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19/02/2017
Em outubro de 2016, o governo de Michel Temer sancionou uma lei que passou
desapercebida nos embates sobre as terceirizações. A lei “Salão parceiro – profissional
parceiro” desobriga proprietários de salões de beleza a reconhecerem o vínculo
empregatício de manicures, depiladora(e)s, cabelereira(o)s, barbeiros, maquiadora(e)s e
esteticistas. O estabelecimento torna-se responsável por prover a infraestrutura
necessária – os demais trabalhadores seguem sendo reconhecidos como funcionários –
para que suas “parceiras” e “parceiros”, agora legalmente autônomos, realizem seu
trabalho. Assim, aquela manicure que trabalha oito horas por dia ou mais, seis vezes por
semana, para o mesmo salão, poderá ser uma prestadora de serviços.
A uberização, portanto, não surge com o universo da economia digital: suas bases estão
em formação há décadas no mundo do trabalho, mas hoje se materializam nesse campo.
As atuais empresas promotoras da uberização – aqui serão tratadas como empresas-
aplicativo – desenvolvem mecanismos de transferência de riscos e custos não mais para
outras empresas a elas subordinadas, mas para uma multidão de trabalhadores
autônomos engajados e disponíveis para o trabalho. Na prática, tal transferência é
gerenciada por softwares e plataformas online de propriedade dessas empresas, os quais
conectam usuários trabalhadores a usuários consumidores e ditam e administram as
regras (incluídos aí custos e ganhos) dessa conexão.
2. O trabalhador-perfil e o consumidor-vigilante
Basicamente, a empresa Uber promove a conexão entre uma multidão de motoristas
amadores pagos e uma multidão de usuários em busca de tarifas reduzidas em relação aos
táxis; em algumas cidades se estabelece como uma opção economicamente acessível,
menos degradante e mais veloz que o transporte público. Entrando de forma totalmente
predatória e com poucas regulamentações, rapidamente a empresa reconfigura o
mercado privado da mobilidade urbana. Tem uma estratégia agressiva de entrada nos
mercados locais; em muitas cidades o Uber é ilegal, mas segue operando normalmente.
Para tanto, conta com uma multidão de usuários e recruta – na passiva (melhor seria,
conta com a adesão permanente de) – uma multidão de motoristas amadores, que
encontram nessa atividade uma forma de geração de renda.
O Uber, assim como outras empresas que operam com a mesma lógica, estabelece regras,
critérios de avaliação, métodos de vigilância sobre o trabalhador e seu trabalho, ao
mesmo tempo que se exime de responsabilidades e de exigências que poderiam
configurar um vínculo empregatício. Consumo, avaliação, coleta de dados e vigilância são
elementos inseparáveis. Em realidade, o controle sobre o trabalho é transferido para a
multidão de consumidores, que avaliam os profissionais a cada serviço demandado. Essa
avaliação fica visível para cada usuário que for acessar o serviço com aquele trabalhador.
A certificação sobre o trabalho vem agora da esfera do consumo, por meio dessa espécie
de gerente coletivo que fiscaliza permanentemente o trabalhador. A multidão vigilante, na
forma multidão, é então quem garante de forma dispersa a certificação sobre o trabalho.
A confiança, elemento chave para que o consumidor entregue seus bens e documentos
nas mãos do motoboy, para que adentre o carro de um desconhecido que será seu
motorista (e que, diferentemente do taxista, não passou por um processo de certificação
publicamente regulamentada), é então garantida pela atividade dessa multidão vigilante,
que se engaja e também confia no seu papel certificador. Assim o trabalhador uberizado
se sabe permanentemente vigiado e avaliado. Essa nova forma de controle tem se
mostrado eficaz na manutenção de sua produtividade, na sua adequação aos
procedimentos – informalmente estabelecidos – que envolvem sua ocupação. Ao
adequar-se o trabalhador trabalha para si e para a empresa, para si e para o cultivo da
marca, que em realidade depende inteiramente da atuação dispersa desse exército de
motoristas.
Nas últimas décadas ficou claro que também era possível transferir o gerenciamento do
trabalho para o próprio trabalhador – é óbvio que um gerenciamento subordinado,
costurado pelas ameaças da concorrência e do desemprego. O fato é que a passagem do
relógio de ponto para o relógio de pulso mostrou-se extremamente eficaz na
intensificação do trabalho e na extensão do tempo de trabalho. Hoje a jornada de oito
horas parece uma lembrança distante para trabalhadores das mais diversas qualificações
e remunerações[5].
A multidão como um bom negócio. Em 2008, o jornalista Jeff Howe cunhou o termo
crowdsourcing[10]. O outsourcing teria chegado ao seu novo estágio, a crowd constituía-
se como a nova fonte das terceirizações. Navegando na celebração da economia
compartilhada, o autor em realidade desvendava a enorme transferência de trabalho das
empresas para os usuários navegantes do ciberespaço. O debate é longo e complexo. O
que somos nós, usuários do Facebook? A cada post, um cent, não para nós, é claro. O que
torna a empresa uma das de maior valor de mercado no mundo senão a participação de
seus usuários? O que faz do Youtube o Youtube senão a produção e uploads e
visualizações permanente de seus usuários? Seria essa atividade trabalho? Mas não é
preciso enveredar por esse caminho complexo das atividades criativas de consumidores
que se traduzem magicamente em lucro para empresas. Atualmente, a transferência de
trabalho na forma trabalho está explícita em diversos sites que contam com a adesão da
multidão de usuários-trabalhadores. No início dos anos 2000, a NASA criou o projeto
Clickworkers e com ele descobriu que não precisava ter trabalhadores contratados para
identificar elementos como crateras nas fotos de Marte: após testar a multidão,
comprovou que esta era tão eficiente e muito mais rápida no cumprimento da tarefa,
realizada gratuitamente como forma de “colaboração para o futuro”. O site Innocentive
hoje congrega cientistas uberizados com corporações como Procter & Gamble, Johnson’s
& Johnson’s. Estas perceberam que seus departamentos de pesquisa e desenvolvimento
podem se estender aos laboratórios improvisados de profissionais em busca de
complemento de renda ou apenas motivados pelos “desafios” lançados no site. As
soluções propostas pelos usuários podem ser patenteadas pelas empresas, a
contrapartida para o usuário selecionado são as premiações em dinheiro.
O motorista Uber tem com seu trabalho uma relação muito parecida com a da
revendedora Natura: um complemento de renda advindo de uma atividade que não
confere um estatuto profissional, um bico, um trabalho amador, que utiliza o próprio
carro, a destreza do motorista, suas estratégias pessoais e sua disponibilidade para o
trabalho.
Olhando para esses trabalhadores, vemos em ato a viração, tema atual e ao mesmo
tempo constitutivo do mercado de trabalho brasileiro desde sua formação. A viração – e
remeto-me ao uso que Vera Telles fazia do termo já no início dos anos 2000[13] – é pouco
tratada nos estudos do trabalho brasileiros, inclusive na produção e análise de dados
sobre emprego/desemprego; entretanto é constitutiva da vida e da sobrevivência dos
trabalhadores de baixa qualificação e rendimento. O “viver por um fio”[14] das periferias
brasileiras significa um constante agarrar-se às oportunidades, que em termos técnicos se
traduz na alta rotatividade do mercado de trabalho brasileiro, no trânsito permanente
entre trabalho formal e informal (como demonstra Adalberto Cardoso[15]), na
combinação de bicos, programas sociais, atividades ilícitas e empregos (ver pesquisas do
viver na periferia, em especial os coordenados por Gabriel Feltran, Vera Telles e Cibele
Rizek[16]). A trajetória profissional dos motoboys entrevistados deixa isso evidente. Hoje
motoboy-celetista e entregador de pizza, amanhã motofretista-MEI, ontem montador em
fábrica de sapatos, manobrista, pizzaiolo, feirante, funileiro, funcionário de lava-rápido.
Motogirl hoje, antes diarista, copeira, coordenadora de clínica para viciados em drogas.
Motofretista, serralheiro, repositor de mercadorias; confeiteiro e também ajudante de
pedreiro. Proprietário de loja de bebidas, trabalhador na roça, funcionário do Banco do
Brasil e hoje motofretista autônomo. Motoboy hoje, antes faxineiro, porteiro e cobrador
de ônibus. Este é o movimento com que grande parte dos brasileiros tecem o mundo do
trabalho.
Notas
[2] O Contrato Zero Hora já abrange 3% da força de trabalho no Reino Unido, mais de 900
mil trabalhadores, e cresce exponencialmente a partir de 2012. O contrato regulamenta a
condição de trabalhador just-in-time, possibilitando às empresas a utilização da mão de
obra de acordo com sua necessidade, a custos e encargos reduzidos.
[4] Fazendo o cálculo custo-benefício, centenas de motoristas Uber concluíram que custos
com o desgaste do carro, entre outros, são maiores na realização de pequenas corridas.
Uma das saídas encontradas foi buscar as corridas mais longas a partir do aeroporto de
Guarulhos. Essa decisão se traduziu na formação de bolsões de estacionamento, nos quais
formam-se gigantescas filas de espera pelo próximo trabalho. O motorista pode passar
horas (12 horas, como diz a notícia) esperando por um chamado vindo do aeroporto – o
qual ele tem de aceitar sem saber seu destino nem o valor a ser ganho. Motoristas passam
o dia jogando baralho e dominó, e em torno deles já se formou uma rede de
trabalhadores informais fornecedores de marmitas, bebidas, banheiros químicos.
[5] Na pesquisa que realizei com motofretistas ficou claro que a maioria dos entrevistados
tem uma jornada de 14 horas por dia ou mais sobre a moto, em meio ao trânsito de São
Paulo.
[7] No Brasil a uberização é ainda potencializada por uma nova figura jurídica, criada no
governo Dilma, do Microempreendedor Individual (MEI). A princípio estabeleceu-se como
um meio para a formalização de trabalhadores informais de baixa renda, que então se
tornam pessoas jurídicas, podendo emitir nota fiscal, sem terem as responsabilidades
jurídicas de uma empresa. O MEI não pode faturar mais de 60 mil reais por ano e contribui
para a Previdência Social, tendo acesso a benefícios sociais tais como auxilio maternidade,
auxílio doença e aposentadoria. A figura do MEI tornou-se ao mesmo tempo instrumento
governamental para a redução da taxa do trabalho informal no Brasil e veículo
extremamente eficaz da pejotização dos trabalhadores de baixa qualificação e
rendimento.
[10] Howe, Jeff. Crowdsourcing: How the power of the crowd is driving the future of
business. Nova York, Rondon House, 2008.
[11] Oliveira, F. Crítica à razão dualista/ O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.
[13] Telles, V. Mutações do trabalho e experiência urbana. Tempo social, n.18, v.1, 2006,
p. 173-95.
[16] CABANES, R.; GEORGES, I.; RIZEK, C. & TELLES, V (orgs.). Saídas de emergência:
Ganhar/perder a vida na periferia de São Paulo. São Paulo: Boitempo, 2011; FELTRAN, G.
O valor dos pobres. Cadernos CRH, Salvador, v.27, n.72, p. 495-512, Dez. 2014; TELLES, V.
S.; CABANES, R. (Orgs.). Nas Tramas da Cidade – trajetórias urbanas e seus territórios. São
Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006.
[17] Gig economy é o termo que hoje nomeia a sobrevivência por meio de bicos, contratos
de trabalho temporário, atividades como a do Uber. O termo dá a dimensão da
globalização da viração (ver aqui e aqui).
[18] Oliveira, F. Passagem na neblina. In: Stédile, J., Genoíno, J. (orgs.) Classes sociais em
mudança e luta pelo socialismo. São Paulo: Perseu Abramo, 2000. Klein, N. Sem logo: a
tirania das marcas em um planeta vendido. São Paulo: Record, 2002.
LUDMILA COSTHEK ABILIO: Não tinha pensado nisso, que já faz três anos. A uberização,
na verdade, trata da transformação do trabalhador nesse trabalhador just in time. Acho
que é uma forma de resumir essa história. Mas é uma definição complexa. A ideia do
trabalhador just in time é a de que você consegue consolidar uma forma de subordinação
e gerenciamento do trabalho que está inteiramente apoiada num lado, em um
trabalhador desprotegido. E essa desproteção é mais perversa do que simplesmente a
ausência de direitos, de uma formalização do trabalho. É um trabalho totalmente
desprotegido em termos legais, transformado nesse nanoempreendedor de si próprio,
que não conta com nenhuma garantia associada aos direitos do trabalho. Mas eu acho
que isso é uma coisa ainda mais profunda.
Não que essa desproteção não seja muito importante já de saída, mas há a ideia de que
você constitui uma multidão de trabalhadores disponíveis ao trabalho e que vão sendo
recrutados. Você tem meios tecnológicos hoje para organizar isso. Então, eles vão sendo
recrutados na exata medida das demandas das empresas ou do capital, se a gente quiser
falar de uma forma mais genérica, e que não tem garantia alguma sobre sua própria forma
de reprodução social.
Ser just in time também trata dessa eliminação, que já estava em curso com a
flexibilização do trabalho, das definições entre o que é tempo de trabalho e o que não é, o
que é o local de trabalho e o que não é. Então, eu acho que a uberização envolve
basicamente a consolidação do trabalhador just in time. Isso tem a implicação de que você
não terá mais a garantia sobre sua própria remuneração e sua carga de trabalho. Aí entra
um processo também muito importante que é a amadorização do trabalho, ou seja, um
deslocamento da figura do Estado como regulador das relações de trabalho e que confere
legalmente uma identidade profissional. Não só o Estado, mas as próprias relações de
trabalho que constituem essa identidade. E isso vai sendo deslocado para a formação de
uma identidade amadora. Ser amador é ser extremamente flexível, polivalente e com
novas formas de reconhecimento social. É um deslocamento grande em jogo. Eu venho
pensando muito como, de repente, o termo se espraiou.
Mas eu acho que ele tem essa raiz comum e talvez ele esteja causando impacto porque
existe uma percepção social de que isso é uma tendência que está costurando o mundo
do trabalho muito além do motorista Uber ou do motoboy, como se todo mundo se
soubesse potencialmente uberizável, atravessando as relações afetivas, uma série de
formas e esferas da vida que às vezes nem estão se configurando como parte do mundo
do trabalho, mas estão postas ali.
ABÍLIO: A uberização vem junto com uma série de desafios que a gente vive
permanentemente a partir da periferia. Tem a questão das nossas categorias de análise. A
gente sempre constrói nossas categorias a partir do que nós não somos e do que
deveríamos ser. Nunca damos conta de escrever de fato o que somos. E isso tem uma
capacidade e uma potência de invisibilização social gigantesca. Você invisibiliza a realidade
da maioria da população brasileira em nome de categorias que não nos servem.
O trabalho formal é um exemplo. Não que isso não nos sirva de horizonte ou que
tenhamos que jogar isso fora, mas a forma como a gente vai constituindo nossas
categorias de análise reafirmam sempre que aquilo que não cabe na categoria é exceção.
Aí é uma regra que nunca se generaliza e você não dá conta de explicar a realidade. E o
que eu acho que a uberização faz, assim como outros processos, é mostrar que o que a
gente entendeu como exceção, na verdade, é a regra. Se já era assim ou não, é uma
discussão: o trabalho informal era um resíduo? Eu acho que nunca foi. O trabalho informal
é central no desenvolvimento capitalista, mas há teorias que entendem que ele se
configurou como um sinônimo de subdesenvolvimento, como algo a ser superado. E essa
ideia se desfez, né? A gente não pensa mais “ah, o trabalho informal vai desaparecer”.
Não, até a gente vê o Presidente da República falando “olha, a informalidade é a regra”. A
gente vê uma reforma trabalhista que mira na informalidade e traz para dentro do
trabalho formal. O que a uberização mostra é uma outra possibilidade também da gente
compreender o que é a própria periferia, quando você tem essa tendência generalizante
de características que são estruturais da periferia e tomam dimensões também nos países
do Norte. Acho que a gente sempre tem que ter muito cuidado com termos como gig
economy, economia dos bicos, como se isso fosse uma exceção, uma forma transitória de
sobrevivência. Isso é uma coisa estrutural que está tomando novas dimensões e uma nova
visibilidade. Acho que esse é um caminho importante para nós pensarmos.
ABÍLIO: O termo viração também está se espraiando, mas continua muitas vezes sendo
utilizado como sinônimo de bico, do transitório. Quando eu escrevi o texto da uberização
como subsunção real da viração, eu estava tentando dizer assim: olha, esse modo de vida
que é um trânsito permanente entre o formal e o informal – o empreendimento familiar,
os trabalhos que nem são chamados de trabalho, por exemplo, o das revendedoras – não
é o transitório, mas o permanente. Isso é um modo de vida que a gente não sabe nem
mensurar. Não temos categorias muito fortes de análise para nomear e entender isso. E a
uberização se apropria produtiva, racional e monopolisticamente desse modo de vida. Por
que choca tanto ver o ciclista, o jovem negro carregando baú com a bicicleta? Isso teve
até uma visibilidade social. A gente está vivendo um país tão anestesiado socialmente, e a
brutalidade é tão permanente em nossa História que você até pensa: poxa, por que isso
teve uma visibilidade? Porque isso é cotidiano. A brutalidade do mundo do trabalho está
aí na nossa cara o tempo todo. Mas ganhou visibilidade porque eu acho que, de alguma
forma, a gente consegue reconhecer isso. Há uma empresa que está se apropriando
produtivamente do modo de vida da periferia, organizando e subordinando esse modo de
vida. Essa ideia de viração também não é do transitório, não é do bico, mas também uma
ideia de algo estruturante.
ABÍLIO: É esse problema das nossas categorias. Então, por exemplo, a gente fala em
flexibilização. O que é flexibilização nesse mercado de trabalho brasileiro, que se assenta
estruturalmente na informalidade, na alta rotatividade, no emprego doméstico não
regulado? Faz sentido falar nisso? Faz sentido falar em precarização do mundo do
trabalho onde mais da metade da população trabalhadora ganha até um salário mínimo e
meio? Do que a gente está falando? Ao mesmo tempo, a gente joga fora esses termos?
Porque, de fato, há uma transformação no mundo do trabalho. A Ursula Huws fala algo
muito interessante, mais ou menos assim: “a nossa dificuldade em nomear as categorias
não é porque as categorias estão difíceis de serem nomeadas, mas porque os nossos
horizontes políticos não estão claros”. Então, a gente patina, porque, na verdade, o
problema não é o nome que a gente dá, é pra onde a gente está mirando quando a gente
está nomeando algo. Quais são as nossas referências? Acho muito importante o que ela
falou porque a gente patina nessas dificuldades. Eu não acho que a gente tem que jogar
esses termos fora. Mas, ao mesmo tempo, você não pode invisibilizar que esse mundo do
trabalho é precário e flexível de nascença. Mas há elementos novos. Por isso sempre é
muito importante a gente olhar e pensar em termos de subordinação e gerenciamento,
que aí você descreve os elementos, e com o horizonte político claro. O que você está
querendo enxergar nessa história? Que relação está mapeando sua visão? Mas esse
dilema nunca tem fim.
ABILIO: Principalmente se a gente conseguir fazer pesquisas que deem voz aos
trabalhadores e consigam expor as suas perspectivas, condições e motivações. Isso não é
fácil da gente fazer. Mas eu acho que isso tem uma importância política muito grande em
um mundo que está repensando socialmente questões como regulação. O campo da
uberização desafia enormemente, por exemplo, a área do Direito, no sentido de como
reconhecer a uberização. Desafia também todo esse discurso do empreendedorismo. Não
é simples de entender e criticar. Isso tem uma potência muito forte que obscurece todo
um processo de eliminação dos direitos. Ainda mais no momento em que a gente está
vivendo, isso fica ainda mais desafiador.