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Crime, sociologia e políticas públicas

Carlos Augusto Teixeira Magalhães

Belo Horizonte

2004
Editora Newton Paiva
SUMÁRIO

Apresentação

Introdução

Capítulo 1 - A normalidade do crime


2.1 - A. Quételét: o crime como produto da organização social
2.2 - E. Durkheim: o crime como fenômeno necessário e útil
2.3 - Crítica e redefinição da noção de normalidade do crime

Capítulo 2 - Estrutura social, cultura e criminalidade


3.1 - Estrutura social, anomia e desvio
3.2 - Oportunidades diferenciais e subcultura
3.3 - Cultura de classe baixa e autonomia dos objetivos

Capítulo 3 - Teoria sociológica, escolha individual e crime


4.1 - Crítica das perspectivas estruturais e subculturais
4.2 - A perspectiva do autocontrole
4.3 - Escolha racional, teoria sociológica e crime

Capítulo 4 - Teoria sociológica, políticas públicas e crime

5.1 – Perspectivas estruturais e subculturais e o controle do crime


5.2 – Teoria do autocontrole e controle do crime
5.3 – Teoria da escolha racional e controle do crime

Conclusão

Referências Bibliográficas

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APRESENTAÇÃO

Michel Misse (Doutor em Sociologia - IFCS/UFRJ)

É mínima a bibliografia sociológica brasileira que trata das teorias e perspectivas


teóricas a respeito de criminalidade. Os estudos sociológicos nessa área, cujo “boom”
começou nos anos 90, preferiram investir, com poucas exceções, numa temática que aqui se
desenvolveu sob o rótulo de “violência urbana”. O rótulo identificava uma abordagem que
evitava enfrentar ou incorporar a tradição teórica da criminologia européia e norte-
americana. Enviesava-se o caminho contornando, o mais das vezes, o tema do “crime”, seja
aceitando sua definição jurídico-legal e operando com ela, seja assimilando-o aos
comportamentos “desviantes” ou “divergentes” com a conseqüência de abstrair sua
especificidade penal. De certa maneira, a recepção de Foucault no Brasil, nos anos 70,
contribuiu para essa estratégia cognitiva.
É bem verdade que o “crime” não pode ser um conceito, pelo simples fato de que
não pode ser definido por cientistas. Esses o recolhem, já pronto, como uma representação
jurídica de práticas sociais. Mas o mesmo se aplicaria à “violência urbana”, representação
social de práticas que não poucos sociólogos tratam ingenuamente como operador analítico
em suas pesquisas. Não fosse somente por isso, e ainda tivemos que assistir por vinte anos
a um reiterado debate sobre “as causas da violência urbana”, um debate que se mantêm
olimpicamente indiferente à maior parte da produção sociológica internacional sobre o
crime e a delinquência, exceto quando se trata de incorporar as idéias de um ou outro autor,
sem maiores preocupações quanto ao estado da questão na área especializada.
Há, no entanto, aqueles que pensam que foi melhor assim, que evitamos todo o
desgaste e todo o entulho de uma disciplina que não podia (e não poderá jamais) fundar o
seu objeto, a criminologia. Ou que evitamos todo o peso das tentativas positivistas de lidar
com o assunto e pulamos direto para o atual estágio das discussões internacionais, menos
fundamentalista e mais pragmático. Tudo bem, exceto por um detalhe: não houve também –
pós-pulo - qualquer discussão séria das abordagens contemporâneas nessa área. Ou quase
não houve.
Isso porque houve a dissertação do Carlos, que agora vira livro. Carlos foi
orientando de Antônio Luiz Paixão e Cláudio Beato, da UFMG. Paixão escreveu um dos

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poucos textos inteligentes, publicado no Brasil, de revisão teórica da bibliografia
internacional sobre o tema, ainda nos anos 80. Paixão, como Beato, foi orientando do
também mineiro Edmundo Campos Coelho – um dos poucos sociólogos brasileiros daquela
época (de meados dos anos 70 ao final dos 80) que não retirou a “criminalidade” do seu
objeto em proveito da “violência urbana”. Tratou de ambas sempre com a atenção voltada
para as reviravoltas da sociologia norte-americana nessa e em outras áreas e praticamente
definiu boa parte da agenda que domina a discussão ainda hoje.
Há atualmente três ou quatro abordagens principais da temática do crime na
sociologia mundial: uma que continua positivista, e que busca as causas (ou denunciar
falsas causas, na certeza de que há as verdadeiras); outra, pragmática, que retoma a
tradição clássica (de Beccaria a Bentham e Mandeville) e não vê razões para diferenciar o
criminoso de qualquer outro ser humano e que se interessa mais pelo crime do que pelo
criminoso. Desloca, portanto, o objeto seja para o cálculo do custo/benefício do crime
(racional choice), incluindo inclusive o próprio apelo sedutor que o crime pode exercer
sobre quem o experimenta; ou seja para as oportunidades que as atividades de rotina da
vítima criam para as atividades de rotina dos criminosos.
Há, finalmente, as abordagens críticas, estruturalistas, interacionistas ou
etnometodológicas – geralmente de tipo construcionista, que pretendem compreender como
se dá concretamente a construção social do crime numa determinada sociedade, como
eventos se tornam crimes e seus autores, criminosos. Enfatiza-se aqui, como faço em meus
estudos, abordagens em quatro níveis analíticos interconectados: 1) a criminalização de um
curso de ação típico-idealmente classificado como “crime” (através da reação moral à
generalidade que define tal curso de ação e o põe nos códigos, institucionalizando sua
sanção); 2) a criminação de um evento, pelas sucessivas interpretações que encaixam um
curso de ação local e singular na classificação criminalizadora; 3) a incriminação do
suposto sujeito autor do evento, em virtude de testemunhos ou evidências
intersubjetivamente partilhadas; 4) a sujeição criminal, através da qual são selecionados
preventivamente os supostos sujeitos que irão compor um tipo social cujo caráter é
socialmente considerado como “propenso a cometer um crime”.

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Neste excelente estudo, Carlos Magalhães examina com perspicácia e originalidade
o fio da meada que leva de Durkheim e sua ainda hoje polêmica tese sobre a normalidade
do crime até aos pragmáticos autores da “teoria das atividades rotineiras”, como Cohen e
Felson, que desprezam a tradicional discussão das “causas” e procuram produzir
explicações ao alcance de formulações práticas. Ao expor, sempre com uma clareza que
não perde o rigor e a visada crítica, os argumentos de James Wilson sobre a incapacidade
das teorias sociológicas de encontrarem aplicação nas políticas públicas, Carlos não deixa
de observar as limitações dessa abordagem e suas implicações pragmáticas para certo tipo e
não para outro de políticas públicas. Expõe e examina desde o velho e bom Merton, que
modestamente chamou sua ambiciosa explicação de “teoria de médio alcance” até o
conhecido livro de Gottfredson e Hirschi intitulado, sem qualquer modéstia ou muita ironia,
de “teoria geral do crime”.
Leitura quase sempre leve, prazeirosa e de muito proveito, este é um livro que
revigora o interesse pelas questões teóricas e pela atualidade do debate entre diferentes
correntes ao mesmo tempo que convida o leitor especializado a se interessar mais pelo
estado das questões em outras paragens que não apenas a nossa, até mesmo para evitar cair
na tentação de usar um autor ou um modelo de explicação sem que suas limitações
intrínsecas, no geral e para o caso brasileiro, estejam sob o seu controle crítico.

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INTRODUÇÃO

Neste livro, pretendo discutir e avaliar algumas teorias e perspectivas sociológicas

que tratam dos problemas do crime e da delinqüência a partir de uma preocupação básica:

de que maneira o tipo de diagnóstico apresentado por sociólogos influencia a definição

desses problemas e, particularmente, como se dá a relação entre explicações sociológicas

do crime e da delinqüência e a proposição de políticas públicas de controle (proposições

apresentadas por sociólogos ou por agentes do Estado informados pelos diagnósticos

formulados pelos primeiros). Esta preocupação básica exige um certo tipo de

desenvolvimento do trabalho. Antes, porém, de especificar como se dará esse

desenvolvimento, é importante estabelecer uma base conceitual sob a qual os passos

seguintes serão dados.

Iniciamos com uma discussão geral sobre “problemas sociais” e quais

conseqüências aparecem quando tratamos o crime e a delinqüência a partir dessa

perspectiva. Uma boa maneira de iniciar esta discussão é considerar o trabalho clássico de

Robert K. Merton “Social problems and sociological theory” (1966). Merton menciona

uma ambivalência relativa à natureza da ciência. De um lado, a ciência é um

empreendimento que visa o entendimento de como as coisas são, uma busca do

conhecimento da realidade que tem como objetivo a ampliação do próprio conhecimento.

De outro, a ciência procura produzir um conhecimento que possibilite a intervenção e

modificação das coisas. Não é o caso de dizer, segundo Merton, que a dimensão teórica é

mais ou menos nobre que a dimensão aplicada. O que existe é uma divisão intelectual do

trabalho onde alguns, por temperamento ou capacidade, se dedicam exclusivamente a um

dos aspectos do trabalho científico, outros transitam entre eles e uns poucos seguem um

caminho que estaria entre as duas fronteiras: de uma lado o trabalho teórico e, de outro, o
aplicado. Uma abordagem sociológica dos problemas sociais pode se dar dessa forma. Uma

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tentativa de compreender sociologicamente os problemas sociais, descobrir suas causas e

descrevê-los, que envolve a preocupação prática sobre como esses problemas podem ser

resolvidos. Uma abordagem, no mínimo, ciente dos usos que podem ser feitos de suas

conclusões. Mesmo porque, tratar algum fenômeno social como um “problema” quer dizer

que alguma noção de corrigibilidade está, de alguma maneira, presente, não só para o

cientista, mas para a sociedade.

Segundo Robert Nisbet (1966, p. 5), um problema social se distingue de outros

problemas por sua relação íntima com contextos institucionais e normativos. São sociais no

sentido de que dizem respeito a relações humanas e a valores sob os quais essas relações se

dão. São problemas porque representam contradições em relação ao que é socialmente ou

moralmente desejado por uma sociedade. Na definição apresentada por Merton (1966, p.

780), um dos ingredientes de um problema social é uma discrepância entre padrões sociais

amplamente compartilhados e as reais condições da vida social. No entanto, a partir dessa

definição inicial, é difícil estabelecer um parâmetro que dê conta da importância relativa de

diferentes problemas sociais. Em qualquer sociedade, a disparidade entre o que “é” e o que

as pessoas acreditam que “deveria ser” varia com o tempo e com a posição que diferentes

pessoas ocupam na estrutura social. Somente alguns valores e normas seriam amplamente

consensuais, de acordo com Merton.

Não é suficiente definir um problema social como o resultado da disparidade entre

padrões sociais ou morais desejáveis e uma realidade social concreta que contraria os

padrões. Numa sociedade complexa, estruturalmente diferenciada,

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grupos diferentes podem definir de maneira diferente o que são problemas sociais, além

disso, o que é um problema para um grupo pode ser um bem para outro. É importante saber

como se dá o processo social de definição de um fato como problema. O que acontece é que

pessoas que ocupam posições de autoridade e poder na sociedade têm maior condição de

estabelecer quais fatos representam rompimento com quais padrões sociais esperados e

indicar políticas de correção desses problemas. Muitas vezes pode haver conflito nesse

processo de definição. Atividades ou acontecimentos plenamente adequados segundo

padrões normativos de um determinado estrato social podem ser vistos por outro como

rompimento com padrões estabelecidos socialmente. A distribuição diferenciada de

autoridade, prestígio e poder entre os diferentes estratos que compõem a sociedade pode ser

responsável por esses conflitos.

É importante deixar claro que, para Merton, o estabelecimento de um conhecimento

sociológico sobre problemas sociais não leva diretamente a modificações substantivas do

comportamento das pessoas ou das práticas sociais. O homem-em-sociedade, adverte o

autor, não é uma criatura estritamente racional. Conclusões da análise sociológica sobre

aspectos disfuncionais de comportamentos sociais não conduzem a um pronto abandono

desses comportamentos. A sociologia, na medida em que descobre mais e mais aspectos

disfuncionais de uma dada organização social, só pode esperar que, no longo prazo, esse

conhecimento seja absorvido. Da mesma forma, os diagnósticos sociológicos (e as terapias

indicadas) podem ser usados pelos responsáveis por políticas sociais. Mas não

necessariamente estarão presentes em todos os aspectos das políticas elaboradas. O

sociólogo, no seu papel específico, deve se limitar a “descobrir para outros o preço que

pagam por suas convicções aceitas, porém pouco examinadas, e por suas práticas

estabelecidas, mas inflexíveis” (p.790). O sociólogo, com seu trabalho, não se exclui das

polêmicas e controvérsias sociais, mas sua participação é distinta e limitada.

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Joseph Gusfield, em seu livro, “The culture of public problems” (1981), nos ajuda a

compreender melhor a questão dos problemas sociais. O autor desenvolve a conceito de

problemas públicos. Problemas sociais não necessariamente se tornam problemas públicos,

isto é, nem sempre se tornam matéria de controvérsias e polêmicas nas arenas de ação

pública. Nem sempre são objetos de alguma agência ou movimento que procura trabalhar

para a sua solução. Mesmo os problemas sociais abordados pelos sociólogos podem

permanecer restritos ao mundo acadêmico. Constitui-se, então, como objeto de análise

exatamente a história de como determinados problemas sociais ganham a dimensão de

problemas públicos. Ou seja, como uma possibilidade de resolução ganha precedência

sobre outras em determinado momento, como causas específicas são estabelecidas em

momentos diferentes, como diferentes atores ou instituições se apropriam e se

responsabilizam pelos problemas em determinados períodos, e como perdem autoridade em

outros.

Sobre a propriedade dos problemas públicos, Gusfield afirma que deriva do

reconhecimento de que nos debates públicos os grupos não têm poder, influência e

autoridade iguais para definir a realidade dos problemas. Dessa maneira, “a habilidade para

criar e influenciar a definição pública de um problema” é o que se entende por propriedade

(Gusfield, 1981, p.10). Segundo Gusfield, em algum momento de algum período histórico,

há o reconhecimento de que temas públicos específicos são propriedade legítima de

determinadas pessoas, papéis e cargos que podem comandar a atenção, a confiança e a

influência públicas. Os “donos” de determinado problema podem fazer exigências e

afirmações, e são considerados e referidos por aqueles ansiosos por definições e soluções.

Têm credibilidade, enquanto outros, que também procuram atrair a atenção pública, não

têm (Gusfield, 1981, p.10).

Quanto à responsabilidade sobre os problemas públicos, Gusfield afirma que pode


ser vista sob dois aspectos: a responsabilidade causal e a responsabilidade política.

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Enquanto a noção de propriedade nos diz quem detém o poder de descrever e definir os

problemas, a noção de responsabilidade aponta para os conteúdos das descrições e

definições. A responsabilidade causal é um caso de crença ou cognição, uma afirmação que

responde factualmente por uma seqüência de eventos que diz respeito à existência do

problema. Combinando esta noção com a de propriedade, podemos analisar quem é

responsável pelo estabelecimento de explicações causais sobre um problema específico. A

responsabilidade política diz respeito a quem ou qual cargo é responsável pela solução do

problema. Quem pode ou de quem se exige que faça alguma coisa. Estes aspectos da

estrutura de um problema público podem ser encontrados em um mesmo indivíduo, grupo

ou cargo, mas não há necessidade de que isto ocorra. Torna-se, então, uma questão de

verificação empírica da relação entre os três aspectos.

A partir deste ponto é interessante explicitar como se dará o desenvolvimento deste

livro. Como mencionei no início desta introdução, pretendo discutir algumas teorias e

perspectivas sociológicas que tratam do crime e da delinqüência considerando as

explicações presentes nessas teorias e a relação delas com a proposição de políticas

públicas que visam o controle desses problemas. Em outras palavras, pretendo analisar as

alternativas de intervenção apresentadas por diferentes teorias sociológicas. O que se faz

necessário é a identificação das explicações essenciais do problema do crime e das

variáveis mais relevantes presentes nas teorias analisadas e quais os mecanismos de

intervenção pertinentes.

No primeiro capítulo, procuro mostrar como o problema social do crime passa a ser

visto como um problema sociológico a partir do trabalho de Durkheim, ou do rompimento

desse autor com a abordagem de pré-sociológica do estatístico belga Adolphe Quételét. É

verdade que Durkheim não tratava o crime como problema social no sentido que os autores

mencionados acima dão a esta idéia. Estava interessando em problemas sociológicos que
poderiam ser abordados através da análise do crime e do desvio (Paixão, s.d.). No entanto,

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com Durkheim, a sociologia começa a se tornar a disciplina privilegiada no campo da

criminologia. Os sociólogos começam a se tornar os profissionais responsáveis e

proprietários dos problemas relacionados ao desvio e ao crime, no sentido de Gusfield.

Após discutir a questão da normalidade do crime, procuro, no terceiro capítulo,

mostrar como alguns autores que produziram trabalhos influentes na área da sociologia do

crime partem de uma perspectiva que pode ser chamada, com ressalvas, de durkheimiana.

Autores como Merton (1958), Cloward e Ohlin (1970) e Miller (1970) buscam explicações

para o crime e a delinqüência em variáveis profundamente sociológicas. Aspectos como

estrutura social, cultura, socialização e aprendizado social são fundamentais na explicação

do comportamento criminoso e delinqüente. Esses autores foram escolhidos porque

apresentam uma perspectiva estrutural, estrutural-subcultural, e exclusivamente subcultural,

respectivamente. Podemos afirmar que apresentam explicações durkheimianas: o

comportamento é determinado por forças sociais que fazem com que os indivíduos ajam de

determinada maneira. Entendendo como essas forças sociais se constituem, explicamos o

comportamento dos atores. É importante considerar essa “herança durkheimiana” porque

assim posso identificar o tipo de argumentação predominante naquilo que podemos chamar

de sociologia do crime.

Quanto às ressalvas mencionadas, são necessárias, em primeiro lugar, porque

Merton (1958), Cloward e Ohlin (1970) e Miller (1970) não trabalham com a noção de

normalidade do crime da mesma forma que Durkheim o faz. O crime deixa de ser normal,

para esses autores, se restringirmos o sentido dessa idéia à necessidade e utilidade do

fenômeno. Mas pode ser entendido como um fenômeno normal se considerarmos que,

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apesar de ser causado pela desorganização social e pela anomia, resulta de processos sociais

que não diferem fundamentalmente daqueles que promovem o comportamento conformista.

Nesse caso, mesmo se os analisamos como disfunções, resultam de processos sociais

normais que acontecem em uma sociedade. De qualquer forma é uma perspectiva diferente

da durkheimiana. Em segundo lugar está o fato de que os autores mencionados tratam o

crime e a delinqüência como problemas sociais. A partir de uma concepção de problema

social claramente relacionada com a definição de Merton (1966).

A partir do momento em que tratam o crime como problema social, passam a se

interessar pelas causas desses fenômenos não apenas de um ponto de vista teórico, mas

também prático. É importante que se descubram as causas dos fenômenos para que possam

ser eliminadas. A investigação se dá através da análise sociológica, mas o exame dos

problemas sociológicos encontrados em determinados problemas sociais deve possibilitar

ou orientar, ainda que indiretamente, a ação dos responsáveis pela solução dos problemas.

Enquanto Durkheim se preocupava com o crime e o desvio apenas como pretextos para o

desenvolvimento da análise sociológica (Paixão, s.d.), os autores subseqüentes

mencionados se preocupam não só com a teoria,m mas também com sua aplicabilidade. As

causas do crime e da delinqüência identificadas por esses autores, como foi mencionado,

são profundamente sociológicas, mas com o detalhe de que são apresentadas como

variáveis que podem orientar a ação dos agentes responsáveis pela eliminação do problema.

Quando passam a tratar o crime e a delinqüência como problemas sociais,

sociólogos como Merton (1958), Cloward e Ohlin (1970) e Miller (1970) se expõem a

polêmicas que não se restringem ao âmbito teórico ou acadêmico. As conseqüências ou

implicações políticas de seus trabalhos passam a ser objeto de debate. É verdade que a

proposição de políticas públicas de controle do crime e da delinqüência não ocupa uma

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posição privilegiada em seus trabalhos, mas isto resulta do modo como esses autores

entendem a relação entre a teoria sociológica e a proposição de políticas. Nos anos sessenta,

nos Estados Unidos, por exemplo, quando o governo passou a requisitar a participação de

sociólogos em comissões que procuravam soluções para esses problemas, uma opinião

freqüente destes profissionais era que a sociologia ainda não tinha chegado a um

conhecimento claro sobre as causas do crime e da delinqüência e, por isto, era difícil a

proposição de políticas. Com o prosseguimento das pesquisas seria possível descobrir as

causas dos problemas e, assim, encontrar maneiras de erradicação dessas causas (Wilson,

1985).

No caso dos debates que incluem a possibilidade ou não de aplicação das teorias

sociológicas do crime e da delinqüência, entramos numa discussão que deve levar em conta

o que foi dito acima a partir do trabalho Gusfield. Não pretendo, neste livro, fazer uma

história da criminologia, no entanto, é preciso dizer que desde o início do século XX até o

final da década de 60, a sociologia era a disciplina dominante no campo da criminologia

(Cressey, 1979, 42-47). Os sociólogos, como cientistas, eram inequivocamente os

proprietários e os responsáveis causais pelos problemas apresentados pela criminologia. Na

medida em se colocam ou são vistos desta forma nas polêmicas sociais, tornam-se

vulneráveis a críticas quanto ao fato de serem legítimos proprietários e responsáveis e,

principalmente, discute-se se as teorias e explicações que apresentam são relevantes ou

convenientes. Nesta dissertação, considero estes tipos de críticas a partir do trabalho de

James Q. Wilson (1985, a primeira edição é de 1975). Não pretendo fazer análise de

políticas propostas ou algum tipo de análise etnometológica de como as teorias são

produzidas. Minha intenção é analisar o tipo de argumentação presente nas teorias que

poderiam ser chamadas de estruturais ou macrossociológicas e qual a relação destas teorias

com a proposição de políticas públicas de controle do crime. Ou seja, quais alternativas de


intervenção são sustentadas por essas teorias.

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No quarto capítulo, procuro discutir as críticas que a sociologia “convencional” do

crime recebe a partir de perspectivas que estabelecem a dimensão da ação individual

intencional como foco da análise e que trabalham de alguma forma com a noção de escolha

racional. Faço essa discussão de um ponto de vista teórico, isto é, quais os problemas

enfrentados pelas teorias estruturais a partir do momento em que desprezam a dimensão da

ação individual, até que ponto esse desprezo prejudica a compreensão dos problemas do

crime e da delinqüência.

Em seguida, no quinto capítulo, discuto a questão do estabelecimento de políticas

públicas orientadas por teorias macro-estruturais. Esta questão se coloca, em primeiro

lugar, porque o crime e a delinqüência são problemas públicos e, portanto, levam em conta

algum tipo de noção de corrigibilidade. Em segundo lugar, é interessante fazer esta

discussão porque a crítica da possibilidade que as teorias macro-estruturais teriam de

orientar políticas se baseia num diagnóstico feito a partir de uma perspectiva que envolve a

ação intencional e a escolha racional dos indivíduos. Discuto, também, as alternativas de

intervenção apresentadas por teorias que levam em conta a dimensão da ação individual.

Finalmente, procuro mostrar que a crítica às teorias macro-estruturais do ponto de

vista da escolha racional aponta para problemas reais e que o desprezo da dimensão da ação

individual na explicação do crime e da delinqüência compromete as possibilidades de

compreensão desses problemas e a análise e orientação de políticas de controle. No entanto,

esse reconhecimento não significa a aceitação da principal conseqüência apresentada por

Wilson (1985). Ou seja, que a sociologia seria incapaz de produzir um conhecimento

aplicável e, portanto, no caso dos estudos sobre crime, deveria dar lugar à análise de

políticas. Procuro mostrar como o próprio Wilson (1985), ao

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reconhecer a pertinência de parte da produção teórica da sociologia do crime, nos permite

afirmar que a análise de políticas não pode prescindir da sociologia se não quiser entrar

num processo sem fim de tentativa e erro. Nesse caso, procuro mostrar como políticas

retributivas e dissuasórias podem ter efeitos limitados para alguns grupos ou situações

sociais. Quando o crime é visto por seu praticante como um ato legítimo, porque tem

sentido em um contexto subcultural, porque aparece como solução de alguma desigualdade

social ilegítima ou porque representa a realização de algum senso de justiça, a dissuasão

pode não fazer o menor efeito (Black, 1983). Além disso, como mostram Cohen e

Machalek (1988) a consideração de aspectos individuais é necessária, afinal de contas são

indivíduos, sozinhos ou em grupos, que cometem crimes. No entanto, escrevem os autores,

os indivíduos devem ser tratados como unidades de observação, não como unidades de

análise. Tratá-los como unidades de análise enfraquece a abordagem na medida em que

impossibilita o completo entendimento de como certos contextos sociais podem facilitar ou

inibir o crime e o desvio (1988, 467).

Nesses casos, a sociologia, mesmo não visando o estabelecimento de políticas, pode

cumprir um importante papel no sentido de produzir um conhecimento relativo a grupos ou

situações sociais que poderiam vir a ser alvos de políticas de controle do crime.

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Capítulo 1 - A NORMALIDADE DO CRIME

No intuito de mostrar como o estudo sociológico do crime é amplamente

influenciado pelas idéias originais de Durkheim, pretendo, neste capítulo, discutir as

explicações apresentadas por esse autor, comparando-as com as formulações pioneiras de

Adolphe Quételét. Assim é possível mostrar como o crime, antes analisado como um

problema social empírico, passa a suscitar questões sociológicas, que exigem o

desenvolvimento da teoria. Esta discussão é feita através da análise da noção de

“normalidade do crime”. Começo, então, mostrando como Quételét passa a se interessar

pelos fenômenos sociais.

1.1 - A. Quételét: o crime como produto da organização social1

Um forte incentivo ao então recente interesse pelo estudo do crime na França é o

início, em 1825, dos primeiros levantamentos estatísticos sobre o fenômeno. Criava-se o

Compte général de l’administration de la justice criminelle en France. Para cada

departamento do país, o Compte media o número anual de crimes (contra a pessoa e contra

o patrimônio) conhecidos e processados, levava em conta se os acusados eram absolvidos

ou condenados, e se os condenados eram ou não efetivamente punidos. Fazia parte,

também, do levantamento estatístico, a época do ano em que os crimes eram cometidos,

além da idade, sexo e status ocupacional de acusados e condenados. Informações sobre

criminosos reincidentes se tornavam mais detalhadas a cada ano. Freqüentemente criavam-

se novas tabelas e novas correlações.

1
Esta seção tem como fonte o artigo de Beirne, 1987.

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Tanto o governo francês como os estatísticos acreditavam que os dados reunidos no

Compte serviriam no futuro para o aperfeiçoamento da legislação em matérias civis e

morais. Com a disseminação do Compte, seguiu-se um movimento de estudiosos amadores

que passaram a pesquisar a criminalidade. Adolphe Quételét era um dos pesquisadores

interessados no desenvolvimento da criminologia. Esse autor pode ser visto, na medida em

que é um dos principais fundadores da criminologia positivista, como aquele que abriu o

caminho para o estudo sociológico do crime. Pode, também, ser considerado como um dos

primeiros analistas da criminalidade a entendê-la como um fenômeno normal, resultante da

organização social em si mesma.

Adolphe Quételét trabalhava como astrônomo e matemático no século XIX, quando

foi apresentado, por colegas, ao movimento estatístico que estava atraindo a maioria dos

cientistas. É nesse momento que ele toma conhecimento das possibilidades do uso da

estatística no estudo dos fatos sociais e passa a se interessar pelas ciências humanas. Vale

ressaltar que o estudo das questões sociais e morais era feito através dos métodos das

ciências naturais. Assim, Quételét desenvolve, em seus primeiros trabalhos, a concepção de

que os mesmos tipos de regularidades mecânicas encontradas no mundo natural e nos céus

fazem parte, também, da organização dos fatos sociais. A identificação destas

regularidades, no caso do mundo social, seria possível através do cálculo estatístico. É

importante mencionar, que, para Quételét, o grau de perfeição atingido por uma ciência

poderia ser medido levando-se em conta o maior ou menor uso dos instrumentos

estatísticos em suas pesquisas. Na verdade, o autor procurava descobrir aquilo que ele

chamava de “mecânica social” e, para a realização desse objetivo, os maiores obstáculos

não eram as falhas metodológicas e sim a escassez de dados empíricos.

Em meados da década de 20 do século passado, Quételét inicia a publicação de

trabalhos que utilizavam a estatística no estudo de problemas sociais e demográficos.

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Inicialmente, se ocupa de questões como organização de dados sobre natalidade e

mortalidade na Bélgica, com a finalidade de produzir taxas confiáveis. Em seguida, o autor

procura as já mencionadas regularidades mecânicas, utilizando dados não muito complexos

e diretamente observáveis, como taxas de mortalidade, estatura, tamanho de tórax e peso. A

partir desses dados o autor calculava os valores médios das variáveis acima mencionadas

para uma determinada população. Esses dados eram relacionados com variáveis como

idade, sexo, ocupação e região geográfica. O resultado final buscado por Quételét era um

conjunto de valores médios que reunidos forneceriam uma imagem fictícia, estatisticamente

criada, chamada por ele de “homem médio”. Este conceito será de grande importância na

análise da criminalidade empreendida por Quételét. Como veremos no final desta seção.

É importante mencionar, entretanto, que, para o autor, analisar estatisticamente os

fenômenos morais e sociais é tarefa muito mais complexa que estudar, pelos mesmos

métodos, questões relativas ao mundo natural. O fator responsável pela diferença seria a

vontade livre da qual dispõem os seres humanos. O fato de o comportamento humano ser

resultado de atos de vontade poderia levar à conclusão de que o número de crimes

acontecidos em um dado período não teria outra causa além das idiossincrasias humanas.

No limite, as causas de possíveis variações no volume de crimes em determinados períodos,

seriam estritamente individuais. No entanto, Quételét afirmava, a “mecânica social” não

pretendia encontrar leis verificáveis para indivíduos isolados. De fato, pretendia descobrir

padrões e regularidades pela observação em grande escala feita com o auxílio de

instrumentos estatísticos. Nesse caso, segundo o autor, o crime poderia ser observado como

uma atividade humana regida por leis semelhantes àquelas encontradas no mundo natural.

O já mencionado Compte seria, portanto, uma das mais úteis ferramentas a serem

empregadas na análise da criminalidade.

Examinando o Compte Quételét pôde encontrar regularidades que se sobrepunham


às idiossincrasias individuais. Assim, homens jovens, pobres, pessoas pouco instruídas,

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desempregados e mal empregados seriam os mais propensos a cometer crimes. No entanto,

é importante ressaltar, Quételét rejeita a associação direta, muitas vezes proposta, entre

pobreza e criminalidade. Segundo o autor, a presença de pobreza ou ausência de educação

formal não seria uma variável causal suficientemente forte como poderia parecer.

Argumenta mostrando que em algumas das áreas mais pobres e com menores níveis de

educação formal da França as taxas de criminalidade eram relativamente baixas. Uma

variável muito mais perturbadora seria a presença de desigualdades socioeconômicas.

Principalmente quando indivíduos que viviam em uma situação de bem estar passavam a

uma situação de miséria e continuavam a conviver com a riqueza e o luxo. Da mesma

forma, Quételét negava o fato de que baixos níveis educacionais teriam uma participação

direta e independente na explicação do crime. Contra aqueles que propunham a ampliação

da escola pública como forma de deter o crescimento das taxas de criminalidade, afirmava

que pessoas altamente educadas tendiam a cometer crimes mais violentos como estupro e

assassinato. Seria um erro, portanto, supor que a criminalidade diminuiria pelo simples fato

de que mais crianças estariam sendo levadas à escola. Para Quételét, o tipo de educação

oferecido deveria ser levado em conta, principalmente quanto à presença de “instrução

moral”.

Após reconsiderar as variáveis acima mencionadas (pobreza e educação), o autor

mostra que idade e sexo seriam mais importantes na predição do comportamento criminoso.

Diferentes grupos etários teriam diferentes propensões para cometer crimes. Tal propensão

seria menor nos dois extremos da vida: infância e velhice. No primeiro, tanto a força como

a paixão (os dois mais poderosos instrumentos do crime) estariam ausentes; no segundo,

ambos seriam detidos pelos “ditames da razão”. Assim, a propensão para o comportamento

criminoso seria maior no grupo etário que engloba

19
pessoas entre 21 e 25 anos. Nessa fase, tanto a força como a paixão são muito

desenvolvidas enquanto a razão ainda não é capaz de detê-las. Haveria, então, tipos de

atividade criminosa próprios de cada faixa etária. Os crimes cometidos por jovens seriam

aqueles nos quais é exigida a força física (agressão, estupro, assassinatos violentos), crimes

cometidos por pessoas de meia-idade seriam aqueles que exigem o raciocínio e o cálculo

mais apurados (roubos em locais públicos, assassinato por envenenamento e atos de

rebelião), pessoas idosas, privadas de força física, teriam que agir “nas sombras”, contando

com a desatenção ou o despreparo da vítima. Cometeriam crimes como falsificação de

materiais ou molestamento de crianças.

Quanto ao sexo, Quételét afirma que o crime é uma atividade predominantemente

masculina. Homens na França do século XIX seriam pelo menos quatro vezes mais

criminosos que mulheres. Para explicar essa diferença, o autor argumenta que para o

cometimento de um crime é necessária a combinação de três fatores: vontade, oportunidade

e habilidade para agir. As mulheres dariam maior importância, ou seriam acometidas mais

freqüentemente, pelos sentimentos de modéstia e vergonha, sentimentos que seriam os

principais ativadores da vontade nas mulheres. Isto explicaria a menor propensão ao

cometimento de crimes bem como explicaria a maior indulgência em relação ao assassinato

de crianças. Neste caso, a mulher não apenas teria maiores oportunidades que o homem.

Seria, também, levada a cometer esse tipo de crime no intuito de reparar um erro e escapar

da vergonha diante da sociedade. Finalmente, as mulheres teriam menos oportunidades de

cometer crimes porque levariam uma vida mais restrita ao ambiente familiar, menos sujeita

a paixões fortes e menos influenciada pelo álcool. A habilidade seria menor na medida em

que as mulheres têm menos força física que os homens.

Aprofundando sua discussão sobre as causas do crime, Quételét as divide em três

tipos: as acidentais, as variáveis e as constantes. As causas acidentais seriam fortuitas

20
e aleatórias, sua direção não poderia ser prevista. Guerras, fome e desastres naturais seriam

tipos destas causas. As causas variáveis seriam aquelas que poderiam variar entre limites

mínimos e máximos. Neste caso, teríamos a liberdade da vontade e “nuances” de

personalidade. Essas causas atuariam de forma contínua, de acordo com sua presença ou

ausência. Por fim, teríamos as causas constantes. Essas causas teriam uma probabilidade

fixa e atuariam de maneira contínua com a mesma intensidade e a mesma direção. As

causas constantes seriam representadas por variáveis como idade, sexo, ocupação e religião.

A predominância desse terceiro tipo de causas seria demonstrada, segundo Quételét, pela

constância das taxas criminais ao longo dos anos.

Dos dados que reuniu, e daqueles presentes no Compte, principalmente a partir da

constância do crime e de sua inevitabilidade, Quételét conclui que esse fenômeno é uma

característica inerente a tipos específicos de organização social. A sociedade em si mesma

seria causadora do crime, toda organização social demandaria um número determinado de

crimes anuais de diversos tipos e isto nada mais seria que uma conseqüência da própria

organização. Essa maneira de entender a criminalidade representava um avanço em relação

ao que se pensava anteriormente, tanto no âmbito intelectual, como no popular. Via-se, em

ambos, o crime como resultado da vontade de pessoas singulares. Pessoas portadoras de

algum tipo de distúrbio ou patologia. Com Quételét, como foi dito acima, temos a

concepção de que o crime não seria apenas causado pela vontade individual. Para explicar o

fenômeno, no sentido proposto por Quételét, deve-se levar em conta que a organização

social, que alguma forma específica de organização social, determina a quantidade e os

tipos de crimes a serem cometidos em um determinado período. Entretanto, é necessário

mencionar que a concepção de Quételét, ainda que inovadora, mantinha um certo ar

convencional na medida em que tinha como fundamento a noção de que a sociedade é um

agregado de indivíduos. Tal noção, como veremos, será rejeitada

21
por Durkheim que definia a sociedade como algo mais que um simples agregado de

indivíduos.

Para o entendimento apropriado da explicação queteletiana do crime devemos voltar

à noção já mencionada de “homem médio”. Em seus primeiros trabalhos, Quételét

determina os valores médios para altura, peso e outras medidas do corpo humano, como

dimensões do tórax, e os correlaciona com variáveis como sexo e idade encontrando assim

as características do “homem médio” para uma dada população. Posteriormente, o autor

passa a buscar não apenas os valores médios das características humanas, mas, também, os

limites para cima e para baixo entre os quais os indivíduos poderiam variar. Teríamos as

pequenas variações que não causariam espanto e as grandes oscilações responsáveis pelas

“aberrações” de todos os tipos. Mais: na medida em que Quételét acreditava em uma

“mecânica social”, entendia que as variações em torno da média não eram aleatórias, mas

que respeitavam alguma ordem determinada semelhante à distribuição normal em mecânica

celeste.

Quando aplica os princípios da distribuição normal ao crime, Quételét passa a

postular uma rígida oposição binária entre a média estatística e os desvios. De fato, todos os

indivíduos, inclusive aqueles próximos à média, teriam alguma capacidade latente de

desobedecer a normas e leis. Por outro lado, as propensões ao comportamento criminoso do

homem médio nunca ou raramente se transformariam em atos criminosos efetivos. As

potencialidades criminosas do homem médio não se realizariam justamente porque este é

capaz, na concepção de Quételét, de, entre os extremos da deficiência e do excesso,

escolher o caminho do meio. Entre as virtudes do homem médio estariam, então, hábitos

racionais, temperança, maior controle sobre as paixões e previsibilidade do


comportamento 2 . Ele seria o respeitador da lei, saudável psicológica e fisicamente,

diferente daqueles que, por suas características, estariam distantes da média.

2
citado em Beirne (1987) Quételet, A. (1842). A treatise on man. Edimburgh: Chambers.

22
Temos então a contraposição entre o homem médio, respeitador das leis, e os

vagabundos, vadios, ciganos, as classes inferiores, pessoas de estoque moral inferior ou de

menor caráter. Estes últimos seriam os possíveis criminosos. Podemos, a partir das idéias

acima esboçadas, afirmar que deficiências morais, apresentadas por algum motivo - origem

social, étnica ou geográfica, tipo de educação, constituição psicológica, religião, etc. -


combinadas com a estrutura etária e sexual da sociedade 3 em questão (as causas

constantes), produzirão um número determinado de atos criminosos. Caberia, então, ao

Estado identificar em contextos específicos as causas dos crimes e atuar de forma a afastar

estas causas. Como, para Quételét, um mesmo conjunto de crimes teria sempre as mesmas

causas, tal empreendimento seria possível.

O Estado deveria, portanto, buscar maneiras de diminuir ou mesmo acabar com o

crime. Em primeiro lugar, segundo Quételét, deveria combater e paralisar a minoria

potencialmente criminosa. Em segundo lugar, deveria fomentar o processo de civilização,

permitindo que as virtudes do homem médio se estendessem para maior parte da população.

E, assim, “the more do deviations from the average disappear... the more, consequently, do
we tend to approach that which is beautiful, that which is good”4.

É de fundamental importância, se quisermos entender o pensamento de Quételét de

modo adequado, estarmos atentos para o que foi dito no início deste capítulo em relação ao

ambiente que existia quando do surgimento dos movimentos de estatística moral e

criminologia. O fato é que o pensamento de Quételét sobre as estatísticas criminais, as

elaborações teóricas que produziu acerca do fenômeno, tinham propósitos imediatamente

práticos. Quételét buscava o entendimento do problema social do crime - problema com o

qual convivia - no sentido de solucioná-lo. Isto é, diminuir ao máximo ou, no limite,

exterminar todas as atividades criminosas. Acredito que tendo em mente estes elementos

3
sociedade entendida como agregado de indivíduos.
4
Quételet, A. 1842. A treatise on man. Edimburgh. Chambers. apud Beirne, 1987.

23
torna-se mais fácil a aceitação da explicação que envolve o “homem médio” e os indivíduos

desviantes, os segundos aparecendo como os potenciais criminosos. Ao Estado caberia

implementar políticas que identificassem as principais causas perturbadoras da boa

conduta, representada pelo virtuoso homem médio. Após identificá-las, deveria trabalhar no

sentido de destruí-las. Além disso, seria necessário, também, criar condições para o

florescimento e extensão das virtudes do homem médio.

É verdade, no entanto, que as teorias queteletianas sobre o crime merecem a

acusação de serem “pré-sociológicas”. Como Beirne (1987) mostra, a sociedade

representada por Quételét não passa de um agregado de indivíduos. E, sendo assim, o fato

de Quételét ver o crime como um fenômeno causado pela organização social, perde um

pouco do sentido sociológico que poderia ter. Tomando a sociedade como um mero

agregado de indivíduos, o autor deixa de lado a possibilidade de encontrar explicações

propriamente sociológicas para o problema. Quételét, podemos dizer, se concentra na

descrição estatística das regularidades deixando de lado possíveis explicações dessas

regularidades. Acredito ser esse o principal elemento das críticas que Durkheim (1987)

dirige a Quételét e a seu homem médio.

1.2 - E. Durkheim: o crime como fenômeno útil e necessário

É com Emile Durkheim que o argumento da normalidade do crime, que aqui

pretendo demonstrar, ganha pela primeira vez uma forma sociologicamente complexa. Tal

complexidade se fundamenta em uma concepção da sociologia como uma ciência positiva,

dona de um âmbito próprio de pesquisa. É responsável, também, pelas acentuadas

diferenças que podemos encontrar entre Quételét e Durkheim. Talvez a mais importante,

seria a rejeição enfática de Durkheim do argumento de que a sociedade é um mero


agregado de indivíduos. Com efeito, Durkheim acreditava que a sociedade seria algo mais

24
que a simples soma de suas partes. Por conseguinte, não encontramos lugar para um

construto teórico da natureza do “homem médio” queteletiano em seu pensamento. De fato,

Durkheim afirma, claramente, que tentar explicar fenômenos sociais através de

características de indivíduos seria um grande equívoco. E é esse o equívoco que ele atribui

ao uso que Quételét faz da noção de homem médio.

Para tratarmos da questão da normalidade do crime propriamente dita, devemos

considerar a argumentação durkheimiana sobre o “elemento social do suicídio”. A partir

dessa argumentação, podemos entender melhor a distância que separa os dois autores até

aqui mencionados e qual é o verdadeiro fundamento teórico do argumento da normalidade.

A diferença mais marcante seria que, para Quételét, o crime é um objeto de investigação já

construído, isto é, não se faz distinção entre o problema social e o problema sociológico

que nele estão representados. Durkheim, por sua vez, na medida em que mantém uma

concepção de que a sociologia é uma ciência autônoma, procura fazer do crime um objeto

de análise distinto das concepções de senso comum. Busca, pela análise do crime e do

desvio, a produção de um conhecimento sociológico sobre a realidade social. A importância

dessa diferença está no fato de que Quételét, ainda que veja o crime como um fenômeno

normal, acha possível sua erradicação através de políticas públicas específicas. Pois, se as

causas estão no nível individual, não é impossível mudar uma situação que favoreça o

crime. De fato, transformar indivíduos de diversas maneiras – através da educação, das

penas, do incentivo à “civilização” das pessoas – seria a proposta de Quételét. Para

Durkheim, a própria normalidade implica o argumento de que o crime é um fenômeno

necessário e inevitável. Isso porque vê o problema de uma perspectiva sociológica contra-

intuitiva procurando, assim, defini-lo de uma maneira não usual. Isto é, enfatizando os

fatores causais sociologicamente específicos, qualitativamente diferentes de fatores

individuais isolados. Não seria suficiente prender todos os criminosos ou reeducá-los. Se a


“alma” da sociedade permanece inalterada, outros indivíduos serão recrutados (e este

25
recrutamento se dá, como veremos, pela capacidade que a sociedade teria de classificar

determinados atos como criminosos) para cumprirem o papel necessário.

Discutindo o elemento social do suicídio, Durkheim se ocupa, primeiramente, em

afastar todas as explicações que encontravam em particularidades individuais as causas do

fenômeno. Assim, doenças mentais, alcoolismo, raça, imitação, são variáveis independentes

afastadas pelo autor através de uma análise multivariada, ainda que pouco sofisticada. Após

concluir que não são as variáveis acima as causadoras dos suicídios – teriam, no máximo,

um papel secundário –, Durkheim afirma que as causas deste fenômeno devem ser

procuradas na própria sociedade. Na verdade, essa seria uma regra geral da sociologia

durkheimiana: “a causa determinante de um fato social deve ser buscada entre os fatos

sociais anteriores, e não entre os estados de consciência individual” (Durkheim, 1990, p.

96). Podemos aplicar o raciocínio feito em relação aos suicídios na questão da

criminalidade. Segundo o autor, os melhores resultados aparecem quando são deixados de

lado os fatores individuais e passam a ser considerados os fatores coletivos. O fato é que a

taxa social dos suicídios (e por extensão, como foi dito, do crime em geral) se explica

apenas sociologicamente. É a constituição moral da sociedade que determina aqueles que se

matarão. No sentido que Durkheim dá às palavras, não há espaço para a metáfora quando

ele escreve que “as sociedades humanas têm tendências” para o suicídio. O autor quer dizer

exatamente isto. Os grupos sociais teriam inclinações coletivas para diversos atos, das quais

derivariam os atos individuais. No caso do suicídio, existiriam correntes suicidógenas

marcadas pelo egoísmo, altruísmo ou anomia que atuariam dentro das sociedades

penetrando “de fora para dentro” as consciências individuais. No caso do crime, o fato de

que a consciência coletiva não está presente da mesma forma e com a mesma intensidade

em todas as consciências individuais faz com que alguns indivíduos não compartilhem do

horror causado por certos atos e, por conseguinte, os cometam.

26
Contudo, devemos atentar para o fato de que não é nenhum elemento intrínseco aos

atos que os tornam criminosos. É a sociedade que assim os classifica. Portanto, patologias

ou características individuais seriam responsáveis por um conjunto de comportamentos

divergentes em relação aos padrões sociais regulares e, entre esses comportamentos, alguns

seriam classificados como criminosos. O que promove a classificação de determinados atos

como criminosos ou desviantes é uma necessidade social de crimes ou desvios, devem


existir para que a sociedade sobreviva 5 . Assim, se em Quételét as regularidades

apresentadas pelos dados sobre crime se devem à presença de certas “causas constantes”,

em Durkheim as regularidades são causadas pela citada necessidade social de crimes.

Acredito ser possível, inclusive, afirmar que certas situações e grupos sociais seriam

privilegiados quanto a isso, ou seja, uma forma diferenciada de introjeção da consciência

coletiva poderia ser relativa a condições sociais diferenciadas. Segundo o próprio

Durkheim, as correntes sociais (externas e coercitivas, podemos lembrar) dificilmente

apareceriam com força suficiente para abranger toda a sociedade. De fato, elas prosperam

em ambientes restritos onde as condições são mais propícias ao seu desenvolvimento.

Condições sociais específicas, algumas profissões, algumas confissões religiosas seriam

fatores estimulantes de comportamentos divergentes em relação aos padrões sociais

médios. Penso que tendo em mente estas palavras poderemos entender melhor a filiação

durkheimiana de algumas teorias sociológicas sobre crime e delinqüência, principalmente

aquelas que mencionam as “subculturas violentas”.

Quando trata das regras relativas à distinção entre o normal e o patológico,

Durkheim considera especialmente a questão da normalidade do crime. Como foi dito

acima, o autor procura uma definição sociológica do crime, pretende se afastar das

prenoções do senso comum. O crime, antes visto como um fenômeno

5
Este ponto será tratado com maiores detalhes adiante.

27
mórbido e patológico, passa a ser visto como um fato normal e necessário. Antes, porém,

de considerarmos a questão da normalidade, vejamos quais são as condições estabelecidas

por Durkheim (1990) para que um fato social seja considerado normal. São elas: 1) “Um

fato social é normal para um tipo social determinado considerado numa fase determinada

de seu desenvolvimento, quando se produz na média das sociedades desta espécie,

consideradas na fase correspondente de sua evolução”. 2) “Pode-se verificar os resultados

do método precedente fazendo ver que a generalidade do fenômeno se prende às condições

gerais da vida coletiva no tipo social considerado”. 3) “Esta verificação é necessária

quando o fato se liga a um aspecto social que ainda não cumpriu sua evolução integral”

(1990, p.56).

Usando o crime como exemplo, Durkheim afirma que este fenômeno é um traço

generalizado das sociedades e, por se prender às condições gerais da vida coletiva, mostra-

se normal. Nesse caso, tratar o crime como uma doença social, como um fenômeno

mórbido, seria tornar a doença um traço característico do organismo. Seria, como afirma

Durkheim, perder qualquer possibilidade de distinção entre o normal e o patológico.

Devemos lembrar, por outro lado, que o fato de o crime ser normal não quer dizer que seja

um fenômeno livre de limites. Isto é, que o excesso não implique em prejuízos para a

coletividade. O normal, no sentido durkheimiano, é a existência do crime e a normalidade

deve se submeter à condição de que, para cada tipo social determinado, não ultrapasse um

certo nível.

A argumentação durkhemiana segue buscando mostrar porque o crime é normal e

porque se prende às condições da vida coletiva. Segundo Durkheim, “o crime é normal

porque seria inteiramente impossível uma sociedade que se mostrasse isenta dele” (1990,

p. 58). Seria impossível porque o crime é um ato que ofende certos sentimentos coletivos

reconhecidos socialmente. Para que os atos ofensivos não fossem mais realizados seria
necessário que sua reprovação estivesse presente em todas as consciências

28
particulares de forma definitiva e sem exceção. Mas assim o crime não desapareceria,

apenas mudaria de forma, pois quando certos tipos deixassem de existir – neste caso a

repulsa a este ato estaria presente em todas as consciências particulares – outros surgiriam.

Seria assim porque a ampliação do papel e da eficácia da consciência coletiva, a ponto de

evitar certos tipos de atos considerados ofensivos, faria com que, automaticamente, outros

atos, antes menores em importância, assumissem posição de destaque. Como exemplo,

Durkheim cita o roubo e o furto. O primeiro seria uma ofensa mais séria, causaria maior

repulsa. O segundo muitas vezes não passaria de um leve falta moral. No entanto, se a

intensidade dos sentimentos coletivos fosse forte o suficiente para excluir o roubo da vida

social, essa mesma intensidade seria responsável pela maior repulsa que o furto – antes uma

pequena falta moral – passaria a causar. Assim, escreve Durkheim, mesmo em uma

sociedade de santos, onde os verdadeiros crimes estivessem excluídos, alguns atos, que

para o homem comum passariam despercebidos, seriam julgados e rechaçados severamente.

No intuito de afastar todas as objeções possíveis, Durkheim lança um contra-

argumento, para depois refutá-lo: não seria possível que os sentimentos coletivos fossem

suficientemente fortes para que mesmo os atos mais leves também fossem evitados? Nesse

caso, a consciência coletiva seria encontrada em todos os indivíduos de forma total e

unânime, impedindo qualquer ato que a ofendesse, fosse um crime propriamente dito ou

uma pequena falha moral (Durkheim, 1990, p.60). Durkheim descarta essa opção

mostrando que fatores como o meio físico imediato, os antecedentes hereditários e

influências sociais diversas variam de um indivíduo para o outro, diversificando as

consciências. Como é impossível que os indivíduos não se diferenciem mais ou menos do

tipo coletivo, é inevitável que se comportem de maneiras diferentes. Dentre os diversos

comportamentos possíveis, alguns serão definidos como criminosos. Isso acontece porque,

segundo Durkheim, não é nenhum aspecto intrínseco ao ato que o torna criminoso, mas,

29
sim, o modo como a consciência comum o define. Assim, se a consciência coletiva é

presente e forte o bastante para excluir as divergências “sérias”, será, também, mais

exigente e reagirá contra os menores desvios, definindo-os como criminosos. No entanto,

permanece a pergunta colocada acima. Durkheim afirma – e mostra através de argumentos

– que o crime se liga às condições da vida coletiva, mas não deixa claro o “porquê” disso.

A resposta não será encontrada de forma satisfatória no texto das Regra, será necessária a
consideração de outras obras do autor6.

Esse trabalho será feito por Randall Collins (1992) que estende a intuição de
Durkheim e apresenta o crime e sua punição como parte dos rituais 7 que reforçam os laços

sociais. O autor argumenta que, se tomada do ponto de vista da redução efetiva de crimes, a

punição se mostraria ineficaz. No entanto, do ponto de vista dos rituais que mantêm a

sociedade unida, a punição cumpre um importante papel. Temos que ressaltar que o alvo,

por assim dizer, dos processos punitivos não é o criminoso. Esse é um marginal, não é parte

integrante da sociedade. Na verdade, o criminoso é objeto do ritual, ele é necessário para

que o ritual aconteça, mas não faz parte dele, e dele não se beneficia. A lei é para o honesto.

Ou seja, o alvo do ritual punitivo é a sociedade em geral. São os membros da sociedade

que, através do ritual, participam de um processo emocional intenso, através do qual os

principais valores sociais se mostram. Assim, ao assistir um julgamento por homicídio, por

exemplo, o público vê a lei se personificar nos protagonistas do ritual (o juiz, os jurados, o

promotor, os advogados, o réu e as testemunhas). Nesse momento, a lei se externaliza,

ganha vida e aparece como algo que não pode ser violado. Os principais fundamentos da

sociedade ganham forma e podem ser contemplados pelas pessoas.

6
Penso em A Divisão Social do Trabalho. e Formas Elementares de Vida Religiosa. De qualquer forma,
Durkheim não se livrará de críticas duras relativas à possível inconsistência de seu argumento. Conferir
Cohen e Machalek (1994), texto que será mencionado ainda neste capítulo.
7
Segundo Collins, op cit, "a ritual is a standardized, cerimonial behavior, carried out by a group of people. It
involves a common emotion, and it creates a symbolic belief that binds people closer to the group. Carrying
out ritual over and over again is what serves to keep the group tied together."

30
A partir da noção de ritual, Collins amplia a afirmação de Durkheim sobre a

necessidade/utilidade do crime. Para Durkheim, escreve Collins, a sociedade precisa do

crime, pois, do contrário, não existiriam as punições e os rituais decorrentes. Sem os rituais

as regras, as normas e as leis deixariam de ser cerimonialmente representadas e perderiam

intensidade em relação às consciências individuais. Os sentimentos morais que surgem

quando as pessoas reagem a alguma violação das normas não seriam sentidos. Se a

sociedade passasse um longo tempo sem crimes e punições suas próprias bases morais

poderiam deixar de existir. Segundo Collins, Durkheim busca a confirmação dos

argumentos mencionados quando afirma que a sociedade produz os crimes de que

necessita, caso eles não existam. Dessa maneira, o que é definido como crime pode variar

muito de uma sociedade para outra, mas todas apresentam certos atos socialmente definidos

como criminosos. Temos, então, o já mencionado argumento: até mesmo uma sociedade de

santos terá seus desvios, pequenas falhas morais, que para a pessoa comum não

representam grandes problemas, serão objeto de reação e punição. Pois é dessa forma que

as normas se explicitam e preenchem as consciências individuais.

Outros fatores levantados por Durkheim, que ligam o crime às condições da vida

social, se relacionam com a necessidade de que a consciência coletiva seja, em alguma

medida, flexível, e com a necessidade de que haja inovações na vida da sociedade. Assim, o

crime existe porque é útil para a sociedade. Se não existissem crimes não existiria

progresso ou mudança social. A sociedade estaria estagnada. Se a consciência coletiva

tivesse autoridade para exterminar qualquer tipo de desvio, não teríamos nenhum tipo de

evolução. Para Durkheim, o preço da originalidade criativa individual é o comportamento

criminoso. Pois, para que seja possível que alguém pense de modo livre e crie coisas novas

e inesperadas, contribuindo assim para o desenvolvimento da sociedade, é necessário que a

consciência coletiva seja minimamente flexível. E, nesse caso, há espaço para o


comportamento divergente, que pode ser classificado como criminoso. Mais: o crime não é

31
apenas indiretamente útil, segundo Durkheim; ele o é diretamente na medida em que atos

que no passado foram crimes podem, no futuro, constituir comportamentos aceitos e

aprovados. Completa-se, assim, a argumentação que mostra porque o crime se liga às

condições de vida da sociedade. No entanto, esses últimos fatores são secundários em

relação ao que foi mencionado primeiro. Sociedades estagnadas podem ter diversos

problemas, mas sobrevivem. Por outro lado, uma sociedade que não tenha suas bases, suas

crenças e suas principais representações freqüentemente reavivadas pode, de acordo com

Durkheim, morrer. Essa, obviamente é uma situação mais grave.

Temos, então, com Durkheim, uma definição sociologicamente complexa do que

seria a “normalidade do crime”. O crime é normal não apenas por sua generalidade ou por

sua inevitabilidade. É normal porque se liga às condições da vida social e, portanto, é útil

para a sociedade. Além disso, como vimos, o crime não é uma forma de comportamento

com significado intrínseco. É a sociedade, a consciência coletiva, que define um ou outro

ato como criminoso. Esses atos definidos como criminosos mudam de uma sociedade para

outra e podem mudar mesmo dentro de uma única sociedade, com o passar do tempo. O

crime torna-se, então, um fenômeno social complexo e não um fato bruto detectado

empiricamente por estatísticos ou pelas pessoas em geral. Suas causas são sociais num

sentido profundo. Afastamo-nos, portanto, daquela forma de entender o fenômeno que

vimos em Quételét. Esse autor, embora pioneiro em seu tempo, tinha uma posição que pode

ser classificada como pré-sociológica na medida em que tomava a sociedade como um

mero agregado de indivíduos. Posição da qual decorria o fato de que seu modo de entender

o crime como algo normal (termo que o autor não usava no caso do crime) se restringia à

percepção de que o fenômeno em questão era resultado da organização social em si mesma.

De fato devemos lembrar que em Quételét o crime é comportamento próprio de indivíduos

de menor qualificação moral, pessoas que, por algum motivo, se distanciavam das
qualidades do “homem médio”. Mais: sendo a “organização social” nada

32
mais que um agregado de indivíduos, o número anual de crimes dependeria apenas de como

se constituiria este agregado, isto é, quais as variáveis e aspectos estatísticos mais


freqüentes, como estaria composto o conjunto das “causas constantes” 8 . Assim, quanto

maior fosse o número de indivíduos desviantes em relação ao virtuoso “homem médio” na

composição da sociedade, maior seria o número de crimes. Temos, então, mais uma

diferença entre os autores até aqui considerados. Para Quételét o crime poderia ser excluído

da vida social na medida em que seus autores fossem presos e punidos e que o Estado

implementasse políticas que proporcionassem o florescimento das virtudes do “homem

médio”. Para Durkheim, como vimos, a extinção do crime é algo impossível. Na verdade,

os agentes que cometem os crimes são meros cumpridores de necessidades sociais. São
dessas necessidades9 sociais que derivam os atos individuais. Como no Suicídio, os atos

individuais resultam de estados coletivos e não o contrário.

Por fim, é importante mencionar o que pode ser chamado de uma espécie de reajuste

da teoria que é feito por Collins. O autor quer livrá-la tanto de sua dimensão mais

funcionalista, como da reificação que está implicada no fato de Durkheim tomar a

sociedade, que é um conceito, por um ator social competente. Assim, escreve que o

argumento não deve ser colocado nos termos que Durkheim o coloca: se for para que

sociedade sobreviva, então ela tem que ter crimes (Collins, 1992, p.112). Segundo Collins,

não há necessidade de que sociedades em particular sobrevivam. Portanto, não há

necessidade de que o crime exista por esse motivo. Durkheim deve ser entendido, então,

como autor que expõe um mecanismo (crime - ritual punitivo - coesão social) que algumas

vezes é usado. Neste sentido, se certos rituais de punição são empreendidos, a

8
Vale lembrar: as causas constantes são representadas por variáveis como idade, sexo, ocupação e religião.
9
A necessidade do crime resulta do fato, já mencionado, de que é através da punição que se reafirmam, do
ponto de vista dos honestos, as leis e normas sociais.

33
solidariedade crescerá, caso contrário, teremos um afrouxamento dos laços de

solidariedade. Se o mecanismo será usado é outra questão, afirma Collins.

Quanto ao problema da reificação, Collins faz a advertência de que a palavra

sociedade é apenas um conceito e, como tal, incapaz de promover rituais e definições de

atos. Os atores reais são indivíduos e grupos. São, portanto, grupos que promovem os

rituais de punição com objetivo de aumentar seus próprios sentimentos de solidariedade e

seu poder de dominação sobre outros grupos (Collins, 1992, p.113). Questões relativas a

punição de criminosos seriam um aspecto da luta travada por diferentes grupos da

sociedade. Nesta luta, no entanto, estariam em jogo questões simbólicas. Mesmo porque as

pessoas que mais se preocupam com o crime, segundo Collins, são as menos envolvidas

com o problema, pelo menos de forma direta. Teríamos grupos dominantes que seriam

responsáveis pela definição dos atos criminosos. As punições rituais renovariam e

reforçariam estas definições. Ou seja, como escreve Collins, os rituais de punição unem a

sociedade em um sentido específico, isto é, solidificam as estruturas de dominação já

existentes. Os potenciais criminosos serão aqueles indivíduos que, por não estarem

integrados ao grupo dominante, perseguem seus próprios objetivos sem observar os padrões

de moralidade exigidos.

Como procurei demonstrar até aqui, temos uma primeira formulação da

“normalidade do crime” com Quételét. É verdade que ele não usa estes termos, que são de

Durkheim. Além disso, sua concepção, como já foi dito, é marcada pela apreensão pré-

sociológica do conceito de sociedade. O crime seria normal apenas na medida em que sua

causa fosse uma conjugação específica de características individuais presentes na

composição do agregado chamado de organização social. Em seguida, apresentei o

argumento durkheimiano – muito mais complexo e elaborado sociologicamente. A

explicação da normalidade do crime, apresentada por Durkheim, envolve sua preocupação


de sempre explicar os fatos sociais através de outros fatos sociais. O crime existe e é

34
normal, então, porque é geral (encontrando-se em todos os tipos de sociedade) e, mais

importante, porque se liga às condições de toda a vida social. De onde decorrem sua

necessidade e utilidade, isto é, o fato de o crime ser o preço da flexibilidade da consciência

coletiva e o fato de proporcionar os rituais punitivos que reforçam os laços sociais.

1.3 - Crítica e redefinição da noção de normalidade do crime

No entanto, ainda que Durkheim ultrapasse a visão queteletiana do problema, não

fica isento de severas e consistentes críticas. Passo agora a apresentar as críticas feitas a

Durkheim pelos autores Lawrence Cohen e Richard Machalek (1988,1994) e, logo após, a

proposta dos autores de submeter a explicação da normalidade do crime à “Evolutionary

Ecological Theory”. Os autores fazem críticas a Durkheim na medida em que pretendem

que a teoria da “ecologia evolucionária” supere os insights durkheimianos em relação à

normalidade do crime. Os resultados mais importantes seriam uma explicação convincente

de como os níveis macro e microssociológicos do processo social interagem e produzem o

comportamento criminoso, e uma exposição de como e porque o crime é um fenômeno

normal. Um dos problemas do pensamento de Durkheim que os autores querem afastar é o

uso freqüente de conceitos de inspiração biológica, sem exploração a fundo das

possibilidades de uma explicação naturalista do comportamento social humano. Para Cohen

e Machalek (1994), existe um grande potencial para a sociologia se as abordagens

naturalistas forem consideradas de forma mais conseqüente.

Os autores apresentam quatro objeções à concepção durkheimiana de normalidade

do crime. A primeira delas se refere ao fato de que a apresentação que é feita da natureza e

origem essencialmente sociais do crime é tautológica. Na segunda afirmam que a

35
proposição da universalidade do crime e da punição é teleológica. A terceira objeção diz

respeito à reificação estaria presente na análise tendo como conseqüência a identificação da

sociedade, e não dos indivíduos, como beneficiária última do efeitos do crime e da punição.

Finalmente, a quarta sugere que, apesar da reputação de explicação puramente sociológica


do crime, as evidências10 mostram que Durkheim recorreu a características individuais para

identificar as raízes causais do fenômeno. Considero a seguir cada uma das objeções

separadamente.

Segundo Cohen e Machalek, Durkheim, ao definir a normalidade do crime, afirma

que este é um componente constitutivo de todas as sociedades. Sua normalidade advém do

fato de que tem distribuição geral e está ligado às condições fundamentais da vida social.

No entanto, escrevem, Durkheim não deixa claro quais são as condições fundamentais ou

como o crime se liga a elas. Em vez de esclarecer esses pontos, Durkheim argumenta

persuasivamente que o crime e a punição conferem benefícios para a sociedade onde

ocorrem. Porque o crime pode ser visto como benéfico para a sociedade, Durkheim conclui

que é um fenômeno normal e inevitável. Uma certa quantidade de crimes e punições é

necessária e benéfica.

Segundo Cohen e Machalek, a essência da lógica durkheimiana é que se um

fenômeno é geral e benéfico (no sentido de que se liga às condições fundamentais da vida

coletiva) será, necessariamente, normal. O crime é e geral e benéfico, portanto, é normal. O

problema, afirmam, é que definir como normal algum componente da sociedade que é

apenas declarado como comum e benéfico e, em seguida, afirmar que o crime é um destes

componentes, não constitui uma explicação causalmente adequada da normalidade do

crime. O que Durkheim faz é realizar uma explicação através de um definitional fiat

10
Tomam como evidência a seguinte passagem das Regras... (1990): " Assim então, uma vez que não pode
existir sociedade em que os indivíduos não divirjam mais ou menos do tipo coletivo, é inevitável também
que entre estas divergências, existam algumas que apresentem caráter criminoso. Pois o que lhes confere tal
caráter não é sua importância intrínseca, mas a importância que a eles atribui a consciência comum." p. 60
Discuto oportunamente a importância da segunda frase da passagem.

36
(Cohen e Machalek, 1994, p. 290 - grifos dos autores). A explicação fornecida por

Durkheim seria um exemplo de raciocínio tautológico na medida em que ele toma como

premissa de seu argumento a própria conclusão a qual quer chegar.

Quanto à segunda objeção, Cohen e Machalek escrevem que, a despeito de

Durkheim considerar os problemas envolvidos na confusão entre causa e função, ele

afirma, essencialmente, que o crime existe porque a sociedade precisa dele. O complexo

crime-punição evolui porque a sociedade precisa daquilo que ele fornece, isto é, a

reafirmação da consciência coletiva. Falta na explicação durkheimiana a consideração

sobre os mecanismos e processos específicos através dos quais traços como o complexo

crime-punição evoluem (por que um complexo determinado foi escolhido em detrimento de

outros, por que existem variações ao longo do tempo). Sem estes mecanismos específicos,

temos apenas a afirmação de que o crime existe porque está ligado às condições

fundamentais da vida coletiva (os rituais punitivos). Esse tipo de afirmação encerraria uma

“teleologia ilegítima”.

Ter construído uma noção reificada de sociedade é a terceira crítica feita ao

tratamento que Durkheim dá à questão da normalidade do crime. A reificação apareceria

em metáforas usadas no lugar do termo sociedade como, por exemplo, “organismo social”,

que pode, inclusive, ter “saúde” ou sofrer “doenças”. O crime não seria uma doença, mas

um fator que contribui para a saúde da sociedade. Apesar de indivíduos particulares

sofrerem custos relacionados com a sua vitimização, a sociedade como um todo se beneficia

porque a punição dos crimes reforça a consciência coletiva. Segundo Cohen e Machalek, a

perspectiva que Durkheim adota o leva a não perceber as possibilidades de conflitos


existentes nas sociedades11. Não reconhece que muitos crimes representam ganho de um e

perda equivalente de outro. Pretendendo, a qualquer custo, estabelecer a “normalidade”,

Durkheim impede que o crime seja entendido como uma patologia, sejam

11
Preocupação, como vimos, compartilhada por Collins, 1992.

37
quais forem circunstâncias. O criminoso durkheimiano é sempre uma espécie de benfeitor.

Durkheim presume – não prova, dizem Cohen e Machalek – que os benefícios coletivos do

crime suplantam os custos individuais. Enfim, a reificação empreendida por Durkheim

produz uma sociedade livre de conflitos de interesse e organizada no sentido de prover o

bem estar coletivo em vez do individual.

Por último, a questão das raízes do comportamento criminoso. Aparentemente,

Durkheim estabelece definitivamente a natureza social do crime. No entanto, uma


passagem12 do capítulo III das Regras mostra, segundo Cohen e Machalek, que Durkheim

coloca características individuais como causas do comportamento criminoso. Como já foi

mencionado, indivíduos seriam diferentes em caráter e tais diferenças resultariam em

comportamentos divergentes. Entre os comportamentos divergentes teríamos os criminosos.

Não é o caso de afirmar a impossibilidade de se manter uma teoria que propõe causas

individualistas para o crime. A questão é que o recurso individualista parece estranho

quando usado por um sociólogo como Durkheim, que procurava estabelecer as causas

sociais do fenômeno. A solução para esta – e para as já mencionadas – confusões

durkheimianas seria a substituição de seu esquema teórico por outro verdadeiramente

naturalista. A “Evolutionary Ecological Theory” cumpriria da melhor forma possível essa

função. Assim pensam Lawrence Cohen e Richard Machalek. Antes, porém, de expor a

citada teoria, é importante fazer uma ressalva quanto à última objeção a Durkheim.

Apresentando a mencionada passagem como prova irrefutável de que Durkheim

recorreu a aspectos individuais para explicar o crime, Cohen e Machalek reduzem a

importância de sua segunda parte. É verdade que Durkheim afirma que os indivíduos de

uma sociedade diferem mais ou menos do tipo coletivo e que estas diferenças provocam

divergências de comportamento, entre as quais estaria o comportamento criminoso. No

12
Cf. nota no 10.

38
entanto, não pode ser deixada de lado a segunda parte da citação onde Durkheim afirma que

o crime não é um fenômeno com caráter intrínseco. Ou seja, é a sociedade na forma de

consciência coletiva que define um ou outro comportamento como criminoso.

Restringindo-nos à lógica durkheimiana, podemos afirmar que não há recurso ao

individualismo. O crime é resultado de um processo coletivo de definição. O ato individual

é menos importante que a definição coletiva. Com efeito, é a definição coletiva que funda o

ato e não o inverso.

Contudo, ao mesmo tempo que reduzimos o significado do “recurso ao

individualismo”, mencionado por Cohen e Machalek, temos que reconhecer que ganham

força as objeções anteriores. Quero dizer: se Durkheim não recorre ao individualismo é

porque está totalmente apoiado em seu modelo teórico que, sem dúvida, encerra problemas

como tautologia, teleologia e reificação, como já foi mencionado. Esses problemas, além de

constituírem equívocos do ponto de vista do raciocínio, minam as possibilidade analíticas

do esquema. É interessante, portanto, considerar a idéia de normalidade do crime proposta

pelos autores.

Segundo Cohen e Machalek (1994), o objetivo da E.E.T. é explicar fenômenos

sociais através de um modelo teórico de cunho naturalista. A escolha de um modelo desse

tipo atende a propósitos práticos. Não diz respeito a motivações ideológicas. É a eficácia do

modelo que determina seu uso. O esquema naturalista (contra expectativas) seria eficiente

no sentido de mostrar o crime como um fenômeno emergente de processos sociais amplos.

Os autores entendem que o envolvimento em certas formas de comportamento criminoso


expropriativo derivam de modelos de “seleção estratégica” 13 segundo os quais os

indivíduos tentam incrementar suas possibilidades de adquirir recursos. O crime para a

E.E.T. seria um subproduto de padrões normais de organização social e de processos de

interação. Por isso, quando os autores mencionam a expressão

13
Âmbito das decisões individuais.

39
“seleção estratégica” têm em mente o fato de que a produção das estratégias se dá no

âmbito dos processos macrossociais. Os indivíduos que cumprem estas estratégias são de

certa forma meros executores, adotam a estratégia que melhores resultados traz em certo

momento. Contudo, deve ser ressaltado que as diferenças individuais serão importantes na

resolução dos conflitos decorrentes da diversidade de estratégias. Os indivíduos que adotam

determinadas estratégias expropriativas serão bem sucedidos desde que detenham certos

recursos. Os detalhes da teoria serão discutidos a seguir. O que é importante repetir agora é

que os autores acreditam que a E.E.T. é uma extensão do pensamento durkheimiano

(fundada em termos realmente naturalistas) que fornece uma explicação consistente de

como os níveis macro e micro do processo social interagem para gerar o comportamento

criminoso.

De início, os autores apresentam alguma definições básicas. Indivíduos são

estrategistas. Isto significa que agem no sentido de perseguir objetivos que tendem a ser

benéficos para eles. No entanto, deixam claro que não se trata de um tipo de teoria da

escolha racional. A adoção de estratégias não representa necessariamente escolhas

informadas ou tentativas conscientes de maximização de utilidade. As forças causais

primárias do comportamento são determinadas pela seleção social de estratégias,

produzidas no nível populacional. “Estratégia” significa uma alternativa de comportamento

entre outras pela qual indivíduos ou grupos perseguem seus fins, conscientemente ou não.

Em uma população de indivíduos as estratégias competem entre si. O resultado é que a

melhor sucedida será aquela que confere maiores benefícios ao indivíduo que a adota e

executa. Mas o potencial de sucesso de uma estratégia depende muito dos tipos de

estratégias adotadas – e a freqüência com que são adotadas – por outros membros de uma

população. Assim, temos uma das fundamentais premissas da E.E.T., isto é, que a

40
eficácia de uma estratégia depende 14 do número de indivíduos nela engajados. Quanto

menor for a quantidade de competidores, mais atrativa será a estratégia. A tese central,

sobre a análise da evolução e da ecologia do crime, é, por conseguinte, que uma

organização social onde predomina a atividade produtiva cria uma estrutura de

oportunidades que estimula a invasão por várias estratégias expropriativas. O crime é

normal porque é um subproduto predizível de organizações e condutas sociais. Assim, o

nível populacional das dinâmicas de interação social entre estrategistas passa a ser uma

força crucial quanto à formação de diversidade de comportamentos; incluindo a incidência

relativa de comportamentos criminosos e não criminosos.

Além dos aspectos macrossociais, a E.E.T. considera o nível individual. Segundo os

autores (a partir da terminologia da teoria dos jogos), o crime expropriativo pode ser visto

como um conflito de soma zero entre potenciais ofensores e vítimas que desejam os

mesmos recursos. O que um ganha o outro perde. A importância do aspecto microssocial

relaciona-se com o fato de que o resultado das disputas só é predizível com base apenas nas

estratégias quando os atores são semelhantes. Por outro lado, quando os atores são

diferentes de algum modo, é importante levar em conta suas características e traços. Nesses

casos, mais que considerar as estratégias em si mesmas, é importante examinar as

diferenças, as formas e possibilidades de se obterem recursos entre indivíduos. Deve ser

observado, também, o valor que cada indivíduo dá ao bem disputado.

As diferenças individuais quanto aos recursos dizem respeito a variáveis como

tamanho, força, inteligência, experiência, posse de informação ou tecnologia e correlatos. O

conjunto destas características, reunido por um indivíduo, é chamado pelos autores de

14
Segundo Cohen e Machalek, 1994. "When the average payoff for a strategy varies inversely with the
number of others who are employing the same strategy, the success of the strategy is said to be 'frequency
dependent'".

41
“Potencial de Retenção de Recursos” (P.R.R.)15. Combinando com o P.R.R., temos o valor

relativo que o ator atribui ao bem disputado (bem material ou simbólico). Essa variável é

chamada de “Valor do Recurso” (V.R.). A importância desses aspectos refere-se ao fato de

que seu conhecimento pode predizer de forma mais acurada o resultado das contendas. Isto

é, uma disputa que envolva um ator com alto P.R.R. e outro com baixa pode não ser

vencida pelo de maior potencial. Isso porque o P.R.R. está associado ao V.R. O indivíduo

que detém mais força, inteligência e tecnologia pode dar menor valor ao bem disputado.

Pode não querer se arriscar ou pagar os custos da disputa. Portanto, um indivíduo pode

vencer uma disputa contra outro mais preparado devido à intensidade com que almeja o

bem. Esse seria, muitas vezes, o caso dos conflitos que envolvem “criminosos de rua”.

Em contextos sociais diferentes, escrevem os autores, as assimetrias de habilidade

individual e/ou necessidade podem, por si mesmas, serem importantes determinantes do

resultado de conflitos e da evolução de estratégias. Dessa maneira, a capacidade dos

indivíduos executarem, com eficiência, alguma estratégia depende de suas características

particulares (individuais e sociais). Contudo, deve ser ressaltado, que estratégias

expropriativas não são aspectos referentes apenas ao comportamento de indivíduos ou

grupos. São, na verdade, opções de comportamento dadas pela própria estrutura da

sociedade, isto é, a expressão daquilo que varia independentemente de características

individuais ou sociais das pessoas que as adotam. Identificando as “estratégias de

comportamento” – importantes em si mesmas – como foco analítico do estudo do crime, e

entendendo-as como entidades que competem entre si, os autores se consideram habilitados

a explicar como as próprias características das estratégias são responsáveis por sua

proliferação em certas populações.

É no sentido acima que os autores entendem que a E.E.T. inclui tanto a dimensão

coletiva como a individual na explicação da transformação das estratégias de aquisição de


15
O termo em inglês é Resource Holding Potential (RHP). Para o que traduzo como "Valor do Recurso" o
termo em inglês é Resource Value (RV).

42
recursos usadas na sociedade. O ponto mais importante que, segundo eles próprios, devem

apresentar quanto a esse fato é que, para a maioria dos psicólogos e dos economistas que

estudam o crime, os padrões observados em larga escala são resultado agregado de um

conjunto de ações individuais. Por outro lado, para os sociólogos preocupados com as

dimensões macrossociológicas dos fenômenos – vinculados à tradição durkheimiana –, a

explicação dos padrões de larga escala são encontradas nos processos causais relativos às

sociedades em sua totalidade e que influenciam os atores individuais. A E.E.T. seria o

modelo capaz de superar os anteriores no sentido de demonstrar que os dois níveis da

análise estão mutuamente ligados. Isto é, de um lado temos as estratégias de

comportamento, que são autônomas e independem das escolhas individuais; de outro temos

as características e traços individuais (tanto características inatas como socialmente

adquiridas) sem os quais não podemos entender porque determinados indivíduos executam

uma estratégia e não outra. Assim, os autores percebem como padrões normais de

atividades produtivas dão origem a padrões de expropriação ilegal ou criminosa.

Com essa explicação da normalidade do crime, que encontra as raízes do

comportamento criminoso tanto no nível populacional – das estratégias de comportamento

– como nas características individuais – relativas à seleção e execução de estratégias e aos

traços individuais –, os autores pretendem ter superado a idéia original de Durkheim. A

E.E.T. estaria livre dos problemas observados no texto durkheimiano. Assim, a confusão de

individualismo e coletivismo, o já mencionado recurso ao individualismo, apesar da

premissa de que fatos sociais devem ser explicados por outros fatos sociais, teria sido

solucionada como foi mostrado acima.

43
Mais: a E.E.T. não seria tautológica na medida em que sua definição de sociedade

não inclui, necessariamente, o crime. Este não seria um fenômeno inevitável, como afirma

Durkheim. Segundo Cohen e Machalek, a concepção de organização social que adotam

permite, pelo menos do ponto de vista lógico, que haja uma sociedade sem crimes. Ainda

que tal sociedade seja empiricamente improvável, mesmo porque, segundo a E.E.T., uma

sociedade que se organiza segundo uma estratégia dominante corre sempre o risco de ser

invadida por uma estratégia alternativa; tal possibilidade é importante na medida em que

evita que o crime seja um fenômeno que por definição faça parte das sociedades. Segundo

eles, esse teria sido um dos equívocos cometidos por Durkheim: afirmar que o crime existe

porque está ligado às condições fundamentais da vida social e, por isso, é normal.

Quanto ao aspecto teleológico da explicação durkheimiana, os autores acreditam ter

resolvido esse problema fornecendo o processo sociológico que origina o comportamento

criminoso. Como foi dito, uma sociedade que tem como padrão organizacional a produção

de recursos, pode sofrer a qualquer momento a invasão de estratégias alternativas, entre

elas a expropriação criminosa. O crime seria um subproduto da organização social normal.

É por isso que surge, não porque a sociedade precisa dele.

Acredito que as críticas apresentadas por Cohen e Machalek e a conseqüente

reformulação da noção de “normalidade do crime” são pertinentes e consistentes. A

recuperação dessa noção é importante, segundo os autores, porque a partir dela é possível

sintetizar as descobertas de diversas disciplinas e construir uma teoria mais inclusiva (1988,

466). Esse ponto será retomado no último capítulo.

44
Capítulo 2 - ESTRUTURA SOCIAL, CULTURA E CRIMINALIDADE

No capítulo anterior, procurei mostrar como se constitui uma sociologia do crime e

do desvio a partir do argumento da “normalidade do crime” apresentado por Durkheim.

Embora esse argumento seja alvo de críticas consistentes, é possível dizer que orienta

trabalhos posteriores que procuram explicações sociológicas para o crime e a delinqüência.

Mesmo considerando que os autores discutidos a seguir não partem de uma concepção de

“normalidade do crime” durkheimiana, podemos dizer que são herdeiros de Durkheim na

medida em que buscam as causas do crime em variáveis macrossociológicas. O objetivo

deste capítulo é mostrar como se apresenta a explicação do crime e do desvio de uma

perspectiva estrutural e subcultural. Considerando essas explicações, podemos analisar as

possibilidades de intervenção, no sentido do controle do problema, implicadas. É

interessante mencionar que essas explicações são formuladas em um momento em que a

sociologia é a disciplina dominante no campo da criminologia. Podemos dizer, para usar os

termos de Gusfield, que os sociólogos eram vistos consensualmente como proprietários e

responsáveis causais pelos problemas. O problema social do crime é definido publicamente

a partir dos diagnósticos sociológicos apresentados. Conseqüentemente, as terapias

indicadas se orientam essencialmente por esses diagnósticos. No entanto, a preocupação

fundamental neste capítulo será a discussão das teorias. Farei apenas indicações

preliminares no sentido das implicações políticas das teorias apresentadas. A discussão dos

problemas teóricos e políticos relacionados a este tipo de empreendimento é feita nos

últimos capítulos.

45
2.1 - Estrutura social, anomia e desvio

Em primeiro lugar, considero a discussão apresentada por Robert K. Merton (1958)

sobre anomia e criminalidade. De início, é importante mencionar que o autor se distancia da

explicação durkheimiana na medida em que vê a anomia como causa do crime, que seria

uma conseqüência da desorganização social e não uma atividade benéfica e funcional como

queria Durkheim. No entanto, não podemos dizer que Merton não trabalha com a noção de

normalidade do crime. Pelo contrário, segundo ele próprio, pretende apresentar uma

abordagem sistemática das origens sociais e culturais do desvio e do crime. Sua

preocupação principal é descobrir como algumas estruturas sociais exercem uma pressão

específica sobre certos membros da sociedade fazendo com que se engajem em

comportamentos não-conformistas. Uma vez descobertos os grupos particulares que sofrem

a mencionada pressão, pode-se esperar níveis altos de comportamento desviante entre seus

integrantes. E, vale ressaltar, o comportamento desviante, na concepção mertoniana, é uma

resposta individual normal a uma situação social específica. O crime, portanto, não é

causado por predisposições biológicas ou outro motivo pré-sociológico, mas por uma forma

específica de organização social. Apesar de não apresentar alternativas explícitas de

intervenção, podemos inferir que, se as causas do problema são encontradas no nível da

organização social, a intervenção deve se dar nesse âmbito.

Considerando o trabalho de Merton, é interessante mencionar que sua concepção de

anomia é diferente da de Durkheim. Sem maiores detalhes, o fato é que a concepção

mertoniana é bem mais restrita. Anomia seria sinônimo de falta de normas, não mais que

isso. A importância disso está no fato de que é a partir de uma concepção “superficial” de

anomia que Merton traça toda a sua explicação do desvio social. Assim, a despeito de

46
qualquer conotação “qualitativa” 16 que o conceito poderia ter em Durkheim, Merton –

quando se refere a anomia – considera apenas o fato de que uma sociedade pode estar

colocada em uma situação em que há desequilíbrio entre metas culturalmente estabelecidas

e os meios legítimos de atingi-las. Esse aspecto merece um exame mais detalhado.

Há uma divisão analítica da organização social em dois níveis. O primeiro nível

compreende as metas, objetivos, interesses e aspirações culturalmente definidos. Determina

o que pode ser legitimamente desejado em uma sociedade. O que os diversos membros

podem e/ou devem almejar. O segundo nível diz respeito aos controles, definições e

especificações normativas em geral de como as metas e objetivos devem ser conquistados.

Segundo Merton, todos os grupos sociais ligam seus objetivos culturais a regulações

enraizadas nas instituições e nos mores, assim determinam os procedimentos apropriados

quanto à sua conquista. Um detalhe que merece destaque é o fato de que o controle dos

caminhos para se chegar a determinadas metas não se dá, necessariamente, por normas

técnicas ou de eficiência. Procedimentos como o exercício da força, da fraude e do poder

que, do ponto de vista de um indivíduo em particular, podem ser mais rápidos e eficientes

quanto à realização de um objetivo, na maioria das vezes, são proibidos. Mais importante:
algumas vezes, entre os comportamentos reprovados, estão alguns que poderiam ser úteis17

para o grupo. Tal fato confirmaria a idéia de que o que motiva as proibições não são

critérios técnicos e de eficiência, mas o respeito a valores sentimentais reconhecidos

amplamente em um grupo particular. Na verdade, o que importa é que, para Merton,

qualquer sociedade controla institucionalmente os meios de acesso às metas culturais.

Há uma situação ideal quando metas e procedimentos institucionais são igualmente

observados pelos indivíduos. Nesses casos, não só a perseguição da meta, mas também a

forma de persegui-la, é valorizada. O indivíduo se satisfaz cumprindo as metas culturais,

16
Para esta discussão ver: Mestrovic, G. S. & Brown, H. (1985) "Durkheim's concept of anomie as
dèreglement". Social Problems. vol. 32. Nº 2. december.
17
Merton menciona, como exemplos, tabus como a vivissecção, a experimentação médica ou a análise
sociológica de aspectos "sagrados" da sociedade.

47
bem como usando os meios socialmente legítimos para alcançá-las18. No entanto, escreve

Merton, o fato de que as metas culturais e normas institucionalizadas trabalham juntas no

controle do comportamento não quer dizer que tenham uma relação sempre constante (e

aqui voltamos ao problema da anomia). Existem situações nas quais os objetivos culturais e

os meios institucionais variam de modo independente. A ênfase colocada sobre certas

metas culturais muitas vezes não é acompanhada de uma ênfase, de igual intensidade, em

relação aos meios legítimos de conquista. Pode-se desenvolver, escreve Merton, uma

pressão muito forte sobre algumas metas sem uma preocupação equivalente com os meios

legítimos de se chegar até elas. O limite é atingido quando um comportamento é regido por

normas meramente técnicas e não institucionais. Qualquer procedimento que possa levar à

realização do objetivo será permitido.

O desequilíbrio é comum, segundo Merton, em sociedades como a norte-americana

(e porque não a brasileira), onde há uma ênfase muito grande no sucesso pessoal

(representado pela acumulação de riqueza e prestígio) e pouca ênfase na necessidade de

seguir os meios normativamente justos para conquistar o sucesso. Deve ser destacado que,

para o autor, não há sociedade que não controle, de alguma forma, a conduta de seus

membros. Acontece que, em diferentes sociedades, o grau de integração dos

constrangimentos institucionais com as metas culturais varia. Uma sociedade pode se

constituir de modo a levar os indivíduos a dirigirem suas convicções para os objetivos

culturais sem, contudo, impor os meios legítimos de procedimento de uma forma decisiva.

Nesse caso, o indivíduo que persegue uma meta culturalmente prestigiada se vê limitado

apenas por uma questão de eficiência técnica. A pergunta que o ator se faz, nesses casos, é:

“Qual dos procedimentos disponíveis é o mais eficaz para a conquista do meu objetivo”

(Merton, 1958, p.135)? O procedimento tecnicamente mais eficiente será preferido, seja ou

não socialmente ou moralmente legítimo.

18
Segundo Merton (1958, p. 134), "It is reckoned in terms of the product and in terms of the process, in terms
of the outcome and in terms of the activities".

48
É importante destacar, em respeito ao modelo, que outros aspectos da estrutura

social, além da ênfase extrema no sucesso pecuniário, devem ser considerados se se quer

entender a gênese social do comportamento desviante e criminoso. Não é apenas a falta de

oportunidades ou a ênfase extrema na meta-sucesso que levam à adoção do comportamento

alternativo. Merton dá exemplo de estruturas sociais desiguais e rígidas, como a sociedade

de castas, nas quais a desigualdade é percebida como um fato legítimo e natural. O

problema surge quando são enfatizadas intensamente, para a população inteira, idéias de

sucesso, afluência, ambição e, ao mesmo tempo, a estrutura social restringe, ou fecha

completamente, as oportunidades de acesso aos meios aprovados de conquista das metas

para grande parte da mesma população. Teríamos, então, uma contradição entre uma

ideologia igualitária, que coloca metas universais para uma dada população (no caso as já

mencionadas metas-sucesso) e uma estrutura de classes concreta e desigual que

impossibilita a muitos a conquista do sucesso através dos meios legítimos. Sob esse modelo

é entendida a relação entre pobreza e criminalidade (ou desvio de um modo geral). A

pobreza não teria uma relação direta com o desvio. Nem mesmo a pobreza relativa, isto é, a

pobreza situada em meio à riqueza, seria responsável pelo desvio. Esse emerge como opção

de conduta quando a pobreza, e as decorrentes desvantagens na competição por objetos

valorizados pela sociedade inteira, se ligam a uma ênfase no sucesso pecuniário como meta

principal e universal.

Assim, segundo a lógica funcionalista na qual Merton se apóia, da tensão entre

metas culturais que enfatizam o sucesso pessoal e a escassez (causada pela estrutura de

classes da sociedade) de meios legítimos para chegar até elas, surge a conduta alternativa,

49
ou seja, a resposta anômica19. Em outras palavras, a anomia estaria presente quando a falta

de integração entre o nível cultural e a estrutura social tivesse conduzido ao abandono das

normas e a uma situação de falta de normas. Como já foi mencionado, se em uma sociedade

é dado muito valor a algumas metas e os meios legítimos de atingi-las são escassos, alguns

indivíduos, de alguma maneira predispostos, procurarão meios ilegítimos para chegar ao

objetivo. Entramos, então, no âmbito dos tipos de adaptação individual. Quanto a isso,

Merton pretende examinar como diversas situações sociais podem exercer pressões

diferentes sobre indivíduos levando-os a adotar este ou aquele tipo de conduta. Vale

ressaltar, entretanto, que não se trata de tipos de adaptação psicológica, mas de tipos de

comportamento em diferentes situações sociais. As alternativas de conduta se constituem

no nível da estrutura social, são características da posição estrutural e não dos indivíduos

(Stinchcombe, 1986, 308).

Merton apresenta cinco tipos de adaptação individual. Antes de examiná-los de

forma mais detalhada, mostra, de forma esquemática, a relação de cada tipo com as metas

culturais e os meios institucionais. Na tabela (Merton, 1958, p.140) reproduzida abaixo, os

sinais de mais (+) representam aceitação, os sinais de menos (-) significam rejeição e os

dois sinais combinados (+ -) significam rejeição dos valores precedentes e sua substituição

por novos.
Modos de adaptação Metas culturais Meios institucionais
1 – Conformidade + +
2 – Inovação + -
3 – Ritualismo - +
4 – Retraimento - -

5 – Rebelião +- +-

19
Este é o caso da "anomia de privação", ao qual me limito, segundo Merton, há também a "anomia do êxito".

50
Como podemos ver na tabela, o primeiro tipo de adaptação considerado por Merton

é a conformidade, isto é, os indivíduos conformam-se tanto com as metas culturais como

com as meios institucionais. Podemos dizer que o indivíduo foi socializado de modo a

internalizar tanto a ênfase cultural em determinada meta como os meios prescritos de

persegui-la. É o tipo mais comum e difundido de adaptação em sociedades estáveis. Esse

tipo de adaptação não merece maiores atenções porque Merton está preocupado com os

tipos desviantes de adaptação.

O segundo tipo de adaptação, primeiro desviante, é a inovação. Esse modo de


adaptação surge quando há grande ênfase em um objetivo cultural específico: o sucesso20

pecuniário. Assim, indivíduos que internalizaram a meta-sucesso, mas não internalizaram


ou abandonaram, por algum motivo21, a necessidade de seguir os meios normativamente

justos, buscarão o procedimento mais eficiente, do ponto de vista instrumental, para

atingirem o nível exigido. Não interessa se o objeto conquistado por meios ilícitos é

diferente daquele conquistado através dos meios legítimos. Para Merton, a exigência

cultural de posse de algum item pode ser cumprida de forma imperfeita. Nesse caso,

teríamos um simulacro da situação ideal.

O fato de um indivíduo perseguir intensamente um objetivo que é muito valorizado

socialmente tem, como conseqüência, no aspecto psicológico, fazer com que esteja

preparado para assumir riscos e agir de modo “ousado”. Essa disposição seria encontrada

em todos os estratos sociais. Mais importante são os aspectos sociológicos desse modo de

adaptação. A questão que aparece, do ponto de vista da sociologia, é: quais são as

características da estrutura social que levam a esse tipo de adaptação e, por conseguinte,

fazem com que diferentes estratos sociais apresentem diferentes taxas desse comportamento

desviante?
20
Merton adverte que está privilegiando a atividade econômica, por isto falamos de sucesso econômico.
21
Por exemplo: privação econômica, baixo nível de escolaridade, socialização imperfeita, lar desfeito, etc.

51
No âmbito dos altos empreendimentos a pressão no sentido da inovação pode acabar

com a distinção entre negócios convencionais – levados adiante segundo os costumes e

regras legais – e negócios ousados que ultrapassam os padrões estabelecidos

tradicionalmente e, em nome do lucro, utilizam métodos ilegais. A história das grandes

fortunas norte-americanas, na medida em que apresenta grande ambigüidade em relação aos

meios inovadores utilizados, seria um bom exemplo de que a empresa econômica caminha

em um espaço onde não há muita certeza da diferença entre o comportamento justo e

aquele pautado apenas pela eficiência. Segundo Merton, a admiração demonstrada

freqüentemente em relação aos homens “perspicazes, astutos e bem sucedidos”

(empresários) é produto de uma estrutura social “in which the sacrosanct goal virtually

consecrates the means”( Merton, 1958, p.142).

Diretamente relacionado com o problema da inovação nos negócios e muitas vezes

aparecendo como parte de estratégias inovadoras executadas por empresas, está o chamado

crime do colarinho-branco (white-collar crime). Esse tipo de crime (na verdade uma

variação da adaptação inovadora), cometido por pessoas de classe média ou alta, seria

muito mais comum do que aparentemente é, escreve Merton. Muitos desses crimes não são

processados porque não são detectados. São, inclusive, menos “visíveis” que os crimes de

rua, assaltos e assassinatos. Além disso, algumas vezes, a pessoa envolvida é poderosa,

reconhecida socialmente e consegue evitar as conseqüências. Merton se refere a um


estudo22 feito com 1.700 membros da classe média que mostra que crimes “off the records”

são comuns entre pessoas “respeitáveis” da sociedade. Segundo os autores do estudo, 99%

de todos os entrevistados confessaram ter cometido uma ou mais entre 49 infrações

previstas no código penal (penal law) do estado de Nova Iorque, cada uma dessas infrações

sendo suficientemente séria para levar a uma pena máxima de, pelo

22
Merton menciona o seguinte texto: Wallerstein, James S. & Wyle, Clement J. "Our law-abiding law
breakers, Probation, April, 1947.

52
menos, um ano. Mais: 64% dos homens e 29% das mulheres reconheceram serem culpados

de um ou mais crimes que, sob as leis de Nova Iorque, bastariam para privá-los de todos os

direitos de cidadania. O crime seria, portanto, um fenômeno comum e não uma

manifestação anormal própria de pessoas psicologicamente perturbadas. Aconteceria muito

mais freqüentemente do que poderíamos supor a partir dos registros oficiais.

Retomando a pergunta feita acima, sobre as diferenças em relação à adoção do

comportamento inovador de acordo com o estrato social, Merton afirma que, por mais altos

que sejam os níveis de inovação de “colarinho-branco”, a pressão mais forte nessa direção

recai sobre os estratos mais baixos da população. Isso acontece porque os incentivos para o

sucesso são dados pelos valores estabelecidos pela cultura e internalizados amplamente

pelos indivíduos, independentemente de sua posição na estrutura social. No entanto, os

caminhos legítimos de acesso à meta cultural são muito restritos devido à estrutura de

classes da sociedade. Assim, seriam poucos os indivíduos que poderiam utilizar os meios

institucionais para “ganhar dinheiro”, apenas aqueles ocupantes de uma determinada

posição na estrutura social teriam condições de se empregarem em profissões qualificadas e

rentáveis. Para os que apresentam menores níveis de escolaridade, menor treinamento

profissional, restaria a opção pelos meios ilegítimos, já que também perseguem a meta

dominante, a afluência. A pressão exercida pelo objetivo cultural dominante faria com que

os meios legítimos – porém ineficientes – perdessem a atração e mesmo o sentido que

poderiam ter tido. Ao mesmo tempo passariam a ter maior poder de sedução os meios

ilegítimos – mais eficientes que postos de trabalho desqualificados e mal remunerados.

O comportamento desviante e criminoso (no sentido da inovação) seria mais

freqüente nas classes baixas porque a cultura colocaria para esses segmentos demandas

incompatíveis. De um lado, são levados a terem ambições, a almejarem altos padrões de

bem estar e de aquisição; de outro, são negadas as oportunidades de fazer isto

53
institucionalmente, são raros os postos profissionais e empresariais que possibilitam a

afluência. Os meios legítimos são escassos na medida em que variam de acordo com a

estrutura social. No entanto, a ambição é, na concepção mertoniana, um valor universal.

Segundo Merton, a conseqüência desse desequilíbrio é uma alta taxa de comportamento

desviante. Cada vez mais, o equilíbrio entre metas culturais e meios institucionais se

desestabiliza. A ênfase colocada sobre a meta-sucesso se mantém, embora os meios

legítimos inexistam, com isso, a obrigação de utilizar o meio legítimo diminui. O que

importa é a conquista da meta, e não os meios.

Merton se refere ainda a outros três tipos de adaptação desviante que não são

importantes no contexto deste livro. No entanto, faço uma rápida menção a cada um deles.

Esse procedimento pode ser útil como forma de definir melhor (pelo contraste) o mais

importante, a inovação. Como podemos ver na tabela da página 56 o terceiro tipo de

adaptação é o ritualismo. Esse tipo pode ser entendido como o oposto da inovação. A meta

dominante de sucesso financeiro é abandonada ou, pelo menos, as ambições são reduzidas a

níveis muito baixos. Contudo, apesar da meta ter sido abandonada, a adesão às normas

institucionais se mantém inalterada, chegando muitas vezes a uma adesão compulsiva. Na

verdade, apesar de constituir um comportamento desviante na medida em que difere do

conformismo, o ritualismo não representa um problema social sério se comparado com o

crime. É o modo de adaptação próprio de indivíduos buscando uma solução privada para os

perigos de frustração inerentes à competição pelas metas culturais mais valorizadas. Assim,

abandonam as ambições e mantêm o cumprimento das regras de procedimento

convencionais, observando-as ritualmente.

Outro contraste importante mencionado por Merton é que, se a inovação é um


comportamento típico das classes baixas, o ritualismo é próprio da classe média baixa23.

23
É importante termos em mente que Merton se refere todo o tempo aos Estados Unidos. No entanto, isto não
impede que tomemos sua teoria como uma explicação geral do problema do desvio.

54
Isso acontece porque nessa classe é comum os pais exercerem uma pressão contínua sobre

os filhos para que acatem os mandatos morais da sociedade ao mesmo tempo em que é

menor a probabilidade de que se consiga atingir níveis de afluência parecidos com os da

classe média. A forte disciplina imposta quanto à conformidade impede a adoção do

comportamento inovador e, ao mesmo tempo, proporciona a adoção do ritualismo.

O quarto tipo de adaptação, o menos comum, escreve Merton, é o retraimento.

Nesses casos, os indivíduos rejeitam tanto as metas culturais como os meios institucionais

de procedimento. Seriam “alienados” no sentido sociológico. Na medida em que não

compartilham dos valores comuns à maioria dos indivíduos, não podem ser vistos como

membros efetivos da sociedade. Os representantes desta categoria seriam, entre outros, os

psicóticos, os vagabundos, os alcoólatras e os viciados em drogas. Tais indivíduos rejeitam

as metas culturais e se comportam de maneira não aceita socialmente. É importante

ressaltar, entretanto, que a origem desse tipo de comportamento pode ser uma rejeição da

estrutura social, nesse caso, as atitudes seriam expressão do rompimento com valores

compartilhados pelos demais membros da sociedade. Deve ser dito, também, que o fato de

estas pessoas não fazerem parte da sociedade não quer dizer que não interfiram na vida de

outros membros. Podem, por exemplo, cometer crimes (furtos, roubos, assassinatos, etc.)

como decorrência de seu estilo de vida.

O quinto tipo de adaptação é chamado de rebelião. Quem o adota rejeita tanto as

metas culturais como as normas institucionais. A diferença em relação ao retraimento é que

a rejeição, em vez de se dar no sentido da alienação pura e simples, acontece como primeiro

passo de uma tentativa sistemática de se instituir novas metas e novas regras. O principal

exemplo deste tipo de adaptação é o grupo revolucionário que surgiria mais provavelmente

em classes ascendentes e não em estratos sociais inferiores.

55
A explicação mertoniana das relações entre anomia e conduta desviada, embora

clássica, é alvo de críticas e objeções. Em relação aos aspectos teóricos mais amplos,

discute-se a divisão da sociedade em dois níveis analíticos que podem variar de modo

independente. A caracterização que Merton faz do âmbito da cultura, onde se encontram as

metas dominantes, e da estrutura social, onde são definidos os meios legítimos, pode ser

vista como responsável por alguns de seus supostos equívocos. Um deles é a apresentação

reificada de elementos pertencentes aos níveis analíticos citados. Metas-sucesso seriam

entidades quase-concretas que poderiam ou não ser internalizadas pelos atores. O

comportamento desviante se reduziria a um conjunto de comportamentos pré-definido que

pode ser adotado ou não. Como decorrência destes equívocos, Merton apresentaria uma

organização social muito mais consistente do que aquilo que poderíamos comprovar

empiricamente. Os valores assumem uma universalidade incoerente com o desenho que o

próprio Merton faz de uma sociedade dividida em classes. Como seria possível sustentar

que sociedades contemporâneas, urbanas, seculares, têm uma hierarquia comum de valores

culturalmente transmitidos e estruturalmente induzidos (Clinard, 1967, p. 49)?

Mais: em uma sociedade estratificada, os atores, antes de sofrerem as influências de

metas culturais abstratas, são constrangidos pelo fato de pertencerem a grupos sociais

específicos. A conduta social seria melhor entendida como um processo contínuo de

adaptação interativa recíproca entre atores, não como uma resposta mecânica a uma

situação dada. Uma das críticas que são feitas nesse aspecto é que Merton baseia-se em

uma explicação individualista do fenômeno do desvio. Sem explorar as conseqüências

dessa opção, é possível acrescentar. A partir das metas-sucesso, dos meios institucionais e

das oportunidades existentes o desvio aparece como uma decisão tomada por cada

indivíduo

56
em particular (Clinard, 1967, p. 41)24 . Não leva em conta, portanto, que a maioria dos

crimes são atos levados adiante por grupos de pessoas que compartilham valores,

informações e técnicas de trabalho. Além disso, com uma concepção normativa, perde-se a

oportunidade de se analisarem as implicações simbólicas dos atos desviantes. Assim, a

explicação mertoniana perde seu alcance. Como afirma Clinard (1967, p. 43), o problema

teórico não se restringe à descoberta das origens da conduta desviada, como quer Merton. A

questão mais abrangente seria a de como certos desvios conduzem a uma reorganização

simbólica no nível dos objetivos, das atitudes e dos papéis e porque outros não o fazem.

2.2 - Oportunidades diferenciais e subculturas

A partir das objeções esboçadas acima, alguns autores propuseram explicações

complementares e alternativas à de Merton. Uma delas é a da “Estrutura Diferencial de

Oportunidades” de Richard A. Cloward e Lloyd E. Ohlin (1970).

Vimos que Merton explica a inovação como atitude daquele que, tendo

internalizado as metas-sucesso de sua sociedade e não tendo acesso aos meios legítimos de

conquistá-las, recorre a meios ilegítimos (a força, a fraude, o crime). Ao dividir a sociedade

em dois níveis distintos, separando o âmbito da cultura da estrutura social empírica, o autor

é levado, em primeiro lugar, a entender as metas-sucesso como universais e universalmente

aceitas (as críticas a esse ponto já foram esboçadas anteriormente). Em segundo lugar, na

medida em que reduz o papel dos grupos sociais em sua explicação, acaba por apresentar

uma sociedade onde teríamos os estratos superiores (aos quais estariam reservadas as

oportunidades legítimas) e os inferiores que, se buscam as metas dominantes, deveriam

procurar os meios ilegítimos, únicos à disposição. Os estratos inferiores, ao adotarem a

inovação, estariam se desviando do conformismo. O equívoco aqui é deixar de examinar o

24
Estas objeções mencionadas por Clinard são feitas por Cohen, A. K. 1955. Delinquent Boys: The Culture of
the Gang. New York, Free Press.

57
“interior” dos grupos inferiores e, assim, deixar de perceber que podem ter uma dinâmica

própria, uma organização particular, que, enfim, podem constituir uma subcultura.

Para começar a discussão do conceito de subcultura 25 , devemos considerar o

trabalho de Marvin Wolfgang e Franco Ferracuti (1970). Esses autores estão preocupados

explicitamente com os problemas da violência interpessoal e do homicídio. Wolfgang e


Ferracuti procuram desvincular a explicação da violência do conceito de anomia 26 .

Reconhecem que existem evidências empíricas de que posição de classe, etnia, status

ocupacional e outras variáveis sociais são indicadores efetivos para predizer taxas de

diferentes tipos de desvio. No entanto, fazer uma relação entre estas variáveis e normas

sociais seria um procedimento impróprio. A anomia, definida como ausência ou conflito de

normas, não tem relação com os dados empíricos sobre a violência interpessoal. A

aceitação do conceito de anomia na explicação do problema implicaria em dizer que

indivíduos marginais que experimentam anomia psíquica como reflexo da anomia social

em que vivem apresentam os maiores índices de homicídio, por exemplo. Para que essa

hipótese fosse confirmada seria preciso comprovar que indivíduos e famílias em situação de

mobilidade estão freqüentemente envolvidos em casos de violência ou homicídio. O fato é

que não existem dados que mostrem altas taxas entre pessoas que demonstram grande

aspiração por mobilidade.

Segundo Wolfgang e Ferracuti, existem na sociedade sistemas de valores

conflitantes. Porém, explicar que os homicídios são cometidos por membros da subcultura

em variação através da noção de frustração devida a incapacidade de conquistar as metas-

25
Na verdade, o conceito de subcultura violenta fundado por Franco & Ferracuti é usado de diversas formas.
Uma delas é a que usa o conceito para propor uma subcultura regional de violência no sul dos Estados
Unidos. Os negros norte-americanos são também vistos como detentores de valores distintos que
constituiriam uma subcultura. Acredito que, independentemente de questões regionais ou étnicas, qualquer
grupo social que apresente valores em variação quanto aos valores tradicionais da sociedade mais ampla na
qual se inserem ( particularmente no caso de estes valores se referirem ao uso da violência como forma
privilegiada de solução de conflitos), pode ser apreendido nos termos da teoria da subcultura violenta. Cf. esta
discussão em Kposowa, A. (et allii) 1995. "Reassessing covariates of violent and property crime in the
U.S.A.: a county level analysis". British Journal of Sociology, vol. 46, march.
26
Da explicação mertoniana do crime, em outras palavras.

58
sucesso almejadas (dadas pela cultura prevalente) não é a melhor das alternativas. Para os

autores, as maiores taxas de homicídio aparecem em grupos subculturais homogêneos

situados em uma comunidade urbana mais ampla. Tais grupos apresentam sistemas de
valores autônomos27 que constituem uma subcultura violenta. Quanto mais integrado a uma

subcultura for um determinado indivíduo, maior a probabilidade de seu comportamento ser

violento em uma variedade de situações, isto acontece porque quanto mais integrado for o

indivíduo mais intensamente ele adere aos comportamentos prescritos, às normas de

conduta e absorve tais elementos em sua personalidade. Na verdade, segundo Wolfgang &

Ferracuti, existe uma relação direta entre taxas de homicídio e a extensão na qual a

subcultura representa um conjunto de valores em torno do tema da violência.

Na medida em que o uso da violência é normativamente indicado, a contra-norma

será a não-violência. O indivíduo que faz parte de uma comunidade onde a violência é o

meio indicado para solução de diversos conflitos será tratado com desdém e indiferença se

não usar a violência nas ocasiões apropriadas. Caso o ator desviante em relação à

subcultura de violência participe de interações com outros membros mais integrados pode

tornar-se vítima em uma situação de conflito. Esse tipo de pressão leva à adesão aos valores

subculturais que apresentam a agressão como um meio normal de condução de conflitos.

Na verdade, segundo os autores, o uso aberto da violência, tanto em encontros interpessoais

como grupais, é reflexo de valores básicos apartados da cultura dominante. A hipótese é

que o uso aberto da violência é parte de um sistema normativo subcultural que tem suas

ramificações no psiquismo individual.

Cloward e Ohlin (1970, p. 300) aceitam a idéia de que as normas sociais têm dois

“lados”. Uma prescrição sempre traz consigo uma proibição, ou seja, normas que definem

práticas legítimas trazem uma definição implícita da prática ilegítima

27
Como mostra Miller, acima.

59
correspondente. Assim, o criminoso que se engaja no roubo ou na fraude não inventa um

novo modo de vida. A possibilidade de se comportar de modo alternativo está, pelo menos

tacitamente, dada pelas normas de uma cultura. Esse fato é reconhecido, embora, segundo

os autores, não seja examinado de forma satisfatória. Um exemplo seria a inovação

mencionada por Merton como a alternativa encontrada pelo indivíduo que não tem acesso

aos meios legítimos. Sem os meios prescritos, o ator é levado a adotar os proscritos como

forma de conquistar seus objetivos. Tais meios ilegais seriam facilmente reconhecidos na

medida em que estão implícitos nas prescrições. No entanto, Merton deixa de lado uma

questão crucial que diz respeito ao aparecimento e à disponibilidade dos meios ilegítimos.

Ele menciona a distribuição desigual dos meios legítimos, isto é, sua escassez. Mas toma os

ilegítimos como se fossem disponíveis a qualquer indivíduo que optasse por eles. De fato,

alternativas ilegítimas, da mesma forma que os procedimentos legítimos, são disponíveis

apenas em circunstâncias específicas, além disso, exigem certas condições para

proliferarem. Como escrevem Cloward e Ohlin, da mesma maneira que a vontade de ser

médico não é suficiente para explicar como alguém se tornou médico, não basta um

indivíduo decidir se tornar um ladrão e agir dessa forma para ser um ladrão. Esse último

conseguiria, no máximo, ser preso em seu primeiro empreendimento. Existiriam muitas

coisas entre a vontade de se tornar um profissional liberal ou um criminoso e a realização

do objetivo. Papéis, conformistas ou desviantes, não estariam disponíveis livremente. O

acesso depende de uma variedade de fatores, tais como posição socioeconômica, idade,

sexo, filiação étnica, características de personalidade.

A teoria da “Estrutura Diferencial de Oportunidades” unifica, segundo Cloward e

Ohlin, a explicação mertoniana e a da Escola de Chicago. A primeira assume que os meios

legítimos são distribuídos de forma diferenciada, mas que os ilegítimos são acessíveis a

qualquer um que os procure. A segunda apresenta os meios ilegítimos como

60
variáveis quanto ao acesso, no entanto não reconhece a desigualdade de distribuição dos

meios legítimos. O que a teoria da oportunidade diferencial traz de novo é a constatação de

que cada indivíduo ocupa uma posição não só na estrutura legítima, mas também na

ilegítima. Segundo Cloward e Ohlin, esse é um novo modo de definir a situação. Dessa

forma é possível considerar o problema de como a disponibilidade relativa de meios

ilegítimos afeta a escolha do desvio como modo de vida. O tipo de comportamento adotado

por um indivíduo depende de qual tipo de atividade é suportado pelo segmento da estrutura

social ao qual pertence. Segundo os autores, se uma localidade não dispõe de meios ilegais

ou criminais prontamente disponíveis não devemos esperar que apresente uma subcultura

criminal. O uso da violência é um caminho para a conquista de um status elevado apenas

em áreas onde seu uso está disponível para os jovens. O ponto é que existem diferenças

entre os tipos de adaptação ilegítima disponíveis para os indivíduos de acordo com o

segmento da estrutura social no qual estão situados. A adesão a meios desviantes como

solução para a escassez dos meios legítimos depende de uma variedade de

constrangimentos sociais. É por esse motivo que os autores afirmam que um indivíduo

ocupa uma posição tanto na estrutura de oportunidades legítimas como na de oportunidades

ilegítimas. Se não têm acesso aos meios legítimos para atingir um fim almejado, podem

observar quais são suas possibilidades no âmbito dos procedimentos desviantes. Essas

possibilidades estarão condicionadas a uma variedade de fatores.

Cloward e Ohlin examinam, então, as condições sociais específicas que

proporcionam a emergência de subculturas delinqüentes. Essas requerem um ambiente

especializado para que possam florescer. O mais importante seria a existência de relações

entre criminosos de diferentes faixas etárias e uma estreita integração entre carreiras

convencionais e ilegítimas. Quanto à primeira condição, o ponto é que o acesso aos papéis

ilegítimos será mais fácil para jovens que crescem em vizinhanças onde o crime é comum e
continuamente praticado. Isso porque tais ambientes representam possibilidades

61
de aprendizado e aquisição de técnicas e valores necessários para o desempenho do papel.

A convivência dos prováveis criminosos com outros mais velhos e experientes é o meio

pelo qual as informações e ensinamentos são transmitidos. É necessário, portanto, um

sistema de socialização dos futuros criminosos, aliado a um ambiente que possibilite o

exercício efetivo do papel. Esse ponto é crucial para a explicação do crime e da

delinqüência proposta por Cloward e Ohlin e, por meio dele, podemos perceber as

alternativas de intervenção implicadas. Se a socialização é um processo tão decisivo,

qualquer intervenção no sentido do controle do crime deve visar a interrupção desse

processo. Oferecendo, por exemplo, alternativas de socialização “não-desviantes” para

adolescentes de classes baixas. Os problemas desses tipos de estratégia de intervenção

serão discutidos no último capítulo.

Como foi dito anteriormente, além de existir uma integração entre diversas faixas

etárias, é importante que exista uma rede de relações que inclua tanto indivíduos engajados

em atividades ilegítimas como legítimas. Sem uma rede dessa natureza não é possível uma

carreira criminosa estável. O criminoso precisa estabelecer contato com uma variedade de

pessoas, de diferentes categorias, pois cada uma contribuirá de um modo diferente para o

sucesso de seu papel. Entre as categorias que fariam parte da rede, estariam viciados em

drogas, receptadores, advogados e “financiadores” (backers). O exemplo mais claro de

como essa rede seria importante é dado pelo receptador. Essa categoria faria o papel de um

intermediário, um guia que indica para o criminoso, principalmente o novato, o que deve

ser roubado, quais as mercadorias são mais rentáveis, como correr menores riscos. Por isso,

o receptador é reconhecidamente uma peça muito importante na estrutura de oportunidades

ilegítimas.

Na medida em que o candidato a fora-da-lei vai passando pelas etapas do

treinamento, amplia seus conhecimentos da rede de relações necessária ao bom


desempenho de seu papel. Faz contatos com criminosos experientes, policiais, agentes da

62
justiça, políticos, advogados. Quando o criminoso atua em conjunto com diversos outros

“profissionais”, engajados em atividades legítimas ou ilegítimas, seu conhecimento do

mundo ilegítimo cresce e novas habilidades são adquiridas. Assim, abrem-se possibilidades

de novos empreendimentos e de atuação em diferentes tipos de crime. Sem essa integração,

escrevem Cloward e Ohlin, não há possibilidade de desenvolvimento de uma carreira

criminosa estável, que constitua um estilo de vida. Nesse sentido, o ambiente que estimula

a orientação para o crime se caracteriza pela estreita integração de carreiras regidas por

valores convencionais com outras regidas por valores ilegítimos. Como já foi mencionado,

o conteúdo de uma subcultura delinqüente vai depender do tipo de estrutura social na qual

ela se desenvolve, principalmente de como se constitui sua “vizinhança”. Esse ponto é de

grande importância porque representa uma séria ruptura com a explicação mertoniana. Esse

autor vê a atividade criminosa como um simples recurso usado quando faltam os meios

convencionais. Desta forma, as metas almejadas pelos criminosos são as mesmas que o

respeitável cidadão de classe média almeja. Apenas os caminhos de acesso são diferentes.

Mais: o crime é uma atividade disponível a qualquer um que opte por ele. Com a teoria da

“estrutura diferencial de oportunidades” podemos chegar a outras conclusões.

De fato, o crime exige certas condições para se desenvolver. Um ambiente propício

para a atividade criminosa provavelmente coincide com a presença de uma subcultura. É o

meio subcultural que vai possibilitar a integração de criminosos experientes com jovens

pretendentes, dar suporte para que o jovem delinqüente adquira os valores necessários para

o desempenho das funções e possibilitar que ensaiem as atividades de modo a

desenvolverem as habilidades e técnicas necessárias. Mais importante: uma subcultura que

apresenta valores diferentes dos dominantes transforma as próprias metas consideradas

pelos membros. As classes baixas teriam seus próprios e distintos modelos de sucesso.

Segundo Cloward e Ohlin, quando alguns adultos conquistam o

63
sucesso a partir de meios ilegítimos, tornam-se muito visíveis para os jovens e procuram

mesmo se relacionar com eles. Assim, da mesma forma que jovens de classe média por

manterem relações com profissionais liberais, banqueiros ou empresários podem aspirar tal

posição, jovens das classes baixas por terem contato com um bem sucedido “profissional-
do-crime” podem tomar essa trajetória como um modelo28. Para os autores, o ponto crucial

é que as metas-sucesso não são igualmente disponíveis para membros de classes sociais

diferentes. Na medida em que a estrutura social funciona como barreira que impede a

interação entre pessoas de estratos diferentes, as metas-sucesso próprias da classe média,

por exemplo, podem não aparecer de forma atraente para os jovens de classe baixa. Por

outro lado, nesse caso, o criminoso bem sucedido pode ser uma figura presente e próxima,

um verdadeiro modelo de conduta.

2.3 - Cultura de classe baixa e a autonomia dos objetivos

Considerando o problema da disponibilidade das metas em si mesmas e a existência

das subculturas, devemos tratar de outra abordagem sociológica do problema público

constituído pelo crime. Refiro-me à análise que Walter B. Miller (1970) faz da cultura de

classe baixa (a lower class culture). O autor seleciona um tipo específico de delinqüência

(atos de violação da lei cometidos na rua por adolescentes de classes baixas) para mostrar

que a motivação desses atos encontra-se em uma tentativa apresentada pelos jovens de

aderir a formas de comportamento e atingir padrões de valor da maneira como são

definidos pela própria comunidade da qual fazem parte. No caso da delinqüência de

gangues, o sistema cultural que exerce maior influência na modelagem do comportamento

dos atores é o da própria comunidade de classe baixa. Postula-se a existência de um sistema

de elementos culturais tradicionais, até certo ponto autônomo, diferente do sistema cultural

próprio das classes médias. É importante ressaltar que é diferente, mas não é antagônico no

28
Este exemplo é dado por Cloward & Ohlin (1970) p. 304/305.

64
sentido de se dirigir contra os valores da classe média. Aqui temos uma das importantes

novidades dessa abordagem, que merece, inclusive, um exame mais minucioso. Miller parte

dessas premissas para empreender um estudo empírico profundo do que chama de

“preocupações focais da cultura de classe baixa”. Essas “preocupações focais”

representariam um modo de vida, um conjunto de valores e de padrões de comportamento

específicos e distintos do que se poderia chamar de uma cultura dominante própria das

classes afluentes. O mais importante, na verdade, não é o fato de serem distintas. Outros

grupos podem ter valores parecidos. O que define a cultura de classe baixa é o peso

específico de cada elemento e a intensidade com que cada um é observado. É a hierarquia

específica de importância que vai determinar um modo de vida particular.

A primeira e dominante “preocupação” dos membros da classe baixa seria com a

possibilidade de se ter um problema (trouble). Esse item teria vários significados. Em um

dos aspectos seria um tipo de comportamento que provoca problemas com as autoridades

oficiais ou com agências da sociedade abrangente. Para homens, problema significaria,

normalmente, brigas ou aventuras sexuais regadas com álcool e drogas. Para mulheres,

envolvimento sexual desvantajoso ou arriscado. É importante notar como a noção de

problema determina o comportamento das pessoas. Assim, o desejo de evitar

comportamentos que violam normas morais ou legais se baseia no cuidado de não criar

problemas e confusões em vez de representar um real comprometimento com padrões

culturais e morais das classes afluentes.

Outro aspecto importante é que a noção de problema diz respeito a uma distinção

fundamental entre comportamento legal e comportamento ilegal. Segundo Miller, o modo

como uma pessoa se relaciona com cada um destes tipos de comportamento contribui

fortemente para a sua reputação na comunidade local. Uma mãe avalia o

65
namorado de sua filha não em termos de suas possibilidades de afluência (como poderia

fazer uma mãe de classe média), mas em termos de seu potencial para criar problemas. No

entanto, e isto é significativo na medida em que pode representar um conflito de papéis para

um indivíduo em particular, a avaliação do potencial de criar e de se envolver com

problemas não é sempre negativa. Muitas vezes, ao contrário, pode ser exigido um

compromisso com o comportamento ilegal, tal comportamento pode conferir prestígio ao

membro de um grupo de adolescentes, por exemplo.

A segunda “preocupação focal” seria com a manifestação de dureza (toughness).

Essa noção representaria uma combinação de qualidades e estados. Entre eles estaria a
demonstração de força física, de habilidades atléticas, de masculinidade 29 e de bravura

frente a ameaças físicas. Miller interpreta a presença dessa noção como um resultado do

fato de que as famílias de classe baixa são predominantemente chefiadas por mulheres,

havendo, assim, a ausência de uma figura masculina com a qual a criança possa se

identificar e “aprender” como desempenhar o papel masculino. Com isso, após uma

infância na qual o comportamento feminino aparece como modelo principal, o adolescente

reage apresentando uma preocupação intensa com os elementos mencionados.

A terceira preocupação é com a manifestação de astúcia. O que é valorizado é a

capacidade de conquistar algo valioso (um bem material ou status pessoal) através do

máximo uso de agilidade mental e o mínimo esforço físico. Na verdade, segundo Miller, os

membros da classe baixa só podem ser chamados de “não-intelectuais” se intelectualismo

for definido como controle sobre um sistema formal de conhecimento. Esse tipo de

intelectualismo é ostensivamente rejeitado. Por outro lado, a inteligência, a capacidade

intelectual definida como astúcia, são atributos muito importantes. Um exemplo disso é o

29
A masculinidade seria representada por um complexo de atos e rejeições: corpo tatuado, ausência de
sentimentalismo, despreocupação com coisas como arte ou literatura, etc.

66
que se exige de um líder. Ele deve demonstrar capacidade em duas áreas: deve ser duro e

astuto. No entanto, o líder astuto tem mais prestígio que o líder duro.

O quarto foco de interesse refere-se à excitação. O estilo de vida da classe baixa tem

como uma das características importantes a busca da excitação, de fortes emoções. Neste

sentido, aparece o consumo de álcool – para ambos os sexos – e o gosto pelo jogo. Existem,

entretanto, momentos em que a inação e a passividade são privilegiadas. Ficar com os

amigos próximos “sem fazer nada”, “deixando o tempo passar”, são atividades valorizadas.

De fato, tem-se uma periodicidade mais ou menos estável. Depois de passar um dia, ou um

fim de semana, bebendo, participando de jogos sexuais, envolvendo-se em brigas, a pessoa

tende a passar por um período de acomodação no qual procura administrar as

conseqüências da procura pela excitação.

O quinto ponto de interesse diz respeito à noção de destino, que envolve as idéias de

sorte e fortuna. O mais importante neste ponto é crença difundida de que não vale a pena

fazer esforços para conquistar alguma meta. Se as cartas estão certas, se os dados estão

bons, se seu número da sorte sair, então as coisas acontecerão da melhor maneira. Caso
contrário, não adianta tentar30. Essas idéias teriam relação com a de que só os “trouxas”

trabalham, os astutos conseguem as coisas através da esperteza. Pois se a sorte está do seu

lado o sucesso virá. Se não estiver não adianta trabalhar.

O sexto e último interesse focal é sobre a questão da autonomia. Nesse caso, os

membros da classe baixa demonstram uma forte repulsa por qualquer atitude alheia que

represente constrangimento ou restrição da liberdade. Segundo Miller, costumam usar

frases que falam sobre o fato de que não precisam de ninguém, que sabem se cuidar

sozinhos, etc. Por outro lado, apesar das manifestações ostensivas de rejeição de qualquer

controle externo, o comportamento verdadeiro dos membros da classe média revela que

esses indivíduos sofrem um tipo de atração por instituições que limitam severamente a

30
O exemplo é dado por Miller, op. cit. p. 356.

67
liberdade individual. Assim, escreve o autor, pessoas da classe baixa procuram as forças

armadas, hospitais mentais, instituições correcionais, etc. É comum comentarem com os

colegas sobre as restrições que sofrem nesta ou naquela instituição, lamentando o fato.

Porém, uma vez do lado de fora, procuram meios de voltar, ainda que seja através de ações

que terão, indiretamente, essa conseqüência.

Para entendermos a importância destas “preocupações focais” , como motivadoras

do comportamento, é preciso ressaltar outras características da classe baixa.

Principalmente, a forma como se organizam os grupos de adolescentes e, como uma

conseqüência disto, a intensa pressão favorável à conformidade com as normas locais.

Segundo Miller, os grupos de jovens de classe baixa se estruturam, predominantemente, de

forma a comportar apenas pessoas do mesmo sexo. A sociedade de classe baixa pode ser

vista como um conjunto de grupos definidos por faixas etárias e sexo. Tais grupos

representariam o principal foco psíquico e a principal referência para jovens acima de 12 ou

13 anos de idade. O pertencimento a algum destes grupos é vital para o indivíduo na

medida em que cumpre uma série de funções essenciais, psicológicas, educacionais, etc,

que não são cumpridas pela família. O grupo da rua aparece como o mais estável e solidário

grupo primário que um adolescente pode integrar. Para os adolescentes do sexo masculino

tal fato assume maior importância porque será a primeira oportunidade real que terão de

aprender os principais aspectos do papel social que deve ser desempenhado pelos homens.

A forma como se estruturam e as funções que cumprem fazem destes grupos da rua

mecanismos eficientes na seleção e recrutamento de membros. As atividades que os grupos

levam adiante exigem um nível alto de solidariedade entre os membros. Os indivíduos

devem ter uma boa capacidade de submeter os desejos pessoais às necessidades do grupo e

precisam ter disponibilidade para uma interação continua e íntima. Decorre deste estado de

coisas que este tipo de grupo exclui os causadores de

68
distúrbios e aqueles incapazes de tolerar sanções continuas que exigem a manutenção de
um comportamento “desviante”31. Apenas os que são capazes de se comportar da maneira

aprovada pelo grupo serão aceitos. Assim, tais grupos se constituem de modo a promover

uma alta capacidade e motivação na direção da conformação em relação às suas normas.

O pertencimento ao grupo é atingido através da demonstração de conhecimento e da

disposição para acatar os padrões e valores que são mantidos pela comunidade. Assim, um

indivíduo conquista o pertencimento agindo em conformidade com as “preocupações

focais” mencionadas. Na medida em que se conforma às exigências do grupo de classe

baixa, a pessoa pode agredir valores de outros grupos, tais como a classe média, por

exemplo. É importante ressaltar que o indivíduo está todo o tempo se conformando aos

valores na forma como eles são definidos pela classe baixa. A violação de valores da classe

média é um preço que o ator tem que pagar se não quer ser excluído de sua comunidade. Os

crimes cometidos pelas pessoas de classe baixa passam a ter, então, uma outra explicação.

Deixam de ser o resultado de uma estratégia inovadora utilizada para conquistar bens que

são valorizados pela sociedade abrangente. De fato, para Miller, o cometimento de crimes

pelos membros da classe baixa é motivado pela tentativa de atingir fins, estados e

condições que são valorizados – e evitar os que são desvalorizados – dentro do meio

cultural mais próximo e significativo. Em ambientes onde os valores mantidos pelas

diferentes classes sociais são divergentes, a conformidade dos membros da classe baixa

com seus próprios valores pode parecer afronta direta aos padrões de classe média. No

entanto, segundo Miller, a violação de valores da classe média não é a motivação principal

dos atos, é apenas um subproduto de ações primariamente voltadas para o sistema de

“preocupações focais” da própria classe baixa. É interessante notar que se o crime e a

delinqüência são subprodutos da adesão a “preocupações focais”

31
As aspas são de Miller. A palavra desviante aqui não tem o sentido mertoniano de desvio em relação ao
conformismo. O comportamento que contraria os padrões médios tem motivação própria. O fato de ser
contrário em relação às normas dominantes não é fator determinante.

69
específicas, as estratégias que pretendem atacá-los devem ter como propósito a

transformação dessas “preocupações”. A questão é até que ponto é possível modificar

valores e normas naturalmente constituídos por meio de ações públicas planejadas. Este

ponto será retomado no último capítulo.

É importante ressaltar, em relação às teoria discutidas, a forma como autores como

Cloward & Ohlin e Miller reestruturam a explicação do crime e modificam a teoria

mertoniana. A sociedade deixa de ser vista como uma unidade de valores compartilhados

independentemente dos grupos que a constituem. Não é mais o caso de dizer que as metas-

sucesso são as mesmas para todos os grupos e que os meios legítimos de atingi-las são

escassos. As próprias metas podem se modificar nos contextos subculturais. Penso que as

duas teorias tratadas aqui, alternativas à explicação mertoniana do crime e do desvio, têm

aspectos complementares. A primeira mostra como o fato de fazer parte de um determinado

grupo social é importante não só na determinação das oportunidades ocupacionais

disponíveis (legítimas ou ilegítimas), mas também dos próprios objetivos a serem

perseguidos. A segunda dá destaque ao processo que torna os grupos de classe baixa

entidades poderosas na conformação do comportamento de seus membros levando-os a

agirem segundo determinados valores, ou seja, mostra como o grupo exige de seus

integrantes a adesão a certos objetivos, além de mostrar como os treina nas diversas

ocupações e atividades (possivelmente criminosas) que deverão cumprir.

Podemos constatar, também, semelhanças importantes entre as três explicações do

crime e da delinqüência apresentadas. O comportamento criminoso é, em todas elas,

causado por variáveis macrossociológicas. As alternativas de conduta se constituem no

âmbito da organização social ou se referem a normas e valores subculturais. Os indivíduos,

seja por causa da posição estrutural que ocupam ou por causa do pertencimento a

subculturas específicas, são empurrados para o crime de forma intensa. Outra suposição
comum, ainda que implícita, é: se as causas do problema representado pelo crime são

70
sociais o controle só é possível por meio de uma intervenção sobre variáveis estruturais e

culturais. Retomando as discussões apresentadas na Introdução, é possível dizer que as

formulações acima mencionadas se justificam apenas na medida em que há um consenso

público sobre a autoridade da sociologia em relação a estas questões. Enquanto os

sociólogos são reconhecidos como proprietários e responsáveis pelos problemas, têm o

privilégio de apresentar as explicações e indicar terapias. Contudo, considerando o crime e

a delinqüência como problemas públicos, objetos de debates diversos, contestações dessa

autoridade serão sempre possíveis. As controvérsias podem ocorrer não só no âmbito da

sociologia, profissionais de outras áreas (economistas, cientistas políticos, psicólogos)

também podem questionar a autoridade da disciplina.

Discuto a seguir o que foi exposto neste capítulo a partir de duas perspectivas

relacionadas: em primeiro lugar, no quarto capítulo, considero as conseqüências teóricas

provocadas pela ausência de preocupação com a dimensão da ação individual na explicação

do crime e da delinqüência. Em segundo lugar, no quinto capítulo, discuto a competência

que as teorias mencionadas teriam enquanto bases para o estabelecimento de políticas

públicas de controle do crime. Ou seja, se a caracterização do crime como um fenômeno

causado exclusivamente por fatores sociais é uma base eficiente para a orientação da

escolha de alternativas de intervenção. Por último, discuto as alternativas de intervenção

relacionadas a perspectivas que consideram a dimensão da ação individual como fator

importante na explicação do crime.

71
Capítulo 3 - TEORIA SOCIOLÓGICA, ESCOLHA INDIVIDUAL E CRIME

Vimos no capítulo anterior como se constitui a sociologia estrutural e subcultural do

crime, em parte influenciada por Durkheim. Na verdade, com Quételét já podemos perceber

grandes avanços em relação à criminologia positivista da escola lombrosiana. Assim, com

Quételét, não se postula mais a preponderância das causas biológicas na determinação do

comportamento criminoso. O estatístico belga se aproxima da noção de “normalidade do

crime”, como procurei demonstrar no segundo capítulo, na medida em que identifica a

organização social em si mesma como a causadora do desvio e do crime. Durkheim,

quando critica Quételét, avança nessa discussão estabelecendo a sociedade, ou a

consciência coletiva, como a força causal mais importante na determinação do

comportamento criminoso. A sociedade passa a ser vista como consciência coletiva e não

mais como um agregado de indivíduos atomizados. Mais: ele nega o caráter criminoso que

poderia ser intrínseco ao ato. Na verdade, nenhum ato seria por si mesmo um crime. Um

crime só existe na medida em que um ato de qualquer tipo é classificado como criminoso

pela sociedade. É nesse ponto que podemos identificar a singularidade do elemento


positivista da explicação do crime proposta por Durkheim. Ou seja, o aspecto de

determinação ou causalidade externa ao ato criminoso é completamente social, ou melhor,

sociológico. Como mostram Cohen e Machalek (1994), embora Durkheim use metáforas

biológicas ou naturais, ele não empreende uma explicação verdadeiramente naturalista para

os fenômenos sociais. Como sabemos, a explicação dos fatos sociais deve ser buscada em

fatos sociais anteriores e não em outras características. O importante é que essa forma de

abordar os fenômenos sociais é seguida por autores que depois de Durkheim procuram

explicar o crime.

72
3.1 - Crítica das perspectivas estruturais e subculturais

Após considerar a introdução de elementos propriamente sociológicos na explicação

do crime e do desvio, através das críticas de Durkheim ao trabalho de Quételét, considero

as teorias posteriores que estão fundamentadas no pensamento durkheimiano. No entanto,

começando pelo influente artigo de Robert Merton (1958) temos um problema. Esse autor

se distancia de Durkheim na medida em que trata o crime como problema social e aponta a

anomia como sua causa. Ou seja, seria a anomia, provocada pelo desequilíbrio entre metas

socialmente estabelecidas e os meios legítimos de alcançá-las, a responsável pelas

adaptações desviantes. Por outro lado, temos uma aproximação importante quando Merton

afirma que está interessado nas origens sociais e culturais do desvio e do crime e, mais,

quando afirma que são respostas individuais normais a situações sociais específicas. Isto é,

o crime, apesar de ser causado pela desorganização social e não ser um fenômeno positivo

como em Durkheim, é produzido pela própria organização social. Por uma forma específica

de organização social. Aspectos sociais e culturais são fundamentais na explicação.

O artigo de Merton suscita críticas e reformulações, como aquelas feitas por

Cloward e Ohlin (1970) e Miller (1970). Com estes autores, retoma-se uma explicação do

problema que se aproxima mais da explicação durkheimiana. Especialmente no caso de

Miller, o desvio e o crime novamente são vistos como produtos sociais ou culturais não

mais resultantes de uma estrutura social desorganizada, mas da divisão da sociedade em

grupos distintos que têm e perseguem suas próprias metas, que são estabelecidas de forma

independente em relação à cultura mais abrangente ou dominante. Um ato, como em

Durkheim, não é intrinsecamente criminoso ou desviante. O desvio e o crime são definições

sociais. Cloward e Ohlin, apesar das significativas

73
modificações que apresentam, como vimos no terceiro capítulo, ficam com boa parte da

chamada “strain theory” mertoniana. O importante, entretanto, é que combinam com os


elementos dessa teoria a noção de subcultura delinqüente32.

É mais importante, de acordo com os propósitos desse capítulo, ressaltar o que há de

comum entre essas teorias do que o que há de diferente. Assim nos aproximamos de um

modelo de explicação do crime que é ao mesmo tempo estrutural, no sentido de que

considera aspectos relativos a uma organização social específica; e subcultural, na medida

em que ressalta a especificidade, e algumas vezes, a autonomia dos valores, dos padrões de

comportamento ou dos “focal concerns”, para falar como Miller. E o que há de comum é

uma concepção do crime como um comportamento que é possível dentro de um grupo

social, que depende de processos de socialização, de aprendizado social, do

compartilhamento de valores e de normas sociais. Por exemplo, como vimos em Cloward e

Ohlin, o jovem que se candidata a ser um “fora-da-lei” precisa crescer em um ambiente

onde é possível adquirir valores quanto ao comportamento criminoso e desenvolver

habilidades técnicas e cognitivas indispensáveis para o sucesso na “carreira”. Em Miller, o

jovem de uma subcultura de classe baixa é necessariamente socializado segundo padrões

específicos de atitude e comportamento que ele chama de preocupações focais. Essas

preocupações, como vimos, dizem respeito a atitudes agressivas, a disposição para o

enfrentamento físico e para correr riscos.

Esta recapitulação da argumentação estrutural, subcultural e da combinação delas é

importante para explicitar algumas implicações desse tipo de explicação. Em primeiro

lugar, o conteúdo amplamente sociológico do modelo. São sempre variáveis

macrossociológicas as mais importantes. Valores, normas, socialização, aprendizado,

conformidade e a própria noção de subcultura são exemplos. Qualquer processo de

32
É importante lembrar de uma menção que faço no capítulo 2: podemos inferir da teoria durkheimiana que
alguns grupos sociais podem ser privilegiados no sentido de apresentar comportamentos desviantes. As
correntes sociais, afirma Durkheim, prosperam em ambientes restritos onde as condições são mais propícias
ao seu desenvolvimento. Elas não teriam força suficiente para abranger toda a sociedade.

74
interação social, que pode ser observado em nível microssociológico, será apreendido a

partir das variáveis mencionadas. Os contatos interpessoais no contexto da subcultura serão

marcados pelas normas, valores e regras estabelecidos e internalizados pelos membros em

processos de socialização.

Na verdade, os valores e normas que são internalizados pelos membros da

subcultura determinam seu comportamento. Em um ambiente onde a conduta agressiva lou

violenta ou é normativamente prescrita a contra-norma será a não-agressividade ou a não-

violência (Wolfgang e Ferracuti, 1970). Aqueles que não adotam o comportamento

prescrito são repudiados. Não são aceitos pelos grupos que valorizam o comportamento

contrário. Miller apresenta como particularmente importantes, do ponto de vista dos

adolescentes de classe baixa, os grupos de convívio que se constituem nas ruas. Em

ambientes onde as famílias muitas vezes não podem cumprir as funções de socialização que

se atribuem a elas, o grupo de colegas da rua assume essas funções. Tornam-se assim

fundamentais para os adolescentes. Cumprem funções relativas à construção de identidade

e ao aprendizado de papéis sociais. Isso explicaria a forte pressão e a ampla adesão ao

comportamento desviante no caso dos jovens de classe baixa.

A própria participação individual é entendida dessa forma. O indivíduo é levado por

forças externas a participar de atos de delinqüência ou de crimes. No caso de Merton, por

exemplo, existe uma cultura abrangente que impõe uma série de metas. Essa imposição de

metas é universal, é válida para os mais diversos grupos sociais. No caso dos grupos que

não têm acesso aos meios legítimos de obtenção das metas, teremos uma situação de tensão

que fará com que os membros do grupo, expostos às metas-sucesso universais, usem os

meios ilegítimos para atingi-las. Há, portanto, uma pressão sócio-cultural no sentido do

crime e do desvio resultante da anomia, como já foi mencionado.

75
No caso da teoria da “estrutura diferencial de oportunidades” de Cloward e Ohlin, a

desorganização social leva ao surgimento de subculturas, que são vistas como variáveis

dependentes. Isto significa que a subcultura sobrevive apenas em um contexto de

desorganização social e sua existência depende de fatores exógenos. O crime, o desvio e a

delinqüência aparecem dentro desses contextos (Cohen e Land, 1987). A pressão sócio-

cultural no sentido do crime depende fortemente de aspectos específicos dos ambientes

subculturais. Os objetivos sociais que levam ao crime não são mais colocados de forma

indiferenciada para a sociedade inteira. Os objetivos se transformam e podem ganhar

autonomia nas subculturas. São levadas em consideração variáveis com características

propriamente sociológicas, como socialização, aprendizado social, valores, transmissão de

habilidades cognitivas e técnicas. O indivíduo está sob a tensão provocada pelo

desequilíbrio entre objetivos e meios e tem à sua disposição possibilidades limitadas de

adaptação. A adaptação só é possível em ambientes específicos onde existe previamente

uma subcultura criminosa. Isto porque o candidato a fora-da-lei deve passar por um

processo de socialização que incute os valores, atitudes e habilidades necessários.

No caso das “culturas de classe baixa” de Miller, os valores, normas, tipos de

comportamento são autônomos do ponto de vista de uma subcultura em um sentido mais

amplo. A existência de subculturas não está vinculada à desorganização social, são tomadas

como variáveis independentes (Cohen e Land, 1987). A importância da socialização para a

internalização das normas e valores que orientam o comportamento é maior. A forma

intensa como se dá essa socialização e a pressão no sentido da conformidade são

explicadas, como já foi mencionado, pelas características específicas que os grupos

assumem nessas condições. Compartilhar os valores e atitudes do grupo primário é

fundamental para um adolescente que busca reconhecimento social e

76
prestígio. Aderir às “preocupações focais” do grupo é condição indispensável para uma

participação efetiva.

O indivíduo é, então, forçado a se comportar de acordo com o grupo do qual é parte.

Além de ser socializado de acordo como os padrões estabelecidos, seu comportamento é

objeto de diversos tipos de controle social. Por um lado, o grupo possibilita o seu

comportamento. Promove a aquisição de habilidades, de valores, de expectativas, de

objetivos. O próprio ambiente social permite que o adolescente “ensaie” as atividades

criminosas antes de exercê-las efetivamente. Por outro lado, o grupo faz com que o

indivíduo se comporte da maneira adequada. O pertencimento às “sociedades das

esquinas” está vinculado à adesão aos valores e normas do grupo. O comportamento

criminoso ou delinqüente é resultado do pertencimento ao grupo social nesses dois

sentidos.

Neste ponto é interessante voltar a uma crítica que Cohen e Machalek (1994) fazem

em relação ao trabalho de Durkheim. Os autores mencionam uma ambigüidade relacionada

à pretensão durkheimiana de estar produzindo uma explicação completamente social para o

crime e o desvio. Na verdade, Durkheim, apesar de usar de uma argumentação amplamente

sociológica, não escaparia de mencionar características individuais (as divergências

individuais) como causas importantes da escolha do comportamento criminoso. No

segundo capítulo, discuto a afirmação de Cohen e Machalek fazendo, inclusive algumas

ponderações. No entanto, mesmo que o argumento desses autores mereça críticas, a

ambigüidade é verdadeira. Ou seja, Durkheim, de uma forma ou de outra, não é totalmente

convincente quanto à possibilidade de uma explicação exclusivamente coletivista do crime

e do desvio.

Esse tipo de ambigüidade estaria presente também nos trabalhos mencionados

anteriormente. Particularmente nos trabalhos de Merton e Cloward e Ohlin, que fazem uso
explicito do termo “adaptações individuais”. Os autores,

77
ao mesmo tempo em que buscam explicar o crime através de variáveis estruturais,

mencionando aspectos culturais e sua relação com a estrutura social como causa

fundamental do problema, entendem que a tensão é resolvida por indivíduos através de

adaptações individuais. Se as adaptações são individuais, podemos perguntar sobre as

diferenças quanto à sedução que um ou outro tipo de adaptação pode exercer sobre

indivíduos diferentes. E por que nem todos os indivíduos que vivem em um mesmo

ambiente fazem a mesma opção. Nos trabalhos mencionados, a resposta vai no sentido de

afirmar a preponderância do grupo sobre os indivíduos. O grupo pode ser visto como uma

categoria ampla, como em Merton (onde a noção de estrato social seria mais pertinente) ou

como entidades mais circunscritas e, por isso mesmo, mais autônomas como em Cloward e

Ohlin. A tensão que leva à inovação é mais forte em grupos de classe baixa, por causa de

sua posição na estrutura social. Esses setores da sociedade estão diante de demandas

incompatíveis, escreve Merton. Nesses modelos, embora tratem de adaptações individuais,

os aspectos propriamente individuais da adaptação são deixados de lado. A escolha

individual é socialmente determinada. Os aspectos culturais e estruturais agem sobre grupos

de indivíduos. Merton, inclusive, afirma que não trata de adaptações psicológicas, mas de

diferentes tipos de comportamento dados por situações sociais específicas.

Em relação às subculturas, temos um problema adicional. No caso de Miller, onde a

explicação é cultural em um sentido mais profundo, o problema torna-se mais explícito,

mas não deixa de ser verdade para a abordagem da “estrutura diferencial de oportunidades”.

Trata-se do papel que socialização e o aprendizado social assumem nessas teorias. Se a

subcultura é capaz de determinar amplamente o comportamento de seus membros, é porque

a socialização é completa e perfeitamente executada. Nesse caso, as diferenças individuais

são desprezíveis, a conformidade é ampla. Miller, no contexto do modelo de desvio

cultural, não menciona diretamente o problema das

78
diferenças individuais. Mas não escapa de indiretamente tocar o problema. Isto acontece

quando se refere à preferência que a gangue tem por membros capazes de submeter as suas

vontades individuais às necessidades do grupo e por aqueles indivíduos prontos para uma

interação contínua e controlada de acordo com as preocupações focais. O fato é que se esta

questão se coloca, ou seja, se a gangue seleciona seus membros, pode-se concluir que

dentro de uma comunidade de classe baixa há divergência de comportamentos.

Coloca-se então a possibilidade de críticas relativas ao tratamento dado à ação

individual nessas teorias. Essas críticas são feitas por Gottfredson e Hirschi (1990), Wilson

e Herrnstein (1985) e Wilson (1985). Esses autores partem da suposição de que é

importante dar conta da dimensão individual da ação para se chegar a uma explicação

completa do problema do crime. Nesse sentido, usam, ainda que de maneiras diferentes, a

noção de escolha racional. Com isso pretendem questionar os modelos positivistas de

explicação do crime. No caso de Wilson (1985), discutido no quinto capítulo, o foco é uma

avaliação desses modelos segundo a capacidade que teriam de informar políticas públicas

de controle do crime. Ou seja, em que medida seriam úteis na busca de uma solução para o

problema público representado pelo crime. Mas a crítica que se preocupa com as

possibilidades de estabelecimento de políticas públicas de controle do crime tem como

fundamento teórico a avaliação da dimensão da ação individual nas abordagens discutidas.

Passo então a tratar dessas críticas.

3.2 - A perspectiva do auto-controle

Segundo Gottfredson e Hirschi (1990), criminosos são pessoas que estão

procurando atingir intencionalmente objetivos da maneira menos custosa. Esse fato, por si

mesmo, não os diferencia dos não-criminosos. O problema se torna mais complexo na

medida em que qualquer sociedade, por definição, controla de alguma maneira o

79
comportamento de seus membros de acordo com os interesses da coletividade. Alguns tipos

de comportamento que podem ser muito racionais do ponto de vista de um indivíduo, são

prejudiciais para a sociedade. O uso da força e da fraude, além dos prejuízos óbvios para as

vítimas individuais, compromete de várias maneiras a vida coletiva. Apesar da análise

durkheimiana de que o crime seria um fator que aumentaria a solidariedade, autores

contemporâneos mostram que o crime, na verdade, produz medo e isolamento de modo que

compromete a integração social (Liska e Warner, 1991. Caldeira, 2000). Assim, alguns

comportamentos são alvo de sanções aplicadas pela sociedade, ou melhor, pelo Estado.

Quando se aplica a um comportamento que é racional do ponto de vista de um indivíduo,

mas irracional do ponto de vista da coletividade, a sanção tem como objetivo manipular os

custos e benefícios de um tipo de ação. Segundo Gottfredson e Hirschi, autores ligados à

Escola Clássica (representada por J. Benthan e C. Beccaria) passam desse ponto para o

estudo de políticas de controle do crime através da análise da manipulação dos custos e

benefícios da ação. Entretanto, para a sociologia, haveria um problema anterior, que deve

ser compreendido: por que indivíduos diferentes reagem de maneiras diferentes às sanções

aplicadas a um comportamento? Nesse ponto os autores lançam mão de uma suposição

elementar da escola positivista: criminosos são, de alguma maneira, diferentes de não

criminosos.

Antes, porém, de propor em que se baseia essa diferença, os autores perguntam

quais as propriedades formais dos crimes, quais são as condições necessárias para sua

ocorrência, o que acontece quando as pessoas tentam perseguir seu interesse através da

força e da fraude, quais os prazeres e gratificações são atingidos através dos crimes, qual é

a conceituação apropriada do crime e, por fim, o que o crime nos diz sobre o criminoso

(Gottfredson e Hirschi, 1990, p.15). Estas perguntas seriam necessárias porque a descrição

do que diferencia o criminoso só pode ser obtida a partir da análise dos padrões recorrentes
presentes nos crimes realmente acontecidos. Só assim seria

80
possível construir uma teoria coerente com os dados empíricos conhecidos. Dados que

desafiariam a imagem do criminoso construída a partir das teorias estruturais e subculturais,

isto é, um ser socialmente constituído que teria aprendido técnicas e habilidades e sido

exposto, através da socialização, a valores e normas desviantes.

Segundo Gottfredson e Hirschi (1990), crimes são acontecimentos corriqueiros,

mundanos, que envolvem pequena perda para a vítima e menor ganho para o agente. Esses

eventos têm uma distribuição espacial e temporal altamente previsível, não exigem

preparação especial, não deixam muitas conseqüências, e freqüentemente não produzem os

resultados pretendidos pelos autores. Através de dados oficiais e surveys de vitimização, os

autores concluem que o crime mostra um padrão mais consistente com as atividades

recreacionais dos jovens do que com as atividades vocacionais dos adultos. Mostram que

não há inclinação para o dispêndio de esforço em relação à atividade criminosa, que vítimas

são pessoas em situação vulnerável e que evitar a detenção faz parte do cálculo do ofensor.

Os autores procuram mostrar que habilidades especiais não são exigidas para a

prática de um crime. Crimes como roubo, estupro e homicídio exigiriam apenas a aparência

de força física superior ou a posse de algum instrumento de força (armas). Crimes contra

propriedade podem exigir força física e destreza, mas na maioria dos casos nada mais que o

que se exige para as atividades rotineiras da vida. A maioria dos crimes acontece em locais

próximos à residência do ofensor; o arrombador geralmente anda pela cena do crime e

percebe a oportunidade, além disso, procura casas que estejam abertas e se concentra em

bens portáteis independentemente do valor que tenham no mercado; automóveis com a

chave na ignição são preferidos, alvos são escolhidos de acordo com a acessibilidade.

81
Finalmente, os autores analisam as condições necessárias para a ocorrência de um

crime. Nesse ponto pretendem fazer a articulação entre a definição de crime que buscam

nos clássicos, os padrões empíricos encontrados e a noção de criminalidade, ou de

propensão individual para o cometimento de crimes. De uma definição de crime, que foi

esboçada acima, deduzem um perfil do criminoso. Nessa articulação, trabalham com a

“abordagem das atividades rotineiras” (routine activity approach) de Cohen e Felson

(1979). Nessa perspectiva, crimes requerem um ofensor motivado, ausência de vigilância

eficiente e alvos disponíveis. Gottfredson e Hirschi acreditam que tentar entender a

motivação do autor do crime antes de compreender os outros dois requisitos é um dos

grandes equívocos da criminologia moderna. A partir dos padrões que são identificados em

relação a crimes concretos, deduzem uma imagem do tipo de motivação necessária.

Em vez de usar as explicações tradicionais apresentadas pelos autores positivistas,

que criariam um criminoso fictício, um indivíduo completamente socializado no sentido de

valores e normas desviantes, Gottfredson e Hirschi utilizam, como foi dito, a noção de

auto-controle (self-control). Pessoas diferem quanto ao grau de auto-controle que

apresentam. Essa diferença teria fundamentos sociais (tipo de educação recebido, por

exemplo) e seria um fator interno. Enquanto as sanções exercem um controle externo. A

diferença é que os positivistas acreditam que o crime é um comportamento causado por

forças externas (biológicas ou sociais) que seriam responsáveis pelas diferenças entre

criminosos e não-criminosos. Para Gottfredson e Hirschi, no entanto, influenciados pela

escola clássica, o crime é um tipo comportamento que surge naturalmente se não for

adequadamente desestimulado. O auto-controle é algo que deve ser inculcado através da

educação e do treinamento. É tarefa da sociedade, através da socialização, fazer com que os

indivíduos se comportem de acordo com os interesses da coletividade. Os autores

examinam, inclusive, o tipo de educação favorável ao desenvolvimento do auto-controle.


Essa educação deve incluir: 1) monitoramento do

82
comportamento da criança, 2) reconhecimento do comportamento desviante quando ocorre,

3) punição desse comportamento. Dessa maneira, a pessoa que cuida da criança estaria

observando seu comportamento, percebendo atos impróprios e aplicando a correção. Uma

criança educada dessa forma seria mais capaz de adiar uma gratificação, seria mais sensível

aos interesses e desejos dos outros, estaria mais disposta a aceitar constrangimentos

impostos à sua ação e estaria menos propensa a usar a força e a violência para atingir seus

objetivos (Gottfredson e Hirschi, 1990, p.97).

É importante, para analisar o crime e o desvio, saber como e por que algumas

pessoas não desenvolvem ou não apresentam níveis adequados de auto-controle. Segundo

os autores, é óbvio que não se pode supor a existência de pais que desejassem que seus

filhos fossem mal-socializados. Com esse argumento procuram excluir a idéia de uma

socialização positiva no sentido de um comportamento anti-social, o que seria a suposição

das teorias subculturais. Assim, onde estaria o erro? Por que as coisas não funcionam como

deveriam? Para Gottfredson e Hirschi, em primeiro lugar, os pais podem não cuidar dos

filhos. Em segundo lugar, mesmo cuidando, podem não ter tempo e energia para monitorar

adequadamente o comportamento deles. Em terceiro lugar, mesmo cuidando e

monitorando, os pais podem não ver nada de errado com o comportamento dos filhos. Em

quarto lugar, mesmo com todos os requisitos acima funcionando, os pais podem não ter

disposição ou meios para punir. Como resultado desse tipo de relação teríamos crianças

pouco dispostas a adiar uma gratificação, pouco receptivas em relação a constrangimentos

externos, propensas a usar qualquer meio disponível para atingir um objetivo. Enfim,

indivíduos orientados para o momento presente, para o imediato, centrados no “aqui e

agora” (Gottfredson e Hirschi, 1990, p.98).

Assim, o crime não pode surgir a partir de processos de socialização simplesmente

porque criminosos são indivíduos anti-sociais desde a infância. Não se submetem


facilmente ao controle social, têm pouca disposição para o comportamento

83
em grupo, são egoístas. Não se ligam fortemente a outras pessoas ou a projetos coletivos. O

crime é resultado de uma socialização que foi incapaz de incutir o auto-controle. Todo o

comportamento futuro do indivíduo é marcado por essa falha inicial. A explicação

subcultural, ao desprezar os dados empíricos, tende a construir um criminoso especializado,

a possibilidade do crime é dada pelo contexto específico da subcultura que permite o

aprendizado de técnicas e habilidades específicas. Para Gottfredson e Hirschi, criminosos

são versáteis e não se especializam porque são pessoas orientadas para o presente. Sempre

procuram a opção mais fácil e imediatamente disponível. Não têm qualquer compromisso

com cursos pré-definidos de ação. A especialização não acontece e nem é necessária porque

o crime é um comportamento que não exige habilidades especiais. Não há necessidade de

uma socialização para o crime, como indicariam os padrões recorrentes encontrados.

A necessidade de estabelecer tipos de crime é recusada a partir do momento em que

o auto-controle torna-se a explicação fundamental do comportamento criminoso. O crime

de colarinho-branco é visto como uma categoria imprópria e prejudicial para o

desenvolvimento de uma teoria geral do crime. De fato, Gottfredson e Hirschi procuram

mostrar que o crime de colarinho-branco, a partir da teoria geral do crime que propõem, é

uma impossibilidade lógica. Se os criminosos são pessoas que apresentam baixo auto-

controle, que se orientam para o presente, que têm dificuldades com a escola dificilmente

ocuparão posições funcionais que possibilitariam desvio de dinheiro, fraude ou corrupção

em termos substanciais. Os processos de seleção das organizações impedem a contração de

pessoas com baixo auto-controle. A noção de crime de colarinho-branco seria

analiticamente inadequada e empiricamente insignificante33.

O mesmo acontece com o crime organizado. Criminosos, por definição, têm pouca

capacidade de organização. Não são capazes de ações organizadas de longo prazo. Toda a

produção sociológica sobre gangues ou sobre organizações criminosas,

33
Não é beeeeem assiiiiim!!! A obsessão da teoria geral!

84
por exemplo, é considerada como uma ficção, que é muitas vezes mantida por interesses

das agências governamentais (criar uma idéia de “guerra contra o crime”) e da imprensa. É

possível a ocorrência de ações organizadas bem sucedidas, mas as ações desse tipo são

sempre ocasionais e não dizem respeito a um empreendimento de longo prazo. Os grupos

se dissolvem rapidamente.

O fato é que a maioria das variáveis que são consideradas como causa de crimes

passam a ser vistas como efeito de uma mesma causa: o baixo auto-controle. O

desemprego, por exemplo, é muitas vezes usado como variável explicativa de crimes. A

falta do emprego pode levar à opção pelos meios ilegítimos. Para Gottfredson e Hirschi,

não há relação causal entre emprego e crime. Na verdade, criminosos têm dificuldade de

conseguir empregos por causa do baixo auto-controle, não se interessam por atividades

disciplinadas que exigem adiamento de satisfações. O mesmo é verdade para o papel do

casamento, do namoro, ou da escola. A ausência de laços sociais não é responsável pelo

crime. O criminoso tem dificuldade de manter esses laços. Da mesma forma, o fraco

desempenho escolar não leva à opção pelos meios ilegítimos. É o criminoso que não se

adapta à disciplina imposta pela escola. Criminosos têm dificuldades de manter laços

estáveis com pessoas ou instituições. A falta de auto-controle aparece cedo, na infância, e a

partir daí determina o sentido das ações individuais, é a variável causal que está por trás de

uma série de comportamentos. Crime, delinqüência, desvio, pecado, acidentes de trânsito,

divórcio, instabilidade no emprego, tudo isso, seria resultado da ausência de autocontrole.

É inegável que as críticas apresentadas por Gottfredson e Hirschi são importantes e

apontam para problemas reais da teoria positivista do crime. Como já foi mencionado, essas

teorias colocam um peso excessivo sobre categorias macrossociológicas e desprezam a

escolha individual como fator que pode levar ao crime. As críticas à socialização, entendida

como um processo completo e sempre bem

85
sucedido, a recolocação do problema da carreira criminosa e da especialização, a

desmistificação do papel dos grupos são pontos que merecem atenção. Por outro lado, é

preciso evitar a tendência que está presente no trabalho de Gottfredson e Hirschi de

substituir todos os argumentos da criminologia pela noção sociologicamente vazia de

autocontrole. Essa tendência surge como conseqüência de obsessão pela formulação de uma

teoria geral do crime. Teoria que dê conta do fenômeno em todas as suas dimensões e que

se aplique a qualquer ambiente ou cultura.

O criminoso seria um indivíduo mal-socializado, que não internalizou, através da

educação, elementos que proporcionariam o autocontrole. O crime não é mais produzido

socialmente, como nas teorias sociológicas convencionais. O crime é um comportamento

natural que deve ser evitado pela coletividade. Quando os meios de se evitar o crime não

são adequadamente usados temos há uma boa probabilidade de ocorrência do

comportamento criminoso. A existência de valores, de normas próprias de grupos

marginais, de processos positivos de aprendizado de habilidades necessárias para o crime

são negadas. Na verdade, o criminoso é um ser socialmente imperfeito. Não é capaz de

processar todas as informações presentes no ambiente onde age. Não lida de maneira

adequada com a existência de diversos tipos de sanções referentes ao comportamento

criminoso e, principalmente, com o fato de que todos os prêmios para comportamento

conformista e disciplinado se encontram no futuro.

Devemos, neste ponto em que se encontra a análise, tratar de alguns problemas que

aparecem na abordagem de Gottfredson e Hirschi. Se pensarmos na discussão da

normalidade do crime desenvolvida por Durkheim (1990), e nos ajustes feitos por Randall

Collins (1992), podemos questionar a pertinência de se construir um conceito de sociedade

em que os padrões de comportamento são não são diferentes de um grupo social para outro.

Podemos perguntar se o auto-controle é a mesma coisa para os diferentes estratos sociais.


Se essa categoria realmente invalida a noção de grupos subculturais. Partindo de Durkheim,

86
e considerando as teorias contemporâneas, podemos imaginar uma sociedade onde padrões

de comportamento próprios de grupos dominantes são impostos a grupos minoritários. O

autocontrole para um jovem que tem amplas oportunidades legítimas à sua disposição é

uma opção racional. Mas pode não ser racional para aquele jovem que não tem acesso às

instituições próprias da classe média. Neste caso, uma perspectiva orientada para o presente

pode ser mais interessante, a concentração no curto prazo pode ser mais produtiva. O

conflito com os padrões de classe média pode aparecer como um subproduto das atividades

de membros das classes baixas. Assim, temos um ator que pratica crimes não porque foi

socializado para praticar crimes, mas porque seu comportamento, socialmente aprendido ou

induzido, se choca com padrões dominantes.

A objeção que se impõe é que, dentro de determinados contextos subculturais, a

realização de um comportamento controlado (relativo à conformidade em relação às leis)

pode ser estigmatizada, ou mesmo contraproducente. Aqui temos um problema empírico.

Soluções teóricas são insuficientes. Gottfredson e Hirschi, a partir da concepção clássica

sobre as motivações da ação e de dados referentes aos padrões recorrentes que se

encontram nos crimes praticados, constroem uma caricatura do criminoso como este fosse

um indivíduo mal-socializado, que não dispõe de autocontrole. Porém, ao rejeitarem o

argumento subcultural o fazem de forma meramente teórica, na medida em que a interpretar

todos os dados sobre crimes a partir da definição que construíram. Assim, se o criminoso

não apresenta autocontrole não pode ter sido socializado para o crime e nem para outro fim

qualquer. A disposição para o comportamento criminoso não pode resultar de aprendizado

social, de socialização ou valores de grupo porque o criminoso é, por definição, avesso a

coisas desse tipo.

87
Além disto, os argumentos subculturais não são definitiva e consistentemente

descartados apenas com a análise dos padrões recorrentes dos crimes. O fato de que

criminosos são em geral mal sucedidos, que os ganhos pecuniários são restritos e que o

crime é na maioria das vezes uma resposta à oportunidade não necessariamente indica que

o criminoso não tem autocontrole. Pode significar, por exemplo, que estão “making the best

of a bad job” , como dizem Cohen e Machalek (1988, p.495). O fracasso e a precariedade

das estratégias seria um resultado da situação desfavorável na qual essas pessoas estariam

enquadradas. Seria um resultado da carência generalizada de recursos. Roubar o que se

pode carregar não é necessariamente um sinal de orientação para o presente, pode muito

bem ser indicador de bom senso. O mesmo vale para o caso de roubar preferencialmente

casas que se encontram desprotegidas ou mesmo abertas.

Gottfredson e Hirschi erram quando tentam tomar emprestada a noção positivista de

criminalidade. Ao mesmo tempo em que recorrem aos clássicos, buscando uma definição

geral da ação (racional) e, por conseqüência, da ação criminosa, os autores criam, através

da noção de criminalidade (relacionada agora à falta do autocontrole e, não mais, à

influência de forças sociais), um criminoso típico ao qual é negada de antemão a

possibilidade de uma ação racional. De fato, o criminoso de Gottfredson e Hirschi é um

indivíduo que por ter sido mal socializado é incapaz de avaliar todas as dimensões da sua

ação em relação ao ambiente. Sua orientação para o presente e sua incapacidade de adiar

uma ganho imediato em troca de outro futuro impede uma ação planejada ou coerente ao

longo do tempo. Se for possível criticar os positivistas porque concentram a sua análise em

variáveis macrossociais em detrimento da dimensão individual, é possível, também, criticar

Gottfredson e Hirschi pelo peso excessivo dado à noção sociologicamente vazia de

autocontrole. Mesmo considerando como válidas as críticas aos argumentos subculturais,

ou seja, que o criminoso é alguém socializado para o crime “de uma vez por todas”, perde-
se a possibilidade de uma análise neutra da ação desse criminoso, que em alguns contextos

88
pode ser racional. Ainda que em situações específicas possa agir orientado para o presente e

sem nenhuma perspectiva de futuro. A questão é que, mesmo que se diminua o peso das

normas e valores do grupo como determinantes da ação de seus membros, é importante

considerar o ambiente, que pode envolver desde um conjunto de normas e valores


diferenciados34 até uma estrutura social específica, que poderiam orientar as escolhas de

seus membros. Assim, não há uma relação de necessidade entre os padrões recorrentes que

Gottfredson e Hirschi encontram nos crimes e um criminoso destituído de autocontrole.

Aquelas características dos crimes (incompletos, orientados para a oportunidade de curto

prazo), que, vale destacar, podem não ser uma descrição completa do que é o crime, e a

“dificuldade” dos criminosos em relação a laços sociais e institucionais, pode muito bem

refletir uma percepção cognitivamente adequada das características do ambiente.

Uma maneira interessante de avaliar os erros e acertos de Gottfredson e Hirschi é

considerar empiricamente a constituição e organização de gangues de rua. Isso é possível

por meio do trabalho feito por Martín Sánchez Jankowski (1991). Esse autor pesquisou, por

dez anos, gangues de latinos, negros e irlandeses em Nova Iorque, Boston e Los Angeles.

De seu estudo podemos inferir que as explicações estruturais e subculturais não são

completamente suficientes. Gangues não são produtos de uma única causa, como a

desorganização social, por exemplo. Indivíduos não se juntam a gangues para encontrar

uma ordem que não existe em seu ambiente, para substituir a figura paterna ou porque a

gangue é importante no processo de construção da identidade masculina. Jankowski não

encontra evidências que comprovem a tese de que processos de socialização são

responsáveis pela disseminação de valores ou de preocupações focais de classe baixa entre

os jovens. Não há, também, evidências de especialização, os alvos das gangues podem

variar de acordo com a avaliação das oportunidades. Além disso, por estar em uma gangue,

uma pessoa não abandona definitivamente empreendimentos individuais. Pode agir como

34
Normas e valores que não seriam determinantes no sentido de Miller, mas que fariam parte de um ambiente
que favorece a opção por estratégias desviantes

89
membro da gangue em algumas ocasiões e por sua própria conta em outras. Pessoas se

juntam a gangues por uma série de razões e sempre fazem um cálculo racional sobre a

entrada ou saída.

Por outro lado, o estudo de Jankowski nos mostra que a caracterização do

delinqüente como um ser destituído de autocontrole, guiado pelo momento, sem capacidade

de planejamento não é adequada. Em primeiro lugar, gangues são organizações que, ainda

que não burocráticas, controlam o comportamento de seus membros e conseguem promover

ações coerentes, ao longo do tempo, com os objetivos organizacionais. Mesmo quando os

objetivos são recreacionais, como a construção de um clube ou aquisição de bebidas e

drogas, podem ser planejados e perseguidos de forma orientada. Como uma organização, a

gangue faz recrutamentos seletivos que privilegiam indivíduos previsíveis e dispostos a

cooperar. Controla o número de membros de acordo com os objetivos perseguidos e pune

ou expulsa aqueles que não cooperam. Precisamente, aqueles incapazes de agir de acordo

com objetivos coletivos e de longo prazo. Obviamente existem gangues que se dissolvem

com o tempo, principalmente porque não conseguem se estabelecer como uma organização

e controlar o comportamento dos membros. Mas isso não é uma regra, acontece em

ocasiões específicas.

É verdade que a maioria dos membros de gangues apresentam traços de

personalidade característicos, mas esses traços, de forma alguma, se referem a um baixo

autocontrole. Segundo Jankowski, o que é típico de membros de gangue é o que ele chama

de “defiant individualist character”, uma visão de mundo que é darwinista na medida em

que percebe uma luta pela sobrevivência onde os mais fortes ganham e para a qual cada um

tem que estar preparado. A partir dessa postura, desenvolvem-se alguns atributos como um

senso de competitividade, de beligerância, de auto-confiança e um instinto de

sobrevivência. Embora não se afirme que os indivíduos sejam positivamente

90
educados para apresentar esses traços de caráter, crescem em um ambiente que os estimula.

Jankowski mostra que o “defiant character” é resultado de uma ordem social alternativa,

hobbesiana, onde há uma intensa disputa por bens escassos. A necessidade de disputar a

maior parte dos recursos já é realidade na infância para crianças que vivem em famílias

numerosas e de baixa renda. Além disso, outros incentivos estão presentes para esses

jovens. Muitas vezes são filhos de ex-membros que estimulam a entrada em gangues para

continuar uma tradição de família. Assim, observar o comportamento dos indivíduos no

contexto de uma ordem social alternativa é mais apropriado do que afirmar que não é

possível uma socialização no sentido de um comportamento não-socializado. Ou que a

opção pela delinqüência é resultado necessário de uma orientação para o presente.

Um indivíduo que apresenta essas características junta-se a uma gangue quando

avalia que essa é a melhor alternativa em um determinado momento, de acordo com seus

objetivos. Mas a gangue também seleciona aqueles mais interessantes de acordo com os

objetivos que promove. Mesmo porque a presença do “defiant character” implica em

algumas dificuldades em relação ao controle do comportamento dos membros da gangue. O

individualismo é um traço de caráter importante dos prováveis membros de gangues. Por

isso, gangues que apresentam uma estrutura hierárquica vertical, com comando

centralizado, são as mais eficientes. O trabalho de Jankowski é importante porque mostra

não só as deficiências dos modelos estruturais e subculturais, mas também aponta para as

dificuldades presentes na noção de criminalidade proposta por Gottfredson e Hirschi

(1990). Ou seja, supor que processos de socialização são a única causa da motivação para o

crime não parece consistente se considerarmos os dados empíricos disponíveis. Por outro

lado, descrever o criminoso como um ser intrinsecamente destituído de autocontrole é

também inadequado. Afinal de contas, membros de gangue são capazes de planejar ações

futuras e de agir de acordo com objetivos coletivamente estabelecidos.

91
3.3 - Escolha racional, sociologia e crime

Outro conjunto de críticas que dá importância à consideração da dimensão da

individual da ação pode ser encontrado nos trabalhos de Wilson (1985) e Wilson e

Herrnstein (1985). No primeiro, o objetivo é submeter as teorias estruturais e subculturais a

um julgamento que questiona a sua utilidade para formulação de políticas públicas de

controle do crime. Quanto à crítica mais geral das teorias macrossociológicas do crime, há

uma diferença importante em relação ao trabalho de Gottfredson e Hirschi. No caso de

Wilson e Herrnstein, é reconhecida, em alguma medida, a importância das teorias

estruturais. Elas dariam conta de aspectos importantes da explicação do crime, mas de

qualquer forma, se encontrariam severamente limitadas por não considerar as variáveis

individuais. Não responderiam à velha pergunta de por que algumas pessoas, em um

mesmo ambiente social, cometem crimes e outras não. Essa resposta só é possível por meio

da consideração e da análise da ação individual. Essa abordagem, inclusive, é bastante

coerente com a descrição do comportamento da gangue e de seus membros feita por

Jankowski.

Wilson e Herrnstein (1985) utilizam uma variação da teoria da escolha racional para

balizar um esforço de avaliação e organização do conhecimento produzido pelas

abordagens sociológicas do problema do crime.

Iniciam, então, com a premissa de que as pessoas escolhem, entre alternativas, um

curso preferido de ação. Não faz parte da premissa a necessidade de que se faça uma

deliberação consciente sobre a melhor alternativa. O que se supõe é que a ação é

determinada pelas conseqüências. Os autores advertem que afirmar que um indivíduo

escolhe o que prefere seria apenas uma tautologia, a menos que se identifiquem claramente

os custos e benefícios envolvidos na escolha e o padrão de avaliação utilizado (Wilson e


Herrnstein, 1985, p.43).

92
Considerando uma situação em que um indivíduo se encontra diante de uma escolha

entre cometer ou não um crime, é possível constatar que, independentemente da alternativa

escolhida, apresentar-se-ão prêmios e punições, custos e benefícios. Com isso, Wilson e

Herrnstein formulam a hipótese que servirá de base para toda a discussão subseqüente:

“The larger the ratio of the net rewards of crime to the net rewards of noncrime, the

greater the tendency to commit the crime”(1985, p.44). Entre os benefícios líquidos do

crime inclui-se não só um possível ganho material, mas também benefícios intangíveis

como uma satisfação emocional ou sexual, a aprovação dos pares, a solução de uma

diferença antiga com um inimigo ou a realização de alguma necessidade de justiça.

Segundo os autores, deve-se deduzir desses ganhos qualquer custo que se apresente

imediatamente, que seja contemporâneo ao crime. Ou seja, dores de consciência,

desaprovação de espectadores ou retaliação da vítima ou vítimas.

No caso do não-crime, todos os benefícios se encontram no futuro. Com o não-

crime, o indivíduo pode evitar o risco de ser preso e punido pelo sistema de justiça

criminal. Pode também evitar sanções sociais mais ou menos informais, como a

desaprovação dos outros significativos, a perda da reputação ou, se conhecido como

criminoso, a dificuldade de conseguir emprego.

Com esse modelo os autores pretendem conciliar todo o conhecimento produzido

pela criminologia. Torna-se possível examinar as teorias sociológicas do crime levando-se

em conta exatamente o que elas deixam de lado: as diferenças individuais. A dor de

consciência, a aprovação dos pares, algum senso de injustiça podem aumentar ou diminuir

o valor do crime. Por outro lado, a boa opinião da família, dos amigos e do patrão, e a

segurança contra punições podem ser benefícios relacionados ao não-crime. Contudo,

mesmo quando essas variáveis se mantêm constantes, deve-se levar em conta que

indivíduos diferentes avaliam de maneira diferente os dados apresentados pela realidade.


Uma pessoa que mais impulsiva pode fazer uma avaliação imprecisa do futuro, pode

93
subestimar a dor de consciência posterior ao ato ou o peso que a desaprovação da família

representaria. Vale notar que Wilson e Herrnstein não deixam de se preocupar com o

problema da criminalidade, isto é, com o que diferencia os criminosos dos não criminosos.

As teorias estruturais e subculturais, na medida em que se apegam ao poder

explicativo de variáveis sociológicas, deixariam de lado as diferenças individuais que são

importantes na escolha do crime ou do não-crime. A “strain theory” mertoniana, por

exemplo, seria importante na medida em que mostra como a falta de benefícios do não-

crime, falta de acesso a profissões afluentes, por exemplo, é um fator que pode levar à

escolha do crime. No entanto, é parcial porque não considera todos os possíveis prêmios do

crime e do não-crime. Entre os benefícios do não-crime estaria não só a capacidade de obter

ou manter um emprego, mas, também, o afastamento da possibilidade de punição. Assim, o

crime pode se tornar uma escolha interessante não só pela ausência de empregos, mas,

também, porque a severidade e a certeza das penas diminuíram. Quanto ao valor do crime,

ele não se restringe ao ganho material ou ao status obtido, fazem parte do cálculo os custos

de uma possível dor de consciência e os benefícios de se estar resolvendo algum tipo de

desigualdade. Além disso, as pessoas são diferentes quanto ao grau de impulsividade que

apresentam. A perspectiva do desvio cultural, de Walter Miller, enfatiza, por sua vez, os

processos de aprendizado e de socialização que fazem com que as pessoas pratiquem

crimes. Nesse caso, os valores aprendidos são aqueles presentes nas comunidades de classe

baixa e que entram em choque com os valores da sociedade abrangente. No entanto, não se

explica porque algumas pessoas escolhem a participação em gangues enquanto outras são

influenciadas pela família ou por membros não desviantes da comunidade.

Segundo Wilson e Herrnstein, há uma supervalorização da influência de fatores

estruturais ou culturais e da importância do grupo social na explicação do comportamento

criminoso. Criminosos apresentariam tendências para o comportamento desviante muito


antes de entrar no mercado de trabalho ou de desenvolver laços de amizade com outros

94
jovens. Além disso, adolescentes pouco inclinados à conformidade associam-se com outros

na mesma condição sem desenvolver fortes laços de solidariedade ou lealdade por causa de

uma incapacidade social generalizada. Na medida em que se associam a gangues, cometem

mais ofensas do que seriam capazes sozinhos. A própria organização seria responsável por

isso. O importante é que, na medida em que a gangue atrai pessoas previamente dispostas a

praticar crimes – e promove estratégias que aproveitam essa disposição –, não é necessário

que consiga tal resultado por meio de processos de socialização. De fato, o recrutamento

seletivo e o controle sobre o comportamento dos membros podem ser fatores mais

importantes do que o aprendizado de valores sócio-culturais que levariam ao crime.

É interessante notar que nessa abordagem o crime pode ser uma opção racional. A

posição que o indivíduo ocupa na estrutura social pode fazer com que o crime seja uma

alternativa pertinente. Se os empregos disponíveis são ruins e remuneram mal, o indivíduo

pode preferir atividades que, mesmo que não impliquem ascensão social ou vantagens

materiais significativas, exigiriam menos disciplina e proporcionariam mais prazer. Como

escreve Wilson (1985, p.25), um jovem racional, em determinadas circunstâncias, pode

entender que é muito mais interessante roubar carros do que lavá-los. Caso o indivíduo

perceba que as chances de ser punido são pequenas, a alternativa fica ainda mais

interessante. Se o indivíduo vive em um ambiente onde a alternativa criminosa se faz

presente por meio de gangues de rua ou de criminosos mais velhos que podem usar os

serviços de adolescentes ou, ainda, por meio de uma cultura que não avalia negativamente

os atos de delinqüência, obviamente terá maiores chances de escolher a alternativa

criminosa.

Deve ser ressaltado que o fato de existir uma cultura (ou subcultura) que suporta

atos de delinqüência não implica, necessariamente, que o crime seja transmitido por

processos de socialização ou aprendizado social. Muito menos que essas culturas


apresentem uma grande unidade e harmonia em relação a valores e normas de conduta. O

95
importante é que, entre várias alternativas de comportamento possíveis, a delinqüência e o

crime apareçam com relativo destaque. Alguns indivíduos, por causa de predisposições

psicológicas ou constitucionais, serão atraídos para o crime de maneira mais intensa.

Conclui-se que o ambiente é importante, mas as relações com o ambiente variam de um

indivíduo para outro.

Um aspecto que compromete o modelo construído por Wilson e Herrnstein é a

utilização intensa de variáveis psicológicas na busca da compreensão do comportamento

criminoso. Com o objetivo de construir um modelo que dê conta de todas as dimensões do

fenômeno do crime, procuram combinar variáveis as sociológicas com as variáveis

psicológicas. Assim, um certo tipo de personalidade, combinado com um ambiente social

provido de certas características, poderia levar à escolha do crime. A questão é que, ao

aprofundar na análise da dimensão psicológica do comportamento criminoso, acabam por

construir uma teoria que é tão abrangente e detalhada que perde seu potencial analítico. Os

próprios autores admitem que aquilo que apresentam é mais uma perspectiva que organiza

o conhecimento da criminologia do que uma teoria testável (Wilson e Herrnstein, 1985,

66). Uma perspectiva que não seria empiricamente verificável exatamente por ser muito

ampla. Seria impossível elaborar um teste que pudesse verificar, de uma só vez, todas as

suas dimensões. Acredito que a origem do problema encontra-se no entendimento de que a

consideração da ação individual e da escolha racional passaria, necessariamente, pela

análise da psicologia individual do ator. Estamos, mais uma vez, diante da obsessão

positivista pelo entendimento da criminalidade, isto é, do que diferencia os criminosos dos

não criminosos. Outras abordagens, como a de Jankowski (“defiant character”), de Cohen

e Machalek (1988, 1994) e Cohen e Felson (1979) consideram a dimensão individual da

ação sem recorrer à análise da psicologia individual. Estes autores demonstram que o

entendimento da motivação individual para o crime não é a tarefa mais importante em

96
relação à compreensão do fenômeno. O que parece ser mais apropriado quando se pretende

fazer uma sociologia do crime.

97
4 - TEORIA SOCIOLÓGICA, POLÍTICAS PÚBLICAS E CRIME

Depois de discutir as teorias estruturais e subculturais do ponto de vista da escolha

racional e da ação individual, analiso as alternativas de intervenção, as políticas públicas de

controle do crime e da delinqüência, fundamentadas na concepção de que estes problemas

são causados primordialmente por fatores sociais. Dado que as críticas das teorias

estruturais e subculturais são feitas a partir de abordagens individualistas, trato em seguida

das estratégias de intervenção apresentadas por estas abordagens.

4.1 – Perspectivas estruturais e subculturais e o controle do crime

De fato, a exigência de produzir um conhecimento diretamente aplicável na prática

não é necessária. Mais ainda no caso das perspectivas que foram resumidas na primeira

seção do quarto capítulo. Como foi dito, tais perspectivas são, em boa medida, herdeiras de

Durkheim. Esse autor, quando estudou o problema do crime e do desvio, não se preocupava

especificamente com esses problemas. Como escreve Paixão (s.d.), o crime e o desvio nos

estudos de Durkheim são pretextos para a “demonstração do método funcional” e para a


“explicação da teoria da solidariedade”. Isto é, são meios utilizados para o desenvolvimento

da teoria sociológica tomada em termos mais amplos.

No caso dos autores que foram tratados anteriormente, é evidente que há uma

preocupação clara com a explicação do problema social do crime. Não usam o fenômeno

como pretexto para analisar outras dimensões da realidade social. Mais: não ocupam uma

posição privilegiada em seus estudos as implicações práticas das explicações que propõem.

Não há uma necessidade intrínseca de que tais teorias levem a proposições de políticas

públicas. O estudo das causas do crime, ou de qualquer outro

98
fenômeno social, é legítimo em si mesmo. Por outro lado, a partir do momento em que o

crime é visto não só como um problema social que provoca prejuízos sociais e individuais,

mas como um problema público, surgem demandas para que os cientistas sociais

envolvidos com o problema (percebidos como proprietários e responsáveis causais, usando

os termos de Gusfield) apresentem soluções, que apontem diretrizes para a ação. Além

disto, pode-se discutir se as soluções e diretrizes apresentadas são adequadas e eficazes.

Como mostra James Wilson (1985), a partir da década de 60, o governo dos Estados

Unidos, pressionado pelo crescimento das taxas de criminalidade, procura formular

políticas mais consistentes de controle do crime. Entende-se que é o caso de reunir os

“experts” no assunto, isto é, criminólogos e sociólogos que se dedicam ao problema.

Wilson faz um longo exame dos tipos de elaboração teórica presentes nos trabalhos

publicados nos anos 60 sobre crime e delinqüência (inclusive “Delinquency and

Opportunity” de Cloward e Ohlin). Seu objetivo é demonstrar o inevitável fracasso, ou a

impossibilidade, de políticas efetivas a partir de teorias “sociológicas” do crime e da

delinqüência. É importante considerar essas críticas porque são feitas a partir de um exame

do modelo sociológico de explicação do crime que questiona os pressupostos fundamentais

que se baseiam essas explicações. Embora o alvo seja a incapacidade das teorias em

produzir um conhecimento aplicável, parte-se da idéia de que o problema começa na

maneira como é tratada a dimensão individual (escolha) do comportamento e na busca das

causas profundas (sociológicas) do comportamento criminoso.

Para Wilson, a escola positivista se caracteriza por rejeitar explicações que

entendem a ação humana como resultado da escolha individual. O pressuposto básico é o

de que o comportamento é determinado por causas que independem da vontade individual.

O comportamento criminoso, nas teorias positivistas modernas, seria algo determinado

socialmente, culturalmente ou por um tipo de estrutura social de modo que

99
seria impossível, ou muito difícil, resistir. Fatores sociais e sociológicos fazem com que o

indivíduo aja de determinada maneira, não sobraria muito espaço para a escolha individual

(Wilson, 1985, p.43).

Procura-se identificar quais são os fatores e/ou processos responsáveis pela

determinação do comportamento criminoso. A falta de acesso aos meios legítimos, a

organização social das subculturas de delinqüência e os processos de transmissão de valores

desviantes seriam os responsáveis por esse comportamento. A partir da hipótese de que

esses elementos exercem uma pressão definitiva sobre o tipo de comportamento

apresentado, que o indivíduo não escolhe livremente, tanto do ponto de vista da eficácia,

como do ponto de vista ético, são esses elementos que devem ser atacados no para que se

reduzam as taxas de criminalidade. Ou seja, só se reduz o crime atacando as suas causas

(estruturais e sociais), aquelas que determinam o comportamento dos criminosos.

Segundo Wilson, essa concepção teórica seria responsável pela falha dos sociólogos

positivistas em elaborar políticas eficazes de controle do crime. O ponto é que a análise

causal busca encontrar a origem do comportamento humano naqueles fatores que não são,

eles mesmos, causados (variáveis independentes). Algo não pode ser causa de alguma coisa

se é, por sua vez, causado. Seria, nesse caso, uma variável interveniente. O ponto central da

argumentação de Wilson aparece: “causas últimas não podem ser objeto de políticas

precisamente porque sendo últimas dificilmente podem ser mudadas” (1985, 46).

O autor continua sua argumentação afirmando que nem toda causa primária é

imutável, mas a descoberta de causas primárias não significa que a crime não envolva

nenhum elemento de escolha individual, que fatores estruturais e culturais seriam

suficientes para a sua explicação. O autor usa como exemplo a frustração

100
pelo fraco desempenho na escola. Se essa frustração contribui para o crime, reduzir os

índices de repetência ou desistência poderia levar a uma redução da taxa de crimes. No

entanto, nem todos que apresentam fraco desempenho escolar tornam-se criminosos (nem

todos desempregados, nem todos que moram em favelas, etc.). Por isto, não pode ser dito

que a falha na escola determina o comportamento criminoso. Não há, escreve Wilson,

evidências que indiquem como opção o abandono da visão de que o comportamento, em

alguma medida, é livremente escolhido. Se a escola estivesse, de alguma maneira, entre as

causas determinantes do crime, a análise causal poderia ajudar diretamente os analistas de

políticas, mostrando uma possível oportunidade de mudança. “But the more we understand

the causes of crime, the more we are drawn into a complex and subtle world of attitudes,

predispositions and beliefs, a world in which planned intervention is exceptionally

difficult” (Wilson, 1985, 47). Segundo o autor, no caso das escolas, o “policy maker”

descobrirá que melhorar o desempenho é muito mais que construir melhores instalações e

contratar melhores professores. Instituições podem mudar, mas as mudanças são o

resultado de lentos e complexos processos sociais, conclui.

Segundo Wilson, é a falha em entender esse ponto que faz com que muitos “homens

de Estado”, cientistas e cidadãos cometam a falácia causal. Isto é, acreditar que nenhum

problema será tratado de forma adequada enquanto suas causas não forem eliminadas.

Sociólogos ligados à tradição positivista estariam entre aqueles que cometem a falácia

causal na medida em que pretendem, através de seus estudos, estabelecer um conhecimento

irrefutável sobre as causas do crime para só então eliminá-las. Esse tipo de atitude estaria

em contradição com as próprias teorias propostas. No sentido da argumentação subcultural,

por exemplo, afirma-se que indivíduos cometem crimes quando fazem parte de grupos que

definem o comportamento criminoso como desejável ou adequado. A implicação dessa

concepção, do ponto de vista da análise de políticas públicas, é que as comunidades locais


devem usar a escola, a igreja, a polícia e outras agências para modificar os valores dos

101
grupos nos quais o crime é visto como um comportamento desejável. No entanto, adverte

Wilson, os autores não apontam nenhuma forma concreta de como essa modificação pode

ser alcançada. Mais: os próprios autores reconhecem a força e a persistência de laços

familiares e de amizade. Na verdade, o que acontece é que identificando em processos

sociais “naturais” de formação de atitude a causa do crime os autores tornam difícil a

criação de planos de ação efetivos. Transformar, de modo planejado, normas e valores que

se desenvolveram naturalmente é tarefa difícil, não é possível um controle total da situação,

resultados não-esperados podem ocorrer. Se um grupo se organiza segundo valores de

classe baixa, como em Miller, ou se seus membros apresentam um “defiant character”,

como mostra Jankowski, a ação de instituições como igreja, escola e polícia pode ser

avaliada negativamente. Pode ser, inclusive, uma justificativa para comportamentos

“rebeldes”.

A abordagem das oportunidades diferenciais entende que os indivíduos ocupam

uma posição tanto na estrutura de oportunidades legítimas como na de ilegítimas. Um

indivíduo que tem oportunidades restritas na estrutura legítima pode ocupar uma posição

privilegiada na estrutura ilegítima, desde que participe de um ambiente onde é possível

aprender e desenvolver valores e habilidades referentes ao comportamento criminoso ou

delinqüente. O ator não escolhe entre alternativas de ação, mas é socializado de uma

maneira ou de outra. Embora discuta as adaptações individuais, a perspectiva das

oportunidades diferenciais, por meio do conceito de subcultura, recoloca a explicação do

crime em termos de determinação sócio-cultural. Com isso, afirma Wilson, perde-se a

possibilidade de analisar a relação de custos e benefícios que estaria colocada para um

agente que deve escolher entre a via legítima ou a ilegítima. Não seria possível saber, no

caso de formular uma política de controle do

102
crime, se o mais interessante é aumentar os benefícios da via legítima ou os custos da

ilegítima. Concentrando-se nos processos de formação de atitude, que seriam os causadores

do crime, estreitam-se as possibilidades de conhecimento e manipulação do processo de

escolha do agente. Além do mais, como foi discutido acima, a importância dos processos de

formação de atitude, via socialização, é seriamente questionada por autores como

Gottfredson e Hirschi (1990), Wilson e Herrnstein (1985) e Jankowski (1991). A partir das

críticas destes autores, torna-se clara a importância da consideração da escolha individual

na explicação do crime. Isto é, não existem indicações claras que seja interessante

desprezar essa dimensão.

Para a análise de políticas as questões são outras. Não se pergunta qual é a causa de

um fenômeno, mas qual estado se quer atingir, qual tipo de evidência pode informar se o

estado foi atingido e quais são os instrumentos de intervenção disponíveis que podem

produzir o estado desejado a um custo razoável. O governo, escreve Wilson, tem à sua

disposição alguns instrumentos, não muitos. Pode distribuir renda, estimular a oferta de

empregos, contratar assistentes sociais, contratar vigilantes, construir instalações para

detenção, iluminar vias públicas, alterar o preço de drogas e álcool, fazer com que pessoas

instalem alarmes e dispositivos de segurança. Esses instrumentos podem afetar os riscos do

crime, os benefícios das ocupações não-criminosas, o acesso a objetos que podem ser

roubados, e (em alguns casos) o estado mental de criminosos ou candidatos ao crime, não

mais como objetivo inicial das políticas, mas como um subproduto resultante da

manutenção da lei e da ordem através da manipulação das condições objetivas.

A análise de políticas, ao colocar em primeiro plano as implicações do

conhecimento produzido para as alternativas de controle do crime, dá grande importância

às possibilidades de manipulação de condições objetivas (como as mencionadas acima),

não por uma crença no fato de que tais manipulações atingem as “causas do crime”, mas
pela consciência de que o comportamento é mais manipulável que a atitude. E,

103
principalmente, porque os instrumentos que a sociedade tem à disposição para alterar

comportamentos em curto prazo exigem a suposição de que as pessoas agem de acordo com

as suas percepções sobre os custos e benefícios de cursos alternativos de ação e que levam

em conta oportunidades e constrangimentos.

Segundo Wilson, o criminólogo entende que as causas do crime dizem respeito a

atitudes que são socialmente constituídas. Essa suposição, mesmo sendo teoricamente bem

fundamentada, dificilmente se traduziria em ações concretas eficientes. Como foi dito,

causas últimas dificilmente são modificadas. Atitudes formadas naturalmente por

complexos processos sociais não são facilmente mudadas por planejamento. Por outro lado,

o analista de políticas assume que o crime é resultado da escolha racional do ator. Parte de

uma perspectiva essencialmente prática, independentemente de uma fundamentação teórica

irrefutável, analisa o crime como se fosse resultado da livre escolha do agente. A idéia é

que “the radical individualism of Bentham and Beccaria may be scientifically questionable

but prudentially necessary” (Wilson, 1985, 51).

A análise de dados sobre as variações das taxas de crime reforça essa posição.

Questiona, inclusive, a força causal que variáveis sócio-econômicas poderiam ter. Torna-se

claro que tratar o crime como se fosse resultado da escolha individual não é uma opção

destituída de fundamentos empíricos.

A partir das teorias estruturais e subculturais apresentadas, formula-se a idéia de que

há uma relação de causalidade entre criminalidade e pobreza ou marginalidade social. A

delinqüência pode ser resultado de preocupações focais de classe baixa, de uma subcultura

que avalia positivamente atitudes agressivas ou delinqüentes ou do acesso diferenciado a

oportunidades legítimas e ilegítimas. Em decorrência, entende-se que esses fatores devem

ser atacados para se reduzir o crime. Levar as agências do Estado ou da comunidade até os

setores marginalizados da sociedade, distribuir renda, aumentar a oferta de empregos e


promover políticas contra a miséria. No primeiro caso, temos os problemas

104
mencionados de construir ou modificar valores sociais através de ações intencionais e

planejadas. No segundo, temos que levar em conta a dimensão da escolha individual: se o

crime não é estratégia de sobrevivência para a maioria dos pobres, outros elementos, como

a escolha individual, estariam em jogo. Nesse caso, políticas distributivas não seriam

plenamente eficazes. Além do mais, mesmo em um caso específico onde o crime fosse

estratégia de sobrevivência adotada por pobres e desempregados, aumentar a oferta de

empregos pode não dar os resultados esperados (a opção pela via legítima). Em uma

situação onde são aumentados os benefícios do não-crime, mas os custos do crime

permanecem inalterados (se os riscos de punição são pequenos, por exemplo) pode não

haver opção pela via legítima. Particularmente se temos um ator racional calculando os

custos e os benefícios envolvidos em cada uma de suas alternativas.

Wilson (1985) mostra que nos anos sessenta, apesar de uma melhora em diversos

indicadores sociais como níveis de pobreza, qualidade das habitações, freqüência à escola e

da implementação de diversos programas comunitários de apoio a delinqüentes e jovens

problemáticos, a criminalidade aumentou nos Estados Unidos. Criou-se uma situação

paradoxal. De acordo com a abordagem distributiva, o crime deveria diminuir na medida

em que os indicadores sociais melhorassem. Por que, então, o aumento das taxas? Uma

explicação do aumento da criminalidade e delinqüência nos Estados Unidos durante os anos

sessenta, apesar da prosperidade, é o grande aumento da natalidade ocorrido logo após a

segunda guerra mundial. Nos anos de 1962 e 1963, as crianças nascidas em 1946 estavam

atingindo 16 e 17 anos, respectivamente. Faixa etária sobre-representada na população

criminosa. Fato que por si só questiona a relação de causalidade simples entre pobreza e

criminalidade.

Mas a idade não explica tudo. Enquanto o número de pessoas com idades entre 16 e

29 anos cresceu 32% no distrito de Colúmbia entre 1960 e 1970, os problemas sociais
aumentaram muito mais. A taxa de crimes sérios aumentou mais de 400%,

105
taxas de assistência mais de 200%, desemprego mais de 100%, abuso de heroína mais de

1.000%. A interpretação desses dados, feita por Wilson, revela que o crescimento do

número de jovens teria um efeito exponencial sobre as taxas de certos problemas sociais.

Haveria uma “massa crítica” de jovens que quando atingiu certo número desenvolveu uma

reação em cadeia auto-sustentada que levou ao explosivo aumento do crime e outros

problemas sociais. “What had once been relatively isolated and furtive acts (copping a fix,

stealing a TV) became widespread and group-supported activities”(Wilson, 1985, 24).

Além disto, justamente nesse momento crítico, os mecanismos institucionais que

poderiam processar esses problemas em condições rotineiras foram superados, quando não

entraram em colapso tão intenso que quase pararam de funcionar. A força dissuasória da

polícia e dos tribunais, que não era grande em períodos normais, diminuiu. Não apenas

relativamente, mas em termos absolutos. O aumento do crime produziu um menos-que-

proporcional aumento em detenções. As detenções produziram um menos-que-proporcional

aumento em penas. Segundo Wilson, se a disponibilidade e o valor das ocupações legítimas

decresce (o que estaria acontecendo por causa de uma explosão do número de jovens em

idade de ingressar no mercado de trabalho) ao mesmo tempo em que o custo das atividades

ilegítimas cai, a escolha do crime se torna muito mais provável.

Uma situação semelhante é descrita por Edmundo Campos Coelho (1988).

Analisando dados sobre a criminalidade violenta no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo

Horizonte (décadas de 1970 e 1980), o autor mostra que, mesmo havendo alguma relação

entre as curvas da criminalidade e períodos de recessão e desemprego, não se pode afirmar

que variações no âmbito da economia respondem exclusivamente pelas variações da

criminalidade, “as correlações são geralmente baixas e nunca suficientes para atribuir a

tais variáveis independentes impacto significativo sobre os níveis de

106
criminalidade” (Coelho, 1988, 151). No início dos anos 80, por exemplo, quando a

recessão era mais forte, houve queda nas taxas de criminalidade no Rio de janeiro e em São

Paulo. Por outro lado, comparando as variações das taxas de criminalidade com

investimentos em segurança pública, efetivo policial nas ruas e concessão de portes de

arma, encontra-se uma relação muito mais significativa. Quando os investimentos em

segurança e o policiamento diminuem, aumentam as taxas de crime. Temos a mesma

situação descrita por Wilson. Em um mesmo período, caem os benefícios da via legítima,

na medida em que o desemprego é alto e os salários são baixos, e diminuem-se os custos da

via ilegítima, na medida em que há menos policiais nas ruas, menos patrulhamentos

ostensivos, etc. Acrescentando-se à situação um sistema judiciário falido, que faz do crime

um empreendimento bastante viável, explica-se o aumento das taxas. Ou seja, variáveis

sócio-econômicas não são determinantes exclusivas da escolha do crime (por um lado, as

correlações são estatisticamente fracas; por outro, nem todos numa mesma situação sócio-

econômica apresentam o mesmo comportamento), é importante analisar outras variáveis

(de dissuasão) que explicariam as escolhas individuais. O fato é que um ator racional leva

em conta não só suas possibilidades no mercado formal, mas os custos e benefícios

relativos a uma opção pela via ilegítima. A situação se torna mais complexa quando

pensamos que não há uma necessidade de que a opção entre via legítima ou ilegítima se

excluam mutuamente.

Vinícius Caldeira Brant (1994) mostra como a imagem do criminoso como uma

pessoa de baixa escolaridade ou analfabeta, cronicamente desempregada e migrante é

equivocada. Por meio de um survey realizado nos presídios de São Paulo, o autor mostra

que há pouca diferença entre a população prisional e a população em geral quanto ao local

de nascimento, à escolaridade e ao trabalho. As taxas de analfabetismo são, inclusive,

menores entre a população presa do que entre a população em geral. Quanto ao desemprego
crônico, apenas 1% dos presos no estado de São Paulo nunca trabalharam.

107
Não é verdade, também, que o criminoso preso é alguém “que não pára em emprego”, em

média, a população prisional permaneceu por três anos e meio em uma ocupação, 60%

tiveram, no máximo, três ocupações anteriores. Além disso, “dos 45% que estavam

desempregados no momento da prisão, 37% haviam perdido o emprego a seis meses ou

menos, isto é, faziam parte da População Economicamente Ativa à procura de emprego...”

(Brant, 1994, p.79). Enfim, o que mais diferencia os trabalhadores soltos e presos, segundo

Brant, pelo menos no caso do perfil sócio-econômico, é o fato de uns estarem fora e outros

dentro dos estabelecimentos penais. O que fica claro é que não se pode afirmar que a

pobreza ou a marginalidade social sejam causas determinantes do comportamento

criminoso. Políticas distributivas visando uma melhor distribuição de renda, o aumento da

oferta de empregos ou a erradicação do analfabetismo tendem a ser ineficazes. Teriam

eficácia apenas se a ausência de oportunidades de emprego, de educação formal ou de

renda levasse inequivocamente indivíduos a praticarem crimes. Ou porque a pobreza e a

falta de condições de competir no mercado de trabalho fariam do crime uma estratégia de

sobrevivência, ou porque a marginalidade social levaria à constituição de subculturas com

valores diferenciados muito disseminados.

Como já foi discutido, não há bases empíricas que sustentem a suposição de um

indivíduo socializado para o crime de uma vez por todas. Seria mais apropriado pensar em

um ator racional que parte de uma avaliação do ambiente, ainda que não plenamente

consciente, e escolhe entre alternativas de ação. Mais: os dados mostram esse ator racional

leva em conta outras dimensões da realidade quando escolhe a via criminosa. Como já foi

mencionado, os benefícios líquidos do crime envolvem não só o ganho material, mas

benefícios intangíveis como realização emocional ou sexual, aprovação de colegas ou

satisfação de algum senso de justiça. Os custos estão relacionados com a possibilidade de

sanção informal ou punição aplicada pelo sistema de justiça. O cálculo

108
de custos e benefícios inclui não só o valor (não apenas o material) das ocupações

legítimas, mas também das ilegítimas. Isto é, não se leva em conta apenas se há ou não

possibilidades de ascensão social através dos empregos legítimos disponíveis, mas também

os riscos de punição relativos à via ilegítima. Se roubar carros é uma atividade muito

arriscada, o jovem racional pode preferir lavá-los.

4.2 – Teoria do autocontrole e controle do crime

Com isso coloca-se a necessidade de revisão das políticas de controle do crime.

Políticas distributivas, indicadas a partir dos diagnósticos apresentados pelas teorias

estruturais e subculturais, são criticadas tanto por autores como Gottfredson e Hirschi

(1993) e Wilson (1985). Para os primeiros, partindo da idéia já apresentada de que a causa

fundamental do desvio, do crime e da delinqüência é o baixo autocontrole, políticas

distributivas são ineficazes. Indivíduos não optam pelo crime por causa da falta de acesso

aos meios legítimos. A dificuldade de conseguir e manter empregos tem a mesma causa que

o crime. Aumentar a oferta de empregos não teria nenhum efeito sobre indivíduos que

apresentam dificuldades ou indisposição para atividades disciplinadas e que exigem

planejamento de longo prazo ou o adiamento de satisfações imediatas. A reabilitação de

criminosos e delinqüentes também não seria eficaz. Um tipo de personalidade desenvolvido

desde a infância não pode ser mudado através de processos de ressocialização. O próprio

fato de o indivíduo ser avesso à disciplina e ao comportamento controlado impede que os

processos de ressocialização funcionem. O baixo autocontrole, uma vez presente, se

mantém na medida em que impede qualquer iniciativa de transformação. Uma alternativa

aparentemente interessante seria a incapacitação seletiva. É interessante porque os dados


mostram que existe um “hardcore” de criminosos e delinqüentes responsável pela maior

109
parte dos crimes. Em um estudo conduzido por Wolfgang, Figlio e Sellin35, de 1972, que

acompanhou jovens da Filadélfia que teriam cometido 10.214 ofensas, descobriu-se que

apenas um sexto desses jovens seriam responsáveis por mais da metade das ofensas. Assim,

seria interessante concentrar as estratégias de encarceramento nesse núcleo de criminosos

crônicos. No entanto, segundo Gottfredson e Hirschi, as técnicas que permitem prever taxas

individuais de crime são ineficientes. Surge um problema não só técnico, mas também

ético: como decidir sobre quem deveria ser objeto de penas especialmente duras, de

incapacitação, a partir de uma expectativa de comportamento que pode não ser exata? Para

saber, com certeza, se uma expectativa é correta, seria preciso esperar que os prováveis

criminosos crônicos cometessem crimes em altas taxas. Mas, assim, perde-se o sentido da

estratégia de incapacitação seletiva. As únicas formas eficazes de se controlar o crime, a

partir da teoria do autocontrole, se relacionam com o controle das oportunidades para o

crime e com mudanças nos métodos de educação de crianças.

No primeiro caso, concentra-se no curto-prazo. Admite-se a existência de um

conjunto de indivíduos dispostos ao comportamento criminoso. O que se pode fazer é

impedir que oportunidades para o crime existam. Estratégias de policiamento seriam

ineficazes na medida em que criminosos não desistem de um empreendimento porque

podem estar sendo observados pela polícia, pelo menos os que apresentam um baixíssimo

nível de autocontrole. A polícia normalmente responde ao crime, age depois que o crime foi

cometido. Teria um efeito limitado no sentido da prevenção. Interceptaria criminosos

particularmente incapazes de agir de forma orientada. Mas essa alternativa é limitada. O

problema dessa abordagem é que ela é contaminada pela idéia de que o criminoso é,

necessariamente, alguém que apresenta baixo autocontrole. Como foi mencionado

anteriormente, o criminoso de baixo autocontrole é, por definição, incapaz de uma ação

racional orientada. Mas como mostram os trabalhos de Jankowski (1991) e, especialmente,

35
Wolfgang, M., Figlio, R., e Sellin, T. (1972) Delinquency in a birth cohort. Chicago, University of Chicago
Press.

110
o de Vinícius Caldeira Brant (1994) não parece ser consistente essa idéia de que o

criminoso é um desempregado crônico, analfabeto e completamente incapaz de manter um

comportamento orientado por perspectivas de longo-prazo. De qualquer forma, de acordo

com Gottfredson e Hirschi, resta, no curto-prazo, a alternativa limitada de dificultar o

acesso ou a existência de possíveis alvos (carros com a chave na ignição, casas abertas).

Para a teoria do autocontrole, a alternativa realmente eficaz seria transformar os

métodos de educação das crianças usados pelas famílias. Segundo os autores, o baixo

autocontrole aparece nos primeiros seis ou oito anos de vida. Quando as crianças estão sob

a supervisão da família. Mudar métodos educacionais das escolas não seria suficiente. Uma

criança que desenvolveu o baixo autocontrole nos primeiros oito anos de vida teria,

independentemente de métodos mais ou menos adequados, dificuldades com a escola.

Portanto, as políticas destinadas a criar mecanismos de supervisão adequados ao

desenvolvimento do autocontrole devem se concentrar no que pode ser feito em relação a

famílias. Só assim seria possível uma redução efetiva da criminalidade. No entanto, os

autores não oferecem nenhuma alternativa concreta de como isso pode ser feito. E se

pensamos nas críticas de Wilson (1985) às políticas de intervenção em grupos

marginalizados, no sentido de transformar valores naturalmente desenvolvidos, concluímos

que as tentativas de “ensinar” pais a educarem os seus filhos podem não ser produtivas.

Como escreve Wilson, podemos identificar uma família que dá uma boa educação a seus

filhos, podemos, inclusive, imaginar uma família sendo orientada por um competente

conselheiro e se transformando, mas é difícil imaginar o governo promovendo políticas

destinadas a restaurar a afeição, a estabilidade e a disciplina para inúmeras famílias que não

têm essas características (Wilson, 1985, 45). Ainda mais quando supomos que pais que não

se preocupam em incutir o autocontrole em seus filhos são também, muito provavelmente,

vítimas desse mal.

111
4.3 – Teoria da escolha racional e controle do crime

As sugestões de políticas de controle do crime apresentadas por Wilson (1985)

acompanham um modelo teórico que supõe que o criminoso age racionalmente. Quando se

supõe que o criminoso calcula as chances de ser detido, a importância da polícia e do

judiciário como forças dissuasórias pode ser avaliada com maior acuidade. Existem

criminosos que apresentam maiores ou menores dificuldades de descontar o futuro, de

prever as conseqüências de seus atos; existem aqueles que mesmo numa situação muito

arriscada são incapazes de controlar os impulsos. Mas são possibilidades a serem

verificadas empiricamente, o criminoso não é incapaz de agir de forma racional por

definição.

Wilson examina a dissuasão, a incapacitação e a reabilitação como estratégias de

redução das taxas de crime. Entender a dissuasão apenas como um fator que reduz o crime

na medida em que aumenta seus custos, evitando que candidatos ao crime optem por esse

comportamento, seria um modo de limitar as possibilidades de análise. Embora esse seja o

sentido usual do termo, é importante levar em conta que o aumento dos benefícios do não-

crime (oferta de empregos, por exemplo) pode fazer com que pessoas que estejam em uma

situação limite, podendo optar pela via legítima ou ilegítima, decidam-se pela via legítima.

De um lado, a manipulação dos custos do crime tenta impedir a adesão do indivíduo à via

ilegítima, de outro, a manipulação dos benefícios do não-crime tenta atraí-lo para a via

legítima. A questão, escreve Wilson, é que uma mesma concepção da natureza humana está

por trás das duas formas de ver o problema: pessoas escolhem racionalmente entre cursos

alternativos de ação a partir do cálculo dos custos e benefícios ligados a cada alternativa. E

não há motivo para tratar separadamente os dois lados do problema, pelo contrário, é mais

produtivo fazer uma análise conjunta desses fatores. São dois lados de uma mesma
estratégia de combate ao crime. As teorias estruturais, tratadas acima, apresentam

112
dificuldades em relação a esse problema porque desprezam a dimensão da ação individual,

apesar de mencionarem as adaptações individuais, e com isso não conseguem avaliar como

se dá o processo de decisão entre alternativas legítimas ou ilegítimas. Como escreve

Wilson, em uma situação onde há oferta de empregos legítimos, mas os benefícios do crime

permanecem muito altos, algumas pessoas podem preferir a via ilegítima.

Essa análise da dissuasão, que leva em consideração a possibilidade de que o

aumento dos benefícios do não-crime pode conduzir à opção pela via legítima, diz respeito,

diretamente, à questão da possível relação causal entre pobreza e crime. Um ator racional

levaria em conta as suas possibilidades de encontrar emprego, o quanto poderia ganhar, a

quantidade de trabalho que seria exigida e faria uma comparação com o que poderia

conseguir com atividades criminosas, quais seriam os riscos dessas atividades, quais seriam

os riscos de ser detido pela polícia e o que poderia ganhar em termos materiais ou não-

materiais. A relação entre emprego e crime não é, portanto, simples. Como afirma Wilson,

se em um estudo estatístico encontram-se evidências de que o desemprego e o crime

aumentaram em um mesmo período a tendência seria dizer que o desemprego causou o

aumento das taxas de crime. Mas isso pode não ser verdade, a opção pelo crime, que no

período teria se mostrado muito atrativo, poderia ser responsável pelo desemprego. Outras

vezes crime e desemprego podem ser efeito de uma mesma causa. De qualquer maneira,

como já foi mencionado por meio dos trabalhos de Edmundo Campos (1988) e Vinicius

Caldeira Brant (1994), a relação entre crime e desemprego, mesmo quando é real não é

estatisticamente significativa e nunca é direta. Não é correto pensar que apenas reduzir a

miséria e aumentar a oferta de empregos (no sentido de aumentar os benefícios do não-

crime) pode produzir uma significativa mudança nas taxas de criminalidade. Mesmo porque

políticas para aumentar oferta de empregos para jovens em idade e situação sócio-

econômica críticas são ainda mais difíceis de serem implementadas. Não é o caso de dizer

113
que as tentativas de aumentar os benefícios do não-crime devam ser abandonadas, mas que

sempre devem ser acompanhadas por políticas que visem o aumento dos custos do crime.

O tipo de atuação da polícia pode fazer alguma diferença no sentido de aumentar os

custos do crime. Ações proativas como a de parar e interrogar pessoas nas ruas, por

exemplo, poderiam dar bons resultados. Programas que usam “bafômetro” para deter

pessoas que dirigem embriagadas podem diminuir o número de acidentes de trânsito. Ações

mais decididas contra maridos que agridem esposas poderiam diminuir casos de agressão.

No entanto, o trabalho da polícia é pouco eficaz em relação a crimes como arrombamentos,

furtos e roubos, que são dificilmente detectados e interceptados. O poder de dissuasão da

polícia é maior quando é praticado um policiamento ostensivo em locais fechados ou

quando a polícia toma a iniciativa e se antecipa ao crime (interrogando adolescentes

suspeitos em uma esquina, por exemplo). É menor em relação a crimes que envolvem

segredo, como arrombamentos (Wilson, 1985. p.133).

Alterar sentenças seria uma forma de dissuasão mais eficaz. Embora não seja uma

tarefa simples, pesquisas indicam que alterar a probabilidade de punição pode levar a

mudanças de comportamento. O importante é que as mudanças sejam efetivas. O problema

aqui é que há uma tendência de que a “severidade seja inimiga da certeza e da rapidez”.

Juizes, promotores e advogados seriam mais criteriosos ao tratar de penas mais severas e,

com isso, o processo se alongaria. Para conseguir uma maior dissuasão a partir de

mudanças na lei, deve haver um equilíbrio que permita uma pena suficientemente severa,

mas não tanto que provoque a resistência do sistema judiciário, o que levaria à lentidão.

O problema geral que limita as possibilidades da dissuasão é que esse fator conta

mais definitivamente para um conjunto de pessoas que estaria numa situação limite,

dependendo de pequenas variações no ambiente para decidir entre o crime ou o não-crime.

Pessoas para as quais o medo da punição ou uma chance real de emprego seriam dados
significativos. Mas essas pessoas (ex-viciados, ex-condenados de meia idade, adolescentes

114
inexperientes) não cometem os crimes mais sérios, que preocupam a coletividade. Esses

crimes são cometidos pelo criminoso crônico, que os pratica em altas taxas. Citando o

trabalho de Marvin Wolfgang, et alli, mencionado anteriormente, Wilson mostra que dos 10

mil jovens pesquisados um terço foi preso, para metade desses a carreira criminosa

terminou na primeira prisão. Mas para um jovem que foi preso três vezes, a chance de ser

preso novamente era de 70%. Esses números confirmam a impressão de que o controle

social informal, o efeito dissuasório da punição e o desejo de entrar para o mercado formal

de trabalho são fatores que impedem um maior crescimento do crime. Mas esses fatores

não têm a mesma eficácia no caso dos criminosos crônicos. Programas de emprego, por

exemplo, não são eficazes. Acredita-se que o aumento da rapidez e da certeza das penas

tenha um efeito importante, mas não há evidências claras sobre isso.

No caso de criminosos crônicos, uma estratégia que parece ser interessante é a

incapacitação, enquanto essas pessoas estão privadas de liberdade são incapazes de praticar

crimes. O que torna a incapacitação mais interessante é que, nesse caso, não há necessidade

de nenhuma suposição sobre a natureza humana. A dissuasão só é eficaz se for verdade que

as pessoas escolhem entre cursos alternativos de ação com base em um cálculo racional de

custos e benefícios. Embora existam indícios de que as pessoas levam em conta os custos e

benefícios de diferentes cursos de ação, é difícil precisar até que ponto esse cálculo

influencia na tomada de decisões e em que medida certas modificações nos custos do crime

levariam à redução das taxas. A reabilitação só funciona se for verdade que é possível

transformar valores, preferências e a perspectiva de tempo de criminosos por meio de ações

planejadas. Não existem evidências de que isso possa ser feito para a totalidade dos

criminosos, embora pareça ser verdade que é possível para alguns criminosos, sob algumas

circunstâncias. Por outro lado, a incapacitação age sobre condições objetivas: o indivíduo

encarcerado não teria como, objetivamente, praticar crimes. Não há necessidade de


nenhuma alteração de seu estado subjetivo (Wilson, 1985, p. 145-46).

115
Uma questão prática que se coloca está relacionada aos custos financeiros desse tipo

de estratégia. Aumentar o tempo de encarceramento ou aplicar penas privativas de

liberdade para toda a população criminosa provocaria um grande aumento dos gastos com

segurança. Sem, vale destacar, garantias de um resultado plenamente satisfatório quanto à

redução das taxas de criminalidade. Para muitos criminosos, uma condenação é suficiente

para interromper a “carreira”. Coloca-se, então, como necessidade a implementação de

estratégias de incapacitação seletiva. A incapacitação seria utilizada especialmente em

casos criminosos ativos e reincidentes. Torna-se fundamental a elaboração de ferramentas

que possibilitem o reconhecimento dos indivíduos aos quais deveria ser aplicada essa

estratégia. No caso de criminosos receptivos a tratamentos de recuperação, deveriam ser

usadas as estratégias de reabilitação, escreve Wilson. O importante é buscar a redução das

taxas de criminalidade de todas as formas possíveis. Dificultando o acesso aos alvos,

dissuadindo potenciais criminosos, recuperando os mais receptivos a terapias ou

encarcerando por tempo determinado os criminosos recalcitrantes.

No entanto, as coisas são um pouco mais complicadas. Existem outros problemas

que dificultam o controle do crime. O combate ao crime não pode ser, segundo Wilson,

uma ação meramente utilitária, pois o crime, como já nos mostrava Durkheim, é algo que

ofende a sociedade. É um ato que é repudiado exatamente porque fere padrões de

comportamento consensualmente aceitos. Há, portanto, uma dimensão moral do problema e

impõe várias complicações relacionadas à ação daqueles procuram controlar o crime.

No caso da incapacitação seletiva o problema se coloca de forma clara. Tomando

como certa a suposição de que os criminosos não se especializam, seria problemático

aplicar – com base no conhecimento de que se trataria de um criminoso crônico – uma pena

especialmente dura a alguém que foi preso e condenado por um crime leve. Do ponto de

vista da sociedade, e da cultura que estabelece a necessidade de proporcionalidade das


penas em relação aos delitos, é extremamente difícil aplicar uma pena severa a alguém que

116
praticou um furto, mas que se sabe (por meio de registros anteriores e de outros

mecanismos de predição) que é um criminoso recalcitrante e, ao mesmo tempo, aplicar uma

pena leve a um homicida passional porque se sabe que muito dificilmente essa pessoa

praticará outro crime. A punição, além de ser importante pelo seu efeito dissuasório, não

deixa de ser também uma maneira de realizar a justiça retributiva. Por meio da punição a

sociedade restitui as coisas aos seus devidos lugares, castiga aqueles que rompem com

padrões de comportamento convencionais e oferece uma compensação àquelas pessoas que

se sentiram ultrajadas. É por esse motivo que um ato percebido pela sociedade como

especialmente grave deve receber uma punição proporcional. Enfim, como o próprio

Wilson reconhece, a ação utilitária ou apenas instrumental contra o crime é limitada por

certos constrangimentos morais estabelecidos pela própria sociedade.

Quando reconhece esses limites, Wilson nos deixa entrever algumas contradições

sérias presentes em seu trabalho. Por um lado, temos que reconhecer que o autor empreende

uma consistente crítica à sociologia positivista do crime. Críticas que se referem

inicialmente a proposições fundamentais dos modelos estruturais e subculturais e que, em

decorrência, questionam a competência de abordagens sociológicas quanto à proposição de

estratégias de redução das taxas de criminalidade. Não há dúvida de que os modelos

sociológicos se tornam limitados na exata medida em que desprezam a ação individual.

Limitados não só em relação a uma explicação mais adequada do problema do crime,

entendida como um objetivo em si mesmo, mas, também, em relação às possibilidades de

análise e proposição de políticas de controle. As críticas direcionadas às estratégias que

percebem a transformação das “causas profundas” como única forma de se resolver o

problema são consistentes e convincentes.

Por outro lado, considero problemática a conclusão de que seria o caso, então, de se

abandonar definitivamente qualquer tipo de estudo especificamente sociológico do


problema do crime. Para Wilson, a sociologia deveria se restringir à nobre área dos estudos

117
exclusivamente teóricos. O controle do crime seria assunto para analistas de políticas, não

para sociólogos.

No entanto, no próprio trabalho de Wilson podemos encontrar alguns elementos que

indicam exatamente o contrário. Uma abordagem exclusivamente preocupada com a análise

de políticas pode levar a um infinito processo de tentativa e erro, que nunca encontra a

política mais eficiente, exatamente por desprezar uma variedade de aspectos que deveriam

ser analisados sociologicamente.

Na medida em que reconhece a pertinência de parte da produção sociológica,

Wilson acaba por reconhecer alguns desses aspectos. O fato de o crime ser algumas vezes

motivado pelo desejo de solução ou realização de algum senso de justiça, particularmente

de desigualdade social, pode comprometer severamente a eficácia de políticas dissuasórias.

O reconhecimento de que determinados grupos sociais, por causa de uma constituição

sócio-cultural específica, podem rejeitar a intervenção de agências da sociedade abrangente

aponta para o mesmo problema. E, mais, coloca uma questão sobre o caráter retributivo das

penas. Isto é, a sociedade não é algo tão homogêneo a ponto de tornar desprezíveis as

diferenças de ponto de vista quanto a comportamentos convencionalmente aceitos. A

legitimidade das punições é algo problemático. A aplicação de punições a determinados

comportamentos pode estimulá-los em vez de detê-los.

Estes problemas são bem apresentados e analisados por Donald Black (1983).

Segundo este autor, um crime, muitas vezes, em vez de ser uma violação intencional de

alguma proibição, é, na verdade, um empreendimento moral que tem como objetivo a

realização de justiça ou a punição de algum comportamento percebido como desviante. Ou

seja, um ato criminoso pode representar para quem o pratica o exercício do controle social

(Black, 1983, p.34). O caráter normativo de atos que são considerados como crime pelas

agências oficiais e pelos códigos legais fica evidente quando se constata que, em geral,
grande parte dos homicídios é uma resposta ao adultério ou a outras questões relativas a

118
sexo, amor e fidelidade; ou diz respeito a afrontas à honra ou a dívidas monetárias. Da

mesma forma, como muitos crimes que envolvem a subtração de bens ou destruição de

propriedade apresentam o mesmo caráter normativo. Segundo Black, mais de um terço dos

arrombamentos e roubos acontecidos em Nova Iorque, que resultam em prisão, envolvem


pessoas que tinham alguma relação anterior36. O objetivo do ofensor pode ser a recuperação

de algum bem, de alguma quantia em dinheiro ou simplesmente a punição de algum

comportamento percebido como desviante (Black, 1983, pp.36-7).

É importante considerar essa dimensão do comportamento criminoso no estudo do

efeito de certos instrumentos de dissuasão. Quando a polícia ou a justiça tratam de algum

crime que teve alguma motivação moral, se estabelece um conflito sobre a definição do

evento. Especialmente sobre quem é ofensor e quem é vítima. Black menciona o caso de

um marido que mata o amante de sua esposa. Para a justiça, o amante é a vítima. Mas, do

ponto de vista do marido, o amante transgrediu uma norma e pode ter merecido a morte. O

fato é que o pretenso “monopólio do uso legítimo da violência” não é alcançado pelo

Estado de maneira efetiva. A violência envolve, muitas vezes, cidadãos que percebem sua

conduta como um exercício plenamente legítimo do controle social. Cidadãos que muitas

vezes podem se sentir moralmente obrigados a “fazer justiça com as próprias mãos”.

Preferir, talvez, enfrentar problemas com a justiça criminal a deixar de respeitar o costume

de uma comunidade.

Na medida em que as pessoas se sentem moralmente obrigadas a praticar crimes, a

força que a polícia e a justiça poderiam ter para dissuadi-las diminui. Um estudo sobre os

efeitos de dissuasão que as punições podem ter deve levar em conta que o poder das penas

para deter o crime depende do fato dele ser ou não uma forma de controle social. Desprezar

a contribuição da sociologia, neste caso, faria com que uma dimensão importante do

problema da dissuasão não fosse analisada.


36
Vera Institute of Justice (1977) Felony Arrests: their prosecution and disposition in New York City 's
courts. New York, Vera Institute of Justice. Citado por Black, 1983.

119
Acredito que a consideração de aspectos individuais é importante, mesmo porque,

como afirmam Cohen e Machalek, são indivíduos, sozinhos ou em grupos, que cometem

crimes. Porém, como mostram os mesmos autores, os indivíduos devem ser tratados como

unidades de observação, não como unidades de análise. Tratá-los como unidades de análise

enfraquece a abordagem na medida em que impossibilita o completo entendimento de como

a interação populacional pode criar contextos sociais facilitadores ou inibidores do crime e

do desvio (Cohen e Machalek, 1988, 467).

O problema identificado nas abordagens estruturais e subculturais consideradas no

terceiro capítulo é exatamente o desprezo pela dimensão da ação individual, que

compromete as possibilidades analíticas daquelas teorias. Mas acredito que não é o caso de

concluir, como o faz Wilson (1985), que perspectivas macroestruturais são, quaisquer que

sejam elas, inadequadas. O trabalho de Cohen e Felson (1979) mostra como uma

abordagem estrutural pode ser satisfatória e justificar a importância da sociologia no estudo

do crime. Não só no sentido teórico, mas também no aplicado. Isto se dá justamente pela

consideração da ação individual como unidade de observação. Dessa forma, a “abordagem

das atividades rotineiras” (Cohen e Felson, 1979) supera tanto as abordagens estruturais

convencionais, como a abordagem de Wilson e a de Gottfredson e Hirschi.

Cohen e Felson mencionam o paradoxo representado pelo crescimento das taxas de

crime violento nos Estados Unidos a partir da década de 1960 ao mesmo tempo em que as

condições que poderiam ser consideradas como causas da criminalidade (baixos níveis de

escolaridade, desemprego, baixa renda familiar) estavam desaparecendo. Os autores

procuram resolver esse paradoxo analisando as transformações dos padrões de atividades

de rotina que emergem da interação social cotidiana (1979, p.588-9). Argumentam que

mudanças estruturais em padrões de atividades rotineiras podem afetar as taxas de


criminalidade provocando a convergência no tempo e no espaço de três elementos

120
mínimos: (1) ofensores motivados, (2) alvos apropriados, e (3) ausência de guarda contra a
violação 37 . A convergência, no tempo e no espaço, de alvos apropriados e ausência de

guardas capazes pode levar ao crescimento das taxas sem a necessidade de uma

intensificação das condições estruturais que motivam indivíduos a engajarem-se no crime.

Mesmo se a proporção de ofensores motivados ou de alvos apropriados se mantém estável

na comunidade, mudanças nas atividades rotineiras podem alterar a probabilidade de sua

convergência no tempo e no espaço, criando, portanto, maiores oportunidades de ocorrência

do crime.

Os autores não examinam as causas da motivação para o crime. Tomam a

motivação criminal como um dado e examinam a maneira como a organização espaço-

temporal das atividades rotineiras contribui para que pessoas traduzam uma suposta

inclinação criminal em ação. Atividades que as pessoas desempenham cotidianamente

podem, por exemplo, afastá-las daquelas em quem elas confiam (tornando-as os possíveis

alvos de um assaltante) ou de suas propriedades. A disseminação de objetos portáteis, de

armas e de automóveis pode facilitar a atividade de criminosos. O aumento da participação

de mulheres no trabalho fora de casa pode fazer com que as residências fiquem

desprotegidas em grande parte do dia. A análise desses fatores proporciona a solução do

paradoxo que as teorias convencionais não conseguem resolver, mostrando que o crime é

um fenômeno normal, resultante de atividades e condições rotineiras plenamente legítimas.

Não é necessário recorrer a conceitos como desorganização social ou anomia, ou supor a

priori que o crime resulta de processos de socialização. Desta maneira, a sociologia não se

compromete com sugestões de intervenções sociais profundas como únicos recursos

apropriados para o controle do crime que estão sujeitas às críticas apresentadas por Wilson.

37
A vigilância neste caso não é apenas a policial, mas também a vigilância informal executada pelos próprios
cidadãos.

121
Além disso, a “abordagem das atividades rotineiras”, na medida em que considera

as variáveis estruturais, mantendo a possibilidade de análise da ação individual, supera as

explicações de Wilson. Torna-se possível considerar a variação das taxas de crime tanto no

nível macro quanto microssociológico. Mais: a abordagem de Cohen e Felson possibilita a

análise da relação do pertencimento a determinado grupo primário, da transmissão cultural

e do controle social com a possível inclinação criminal de certos indivíduos. É possível,

também, verificar até que ponto certas circunstâncias contextuais – favoráveis ao crime –

podem contribuir para o desenvolvimento da inclinação criminal, na medida em que

proporcione prêmios. Por fim, como mostram Cohen e Felson, o esquema das atividades

rotineiras explica porque o sistema de justiça criminal, a comunidade e a família têm sido

tão ineficazes no exercício do controle.

A idéia é que o crescimento substantivo das oportunidades para o crime, observável

nas sociedades contemporâneas, comprometeu os mecanismos de controle social à

disposição da sociedade. Segundo os autores, é difícil para instituições que procuram

aumentar a certeza, rapidez e severidade das penas competir com mudanças estruturais que

resultam em grande intensificação da certeza, rapidez e valor dos prêmios relativos a atos

ilegais (Cohen e Felson, 1979, p.605). Assim, reconhecer a importância das críticas de

Wilson quanto ao desprezo da dimensão individual e mesmo a pertinência da avaliação da

capacidade de orientação de políticas das teorias estruturais convencionais não leva

necessariamente à aceitação das conseqüências apontadas pelo autor. Teorias estruturais

que mantêm um foco na ação individual conseguem explicar as variações macrossociais das

taxas de crime e, ao mesmo tempo, analisar os aspectos próprios do comportamento de

atores individuais.

122
Conclusão

Pretendo, nesta conclusão, considerar brevemente uma questão que me parece ser a
responsável pelas principais insuficiências identificadas nos diversos modelos teóricos de
explicação do crime que foram analisados. Obviamente não há nenhuma intenção de
esgotar o assunto, mas apenas de indicar uma direção para investigações futuras que
considero promissora.
Todos os autores que foram objeto de análise neste livro foram atraídos por aquilo
que, concordando com Miethe e Meier (1994), acredito ser a característica marcante e
comum em toda a chamada criminologia positivista, ou seja, a preocupação com a
identificação dos aspectos que diferenciam os criminosos dos não-criminosos.
As teorias sociológicas discutidas no terceiro capítulo, apesar das suas diferenças,
têm em comum o entendimento de que uma parte fundamental da explicação do crime
reside na compreensão da constituição da motivação individual para a ação. Motivação esta
diferente daquela encontrada no caso da conformidade. Os criminosos seriam diferentes dos
não criminosos porque estariam, de alguma forma, expostos a forças sociais que os
conduziria à prática do crime. A origem da motivação poderia estar na adesão a objetivos
de consumo inalcançáveis pelas vias legítimas ou na filiação a subculturas que
apresentariam valores e preocupações desviantes.
No caso da abordagem do autocontrole, de Gottfredson e Hirschi, há uma
preocupação explícita com a questão da diferenciação entre criminosos e não-criminosos.
Logo de saída os autores reprovam a teoria liberal clássica justamente por não dar atenção a
esse aspecto. No entanto, rejeitam a explicação sociológica convencional, argumentando
que a imagem de um criminoso socializado para a prática do crime não se sustentaria diante
de dos dados empíricos disponíveis. Apresentam, então, a noção de autocontrole como o
elemento que diferenciaria os criminosos dos não-criminosos. Os criminosos seriam
pessoas dotadas de baixo autocontrole. As críticas a essa noção foram feitas no quarto
capítulo. Na melhor das hipóteses, a noção de autocontrole poderia nos ajudar a
compreender algumas modalidades de crime. De modo algum seria satisfatória como
fundamento para a construção de uma teoria geral do crime. Teoria geral que é um objetivo
tão explícito que aparece já no próprio título do livro.

123
Wilson e Herrnstein e Wilson, embora sejam críticos mordazes do que eles próprios
chamam, um tanto pejorativamente, de sociologia positivista do crime, não escapam da
tentativa de identificar aquilo que diferenciaria criminosos de não-criminosos. A idéia de
que a opção pelo crime é o resultado de um cálculo racional em que são levados em
consideração os custos e benefícios das diferentes alternativas de ação só é válida se for
acrescentada a condição de que criminosos e não-criminosos são, de alguma forma
diferentes. Para esses autores, as diferenças poderiam ser encontradas em certas
características de constituição biológica e psicológica, que explicariam os diferentes
padrões de decisão apresentados por diferentes agentes.
Esta preocupação com a identificação do que diferencia os criminosos dos não-
criminosos, conduz ao que Michel Misse (1999, 64) aponta como sendo o grande problema
da criminologia positivista. Para Misse, o grande problema dessa vertente “foi o de ter
considerado a transgressão como atributo do indivíduo transgressor [grifo do autor] e não
como um atributo acusatorial sobre um curso de ação que é socialmente considerado como
problemático ou indesejável, e para o qual pode ou não haver demanda de incriminação”.
De acordo com Misse, “ao desviar do curso de ação para o transgressor o núcleo da unidade
de análise, a criminologia reproduz o processo social da sujeição criminal [grifo do autor],
que deveria ser o seu objeto”.
Uma experiência social ou uma trajetória de vida qualquer, na medida em que é
tratada como uma transgressão de alguma norma, terá sido alvo de uma acusação social.
Quando essa acusação é respaldada pela lei penal pode então ser “criminada”. Para que a
“criminação” resulte em uma “incriminação” jurídica é preciso que se dê início a um
processo oficial de incriminação. Considerando que o objeto do processo não é apenas a
transgressão à lei, mas o próprio indivíduo transgressor, dá-se a “sujeição criminal”, ou
seja, a “construção social do agente de práticas criminais como uma ‘sujeito criminoso’”
(Misse, 1999, 67). O que torna a noção de sujeição criminal mais importante e elucidativa
é o fato de que ela pode ser – e na maioria das vezes é – ampliada “como uma
potencialidade [grifo do autor] de todos os indivíduos que possuam atributos próximos ou
afins ao tipo social acusado” (idem, 65). Com isso os negros, os pobres, os desempregados,
os favelados, os vagabundos tornam-se suspeitos em potencial. Quando a polícia busca

124
nessa população os seus suspeitos de sempre, estamos diante de uma profecia auto-
cumprida.
Quando a criminologia positivista toma o crime tal como é definido legalmente e
passa, então, a investigar as diferenças entre os que praticam e os que não praticam crimes,
incorre em um sério equívoco. O fato é que o roubo, por exemplo, não é um ato dotado de
um significado intrínseco. É, na verdade, uma definição legal que pode ser aplicada a uma
experiência social ou a uma conduta que será equiparada à definição legal estabelecida.
Mesmo quando o próprio agente vê a sua conduta como roubo ou como um “157” (artigo
do código penal correspondente) isto acontece não porque este seja o significado intrínseco
da conduta, mas porque o agente já se identificou com a tipificação legal recorrentemente
aplicada. Quando a sociologia procura identificar as motivações que levam alguém à
prática do roubo, ou as causas do roubo, o que acontece é uma equiparação ilegítima de
uma ação social com uma definição legal abstrata que traz em si um conteúdo normativo
específico. Assim, a sociologia positivista, ao procurar identificar as motivações que fazem
com que alguém se torne criminoso, ou quais são as causas do crime, entende a sujeição
criminal como se fosse uma realidade objetivamente dada. Aquilo que é, na verdade, o
resultado de um processo que vai da acusação social e termina com a incriminação que
incide sobre o sujeito, e que deveria ser objeto de estudo da sociologia, aparece como um
ponto de partida não problematizado.
Curiosamente, de todos os autores tratados, o que mais se aproximou da
compreensão do problema foi Emile Durkheim. Ao rejeitar a abordagem queteletiana do
problema do crime – que seria mais demográfica do que sociológica – Durkheim estabelece
as bases para um entendimento profundamente sociológico da questão. Não há nenhum ato
que seja intrinsecamente criminoso. O que faz de qualquer ato um crime é o modo como a
sociedade o define. Embora não tenha levado às últimas conseqüências a sua intuição,
efeito talvez de uma concepção holística da realidade social, podemos dizer que Durkheim
é o precursor de todas as vertentes que se interessam pelo estudo da reação social ao crime
e ao desvio. A compreensão das características individuais que fazem com que alguém
pratique o crime ou o desvio deixa de ser o objetivo mais importante. A ênfase analítica se
volta para a compreensão do processo social que resulta na definição de uma conduta como
criminosa ou desviante. Durkheim não aceita de forma irrefletida a definição legal do que é

125
ou não um crime. Ao contrário, transforma a definição legal em um problema sociológico a
ser investigado. Acredito ser esta a maior contribuição deixada pela controvérsia em torno
do tema da normalidade do crime, que, infelizmente, parece ter sido esquecida por muitos
estudiosos do assunto.
Acredito que os problemas identificados nas diversas teorias que foram analisadas
ao longo deste estudo são uma conseqüência desse esquecimento. Em todos os casos, seja a
tentativa de explicar as causas sociais do crime, a origem da motivação para o
comportamento criminoso ou as diferenças que separam os criminosos dos não criminosos,
o resultado é desanimador. As conclusões não se sustentam. Isso ocorre justamente porque
o próprio objeto da investigação não é construído sociologicamente, mas apenas
transplantado de um outro contexto – a definição legal-jurídica do que é o crime. Estuda-se
a motivação ou a razão para algo que, a rigor, não existe no mundo social. Existe, sim, no
mundo jurídico e, mesmo quando passa a fazer parte de alguma situação social definida por
uma variedade de atores (juizes, policiais, advogados, criminosos, imprensa), não deixa de
estar preso ao contexto original. Contexto que deveria ser problematizado sociologicamente
e não tomado como ponto de partida da análise, vale repetir.
Acredito que os estudos mais promissores na área da sociologia do crime são
aqueles que evitam esse problema. Vejo pelo menos duas formas de evitá-lo. A primeira e
talvez mais notória é aquela que transforma a reação social à transgressão em objeto de
estudo (Misse, 1999; Baratta, 2002; Becker, 1977). Desde a reação social mais difusa até a
reação organizada e administrada pelo sistema de justiça criminal. Estudos desse tipo têm
um forte potencial crítico e podem ser muito úteis para desconstrução de mitos
estabelecidos. A segunda é aquela que foi esboçada no último capítulo e que recebe o nome
de “abordagem das atividades rotineiras” (Cohen e Felson, 1979), posteriormente
desdobrada nas discussões sobre as oportunidades para o crime e a prevenção situacional
(Clarke, 1994). Na medida em que essa abordagem não enfatiza a ação individual e suas
motivações, tomando os indivíduos como unidades de observação e não como unidades de
análise, se afasta dos problemas enfrentados pela sociologia positivista. Estudam a
interação entre indivíduos dispostos para a prática do crime (independentemente da origem
dessa motivação) e a estrutura de oportunidades oferecida pelas rotinas sociais. Mesmo
quando o princípio da escolha racional é introduzido nesses estudos, aparece não como uma

126
forma de entender a motivação para ação, mas apenas como uma ferramenta analítica que
possibilita uma melhor compreensão de como os indivíduos identificam oportunidades para
o crime. Se por um lado essa abordagem não compartilha do potencial crítico alcançado
pelos estudos sobre a reação social à transgressão, por outro, cumpre o importante papel de
oferecer informações valiosas para o estabelecimento de políticas de controle do crime
urbano. O fato é que a sociologia não pode simplesmente desprezar essa tarefa já que o
crime é um problema público dos mais relevantes e já que os sociólogos são vistos, umas
vezes mais outras menos, como os profissionais que devem responder aos apelos sociais
que pedem o controle do problema.

127
6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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