção dos monumentos nacionais
quanto ensinar a respeito da nova legislação que se aplicava sobre a propriedade privada, o
tombamento.

Nas mais de oito décadas que se passaram desde o momento inicial da proteção do patrimônio
nacional, muito foi discutido, construído e reconstruído, como o próprio conceito de patrimônio
cultural. A Constituição Federal de 1988 não apenas ampliou o entendimento de patrimônio,
considerando aqueles bens portadores de referência para a memória e identidade dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, como também instituiu a participação social nas
práticas de preservação. Agora, o Estado e a sociedade, em colaboração, seriam os
responsáveis pelo patrimônio cultural.
 Sessão final de trabalho da Assembleia Constituinte, em 22 de setembro de 1988, após o
encerramento da votação, com aprovação do texto final da nova Constituição do país.

Fonte: www.camara.leg.br
Estruturaram-se, também, novas ferramentas de proteção do patrimônio, e políticas e programas
foram implantados. Na mesma perspectiva, o entendimento e o papel da educação nas práticas
de preservação também foram realinhados e ressignificados.

Concepções diversas de educação, de patrimônio e de educação patrimonial convergiram e


conflitaram-se desde então e, atualmente, ainda não há um consenso sobre o papel da educação
na preservação do patrimônio cultural. Isso porque a educação patrimonial acontece em diversos
contextos, como nos órgãos de preservação, nos museus, nas instituições de ensino, nos projetos
arqueológicos no âmbito do licenciamento ambiental, para citar alguns exemplos.

 ATENÇÃO

No entanto, não existe um espaço que acolha essas iniciativas, que gere processos de troca de
experiências e ideais. Essa dispersão de ações acaba sendo um desafio para consolidar as
bases conceituais e os parâmetros de atuação do campo da educação patrimonial.

Muito foi produzido e debatido, principalmente a partir da década de 2000, quando a rediscussão
desse campo de saber culminou na elaboração de conceitos, diretrizes e, finalmente, na
instituição de um instrumento jurídico que estabeleceu a educação patrimonial no âmbito do
IPHAN, a Portaria n. 137/2016.

Essa portaria representa um marco fundamental no campo da preservação do patrimônio cultural,


estabelecendo o lugar da educação e os parâmetros a serem refletidos nas práticas
preservacionistas institucionais. É um instrumento que, finalmente, define que educação se
pretende trabalhar no campo do patrimônio.

Veja as diretrizes da educação patrimonial que encontramos em seu art. 3º (PORTARIA n. 137,
2016):

Fonte:

Incentivar a participação social na formulação, implementação e execução das ações educativas,


de modo a estimular o protagonismo dos diferentes grupos sociais.

Fonte:

Integrar as práticas educativas ao cotidiano, associando os bens culturais aos espaços de vida
das pessoas.

Fonte:

Valorizar o território como espaço educativo, passível de leituras e interpretações por meio de
múltiplas estratégias educacionais.

Fonte:

Favorecer as relações de afetividade e estima inerentes à valorização e preservação do


patrimônio cultural.

Fonte:

Considerar que as práticas educativas e as políticas de preservação estão inseridas num campo
de conflito e negociação entre diferentes segmentos, setores e grupos sociais.

Fonte:

Considerar a intersetorialidade das ações educativas, de modo a promover articulações das


políticas de preservação e valorização do patrimônio cultural com as de cultura, turismo, meio
ambiente, educação, saúde, desenvolvimento urbano e outras áreas correlatas.

Fonte:

Incentivar a associação das políticas de patrimônio cultural às ações de sustentabilidade local,


regional e nacional.

Fonte:

Considerar patrimônio cultural como tema transversal e interdisciplinar.

 RESUMINDO

A educação patrimonial não se restringe a uma ação ou atividade, mas sim a processos
educativos que valorizem a construção coletiva do conhecimento, o diálogo e a participação
efetiva dos sujeitos produtores dos valores culturais. A educação patrimonial parte da reflexão
ampla de patrimônio, do conceito de referências culturais, dos diversos significados, das disputas
e dos valores em torno dos bens culturais.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: PARÂMETROS E


PERSPECTIVAS

Para pensarmos em educação patrimonial e, consequentemente, no papel da educação na


preservação do patrimônio cultural, vamos percorrer alguns parâmetros para refletirmos.

Fonte: Shutterstock
 Fonte: Shutterstock.com

NÃO EXISTE UM ÚNICO MÉTODO OU UMA ÚNICA


FÓRMULA PARA REALIZAR ATIVIDADES
EDUCATIVAS NO CAMPO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL.

Cada território conta com suas especificidades e características próprias, assim como cada
grupo social possui suas redes de significâncias e modos de vida diferenciados.
Uma estratégia ou abordagem educativa utilizada em um território pode não funcionar da mesma
forma em um local diferente, ou seja, pode não garantir um processo educativo que considere as
vozes dos atores sociais e suas particularidades. Se pensarmos no território nacional, por
exemplo, podemos ver que é a diversidade cultural que marca o Brasil, com suas peculiaridades
distintas nas diferentes localidades.

A educação patrimonial é um campo de atuação passível de metodologias, abordagens e


estratégias diversas, devendo ser adequadas a cada território e grupo social, considerando a
interação das pessoas com seus bens culturais.

 EXEMPLO

Se pensarmos no ambiente urbano de um grande centro metropolitano e em uma comunidade


rural de interior; ou em uma comunidade ribeirinha e uma vila operária; ou em uma aldeia
indígena e uma colônia de imigrantes europeus, podemos notar características distintas,
diversificadas, tanto nos modos de vida, nos conhecimentos usados no dia a dia, na alimentação,
nos trabalhos como nas relações sociais e nas demais referências locais relevantes para cada
grupo. Isso significa que a abordagem educativa deve considerar essas diferenças, as
peculiaridades de cada território, pois uma metodologia única, estática, não daria conta de
contemplar essa diversidade cultural e social, descontextualizando os espaços de vida.

A EDUCAÇÃO NÃO É PARA O PATRIMÔNIO.

O patrimônio é suporte, é o recurso que a educação utiliza para construir uma relação com as
comunidades e as pessoas. É o eixo que vai conduzir o processo educativo.

Fonte: Elysangela Freitas / Shutterstock.com


 Frevo, manifestação popular em Pernambuco, Brasil.

Fonte: Elysangela Freitas / Shutterstock.com

A educação é para as pessoas, os grupos e os atores sociais que vivenciam esse patrimônio.
Eles são o foco da educação, dos processos transformadores. Esse conceito busca pela reflexão
crítica do patrimônio cultural, problematizadora, pois não coloca o patrimônio como algo pronto,
dado, definido pelos outros e que deve, portanto, ser simplesmente aceito, conhecido e
preservado.

O mesmo princípio se aplica ao jargão “conhecer para preservar”, herança das primeiras
décadas de proteção do patrimônio e ainda muito utilizado. Conhecer para preservar leva à
compreensão de passividade dos atores sociais junto a um patrimônio já estabelecido por outros.
Pressupõe que a preservação não ocorra porque não há conhecimento sobre o patrimônio, sobre
suas características arquitetônicas ou históricas, por exemplo.

Essa perspectiva parte da premissa que, se as pessoas conhecerem o patrimônio, vão se


apropriar dele e, consequentemente, preservarão o bem. Essa lógica, focada no objeto, no
patrimônio, inverte o eixo do processo educativo, pois coloca os grupos sociais como agentes
passivos e, parte de um princípio “catequizador” de patrimônio. Parte da necessidade iminente
de espalhar e transmitir a informação (já produzida) sobre o patrimônio àqueles que o
desconhecem para que, enfim, a preservação aconteça.

Não existe uma relação de causalidade direta e indissociável entre o conhecimento e a


preservação do patrimônio cultural. O conceito por detrás do “conhecer para preservar”
despolitiza os grupos sociais e ignora as lutas e os movimentos que reivindicam e problematizam
seus patrimônios e suas memórias e, ao mesmo tempo, apazigua aqueles atores que,
exatamente por terem conhecimento, não são deliberadamente sensíveis à sua preservação, seja
por interesses imobiliários ou de outra ordem.

 ATENÇÃO

Quando essa lógica é invertida e o processo educativo parte das pessoas como seu foco, o
patrimônio é colocado como suporte desse processo, abre-se a possibilidade de construir
coletivamente o que é considerado patrimônio e como a sua preservação pode acontecer em
confluência com os modos de vida do lugar. Essa construção coletiva vai levar em consideração
aspectos mais complexos do campo do patrimônio, como conflitos, hegemonias,
instrumentalizações e apagamentos da memória; assim como vai valorizar os saberes locais e o
olhar dos sujeitos que vivenciam esse patrimônio, seus valores, conhecimentos e suas relações
de afetividade.

 Vendedor de castanha-do-pará, Belém-PA, Brasil.

Fonte: The World Views / Shutterstock.com

A educação deve ser um processo transversal às práticas institucionais de preservação do


patrimônio, ou seja, deve estar presente desde o início, na identificação dos bens e das
referências culturais, nas etapas de produção de saber sobre o patrimônio. Assim, a educação
não poderia ser vista como uma atividade-fim do processo de preservação, um produto que
pretende apenas transmitir informações já prontas sobre o patrimônio. Isso porque o olhar técnico
pode não conseguir captar a completude de referências de um território que tenha relevância e
que faça sentido em ser preservado aos olhos da população local.
A educação patrimonial é uma ação político-social que pode exercer papel decisivo na
aproximação da sociedade civil com os órgãos públicos responsáveis pela política do patrimônio
cultural. Essa aproximação tem o potencial de tornar o processo de construção do patrimônio
cultural mais democrático, garantindo o direito à memória e o exercício da cidadania.

Também é importante reforçar que não significa que a informação sobre o patrimônio não seja
importante e não deva ser divulgada e promovida. Pelo contrário, o conhecimento técnico sobre o
patrimônio — produzido no âmbito dos órgãos de preservação, de universidades ou outras
instituições — deve ser acessível e disponibilizado à sociedade. A crítica aqui diz respeito a
quando a educação patrimonial é realizada apenas na concepção de informar sobre o
patrimônio.

 CURIOSIDADE

Palestras, panfletos, folders e outras ações cujo objetivo seja informar não se enquadram nessa
compreensão de educação patrimonial, tendo caráter promocional. Disseminar informações
sobre o patrimônio poderia, portanto, ser uma parte do processo educativo, mas não ele como
um todo.

Se o conhecimento técnico for aliado aos saberes dos sujeitos que vivem o patrimônio, se for
complementado, dialogado e contraposto aos saberes tradicionais das comunidades, suas
vivências e experiências, a produção do conhecimento sobre o patrimônio será muito mais
significante. Isso tanto para o órgão de preservação, que ampliou seu olhar a partir da ótica dos
grupos sociais quanto para os moradores daquela localidade, que colaboraram com o processo,
que interagiram com a política pública e que podem, assim, identificar-se naquele “novo”
patrimônio, construído coletivamente e ressignificado.

É UM PROCESSO QUE REJEITA A IDEIA DE


HIERARQUIA DE SABER E OBJETIVA UM SABER
COMPARTILHADO, COLABORADO, COLETIVO.
 Festa da Cavalhada, Pirenópolis-GO, Brasil.

Fonte: Erica Catarina Pontes / Shutterstock.com

REFERÊNCIAS CULTURAIS E OS
INVENTÁRIOS PARTICIPATIVOS
Um conceito de extrema significância para a educação patrimonial é o de referências culturais,
o qual parte do entendimento amplo de patrimônio, considerando não apenas aqueles bens
acautelados pelo Estado, mas também as referências íntimas dos grupos sociais, dos seus
espaços de vida, de compartilhamento de afetividades, daqueles elementos que têm valor e
significado no território.


SAIBA MAIS

A socióloga Maria Cecília Londres Fonseca aborda esse conceito com mais profundidade e,
segundo ela, as referências culturais pressupõem os sujeitos para quem essas referências fazem
sentido.

Referência cultural é aquilo que valorizamos, de que sentimos falta quando viajamos, o que temos
vontade de compartilhar com aquele amigo de fora que vem nos visitar. São os elementos da
nossa existência, da nossa identidade. Muitas vezes, é algo do dia a dia, que pode até mesmo
passar despercebido, mas que é importante por diversos motivos e significados:

Brastock / Shutterstock.com

PODE SER UM LUGAR

Elias Praciano / Shutterstock.com

UMA PRAÇA

Karol Moraes / Shutterstock.com

UMA CASA

Celso Pupo / Shutterstock.com

UMA FESTA

windwalk / Shutterstock.com

UM JEITO DE FALAR

rocharibeiro / Shutterstock.com

UMA COMIDA

Diego Grandi / Shutterstock.com

UMA PAISAGEM

The World Views / Shutterstock.com

UMA DANÇA

lhmfoto / Shutterstock.com

UM ESTILO DE MÚSICA

Karol Moraes / Shutterstock.com

UM ARTESANATO

Um objeto utilitário, da sua rotina, mas que carrega valores abstratos, simbólicos. A lista de
possibilidades é longa, e cada pessoa, cada comunidade, cada bairro, cidade ou região tem as
suas referências culturais, que são compartilhadas entre os grupos locais.
OLHANDO PARA O SEU AMBIENTE, TERRITÓRIO,
MODO DE VIDA, VOCÊ CONSEGUE IDENTIFICAR
SUAS REFERÊNCIAS CULTURAIS? QUAIS AS
REFERÊNCIAS CULTURAIS DO SEU BAIRRO OU
CIDADE?

Procure conversar com pessoas próximas, questione sobre as suas referências culturais e
observe se algumas delas se identifica ou se relaciona com as suas. Lembranças
compartilhadas, lugares em comum, pratos típicos, hábitos. Note como o patrimônio cultural está
inserido no seu cotidiano, mesmo sem ser reconhecido pelo Estado como tal. Veja como suas
referências culturais foram ou podem ser preservadas!

O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) instrumentalizou a política de


preservação de patrimônio imaterial. Essas discussões contribuíram também para o campo da
educação patrimonial, culminando em uma ferramenta educativa, com o potencial de legitimar as
referências culturais dos grupos sociais de forma autoral: os inventários participativos.

Publicados em 2016 pelo IPHAN, os inventários participativos são instrumentos de mobilização e


participação social que pretendem estimular o protagonismo das comunidades a inventariar,
descrever, classificar e definir suas referências culturais, ou seja, aquilo que consideram seu
patrimônio. Não é uma metodologia nem uma ferramenta estática. Pelo contrário. Diferentemente
do INRC, que é um instrumento de política pública, com metodologias e procedimentos
estruturados, os inventários participativos são de livre acesso e podem ser adaptados às
diversas realidades sociais e culturais, permitindo o uso de metodologias, abordagens e criação
de produtos variados.

Muitos grupos sociais, instituições e comunidades escolares têm se apropriado dos inventários
participativos, desenvolvendo processos educativos de múltiplos desdobramentos, inclusivos,
colaborativos e valorizando a cultura do cotidiano.

INVENTÁRIO NACIONAL DE REFERÊNCIAS


CULTURAIS (INRC)
No campo do patrimônio, referência cultural é um conceito que foi utilizado na década de
1980, durante a diretoria de Aloísio Magalhães no IPHAN, e retomado durante as
discussões da implementação de uma política voltada para a preservação do patrimônio
cultural imaterial. Considerou-se os bens culturais relacionados às práticas, aos usos e
saberes e que precisariam de abordagens, de processos de documentação, de registro e
salvaguarda diferenciados.

 EXEMPLO

A aplicação do inventário participativo no contexto do Minhocão, em São Paulo (SP), por


iniciativa da sociedade civil. Foi um processo liderado pela Rede Paulista de Educação
Patrimonial (Repep), pelo Movimento Baixo Centro, e contou com a participação de
pesquisadores voluntários, professores e alunos de graduação e pós-graduação. A ideia foi
identificar as referências culturais dos diversos grupos sociais que moram e trabalham nas
proximidades do Minhocão, colocando em evidência um conjunto de dados e informações sobre
seus modos de vida e valores culturais, e que poderiam estar em risco devido ao processo de
gentrificação do entorno.

 A aplicação dos inventários participativos no Minhocão foi consolidada em um dossiê,


apresentando objetivos, etapas e resultados do processo.

Fonte: Diego Meneghetti / Shutterstock.com

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL COMO


INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO
O campo do patrimônio cultural é um espaço de conflitos, embates e negociações. Se
observarmos o conjunto patrimonial acautelado, reconhecido pelo Estado, poderemos notar que
ele não representa, de forma equilibrada, a diversidade cultural brasileira e nem é representativo
dos diferentes grupos sociais formadores da sociedade brasileira.

De um modo geral, o patrimônio cultural brasileiro foi construído a partir de uma visão
hegemônica de cultura, de memória e das histórias que deveriam ser protegidas e estariam
representadas nos monumentos nacionais. As primeiras décadas de preservação nos legou uma
herança patrimonial composta por bens de valor histórico e artístico excepcionais, de conjuntos
arquitetônicos de características coloniais, monumentos relativos à memória militar, religiosa e de
grupos elitistas da sociedade brasileira. Consequentemente, as relações de identidade e afeto
com esse arcabouço patrimonial é desigual.

Usos e apagamentos de memória fazem parte dos contextos históricos e políticos das
sociedades e, portanto, o patrimônio tem uma dimensão política que deve ser abordada. Nos
últimos anos, políticas públicas, estruturações conceituais, movimentos da sociedade civil, entre
outras iniciativas, têm promovido mudanças significativas neste cenário, na busca por uma
ampliação de representatividade desse conjunto patrimonial.

 ATENÇÃO

Apesar de a educação patrimonial ter um papel fundamental, não significa dizer que será a
apaziguadora de danos, nem a responsável por mediar, resolver conflitos ou questões
hegemônicas históricas. Mas os processos dialógicos podem ser estabelecidos para perceber
esses apagamentos, acolher as demandas e abrir espaços de escuta, de fala e de reconstrução
de memórias.

A educação patrimonial pode contribuir para um processo de pensamento decolonial do


patrimônio, conforme o especialista em gestão pública Átila Tolentino (2018), analisou. Segundo
ele, as práticas de patrimonialização não poderiam mais reproduzir a colonialidade do poder e as
ações educativas deveriam ser entendidas como um projeto político, ético e social, rompendo
com os processos colonialistas do saber e do ser.

Os processos dialógicos de transformação pautados pelos conflitos inerentes ao campo do


patrimônio cultural e suas múltiplas narrativas podem descortinar possibilidades infinitas de
ressignificação de fatos históricos, de monumentos, de edificações, de ciências e
conhecimentos. Ou seja, uma igreja, um forte, um conjunto arquitetônico possuem, inegavelmente,
suas características históricas, artísticas, paisagísticas. Seus estilos arquitetônicos próprios, suas
memórias relacionadas a personagens ilustres da história. E foram acautelados e reconhecidos
como patrimônio cultural por esses valores.

 Grupo capoeirista, Salvador-BA, Brasil.

Fonte: lazyllama / Shutterstock.com

Que outros valores esses bens podem ter para as pessoas que moram ou trabalham no seu
entorno? Para as pessoas que usam esses bens? Que outras referências culturais estão
vinculadas a eles? Valores pessoais, afetivos, íntimos, memórias familiares, símbolos de lutas e
resistências. A ressignificação desses bens e a valorização desses valores que são atribuídos
por esses sujeitos devem ser parte dos processos de apropriação e preservação do patrimônio
cultural.

TURISMO CULTURAL: CONCEITOS E A


HISTÓRIA NO BRASIL
Mas o que é o turismo cultural? Como pode ser compreendido na atual conjectura social de pós-
modernidade? Para compreender o conceito de turismo cultural, é preciso passar pelo
entendimento da justaposição dos conceitos de turismo e cultura, pois tomados isoladamente
observa-se melhor as nuances que permeiam a sua configuração como unidade.

Vamos aos conceitos:


PÓS-MODERNIDADE

Com destaque para as características pautadas no individualismo, pluralidade de estilo e


ausência de valores.

TURISMO
Iniciando com o conceito de turismo, segundo a Organização Mundial de Turismo (OMT), vemos
que turismo é o deslocamento de pessoas de seu domicílio cotidiano, por no mínimo 24
horas, com a finalidade de retorno (FUNARI, 2012). Sendo que os principais deslocamentos
são por motivos de religião, saúde, educação e intercâmbio cultural ou linguístico (OMT, 2000).

Segundo o marco conceitual do Ministério do Turismo, no Brasil são classificadas as seguintes


categorias: turismo social; ecoturismo; turismo cultural; turismo de estudos e intercâmbio; turismo
de esportes; turismo de pesca; turismo náutico; turismo de aventura; turismo de sol e praia;
turismo de negócio e eventos; turismo rural; e turismo de saúde (BRASIL, 2014).

CULTURA
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO, 1982), a cultura é o conjunto dos traços distintivos espirituais, materiais,
intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade e um grupo social. Ela engloba,
além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano,
os sistemas de valores, as tradições e as crenças. A cultura se refere a todas as interações
entre homem e natureza; é entendida em uma dimensão acima das relações naturais da Terra.

Historicamente, a cultura desempenha papéis fundamentais no âmbito da construção identitária


de uma nação, sendo que sua importância é destacada na invenção e manutenção de uma
coesão nacional ou mesmo de uma consciência nacional, que se consagra pela visão de
mundo de uma classe ou fração de classe como nacional na forma de patrimônios culturais, como
parte de um processo mais amplo de construção de uma cultura e de uma memória nacional
(AGUIAR, 2006).

A prática do turismo cultural ganha significância como tema de análise, conceituações e criação
de parâmetros a partir da década de 1980. É o momento em que observamos também o campo
do patrimônio histórico e artístico incorporar uma fundamental alteração no significado dos bens
culturais, que deixam de ser apenas bens simbólicos, enquanto testemunhos de outras épocas e
instrumentos de reforço de identidades nacionais ou locais para se transformarem em produtos
culturais, a partir das necessidades de mercado (KÖHLER e DURAND, 2007; BORTOLOZZI,
2008; CARVALHO, 2016).

 RESUMINDO

Na definição encontrada no marco conceitual do Ministério do Turismo (BRASIL, 2014), o turismo


cultural compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos
significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo
os bens materiais e imateriais da cultura.

 Fonte: Shutterstock.com

No Brasil, o turismo cultural aparece diretamente relacionado com o patrimônio cultural por ser a
forma institucionalizada das expressões materiais e imateriais da cultura nacional. A relação
entre o turismo e o patrimônio, no Brasil, não é um fenômeno recente, visto que para grande parte
dos intelectuais que atuaram na idealização e criação do SPHAN – Serviço do Patrimônio
Histórico Nacional, atualmente conhecido como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – IPHAN, não bastava apenas proteger esses importantes símbolos da nacionalidade e
da cultura brasileira, era necessário promover sua proteção e divulgação, ampliando a visitação
dos sítios que remetem à cultura e à memória.

Como consequência desse projeto, desde fins da década de 1930, o SPHAN apoiou
sistematicamente a construção de hotéis, a publicação de guias, implantação de sinalizações
turísticas e a abertura de museus e instituições do gênero nos sítios patrimonializados (AGUIAR,
2006). Essas ações ocorrem em momento que o mercado turístico brasileiro ainda não possuía
uma organização no país e o turismo cultural era uma prática voltada à Europa.
VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. A EDUCAÇÃO E O PATRIMÔNIO SÃO DOIS CAMPOS DE


CONHECIMENTO QUE SE COMPLEMENTAM. O CAMPO DA EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL CONSOLIDOU BASES TEÓRICAS E DIRETRIZES QUE
FAZEM DA EDUCAÇÃO UM INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO DO
PATRIMÔNIO CULTURAL. LEIA AS ASSERTIVAS ABAIXO E IDENTIFIQUE
AQUELAS QUE CONDIZEM CORRETAMENTE COM O QUE ESTÁ
DISPOSTO NA PORTARIA N. 137/2016 (IPHAN) SOBRE O QUE SÃO
DIRETRIZES DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL:

I – FAVORECER AS RELAÇÕES DE AFETIVIDADE E ESTIMA INERENTES À


VALORIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL.

II – INTEGRAR AS PRÁTICAS EDUCATIVAS EXCLUSIVAMENTE AO


ÂMBITO DA ESCOLA E DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO, ASSOCIANDO OS
BENS CULTURAIS AOS ESPAÇOS DE APRENDIZAGEM FORMAL.

III – CONSIDERAR O PATRIMÔNIO CULTURAL COMO TEMA


CENTRALMENTE RELACIONADO ÀS CIÊNCIAS HUMANAS,
PRINCIPALMENTE ÀS DISCIPLINAS DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA.

IV – VALORIZAR O TERRITÓRIO COMO ESPAÇO EDUCATIVO, PASSÍVEL


DE LEITURAS E INTERPRETAÇÕES POR MEIO DE MÚLTIPLAS
ESTRATÉGIAS EDUCACIONAIS.

V – INCENTIVAR A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA FORMULAÇÃO,


IMPLEMENTAÇÃO E EXECUÇÃO DAS AÇÕES EDUCATIVAS, DE MODO A
ESTIMULAR O PROTAGONISMO DOS DIFERENTES GRUPOS SOCIAIS.

ALTERNATIVAS:

A) I, II IV

B) I, IV e V

C) II, III e IV

D) II, IV e V

E) I, II, III e IV
2. IDENTIFIQUE, NAS ALTERNATIVAS ABAIXO, A QUE APRESENTA
CORRETAMENTE O ENTENDIMENTO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL:

A) Educação patrimonial é uma metodologia de ensino dos valores atribuídos ao patrimônio


cultural acautelado, que precisa da conscientização da sociedade para ser preservado.

B) Como prática transversal aos processos de preservação e valorização do patrimônio cultural,


a educação patrimonial deve estar presente desde a etapa de identificação dos bens culturais
que serão acautelados.

C) A preservação do patrimônio cultural só será efetiva quando a informação sobre o patrimônio


for transmitida à população.

D) Ninguém preserva aquilo que não conhece e, portanto, a educação patrimonial deve ser um
processo de aprendizagem das informações e dos valores estabelecidos sobre o patrimônio
cultural.

E) A educação patrimonial serve para gerar pertencimento e sentimento de nação nos sujeitos
para que possam defender a pátria e lutar por um país melhor, mais consciente e mais cidadão.

GABARITO
1. A educação e o patrimônio são dois campos de conhecimento que se complementam.
O campo da educação patrimonial consolidou bases teóricas e diretrizes que fazem da
educação um instrumento de preservação do patrimônio cultural. Leia as assertivas
abaixo e identifique aquelas que condizem corretamente com o que está disposto na
Portaria n. 137/2016 (IPHAN) sobre o que são diretrizes da educação patrimonial:

I – Favorecer as relações de afetividade e estima inerentes à valorização e preservação


do patrimônio cultural.

II – Integrar as práticas educativas exclusivamente ao âmbito da escola e das instituições


de ensino, associando os bens culturais aos espaços de aprendizagem formal.

III – Considerar o patrimônio cultural como tema centralmente relacionado às Ciências


Humanas, principalmente às disciplinas de História e Geografia.

IV – Valorizar o território como espaço educativo, passível de leituras e interpretações por


meio de múltiplas estratégias educacionais.

V – Incentivar a participação social na formulação, implementação e execução das ações


educativas, de modo a estimular o protagonismo dos diferentes grupos sociais.

Alternativas:

A alternativa "B " está correta.

Assertivas I, IV e V estão corretas. As práticas educativas devem ser integradas no cotidiano, nos
espaços de vida das pessoas, onde os bens culturais estão inseridos. A educação patrimonial
pode ocorrer, evidentemente, no âmbito da educação formal, mas também deve ser parte dos
espaços de educação não formal. A interdisciplinaridade é uma das principais diretrizes da
educação patrimonial, considerando o patrimônio cultural como tema transversal.

2. Identifique, nas alternativas abaixo, a que apresenta corretamente o entendimento de


educação patrimonial:

A alternativa "B " está correta.

Segundo o art. 1º, da Portaria n. 137/2016 (IPHAN), a educação patrimonial é prática


transversal aos processos de preservação e valorização do patrimônio cultural no
âmbito do IPHAN. Isso significa que as atividades educativas devem estar presentes desde a
etapa de identificação dos bens culturais e nas demais etapas e nos procedimentos que levem
ao reconhecimento de um bem como patrimônio cultural. As demais alternativas trazem uma
perspectiva de educação patrimonial instrutivista, transmissora de informações e conhecimentos
e que aparece, na maioria das vezes, ao final do processo de preservação do bem cultural,
afastando-se, assim, da concepção de educação patrimonial colocada no texto.

MÓDULO 2

 Listar ações de identificação e valorização de sítios urbanos pelo poder público e


ações de requalificação das cidades brasileiras

PREMISSA
Neste módulo, abordaremos alguns pontos sobre a requalificação das cidades brasileiras,
entendendo esse tipo de ação como o tratamento dado a centros urbanos valorizados pelo poder
público a partir de demandas sociais ou de projetos políticos. Embora áreas urbanas tenham um
caráter histórico socialmente construído e sejam merecedoras de atenção e tratamento – seus
centros urbanos, núcleos de origem, conjuntos que formam novas centralidades, suas praças,
seus largos, bairros ou imóveis de destaque com seus entornos –, algumas áreas se tornam
especiais para proteção e investimentos públicos.

 Escadaria Selarón, no Rio de Janeiro.

É nas cidades que atualmente vive a maior parte da população brasileira, sendo lugar em que a
vida cultural se desenvolve de modo mais intenso e representativo dos grupos sociais que as
construíram. É também onde disputas e tensões relativas aos valores culturais e financeiros, do
capital especulativo e de interesses globais, ocorrem, também, de modo intenso. Sua valorização
para requalificação, portanto, requer trabalhos de atribuição de valores de modo a justificar as
intervenções do poder público.

Deve-se chamar a atenção ao valor de patrimônio adotado pela Constituição Federal de 1988,
determinando que:

[...] CONSTITUEM PATRIMÔNIO CULTURAL


BRASILEIRO OS BENS DE NATUREZA MATERIAL E
IMATERIAL, TOMADOS INDIVIDUALMENTE OU EM
CONJUNTO, PORTADORES DE REFERÊNCIA À
IDENTIDADE, À AÇÃO, À MEMÓRIA DOS
DIFERENTES GRUPOS FORMADORES DA
SOCIEDADE BRASILEIRA.

(CF 1988, art. 216)

Esse conceito indica a possibilidade de valorização dos múltiplos aspectos dos sítios urbanos
como expressões materiais dos diferentes grupos sociais, independentemente de padrões
estilísticos de sua arquitetura, conforme tradicionalmente feito na valorização de sítios urbanos no
Brasil. Esse é um caminho para identificação de significados que as cidades têm e para sua
valorização como representantes das identidades brasileiras, sejam de abrangência nacional,
regional ou local.

 RESUMINDO

A atribuição de valores aos sítios será sempre uma construção social, devendo envolver o saber
leigo, de quem convive com os centros urbanos e os entende como referências de memória,
identidade e ação; e o saber técnico, daqueles que estudam o assunto. Isto é, de profissionais
que devem produzir conhecimentos para o compartilhamento com o saber leigo, na construção
dos valores e caminhos para a requalificação das cidades.

VALORIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
BRASILEIRO
A história da ocupação do que atualmente é o território brasileiro pode ser contada segundo
abordagens sociais, políticas e econômicas; seja qual for a opção, ela dependerá de fontes
documentais. Além das bibliográficas e arquivísticas, pode-se ter as cidades como documentos,
entendendo-as como vestígios materiais dos processos de ocupação do território. A escolha de
um sítio em detrimento de outros vai contar determinada história, como é o caso dos
tombamentos feitos pelo IPHAN, materializando uma narrativa territorial em que algumas cidades
ganham importância enquanto outras ficam de fora.
Veremos as escolhas do IPHAN para ajudar a pensar nos valores atribuídos às cidades nos
diferentes períodos da história da preservação e estimular uma visão crítica sobre o que foi feito,
na perspectiva de ampliação dos trabalhos de valorização da cultura brasileira. Também
abordaremos o registro de bens culturais, na categoria de lugares.

Em linhas gerais, os conjuntos urbanos tombados, nos dois primeiros períodos da ação do
IPHAN, de 1937 a 1946, eram na maioria representativos do período colonial, situados no
Sudeste e no Nordeste, destacando-se as cidades de Minas Gerais.

Os intelectuais modernistas se empenharam pela valorização e preservação desses conjuntos,


por eles considerados como o “abrasileiramento” da cultura trazida de Portugal. Isso porque as
edificações dessas cidades coloniais haviam se adaptado ao território brasileiro – aos materiais
disponíveis e à mão de obra local –, ganhando uma feição própria, podendo ser considerada a
primeira expressão arquitetônica e urbanística brasileira, a qual, simultaneamente, identificaria o
Brasil como país e seria fonte de inspiração para uma arquitetura moderna, de padrão
internacional, trazendo uma marca nacional, podendo projetar o país no mundo (AMARAL, 1970 e
CHUVA, 2009).

Esses mesmos intelectuais criticavam o Brasil “europeizado” do século XIX, considerando que,
naquele período, houve a mera importação de estilos e técnicas usadas na construção civil.

Fonte: Antonio Salaverry / Shutterstock.com

Arquitetura colonial de Tiradentes (MG), tombada pelo IPHAN em 1938.


Fonte: Jonathas Lima de Castro / Shutterstock.com

Arquitetura de estilo eclético do Teatro Amazonas, tombado pelo IPHAN em 2012.

Apenas nas décadas de 1960 e 1970, diante da política de desenvolvimento regional e de novas
demandas sociais — de grupos organizados pela preservação das cidades contra a
especulação imobiliária que vinha destruindo áreas urbanas —, a arquitetura do século XIX,
especialmente a de estilo eclético, passou a ser valorizada. O IPHAN, naquele momento, ampliou
a quantidade de cidades atendidas pelo tombamento, sendo ajudado pelo aumento de recursos,
com o Programa das Cidades Históricas (PCH).

Foram tombados centros históricos como Lençóis (BA), São Luís (MA) e Olinda (PE) que, mesmo
tendo origem no período colonial, tiveram seu casario modificado ao longo do tempo, não
correspondendo aos padrões da arquitetura colonial exigidos no início dos trabalhos do IPHAN.

Daí em diante, foi possível ampliar a abrangência territorial da proteção federal aos conjuntos
urbanos. Destaca-se a ideia de inclusão da diversidade de representações sociais na formação
da identidade brasileira, com o tombamento de cidades com origem na imigração europeia do
século XIX e início do XX no Sul do país como Santa Tereza (RS) em 2012. Também foram
valorizadas cidades que marcaram a ocupação das fronteiras a oeste, como Corumbá (MS), em
1993, e Cáceres (MT), em 2013.

Fonte: wikimedia.org

Lençóis (BA): praça com edificações ecléticas e antigas com modificções de gosto eclético.

Acervo do IPHAN. Fonte: wikimedia.org

São Luís (MA): aspecto da cidade com residência eclética.


Acervo do IPHAN. Fonte: wikimedia.org

Olinda (PE): aspecto da cidade com edificações ecléticas e antigas com modificções de gosto
eclético.

Apesar do aumento na proteção de conjuntos urbanos, os critérios de valorização


acompanhavam os padrões ditados pela historiografia da arquitetura de influência europeia e as
exigências estéticas dos arquitetos do IPHAN. Na documentação relativa aos tombamentos,
observa-se, nas solicitações de proteção de sítios feitas à instituição por grupos sociais, uma
argumentação relacionada às qualidades arquitetônicas. Supõe-se que seja um modo de
aumentar as chances de atendimento das demandas pelo poder público.

 COMENTÁRIO

Podemos ter como hipótese que as práticas de preservação do governo federal, no Brasil,
criaram um modo de valorização dos sítios como patrimônio, podendo ser entendido como um
quadro social ou coletivo da memória, segundo o sociólogo Maurice Halbwachs (1990). Para
ele, esses quadros servem como provocação, trazendo à lembrança temas ou assuntos relativos
a uma coletividade, alimentando o que ele chamou de memória social ou coletiva. Os valores
de patrimônio das cidades ficaram condicionados às características estilísticas, comprometendo
outros valores culturais, históricos e afetivos, como os de referências de memória, identidade e
ação, conforme determina a Constituição de 1988.
CIDADE-DOCUMENTO
A ideia de cidade-documento valoriza a forma arquitetônica, urbanística e paisagística resultante
dos processos de ocupação e transformação dos sítios urbanos, independentemente das
qualidades estéticas e estilísticas dos imóveis. Privilegia pesquisas para o entendimento das
cidades como resultado de um processo social em que os logradouros e seus traçados e
diferentes características – as parcelas de subdivisão dos lotes, a organização dos espaços de
moradia e os volumes edificados – possam ser lidos e interpretados para o entendimento da
sociedade que ali viveu e ainda vive. São consideradas marcas no território que testemunham a
capacidade e os limites dos homens ao se apropriarem de um espaço e de estruturas
preexistentes ao longo do tempo.

Considera-se a importância das informações contidas nos bens como referência de quem os
produziu e utilizou. Apropria-se de concepções da história formulada ao longo do século XX,
desde a Escola dos Annales até a História Nova, tendo como referência historiadores como
Marc Bloch (1886-1944) e Jacques Le Goff (1924-2014). Beneficia-se da revisão da ideia de
documento dessa época, entendendo que qualquer produção do homem pode ser considerada
como tal e não apenas as fontes escritas; que todas as coisas podem ser lidas e interpretadas
para a construção da história. As cidades passam, portanto, a serem entendidas como
documentos, podendo ser lidas para a valorização da cultura ali desenvolvida.

ESCOLA DOS ANNALES

A Escola dos Annales foi um movimento historiográfico do século XX iniciado por


intermédio da publicação da revista acadêmica Annales d'histoire économique et sociale.
Sua principal característica foi a aplicação dos métodos das Ciências Sociais à História.
Dividido em quatro gerações de historiadores, seus principais representantes são: Marc
Bloch e Lucien Febvre; Fernand Braudel; Jacques Le Goff e Pierre Nora; e Jean-Claude
Schmitt e Bernard Lepetit.
HISTÓRIA NOVA

Perspectiva historiográfica ligada ao movimento da Escola dos Annales que se popularizou


a partir da publicação do livro La nouvelle histoire (1978), de Jacques Le Goff. A proposta
era fazer “outra história” buscando como base a antropologia histórica e abordando temas
não privilegiados.

CONCEITO DE LUGAR

O conceito de lugar refere-se, essencialmente, aos sentidos atribuídos aos espaços ocupados
pela ação humana. Qualquer espaço pode ser entendido como lugar desde que a ele seja
atribuído um significado para o grupo local.

Segundo o historiador Pierre Nora (1984), também identificado com a corrente da Nova História,
os lugares de memória são aqueles que, apropriados simbolicamente, perdem seu sentido
original, passando a representar um valor a eles atribuído. Logo, há uma forte associação com a
ideia de documento, pois os sentidos atribuídos aos sítios são um caminho para sua leitura. O
diferencial importante é metodológico, pois a identificação dos significados deve,
necessariamente, considerar a sua atribuição pelos grupos sociais locais.

Essa identificação é indicada nos procedimentos de registro do IPHAN, para valorização dos
lugares em relação aos modos de vida ali desenvolvidos. O registro, definido no Decreto n.
3.551/2000, usa a categoria lugar e conta com o Livro de Registro dos Lugares. Tal registro é
feito de modo associado a determinados usos e em interação com as comunidades.

LIVRO DE REGISTRO DOS LUGARES


O registro é feito por meio da inscrição dos bens em um dos quatro livros definidos no
Decreto n. 3.551/2000: o Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos
conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; o Livro de
Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência
coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;
o Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações
literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; o Livro de Registro dos Lugares, onde
serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram
e reproduzem práticas culturais coletivas.

 Fonte: portal.iphan.gov.br

O Manual do Inventário Nacional de Referências Culturais, que apoia o desenvolvimento das


práticas de registro, define os lugares como espaços apropriados por práticas e atividades
de naturezas variadas (exemplo: trabalho, comércio, lazer, religião, política etc.), tanto
cotidianas quanto excepcionais, tanto vernáculas quanto oficiais. (IPHAN, 2000). São
lugares que têm importância para vida de determinada população e seus modos de viver,
independentemente das qualidades estilísticas do sítio, podendo ser destacadas como valores
para se projetar ações de requalificação.


SAIBA MAIS

O IPHAN registrou quatro bens na categoria Lugares: a Cachoeira de Iauaretê, como lugar
sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuriem, em 2006; a Feira de Caruaru (PE),
também em 2006; a Tava, em São Miguel das Missões (RS), como lugar de referência para o
povo guarani, em 2014; e a Feira de Campina Grande (PB), em 2017.

Não se pode afastar o potencial do planejamento das cidades, previsto como dever do poder
público e devendo incluir a preservação. Os usos sociais que caracterizam os lugares podem ser
favorecidos pela regulamentação dos planos diretores, com potencial para atender às demandas
sociais, proteger os sítios e investir na sua requalificação.

São muitos os recursos conceituais e legais que podem ser acionados, cabendo, para isso,
investimentos na produção de conhecimentos para a atribuição de valor às cidades e para fazer
frente à complexidade do tema e das inúmeras possibilidades de trabalho envolvidas na
valorização e requalificação de centros urbanos.

INTERVENÇÕES URBANAS PROPOSTAS E


RESULTADOS
Quanto ao tema da requalificação de sítios urbanos, vale entender sua história. Pode-se dizer que
o termo é recente se considerada a história da valorização dos sítios urbanos, surgindo no Brasil
na década de 1990, mas sendo usados também termos como reestruturação e revitalização. Isso
se deu sob a influência de projetos estrangeiros e de um modelo globalizado, tornando-se um
tema frequente na preservação do patrimônio cultural.


SAIBA MAIS

Nos dois primeiros períodos das práticas do IPHAN, de 1937 a 1967, embora não se usasse o
termo requalificação, havia investimentos na melhoria das condições dos imóveis das cidades e
da vida dos moradores. Os investimentos governamentais eram, principalmente, dedicados às
obras de conservação e restauração de igrejas católicas e de equipamentos urbanos, como
chafarizes e pontes.
 Fonte na frente da Catedral da Sé, São Luís-MA, Brasil.

Fonte: Luis War / Shutterstock.com

Foram desenvolvidos, no entanto, trabalhos importantes de restauração e conservação em


residências comuns, com a manutenção, pelo IPHAN, de equipes de obras para atendimento à
população em diversas cidades históricas. Houve ainda investimentos na construção de hotéis,
como no Grande Hotel de Ouro Preto e no Hotel Tijuco em Diamantina (MG), nas décadas de
1940 e 1950. Os projetos contaram com o apoio do IPHAN e recursos do governo do estado de
Minas Gerais para as obras. O objetivo era promover o turismo no estímulo à economia nas
cidades históricas.

Na década de 1970, os investimentos nos sítios urbanos foram ampliados com a criação do
Programa das Cidades Históricas (PCH). Embora tenham predominado na execução de obras
de restauração de imóveis, foram executadas algumas intervenções em áreas urbanas – praças,
largos e ruas –, denominadas agenciamento dos espaços públicos (CORRÊA, 2012).

Constam, também, investimentos desse tipo de agenciamento e fora do PCH, caso do trabalho
desenvolvido pela Embratur nas praças do centro histórico de Tiradentes (MG) com projetos do
paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994).

Dando continuidade à atenção dedicada aos sítios urbanos, tombados na década de 1980, o
IPHAN promoveu oito seminários com as comunidades residentes, comerciantes e
instituições locais, para compreender quais seriam as intervenções mais adequadas a
desenvolver. Os debates trataram de problemas específicos, como o caso dos deslizamentos de
terra provocados pelas chuvas em Ouro Preto (MG), e da proposta do Plano Diretor de São
Cristóvão (SE). Mas não deixaram de lado os problemas mais gerais que afetavam a cidade,
como a necessidade de medidas de revitalização econômica, com inclusão da produção local,
espaços de exposição e a implantação de equipamentos de apoio para o turismo.

Nesse período, pode-se também destacar iniciativas das prefeituras para o tratamento dos
centros históricos das cidades. Um exemplo é o “corredor cultural”, no Rio de Janeiro, implantado
pela prefeitura em 1979. Usando a legislação municipal, foram limitados os gabaritos dos prédios
novos (sua altura), desestimulando as demolições e, consequentemente, a instalação de novos
usos, beneficiando o comercio popular e as atividades cotidianas desenvolvidas nos imóveis
antigos.

Os oito seminários ocorreram nas cidades históricas de Ouro Preto e Congonhas (MG),
Paraty (RJ), Goiás (GO), Olinda (PE), São Luís (MA), São Cristóvão (SE) e Cachoeira (BA)
entre 1979 e 1982, que, além das comunidades, contaram com representantes das
prefeituras, dos órgãos estaduais de cultura ou de patrimônio, de universidades, do
Ministério da Educação e Cultura e com o IPHAN.

 Avenida Mem de Sá, na Lapa-RJ, parte do corredor cultural.

Fonte: Cristiana Isidoro / Shutterstock.com

Foram estabelecidos programas de incentivo para recuperação dos imóveis e foi dada
assistência técnica para o desenvolvimento das intervenções arquitetônicas. É um projeto bem-
sucedido, que vem mantendo grande parte do cento da cidade, demonstrando o potencial do uso
da legislação e incentivos municipais para melhoramentos urbanos e manutenção da cultura local
(RIOARTE; IPLAN-RIO, 1995; NASCIMENTO, 2015).

A postura de atenção às comunidades e aos usos das cidades não teve continuidade nos anos
1990, quando se investiu nas requalificações que seguiam um modelo globalizado. Vivia-se um
período de política neoliberal para a qual o critério cenográfico de requalificação poderia, no
entendimento dos governantes, fazer com que as áreas ficassem economicamente
autossustentáveis, prescindindo de investimentos governamentais. Pode-se entender que o
objetivo era transformar as áreas históricas em mercadoria para o consumo cultural e, ao mesmo
tempo, em atrativo para o turismo, muitas vezes sem qualquer atenção para a vida dos habitantes
locais (MOTTA, 2000).

Para o desenvolvimento de uma visão crítica, alguns exemplos podem ajudar, começando com as
duas intervenções no Pelourinho, no centro histórico de Salvador (BA), nas décadas de 1970 e de
1990, bem diferentes em seus procedimentos, embora de iniciativa do poder público estadual. A
segunda proposta tornou-se o caso mais emblemático de intervenção urbana para entrega de um
centro histórico ao consumo.

A primeira fase foi resultado de uma proposta técnica e promovia obras de reabilitação das
edificações e do equipamento comunitário, mantendo a maioria da população no local, em um
cuidadoso trabalho de relacionamento com a comunidade. Os moradores eram abrigados em
edificações, já restauradas no Pelourinho, enquanto obras eram feitas em suas residências.
Havia, ao mesmo tempo, incentivo para a implantação de empresas privadas em algumas
edificações antigas, criando condições econômicas e turísticas favoráveis para moradores e
visitantes; o Hotel Luxor foi instalado no antigo Convento do Carmo e o restaurante do SENAC
em um sobrado importante no centro do Pelourinho, entre outros empreendimentos. Embora o
ritmo dos trabalhos fosse intenso, com a conclusão de muitas obras, o projeto não oferecia a
visibilidade política desejada, razão pela qual, na década 1990, um segundo projeto foi
estruturado para atender ao prazo de apenas uma gestão governamental.

Conhecido como Projeto Pelourinho, tinha como objetivo principal a criação de uma área de
comércio, exigindo a desapropriação de diversos imóveis, em quarteirões de uso
predominantemente residencial. Para adequar-se ao uso comercial, as fachadas principais foram
restauradas e, nos fundos, foi inventado um cenário colonial por causa das dificuldades de uma
restauração. Foram livremente remanejados os espaços internos das edificações e, em alguns
quarteirões, rompidas as estruturas dos lotes, interligando-se edificações para acomodação do
comércio, com pátios internos nos antigos quintais. Foi uma intervenção na realidade local,
derivada de um processo histórico e gradual, transformada, subitamente, em um shopping! Não
foi um trabalho de preservação ou requalificação, mas o aproveitamento de um sítio histórico para
finalidades comerciais e promoção política.

Fonte: Fotos do Acervo Biblioteca Nacional.

Pelourinho em Salvador (BA). Situação antes do projeto de reforma de 1990, foco do primeiro
projeto do governo estadual.

Fonte: Thiago Leite / Shutterstock.com

Pelourinho em Salvador (BA). Fachadas principais depois das obras da década de 1990.

Fonte: Shutterstock.com

Pelourinho em Salvador (BA). Fachadas dos fundos e lotes interligados depois das obras da
década de 1990.

As obras do “Porto Maravilha”, no Rio de Janeiro, seguiram o modelo das grandes intervenções
em áreas portuárias no final do século passado e início deste século, começando pelo Porto de
Baltimore, nos Estados Unidos. Um modelo internacionalizado, resultando em outros exemplos,
como o do Porto de Barcelona (Espanha), e o Porto Madero, em Buenos Aires (Argentina).

São projetos com caráter cenográfico, de “cidade-atração” como classifica Marcia Sant’Anna
(2019). Incluem a restauração de fachadas, instalação de focos de iluminação nos monumentos,
demolição de prédios considerados “feios” e a construção de edifícios modernos de grande
altura. Preparam os sítios urbanos para o consumo, por meio de uma imagem atrativa para o
turista, sem considerar as referências das populações que historicamente pertencem ao lugar.

Fonte: Cesar Lima / Shutterstock.com

Fonte: Cesar LimaShutterstock.com

 Porto Maravilha, Rio de Janeiro (RJ). Imagens depois da intervenção da prefeitura, concluídas
em 2016.

SAIBA MAIS

No “Porto Maravilha”, a imagem projetada para o espetáculo ignorou o valor histórico do antigo
porto, construído no início do século XX.

 Fonte: wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)

Com a demolição do viaduto que cortava a região portuária, foi construído um “mergulhão”,
passando por baixo da praça Mauá, principal local da requalificação; apenas alguns galpões
próximos a essa praça foram preservados e restaurados. Os demais tiveram seus avarandados e
suas áreas de trabalho dos estivadores arrancados para dar vazão ao trânsito na saída do
“mergulhão”.

O túnel subterrâneo poderia ter sido estendido, com sua saída no final da área dos galpões.
Outras soluções poderiam ter sido dadas, mas o objetivo político do projeto já estava resolvido,
com o espetáculo da intervenção na área mais próxima à praça Mauá; dispensava-se a
preocupação com o valor histórico representado pela integridade do conjunto portuário.
Agora, vamos fazer uma reflexão sobre as experiências de requalificação:

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. ENTENDE-SE A REQUALIFICAÇÃO URBANA COMO O TRATAMENTO


DADO A CENTROS URBANOS VALORIZADOS PELO PODER PÚBLICO A
PARTIR DE DEMANDAS SOCIAIS OU DE PROJETOS POLÍTICOS. SOBRE
A VALORIZAÇÃO DESSES CENTROS, É CORRETO AFIRMAR QUE:
A) Trata-se de uma construção social que envolve, preferencialmente, o saber leigo e o saber
técnico, que juntos valorizam os múltiplos aspectos dos sítios urbanos independentemente de
padrões estilísticos de sua arquitetura.

B) Tem por premissa a apreciação do estilo colonial e eclético, de acordo com os padrões
europeus, o que é notável na aplicação de proteção pelo IPHAN, sobretudo a partir de 2001, com
o tombamento de centros históricos de Goiânia.

C) Trata-se de um conceito jurídico, previsto na Constituição Federal, de 1988, e regulamentado


pelo Estatuto da Cidade, em 2001, o qual dispõe sobre aplicação de proteção de centros
urbanos a partir de critérios estilísticos predefinidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.

D) O critério estético e estilístico para valorização de sítios urbanos foi superado durante as
décadas de 1960 e 1970, com a implementação do Programa de Cidades Históricas (PCH), que
promovia a descentralização das práticas patrimoniais com o envolvimento dos governos
estaduais.

E) Os centros são áreas de classificação histórica, que indicam as cidades que têm relevância
nacional, e aquelas que são ocupações recentes.

2. O TERMO “REQUALIFICAÇÃO” É RECENTE SE CONSIDERADA A


HISTÓRIA DA VALORIZAÇÃO DOS SÍTIOS URBANOS, SURGINDO NO
BRASIL NA DÉCADA DE 1990, MAS SENDO USADOS TAMBÉM TERMOS
COMO REESTRUTURAÇÃO E REVITALIZAÇÃO. SOBRE A
REQUALIFICAÇÃO URBANA DE SÍTIOS PROTEGIDOS PODEMOS
AFIRMAR QUE:

A) Passou a ser aplicada nos sítios protegidos a partir da criação do Programa de Cidades
Históricas, em 1970, marcando o pioneirismo do governo na época em investir na melhoria das
condições dos imóveis e de vida dos moradores desses locais.

B) Apesar de o processo de valorização de sítios históricos prezar pela participação da


comunidade local, a requalificação das áreas já protegidas nunca envolveu as comunidades
residentes, os comerciantes ou as instituições locais para compreender quais seriam as
intervenções mais adequadas a desenvolver.

C) A espetacularização das intervenções, em sítios históricos, amplia a visibilidade política ao


mesmo tempo em que invisibiliza as comunidades locais, seus costumes, suas condições de
acessibilidade, de socialização e de segurança.

D) A criação de “cidades-atração” é resultado de requalificações provenientes de uma visão


crítica ao modelo globalizado, ao uso do patrimônio como ativo econômico e, sobretudo, da
absorção de valores socialmente construídos pela historiografia regional.

E) É o momento em que uma cidade passa a ser considerada relevante e registrada nos anais
do IPHAN como parte da história nacional.

GABARITO
1. Entende-se a requalificação urbana como o tratamento dado a centros urbanos
valorizados pelo poder público a partir de demandas sociais ou de projetos políticos.
Sobre a valorização desses centros, é correto afirmar que:

A alternativa "A " está correta.

A valorização de centros urbanos teve diferentes premissas ao longo da trajetória da proteção


dessas áreas por parte do Poder Público, sendo que, inicialmente, consideravam-se os critérios
estéticos e estilísticos relacionados ao passado colonial. Diante do fortalecimento do turismo, a
partir da segunda metade da década de 1960, o patrimônio passa a ser apropriado como valor
econômico, e o critério estético-estilístico ampliado. Com a redemocratização, o conceito de
patrimônio alinha-se ao de cidadania, iniciando a desconstrução dos critérios de valoração até
então adotados, que passaram a incluir a identificação da referência cultural dos sítios para a
comunidade local, independente da estética e do estilo.

2. O termo “requalificação” é recente se considerada a história da valorização dos sítios


urbanos, surgindo no Brasil na década de 1990, mas sendo usados também termos
como reestruturação e revitalização. Sobre a requalificação urbana de sítios protegidos
podemos afirmar que:

A alternativa "C " está correta.

Sint id proident in excepteur veniam deserunt exercitation.


Consectetur deserunt pariatur quis
officia ut et eu labore consequat excepteur ea aliquip
anim.
MÓDULO 3

 Descrever a interdisciplinaridade no campo do patrimônio cultural

PRIMEIRAS PALAVRAS
O número de cursos interdisciplinares de graduação tem aumentado significativamente no Brasil.
Organizados em quatro grandes áreas do conhecimento – Humanidades, Artes, Saúde e Ciência
e Tecnologia –, encontram-se presentes em bacharelados, licenciaturas e pós-graduações.

A busca por uma formação mais abrangente, que seja capaz de estabelecer diálogos e trocas de
conhecimento entre disciplinas especializadas, é uma das principais características das
propostas interdisciplinares de ensino e pesquisa presentes nesses cursos. A concepção de
interdisciplinaridade como uma categoria polissêmica, ou seja, sujeita a vários entendimentos
divergentes. E, como toda categoria polissêmica, um caminho para sua apreensão é tentar
diferenciá-la de outras semelhantes, determinando suas especificidades.

 RESUMINDO

Faremos uma breve referência ao contexto histórico no qual está inserida a problemática da
interdisciplinaridade. Em seguida, discutiremos as possibilidades oferecidas pelos estudos,
pelas pesquisas e práticas desenvolvidas no campo interdisciplinar da preservação do
patrimônio cultural, com a apresentação de um caso em que a integração de disciplinas permitiu
ultrapassar limites estipulados por experiências consagradas.

Por fim, destacaremos algumas perspectivas que o enfoque interdisciplinar pode oferecer para a
prática docente, como também, daremos algumas dicas de leitura e pesquisa sobre o tema.
 Fonte: Shutterstock.com

MOVIMENTO DA INTERDISCIPLINARIDADE

O termo interdisciplinaridade passou a ser tratado com interesse pela comunidade acadêmica no
final da década de 1960 como uma alternativa à especialização do conhecimento, que, segundo
seus críticos, encontra-se fragmentado em disciplinas cada vez mais distanciadas umas das
outras. Nos anos 1970, esse tema foi discutido como uma questão fundamental para a Ciência e
a Educação por intelectuais de renome no meio acadêmico oriundos de diversas áreas do
conhecimento, entre eles o biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), o astrofísico austríaco Erich
Jantsch (1929-1980), o matemático francês André Lichnerowicz (1915-1998), o psicólogo alemão
Heinz Heckhausen (1926-1988) e o filósofo belga Leo Apostel (1925-1995).

Foi organizado, em 1970, o I Seminário Internacional sobre Interdisciplinaridade, em Nice, na


França, momento em que esses intelectuais buscaram delimitar o sentido do termo, sua
abrangência e sua importância para o desenvolvimento da Ciência e da Educação. Muitas das
ideias contidas no documento produzido pelo encontro ainda são foco de orientação para os
debates atuais acerca dessa categoria (APOSTEL, 1972).

Fonte:

A primeira delas se refere à constatação de que a integração entre as disciplinas é um ponto


fundamental para a inovação no ensino universitário, embora os estudiosos reconheçam as
dificuldades para sua realização.

Fonte:

Outra ideia diz respeito à necessidade de definir interdisciplinaridade a partir de sua distinção
sobre outras categorias similares, como as de multi, pluri e transdisciplinaridade.

CONTEXTO DO MOVIMENTO DA
INTERDISCIPLINARIDADE
Para entendermos a primeira ideia, temos que nos remeter ao contexto em que essas reflexões
sobre a interdisciplinaridade se deram, para, então, tratar da segunda questão referente às
distinções entre os termos acima.

Segundo Repko (2008 apud Sommerman, 2015), desde o final do século XIX as universidades
passaram por um intenso processo de disciplinarização, ou seja, a contínua segmentação da
especialização do saber em variadas disciplinas. Esse processo foi alvo de muitas críticas que
apontavam para o isolamento dessas disciplinas e a consequente incapacidade de comunicação
entre elas. O contexto dessas ideias críticas à segmentação do conhecimento está relacionado a
vários movimentos que tiveram lugar no século XX, como:

O movimento estudantil da segunda metade dos anos 1960 com o questionamento à estrutura
autoritária das universidades.

Fonte: Shutterstock.com

O processo de descolonização de nações da África e Ásia.

Fonte: PARALAXIS / Shutterstock.com

Os movimentos feminista, indígena e ligados à cultura negra questionavam como esses


sujeitos tinham sido representados nas narrativas realizadas até então pelos cientistas sociais.

Essa mudança foi dirigida à racionalidade, objetividade, homogeneidade, às pretensões de


verdade que marcaram a Ciência e a Educação. Em oposição a isso, passaram a ser
defendidas ideias voltadas para o relativismo, a intersubjetividade, a heterogeneidade, a
diversidade.

 RESUMINDO

Essas críticas voltavam-se para a incapacidade da Ciência e da estrutura educacional em


responder a uma diversidade de demandas sociais e culturais. A busca por novas formas de
produção do conhecimento foi colocada com uma questão urgente. O movimento da
interdisciplinaridade foi resultado da necessidade de uma nova postura em relação às teorias,
aos conceitos e métodos de produção de conhecimento, que se apoiasse na integração das
disciplinas para enfrentar problemas complexos.

Fonte: uft.edu.br
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No Brasil, um dos primeiros a divulgar o movimento da interdisciplinaridade foi o filósofo Hilton


Japiassú (1934-2015), em 1976. O autor defendia a necessidade da integração dos saberes
como fundamental para uma nova perspectiva não só para as ciências, como também para a
sociedade como um todo. Para Japiassú (foto), o conhecimento, atualmente fragmentado em
disciplinas distintas, representava uma “patologia do saber”, título de seu livro mais conhecido
sobre o tema.

Fonte: docplayer.com.br
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Além de Japiassú, a pedagoga Ivani Fazenda foi também uma precursora no estudo da
interdisciplinaridade, tendo sido responsável pela criação, em 1981, do Grupo de Estudos e
Pesquisa em Interdisciplinaridade (GEPI) na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São
Paulo, que além de desenvolver parcerias com várias universidades, publica, desde 2013, a
revista eletrônica Interdisciplinaridade. Dentre seus vários livros sobre o tema, destacamos
Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa (1994), que se tornou um clássico ao abordar o
histórico do movimento interdisciplinar e a aplicação prática da teoria.

A busca é para definir essa categoria polissêmica, interdisciplinaridade, diferenciando-a de


outras semelhantes, como: multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade.

Esses termos, à exceção da interdisciplinaridade, têm em comum relativizar a especialização


característica do desenvolvimento da ciência ocidental. Essa especialização se baseou na
organização do conhecimento e do ensino divididos em disciplinas autônomas, distintas umas
das outras. Seus críticos, porém, afirmam que a realidade não é fragmentada em áreas de
conhecimento e citam, como exemplos, o humanista italiano, que viveu no século XVI, Leonardo
da Vinci, que desenvolveu conhecimento em diversas áreas, atualmente consideradas disciplinas
autônomas.


SAIBA MAIS

Da Vinci, além de pintor de quadros famosos, atuou nas áreas de escultura, Matemática,
Arquitetura, Engenharia e Anatomia humana.

MULTI, PLURI, TRANS E


INTERDISCIPLINARIDADE

No intuito de apreender o sentido do termo interdisciplinaridade, torna-se imperativo buscar suas


especificidades. Usamos, para nos guiar nessas definições, os dois autores já citados:
Sommerman (2015) e Repko (2008).

A seguir, listamos as especificidades ditas:

MULTIDISCIPLINARIDADE
A multidisciplinaridade se caracterizaria por pesquisa ou ensino em que disciplinas relativas ao
tema enfocado trabalham conjuntamente, mas sem estabelecer uma integração entre si. Quando
são chamados profissionais de áreas diferentes para opinar sobre determinado tema ou
problema, cada um a partir do conhecimento de sua disciplina, com suas próprias teorias, seus
conceitos e métodos.

Podemos citar o caso da conservação de um prédio histórico, em que são ouvidos especialistas
de áreas diferentes, como o químico para opinar sobre o tipo de material empregado e os
cuidados que requer seu tratamento, o arquiteto para observar o estilo predominante, o
engenheiro para verificar que estruturas não devem ser modificadas. Eles agem como
especialistas, contribuindo com seus conhecimentos específicos, sem que se estabeleça
interação teórica e metodológica.

PLURIDISCIPLINARIDADE
A pluridisciplinaridade se dirige também ao trabalho conjunto de disciplinas diferentes, gerando,
entretanto, algum grau de interação. Assim, no caso do exemplo anterior, os três especialistas
das disciplinas trabalhariam em conjunto para contribuições eventuais, mas ainda na perspectiva
da manutenção dos respectivos campos disciplinares.

TRANSDISCIPLINARIDADE
A transdisciplinaridade se situa mais próxima à interdisciplinaridade ao realizar uma síntese mais
abrangente entre as disciplinas, mas se diferencia da última ao incorporar “atores sociais não
universitários” (REPKO, 2008, apud SOMMERMAN, 2015). Um exemplo no campo do patrimônio
seria a educação patrimonial que é ao mesmo tempo interdisciplinar e transdisciplinar.
Transdisciplinar porque é voltada para os grupos e as comunidades, que interagem com os
especialistas; e interdisciplinar porque está pautada nos diversos valores atribuídos ao
patrimônio cultural.

PROCESSO, COMPLEXIDADE, INTEGRAÇÃO


E INOVAÇÃO

E o que dizer, então, da interdisciplinaridade? Partimos da definição de Repko que nos fornece
quatro categorias que consideramos importantes para a apreensão do conceito: processo,
complexidade, integração e inovação.

[...] INTERDISCIPLINARES SÃO PROCESSOS


DESENVOLVIDOS PARA RESPONDER A UMA
QUESTÃO, RESOLVER UM PROBLEMA OU ABORDAR
UM TEMA QUE É MUITO AMPLO OU COMPLEXO
PARA SER TRATADO ADEQUADAMENTE POR UMA
ÚNICA DISCIPLINA E BASEIAM-SE NAS
PERSPECTIVAS DISCIPLINARES E INTEGRAM SEUS
INSIGHTS [SEUS PONTOS DE VISTA] PARA
PRODUZIR UMA COMPREENSÃO MAIS
ABRANGENTE OU UM AVANÇO COGNITIVO.

(REPKO, 2008 apud SOMMERMAN, 2015)

Vamos, então, começar pela ideia de processo, que conduz para uma abordagem mais flexível
dos problemas, indicando procedimentos contínuos, em oposição a metodologias mais rígidas,
características do corpo teórico das disciplinas científicas. Nesse sentido, o processo traz em si a
noção de continuidade, de avanço, de idas e vindas, características da vida cotidiana. Em
relação ao patrimônio cultural, fica bem clara essa ideia, estando no âmbito da cultura,
caracterizado pela dinâmica social criativa.

Outro termo destacado na definição acima é o de complexidade. O filósofo francês Edgar Morin
considera que o conhecimento deva enfrentar a questão da complexidade, pois complexus
significa o que foi tecido junto e que há complexidade quando elementos diferentes são
inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o
psicológico, o afetivo, o mitológico). De forma que o conhecimento não pode separar o objeto
focado de seu contexto, ou seja, não pode separar as partes e o todo, o todo e as partes,
as partes entre si (MORIN, 2000).

 EXEMPLO

No caso do patrimônio cultural, percebemos a dificuldade em separar os valores atribuídos aos


bens culturais de seu contexto afetivo, econômico, político, religioso etc., pois estão relacionados
à memória e identidade coletivas.

A ideia de integração, ligada ao processo de pesquisa interdisciplinar, abarca a identificação dos


pontos significativos do problema a ser tratado, deve avaliar caminhos nos quais eles podem
gerar conflito; criar ou descobrir o conceito, a teoria ou a hipótese que é o fundamento
comum mediante o qual os insights podem ser reconciliados, e com isso produzir uma
compreensão interdisciplinar do problema (REPKO, 2008, apud SOMMERMAN, 2015).

Em relação ao campo da preservação do patrimônio cultural, cada vez mais, fica evidente o
trabalho integrado entre disciplinas, principalmente entre a História da Arte, a Arquitetura, a
História, a Antropologia.
O entendimento de inovação se apresenta como resultado da própria integração dos saberes,
pois seu processo produzirá algo totalmente novo, distinto, à parte e além dos limites de
qualquer disciplina e, assim, aditivo para o conhecimento (REPKO, 2008, apud SOMMERMAN,
2015, grifo do autor). Assim, usando novamente como exemplo o campo do patrimônio cultural,
podemos perceber que seu processo de conceituação foi constantemente ampliado,
ressignificado, a partir da participação de novos atores, que trouxeram seus próprios insights e,
em uma integração intersubjetiva, foram incorporando novos valores e criando patrimônios.

Devemos fazer uma ressalva:

A INTERDISCIPLINARIDADE NÃO TEM COMO


PROPOSTA ACABAR COM AS DISCIPLINAS, POIS
ELAS SÃO FUNDAMENTAIS AO DESENVOLVIMENTO
DE PESQUISAS ESPECÍFICAS.

Sua proposta é abrir espaço para processos de integração de saberes voltados a responder
perguntas complexas, resolver determinados tipos de problemas complexos e adquirir
uma compreensão de temas complexos que são cada vez mais comuns e estão além da
competência de uma única disciplina (SOMMERMAN, 2015). Segundo Furlanetto (2011), a
interdisciplinaridade não é uma nova disciplina, mas um novo caminho para o conhecimento, que
assume características de conhecimento de fronteira, ou seja, está situada entre
conhecimentos, como indicado por seu prefixo inter.
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INTERDISCIPLINARIDADE E PATRIMÔNIO
CULTURAL

O patrimônio cultural é uma categoria de pensamento que existiu em todas as sociedades, mas
que, a partir dos séculos XVIII e XIX, no contexto dos movimentos nacionalistas de formação dos
Estados Nacionais modernos, passou a adquirir novas características associadas à memória e à
história nacionais.

Determinados bens, definidos como histórico e artístico e entendidos como representantes do


passado da nação, passaram a ser selecionados por grupos com acesso ao poder político,
devendo ser protegidos contra a destruição mediante a atuação de políticas públicas.

Nesse contexto, insere-se a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional


(IPHAN), em 1937, seguindo um movimento que ocorreu em diversos países. A seleção dos bens
que seriam considerados patrimônio nacional era realizada por especialistas em determinadas
áreas, com a predominância da Arquitetura.

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Se, de início, os bens selecionados diziam respeito a objetos materiais de valor excepcional, ao
longo do século XX e início do XXI novas tipologias e novas percepções, sobre os grupos
constituintes da nação, representaram um processo sucessivo de incorporação de novos bens
que deveriam ser preservados como patrimônio cultural. A ênfase nos aspectos material,
excepcional, histórico e artístico passou a ser superada pela valorização e incorporação das
memórias e as identidades de diversos grupos que participaram da formação da nação.

Esse foi um movimento que se constituiu também internacionalmente, tendo como marco a
Convenção da Unesco relativa ao Patrimônio Mundial Cultural e Natural, de 1972, que abrange a
proteção não somente de bens culturais como igualmente dos bens naturais, reconhecidos como
patrimônio de toda a humanidade, de forma que o patrimônio cultural pode ser definido como um
conjunto de:

Bens materiais

Exemplos:

Construções

Paisagens

Monumentos

Objetos artísticos

Objetos arqueológicos

Imateriais

Exemplos:

Práticas sociais

Vida comunitária

Crenças

Valores e formas expressivas (língua, arte, artesanato, música e dança)

 ATENÇÃO
Esses bens, selecionados no presente, fazem referência ao passado, ao representar as
memórias e identidades de grupos diversos. Grupos esses que, diversos entre si, têm
intenções diferentes e, muitas vezes, divergentes a partir de suas origens sociais, de seus
interesses econômicos e políticos, como também, de relações afetivas que estabelecem com
bens materiais e imateriais, os quais valorizam como patrimônio cultural.

A ampliação do conceito de patrimônio cultural não só incorporou novos objetos e temas como
também grupos, com diferentes visões e atitudes, que estavam até então alijados desse
processo, gerando novas problemáticas e complexidades que requeriam ser tratadas tanto na
prática como na teoria, exigindo, assim, abordagens que transcendessem a perspectiva
disciplinar.

Vamos apresentar um caso do trabalho interdisciplinar desenvolvido no campo da preservação


do patrimônio cultural, tendo como fonte um processo de tombamento efetuado pelo IPHAN: o
caso do Terreiro de Candomblé da Casa Branca, em Salvador (BA):
VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. O ENTENDIMENTO DE INTERDISCIPLINARIDADE APRESENTA CERTOS


PRESSUPOSTOS QUE O FUNDAMENTAM E O DISTINGUEM DE OUTROS
TIPOS DE ABORDAGENS. NAS AFIRMATIVAS ABAIXO, SOMENTE UMA
APRESENTA ESSES PRESSUPOSTOS QUE CARACTERIZAM O
PROCESSO DE PESQUISA E APRENDIZAGEM INTERDISCIPLINAR:

A) A inovação da ciência e do conhecimento só pode ser alcançada a partir de pesquisas,


estudos e práticas de ensino que levem em consideração a adoção de teorias, conceitos e
métodos rígidos e aprofundados.

B) A integração entre pesquisadores e professores de diferentes disciplinas para enfrentar


problemas complexos, visando ao processo de desenvolvimento e à inovação do conhecimento,
é o objetivo da interdisciplinaridade.

C) A cooperação entre pesquisadores e professores, cada um contribuindo em sua


especialidade, garante um processo integrativo interdisciplinar.

D) A troca de informações e dados entre especialistas e professores com a participação de não


especialistas é a característica principal da abordagem interdisciplinar.

E) A dinâmica de formulação de uma matéria escolar de patrimônio estabelecida de forma a ter


integrado professores de formações diversas.

2. AS PESQUISAS E OS ESTUDOS VOLTADOS PARA A PRESERVAÇÃO


DO PATRIMÔNIO CULTURAL ARTICULAM, CADA VEZ MAIS, ANÁLISES
QUE TRANSCENDEM OS CONHECIMENTOS ESPECIALIZADOS
PRODUZIDOS POR UMA SÓ DISCIPLINA, PROMOVENDO UM CAMPO
FÉRTIL PARA O DESENVOLVIMENTO DE ABORDAGENS
INTERDISCIPLINARES. ESCOLHA A ÚNICA ALTERNATIVA ABAIXO QUE
CONFIRMA ESSA AFIRMATIVA.

A) O patrimônio cultural pode ser definido como um conjunto de bens selecionados que
representa a complexidade do passado de uma nação, o que garante seu caráter interdisciplinar.
B) O conjunto de bens selecionados do passado no presente, que são importantes para os
diversos grupos que formam uma coletividade e aos quais são atribuídos valores, é
essencialmente um caso interdisciplinar.

C) A diversidade de valores atribuídos a bens culturais que, selecionados, compõem o patrimônio


cultural representa um tema complexo que exige um trabalho integrado interdisciplinar para sua
apreensão.

D) O processo de constituição do patrimônio cultural reconhecido como representativo de uma


coletividade sempre foi inovador e, por esse motivo, interdisciplinar.

E) A interdisciplinaridade em patrimônio se caracteriza quando a dinâmica do valor do patrimônio


é estabelecida na educação.

GABARITO
1. O entendimento de interdisciplinaridade apresenta certos pressupostos que o
fundamentam e o distinguem de outros tipos de abordagens. Nas afirmativas abaixo,
somente uma apresenta esses pressupostos que caracterizam o processo de pesquisa e
aprendizagem interdisciplinar:

A alternativa "B " está correta.

Somente a opção B está correta, pois apresenta os quatro fundamentos da interdisciplinaridade


tratados no texto: processo, complexidade, integração entre disciplinas e inovação do
conhecimento.

2. As pesquisas e os estudos voltados para a preservação do patrimônio cultural


articulam, cada vez mais, análises que transcendem os conhecimentos especializados
produzidos por uma só disciplina, promovendo um campo fértil para o desenvolvimento
de abordagens interdisciplinares. Escolha a única alternativa abaixo que confirma essa
afirmativa.

A alternativa "C " está correta.

A alternativa correta é a C, pois reconhece que é a diversidade de valores atribuídos aos bens
culturais um problema complexo, devendo ser abordado pela integração de uma ou mais
disciplinas, caracterizando a interdisciplinaridade.
CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste tema, você teve um panorama sobre as questões mais atuais de patrimônio cultural.

O papel da educação na preservação do patrimônio cultural, mais do que informar, divulgar e


difundir conhecimentos técnicos e já produzidos sobre um patrimônio dado, é dialogar e
problematizar. Abrir espaço de escuta, de reflexão crítica, de troca, de reconhecimento dos
saberes locais, das relações de afetividade e significância para aqueles sujeitos que vivem ou
convivem com os bens culturais. Problematizar o patrimônio, sensibilizar para a necessidade de
preservação, ressignificar e (re)construir os valores a ele atribuído. Esses processos educativos
têm o potencial de ser porta-voz da polifonia de narrativas e memórias, ora esquecidas ou
apagadas, marginalizadas e, portanto, colocando os sujeitos sociais como protagonistas de suas
histórias.

A ideia da construção de histórias regionais, considerando o tema da requalificação das cidades,


torna possível valorizá-las por um olhar mais próximo das situações que condicionaram sua
formação, seu crescimento e suas transformações.

Novas abordagens dos sítios urbanos, envolvendo diferentes áreas de conhecimento e


considerando suas múltiplas características, resultantes de práticas sociais, são caminhos para a
ampliação do respeito à cultura dos brasileiros, sem submissão a padrões globais e estilísticos
europeizados. Não se nega o valor dos estilos, que também são expressões sociais,
relacionados a determinadas histórias e à capacidade de produção humana, sendo referências
de memória, identidade e ação, mas nega a hegemonia dessa construção do patrimônio quando
exclui outras possibilidades.

Dar continuidade à história da proteção e qualificação das cidades no Brasil, buscando o uso de
novos recursos conceituais e jurídicos, abre caminhos para a ampliação das práticas de
preservação e o respeito aos cidadãos e seu direito à memória e a identidades.

O movimento da interdisciplinaridade tem uma história de mais de 50 anos. Ao longo desse


período, os responsáveis por sua disseminação defendem uma nova forma de educação em que
os sujeitos envolvidos, professores, pesquisadores, estudiosos e alunos se tornem mais criativos,
estimulados e considerem a diversidade, tanto de natureza social, econômica, política e cultural
como positiva e transformadora.

Reconhecendo-o como uma categoria polissêmica, apreendendo seu significado a partir da


comparação com outros termos similares e do destaque de quatro de seus fundamentos.

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS

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TOLENTINO, A. Educação patrimonial decolonial: perspectivas e entraves nas práticas de


patrimonialização federal. Sillogés, v. 1, n. 1, jan./jul. 2018.
EXPLORE+

Busque o texto O patrimônio cultural urbano à luz do diálogo entre história e arquitetura,
de Lia Motta (2012), que apresenta um caso importante do trabalho interdisciplinar no
campo da preservação do patrimônio cultural: o do conceito de cidade-documento. Faz
parte da Revista do Patrimônio, n. 34, disponível no Portal do IPHAN.

Como vimos, o livro de Edgar Morin, Os sete saberes necessários à educação do futuro
(2000), é importante por realizar uma reflexão crítica sobre o conhecimento e o processo de
aprendizagem, fornecendo ideias inspiradoras para uma nova educação. Não deixe de lê-
lo!

Busque os materiais Educação Patrimonial: inventários participativos e Educação


patrimonial; histórico, conceitos e processos, ambos do IPHAN.

Pesquise a dissertação Desafios da educação no campo do patrimônio cultural. Casas do


patrimônio e redes de ações educativas, de Fernanda Gabriela Biondo.

Leia a Portaria n. 137, de 28 de abril de 2016 para saber mais detalhes das diretrizes da
educação patrimonial.

Busque ainda o Dossiê inventário participativo Minhocão contra gentrificação.

Se você quiser se aprofundar nos temas que a preservação do patrimônio tem se debruçado, leia
os seguintes ensaios:

O caso do tombamento do Terreiro de Candomblé da Casa Branca

Um breve histórico da relação entre as cidades e o patrimônio no Brasil

Turismo Cultural: outras práticas e exemplos

Periodização das práticas de preservação no Brasil

A interdisciplinaridade e a pesquisa na formação docente


CONTEUDISTAS

Lia Motta

 CURRÍCULO LATTES
Analucia Thompson

 CURRÍCULO LATTES
Fernanda Gabriela Biondo

 CURRÍCULO LATTES

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