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DESCRIÇÃO

A construção do patrimônio cultural: o papel do Estado e a participação da sociedade e da


iniciativa privada.

PROPÓSITO

Compreender a construção da memória social por meio da proteção de bens culturais,


relacionando sua constituição como campo especializado internacional e contribuindo para a
aprendizagem e futura atuação profissional.

PREPARAÇÃO

Ao iniciar este tema, tenha à mão um dicionário de português e o Dicionário Iphan de Patrimônio
Cultural .
OBJETIVOS

MÓDULO 1

Definir a construção do patrimônio cultural como prática social

MÓDULO 2

Categorizar a estrutura de preservação do patrimônio cultural no país

MÓDULO 3

Identificar o papel da esfera privada na construção da memória social

INTRODUÇÃO
Vamos falar sobre o passado vivo e materializado, o que não é um processo simples. Para
mostrar que nem sempre temos consciência do passado, o geógrafo e historiador David
Lowenthal (1923-2018) chamou o passado de “país estrangeiro”, algo que, embora conhecido,
nem sempre percebemos como nosso (LOWENTHAL, 1998).

A consciência do passado e de sua ação no presente depende de vários fatores, entre os quais a
proximidade com fragmentos (bens naturais, materiais e imateriais) que se constituem na
herança cultural de uma sociedade, de um segmento social, de uma família ou de um indivíduo.

Abordaremos aqui parte dos fragmentos que alimentam a construção da memória da sociedade,
prática que é contínua e inclui diversas vertentes, e a criação de instituições públicas e privadas
especializadas em sua guarda, como museus, arquivos e bibliotecas. Trataremos da construção
do patrimônio cultural, parte da produção social de grande complexidade reconhecida pelo poder
público como portadora de valores culturais, composta por referências materiais e imateriais.

É importante ressaltar que estamos falando de um cenário complexo e construído de forma


recorrente e viva. Assim, a utilização de exemplos visa a permitir a compreensão do cenário,
seus textos, quem atua e que papéis pode assumir em cada contexto.

MÓDULO 1

 Definir a construção do patrimônio cultural como prática social

Assista a seguir ao vídeo Atores: O Estado.


SOCIEDADE

Fonte: IPHAN
 Figura 1. Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de São João del-Rei (MG). Acervo IPHAN.

Mais do que levar a conhecer o passado, o patrimônio cultural sustenta a ideia de pertencimento,
aquela que leva o indivíduo, ou um grupo social, a sentir-se parte de uma cultura, de uma
sociedade ou de um lugar. Como um dos vetores da memória social, o patrimônio possibilita a
formação de um olhar crítico sobre o presente, tempo em que atuamos e deparamos com
contínuas desigualdades, que incluem a negação de papéis sociais e o não reconhecimento de
direitos culturais. Esses foram definidos em 1948, no artigo 27, da Declaração Universal de
Direitos Humanos, publicada pela Organização das Nações Unidas (ONU), como o direito de
tomar parte livremente da vida cultural da comunidade, a gozar das artes e a participar do
progresso científico e dos benefícios que dele resultem, estendendo-se a todos,
indistintamente (DUDH, 1948).

MEMÓRIA

Nesse conjunto de direitos sociais, inclui-se o direito à memória e, atualmente, entende-se que
também é legítimo o direito ao esquecimento. Autores contemporâneos que se dedicam a refletir
sobre essas questões, como Tzvetan Todorov (1939-2017) e Gabi Doff-Bonekämper, apontam
que os usos da memória nem sempre são positivos. Muitas vezes, ela é evocada para justificar
revanches, por exemplo, entre grupos étnicos; fala-se, também, de “memórias difíceis”, como as
dos campos de concentração nazistas, fazendo reviver más lembranças e injustiças. De qualquer
forma, a importância social da memória vem crescendo na mesma medida em que crescem as
reivindicações pelo reconhecimento de direitos, entre eles o direito à diferença.

Isso não impede que o exercício de direitos culturais seja cada vez mais afrontado por atitudes de
intolerância constantes, como o ataque a templos religiosos de matriz africana e a seus
seguidores, em total desrespeito à diversidade cultural. Até recentemente, esse traço marcante
de nossa cultura também não era considerado pelo Estado brasileiro, em ações de proteção a
bens culturais que lhe cabem desde 1937. Só em 1986, o governo federal reconheceu o valor
cultural do pioneiro Terreiro da Casa Branca, situado em Salvador (BA); e somente em 1990, o
governo de São Paulo reconheceu o valor cultural da casa de culto Axé Ilê Obá, situado na capital.

Fonte: Autor/Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)


 Figura 2. Fachada da casa de culto Axé Ilê Obá, em São Paulo (SP).

Fonte: IPHAN
 Figura 3. Patrimônio ferroviário em São Paulo (SP). Acervo IPHAN.

É recente a consideração da cultura operária, que marcou o desenvolvimento de São Paulo, pelo
Estado. Isso significa a negação desses sujeitos sociais como participantes da construção da
sociedade. O reconhecimento público de valores culturais, ou a sua negação, espelha o atual
lugar dado a um segmento no conjunto da sociedade. Esse é definido por diferentes fatores,
desde questões relativas à formação histórica até o acesso à riqueza e à influência política na
atualidade.

VALORES CULTURAIS

MAS O QUE SÃO VALORES CULTURAIS E COMO O


ESTADO OS ATRIBUI (OU NÃO) A UM BEM, EM NOME
DA SOCIEDADE?
A atribuição de valores é uma escolha que reflete a forma pela qual uma sociedade concebe as
relações sociais, os direitos e a cultura, entre outros aspectos. Os valores culturais não são
intrínsecos aos bens, uma vez que estes possuem apenas qualidades materiais (MENESES,
2012), mas são atribuídos de acordo com o perfil de uma sociedade e, assim como esta, têm
historicidade, isto é, são mutáveis segundo o tempo e lugar.
De acordo com o autor, os valores culturais podem ser agrupados em categorias: cognitivos,
formais, afetivos, pragmáticos e éticos, que não se expressam isoladamente, mas que podem ser
combinados de diversos modos, muitas vezes conflitantes, e sempre tendo como núcleo o valor
cognitivo de nos levar a conhecer (MENESES, 2012).


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Categorias de valores culturais

Chaves de acesso à História ou à memória de um elemento entendido


Cognitivos
como formador.

Formais Ícones de representação oficial, como bandeiras e brasões.

Afetivos Valores protetivos e de memória social afetiva.

Criados com um fim e em pontos e formas estratégicas, como o


Pragmáticos
reconhecimento de um quilombo.

Éticos Elementos reconhecidos como valores éticos do coletivo.

Nenhum deles existe isoladamente, misturam-se na construção e no reconhecimento.

A materialidade de uma edificação, por exemplo, informa-nos sobre a divisão do espaço, os


aspectos estéticos, os materiais e as técnicas de construção de determinado período. Mas o que
isso significou e significa é uma elaboração do observador, a partir de conhecimentos técnicos e
eruditos, padrões morais, de comportamento etc.

Os valores, portanto, definem-se a partir de olhares contemporâneos e espelham a sociedade e o


lugar social que ela concede àqueles herdeiros culturais do bem reconhecido como parte do
patrimônio cultural.

 EXEMPLO
O caso do Terreiro da Casa Branca é esclarecedor: as religiões afro-brasileiras não eram
consideradas parte da cultura do país, uma vez que eram relacionadas à escravidão e aos
escravizados, bem como seus descendentes não eram considerados portadores de direitos
culturais. O reconhecimento do Estado encontrou muita resistência e só se tornou possível no
quadro da democratização do país e das pressões de movimentos sociais, em especial os
movimentos negros.

Fonte: Axé Casa Branca


 Figura 4. Terreiro Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador (BA).

Também se deve à agregação de novos parâmetros para a atribuição de valores culturais pelo
Estado; eles foram agregados a partir dos conhecimentos gerados, em especial, na Antropologia
e na Geografia. Inicialmente baseados na Arte, na Arquitetura e na História, os valores se
ampliaram, acompanhando a constituição da preservação do patrimônio como um campo
especializado, envolvendo diferentes disciplinas.

Desde o início século XIX até após a Segunda Guerra Mundial, quando a prática de preservar
bens culturais começa a internacionalizar-se, o patrimônio era constituído como representação da
nação e os bens como portadores dos valores históricos, artísticos e arquitetônicos.
Gradativamente, o conceito de patrimônio se ampliou, passando a abranger outros bens, além
das edificações, como os ambientes naturais que foram considerados “culturais”. Assim, também
passou a dizer respeito à sociedade e, como ela, ganhou complexidade e diversidade,
expressando o amplo universo abrangido na palavra cultura e as tensões políticas próprias do
viver em sociedade, como as que envolvem o reconhecimento de direitos.
ESTADO

Fonte: Câmara dos Deputados


 Figura 5. Assembleia Constituinte de 1988.

A Constituição de 1988 consignou esse novo entendimento nos artigos 215 e 216. O artigo 215
atribui ao Estado a responsabilidade de garantir o exercício de direitos e manifestações culturais
e as nomeia culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e de outros grupos
participantes do processo civilizatório nacional (CF, 1988).

A Constituição não deixa dúvidas quanto à igualdade do direito de todos os cidadãos serem
representados no patrimônio cultural, uma vez que, como explicita o artigo 216, os bens que o
constituem são portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira (CF, 1988).

Além desses artigos, outros compõem um conjunto de grande potencialidade renovadora das
ações do poder público e do exercício de direitos culturais da sociedade. O art. 30, IX, consigna,
entre as competências municipais, a de promover a proteção do patrimônio histórico-
cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual (CF, 1988).

Fonte: IPHAN
 Figura 7. Festa do Senhor Bom Jesus do Bonfim, em Salvador (BA). Acervo IPHAN.

Nas instituições públicas responsáveis pela construção do patrimônio cultural, ainda é comum a
atribuição dos valores arquitetônico, artístico e histórico. Trata-se de um resquício estabelecido na
fase inicial de proteção do Estado ao patrimônio, com base em padrões culturais eruditos, de
excepcional qualidade estética e artística, além da ancianidade. Nessa fase, afirmava-se o
sentido inicial da historiografia, cuja estruturação data do século XIX: apenas alguns atores
sociais eram vistos como construtores da nação e, como o passado, deveriam ser vistos com
admiração e reverência que se estendia aos monumentos históricos.

Tais valores soam anacrônicos diante das transformações da sociedade e da própria


historiografia. Atualmente, a historiografia considera todos os homens construtores da História,
agrega temas e personagens da vida cotidiana e visões críticas sobre o presente e o passado,
que também visitamos pelos caminhos da memória e do mito.

ANACRÔNICO

Estudar um fenômeno temporal fora de seu contexto de tempo, gerando uma deturpação de
entendimento.
A consideração dos valores, como intrínsecos aos artefatos, soa ainda mais anacrônica após a
globalização firmada na década de 1980, quando também se romperam laços com a cultura que
regeu a sociedade ocidental a partir do Iluminismo e se multiplicaram os atores e as
reivindicações pelo reconhecimento de lugares sociais e direitos. Documentos internacionais,
como o da Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais, promovida no México, em 1985, pelo
Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), refletem essas mudanças. Nele,
patrimônio cultural foi definido como conjunto de traços distintivos espirituais, materiais,
intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade e um grupo social, constituído
por obras materiais e não materiais que expressam a criatividade de um povo e os
valores que dão sentido à vida (CURY, 2000).

PATRIMÔNIO CULTURAL: ESTADO,


RELAÇÕES E INTERESSES

Fonte: Câmara dos Deputados


 Figura 6. Lideranças indígenas assistem à Assembleia Constituinte de 1988.

A competência de preservar bens culturais é concorrente entre os organismos administrativos;


isso possibilita que eles atuem de forma harmônica, mas diversa, ao contrário do que ocorre
atualmente, pois a todos cabe identificar, proteger e valorizar bens culturais pelo tombamento.
Em termos de ideias, talvez, não caiba ao município tombar, mas apenas coadunar a
preservação de bens culturais à qualidade de vida urbana por meio de legislação, em parte já
existente, que considere, em conjunto, a proteção do patrimônio e o planejamento territorial a
partir de instrumentos menos restritivos, porém mais ágeis que o tombamento e os propiciadores
de melhorias da qualidade de vida e das condições urbanas.

Entre eles estão os inventários, também previstos na Constituição de 1988 como instrumentos
de preservação, e o planejamento territorial. Em relação a este, é de imensa importância o
Estatuto da Cidade, como conhecida a Lei n. 10.257, de 2001, que regulamentou os artigos 182
e 183 da Constituição de 1988 sobre política urbana.

O estatuto tem como ferramenta principal o plano diretor, obrigatório em cidades com mais de
vinte mil habitantes. O objetivo é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade
e garantir o bem-estar de seus habitantes, a partir da função social da propriedade. Além da
cooperação entre os entes administrativos, o Estatuto prevê a gestão democrática das cidades e
o direito a cidades sustentáveis.

Embora o patrimônio cultural seja classificado e reconhecido como de interesse público, o


aproveitamento efetivo de suas potencialidades sociais confronta-se com interesses privados e
desigualdades de reconhecimento de direitos culturais. Isso se reflete, diretamente, nos valores
culturais aplicados na seleção de bens que comporão o patrimônio. Nos últimos anos, esse
universo de representações vem sendo democratizado, tanto quanto à composição como quanto
aos valores atribuídos e segmentos sociais representados. Isso se expressa a partir do ano 2000,
quando foi adotado o registro como forma de salvaguarda do patrimônio imaterial no país.

 EXEMPLO

Um excelente exemplo dessa manifestação é o Jongo da Serrinha no Rio de Janeiro. Uma


manifestação popular da cultura afrodescendente, mantido em ambientes marginais pelos seus
fundadores no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, que ganhou notoriedade e espaço. No
entanto, o aumento de movimentos cristãos mais radicais passou a “demonizar” a manifestação,
entendendo-a, equivocadamente, como religiosa. O Jongo passou pelo processo, foi reconhecido
e conta com os instrumentos públicos para sua proteção, graças à mudança em questão.

Fonte: Pontão de cultura do Jongo


 Figura 8. Jongo da Serrinha, na Associação Cultural Sementes D'África, em Barra do Piraí
(RJ).

Os ajustes em busca da abertura de canais à ampla participação da sociedade, na proteção do


patrimônio, ainda se constituem em um dos desafios políticos de nosso tempo. Impõe-se a
definição de políticas públicas abrangentes, que considere a cultura não como uma dimensão
específica, mas como dimensão que perpassa todas as demais. A partir daí, o patrimônio
poderia efetivamente ultrapassar os limites atuais e conectar-se à solução de diferentes questões
relativas ao cotidiano da sociedade, como a de moradia, planejamento territorial e qualidade
ambiental.

A construção da memória, bem como do patrimônio de uma sociedade, é uma prática de caráter
cultural que reflete o campo político, de direitos e responsabilidades de Estado, depende da
definição de políticas públicas e da contínua negociação entre o Estado e os segmentos sociais,
portadores de expectativas e interesses, muitas vezes, conflitantes entre si.

A ampliação da possibilidade de defender os direitos culturais também foi incluída na


Constituição de 1988 ao realçar a atuação do Ministério Público como representante da
sociedade; o art. 129 especifica as funções dessa instituição, que possui autonomia em relação
à estrutura do Estado, cabendo-lhe também questionar a atuação dos órgãos públicos (CF,
1988). O instrumento jurídico, geralmente aplicado, é a ação civil pública, em especial, voltada à
defesa de interesses públicos e sociais, denominados difusos e coletivos; essa ação incide
sobre danos morais e materiais e se aplica a questões relativas ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico, turístico e paisagístico.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. OS PATRIMÔNIOS CULTURAIS SÃO ESTRATÉGIAS POR MEIO DAS


QUAIS GRUPOS SOCIAIS E INDIVÍDUOS NARRAM SUA MEMÓRIA E SUA
IDENTIDADE, BUSCANDO POR ELAS UM LUGAR PÚBLICO DE
RECONHECIMENTO, NA MEDIDA MESMA EM QUE AS TRANSFORMAM
EM "PATRIMÔNIO", ISTO É, ELEGENDO ARTEFATOS E ESPAÇOS QUE
REPRESENTAM E FUNDAM A MEMÓRIA E A IDENTIDADE. (GONÇALVES,
2002)

OS VALORES CULTURAIS, RELACIONADOS AO PATRIMÔNIOS, PODEM


SER RECONHECIDOS EM QUE AFIRMATIVA ABAIXO?

A) Os bens reconhecidos como patrimônio cultural pelo Estado devem representar todos os
setores da sociedade.

B) Os patrimônios culturais representam a nação.

C) Os patrimônios culturais referem-se apenas à esfera particular.

D) Os patrimônios culturais não incluem narrativas, pois são objetos.

E) Os patrimônios culturais não incluem a cultura material.

2. UM DOS ATORES MAIS IMPORTANTES NAS DISCUSSÕES SOBRE


PATRIMÔNIO E SUA PRESERVAÇÃO É O ESTADO. EXISTEM MUITOS
MOTIVOS PELOS QUAIS O ESTADO É CONSIDERADO PEÇA
FUNDAMENTAL NA ATUAÇÃO DA PRESERVAÇÃO, QUALIFICAÇÃO E
GUARDA DO DOCUMENTO. NO QUE TANGE À RESPONSABILIDADE DO
ESTADO, EM RELAÇÃO AO PATRIMÔNIO, PODEMOS AFIRMAR QUE:
COMO SALVAGUARDA DAS QUESTÕES NACIONAIS, ELE DEVE
ZELAR PELA MEMÓRIA FORMAL, OU OFICIAL, PERMITINDO O
RECONHECIMENTO DO COLETIVO.

EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO E REPRESENTATIVO, ELE ATUA


NAQUILO QUE É INTERESSE E BEM COMUM, NESTE SENTIDO, TEM
FUNÇÃO ESPECÍFICA NA GUARDA, NO REGRAMENTO E NA
MANUTENÇÃO DE PATRIMÔNIOS NACIONAIS.

CONJUNTO DE INSTITUIÇÕES PERMANENTES, COMPOSTA PELOS


PODERES EXECUTIVO, LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO; CABE-LHE
ESTABELECER AS NORMAS DO INTERESSE DO COLETIVO, COMO
RECONHECER ASPECTOS DA MEMÓRIA SOCIAL E COLETIVA.

A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E PATRIMÔNIO SE DÁ POR CONTA DO


PROCESSO DE TOMBAMENTO, EM QUE É FUNÇÃO DO ESTADO
DEFINIR O QUE DEVE SER REGISTRADO COMO PATRIMÔNIO
CULTURAL, POR EXEMPLO, OU O QUE NÃO TEM ESSA FUNÇÃO A
PARTIR DE SEUS ÓRGÃOS ESPECÍFICOS.

A) I e II

B) I e III

C) II e III

D) I, II e III

E) I, III e IV

GABARITO
1. Os patrimônios culturais são estratégias por meio das quais grupos sociais e
indivíduos narram sua memória e sua identidade, buscando por elas um lugar público de
reconhecimento, na medida mesma em que as transformam em "patrimônio", isto é,
elegendo artefatos e espaços que representam e fundam a memória e a identidade.
(GONÇALVES, 2002)

Os valores culturais, relacionados ao patrimônios, podem ser reconhecidos em que


afirmativa abaixo?

A alternativa "A " está correta.

A representação, no patrimônio, expressa o grau de reconhecimento da importância cultural de


todos os segmentos da sociedade e o respeito aos direitos culturais previstos na Declaração dos
Direitos Humanos publicada pela Unesco em 1948.

2. Um dos atores mais importantes nas discussões sobre Patrimônio e sua preservação é
o Estado. Existem muitos motivos pelos quais o Estado é considerado peça fundamental
na atuação da preservação, qualificação e guarda do documento. No que tange à
responsabilidade do Estado, em relação ao patrimônio, podemos afirmar que:

Como salvaguarda das questões nacionais, ele deve zelar pela memória formal, ou
oficial, permitindo o reconhecimento do coletivo.

Em um Estado democrático e representativo, ele atua naquilo que é interesse e bem


comum, neste sentido, tem função específica na guarda, no regramento e na
manutenção de patrimônios nacionais.

Conjunto de instituições permanentes, composta pelos poderes Executivo,


Legislativo e Judiciário; cabe-lhe estabelecer as normas do interesse do coletivo,
como reconhecer aspectos da memória social e coletiva.

A relação entre Estado e patrimônio se dá por conta do processo de tombamento,


em que é função do Estado definir o que deve ser registrado como patrimônio
cultural, por exemplo, ou o que não tem essa função a partir de seus órgãos
específicos.

A alternativa "C " está correta.

O Estado tem a função de ser uma estrutura perene em meio a sociedades dinâmicas. Uma
maneira de garantia dos interesses sociais, evitando que caprichos ou outros interesses
fragilizem ou enfraqueçam demandas coletivas. Nesse sentido, o Estado tem uma forte relação
com os anseios sociais, devendo, ao mesmo tempo, proteger, mas, principalmente, estabelecer
burocracias, formulações, qualificações para que seu papel seja o de mediador, de apresentar as
bases necessárias para o funcionamento social.

MÓDULO 2

 Categorizar a estrutura de preservação do patrimônio cultural no país

Assista a seguir ao vídeo Atores da preservação do patrimônio: entes federativos.


ENTES FEDERAIS, ESTADUAIS E
MUNICIPAIS DA PRESERVAÇÃO DO
PATRIMÔNIO

A primeira instituição de proteção a bens culturais criada no Brasil data de 1937, no âmbito do
governo federal. Assim como as posteriormente implantadas nos níveis estadual e municipal, ela
foi produto de seu tempo, isto é, representou as condições históricas do momento, nas quais se
incluem a concepção de patrimônio internacionalmente forjada, bem como as finalidades a ele
atribuídas.

Aqui, visamos a perceber como, ao longo do tempo, a relação entre governos e patrimônio, suas
responsabilidades e seus fiscalizadores, e sua orientação foram estabelecidos. Não é um
inventário de leis, tampouco um documento sobre quais as funções, mas um processo de
categorização, de ver como, socialmente, o Brasil foi amadurecendo, inventando e reinventando a
lei de forma recorrente.

Atualmente, o patrimônio é marcado por uma rede de proteção pública – ainda que possa ser
discutido o seu alcance – e nele estão envolvidos, com reponsabilidade, todos os entes
federativos. São esses os entes que construíram, como atores fundamentais, o quadro atual de
relação com o patrimônio no Brasil.

HISTÓRIA DA PRESERVAÇÃO
CONTEMPORÂNEA

Nas ações de preservação, inicialmente, prevaleceram os conhecimentos da História, da História


da Arte e da Arquitetura, o que reforçava o caráter de excepcionalidade estética, construtiva e a
ancianidade exigidas para a proteção de um bem pelo Estado. Nesse quadro, desenvolveram-se
teorias de restauro, e o patrimônio desenhou-se como algo de interesse de eruditos, para fruição
de poucos e distante do cotidiano da maior parte dos segmentos sociais, especialmente as
classes populares que, desde a Revolução Francesa, eram vistas pela burguesia como
“vândalas”, destruidoras do patrimônio histórico-arquitetônico.
Mas espere, só não íamos tratar de Brasil? Sim, e o Brasil é marcado pela sua estrutura colonial,
pelas tradições ocidentais, nesse sentido, se quisermos entender as convicções de nossa elite
sobre patrimônio, precisamos ponderar a Europa.

Nas primeiras décadas do século XX, as discussões passaram a abordar as relações entre a
preservação do patrimônio e o desenvolvimento das cidades, o que anuncia seu entendimento
não apenas como algo lúdico, destinado à fruição do passado e do belo, mas também relativos
ao equilíbrio entre o presente e o passado, uma vez que contempla a possibilidade de
manutenção de referências espaciais e artísticas constitutivas do ambiente urbano.

VÂNDALAS

Palavra associada à barbárie ou à falta de conhecimento. Remete a um povo que ocupou a


Península Ibérica romana e, posteriormente, o norte da África romana. Sua chegada foi
descrita pela tradição romana e cristã como a destruição dos valores da cultura romana.

Fonte: Autor/Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)


 Figura 9. O Portão de Brandemburgo, em Berlim, na Alemanha, resistiu à invasão de
Napoleão e a duas guerras mundiais, permanecendo como um marco histórico da cidade.
Em 1931, pela primeira vez, a Sociedade das Nações, organismo de representação internacional
criado após a Primeira Guerra Mundial, promoveu uma conferência em que se discutiram as
doutrinas concernentes à proteção dos monumentos, incluídas a problemática da
conservação, do restauro e uso; e recomendou que seus Estados-membros publicassem
inventários de monumentos históricos nacionais (CURY, 2000).

Dois anos depois, realizou-se o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) do qual
resultou um documento que, atualmente, mantém-se como referência, a Carta de Atenas. Nela,
considerava-se que o culto ao passado não deveria desconhecer as regras da justiça social. E
que, nas cidades modificadas segundo princípios da Arquitetura e do Urbanismo modernos, as
edificações de valor histórico ou sentimental deveriam permanecer apenas como
testemunhos pontuais do passado. Sua manutenção, porém, estava em segundo plano em
relação à salubridade das moradias e o bem-estar e a saúde dos indivíduos (CURY, 2000). Para
além das questões de Arquitetura e Urbanismo, abriram-se então campos de discussão
envolvendo diferentes concepções do elo entre a sociedade e seu passado e entre a qualidade
de vida e o ambiente.

A Carta de Atenas inaugurou uma sequência de cartas e declarações internacionais que se


tornaram frequentes a partir do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando foi criada a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Tais
documentos não pretendem padronizar procedimentos de preservação, apenas apresentam
recomendações que podem ser adaptadas a situações particulares a cada país.

Usaremos algumas dessas cartas para traçar uma linha da ampliação do conceito de patrimônio
e suas finalidades sociais.

CRIAÇÃO DO INSTITUTO DE PATRIMÔNIO


HISTÓRICO E

ARTÍSTICO NACIONAL: O PASSADO DO


MODERNO

Fonte: Portal Brasileiro de Dados Abertos


 Figura 10.

O então denominado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), foi criado no contexto da Carta de Atenas e
dos esforços que, desde a segunda metade do século XIX, vinham sendo feitos para a inserção
da nação brasileira na modernidade, projetando-a internacionalmente. Isso envolvia ampliar a
ação do Estado sobre a economia e a sociedade, e equiparar as cidades e a cultura urbana aos
padrões europeus, considerados modelos de civilização.

As primeiras propostas de proteção de bens culturais, no Brasil, datam da década de 1910 e


coincidem com a demolição de edificações de grande representatividade em antigas cidades
coloniais. O nacionalismo então vigente também contribuiria para que a valorização dos
remanescentes materiais do passado fosse vista como fator de importância da nação e da
cultura brasileiras. Parte das elites brasileiras, especialmente a de São Paulo, considerava que
elas eram ameaçadas pela forte presença de imigrantes e suas diferentes culturas.

Fonte: Brasiliana Fotográfica


 Figura 11. Demolição do Morro do Castelo, 9 de outubro de 1922. Augusto Malta. Rio de
Janeiro (RJ). Acervo IMS.
Havia, porém, um empecilho jurídico à proteção aos bens considerados monumentos históricos:
era a ameaça ao pleno exercício do direito de propriedade garantido na Constituição brasileira
de 1891. Tentativas de proteção no âmbito estadual foram realizadas em Minas (1926), Bahia
(1927) e Pernambuco (1928), onde era grande a concentração da arquitetura colonial; porém, a
atuação das respectivas Inspetorias Estaduais de Monumentos Históricos não passou da
organização de uma listagem de bens.

A diversidade cultural e o desenvolvimento desigual, que se observava nas regiões do país,


dificultavam a unidade necessária à consolidação da nação cujo centenário de criação se
comemorara em 1922, também obstaculizada pelas disputas entre as oligarquias políticas
regionais em torno do acesso ao poder federal.

Fonte: Autor/Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)


 Figura 12. Gilberto Freyre em 1956.

Tratava-se de construir "uma cara" que definisse a identidade brasileira. No decorrer da década
de 1930, intelectuais como Gilberto Freyre (1900-1987) e Sérgio Buarque de Holanda (1902-
1982) tentam compreender e explicar o Brasil, entender as bases da identidade nacional,
definição arduamente buscada por outros intelectuais, como Mário de Andrade (1893-1945), a
quem, em 1936, o então ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema (1900-1985),
solicitou a elaboração do projeto de uma instituição dedicada a proteger o patrimônio nacional.

Mário de Andrade a concebeu a partir de uma perspectiva inclusiva e de valorização da cultura


popular. Tratava-se de dar realce às manifestações particulares que expressavam a inventividade
brasileira e configuravam uma identidade peculiar. Ele considerava que a história deveria fazer
parte desse conjunto apenas como representação artística, isto é, por meio de obras de arte
cujos temas eram os fatos históricos e, por isso, denominou o órgão público de Serviço de
Proteção ao Patrimônio Nacional (SPAN).

Fonte: Autor/Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)


 Figura 13. Sérgio Buarque de Holanda em 1957.

A possibilidade de implantá-lo resultou das transformações institucionais promovidas por Getúlio


Vargas (1882-1954), após chegar ao poder em 1930. A Constituição de 1934 adotou
pressupostos jurídicos modernos, como a predominância do interesse coletivo sobre o particular,
abrindo espaço para a extensão da proteção do Estado aos bens culturais. Um Estado forte,
autoritário e centralizador, em especial, a partir de novembro de 1937, com a instalação do
Estado Novo.

Fonte: DSpace ALMG


 Figura 14. Gustavo Capanema em 1959.

Sob o crivo de Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde, pasta que abrigaria o serviço
de patrimônio, e de Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969), advogado e responsável por
conduzir a instituição, o anteprojeto passou por adaptações que atenderam aos interesses de
Estado. Entre eles estava o de estender a proteção pública aos monumentos representativos do
passado da nação, isto é, de todos os que viviam no território brasileiro, e recebeu a
denominação de Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Sua criação foi parte da nova organização do Ministério da Educação e Saúde Pública,
estabelecida na Lei n. 378, de 13 de janeiro de 1937. Determinava-se, também, que um
Conselho Consultivo nomeado pelo presidente da República seria responsável pelo exame e
pelas decisões. Essa estrutura se mantém e, atualmente, o Conselho é composto de nove
representantes de instituições públicas e privadas, e treze representantes da sociedade civil, com
mandato de quatro anos.

Em 30 de novembro de 1937, o Decreto-Lei n. 25 organizou a proteção do patrimônio, adotando


como instrumento jurídico o tombamento. Esse decreto se tornaria modelo, bem como a
estrutura e os procedimentos adotados estabelecidos pelo IPHAN, que se multiplicam pelas
demais instituições de proteção ao patrimônio cultural no país, tanto estaduais quanto municipais.
DESAFIOS E AÇÕES DE PROTEÇÃO DE
BENS CULTURAIS

Fonte: IPHAN
 Figura 15. Vista da ladeira de Santa Efigênia, em Ouro Preto (MG).

Até a década de 1960, o IPHAN foi a única instituição responsável pela proteção de bens
culturais em todo o Brasil. Sua atuação pautou-se por valores históricos, artísticos e
arquitetônicos, compondo um retrato da nação focado no passado colonial, especialmente no
século XVIII, pois as manifestações da arte barroca eram consideradas o ponto de excelência de
nossa “civilização”. As igrejas e os sobrados coloniais também constituíram um passado para a
arquitetura moderna brasileira, que então começava a ser notada internacionalmente e vinculou-a
à tradição nacional.

Em um de seus trabalhos, Gonçalves (2002) assinala que há gêneros de discurso constitutivos do


patrimônio no Brasil, que se articulam em torno da totalidade que pretendem representar como
algo forte, que não se fragmenta no tempo e no espaço. A ideia de patrimônio como algo estável
contraria a própria ideia de patrimônio, uma vez que os valores são mutáveis e a sociedade que
os atribui está submetida à mola da história, que é a mudança. A perspectiva de imutabilidade,
porém integrou-se por meio de conceitos e procedimentos técnicos adotados pelos órgãos
estaduais que começaram a ser organizados no país na década de 1960, causando certo
descompasso entre suas atuações e as demandas sociais.
Em 1966, momento de crescente intervenção do Estado na cultura, o Brasil criara a estrutura
administrativa de organização do turismo: o Conselho Nacional de Turismo (CNTur) e a Empresa
Brasileira de Turismo (Embratur), ligadas ao Ministério da Indústria e Comércio.

Sofrendo a carência de recursos humanos e materiais, já crônicas no setor público, o IPHAN não
dispunha de estrutura e técnicos suficientes para atender às demandas decorrentes da
abrangência assumida pelo patrimônio e sua utilização no turismo.

A precariedade de recursos enfrentada pelo Instituto foi abordada em dois encontros nacionais
de governadores, prefeitos e secretários estaduais realizados em Brasília (1970) e em Salvador
(1971).

Em Brasília, foram definidas medidas para uma ação supletiva dos estados e dos municípios à
atuação federal no que se refere à proteção dos bens culturais de valor nacional. Caberia aos
estados e municípios, sob orientação do órgão federal, proteger também os bens culturais de
valor regional. Com essa finalidade, seriam criados órgãos estaduais e municipais adequados,
articulados com os Conselhos Estaduais de Cultura e com o IPHAN para fins de uniformidade
da legislação em vista, atendido o que dispõe o art. 23 do Decreto-Lei n. 25, de 1937.

Quanto à proteção à natureza, recomendava-se a criação de órgãos estaduais específicos,


articulados ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. No que diz respeito à carência de
mão de obra especializada, previa-se a criação de cursos de nível médio e superior (CURY,
2000).

Já eram conhecidos os efeitos negativos do consumo turístico de bens culturais em sociedades


muito semelhantes à brasileira, onde a busca do lucro máximo se sobrepõe aos valores culturais
e a renda obtida não é destinada à conservação dos bens. Entre eles, a gentrificação de áreas
revitalizadas para uso turístico e a consequente perda dos significados dos lugares para a
população local, na maioria das vezes, dele apartada. A noção de continuidade e a relação de
pertencimento que evocavam dissolvem-se dando lugar a outra, da fruição de um observador
externo, ocasional e sem vínculos de territorialidade (MENESES, 2012).

Em 1967, o governo do Estado de São Paulo promoveu uma reforma administrativa que uniu as
atividades de turismo às de cultura e esportes, de modo a melhor coordená-las, na Secretaria de
Cultura, Esporte e Turismo, a qual ficaria subordinado o Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), cuja denominação revela a tendência
então predominante, entre o patrimônio e o turismo, criado em 1968.

Fonte: IPHAN
 Figura 16. O Iphan - São Paulo funciona em um casarão construído no início do século XX,
exemplar da arquitetura do período republicano.

As relações entre patrimônio e turismo foram instituídas em plena vigência do turismo de


massa, qualificação que correspondeu à solidificação da sociedade de consumo e da indústria
cultural no país. Nesse contexto, o patrimônio projetou-se como mercadoria de consumo cultural e
acarretou o comprometimento de sua função social primeira, a de expressar a memória coletiva e
de outras, como a de manutenção de condições ambientais, da coesão comunitária e de
manutenção de antigas configurações espaciais.

TURISMO DE MASSA

Turismo de massa ou overtourism significa turismo em excesso. Trata-se do impacto do


turismo nos lugares e as influências negativas, como a perda de qualidade de vida dos
cidadãos e da experiência dos visitantes.

No Brasil, foram inúmeros os casos em que populações, durante anos responsáveis pela
manutenção de heranças culturais, foram apartadas de seus espaços de vida por obras de
"revitalização” ou "adaptação a finalidades turísticas".
 EXEMPLO

Uma discussão importante sobre esse processo nas obras olímpicas do Rio de Janeiro, do Porto
Maravilha; ou na revitalização de Fortaleza, em que populações, historicamente estabelecidas
perderam seus espaços, passando a suburbanizadas sob a tradicional alegação de melhor
qualidade de vida e requalificação do espaço original. No primeiro, foram membros de
quilombos urbanos e no segundo comunidades de pescadores os afetados pelas
transformações.

A dissociação atingiu cidade históricas, unidades cujo processo de valorização turística foi mais
complexo e envolveria vinculações com a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU).
Desde sua criação, em 1973, até 1979, o Programa de Cidades Históricas (PCH) esteve sob a
coordenação da Secretaria de Planejamento da Presidência da República e só a partir de então,
até 1987, foi desenvolvido pelo IPHAN (TOURINHO; RODRIGUES, 2017).

No decorrer da década de 1970, o turismo instalaria uma nova perspectiva de proteção do


patrimônio cultural e logrou assegurar o caráter especializado de sua prática, bem como a
necessidade de formação de pessoal especializado. Em São Paulo, o Iphan e o Condephaat, em
colaboração com a Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e com o
Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-SP), ofereceram dois cursos de especialização incluindo
professores estrangeiros, nos quais se formou grande parte dos profissionais que atuaram nas
décadas seguintes.

Do primeiro, em 1974, originou-se o Curso de Especialização em Conservação e Restauração


de Monumentos e Sítios Históricos (Cecre), que depois de realizado em São Paulo, Recife e Belo
Horizonte ficaria sediado na Universidade Federal da Bahia, tornando-se um curso de mestrado
de alcance internacional.

Antes mesmo de incluir-se nas medidas propostas pelo Compromisso de Brasília, a criação de
órgãos estaduais e municipais de preservação do patrimônio estava sugerida no art. 23 do
Decreto-Lei n. 25/1937, atribuindo ao poder executivo a responsabilidade de providenciar e
realizar acordos entre União e estados para melhor coordenação e desenvolvimento das
atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e para a
uniformização da legislação estadual complementar sobre o mesmo assunto.

Compreende-se, assim, a uniformidade da legislação, mas não dos procedimentos técnicos


adotados pelos órgãos estaduais e, depois, municipais, criados a partir de então.
A “ortodoxia” preservacionista, baseada nas concepções da década de 1930 e nas condições
políticas desse período, nem sempre era adequada às funções atribuídas ao patrimônio cultural
mais recentemente e aos direitos sociais então reconhecidos.

Os órgãos estaduais, mesmo os criados antes do encontro de Brasília, replicavam ações


tradicionais, mas nem sempre propícias à aproximação entre patrimônio e questões
contemporâneas, como as relativas ao planejamento urbano.

Entre as décadas de 1960 e 1980, criaram-se órgãos de preservação em vários estados, como,
em 1964, a Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico do então Estado da Guanabara; em 1968,
o Condephaat, em São Paulo; e, em 1971, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico
de Minas Gerais (Iepha), todos organizados a partir do modelo estabelecido pelo Decreto-Lei n.
25/1937 e restritos à preservação de bens culturais de caráter material, tendo o tombamento
como instrumento.

TOMBAMENTO: VALORES E
PROCEDIMENTOS IMUTÁVEIS?

Fonte: IPHAN
 Figura 17. Edifício Docas de Santos, que abriga a superintendência do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Rio de Janeiro (RJ).
A aplicação do tombamento cabe ao poder executivo federal, estadual ou municipal e se inicia
com estudos e avaliação técnica que resultam em um parecer e uma apreciação de um
conselheiro, membro do colegiado, que decide sobre a aplicação do tombamento. Cabe ao
representante direto do Executivo, o secretário da pasta em que se situa o órgão especializado,
homologar essa decisão que terá validade após a publicação da Resolução de Tombamento no
Diário Oficial.

Os bens tombados são inscritos, de acordo com seu caráter e valores que lhes são atribuídos,
em Livros do Tombo. No caso do IPHAN, eles são: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico; Livro do Tombo Histórico; Livro do Tombo das Belas Artes; e Livro do Tombo das
Artes Aplicadas.

O tombamento não impede a comercialização do bem, mas impõe restrições que visam à sua
manutenção física que, de acordo com a lei, é de responsabilidade do proprietário; também limita
seu pleno usufruto e pode causar sua desvalorização imobiliária. Ao mesmo tempo, protege o
bem de destruição física, mas não garante sua preservação e implica cuidados contínuos de
preservação. Na falta deles, é comum que o bem seja destruído pelo próprio correr do tempo.

Ao mesmo tempo forte e frágil, o tombamento é legítimo e sua aplicação vem impedindo a
destruição de inúmeros bens de grande importância cultural. Utilizado para todos os casos de
proteção de bens materiais – mesmo àqueles aos quais não se justifica a aplicação de regras
tão severas como as por ele previstas –, ele vem sendo frequentemente burlado por meio de
subterfúgios jurídicos e múltiplas ações de interesse particular, que atingem a destruição física e a
apresenta como parte constitutiva da “irrefreável” transformação das sociedades.

Fonte: IPHAN
 Figura 18. Palácio Itamaraty, localizado no Rio de Janeiro (RJ) já foi moradia do barão do Rio
Branco, sede da Presidência da República do Brasil e abrigou, por décadas, o Ministério das
Relações Exteriores.

Os bens também são destruídos por falta de conservação e por descaracterizações executadas
sem o cumprimento da lei, que exige a aprovação prévia dos órgãos públicos competentes. O
cenário indica a urgente necessidade de adoção das demais formas de proteção previstas no
art. 216 da Constituição de 1988, entre os instrumentos utilizados pelas instituições públicas.

Podemos notar que a relação de leis e ordens relativas a patrimônio é principalmente federal,
mas isso não quer dizer que estados e municípios sejam menos importantes. Em espaços
diversos, foram construídos processos, modelos administrativos que, muitas vezes, obtiveram
sucesso e foram vitais nas questões urbanas e sociais.

 RECOMENDAÇÃO

Que tal pesquisar, na sua cidade, ações do estado ou do município sobre a questão? Corredores
culturais, guardas de bens ainda não tombados. Por exemplo, a cidade de Paraty (RJ), mesmo
antes de vários tombamentos importantes, valorizava e mantinha seus calçamentos originais no
centro. Em Trancoso (BA), além do calçamento, os acessos estreitos à região eram
salvaguardados, tinham fins locais e não partiam de determinações federais. Alguns adotaram
novos conceitos operacionais o que permitiu democratizar atuações, embora mantidas as
principais características metodológicas e as referências básicas constituídas no IPHAN.

DESTAQUE: O PATRIMÔNIO IMATERIAL

Fonte: Arthur Matsuo/Shutterstock.com


 Figura 19. A Feira de Caruaru, Pernambuco, foi inscrita no Livro de Registro dos Lugares em
2006.

O Decreto n. 3551, de 4 de agosto de 2000, ampliou significativamente a inclusão de segmentos


sociais ainda não representados no patrimônio cultural brasileiro. Por meio dele, o Estado
instituiu uma nova forma de reconhecimento de valores culturais (o registro), especificamente
voltada à salvaguarda de bens de natureza imaterial.

A metodologia aplicada para selecionar esses bens difere, grandemente, daquela adotada para
os bens materiais. O conceito que a sustenta, “referências culturais”, pressupõe sujeitos para os
quais algo faça sentido, como aponta Fonseca (s. d.). É a partir dos sujeitos sociais que se
estrutura a metodologia de pesquisa, o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC),
desenvolvido pelo IPHAN para identificar marcos e referências culturais de um grupo social.

A participação de sujeitos sociais na construção do patrimônio imaterial é intrínseca à própria


metodologia definida pelo IPHAN, uma vez que sua aplicação só se inicia com o consentimento
prévio dos envolvidos e após esclarecimentos a respeito de seu desenvolvimento. Além disso,
eles participam da construção do conhecimento sobre suas práticas por meio de entrevistas,
identificação de espaços, tradições ou cessão de documentos e pelo respeito às dinâmicas
culturais locais.

Além de saberes, celebrações, formas de expressão e lugares, são considerados edificações


associadas a certos usos, as significações históricas e as imagens urbanas,
independentemente de sua qualidade arquitetônica ou artística em determinado território
(Inventário Nacional de Referências Culturais - INRC); configura-se, assim, “um retrato”, no qual os
envolvidos se identificam.

O reconhecimento do patrimônio imaterial foi inicialmente praticado pelo Instituto do Patrimônio


Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que após estudos e realização de inúmeros encontros em
que se discutiram as estratégias e formas de proteção a serem adotados; desses esforços
resultaram documentos como a Carta de Fortaleza, de 1997, resultado também das reflexões
em âmbito internacional que se realizaram sobre o mesmo tema.

CARTA DE FORTALEZA

Documento organizado a partir de um congresso realizado em Fortaleza, em 1997, em


comemoração aos 60 anos do IPHAN. O seminário, com participação de agentes da
UNESCO, gerou um documento de intenções fundamentais para os caminhos dali por
diante.

Entre 1989 e 2003, a Unesco publicou documentos que se tornariam referências, nos quais se
reconhece a importância da cultura tradicional e popular como integrante do patrimônio cultural,
reconhece e prevê apoio aos mestres transmissores de saberes e realça a importância do
relativismo cultural para a definição das políticas de salvaguarda.

Fonte: IPHAN
 Figura 20. Celebração do Bumba meu boi, no Maranhão.

O já mencionado art. 216 da Constituição de 1988 inclui a dimensão imaterial como parte do
patrimônio cultural brasileiro. Esse foi o marco de abertura para a efetivação de medidas que
vinham sendo estudadas desde o final da década de 1970, que incluíam a superação da ideia da
cultura popular como “folclore”, coisa apartada da cultura contemporânea, e buscavam a inclusão
das culturas indígenas, continuadamente ausentes das políticas públicas, a partir de uma
perspectiva cultural que também reconhecia potencialidades tecnológicas e econômicas.

Nessa perspectiva, deu-se a curta, mas revolucionária, atuação do Centro Nacional de


Referências Culturais (CNRC), entre 1975 e 1979, integrado ao IPHAN. A experiência incluiu a
aproximação entre estudos acadêmicos e a prática de patrimonialização, e nos legou o conceito
“referência cultural” sob o qual se assentam as ações relativas ao patrimônio imaterial.

Às ações iniciais de salvaguarda do patrimônio imaterial, o IPHAN vem somando outras, como o
Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL) e o Plano de Salvaguarda, enquanto nos
estados e municípios vêm sendo adotadas políticas específicas para o patrimônio imaterial.
Vianna (2016) explica que o conceito de patrimônio imaterial (ou intangível) foi tomado a partir de
uma perspectiva antropológica e relativista da cultura. Isso significa a consideração da cultura
como expressão própria dos seres humanos; nela se incluem expressões materiais e um
complexo sistema de significados composto por valores, modos de viver, conhecimentos,
técnicas, crenças etc.
VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. O DECRETO N. 25, DE 1937, INAUGUROU UMA POLÍTICA PÚBLICA DE


PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. OS
CONCEITOS QUE A ORIENTARAM FORAM REVISTOS NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988. OBSERVE O QUADRO:

DECRETO-LEI N CONSTITUIÇÃO
.25/1937 DE 1988

DEFINIÇÃO DE HISTÓRICO E
CULTURAL
PATRIMÔNIO ARTÍSTICO

REPRESENTAÇÃO NAÇÃO SOCIEDADE

REFERÊNCIA PRESENTE E
PASSADO
TEMPORAL PASSADO

A) As diferenças apontadas no quadro não refletem novos conceitos, uma vez que o registro das
leis não inclui a ação social e dos indivíduos.

B) As diferenças apontadas indicam que o patrimônio faz parte da vida cotidiana e realçam a
diversidade cultural e temporal dos bens protegidos. Quer dizer, o tempo é o motivo de suas
diferenças, o patrimônio é uma necessidade dos contemporâneos.

C) A lei mais recente nos leva à consideração da sociedade e do tempo presente superior no
papel e valor do patrimônio, uma vez que indicam que os artigos 215 e 216 da Constituição
representam a democratização da política de proteção do patrimônio brasileiro.

D) As dinâmicas sociais que marcam as leis de patrimônio revelam a relação dinâmica entre a
sociedade e as demandas do tempo.
E) As leis não dialogam, têm fins e motivos diversos entre si apesar de tratar de patrimônio.

2. O REGISTRO, INSTRUMENTO APLICADO AOS BENS DE NATUREZA


IMATERIAL A PARTIR DE 2000, REALÇA, COMO PARTE DA CULTURA
BRASILEIRA, AS MANIFESTAÇÕES DE SETORES DA POPULAÇÃO,
COMO OS INDÍGENAS, ATÉ ENTÃO NÃO CONTEMPLADOS PELA
POLÍTICA DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO. SOBRE A AFIRMATIVA, É
CORRETO AFIRMAR:

A) Não se considerou a diversidade cultural do país.

B) Não se reconhecem os lugares onde se reproduzem práticas culturais coletivas.

C) Todos temos a oportunidade de ampliar o conhecimento sobre as manifestações culturais e


valorizar a diversidade cultural do Brasil.

D) Não se incluíram os ofícios entre as práticas culturais.

E) Incluíram-se as manifestações culturais descritas como folclore.

GABARITO
1. O Decreto n. 25, de 1937, inaugurou uma política pública de proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional. Os conceitos que a orientaram foram revistos na
Constituição de 1988. Observe o quadro:

Decreto-lei n .25/1937 Constituição de 1988

Definição de patrimônio histórico e artístico cultural

Representação nação sociedade

Referência temporal passado presente e passado

A alternativa "D " está correta.

As definições da Constituição de 1988 refletem os movimentos sociais que reivindicavam não só


a democratização do país, como, mais especificamente, o reconhecimento de seus direitos
culturais.

2. O registro, instrumento aplicado aos bens de natureza imaterial a partir de 2000, realça,
como parte da cultura brasileira, as manifestações de setores da população, como os
indígenas, até então não contemplados pela política de proteção ao patrimônio. Sobre a
afirmativa, é correto afirmar:

A alternativa "C " está correta.

A vitória da consolidação do patrimônio imaterial com o um bem é vital para o entendimento da


questão. A ação dos entes federativos terem responsabilidade por essas tradições não sendo
uma ação, somente dos grupos que a procedem, pode ser entendida como um poderoso avanço
legislativo e governamental no que tange ao patrimônio. Não é uma questão que se restringe ao
reconhecimento, mas ao estímulo, ao fomento, e tem fortalecido as festas e tradições. O registro
refere-se aos saberes, às celebrações, às formas de expressão e aos lugares, o que significa
considerar para inscrição, em livros de registro, os fazeres cotidianos; os rituais e as festas de
trabalho, de religiosidade e entretenimento; as manifestações literárias, cênicas, plásticas e
musicais; e os lugares, como mercados, feiras, praças e santuários.

MÓDULO 3
 Identificar o papel da esfera privada na construção da memória social
Assista a seguir ao vídeo Atores da preservação do patrimônio: Sociedade civil.

REFLEXÕES NECESSÁRIAS

Fonte: IPHAN
 Figura 21. Celebração do povo indígena Wajãpi do Amapá.

Em uma mesma sociedade, coexistem diversos sistemas de significados, conflitantes ou não,


que são compartilhados de diferentes modos, em diversos lugares e tempos. As ciências
humanas elucidam dois pontos de vista que, desde o final do século XIX, são pontos de partida
para a avaliação de culturas: o etnocentrismo e o relativismo cultural.

O etnocentrismo toma uma cultura como modelo para comparação com outras, desenvolvidas em
lugares, tempos e diferentes valores. Nesse ponto de vista, por exemplo, baseou-se a avaliação
das culturas africanas pelos colonizadores europeus e se sustenta a ideia de existência de
culturas mais evoluídas que outras e sua hierarquização a partir de classes sociais. O relativismo
cultural, explica Vianna (2016), busca entender cada cultura em si, a partir de suas próprias
características, da lógica e contradições que a compõem.

Esse modo permite a percepção da diversidade cultural expressa no patrimônio imaterial,


conceito incluído nas políticas públicas de proteção e salvaguarda desenvolvida no âmbito
internacional e no Brasil, a partir do final da década de 1980.

SOCIEDADE E DEFESA DO PATRIMÔNIO


CULTURAL
No decorrer dos anos 1980, os canais de participação da sociedade, nos órgãos de proteção ao
patrimônio, eram restritos ao envio de solicitações de abertura de estudos de tombamento.

Eram frequentes as propostas de ampliação dos setores sociais representados nos conselhos
das instituições públicas responsáveis pelo exercício da proteção ao patrimônio, o que não
ocorreria. Atualmente, eles continuam formados por representantes de instituições acadêmicas e
profissionais e de setores da administração pública. Sem dúvida, a análise dos processos não
dispensa o concurso de profissionais especializados, porém, tendo em vista o crescente
interesse e a organização da sociedade em torno das questões da memória, parece-nos legítima
a criação de canais para a consideração do posicionamento desses setores.

A dinâmica do movimento social mostrou que o patrimônio foi incluído entre as reivindicações da
época, ainda que de forma pontual. Inicialmente, envolvendo setores médios e altos da
sociedade, a mobilização foi motivada pela defesa de bens de valor então ditos ecológicos,
como áreas verdes urbanas e rurais. Alguns casos ocorridos, em São Paulo, exemplificam a
valorização do patrimônio como campo de conexão da memória social aos direitos à vida com
boa qualidade ambiental e à cidade. Essa perspectiva se expressou no campo internacional do
patrimônio, no ano de 1972, na Declaração de Estocolmo, da Organização das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Unep), que consagrou seu desfrute como fundamental, uma vez que
permita aos homens levar uma vida digna, gozar de bem-estar (Declaração de Estocolmo
para o Meio Ambiente, 1972).

 EXEMPLO

Em 1978, a mobilização dos moradores de Caucaia do Alto, em Cotia (SP), logrou sustar a
implantação de um aeroporto — projeto do governo estadual que resultaria na destruição de uma
grande área florestal e de mananciais, a Reserva do Morro Grande. Para isso, contou-se com a
atuação do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do
Estado de São Paulo (Condephaat), criado em 1968. Após estudos técnicos, esse conselho
decidiu pelo tombamento da área, o que garantiu a preservação.

TOMBAMENTO DA ÁREA
Processo n. 00610/1975, Resolução de 2 jun. 1976.

O valor memorialístico já havia motivado movimentos reivindicatórios de manutenção de


referências espaciais, como o ocorrido em 1975, quando, liderado por ex-professores e ex-
alunos, a mobilização da sociedade logrou vencer o projeto de demolição do edifício da Escola
Normal da Praça, ou Instituto de Educação Caetano de Campos, situado na Praça da República,
centro da capital paulista.

O projeto era substituí-lo por uma estação do Metrô-SP, mas a movimentação, que também se
caracterizou por levar a integração do tema patrimônio à pauta da imprensa, fez com que a
decisão fosse revista e a estação passasse a ser subterrânea, mantendo-se assim o edifício.
Comprovou-se, portanto, que a propalada oposição entre progresso e preservação não passava
de uma falácia; a questão era política, de equilíbrio entre os interesses público e privado. Entre as
reivindicações do movimento estava o tombamento da escola, atendido pelo Condephaat.


SAIBA MAIS

Para saber mais sobre essa questão, pesquise o Processo n. 00610/1975, Resolução de 2 jun.
1976.

Outro exemplo da potencialidade mobilizadora da memória foi liderado por trabalhadores da


Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus (CBCPP), importante indústria já desativada,
próxima à capital. Desde a década de 1980, eles se movimentavam para evitar a demolição da
imensa área fabril que comportava as instalações de produção, casas por eles ainda habitadas e
equipamentos urbanos.

Aí estava representada parte expressiva de sua memória coletiva. Centrados na sede do


Sindicato do Cimento, Cal e Gesso de São Paulo, os “queixadas”, como eram conhecidos,
haviam sustentado um longo período de greves, de 1962 a 1969; agora, os espaços que
referenciavam suas experiências estavam ameaçados de destruição não só das instalações de
trabalho, mas também das moradias e convivência, agravando as condições de precariedade por
eles enfrentada.

O movimento sugere que a importância da preservação da memória e as instituições públicas de


proteção ao patrimônio, ainda que timidamente, começassem a ser reconhecidas pelos
segmentos populares como instrumentos para o exercício de direitos culturais. A proteção jurídica
e o reconhecimento público da relevância da memória dos trabalhadores da CBCPP como
símbolo de determinada forma de organização, luta e resistência devem-se ao Conselho
Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo
(Conpresp), criado em 1985 (Resolução n. 27/Conpresp/1992).

Fonte: IPHAN
 Figura 22. O conjunto histórico e paisagístico de Iguape (SP) foi tombado pelo IPHAN, em
2011.

A inclusão do patrimônio natural e paisagístico, no rol dos bens passíveis de serem


patrimonializados, impôs a consideração de novos valores relacionados à geomorfologia e, ainda
que indiretamente, ao planejamento territorial e do turismo, entre os critérios de avaliação de
técnicos e conselheiros do órgão. Isso se deve ao geógrafo e professor Aziz Ab’Sáber (1924-
2012), membro do conselho, nas décadas de 1970 e 1980, e seu presidente durante um curto
período (CRISPIM, 2016).

A consciência ecológica, já desenvolvida naquele momento, sustentou também a preservação de


áreas verdes urbanas ameaçadas por empreendimentos imobiliários de grande porte. Nesse
sentido, duas grandes mobilizações tornaram-se emblemáticas e não envolveram apenas
moradores locais. Os objetos foram os parques que circundavam duas residências tombadas
pelo Condephaat, com base no “valor arquitetônico”:

Em 1983, a Casa Modernista, da Rua Santa Cruz, no bairro de Vila Mariana, projeto
pioneiro de Gregori Warchavchik (1896-1972);
Em 1984, a antiga residência do Sítio Itaim, em taipa de pilão, situada na Rua Iguatemi, no
bairro do Itaim Bibi.

Nos dois casos, verifica-se a dissonância entre a perspectiva do órgão e a de parcelas da


sociedade em torno dos valores atribuídos aos bens culturais. Se os procedimentos técnicos
tradicionais levavam à proteção pública a partir de padrões eruditos, no caso dois momentos da
história da Arquitetura para os que reivindicavam, o valor das propriedades se situava nos
parques que circundavam as edificações e haviam sido incorporados ao cotidiano dos habitantes
locais. Ambos eram áreas de refúgio do burburinho urbano, de lazer e aproximação com a
natureza, que propiciavam boa qualidade ambiental naqueles populosos bairros. Apenas a área
da Rua Santa Cruz se tornaria um parque público municipal.

PATRIMÔNIO NATURAL E PAISAGÍSTICO

O Condephaat tornou-se um órgão pioneiro na proteção de áreas naturais, incluídas as de


grande porte como a Serra do Mar, tombada em 1985 (Resolução n. 40, de 6 jun. 1985).

CASA MODERNISTA

Processo n. 22831/1983, Resolução 29, de 20 out.1984.

SÍTIO ITAIM

Processo 20640/1978, Resolução 46, de 13 maio 1982.


PAPEL DA ESFERA PRIVADA NA
PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO

Fonte: Cesar Lima/Shutterstock.com


 Figura 23. Centro Cultural Banco do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro (RJ).

Patrimônio cultural será aqui tomado em seu sentido mais amplo de toda produção da sociedade
e envolve culturas particulares. Seu volume é imenso, assim como sua complexidade, que
abrange todos os campos da atuação humana.

São objetos, registros escritos e imagéticos, que documentam, isto é, dão informações para a
contínua prática de construção da memória social e da História. Por meio deles, podemos
conhecer sujeitos e situações cotidianas, muitas vezes difíceis de serem reconstruídas por
documentos oficiais.

Além dos acervos pessoais e familiares, fazem parte desse patrimônio os acervos técnicos e
administrativos de empresas que, com exceção de documentos jurídicos, são comumente
descartados em prejuízo das possibilidades de novas percepções do passado e da construção
de identidades coletivas.

As duas décadas finais do século XX caracterizaram-se por uma sensação de perda que gerou
incertezas diante da ruptura de valores consagrados e do contato com outros, ainda não
familiares, resultantes da globalização da economia e da mundialização da cultura. A resposta à
situação foi a valorização da memória e da cultura, contando com a participação ativa do mundo
corporativo; esse apresentava tais ações como parte de sua “responsabilidade social”,
ampliando assim a criação de imagens empresariais positivas.

A iniciativa privada, bem como o poder público, e muitas vezes em parceria, ampliaram as
oportunidades de contato e criação artística da população; as periferias das grandes capitais
foram pontuadas por casas de cultura e criaram-se centros culturais que ofereciam, gratuitamente
ou a preços acessíveis, exposições, espetáculos de teatro e cinema.

 EXEMPLO

O Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em 1989, instalado no Rio de Janeiro e, mais
tarde, em Belo Horizonte, Brasília e São Paulo, onde foi inaugurado em 2001. Na capital
fluminense, situa-se no Centro, em um edifício tombado que, em 1923, foi adequado para sediar
a agência central do banco. Ainda que se trate de uma instituição dedicada a atividades culturais
múltiplas, seu edifício-sede expõe em primeiro plano o apreço pela memória institucional nele
representada.

Fonte: Bernard Barroso/Shutterstock.com


 Figura 24. Interior do CCBB-RJ.

Isso confirma a observação de Canclini (1994), sociólogo argentino que estuda questões relativas
ao patrimônio cultural. Para ele, são três os agentes sociais que investem em sua construção: o
Estado, os movimentos sociais — ambos abordados anteriormente — e a iniciativa privada, da
qual tratamos neste tópico. Todos esses setores incluem disputas simbólicas e materiais
acentuadas, no caso das ações da iniciativa privada, o que não significa que delas estejam
excluídas questões de identidade relacionadas a interesses objetivos das atividades de
produção, comércio ou serviços.

As iniciativas do setor privado configuram-se como reação às consequências das mudanças


decorrentes da tecnologia e na crescente internacionalização do capital – estabelecimento de
novas condições acionárias e administrativas, nova organização da produção e das relações de
trabalho – que rompiam antigos valores e procedimentos. Tratava-se de reafirmar,
simbolicamente, o lugar social de suas empresas por meio de seus patrimônios particulares.

Na década de 1980 e na seguinte, essa dinâmica incluiu a organização de acervos documentais,


especialmente os de empresas de porte internacional. O mundo corporativo começa a perceber
sua memória como parte de uma forma especial de capital, o simbólico, que propiciava
informações sobre o passado e apoiava decisões de renovação técnica e administrativa, e a
expansão do prestígio e da credibilidade das empresas na sociedade como um todo.

Entre os anos 1980 e 2000, instalaram-se centros de documentação e memória em todo o país:
da Odebrecht, na Bahia; e da Eletropaulo, em São Paulo, este motivado pela privatização da
empresa cujos acervos se dispersariam; do Grupo Ultra, também em São Paulo; o da Varig, no
Rio Grande do Sul; e o da Globo, no Rio de Janeiro, para citar apenas alguns exemplos
(KERBER; OTT, 2014). Da criação desses setores especializados também participaram
organizações sindicais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1999; e
universidades, como a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), em 1999.

Esse movimento mostra que a ideia da construção da memória por agentes externos ao Estado
ampliava-se. De qualquer modo, os investimentos em centros de documentação acabaram por ir
ao encontro de uma perspectiva empresarial que, é necessário reconhecer, fazia parte da
competição e do marketing, a responsabilidade social. Porém, sua implantação ampliou e
diversificou o conjunto de documentos necessários à construção do conhecimento histórico, uma
vez que diversos centros de memória de empresas foram abertos à consulta para pesquisadores.
Além disso, sua organização influiu na construção de uma historiografia específica, a história de
empresas, muitas vezes reveladora de aspectos até então desconhecidos.

As novas estratégias de marketing muitas vezes foram expressas em publicações


comemorativas de datas de importância interna. Foi expressiva também a publicação de livros
temáticos que, em edições luxuosas e bem cuidadas, divulgaram documentos iconográficos de
grande valor para a memória histórica do país. Em parte, foram edições favorecidas pelo
Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), mais conhecido como Lei Rouanet, a Lei n.
8.313, de 1991.

A essa lei de incentivo à cultura se seguiriam outras semelhantes, estaduais e municipais.


Pretendia-se também orientar a captação de recursos para obras de conservação e restauro de
bens tombados. Comparados aos investimentos realizados em outras áreas, como a de museus,
a conservação do patrimônio edificado não atraiu um número significativo de interessados.

A SOCIEDADE CONSTRÓI NOVOS


CAMINHOS
Podemos tomar os anos 1980 como referência de grandes avanços no sentido de uma
aproximação entre as ações públicas de preservação da memória social e a sociedade; mas,
também, da organização da sociedade para a valorização de suas culturas particulares.

No decorrer de duas décadas anteriores, sob a pressão de medidas autoritárias e de censura, a


cultura se tornou um campo de resistência e afirmação da diversidade cultural. Essa experiência
coletiva está na base de um fenômeno auspicioso, de valorização de memórias e culturas locais
que se seguiriam, também influenciado pelo contínuo descaso das autoridades. Em favelas ou
áreas periféricas de grandes metrópoles, comunidades se organizaram com finalidades variadas,
incluída a de defesa e valorização de seus bens materiais e práticas tradicionais, projetando-os
no acervo cultural da cidade.

As iniciativas vão de passeios turísticos, como em Paraisópolis, uma das maiores favelas da
capital paulista, até museus organizados na perspectiva da museologia social, o que os torna
peças de valor estratégico para a apropriação cultural, construção de autoimagem comunitária e
ressignificação do passado.

Fonte: Autor/Wikimedia commons/licença(CC BY 3.0...)


 Figura 25. Logo do Museu da Maré, na cidade do Rio de janeiro (RJ).

O Museu da Maré, inaugurado em 2006, que também oferece uma versão da história do Rio de
Janeiro a partir do ponto de vista dos moradores da Zona Norte.

Fonte: UrurayPatrimonio/facebook
 Figura 26. Jornada do Patrimônio, Grupo Ururay (2019).

Outros grupos, como o Ururay – Patrimônio Cultural, coletivo formado em 2014 pela agregação
de diversos grupos preexistentes, atua na Zona Leste de São Paulo, vasto e tradicional território
negro, operário e fabril da cidade e inclui em suas atividades estudos, identificação e ações de
valorização dos bens. Entre estes, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos,
situada no bairro da Penha. Construção simples, do início do século XIX, tombada pelo
Condephaat em 1982, ela permanecia sem uso e ameaçada de destruição. Os grupos que
buscam valorizar a memória e as práticas culturais da região recuperaram as festas da
padroeira, santa de especial veneração das comunidades negras do Brasil, retomando-a como
lugar de culto e sociabilidade.

Fonte: Movimento Cultural Penha/facebook


 Figura 27. Centro da Penha de França por Natália Scromov Espada

O movimento Tribufu, feito pelo coletivo Movimento Cultural da Penha. Surgiu na Igreja de Nossa
Senhora do Rosário dos Homens Pretos, situada no bairro da Penha. Construção simples, do
início do século XIX, tombada pelo Condephaat em 1982, ela permanecia sem uso e ameaçada
de destruição. Os grupos que buscam valorizar a memória e as práticas culturais da região
recuperaram as festas da padroeira, santa de especial veneração das comunidades negras do
Brasil, retomando-a como lugar de culto e sociabilidade.

Fonte: Thiago Diniz/Rolé Carioca


 Figura 28. Rolé Carioca - Engenho de Dentro

Rolé Carioca - Iniciativa de professores que acreditavam que a história estava na rua e o que era
produzido na academia devia ser acesso a todas as pessoas que assim quisessem
ressignificando não os monumentos, mas os bairros operários, a cidade maltratada.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

1. LEIA ATENTAMENTE OS TEXTOS A SEGUIR:

“A HISTÓRIA DE EMPRESAS É UMA ÁREA ESPECÍFICA DA


HISTORIOGRAFIA; REFERE-SE À CONSTRUÇÃO DO PASSADO DE
EMPRESAS DE PROPRIEDADE PRIVADA OU ESTATAL. NO BRASIL, ELA
SE DESENVOLVEU POR VOLTA DOS ANOS DE 1960, NA ACADEMIA,
JUNTAMENTE COM PESQUISAS SOBRE A FORMAÇÃO HISTÓRICA,
SOCIAL E ECONÔMICA DO PAÍS. VINTE ANOS DEPOIS, COMEÇARIA A
SER PRODUZIDA NO ÂMBITO CORPORATIVO, RELACIONADA À
COMUNICAÇÃO SOCIAL E AO MARKETING.”

“EMBORA O SENSO COMUM CONSIDERE A MEMÓRIA SOCIAL COMO


ALGO PRONTO, SEMELHANTE A UM ANTIGO ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS,
ELA É UMA CONSTRUÇÃO DINÂMICA, EM CONSTANTE MUTAÇÃO QUE,
POR DIVERSOS CAMINHOS, NOS APROXIMA DO PASSADO.”

AGORA, ASSINALE A OPÇÃO QUE VOCÊ CONSIDERA MELHOR


EXPRESSAR AS CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA EMPRESARIAL PARA O
CONHECIMENTO DO PASSADO COMUM DE UMA SOCIEDADE:

A) Considero não haver qualquer relação uma vez que a responsabilidade sobre patrimônio,
como previsto na Constituição de 1988 é responsabilidade dos órgãos governamentais, sendo
uma deturpação do sentido do patrimônio envolver entes privados.

B) A História de Empresas constrói-se a partir de informações econômicas e técnicas, mas


também inclui relações de trabalho e considerações sobre a localidade e a comunidade em que
se instalou. Dessa forma, sua importância estende-se ao fornecimento de informações externas à
própria empresa, referentes ao amplo contexto social.

C) Como parte da história econômica, a história de empresas não diz respeito a outras
especialidades, como a história urbana e social.

D) As informações dessa modalidade historiográfica se limitam às informações específicas da


unidade objeto de estudo.

E) A História do patrimônio deve ser pensada como um sentido, da pressão pública para os
entes públicos. Então, as afirmativas são complementares, uma vez que é a organização da
memória social que gera as ações governamentais e esses envolvem as empresas sobre o valor
do Patrimônio.

2. A DISCUSSÃO SOBRE CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO PRIVADA VEM


DE LONGA DATA. O DEBATE É SE NÃO ESTÃO TIRANDO UMA FUNÇÃO
DO ESTADO GARANTIDA E PENSADA NA CONSTITUIÇÃO COMO A
RESPONSÁVEL DE SALVAGUARDE DE NOSSO PATRIMÔNIO. OS
DEFENSORES DA CONSTRUÇÃO DESSES CENTROS DEFENDEM QUE
SUA FUNÇÃO É SINGULAR E VITAL AO CONJUNTO SOCIAL. A
AFIRMATIVA QUE MELHOR DESCREVE ESSA FUNÇÃO É:

A) São estruturas especializadas na preservação e organização de documentos para que esses


cumpram a função social de disseminar informações para o público interno e externo.

B) São espaços depositários de um patrimônio cultural particular, que é parte da memória social.

C) São estruturas de marketing para difundirem informações, o que atualmente é essencial ao


êxito de diversas iniciativas.
D) São espaços governamentais disponibilizados às empresas para poderem gerar a guarda de
memórias sociais e patrimônios que a iniciativa privada não teria interesse.

E) São estruturas complexas com funções diversas, uma vez que se especializam nas guardas,
acumulam e organizam patrimônio e memória e ainda podem difundir informações essenciais.

GABARITO
1. Leia atentamente os textos a seguir:

“A História de Empresas é uma área específica da historiografia; refere-se à construção


do passado de empresas de propriedade privada ou estatal. No Brasil, ela se
desenvolveu por volta dos anos de 1960, na academia, juntamente com pesquisas sobre
a formação histórica, social e econômica do país. Vinte anos depois, começaria a ser
produzida no âmbito corporativo, relacionada à comunicação social e ao marketing.”

“Embora o senso comum considere a memória social como algo pronto, semelhante a
um antigo álbum de fotografias, ela é uma construção dinâmica, em constante mutação
que, por diversos caminhos, nos aproxima do passado.”

Agora, assinale a opção que você considera melhor expressar as contribuições da


história empresarial para o conhecimento do passado comum de uma sociedade:

A alternativa "B " está correta.

A memória e a História são formas diferentes da sociedade se aproximar do passado; entre elas,
há pontos de convergência e oposição. A produção historiográfica se relaciona à construção da
memória histórica, que são informações sobre tempos pretéritos contidas em diversos suportes
materiais, genericamente chamados “documentos”. De um modo livre, podemos definir a História
como o conhecimento racional sobre o passado; as narrativas históricas analisam o que foi vivido
pessoal e coletivamente e são permeadas por silêncios e exclusões. O mesmo ocorre com a
memória, que podemos definir como um conjunto de experiências vivenciadas, pessoalmente ou
por relatos, cuja evocação condiciona-se a situações externas aos indivíduos, sejam elas
materiais ou não.

2. A discussão sobre centros de documentação privada vem de longa data. O debate é se


não estão tirando uma função do Estado garantida e pensada na constituição como a
responsável de salvaguarde de nosso patrimônio. Os defensores da construção desses
centros defendem que sua função é singular e vital ao conjunto social. A afirmativa que
melhor descreve essa função é:
A alternativa "E " está correta.

Os centros de documentação têm essas e outras funções institucionais de grande importância


para as empresas e para a construção da memória social. Cabe-lhes apoiar o desenvolvimento
de pesquisas, documentos e informações, a partir de atividades como programas de história oral;
formação de coleções fotográficas, iconográficas e audiovisuais; realização de exposições,
dentre outras formas de divulgação de conhecimento.

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apontamos, em traços gerais, a construção do patrimônio cultural, desafio que inclui diferentes
agentes: Estado, órgãos e instituições nacionais e internacionais especializados, movimentos
sociais e iniciativa privada.

Tal construção envolve tensões e disputas materiais e simbólicas, uma vez que resulta em um
universo no qual, estar representado, significa ser reconhecido como construtor da história.

As políticas públicas de proteção ao patrimônio são exercidas por órgãos especializados, em


geral pertencentes às secretarias de cultura, portanto inseridos no organograma do poder
executivo do Estado. Seu desempenho sofre a influência de circunstâncias políticas e da
expansão do conhecimento sobre o patrimônio, área de confluência de diversas disciplinas.
AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS

BRASIL. Casa Civil. Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937. Brasília, 1937.

BRASIL. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,


1988.

CANCLINI, N. G. O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional. In: Revista do


Iphan, Rio de Janeiro, n. 23, p. 100, 1994.

CONSELHO MUNICIPAL DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL E


AMBIENTAL DA CIDADE DE SÃO PAULO – CONPRESP. Resolução n. 27/2017. Consultado
eletronicamente em: out. 2020.

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paisagens paulistas pelo Condephaat (1969-1989). São Bernardo do Campo (SP): EdUFABC,
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DIEHL, A. Cultura historiográfica: identidade, memória e representação. Bauru (SP): Edusc,


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FONSECA, M. C. L. Referências culturais: Base para novas políticas de patrimônio. Políticas


Sociais acompanhamento e análise, s.i. p.111-120.

GONÇALVES, J. R. S. Monumentalidade e cotidiano: os patrimônios culturais como gênero de


discurso. In: OLIVEIRA, L. L. (Org.). Cidade: história e desafios. Rio de Janeiro: Editora FGV,
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KERBER, A. M.; OTT, F. A construção da história e da memória em empresas privadas no


Brasil dos anos 1990 e 2000. In: Revista Esboços, Florianópolis, v. 21, n. 31, p. 219-235, ago.
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LEAL, C. F. B. As missões da Unesco no Brasil: Michel Parent. Rio de Janeiro: Iphan,


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LOWENTHAL, D. Como conhecemos o passado. In: Projeto História. São Paulo, n. 17, p. 63-
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MENESES, U. T. B. O campo do patrimônio cultural: uma revisão de premissas. Aula Magna.


In: I Fórum Nacional de Patrimônio Cultural, Iphan. Brasília, v. 1, 2012, p. 127-135.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH). Assembleia Geral da ONU, A/Res/3/217A, (10 dez. 1948).

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. ONU. Declaração de Estocolmo para o Meio


Ambiente. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, 1972.

TOURINHO, A.; RODRIGUES, M. Patrimônio, espaço urbano e qualidade de vida. In: Oculum
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VIANNA, L. C. R. Patrimônio imaterial. In: GRIECO, B.; TEIXEIRA, L.; THOMPSON, A.


(Org.). Dicionário Iphan de Patrimônio Cultural. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro; Brasília:
Iphan/DAF/Copedoc, 2016. (verbete).

EXPLORE+
Caso queira ampliar suas leituras sobre a construção do patrimônio cultural, consulte a revista
especializada, publicada pelo Centro de Preservação Cultural da Universidade de São Paulo,
onde encontrará artigos isolados e dossiês sobre diversos temas.

Para conhecer algumas resoluções importantes do IPHAN sobre a questão do patrimônio, veja:

Processo n. 00610/1975

Resolução de 2 jun. 1976

Processo n. 22831/1983

Resolução 29, de 20 out. 1984

Processo 20640/1978

Resolução 46, de 13 maio 1982


Também disponível no site do IPHAN:

Um documento muito importante sobre a relação entre turismo e patrimônio é Carta de Turismo

Procure saber sobre o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC)

Para conhecer mais sobre memória operária veja o documentário Memórias de Um Rio Fabril ,
de 2017 e dirigido por Paulo Fontes, Thais Blank e Isabel Joffily, que consta no site do
Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho - LEHMT.

Quer conhecer algumas iniciativas municipais e estaduais sobre a questão do patrimônio? Leia o
artigo da professora Marly Rodrigues:

 CLIQUE AQUI
Que conhecer um pouco mais sobre a história da preservação de patrimônios culturais? Leia o
artigo da professora Marly Rodrigues:

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Quer conhecer um pouco mais sobre a trajetória internacional dos meios de preservação e
patrimônio. Leia o artigo da professora Marly Rodrigues:

 CLIQUE AQUI

CONTEUDISTA
Marly Rodrigues

Bacharel e Mestre em História; Doutora em História; Especialista em Conservação de patrimônio


História e Patrimônio Cultural. Foi diretora do IPHAN de São Paulo e coordenadora técnica do
Condephaat.

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