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CRIMINOLOGIA QUEER NO BRASIL: AUSÊNCIAS E

POTENCIALIDADES1

Victor Sugamosto Romfeld

RESUMO
Pode-se dizer que a teoria queer representou uma nova abordagem dentro dos
estudos de gênero, ao questionar o binarismo entre “masculino” e “feminino”,
buscando compreender como esses papeis são produzidos e reproduzidos
socialmente. Diante disso, o objetivo deste trabalho consiste em verificar se as
perspectivas queer foram recepcionadas pelo saber criminológico no Brasil, sobretudo
em suas correntes críticas. Como metodologia, utilizou-se a revisão bibliográfica
através da ferramenta de “busca integrada” no acervo da Universidade Federal do
Paraná (UFPR). A partir dos resultados obtidos, observa-se uma tímida produção
acadêmica em torno de uma criminologia queer, confirmando a hipótese inicial de que
a teoria supracitada não foi incorporada, até o presente momento, no saber
criminológico-crítico nacional. Desse modo, é possível concluir que a falta de uma
abordagem atenta às questões de gênero e sexualidade faz com que as ciências
criminais brasileiras, como um todo, não consigam dar respostas suficientes aos
problemas apresentados pelos movimentos LGBTI, tais como a criminalização da
LGBTIfobia e o encarceramento de indivíduos que apresentam orientação sexual e
identidade de gênero não hegemônicas.

Palavras-chave: Criminologia queer. LGBTIfobia. Homotransfobia.

INTRODUÇÃO

Em linhas bastante gerais, e para fins meramente introdutórios, a criminologia


pode ser considerada como uma ciência que se ocupa do estudo do crime, do
criminoso, da vítima e do controle social exercido sobre o crime, valendo-se de um
objeto empírico e interdisciplinar (SHECAIRA, 2013, p. 40). Trata-se de um ramo do
saber que é permeado pelas mais diversas possibilidades de aproximação teórica,
desde um viés positivista – que se consolidou no século XIX, sobretudo com Césare
Lombroso –, considerando “o criminoso” um doente portador de determinadas
características genéticas, até as perspectivas críticas, que questiona – por vezes, de
forma radical – o poder punitivo e o controle da criminalidade realizado pelo Estado.

1Este artigo, inicialmente, foi apresentado como trabalho científico no Congresso Internacional LGBTI+
realizado em Curitiba/PR (2019). Posteriormente, uma vez aprovado, foi publicado na obra coletiva
denominada “Caminhos da pesquisa em diversidade sexual e de gênero: olhares in(ter)disciplinares”
(Editora IBDSEX), publicado em 2020.

1
Ocorre que, mesmo entre os estudos criminológicos críticos, suas
formulações hegemônicas têm como norte a construção de uma teoria materialista do
desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalização, valendo-se
de instrumentos conceituais oriundos do marxismo (BARATTA, 2002, p. 159). A
predominância deste enfoque, macrossociológico, fez com que as análises sobre
criminalização e vitimização fossem realizadas sob lentes marxistas, levando-se em
conta as desigualdades econômicas entre os indivíduos selecionados pelo Estado
para compor as estatísticas criminais oficiais. Isto significa que questões de raça,
gênero e sexualidade foram marginalizadas neste campo teórico crítico, o que vem
sendo denunciado – ao menos no Brasil – pela criminologia feminista (MENDES,
2014, p. 157-164) e pela teoria crítica racial que se debruça sobre a criminologia
(FLAUZINA, 2008, p. 149-165).
Se, por um lado, há uma produção acadêmica nacional notável de
criminólogas e criminólogos (embora não consolidada) incorporando contribuições
dos feminismos e da teoria crítica racial ao campo da criminologia, por outro, o mesmo
não pode ser dito a respeito da teoria queer. Portanto, o objeto do artigo é a produção
acadêmica referente à criminologia queer, ao passo que o objetivo consiste em
investigar se esta corrente teórica foi recepcionada pelo saber criminológico no Brasil.
Nesta empreitada, nos valemos da revisão bibliográfica como metodologia,
principalmente a partir da ferramenta da “busca integrada” no acervo da Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Considerando a escassa produção sobre este viés na
criminologia, pretende-se confirmar a hipótese central do trabalho, qual seja, de que
ainda não se pode falar em uma criminologia queer desenvolvida no país. Esta
insuficiência teórica gera certa incompreensão, por parte de penalistas e criminólogos,
a respeito de pautas dos movimentos LGBTI, como a criminalização da LGBTIfobia e
o encarceramento de pessoas que não se encaixam no binarismo “homem-mulher”,
nem se amoldam à heteronormatividade.

1. O QUE É TEORIA QUEER E QUAIS SUAS REPERCUSSÕES PARA AS


CRIMINOLOGIAS DE VIÉS CRÍTICO?

Apesar das dificuldades de estabelecer um conceito geral, esgotando as


complexidades e a própria pluralidade epistemológica desta teoria, pode-se afirmar
que a teoria queer foi produzida por feministas (homens e mulheres) que, a um só

2
tempo, questionaram a maior parte dos estudos gays – que ignorava a produção
feminista – e o próprio sujeito do feminismo – centrado na mulher. Esta desconstrução
se deve ao fato de que o gênero passa a ser lido como categoria cultural: “masculino”
e “feminino” não estão vinculados necessariamente ao sexo biológico, mas às normas
e convenções culturais que variam no tempo e de sociedade para sociedade
(MISKOLCI, 2017, p. 32).
Um dos autores que pode ser considerado como precursor da referida é
Michel Foucault2, principalmente quando – em um de seus livros – rejeita a “hipótese
repressiva” do século XVIII, isto é, de que a sociedade que se desenvolve neste
período (burguesa e capitalista) teria reprimido o sexo, recusando-se a conhecê-lo.
Ao contrário, Foucault entende que foi instaurada uma gama de mecanismos para
produzir “discursos verdadeiros” sobre o sexo (FOUCAULT, 2015, p. 78). Uma teórica
essencial que, em tese3, teria protagonizado o desenvolvimento da teoria queer seria
Judith Butler, a qual procura explicar as categorias fundacionais de sexo, gênero e
desejo como efeitos de uma formação específica de poder (BUTLER, 2016, p. 9).
Conforme afirmamos anteriormente, as criminologias de viés crítico
apresentam, de forma majoritária, um background teórico influenciado pelo marxismo
e suas categorias fundantes (luta de classes, capitalismo, materialismo histórico-
dialético), fazendo com que outras dimensões do “sujeito” investigado por estas
criminologias (tais como gênero, raça e sexualidade) fossem marginalizadas,
colocadas em segundo plano. Na tentativa de romper esta tendência, alguns
criminólogos brasileiros buscaram compreender o controle social da sexualidade em
determinados períodos históricos, verificando que estes mecanismos ora foram
influenciados pela religião, ora inspirados no modelo científico-médico higienista. Sob
o manto científico, reforçado pela recepção do positivismo criminológico no Brasil,
determinadas práticas punitivas foram direcionadas a categorias de homens
(homossexuais e travestis) e mulheres (prostitutas e negras), estigmatizados por sua
sexualidade rotulada como transgressora (PEDRINHA, 2009, p. 168-186).
Portanto, ao que tudo indica, a teoria queer dialoga com a(s) criminologia(s)
crítica(s) para desvendar as formas de punição aplicadas – seja pelo Estado, seja por

2 Há, contudo, controvérsias sobre a classificação de Foucault como filósofo que impulsionou (ou não)
a formulação da teoria queer, como adverte Tamsin Spargo (SPARGO, 2017, p. 13-14).
3 “Em tese”, porque alguns intérpretes de Butler apontam dificuldades de classificar esta autora apenas

em uma teoria, considerando que suas análises transcendem questões de gênero e sexualidade,
segundo as impressões de Sara Salih (SALIH, p. 9-28).

3
outras instituições sociais – a categorias de indivíduos “desviantes” em relação à
cisheteronormatividade. Sendo assim, o controle social (formal/informal) exercido
sobre a sexualidade exige ferramentas teóricas que certamente transcendem a
desigualdade econômica entre pessoas que são alvo preferencial do poder punitivo.
A intersecção entre teoria queer e ciências criminais também revela dois
campos de investigação. Teoricamente, os estudos queer impactam nas ciências
jurídicas (queer legal theory), e sobretudo, no direito penal e na criminologia (queer
criminology), proporcionando a compreensão dos processos de exclusão e da
intolerância em suas especificidades. Politicamente, evidencia as demandas por
direitos e pelo reconhecimento da igualdade, sustentada por movimentos LGBTI
(CARVALHO; DUARTE, 2017, p. 202-203), tais como o casamento homoafeitvo, a
retificação do prenome de pessoas trans, e a criminalização da LGBTIfobia, apenas
para dar alguns exemplos.
O encontro entre teoria queer e a criminologia, a princípio, é marcado por
tensões, na medida em que aquela desestabiliza algumas zonas de conforto culturais
criadas pelo heterossexismo, que é hegemônico nas ciências criminais. Num segundo
momento, esse diálogo procura esmiuçar os níveis de violência heterossexista, como
expõem Salo de Carvalho e Evandro Piza:

A naturalização da norma heterossexual, ao aprisionar as subjetividades no


binarismo hétero/homossexual, cria automaticamente mecanismos de saber
e de poder nos quais a diferença é exposta como um desvio ou como uma
anomalia. Definido o comportamento ou modo de ser desviante a partir da
regra heterossexual, o controle social formal é instrumentalizado nos
processos de criminalização (direito penal) e de patologização (psiquiatria)
da diferença. Outrossim, para além destas respostas sancionadoras
produzidas nas e pelas agências de punitividade (violência institucional), a
lógica heteronormativa potencializa inúmeras outras formas de violências
(simbólicas e interindividuais) nas quais a diversidade sexual é vitimizada
(homofobia).
Entendo, pois, que esse complexo processo de legitimação da violência
heterossexista poderia ser decomposto em três níveis fundacionais que
congiguram as culturas heteronomoralizadoras e heteronormalizadoras:
primeiro, da violência simbólica (cultura homofóbica), a partir da construção
social de discursos de inferiorização da diversidade sexual e de orientação
de gênero; o segundo, da violências das instituições (homofobia de Estado),
com a criminalização e a patologização das identidades não heterossexuais;
o terceiro, da violência interpessoal (homofobia individual), no qual a tentativa
de anulação da diversidade ocorre por meio de atos brutos de violência
(violência real). (CARVALHO; DUARTE, 2017, p. 204-206).

Firmadas essas premissas, passamos a abordar a existência (ou inexistência)


de uma criminologia queer assentada no Brasil.

4
2. HÁ UMA CRIMINOLOGIA QUEER CONSOLIDADA NO AMBIENTE ACADÊMICO
BRASILEIRO?

No âmbito internacional – principalmente nos países de origem anglo-saxã –,


é possível encontrar com certa facilidade estudos a respeito de criminologia queer.
Não apenas com enfoque na discriminação em virtude de orientação sexual e
identidade de gênero, mas num enfoque interseccional, demonstrando como pessoas
LGBTI também são atingidas por outros sistemas de dominação-exploração (MEYER,
2015). Estudos estrangeiros buscam não apenas investigar as raízes da criminologia
queer (queer criminology) e seus desdobramentos acadêmicos (BUIST; LENING,
2016), mas também explorar tópicos específicos, principalmente como o sistema de
justiça costuma lidar com as pessoas LGBTI em contextos de criminalização ou
vitimização (DWYER; BALL; CROFTS, 2016).
Diante deste cenário, é pertinente colocar a seguinte indagação: no âmbito
nacional, há produção acadêmica em torno da criminologia queer? Para responder a
esta pergunta, nos valemos da ferramenta virtual de “busca integrada” ao acervo da
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Sua escolha se justifica, primeiramente, pelo
fato de o autor ser doutorando na referida instituição, o que facilita o acesso a tais
informações e à busca propriamente dita. Em segundo lugar, e não menos importante,
a seleção desta ferramenta se deu por sua abrangência, isto é, por alcançar diversas
bases de dados (como a Web of Science, Scopus, SciELO, Banco de Teses e
Dissertações da CAPES, entre outras). Utilizando sua opção avançada, no campo de
busca, inserimos as seguintes palavras-chave: criminologia e queer nos resumos dos
trabalhos.4 Note-se, portanto, o emprego de um operador booleano (AND) para
capturar a intersecção entre os referidos saberes.
De início, foram obtidos 20 (vinte) resultados. Como o objeto deste artigo está
voltado ao desenvolvimento e à recepção da criminologia queer no Brasil, inserimos
um filtro para separar apenas trabalhos acadêmicos redigidos em português.
Aplicando esta filtragem, foram encontrados 16 (dezesseis) resultados de busca.

4Nesta ferramenta de busca, é possível pesquisar as palavras-chave a partir do texto completo, do


autor, do título, do resumo, entre outras opções. Optamos pelo resumo porque parece ser o mais
abrangente. Ademais, nem sempre o filtro do título do trabalho pode representar um espaço amostral
confiável, tendo em vista a possibilidade de as produções acadêmicas versarem sobre criminologia
queer sem necessariamente citar estes dois termos no seu título.

5
Neste universo, alguns artigos e dissertações/teses, por alguma razão, apresentavam
duplicidade, e outros, tiveram de ser excluídos por ainda conterem idioma em língua
estrangeira (espanhol). Vencida esta terceira etapa de pesquisa, foram colhidos 5
(cinco) trabalhos, como demonstra a tabela abaixo:

TÍTULO TIPO DO TRABALHO NOME DA(S) ANO E LOCAL DE


ACADÊMICO AUTORA(S) E/OU PUBLICAÇÃO
DO(S) AUTOR(ES)
“É babado, é confusão, Dissertação Maria Júlia Leonel 2018 – Universidade
é gritaria: as histórias (Programa de Pós- Barbosa Federal da Paraíba
de travestis recifenses Graduação em (UFPB)
sob um olhar da Ciências Jurídicas)
criminologia crítica”
“Interdisciplinaridade e Artigo científico Manoel Rufino David 2016 – Revista
estudo Criminológico de Oliveira Eletrônica de DIREITO
da Violência PENAL & POLÍTICA
Homofóbica: tensões CRIMINAL
entre Criminologia e
Teoria Queer”
“Políticas e leis sobre Artigo científico Adriano Beiras, 2012 – Revista
violência de gênero: Maristela de Melo Psicologia &
reflexões críticas” Moraes, Roberta de Sociedade
Alencar Rodrigues e
Leonor M. Cantera
Espinosa
“A tutela penal diante Dissertação Clara Moura Masiero 2013 – Pontifícia
da homofobia e o PLC (Programa de Pós- Universidade Católica
122/2006 : sobre a Graduação em do Rio Grande do Sul
legitimidade da Ciências Criminais) (PUCRS)
demanda político-
criminal do movimento
LGBT”
“Travestis e prisões : a Dissertação Guilherme Gomes 2014 – Pontifícia
experiência social e a (Programa de Pós- Ferreira Universidade Católica
materialidade do sexo Graduação em Serviço do Rio Grande do Sul
e do gênero sob o Social) (PUCRS)
lusco-fusco do
cárcere”

6
Confirma-se, dentro da pesquisa realizada, a hipótese inicial lançada no
artigo, qual seja, de que a recepção da criminologia queer no Brasil é precária,
insuficiente e esparsa, principalmente diante da pequena quantidade de trabalhos
acadêmicos encontrados. Nota-se, ainda, que as discussões têm sido protagonizadas
pela área do Direito, visto que dos 5 (cinco) trabalhos encontrados, 3 (três) deles
pertencem à referida área, sendo que os remanescentes são da Psicologia e do
Serviço Social. Os títulos destas produções acadêmicas, por sua vez, indicam que
elas se inserem nos dois campos mencionados neste artigo: teórico (formação de um
saber criminológico-queer) e político (demandas de movimentos LGBTI por direitos,
igualdade e reconhecimento).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, dentro dos parâmetros e dos limites da pesquisa realizada, que a


produção acadêmica brasileira sobre criminologia queer é escassa. Para além de tal
constatação, quais são as consequências da ausência de perspectivas queer nas
criminologias, sobretudo aquelas de viés crítico?
Um primeiro desdobramento diz respeito às tensões existentes entre a
academia e os movimentos sociais. Academicamente, a criminologia crítica inspirada
no marxismo tem se mostrado majoritária, e por isso, os intelectuais (pesquisadores
e docentes) que integram instituições de ensino superior costumam se posicionar de
forma crítica em relação ao funcionamento do sistema penal brasileiro e ao seu “uso
estratégico” por parte dos movimentos mencionados, já que o sistema de justiça
criminal seria impassível de reformas diante de sua essência classista, seletiva e
estigmatizante. Politicamente, os movimentos sociais se mobilizam pela reivindicação
de direitos, demandas jurídicas que se colocam ora como pautas positivas (casamento
homoafetivo e retificação do prenome de pessoas trans), ora como pautas negativas
(criminalização da LGBTIfobia), as quais foram recepcionadas pela instância máxima
do Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal).5 Admite-se, portanto, demandas por

5 Estas pautas foram reconhecidas através dos seguintes julgamentos: i) Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
nº 432; ii) Recurso Extraordinário (RE) nº 670.422; iii) Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
(ADO) nº 26 e Mandado de Injunção (MI) nº 4.733.

7
criminalização e reformas prisionais, ainda que de forma parcial, reconhecendo a
limitação do alcance dessa agenda.
Um segundo desdobramento está relacionado à ausência de um paradigma
que consiga explicar as múltiplas violências que atingem o grupo e os indivíduos
LGBTI. Se a criminologia predominante em meios acadêmicos brasileiros é a
criminologia crítica, em seu viés marxista, então a criminalização e a vitimização do
referido grupo será analisadas sob esta ótica. Ou seja, levando-se em consideração
apenas o funcionamento (seletivo) do sistema penal a partir das desigualdades
econômicas. Contudo, as abordagens queer parecem extrapolar questões de classe,
além de permitir que as violências contra pessoas LGBTI sejam analisadas quando
elas são vítimas6, ou quando são encarceradas, duas “frentes” de estudo que
merecem ser aprofundadas.7
O cenário desenhado sugere que se invista em uma (ou diversas)
criminologia(s) queer brasileira(s). Se as estatísticas produzidas por OnG’s e grupos
de Direitos Humanos demonstram que existem dimensões de violências – das mais
visíveis até as mais refinadas – que atingem pessoas LGBTI, somente uma
criminologia com o referido enfoque será capaz de apreender criticamente este
fenômeno, que certamente não pode ser explicado por abordagens restritas ao
funcionamento classista do sistema penal. Observe-se que um diagnóstico preciso da
LGBTIfobia no país abre caminhos para pensar soluções destinadas a lidar com este
problema social, tanto no que diz respeito às políticas de segurança pública para o
grupo mencionado, como no tocante às políticas educacionais inclusivas, combatendo
preconceitos e comportamentos discriminatórios enraizados historicamente na
sociedade brasileira. Ao que tudo indica, a criminologia queer é a única perspectiva
capaz de explorar essas potencialidades.

REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução


à sociologia do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

6 Fala-se, nos estudos recentes de vitimologia (BURKE, 2019, p. 99-100), sobre a “cifra aro-íris” da
criminalidade, isto é, os crimes que são cometidos, mas não são noticiados (por inúmeros fatores),
contra membros da comunidade LGBTI.
7 A exemplo dos livros publicados por Clara Moura Masiero (MASIERO, 2014) e Guilherme Gomes

Ferreira (FERREIRA, 2015).

8
BUIST, Carrie L; LENNING, Emily. Queer criminology: new directions in critical
criminology. Routledge: London, 2016.

BURKE, Anderson. Vitimologia: manual da vítima penal. Salvador: Juspodivm, 2019.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 10.


ed. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

CARVALHO, Salo de; DUARTE, Evandro Piza. Criminologia do preconceito:


racismo e homofobia nas ciências criminais. São Paulo: Saraiva, 2017.

DWYER, Angela; BALL, Matthew; CROFTS, Thomas (Editors). Queering


criminology. London: Palgrave Macmillan, 2016.

FERREIRA, Guilherme Gomes. Travestis e prisões: experiência social e


mecanismos particulares de encarceramento no Brasil. Curitiba: Multideia, 2015.

FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o
projeto genocida do Estado brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de


Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 3. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2015.

MASIERO, Clara Moura. O movimento LGBT e a homofobia: novas perspectivas de


políticas sociais e criminais. Porto Alegre: Criação Humana, 2014.

MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. São Paulo:


Saraiva, 2014.

MEYER, Doug. Violence against queer people: race, class, gender and the
persistence of anti-LGBT discrimination. New Brunswick, New Jersey, and London:
Rutgers University Press, 2015.

MISKOLCI, Richard. Teoria Queer um aprendizado pelas diferenças. 3. ed. rev. e


ampl. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

PEDRINHA, Roberta Duboc. Sexualidade, controle social e práticas punitivas: do


signo sacro religioso ao modelo científico médico higienista. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009.

SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. Tradução e notas de Guacira Lopes
Louro. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 5. ed. rev. São Paulo: RT, 2013.

SPARGO, Tamsin. Foucault e a teoria queer. Tradução de Heci Regina Candiani.


Belo Horizonte: Autêntica, 2017.

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