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AS REDES SOCIAIS DO CRIME ORGANIZADO

A perspectiva da nova sociologia econômica

Edmílson Lopes Júnior

Introdução pressões do crime organizado. Já em relação à análise


de redes, recorro a situações concretas, abordadas
Este artigo aponta elementos para uma com- em pesquisas desenvolvidas ou em desenvolvimen-
preensão sociológica do crime organizado no Brasil to, para apontar uma trilha a ser seguida na investi-
atual. Duas perspectivas analíticas servem de refe- gação sociológica de redes sociais criminosas.
rência para essa empreitada: a chamada “Nova So- A NSE já ultrapassou aquela fase na qual po-
ciologia Econômica” (NSE) e a “análise de redes”. deria ser identificada, seguindo-se os critérios de
Da primeira, tomo como referência algumas das Jeffrey Alexander, como a expressão de um “novo
discussões centrais a respeito de conceitos nodais, movimento teórico” (Alexander, 1987). Vinte anos
como transação econômica, contrato e confiança. após a publicação de “Economic action and social
Nesse percurso, referencio-me nas seminais elabora- structure: the problem of embeddedness”, o semi-
ções do historiador econômico Avner Greiff. A nal artigo de Mark Granovetter que inspirou não
nossa aposta é a de que conceitos e abordagens, apenas uma redescoberta do potencial sociológico
inicialmente direcionadas para a apreensão das rela- da obra de Karl Polanyi, mas deu um novo fôlego
ções de mercado, podem e devem ser mobilizadas à sociologia econômica (não por acaso, a partir de
para uma apreensão mais rigorosa das múltiplas então, identificada como “nova”), esse subcampo,
realidades sociais comumente definidas como ex- pleno de potencialidades teóricas e possibilidades
Artigo recebido em outubro/2007 de pesquisa, já não pode contar mais com a benevo-
Aprovado em maio/2008 lência concedida aos adolescentes. No alvorecer de

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sua maturidade, esse “movimento” necessita remo- tivo mais terreno: produzir uma apreensão cogniti-
delar a sua agenda e apontar suas baterias analíticas va do crime organizado, buscando dar conta tanto
para a produção de narrativas sociológicas que dêem da natureza mesma de suas transações quanto do
conta de alguns dos elementos centrais do capitalis- terreno social que o alimenta e sobre o qual se de-
mo como sistema econômico. Trilha que pode levar senvolve. A base empírica sobre a qual se assenta
a produção de importantes “teorias de médio alcan- esta narrativa sociológica é fornecida pelos relatórios
ce” e que deve ser complementada por investiga- de operações desenvolvidas pela Polícia Federal nos
ções mais robustas, que ambicionem apreender os últimos três anos, pelo trabalho desenvolvido por
fios que ligam as diversas partes desse sistema. Essa duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs)
é a aposta de Richard Swedberg em suas publicações da Câmara dos Deputados e outra da Assembléia
mais recentes. Fazemo-la nossa também ao adentrar- Legislativa do Estado de São Paulo.
mos o território de areia movediça que constitui o Nesta empreitada analítica, guio-me pela hipó-
universo social que conecta crime e economia, com tese de que a melhor apreensão do crime organiza-
o desiderato de produzir uma análise que, incor- do é aquela que o tome como um processo situado
porando aportes e pistas analíticas da sociologia e da em um continuum que vai da atividade legal até o
economia, possibilite uma compreensão mais nuan- evento delituoso. Essa perspectiva implica a rejei-
çada das redes sociais ligadas (direta ou indiretamen- ção de uma retórica, bastante mobilizada nos re-
te) ao crime organizado no Brasil contemporâneo. pertórios da mídia contemporânea, nas conversas
Mais do que no alargamento de um campo teó- do dia-a-dia e nas intervenções de governos e or-
rico, a abordagem aqui proposta encontra justifi- ganismos internacionais, que cristaliza o crime orga-
cativa no fato de que um aclaramento da comple- nizado como um monstro monolítico, como se ele
xidade do crime organizado é uma tarefa que pode fosse sempre a expressão do oposto daquilo que se
contribuir, mesmo que indiretamente, para um di- realiza nas transações sociais cotidianas. Obviamente,
mensionamento dos esforços e recursos emprega- seguir essa senda analítica não significa negar a exis-
dos no seu combate. Se há um acordo, mais ou me- tência de referentes que autorizem a construção de
nos generalizado, de que aquela modalidade de narrativas focadas no grotesco e no demasiado es-
organização delinqüente é um daqueles “outros” (a tranho. Mas, e aí insinuo um pouco da tese que bus-
tríade se completa com a corrupção e o terrorismo) co defender aqui, quanto mais nos aproximamos
que, sendo decifrados ou não, podem devorar a dos eventos sociais tidos como representativos do
democracia, então o conhecimento sobre o terreno crime organizado, mais nos damos conta da sua
social no qual essa erva daninha se reproduz só pode banalidade. Uma banalidade da qual, não raro, os
ser concebido como estratégico. E na produção próprios atores procuram fugir construindo repre-
desse conhecimento, postulo, o “econômico” da sentações grandiosas de si mesmos e de seu univer-
NSE não é mero complemento. Isso porque cate- so. Um exemplo: tanto o “narcorrido” como o
gorias e conceitos enraizados no universo discipli- “proibidão”, gêneros musicais alimentados pelo
nar da economia, revisados, ampliados e redefinidos narcotráfico, no México e no Brasil, nutrem-se da
na produção sociológica da vida econômica dos necessidade de construir uma boa apresentação de
últimos anos, são referências incontornáveis. Por isso si dos traficantes, a qual, não raro, corresponde às
mesmo, neste trabalho, recorro, não poucas vezes, expectativas presentes no imaginário social local a
a termos como risco, confiança e monopólio, den- respeito do bandido destemido.
tre outros tão semanticamente carregados e, amiúde, Para operacionalizar a investida analítica propos-
usados em narrativas sobre as transações econômi- ta, sirvo-me de sugestões formuladas por Grano-
cas “regulares” para dar sentido às relações e às es- vetter (2005), especialmente da sua idéia provoca-
truturas sociais erigidas no extenso e complexo uni- dora de que a investigação sociológica de fenômenos
verso social identificado como “crime organizado”. como corrupção, crime organizado e terrorismo,
O alargamento da agenda da NSE é, assim, entre outros, deve levar em conta a apreensão das
um ponto de partida para a realização de um obje- redes sociais que os estruturam. A análise de redes

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permite, no nosso caso, contornar as “evidências tricado embate político e ideológico. E, em segun-
do mundo”, tomando por problema aquilo que do, que tal definição é também performativa. Isto
comumente é tido como um “dado” e ponto de é, ajuda a construir (dar visibilidade social) ao fenô-
partida para a análise. Pensemos, por exemplo, nas meno que procura identificar.
conseqüências da não-problematização do que seja No que diz respeito à rede social do crime, seguindo
um “grupo criminoso”. Os ganhos potencializados aqui a sugestão do criminologista alemão Klaus von
pela análise de redes não são poucos, na aborda- Lampe (2003), defino-a como um conjunto de ato-
gem desse universo. Um primeiro impacto positi- res que, conectados uns aos outros de alguma forma,
vo é que contribui para realçar o fato de que as dão suporte, em alguma medida, a uma atividade
redes pessoais que fornecem as bases para as ativi- ilegal (cuja durabilidade e extensão espacial variam
dades criminosas são distintas no que dizem respei- consideravelmente). Tais redes, entendo, devem ser
to à natureza de suas atividades (um esquema de tomadas como referências empíricas da análise so-
fraude da previdência nutre-se de relações muito ciológica do crime organizado. E, assim como nas
distintas daquelas mobilizadas no tráfico de drogas, redes sociais da “superfície”, nas empresas, para ci-
por exemplo). Em segundo, o lugar da confiança e tar um exemplo, essas redes criminosas também
da natureza dos laços (fortes ou superficiais) diz dependem, fortemente, de “animadores” detentores
respeito não apenas à atividade criminosa, mas ao de “habilidades sociais” para lidar com informa-
universo social de origem dos agentes. Em terceiro, ções limitadas sobre os cenários nos quais atuam.
quando se trabalha com a noção de “grupo” (isso O que segue é, ainda, uma visão bastante pano-
não significa, obviamente, que eles não existam nas râmica a respeito do crime organizado. Para tornar
atividades criminosas), perde-se a dimensão do grau mais apresentável o trabalho, organizei os diversos
variado de comprometimento (e do papel desem- tópicos de minha abordagem em duas partes.
penhado) de cada um dos indivíduos na produção
do evento criminoso.
Antes de prosseguir, devo apresentar, mesmo Transação econômica, instituições e crime
que sumariamente, duas definições de termos que organizado
são centrais neste artigo: crime organizado e rede social
do crime. Existem inúmeros trabalhos dedicados a Economia informal e economia ilegal
fazer o levantamento das definições mais usuais de
crime organizado. Os organismos internacionais, co- Uma narrativa razoavelmente influente, alicer-
mumente, definem o crime organizado como sen- çada em uma apreensão fenomênica da economia
do aquele tipo de atividade criminosa desenvolvida informal nas grandes cidades latino-americanas, tem
por mais de duas pessoas e encimada pelo objetivo apontado o mosaico de bazares de nossos centros
de conseguir dinheiro e poder. Estudiosos do cri- urbanos como uma conseqüência dos ajustes eco-
me, como Jay Albanese, também se debatem com nômicos incluídos nas reformas econômicas das
o desafio de construir definições objetivas e ampla- duas últimas décadas do século XX. Com ampla
mente aceitáveis de crime organizado (Albanese, audiência no público situado no espectro político
2000). Entretanto, e assumindo aqui uma posição mais à esquerda, essa narrativa, presente, por exem-
que é em parte tributária da perspectiva relacional e plo, nos ensaios de Francisco Oliveira (2003) e de
anticategorial expressa por Emirbayer (1997), tra- Mike Davis (2006), embora um tanto escatológica
balho com uma definição mais provisória e menos e em que pese o raquitismo de sua explicação fun-
fixa de crime organizado. Proponho, seguindo de cionalista (na qual o “neoliberalismo” emerge com
perto Beare (1997), defini-lo como um processo, não o estatuto de um ator), toca em um ponto impor-
como expressão de uma atividade ou de um tipo tante para a reflexão sobre as conexões entre o cri-
específico de ator. Isto implica, em primeiro lugar, me organizado e a vida econômica, especialmente
o reconhecimento de que a própria definição do no Brasil. Refiro-me menos à incapacidade de inte-
que seja crime organizado está envolta em um in- gração de amplas massas à economia formal e, mais,

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ao lugar cada vez mais central ocupado pela eco- manutenção da produção e oferta de bens e serviços
nomia informal na vida social do país. Tais autores, essenciais à parte significativa da população brasileira.
embora demonstrem acuidade crítica para descons- Basta levar em conta que tais redes são responsáveis
truir narrativas como aquelas de De Soto (1987), pela provisão de serviços como transportes (“al-
que, ingenuamente (ou não tanto assim), creditam ternativos”), locação de imóveis, segurança pessoal
potencialidades criativas à informalidade econômi- e comunitária, TV a cabo, telefonia e “planejamen-
ca, não empreendem um exercício, o qual a bem da to urbano” em muitas áreas urbanas brasileiras, além,
verdade cientistas sociais ligadas à Cepal, de algum obviamente, de bens de consumo os mais diversos.
modo, olham de frente na segunda metade do sé- E a evolução de algumas dessas áreas da vida
culo XX: debruçar-se sobre a natureza e o papel social nos últimos anos no país aponta muito clara-
das instituições na vida econômica do continente. mente para a estreita conexão entre economia in-
E é da inquirição sobre o caráter da economia formal e economia ilegal. Assim, não é raro que os
informal e da sua fragilidade institucional que po- agentes que fornecem segurança e organizam a dis-
demos tirar importantes lições para pensar o lugar tribuição das linhas de “transporte alternativo” nas
do crime organizado na vida social e econômica bra- grandes cidades sejam os mesmos que vendem se-
sileira neste início de século. Uma reflexão como gurança para atores importantes do crime organi-
essa, mesmo que dirigida genericamente a toda a zado. Tais redes, não raro, pré-existem às atividades
América Latina, foi empreendida por Centeno e que agora dão suporte. No Rio de Janeiro, são gru-
Portes (2003), a partir de uma perspectiva analítica pos expressivos dessas redes, animadas por poli-
fortemente influenciada pela NSE. ciais e ex-policiais, que disputam com os membros
Não é nossa intenção, e foge completamente do “movimento” (os grupos ligados ao narcotráfi-
ao escopo do presente trabalho, uma maior discus- co) o controle de amplos territórios urbanos.
são sobre a economia informal, mas se lhe faço Se, no que diz respeito à vida econômica mais
referência é porque, à semelhança da economia ile- geral, a economia informal termina cumprindo um
gal (o estabelecimento de fronteiras entre uma e papel funcional, no que diz respeito ao crime orga-
outra é sempre precário e dependente de arranjos nizado, os pontos de contato vão além da mobili-
políticos frágeis e provisórios), a economia infor- zação, em muitas situações, das mesmas redes sociais
mal se alicerça mais em uma confiança produzida como suporte. Não poucas atividades da econo-
por redes sociais do que por instituições que se ali- mia informal têm, seja na produção ou na distri-
mentam e se nutrem da provisão de condições ne- buição, similaridades com a economia ilegal. Pro-
cessárias para a efetivação de contratos que inde- fundamente enraizada no mundo social, a pirataria
pendem da pessoalidade. Obviamente, não se trata de música, filmes e programas para computadores,
de negar o “encrustamento” (embededdness) das ati- atividade tratada como uma “epidemia”1 , não por
vidades econômicas, mas, e aqui sigo de perto Cen- poucos, é um bom exemplo dessa situação.
teno e Portes (Idem), de reconhecer que, se as redes O inevitável conflito entre os atores da econo-
de relacionamentos pessoais (e a confiança que elas mia informal e o Estado é agudizado em situações
alimentam) são importantes, nenhuma economia nas quais setores ou territórios da vida social são
moderna sobrevive sem a sedimentação de institui- subtraídos do exercício do monopólio da violência
ções que dêem garantia aos contratos construídos legítima. O recurso à violência, amenizado pela in-
na impessoalidade. clusão da corrupção, torna-se mais acentuado, dado
As redes sociais que nutrem a economia infor- que, geralmente, esse é o instrumento que se tem à
mal, em muitas situações alicerçadas no parentesco mão para o enfrentamento dos rompimentos uni-
ou no lugar de origem, como no caso dos migran- laterais do contrato.
tes (Lopes Jr., 2002), não se constituem em uma A confiança que emerge de tais laços é, por
alternativa razoável às salvaguardas institucionais para outro lado, frágil para a construção de bases segu-
terrenos mais amplos da vida social. Isso não signi- ras para a emergência de instituições que forneçam
fica que tais redes não cumpram papel decisivo na suportes a investimentos de médio e longo prazo.

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Daí que os lucros auferidos tanto na economia infor- portes”, “máfia dos postos de gasolina”, “máfia
mal quanto na ilegal direcionem-se prioritariamente dos empreiteiros” etc. No geral, esses crimes, os
aos investimentos especulativos mais seguros (ouro quais, seguindo a indicação de Baker e Faulkner,
e dólar) e ao consumo suntuoso (automóveis e nomeamos como “crimes organizacionais”, são
mansões, além de atividades festivas destinadas à articulados e desenvolvidos a partir de redes sociais
conquista de algum reconhecimento social). No caso legais.
das redes sociais mais enraizadas no crime organi- Se fronteiras porosas se interpõem entre as ati-
zado, a experiência na lavagem de dinheiro ilícito vidades econômicas “legais” e “ilegais”, essa situa-
contorna essa situação, com investimentos no setor ção se traduz muito concretamente no agenciamento
imobiliário (as operações da PF apontam para a para ações nas sombras por indivíduos envolvidos
importância crescente do litoral do nordeste do em redes legais, pertencentes ao que se convencio-
Brasil como alvo das investidas de criminosos eu- na identificar como o “mundo da superfície”
ropeus), no setor de transportes e distribuição de (upperworld). Em algumas das operações desenca-
combustíveis (esse o campo de ação de grupos cri- deadas pela Polícia Federal de 2003 a 2005, o “cri-
minosos nacionais, como o PCC) e no setor de di- me organizado” revelado correspondia muito mais
versão (boates e casas de jogos), no qual o crime ao tipo apontado acima.
organizado conta com um acúmulo significativo de
experiências. Confiança, destino e “cultura do risco”
A Figura 1 condensa um pouco do que foi aci-
ma apresentado. A confiança ocupou sempre um lugar central
na vida social. Na modernidade, porém, deslocada
Crime organizacional e crime organizado dos ambientes de interação face a face, ela se assen-
ta cada vez mais em sistemas abstratos (medicina,
A análise desenvolvida por Baker e Faulkner bancos, engenharia etc.). Tais sistemas, denomina-
(1993) sobre as redes ilegais envolvidas em uma dos por Anthony Giddens como “sistemas peri-
conspiração ocorrida na segunda metade do século tos”, condensam conhecimentos sobre zonas espe-
XX nos Estados Unidos, para manipular preços no cíficas da vida social. Dessa forma, a confiança, em
mercado de equipamentos eletrônicos pesados, aju- sociedades tipificadas como “pós-tradicionais” por
da-nos a construir uma tipologia dos crimes que Giddens (1995), pressupõe sempre mecanismos de
ligam organizações à vida econômica. Refiro-me à desencaixe da vida social dos seus entornos locais.
identificação feita pelos autores de determinadas Entenda-se por “desencaixe” uma perda de con-
práticas como sendo “crimes organizacionais”, isto trole das pessoas sobre o espaço e o tempo locais.
é, crimes desenvolvidos em organizações, geralmen- Estreitamente articulada à noção de confiança,
te legais (firmas, por exemplos), para estabelecer o temos, na obra giddeniana, o conceito de risco.
monopólio sobre nichos ou áreas do “mercado”. Nessa articulação, Giddens (1993, 2003) flerta com
Essa demarcação é importante na medida em que, a noção de “sociedade de risco”, formulada pelo
especialmente nos últimos anos, e mais precisamente sociólogo alemão Ulrich Beck. Tal como a con-
como resultado de ações empreendidas por pro- fiança, o risco também teria sido guindado, no pe-
motorias públicas, tem-se tornado comum a no- ríodo moderno, a um lugar de destaque nas nossas
minação de grupos ou organizações responsáveis relações sociais. A centralidade do risco é, para os
pela defesa de interesses corporativos específicos dois autores, diretamente proporcional à margina-
(empresas de transportes públicos, cooperativas de lidade do destino. Na medida em que este último
serviços médicos, empreiteiras, prestadores de ser- implicou sempre, em alguma medida, a pressuposi-
viços ao Estado etc.), quando descobertas envolvi- ção de um futuro pré-determinado, mas desconhe-
das em ações ilícitas para manipular preços, como cido e fechado à colonização do presente, a confian-
“máfias”. Não raro, então, somos bombardeados ça, cada vez mais alicerçada em um conhecimento
por informações a respeito de “máfia dos trans- do mundo que se supõe racional, alimenta-se e nutre

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Figura 1
Tipos de Atividades Econômicas e seus Inter-relacionamentos

A. O Estado cumpre o papel de regulação, há competição de grandes empresas que são fontes de
inovação e capital.
B. Predomina o consumo de bens industrializados baratos e uma força de trabalho flexível.
C. Interferência do Estado descontínua e demanda por certos bens controlados.
D. Corrupção envolve o aparelho de Estado.
E. Capital, demanda por bens, novas oportunidades de ganhos.
F. Produtos baratos, força de trabalho flexível.

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uma cultura do cálculo. E é o cálculo (base sobre a mesmo sem adquirir o pacote inteiro das leituras
qual traçamos prospectivamente os cenários futu- neo-marxistas sobre o crime organizado, pode-se
ros) que nos conduz à colonização do futuro. E, na levar a sério a afirmação de que as mesmas forças e
medida em que, com base em cenários prospecta- os valores que estão em jogo na economia capita-
dos, fazemos escolhas, apostas e tomamos deci- lista em geral também o estão na economia das
sões coletivas ou individuais, confiança e risco tor- sombras patrocinada pelo e alimentadora do crime
nam-se cada vez mais importantes em nossas vidas. organizado.
A elaboração giddeniana pode contribuir para Na sociedade brasileira, a “cultura do risco”
que possamos construir uma apreensão mais com- assume contornos próprios. A apreensão destes
plexa das transações econômicas efetuadas em am- pode contribuir para uma melhor apreensão dos
bientes de radical incerteza. Entretanto, e esse não é contextos nos quais vegetam as redes sociais do
um mero detalhe, e quando essas transações de risco crime organizado.
ocorrem em uma ambiente em que inexistem sal- Um dos primeiros elementos que singularizam
vaguardas institucionais? Assim, se a discussão so- a “cultura do risco” na sociedade brasileira é a dis-
bre confiança e risco é importante como subsídio seminação, no universo social das classes populares,
para uma reflexão sobre o contexto social dentro do fenômeno que o sociólogo Jessé Sousa, em lei-
do qual se desloca o crime organizado, necessita- tura inspirada na obra de Pierre Bourdieu, denomi-
mos ir um pouco além se quisermos perscrutar nou de “habitus precário” (Sousa, 2003), o qual se
melhor os cenários nos quais se desenrolam as ne- traduz, na vida cotidiana de milhões de pessoas, na
gociações econômicas criminosas. Antes de avan- in-corporação (o hífen aqui não é gratuito) da de-
çarmos um pouco mais nessa direção, vale a pena sigualdade social como algo “natural” e na inse-
realçar, mesmo que rapidamente, a importância da gurança de seu lugar no mundo (alimentada pela
“cultura do risco” na vida econômica moderna. ausência de espaços e situações positivas de reconhe-
Decerto, essa “cultura do risco” é um dos ve- cimento social2 ), algo que se traduz na percepção
tores instituidores de inúmeros mercados singula- do próprio corpo como uma duvidosa fortaleza3 .
res. Pensemos, por exemplo, no mercado de segu- Não por acaso esse é o alvo das incursões costu-
ros, analisado exemplarmente em um dos trabalhos meiras do poder (tanto do pátrio poder, na família,
tidos como inaugurais da Nova Sociologia Econô- que, mesmo em crise de legitimação social da sua
mica (Zelizer, 1979): sem a legitimação sociocultu- forma patriarcal, ou exatamente por causa desta, é
ral da vida como um “projeto”, ele seria impensá- cada vez mais o lócus do disciplinamento por meio
vel. Na prática, temos a incorporação, na vida diária dos maus-tratos e da tortura; quanto das forças re-
de um número cada vez maior de pessoas, do cál- pressivas do Estado, no âmbito social mais geral).
culo dos cenários futuros de sua própria existência. Esse traço fornece lastro para um forte pre-
O risco, agora “manufaturado” (não mais resulta- senteísmo na nossa vida social. Com isso, a “cultura
do apenas das forças incontroláveis e desconhecidas do risco”, esse vetor cultural da vida econômica e
da natureza), isto é, socialmente percebido como social do mundo globalizado, não é eliminada, mas
um produto de interações e acontecimentos que radicalizada no Brasil. O corolário disso é uma gran-
podem ser avaliados e, em certa medida, monito- de dificuldade de consolidar instituições que incor-
rados e mitigados, espirala a calculabilidade para as porem o planejamento a médio e longo prazo. Em
dimensões mais recônditas do indivíduo moderno. certo sentido, a própria análise do risco (por exem-
Assim, tal como as torrentes sócio-psíquicas li- plo, das implicações mais profundas das ações de-
beradas pela modernização do capital, que destro- senvolvidas hoje) é subordinada a uma avaliação
nam a tradição em uma espiral crescente (como a dos prazeres e ganhos mais imediatos.
leitura do jovem Karl Marx, em vertiginoso mani- Um segundo elemento a ser ressaltado sobre a
festo, nos ensinou), também a cultura do risco não cultura do risco no Brasil diz respeito a um traço
deixa intocado (isso não signifique que subordine que, analisado exemplarmente por Florestan Fer-
completamente) nenhum espaço da vida social. E, nandes em uma das obras seminais da sociologia

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brasileira, pode ser identificado como ausência dos abordagem sociológica sobre o crime organizado,
requisitos sócio-psíquicos para a navegação social na ordem a ousada e criativa investigação sobre a emergência
competitiva. A vigorosa análise de Fernandes (1978) de instituições “necessárias” às transações econômi-
sobre a “inadaptação” do negro à ordem capitalis- cas na Baixa Idade Média empreendida pelo histo-
ta do final do século XIX e das primeiras décadas riador econômico Aner Greif. Sem descurar de uma
do século XX pode ser mobilizada, hoje, para a apurada investigação histórica nem se desviar para
apreensão dos cenários que servem de pano de fun- uma leitura pobremente funcionalista (que a palavra
do para o desenvolvimento das atividades das re- “necessária”, escrita mais acima pareceria anunciar),
des sociais relacionadas com o crime organizado. Greif (1993, 2004) mobiliza a teoria dos jogos para
Assim, e invertendo a argumentação desenvolvida construir um modelo razoavelmente convincente a
por Fernandes, talvez pudéssemos propor que essa respeito do desenvolvimento institucional distinto
“ausência de requisitos” se apresenta, hoje, muito no Magreb e nas cidades comerciais italianas. A ques-
menos como “inadequação” e mais como o con- tão que Greif toma como ponto de partida é: como
trabando de elementos típicos da ordem tradicio- é possível o cumprimento dos contratos na vida
nal para as relações de mercado. O que, certamen- econômica em um contexto no qual as separações
te, nos leva ao problema do encrustamento (embeddedness), espaciais fornecem poucas garantias aos agentes?
nos termos propostos por Granovetter (1985). Obviamente, para o “raciocínio sociológico” do-
Indo além dos termos e dos problemas de minante (mesmo na NSE), essa é uma questão tão
Fernandes, uma abordagem ancorada na NSE pode curtida nos barris do institucionalismo econômico
nos levar a pensar a “ordem competitiva” de for- que é difícil de ser facilmente assimilada.
ma menos abstrata. Assim, esta é percebida como Trata-se, no caso, de uma objeção compreen-
muito mais matizada quando, por exemplo, incor- sível. Para o sociólogo durkheimiano ou para o
poramos a noção de “múltiplos mercados”,4 com antropólogo douglasiano,5 essa questão, além de
distintas formas e lógicas de legitimação social. Em “ingênua”, demonstra ignorância a respeito de clás-
conseqüência, podemos dar um melhor contorno sica abordagem sobre as dimensões não contratuais
ao problema da “inadequação”. Quando nos de- do contrato. Entretanto, contando com o “princí-
frontamos com os dados de realidade, o fenôme- pio de generosidade” do leitor, sigamos adiante com
no é, hoje, menos de inadequação e, muito mais, de o próprio Greif:
re-encaixamento (reembeddedness). Basta que tomemos
como referência à recorrência a práticas criminosas Dado que as relações de troca trazem atrelada uma se-
paração temporal e/ou geográfica entre o quid e o quo
por agentes econômicos atuante na superfície (muito intercambiados, essas relações precisam de um meca-
além daquelas mais ou menos legitimadas nas dis- nismo que garanta o cumprimento das obrigações con-
putas de mercado, como a espionagem industrial e traídas, sejam estas explícitas ou implícitas. Dá-se por-
a sabotagem de produtos dos competidores), den- que se espera receber. Sem esta expectativa, os indiví-
duos não realizariam trocas. Portanto, as trocas exigem
tre as quais a eliminação física de concorrentes ou mecanismos que possibilitem aos indivíduos se compro-
de agentes da regulação estatal (fiscais do trabalho, meterem com o fiel cumprimento dos termos contratuais.
do meio ambiente e da saúde, entre outros). Tais mecanismos aliviam o problema fundamental das
trocas, porque facilitam que as partes contratantes sai-
bam ex ante que é do próprio interesse delas cumprir ex
Transações, instituições e o enfrentamento da incerteza post com as obrigações estabelecidas no contrato (Greif,
2004, p. 10).
Se as colocações precedentes a respeito de con-
fiança e risco nos ajudam a pensar sobre transações Greif constrói um modelo que, em parte,
econômicas em situações de incerteza, aclaram muito aproxima-se bastante daquele tipo de exercício ge-
pouco sobre os contextos institucionais construídos ralmente empreendido por antropólogos nos anos
para tornar factível as transações em tais situações. 1950 e 1960: focaliza sobre os elementos endógenos
Assim, talvez alarguemos os nossos ganhos heurís- da evolução institucional de determinada sociedade.
ticos se levarmos em conta, na construção de uma Embora tenha, no horizonte, um conceito reificado

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como o de “custo de transação”, Greif produzirá des sociais ligadas ao crime organizado no Brasil.
uma instigante análise da evolução das transações Fincadas em um chão social adubado pelo pater-
que requeriam um agente (executor da ação e alvo nalismo, patrimonialismo e clientelismo, algumas das
da confiança) e um principal (aquele que confia e, na redes sociais reveladas pelas operações desencadea-
investigação empreendida por Greif, se arrisca a das pela Polícia Federal são fortemente enraizadas
transferir bens ou valores em troca de algo)6 nos na vida social. Reproduzindo modelos de clientela,
século XII e XIII. As suas referências para análise expressam, como nos casos das redes de predação
são: a) os judeus que, emigrados de Bagdad no sé- dos recursos públicos (seja por meio de fraudes
culo XII, estabeleceram-se no Magreb; e b) os co- contra a previdência ou nas diversas formas de apro-
merciantes das principais cidades italianas do perío- priação de bens do Estado), um modelo de relacio-
do. Apoiando-se em dados que comprovariam que namento dominante que é o da patronagem. Si-
o agenciamento nesses dois universos diferia devi- tuam-se aí mais da metade das redes reveladas pelas
do ao fato de que a agência se realizava mais comple- operações realizadas pela PF de 2003 a 2005. Tais
tamente entre os segundos que os primeiros (dado redes reproduzem modelos verticais de relaciona-
que, no Magreb, os agentes eram também co-res- mento e, assim sendo, produzem menos coopera-
ponsáveis ou parceiros das transações efetuadas), ção e solidariedade e mais cumplicidade submissa e
Greif propõe a seguinte interpretação: o maior dis- medo. Isso não significa – longe disso! – que se
tanciamento social entre agentes e principais (forte no cristalizem em estruturas organizacionais verticais,
caso das cidades italianas) era compensado por ins- como nas “máfias imaginadas”. Essa é uma verti-
tituições que compensavam a fragilidade dos laços calização que, em certo sentido, já se encontra for-
de solidariedade. temente enraizada no universo social e é apenas exa-
Assim, enquanto nas cidades italianas os agen- cerbada nesse universo das práticas delituosas.
tes, desprovidos de capital, recebiam encomendas Temos, então, uma situação bastante distinta
para dar seguimento a determinadas transações, e, daquela analisada exemplarmente por Greif: laços
por isso mesmo, eram “assalariados”, os comercian- fracos, já que expressão de ligações verticais, e au-
tes judeus do Magreb, apoiados em fortes redes de sência de qualquer possibilidade de salvaguardas
confiança pessoal, não foram constrangidos a cons- institucionais mais amplas para as transações a se-
truir instituições de salvaguarda para os seus negó- rem efetuadas. Isso é bem mais evidente no univer-
cios. Nas cidades italianas, a confiança (ou a ausência so do mercado de drogas e armas. Nesses merca-
de) criava uma situação de muita incerteza, e Greif dos, a incerteza é contrabalanceada pela construção
apresentará muitas evidências históricas do lento da reputação dos principais. Daí o recurso à violên-
processo de construção de salvaguardas paras evitar cia extremada, como a tortura e a eliminação física
o oportunismo dos agentes (o não-cumprimento de desafetos, ter se tornado de uso corrente. Todos
de suas tarefas de encomenda). Essas salvaguardas, sabem com quem, e de quem, se está falando.
diga-se de passagem, também se faziam necessárias
em face dos obstáculos colocados pelo controle
feudal das atividades comerciais. Assim, lidando com As redes sociais do crime organizado
laços fracos e incerteza, os comerciantes das cidades
italianas foram cimentando o terreno para institui- Ordem competitiva e redes sociais criminosas
ções que regulassem as transações entre indivíduos
que não pertenciam a mesma comunidade e nem Se o intercâmbio de bens produzidos ilicita-
partilhavam os mesmos valores. A história das or- mente (originários da pirataria ou de um processo
ganizações econômicas e políticas dos últimos sé- produtivo realizado à margem da regulação) é um
culos, de certo modo, expressa o impacto das insti- traço comum à economia formal e à economia ilí-
tuições surgidas em resposta aos laços fracos. cita, apenas nesta última existe uma multiplicidade
A abordagem acima nos aponta preciosos ele- de “mercados específicos” cujos bens são ilegais
mentos para a investigação sociológica sobre as re- em todo o ciclo – da produção ao consumo, como

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o de drogas. E é também essa economia que é dina- cas das classes médias urbanas) ou práticas culturais
mizada por redes sociais abertamente criminosas. socialmente enraizadas (jogos de azar e prostitui-
Não raro, a mobilização de instrumentos ile- ção). As redes sociais que alimentam essas necessida-
gais por determinado conjunto de atores que atuam des têm contornos próprios e, não raro, implicam
em mercados legais e fortemente competitivos tem um grau elevado de cumplicidade e troca de confi-
incentivado uma extensa produção midiática sobre ança entre clientes e fornecedores (usuários de dro-
a existência de “máfias” em determinados “nichos”. gas e apostadores).
Nesses casos, mais do que crimes organizacionais,
estamos lidando com aquela “super-adequação” que As redes sociais do crime organizado: dois casos
mencionei mais acima. Os atores aqui revelados,
como os jovens delinqüentes que roubam para ad- Arriscando uma aproximação maior com o
quirir bens posicionais na análise clássica de Robert universo e a natureza das redes sociais relacionadas
Merton, também não são sub-socializados. Muito ao crime organizado, aponto, a seguir, dois exem-
pelo contrário, querem os ingressos para o sucesso plos ilustrativos. O primeiro deles toma como re-
na ordem social dominante. Eles incorporaram tão ferência uma pesquisa já concluída.7 Em um segun-
fortemente o ethos da lógica competitiva que mobi- do momento, abordo as redes de pilhagem do
lizam instrumentos de outras ordens, ilegítimos ou Estado desveladas nas operações realizadas pela
ilegais, para a consecução dos seus objetivos. Polícia Federal nos últimos anos e pelo trabalho de
Não é surpreendente, portanto, que, na análise diversas Comissões Parlamentares de Inquérito
dos resultados alcançados pelas operações desen- (CPIs) tanto da Câmara Federal quanto de algumas
volvidas pela Polícia Federal, de 2003 a 2005, sobres- assembléias legislativas de estados como São Paulo
saiam fraudes em nichos competitivos do mercado e Rio Grande do Sul.
(especialmente nos setores que vendem serviços
públicos ou supervisionados pelo Estado). Igual- a) Presídios e redes sociais
mente significativas são as ações criminosas relacio- Mais fronteiras porosas do que muros sepa-
nadas a fraudes em setores do mercado varejista, ram o mundo oficial daquele das ações criminosas.
como o de combustível. Neste, operações da Polí- Se existem “evidências” que corroboram as ima-
cia Federal, como aquela denominada “Poeira no gens de um mundo do crime alicerçado em redes
Asfalto”, revelam esquemas, envolvendo proprie- sociais de confiança rigidamente hierarquizadas (re-
tários de postos de combustíveis, policiais e agentes produzindo o padrão mafioso “chefe-soldado”) e
de fiscalização, para adulterar a composição do pro- construído sob a égide de normas e regras muito
duto final (álcool ou gasolina) vendido aos clientes. próprias, trata-se de não tomar tais dados impres-
A Figura 2, formulada por von Lampe (2005), sionistas da realidade como referentes para uma
ajuda-nos a situar melhor essa problemática. Adap- análise cuidadosa do crime organizado. As articula-
tando-a à realidade das redes sociais ligadas ao cri- ções entre as redes sociais diretamente implicadas
me organizado revelados pelas operações desen- nas atividades criminosas (as chamadas “redes sub-
volvidas pela Polícia Federal nos últimos anos, mersas”) com as redes que transitam pelo mundo
poderíamos apontar que o “contexto institucional”, “legal” envolvem gradações variadas. Por outro
com as suas redefinições de controle e de legitimi- lado, no próprio universo social comumente iden-
dade, tem um importante peso como variável ex- tificado como solo fértil para o florescimento de
plicativa de uma vasta gama de crimes. grupos envolvidos com atividades delituosas, as
Por outro lado, se não se pode apreender o redes sociais criminosas traduzem hierarquias e va-
crime organizado sem se levar em conta o con- lores geralmente desconsiderados em muitas análi-
texto institucional, não se pode igualmente subesti- ses. O caso abaixo descrito aporta elementos para
mar o peso de necessidades estreitamente vincula- uma compreensão da complexa constituição das
das às novas formas de sociabilidades (como, por redes criminosas e de suas relações com o “mundo
exemplo, a demanda por cocaína e drogas sintéti- da superfície” (nesse caso, polícias estaduais).

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AS REDES SOCIAIS DO CRIME ORGANIZADO 63

Figura 2
As Redes Sociais do Crime Organizado e seus Contextos

Fonte: von Lampe (2005).

Foi durante o curto período de sua prisão na be, no leste do estado do Ceará, na divisa com o Rio
sede da Polícia Federal no Ceará, localizada no Bairro Grande do Norte. A fama do jovem cearense já ultra-
de Fátima, em Fortaleza (CE), que o assaltante de passara a Chapada do Apodi no oeste do RN e,
bancos F. B. C., morto no final de 2005, conheceu J. como ficamos sabendo em uma entrevista realizada
D. P., um assaltante de pequenos estabelecimentos com um dos advogados de F.B.C., este já tinha “ou-
comerciais e agências de correios. J. D. P. lhe falou vido falar dele”. Muito particularmente da sua partici-
de José Roberto dos Santos Nogueira, que, então, pação na “Chacina de Limoeiro”, crime no qual sete
já era acusado, pela polícia cearense, da prática de pessoas foram mortas e tiveram suas orelhas arran-
assaltos a bancos e de realizar assassinatos por enco- cadas, como forma de enviar um “recado” para as
menda em municípios da região do Vale do Jaguari- autoridades policiais que, no desenvolvimento de

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investigações a respeito do assassinato do radialista lenta”. Um dos elementos constitutivos dessa “nova”
Nicanor Linhares (crime também atribuído a José sociabilidade seria a “instrumentabilidade do outro”.
Roberto), haviam prendido a esposa deste em Entendemos que esse é um elemento importante para
Mossoró (RN). Algumas das pessoas assassinadas pensar a respeito do baixo grau de solidariedade
teriam fornecido informações que possibilitaram presente em algumas das novas organizações crimi-
aquela prisão. nosas que emergiram nos últimos anos. Pensamos,
Quando, num dia de “nossa Senhora da Con- em particular, nas quadrilhas especializadas no as-
ceição” (8 de dezembro de 2003), como fez ques- salto a agências bancárias no interior do Nordeste.
tão de enfatizar, conseguiu o feito inédito de fugir Nesse sentido, vale a pena especular que o res-
da cela onde se encontrava na sede da PF cearense gate de presos, um empreendimento de alto risco e
(algo que, desde a sua inauguração, em 1974, ainda de elevados custos financeiros (pelo aluguel de ar-
não havia ocorrido), F.B.C. já tinha mantido contato, mas e contratação de pessoal), uma atividade quase
por meio de terceiros que organizaram a sua fuga, rotineira para algumas das quadrilhas que se especia-
com José Roberto, então já conhecido como “Chico lizaram na prática do assalto a bancos no interior
Orelha”. Segundo ele, sua fuga só teria sido possível do Nordeste (penso naquelas identificadas pelos
porque contou com o apoio de “um pessoal muito nomes familiares de alguns dos seus chefes), cada
bom lá do Jaguaribe”. Entre risos, o advogado de vez mais encontra a sua justificação em uma apre-
F.B.C. nos contou (versão que um policial civil cea- ensão que poderíamos denominar “técnica”, e não
rense, com quem conversamos, disse-nos não pas- na mobilização de valores que diriam respeito à di-
sar de fantasia e de exercício de auto-promoção do mensão do afeto.
assaltante) que a operação toda havia custado cerca É essa instrumentabilidade que marca o relacio-
de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Uma das namento do grupo de F.B.C. com José Roberto.
pessoas envolvidas na operação (exatamente a que Por mais fantasiosa que possa ser a versão para a
dirigia o veículo que lhe tirou de Fortaleza) era de morte de José Roberto, elaborada por um jornalis-
Tabuleiro do Norte (CE) e já havia atuado com ta cearense que entrevistamos (versão a qual, de-
José Roberto. Sabendo das dificuldades deste últi- pois, apresentada a um advogado especialista na
mo, dado que a polícia estava no seu encalço, além defesa de assaltantes, recebeu o veredicto de “mais
de estar com alguns dos seus na prisão, FBC teve a do que factível”), ela pode ser tomada como refe-
idéia de convidá-lo para “umas empreitadas”. rente para pensar essa instrumentabilidade. Segun-
Após algum tempo de conversa, o advogado do o jornalista, e não sem se gabar que contava tal
propôs-nos entrevistar o próprio FBC, via celular. fato alicerçado em fontes policiais, o que teria ocor-
Estávamos em Mossoró e, segundo, o advogado, rido foi uma negociação envolvendo as polícias do
ele tinha o número do telefone de F.B.C. daquela RN e do Ceará e o grupo de F.B.C. A prisão ou
semana. Com base em anotações feitas após nossa morte de José Roberto era uma “questão de hon-
conversa, o que F.B.C. disse sobre o episódio foi ra” para a polícia cearense, dado o clamor causado
mais ou menos o que aponto abaixo: tanto pela morte do jornalista Nicanor Linhares
quanto pela chacina. Quando o setor de inteligência
Eu estava também desesperado. Quando você cai preso, confirmou a ligação do pistoleiro com o grupo
não é ruim só porque você tá na prisão, mas é ruim, acima
de tudo, porque a sua família paga um preço alto. Todo potiguar, foi fácil propor a entrega do pistoleiro.
mundo quer tirar uma casquinha tanto policial quanto Não questionamos F.B.C. sobre isso. Muito
“vagabundo”’. E, o pior, os negócios vão tudo por água embora o seu advogado, em um arroubo, tenha
abaixo. Daí que a gente tem que fazer de tudo para tirar os afirmado que tínhamos “carta branca” para per-
cabeças, né? Porque a gente resolve... Mas aí tem que ter
muito dinheiro. E dinheiro você sabe onde tem, né? [risos]. guntar “qualquer coisa”, confessamos, faltou-nos
coragem (e, dado que tinha sempre que deixar cla-
Citamos esse trecho porque ele é ilustrativo da- ro, para mim mesmo, que não estava fazendo uma
quele traço, identificado por Machado (1995), como investigação policial, e sim uma investigação socio-
a emergência, no Brasil, de certa “sociabilidade vio- lógica) para abordar tão delicado assunto.

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AS REDES SOCIAIS DO CRIME ORGANIZADO 65

No que nos interessa mais de perto, a versão para o envolvimento dos prefeitos. Deslocado de
construída pelo jornalista a quem acabamos de nos qualquer projeto político, a ação de pilhagem tinha
referir indica-nos dois elementos importantes para no apoio de membros do corpo policial o seu sus-
pensar a estruturação das quadrilhas de assalto a tentáculo. Esse caso, no entanto, expressa um está-
bancos e, de resto, muitas das ditas “organizações gio mais primitivo da pilhagem do Estado.
criminosas” contemporâneas: a) a facilidade em Para corroborar o que apontei acima, tomo
mobilizar, nas ações criminosas, redes de relações como referência uma das principais operações de-
que se constroem com base em encontros nas ca- sencadeadas pela Polícia Federal nos últimos anos.
deias e presídios; e b) inseridas em um individualis- Refiro-me à “Operação Albatroz”. As cifras e a
mo que se ancora, na relação com o outro, apenas forma de atuação do esquema identificado por essa
na “cooperação técnica”, essas redes apresentam operação, realizada principalmente no estado do
baixo grau de solidariedade e confiabilidade. Amazonas, em 2004, revelou o grau de sofisticação
Temos, então, no caso das redes sociais que ali- a que essa prática criminosa, que envolve, mas não
mentam as ações criminosas brasileiras, a reprodu- se confunde com, a corrupção, chegou. Como em
ção de uma situação a qual poderíamos denominar outros casos, revelados, por exemplo, pela CPI do
de fragilidade estrutural: ligações extremamente neces- Narcotráfico, a presença de parlamentares (deputa-
sárias, mas inseridas em um universo social no qual dos estaduais) não significa, como ocorrerá com
a instrumentabilidade do “outro” dinamita a dura- práticas reveladas no decorrer do chamado “escân-
bilidade e o aprofundamento da confiança. dalo do mensalão”, a subordinação da atividade a
algum projeto político.
b) As redes de pilhagem do Estado O envolvimento de magistrados – juízes e de-
A permeabilidade do Estado aos interesses sembargadores, além de secretários de administra-
privados é uma das temáticas constitutivas das ciên- ções estaduais – passa a ser uma característica dessas
cias sociais no Brasil. A inovação dos últimos anos atividades de pilhagem. Os policiais locais participam
tem se dado, como é o caso do pioneiro estudo de agora, quando participam, de forma subordinada,
Marques (2000), pela introdução de novas meto- fornecendo força de trabalho como seguranças ou
dologias na abordagem do fenômeno. Na antro- força de reserva a ser empregada em situações ex-
pologia, por exemplo, contamos já com um acú- cepcionais. Isso porque, como sói ocorrer em ou-
mulo de trabalhos que tomam a corrupção como tros países, a corrupção cumpre geralmente o pa-
objeto de pesquisa. Embora, de algum modo, se pel de substituir a violência física. Por outro lado, as
referencie na mesma gramática social – aquela que atividades descobertas pela Polícia Federal revelam
legitima a apropriação particular dos recursos pú- uma outra faceta: o aparecer social dos atores en-
blicos –, as atividades desveladas pelas operações volvidos com essas atividades é menos expresso
realizadas pela Polícia Federal nos últimos anos apon- pela ascensão e conquista de cargos políticos e, muito
tam para uma alteração no formato de captura dos mais, pela adesão a um ethos de ostentação por in-
aparatos do Estado. Em lugar do clientelismo e da termédio do consumo de bens e serviços. Não por
redistribuição assimétrica de recursos públicos, te- acaso, em todas as operações recentes temos a apre-
mos a predação sistemática desses recursos realiza- ensão de automóveis de luxo. Essa cultura da os-
da em moldes empresariais. tentação – no consumo de bens e espaços – parece
Desde a prisão de um coronel da PM piauiense, ser um traço em comum da economia subterrânea.
no início desta década, acusado de comandar um Não por acaso as casas luxuosas e os carros of roads
esquema de rapinagem dos recursos de prefeituras atraem tanto os barões mexicanos e colombianos
de três estados (MA, PI e CE), por meio do forne- da coca quanto os atores revelados pelas operações
cimento de notas frias, que a prática de pilhagem realizadas pela Polícia Federal.
sistemática dos recursos públicos vem se sofistican- Entretanto, as investigações apontam para um
do. Nesse caso, intimidação, chantagem e utilização conjunto de práticas criminosas que, embora pareçam
da violência física eram recursos de convencimento se alimentar da mesma gramática social que serve

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66 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 24 No 69

de referência para as práticas mais conhecidas – e, de Não apenas motivações éticas e políticas justifi-
algum modo, traços presentes na constituição do cam o desafio de tomar o crime organizado como
espaço público no Brasil –, como o aparelhamento objeto de análise. Questões teóricas de primeira gran-
do Estado, têm como diferencial a incorporação de deza podem ser desdobradas por meio dessa em-
métodos racionais de gerenciamento da pilhagem. preitada. Referimo-nos, dentre muitas outras, à ten-
Na medida em que, como no caso da “organiza- são entre uma explanação da atividade delituosa
ção” desvelada pela Operação Albatroz, tais ativida- ancorada na dimensão racional (o que pode levar a
des implicam desenvolver atividades como a criação uma frutífera interrogação sobre a construção de
de empresas fictícias e o planejamento de formas escolhas racionais em cenários de radical incerteza)
para fraudar licitações de obras e serviços públicos, versus outra que realce o papel das regras e estrutu-
a presença de profissionais qualificados e com ex- ras ou ainda que destaque a dimensão irracional nas
periência de trabalho tanto no serviço público quan- ações. No que diz respeito à dimensão metodológi-
to em empresas privadas passa a ser algo cada vez ca, como vem apontando Klaus von Lampe, a análi-
mais usual. se sociológica, ao focalizar as atividades, e não as
Um dos espaços principais de atuação das re- organizações, pode impulsionar uma criativa incorpo-
des de pilhagem do Estado se encontra no interior ração da análise de redes no campo da criminologia.
do sistema previdenciário brasileiro. As operações Combinada a uma abordagem que incorpore
realizadas pela Polícia Federal apontam tanto para alguns dos principais tópicos de discussão da NSE –
tradicionais atividades de fraudes (especialmente como, por exemplo, as noções de “mercados múl-
dedicadas a arrancar benefícios e aposentadorias tiplos”, “habilidades sociais”, vetores culturais da
indevidas) como para a criação de esquemas que produção de instituições etc. – essa abordagem do
permitam empresários burlar o pagamento devido crime organizado pode contribuir para superar lu-
de contribuições previdenciárias. Nesse caso, como gares-comuns, reproduzidos pelo imaginário cine-
naquele das fraudes em licitações de obras públicas, matográfico, os quais, muitas vezes, modulam as
um traço que chama a atenção é a presença de ad- formulações dos responsáveis pela formulação das
vogados (característica tão importante a respeito do políticas de segurança. Gravitando no mesmo cam-
crime organizado na atualidade, que merece uma po teórico, embora dotada de um estatuto próprio,
elaboração à parte e a qual já começa, em outros a “história econômica institucional”, desenvolvida
países, a impulsionar uma literatura especializada8 ). por Avner Greif, fornece aportes que podem nos
ajudar no desafio de apreender as transações que
ocorrem em situação de radical incerteza. Especial-
Conclusão mente ao demonstrar que, em tais contextos, os la-
ços fracos, aliados à ausência de salvaguardas insti-
A investigação sociológica sobre o crime orga- tucionais, contribuem para a reprodução de velhos
nizado no Brasil ainda se encontra nos seus momen- modelos de patronagem.
tos iniciais. Não se trata, por certo, de temática das Tal abordagem, acredito, pode ser extremamen-
mais sedutoras. Os riscos, e não nos referimos apenas te fecunda para substanciar a análise das pontes e
àqueles relacionados aos problemas de construção fronteiras entre as economias informal e ilícita. Nesse
de nexos e deduções a partir de referentes empíricos sentido, a ascensão do contrabando, da pirataria e
recortados por algum arsenal metodológico, não de formas de usurpação das funções de regulação de
podem ser desconsiderados. Entretanto, e essa é a diversos setores da vida econômica (especialmente
nossa aposta, a sociologia pode, desde que não con- àquelas relacionadas às ofertas e demandas das clas-
funda a natureza da sua investigação (com a policial, ses populares) expressa a importância estratégica
por exemplo), fornecer importantes elementos para desse tipo de investigação. Isso porque a perscru-
a reflexão dos atores políticos e sociais sobre um tação do contexto social e das instituições que emer-
dos mais ameaçadores desafios à vida democrática gem nessa ampla zona cinzenta de intersecção (entre
na atualidade. o informal e o ilícito) pode nos fornecer importan-

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AS REDES SOCIAIS DO CRIME ORGANIZADO 67

tes elementos para uma leitura menos pontual do CALDEIRA, Teresa Pires dos Rios. (2000), A cida-
capitalismo. E assim, de algum modo, aproximar- de dos muros: crime, segregação urbana e cidadania em
mo-nos do ambicioso projeto desenhado por Ri- São Paulo. São Paulo, Editora 34.
chard Sweldberg (2003) para a NSE. CENTENO, Miguel Angel & PORTES, Alejandro.
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1 Para uma instigante análise sobre o discurso da pirata- tempo.
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2 As profundas mudanças demográficas das últimas uma análise da realidade peruana. Rio de Janeiro,
décadas, que redefiniram o lugar do urbano e do rural Globo.
na sociedade brasileira, tiveram imensas conseqüên- DOUGLAS, Mary. (1998), Como as instituições pen-
cias no que diz respeito à produção de reconhecimen-
sam. São Paulo, Editora da Unesp.
to social. Uma análise instigante, e que fornece impor-
EMIRBAYER, Mustafá. (1997), “Manifesto for a
tantes pistas para pensar essa situação, foi desenvolvida
por Garcia Jr. (2003). relational sociology”. The American Journal of So-
ciology, 2 (103).
3 A análise de Caldeira (2000), com base em uma exten-
sa e competente pesquisa etnográfica realizada na cida-
FERNANDES, Florestan. (1978 [1965]), A integra-
de de São Paulo, fornece importantes elementos para ção do negro na sociedade de classes. São Paulo, Ática.
pensar o que, na linguagem da autora, denomina-se GARCIA Jr., Afrânio. (2003), “A sociologia rural
de “corpo incircunscrito” do brasileiro. no Brasil: entre escravos do passado e parcei-
4 Ver, a respeito, Zelizer (1992). ros do futuro”. Sociologias, 10.
5 De Mary Douglas. Refiro-me, em especial, ao excepcio-
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nal livro Como as instituições pensam (Douglas, 1998). modernidade. São Paulo, Editora da Unesp.
_________. (1995), “A vida em uma sociedade
6 Uma boa aplicação dessa abordagem teórica na literatu-
ra sociológica brasileira encontra-se em Monsma (2000). pós-tradicional”, in Anthony Giddens, Ulrich
Beck e Scott Lash, A modernização reflexiva, São
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7 Uma referência, nessa questão, é o trabalho de Midd-
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York, Columbia University Press.
_________. (1992), “Repenser le marche”. Actes
de la recherches em sciences sociales, 94.

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202 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 24 No 69

AS REDES SOCIAIS DO CRIME SOCIAL NETWORKS OF THE LES RÉSEAUX SOCIAUX DANS
ORGANIZADO: A PERSPECTIVA ORGANIZED CRIME: A LE CRIME ORGANISÉ: LA
DA NOVA SOCIOLOGIA PERSPECTIVE OF THE NEW PERSPECTIVE DE LA
ECONÔMICA ECONOMIC SOCIOLOGY NOUVELLE SOCIOLOGIE
ÉCONOMIQUE

Edmilson Lopes Júnior Edmilson Lopes Júnior Edmilson Lopes Júnior

Palavras-Chave: Crime organizado; Keywords: Organized crime, Social Mots-clés: Crime organisé; Réseaux
Redes sociais; Economia informal; Eco- networks, Informal economy, Illegal sociaux; Économie informelle; Économie
nomia ilegal; Confiança e incerteza. economy, Trust and uncertainty. illégale; Confiance et incertitude.

Este artigo aborda as redes sociais relacio- This article deals with social networks, L’article propose une approche des ré-
nadas com o crime organizado no Brasil. directly or indirectly, linked to the orga- seaux sociaux liés au crime organisé au
A análise apóia-se nos aportes teóricos e nized crime in Brazil today. The analysis Brésil. L’analyse s’appuie sur les apports
metodológicos de dois dos mais impor- is based on the theoretical and method- théoriques et méthodologiques de deux
tantes movimentos teóricos da sociolo- ological contributions of two of the most des plus importants mouvements théo-
gia contemporânea: a análise de redes e a important theories in contemporary so- riques de la sociologie contemporaine:
nova sociologia econômica. A empreita- ciology: the analysis of networks and the l’analyse des réseaux et la nouvelle socio-
da analítica guia-se pela hipótese de que new economic sociology. This analytic logie économique. Cette tâche analytique
a melhor apreensão do crime organizado task is guided by the hypothesis that the est guidée par l’hypothèse selon laquelle
é aquela que o tome como um processo best way to understand organized crime la meilleure compréhension du crime
situado em um continuum que vai da ati- is one that takes it as a process situated organisé est celle qui le considère en tant
vidade legal até o evento delituoso. As- on a continuum that goes from lawful que processus situé dans un continuum qui
senta-se sobre a base empírica da narrati- activity to the criminal act. The empiric s’étend de l’activité légale à l’évènement
va sociológica, fornecida pelos relatórios basis on which this sociological narra- délictueux. Ce travail s’appuie sur la base
de operações desenvolvidas pela Polícia tive is founded is supplied by the written empirique de la narrative sociologique,
Federal nos últimos três anos e por uma reports of operations carried out by the fournie par les rapports des enquêtes
pesquisa já concluída sobre as quadrilhas Federal Police in the last three years and effectuées par la Police Fédérale au cours
especializadas no roubo a bancos no in- by a research already concluded on gangs des trois dernières années, ainsi que sur
terior do Nordeste. specialized in robbing banks in the coun- les résultats d’une recherche que nous
tryside of the Brazilian Northeast. avons développé sur les groupes de
braquage de banques à l’intérieur du
Nordeste brésilien.

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