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Alienação, gênero e raça: um debate necessário para a formação em

Psicologia

José da Silva Oliveira Neto1, Gleyciellen Soares Carvalho2,


Mayara Luiza Freitas Silva3, Ruth Maria de Paula Gonçalves4.

1
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades/Psicologia, e-mail: jn100995@gmail.com
2
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades/Psicologia, e-mail:
gleyciellensoares087@gmail.com
3
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades/Psicologia, e-mail: Mayara.lfs@gmail.com
4
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades/Psicologia, e-mail: ruthm@secrel.com

RESUMO. Gênero é uma categoria de análise que engloba processos que são produzidos no âmbito
psicossocial. A Declaração de Pequim foi um documento expedido pela Organização das Nações
Unidas (ONU) em 1995 que tratou da violência sofrida pelas mulheres nos diversos âmbitos,
contribuindo para pensar contextos de vulnerabilidade social. Este estudo visa realizar uma leitura
inicial da categoria gênero na Declaração de Pequim e compreender de que maneira sua
problematização contribui para com a construção de uma psicologia para a diversidade. De cunho
teórico-bibliográfico, este estudo se baseia no método dialético de Karl Marx. A Psicologia no
Brasil sofre os reveses do capital, assim se necessita de uma teorização para a diversidade. Dessa
forma, é mister apontar limites da Declaração de Pequim na luta pela emancipação do gênero
humano.
Palavras-chave: Declaração de Pequim. Gênero. Materialismo histórico-dialético.

1. INTRODUÇÃO
Gênero diz respeito a todo um conjunto de experiências e performances que tangem, isto
é, tocam nas vivências entre homens e mulheres, entre masculinidades e feminilidades
(OLIVEIRA NETO ET AL, 2018). Butler (2009) define ainda o gênero como a maneira por
meio da qual são gerenciadas e organizadas as relações sociais ente os sexos, de maneira que o
fluxo dos processos históricos são decisivos na constituição daquilo que será tomado como
padrão. Atualmente a categoria gênero vem sendo posta como um incômodo ao cenário de
conservadorismo político brasileiro; aparecendo, assim, com uma força subversiva, de maneira
que expressões como “ideologia de gênero” têm significado um contraponto as ideias da divisão
sexual do trabalho, tais como a noção de propriedade privada articulada à família monogâmica
e nuclear, a heterossexualidade, a branquitude etc. (ENGELS, 2012). Gênero, assim, torna-se
uma arma contra o conservadorismo, sobretudo quando se encontra com outras formas de
exploração, tais como a de classe e a de raça. Dessa maneira, tendo-se como aporte téorico
metodológico o materialismo histórico-dialético de Karl Marx e a Psicologia Histórico-Cultural
de Lev Vygotsky e colaboradores, revisita-se a categoria gênero em seu sentido profícuo e
revolucionário: aquele que desvela todo um sistema de vigilância das fronteiras de
masculinidade e feminilidade, as quais participam na manutenção do status quo (BORRILLO,
2015).
Conforme Lane e Codo (2004), toda psicologia é social (inclusive uma prática
psicológica que se direcione para o trabalho com a diversidade), o que não quer dizer que todas
as áreas da Psicologia sejam subsumidas à Psicologia Social, mas que todas devem assumir um
compromisso ético-político frente aos cenários de vulnerabilidade os mais diversos. A
Psicologia Social até então se via impregnada por modelos teórico-metodológicos exportados,
sobretudo dos Estados Unidos e da Europa; sendo, assim, replicados na realidade brasileira sem
nenhuma criticidade (BOCK, 1999). Com a superação desses paradigmas, foram surgindo novas
temáticas dentro do campo da Psicologia Social como também novas maneiras de compreensão
de processos antigos. Temáticas como identidade, raça e gênero foram tomando um colorido,
quiçá muitas vezes surgindo na produção brasileira em Psicologia (GALINKIN e SANTOS,
2010). É importante destacar que essa nova sistematização do conhecimento se deu sobre a
égide do materialismo histórico-dialético, segundo o qual a realidade, realiza-se num
movimento que é dialético entre objetividade e subjetividade se articulam de maneira que um
modifica o outro, sob a regência da objetividade. Assim, passou-se a compreender a natureza
histórica, dinâmica e mutável da realidade humana (MARX, 2015).
Através deste estudo, no geral, visamos realizar uma leitura inicial da categoria gênero
na Declaração de Pequim e, em específico, compreender de que maneira sua problematização
contribui para com a construção de uma Psicologia para a diversidade. Nesse sentido, o presente
estudo se justifica tendo em vista o quadro epidemiológico geral de incidência de violência de
gênero com suas devidas atualizações e à violência de gênero em relação à diversidade ter se
apresentado como fator de risco para a produção de psicopatologias e suicídio, inserindo-se no
debate psicológico.

2. METODOLOGIA
De cunho teórico-bibliográfico, este estudo se encontra dentro da perspectiva histórico-
social em Psicologia Social, considerando que o fenômeno estudado dentro de uma perspectiva
dialética e histórica, de maneira que esses dois elementos são inseparáveis; construindo-se,
assim, uma dinâmica do fenômeno humana baseada no movimento do concreto para o abstrato
e vice-versa, do qual surgem as contradições (ABRANTES ET AL, 2005). A ontologia
marxiano-lukacsiana também orienta a visão do processo psicológico adotada neste estudo,
considerando que a realidade social fala por si só, não sendo o pesquisador que define quais são
suas características, pois ela tem história e realidade material, logo ela comunica seu movimento
ao pesquisador (NETTO, 2012). A historicidade é, assim, a categoria de análise principal no
que se refere ao estudo do ser social em movimento, tendo o trabalho como atogênese.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
De acordo com Castanho (2013), os seres humanos, ainda enquanto crianças, têm suas
vivências genderizadas: o que quer dizer que tais sujeitos aprendem padrões de comportamento
e conduta baseado nos marcos de gênero. O autor, exemplificando, mostra que meninos, desde
a infância, jogam futebol, dirigem seus carros e administram seus negócios em seus jogos e
brincadeiras, ao passo que meninas são boas, doces e excelentes mães à espera de um príncipe
encantado. Contudo, nem sempre foi assim e –acrescenta-se – nem sempre será assim. O que
acontece quando as pessoas rompem com as expectativas impostas de gênero? Formas de
violação e exploração para com a população da diversidade.
A Declaração de Pequim evidencia, conforme Viotti (2006), algumas necessidades das
mulheres enquanto grupo de risco que precisam ser atendidas, dentre elas a autora expõe doze
áreas de preocupação prioritária: proporção de mulheres em situação de pobreza; desigualdade
no acesso à educação e à capacitação; desigualdade no acesso aos serviço de saúde; violência
contra a mulher; efeitos dos conflitos armados sobre a mulher; desigualdade quanto à
participação nas estruturas econômicas, nas atividades produtivas e nos acessos a recursos; a
desigualdade na participação no poder político e nas instâncias transitórias; a insuficiência de
mecanismos institucionais para a promoção do avanço da mulher; deficiências na promoção e
na proteção dos direitos da mulher; o tratamento estereotipado dos temas relativos à mulher nos
meios de comunicação e a desigualdade de acesso a esses meios; a desigualdade na participação
das decisões sobre o manejo dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente e, por fim;
necessidade de proteção e promoção voltadas especificamente para os direitos da menina. Tal
faceta da alienação é resultado de uma série de aprendizados mediados através da história e da
cultura (VYGOTSKY, 1994), que em última instância, produz cotidianamente antagonismos de
classe, gênero e raça.
A organização social cindida em classes tem na burguesia aqueles que detêm os meios
de produção e os monopolizam e no proletariado aqueles que somente têm seu trabalho para
vender em troca de um salário, o qual não corresponde às horas trabalhadas, fenômeno esse
chamado por Marx e Engels (1988) de mais valia. Todo esse processo de coaptação da força de
trabalho, transformando-a em coisa é denominado alienação. Mészáros (2016), retomando Karl
Marx, define que a alienação se manifesta em três níveis de organização/desorganização da
experiência humana: 1) enquanto ser genérico, o que faz com que os seres humanos percam
aquilo que lhes identifica enquanto espécie unificada, empobrecendo suas consciências e
identidades; 2) enquanto trabalho externo ou estranhado, ou seja, a atividade que antes era
pertinente ao homem já não o é mais, podendo ele agora vende-la por um salário, o que cria a
relação interno/externo e, por fim; 3) enquanto ser relacional, porquanto inviabiliza que os seres
humanos se identifiquem uns nos outros enquanto semelhantes, possibilitando a violência.
Saffioti (2015) é contundente ao definir violência enquanto ataque aos direitos humanos, sendo
estes o direito ao acesso à cultura espiritual e material e a possibilidades de pleno
desenvolvimento. Esse não acesso, segundo a autora gera feridas psicológicas, muitas vezes
profundas demais para serem sanadas.
Nesse sentido é que se observam as violações via gênero, enquanto faceta da alienação
e enraizamento dela. Ora, mulheres, LGBTT’s e negros (em intersecção com questões de
gênero) têm seus corpos marcados simbolicamente como também concretamente com marcas
de violência de gênero, a qual é trazida à luz pelas contribuições da Declaração de Pequim
(VIOTTI, 2006). Rumo ao processo de emancipação da Psicologia e das populações
empobrecidas historicamente, lembre-se que as bases da ciência psicológica no Brasil, em
específico, anda de mãos dadas com interesses metabolizados pelo capital e seus
engendramentos. Assim, faz-se mister uma revisitação de suas bases diariamente a fim de que
se construa um conhecimento responsável, promotor de saúde e, sobretudo, para além do capital.
Como Marx e Engels (2008) já alertaram e ratificaram, o proletariado nada tem a perder a não
ser os seus grilhões. Dessa forma, resta perceber, dentro do movimento entre o concreto e o
abstrato, que caminhos metodológicos a Psicologia pode traçar para contribuir com o projeto
revolucionário e para uma atuação para e com as diversidades.

4. CONSIDERÇÕES FINAIS
Evidenciam-se alguns eixos – os quais já foram anteriormente expostos em que a
violência de gênero tem desapropriado os sujeitos, sobretudo as mulheres enquanto gênero
humano. Nesse sentido, percebem-se iniciativas de construção de políticas públicas frente a essa
situação, sendo a Declaração de Pequim (1995), uma iniciativa considerada progressista, uma
vez que defende a posição de gênero quanto as questões relacionadas a luta das mulheres. Diante
dos limites das políticas públicas na sociabilidade do capital, na qual o Estado é braço direito
na busca pela manutenção de sua lógica, o Relatório que avalia tal documento em seu vigésimo
ano, 2015, aponta como constrangedora a aplicabilidade abaixo das expectativas da Declaração
de Pequim(1995). Tal anúncio internacional impulsiona um plano de atuação para profissionais
do campo da Psicologia, porquanto, uma vez entendendo as variáveis que compõem a
subjetividade dos indivíduos em situação de vulnerabilidade, podem atuar no sentido de
promover saúde (OLIVEIRA NETO ET AL, 2018). Nesse sentido, faz-se necessário que se
retorne constantemente às bases da Psicologia no Brasil, uma vez que seu nascimento e
desenvolvimento muito tem a ver com os interesses propostos pelas formas de metabolização
do capital (LACERDA JÚNIOR, 2010). Assim, fazendo esse movimento de crítico, próprio à
noção de dialética, será possível construir uma prática para as diversidades que rume em vias
duas vias: 1) a desestruturação das opressões e 2) a construção da libertação das massas
oprimidas (OKITA, 2015)
5. REFERÊNCIAS
ABRANTES, Ângelo Antônio; SILVA, Nilma Renildes da; MARTINS, Sueli Terezinha
Ferreira. Método histórico-social na psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2005.
BOCK, Ana Mercês Bahia. A Psicologia a caminho do novo século: identidade profissional e
compromisso social. Estudos de Psicologia, v. 4, n. 2, p. 315-329, 1999.
BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Ed. 2. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2015.
BUTLER, Judith; RIOS, André. Desdiagnosticando o gênero. Physis: Revista de Saúde
Coletiva, v. 19, p. 95-126, 2009.
CASTANHO, W. G. T. Nem sempre foi assim: uma contribuição marxista ao reconhecimento
da união homoafetiva no STF e à autorização do casamento lésbico no STJ. Dissertação de
mestrado. São Paulo: USP, 2013.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. Ed. 3. São
Paulo: Expressão Popular, 2012.
GALINKIN, Ana Lúcia; SANTOS, Claudiene. Gênero e Psicologia Social: interfaces. Ed. 1.
Brasília: Technopolitiik, 2010.
LACERDA JÚNIOR, Fernando et al. Psicologia para fazer a crítica? Apologética,
individualismo e marxismo em alguns projetos psi. Tese de Doutorado. São Paulo: Pontífice
Universidade Católica, 2010.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Ed. 1. São Paulo: Boitempo, 2015.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O capital: critica de economia política, volume I. Abril
Cultural, 1988.
MARX, Karl; ENGLES, Friedrich. O manifesto do partido comunista. Ed. 1. São Paulo:
Expressão Popular, 2008.
MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. Ed. 1. São Paulo: Boitempo, 2016.
NETTO, João Paulo. Introdução ao estudo do método em Marx. Ed. 1. São Paulo: Expressão
Popular, 2011.
OKITA, Hiro. Homossexualidade: da opressão à libertação. Ed. 2. São Paulo: Sundermann,
2015.
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado e violência. Ed. 2. São Paulo:
Expressão Popular, 2015.
VIOTTI, Maria Luiza Ribeiro. Declaração e a plataforma de ação da IV Conferência
Mundial sobre a mulher: Pequim 1995. Instrumentos internacionais de direitos das mulheres.
Brasília: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, p. 15-25, 2006.
VYGOTSKY, Lev Semenovitch. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
1994.

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